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1 Direito Civil – Contratos – LFG – 2º sem/2012 Prof. Christiano Chaves Aula 01 - Erika 19/09/2012 1- Noções gerais sobre os contratos Hoje existe um movimento da constitucionalização das relações civis. O direito privado passou a conviver com valores não apenas patrimoniais, mas também com valores existenciais. O conceito histórico de contrato, portanto, precisou ser revisto. Antes, o contrato era o ajuste de interesses privado exclusivamente para fins patrimoniais. Agora, trata-se de ajuste de interesses particulares (isso sempre foi e sempre será), porém não só para fins patrimoniais – há a possibilidade de outras finalidades. Hoje, o contrato serve para promoção da dignidade humana, para a solidariedade social e a igualdade social. O ajuste de interesses privados não pode prejudicar os direitos fundamentais e sociais dos contratantes e a tutela jurídica de terceiros e da coletividade. Em outras palavras, o contrato não pode violar dos direitos e garantias fundamentais dos próprios contratantes e a tutela jurídica de terceiros. É claramente uma incidência da eficácia horizontal dos direitos fundamentais . Assim, veja três novas possibilidades contratuais, a título de exemplos, a partir dessa nova visão: - cessão de imagem: é um contrato cujo objeto é um direito da personalidade; não é uma finalidade patrimonial. - contratos de direito de família: pode-se dispensar a coabitação por contrato, sem finalidade patrimonial. - contratos relacionais (ou cativos ou de longa duração): são aqueles em que se prolatam para o longo da vida e, consequentemente, há uma mitigação da autonomia de vontade: plano de saúde, fornecimento de energia, TV a cabo. O STF, no HC 86009/DF em uma questão de ordem, julgou a competência para processar e julgar HC e MS contra atos de juiz de juizados especiais: a interpretação que se dava era uma, mas

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Direito Civil – Contratos – LFG – 2º sem/2012

Prof. Christiano Chaves

Aula 01 - Erika19/09/2012

1- Noções gerais sobre os contratos

Hoje existe um movimento da constitucionalização das relações civis. O direito privado passou a conviver com valores não apenas patrimoniais, mas também com valores existenciais.

O conceito histórico de contrato, portanto, precisou ser revisto. Antes, o contrato era o ajuste de interesses privado exclusivamente para fins patrimoniais. Agora, trata-se de ajuste de interesses particulares (isso sempre foi e sempre será), porém não só para fins patrimoniais – há a possibilidade de outras finalidades. Hoje, o contrato serve para promoção da dignidade humana, para a solidariedade social e a igualdade social.

O ajuste de interesses privados não pode prejudicar os direitos fundamentais e sociais dos contratantes e a tutela jurídica de terceiros e da coletividade. Em outras palavras , o contrato não pode violar dos direitos e garantias fundamentais dos próprios contratantes e a tutela jurídica de terceiros. É claramente uma incidência da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

Assim, veja três novas possibilidades contratuais, a título de exemplos, a partir dessa nova visão:

- cessão de imagem: é um contrato cujo objeto é um direito da personalidade; não é uma finalidade patrimonial. - contratos de direito de família: pode-se dispensar a coabitação por contrato, sem finalidade patrimonial. - contratos relacionais (ou cativos ou de longa duração): são aqueles em que se prolatam para o longo da vida e, consequentemente, há uma mitigação da autonomia de vontade: plano de saúde, fornecimento de energia, TV a cabo.

O STF, no HC 86009/DF em uma questão de ordem, julgou a competência para processar e julgar HC e MS contra atos de juiz de juizados especiais: a interpretação que se dava era uma, mas agora a interpretação que deve prevalecer é outra – isso por conta da mutação constitucional. Mutação constitucional não implica na mudança da norma; é a mudança da intepretação sobre o que significa a norma. Veja que o contrato sofreu uma mutação conceitual: o que muda é a compreensão sobre o verdadeiro significado de um contrato.

Atenção!!! Constitucionalização do direito civil (ou direito civil constitucional) não se confunde com publicização do direito civil! Constitucionalização é a interpretação dos clássicos institutos do direito civil conforme os valores constitucionais. Publicização, por sua vez, é o dirigismo contratual – é a intervenção concreta do Estado em uma relação privada com o propósito de assegurar a igualdade entre as partes.

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Não raro, os dois fenômenos ocorrem juntos. É muito comum no direito do consumidor: é comum o Estado interferir na fixação de cobrança de tarifas – estamos diante de publicização e também de constitucionalização.

2- Da autonomia da vontade à autonomia privada

A autonomia da vontade era a pedra angular do direito contratual e era igual a liberdade contratual. Essa liberdade veio da Revolução Francesa e retratada pela máxima do pacta sunt servanda, segundo a qual o contrato faz lei entre as partes.

O pacta sunt servanda trouxe como efeito a impossibilidade de interferência do Poder Judiciário para corrigir desequilíbrios contratuais. A liberdade contratual foi concebida de forma absoluta e, portanto, a autonomia da vontade sempre foi absoluta.

Agora, no entanto, teremos função social e boa-fé objetiva no próprio Código Civil e também direitos fundamentais e sociais, vindo da Constituição. Representa uma nova dimensão da autonomia da vontade: ela deixa de ser absoluta. A autonomia da vontade, agora, tem que respeitar a função social, a boa-fé objetiva, os direitos fundamentais e os direito sociais.

A autonomia da vontade, portanto, deixou de ser absoluta e foi redesignada: autonomia privada. Lembre-se que antes a união estável se chamava concubinato – foi redesignado justamente para romper com o conceito antigo. Foi exatamente o que aconteceu com a autonomia da vontade, que passou a ser chamada de autonomia privada.

Hoje, autonomia privada significa o instrumento de circulação de riquezas, respeitados os valores constitucionais, como dignidade humana e solidariedade social, permitindo o livre desenvolvimento da pessoa humana.

Em outras palavras, a autonomia privada é livre iniciativa, porém não mais um conceito absoluto; não se trata de uma liberdade absoluta. Sem asfixiar a liberdade humana, o movimento de constitucionalização do direito civil e a eventual publicização do direito civil, estabelecem limites à contratação.

A liberdade continua sendo o fundamento, porém agora ela encontra limites. Neste sentido, veja o Enunciado 23 da Jornada:

23 - Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.

O direito contratual sempre vai buscar a garantia do crédito, mas isso significa que essa busca não pode gerar sacrifícios de valores constitucionais, da função social e da boa-fé. O fundamento do direito contratual não é alterado: continua sendo a busca da garantia do crédito.

A concepção atual de contrato, em razão da incidência dos valores constitucionais, da boa-fé e da função social é no sentido de garantir a liberdade de iniciativa com respeito a valores humanos e sociais. Não se quer sacrificar interesses privados ou creditícios, mas condicioná-los a uma perspectiva garantista.

3- Direito Intertemporal dos Contratos

Está no artigo 2.035 do CC/02 e também no artigo 5º, XXXVI da CRFB.

Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis

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anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.

Artigo 5º, XXXVI – CRFB - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Contrato é relação jurídica de trato sucessivo e, como toda relação de trato sucessivo, pode estar submetido a diferentes normas jurídicas. É possível que um contrato esteja submetido a uma norma e depois há outra norma superveniente o regulando. Uma mesma relação contratual pode ficar submetida a diferentes normas.

O artigo 2.035 do CC/02 pode ser compreendido a partir de uma fórmula: para as relações jurídicas continuativas submetidas a diferentes normas: a existência e a validade de uma relação jurídica ficam submetidas à norma vigente na data de sua celebração; já a eficácia submete-se à norma atualmente em vigor.

Exemplo1: mudança do regime de bens no casamento. As pessoas que casaram antes do CC/02 podem requerer a mudança do regime de bens? O CC/16 não permitia a mudança do regime de bens. Veja que a mudança do regime de bens está no plano da eficácia e, portanto, deve ser aplicada a lei nova. O leading case admitindo a mudança do regime mesmo àqueles casados antes do CC/02 foi o REsp. 730.546/MG.

No entanto, se quiser discutir se esse casamento é nulo ou anulável, deve-se verificar o CC/16, na medida em que está no plano da validade.

Exmeplo2: O artigo 977 do CC/02 traz a proibição de contrato de sociedade entre pessoas casadas no regime de separação universal ou comunhão universal. Antes do CC/02 existiam pessoas que eram casadas no regime da comunhão universal e eram sócios. Esses cônjuges que eram sócios tem que se adequar? Não se aplica o CC/02; trata-se do plano da validade e, logo, a lei aplicada é a antiga. Veja, neste sentido, o Enunciado 205:

205 – Art. 977: Adotar as seguintes interpretações ao art. 977: (1) a vedação à participação de cônjuges casados nas condições previstas no artigo refere-se unicamente a uma mesma sociedade; (2) o artigo abrange tanto a participação originária (na constituição da sociedade) quanto a derivada, isto é, fica vedado o ingresso de sócio casado em sociedade de que já participa o outro cônjuge.

Exemplo3: o novo CC/02 reduziu o valor da multa condominial pelo atraso no pagamento de 20% para 2%. Trata-se do plano da eficácia e, logo, os condomínios que aplicavam a multa de 20% têm que respeitar os 2% estabelecidos pelo CC/02. Neste sentido, REsp. 722.904/RS.

4- Elementos de validade dos contratos

Os elementos de validade estão no artigo 104 do CC/02 – são os mesmos elementos de validade de qualquer outro negócio jurídico.

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:I - agente capaz;

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II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;III - forma prescrita ou não defesa em lei.

Além desses elementos, os contratos exigem também a vontade livre e desembaraçada. Veja que, portanto, são quatro elementos: capacidade do agente; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; forma prescrita ou não defesa e vontade livre e desembaraçada.

A) Capacidade do agente – o agente tem que ser capaz, sob pena de invalidade. Se a incapacidade for absoluta, gera nulidade; se a incapacidade for relativa, gera a anulabilidade. O grau de invalidade, portanto, varia conforme o tipo de incapacidade.

***Atenção! Não confunda capacidade com personalidade! Os entes despersonalizados podem celebrar contratos – isso porque eles não têm personalidade, mas têm capacidade.

Para determinados contratos, o Código pode exigir, além da capacidade, um requisito extra: trata-se da legitimação. Não estamos falando de legitimidade processual e sim de legitimação para atos de direito material. Essa legitimação é um requisito específico para a prática de um ato contratual específico. Orlando Gomes falava ser um ‘plus’ na capacidade.

Um belo exemplo de legitimação: uma pessoa casada e capaz pode celebrar contratos, porém se for um contrato de venda de bem imóvel, precisa também da outorga do cônjuge (essa outorga do cônjuge se chama vênia conjugal; se for do marido se chama outorga marital e se chama outorga uxória se for da esposa). A Outorga do cônjuge é um exemplo de legitimação: é um requisito específico para um contrato específico.

Outro exemplo: os pais têm o poder familiar, mas para vender os bens dos filhos, devem ter autorização judicial, ouvido o MP. Logo, a autorização judicial para a venda de imóveis de incapaz é requisito específico para prática de ato específico – trata-se de legitimação.

Observe que quem estabelece a invalidade é a norma. O Código que diz que um contrato é inválido. Se o conceito de invalidade é normativo, a própria norma pode acobertar a invalidade, tornando válido o que inicialmente seria inválido.

Veja: quem emprestou um dinheiro a menor não pode cobrar de volta, porque é um contrato inválido. No entanto, se ficar provado que esse empréstimo reverteu em favor do menor; ou, ainda, que esse menor omitiu sua real idade, o Código admite a validade do contrato. Trata-se do “senatus consulto macedoniano”, artigos 588 e 589 do CC/02.

P.S.: Não se esqueça que alguns contratos podem ser plurilaterais ou multilaterais (duas ou mais partes). Além disso, o agente capaz pode ser a coletividade – são os chamados contratos difusos e coletivos. O TAC (termo de ajustamento de conduta) é um exemplo de contrato difuso, bem como a convenção coletiva de trabalho. É a coletividade figurando em um contrato.

B) Licitude, possibilidade e determinabilidade do objeto – o objeto dos contratos deve ser lícito, possível, determinado ou determinável. Significa, portanto, que a ilicitude, a impossibilidade ou a indeterminabilidade absoluta geram nulidade do contrato – o contrato será nulo.

Se a indeterminação do objeto for relativa, não haverá nulidade. Veja o artigo 106 do CC/02:

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Art. 106. A impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for relativa, ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado.

Esse dispositivo nos diz que a impossibilidade inicial do objeto do contrato só o invalida se for absoluta. Se for relativa, portanto, não invalida. A nulidade do contrato é gerado pela impossibilidade inicial absoluta. E se a impossibilidade for superveniente? Não haverá invalidação, nem absoluta e nem relativa. A impossibilidade superveniente atinge o plano da eficácia (e não da validade).

O artigo 416 consagra a proibição de pacto sucessório (ou proibição de pacta corvina): é nulo o contrato que tenha por objeto a herança de pessoa viva – é objeto impossível.

Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.

Um exemplo neste sentido é que ninguém pode ceder direitos hereditários antes da morte do autor da herança.

O artigo 2.018 do CC/02 serve, aqui, como uma importantíssima questão a ser debatida. Este dispositivo permite partilha em vida quando todos os herdeiros forem maiores e capazes.

Art. 2.018. É válida a partilha feita por ascendente, por ato entre vivos ou de última vontade, contanto que não prejudique a legítima dos herdeiros necessários.

Isso seria uma exceção ao pacto sucessório (pacta corvina)? O Carlos Roberto Gonçalves e Cristiano Chaves entendem que sim: trata-se de herança de pessoa viva, porém permitida por lei. Outros entendem que se trata de doação em vida e não herança de pessoa viva.

P.S.: objeto ‘non domino’ – vendo algo que não é meu. Muita gente acredita que seria inválido. O CC/02 permite contratos a non domino. O contratante pode dispor de algo que não é seu. Exemplo: compra e venda – o CC/02 não ataca a validade e sim a eficácia do contrato, que fica condicionada à aquisição superveniente da coisa. Enquanto não houver a superveniência, a eficácia fica contida.

C) Formalidade quando prevista em lei – a regra geral do direito brasileiro é a de que os contratos são meramente consensuais (“solo consenso”) – significa que os contratos se formam basicamente pela vontade das partes: é suficiente a vontade das partes.

Formalidades somente serão necessárias quando houver expressa disposição de lei ou das partes.

A combinação do artigo 109 com o artigo 166 revela que quando houver formalidade, ela integra a substancia do ato e, assim, deve ser cumprida sob pena de nulidade. Os contratos são consensuais por regra geral, mas quando forem solenes, precisam ter a solenidade cumprida sob pena de nulidade.

Exemplo: contratos imobiliários. Em se tratando de contrato imobiliário, ele deve ser celebrado por escritura pública e registrado no cartório de imóveis. O artigo 108 dispensa a escritura pública quando o valor do imóvel não superar 30 salários mínimos.

Art. 109. No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato.

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;

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III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;IV - não revestir a forma prescrita em lei;V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Atenção! Cuidado para não confundir formalidade contratual com prova do contrato. A prova do contrato (artigo 227 do CC e artigo 401 do CPC) não está nem no plano da existência, nem da validade e nem da eficácia. A prova do contrato é tão somente a demonstração; a prova nada tem a ver com a forma – é apenas para provar.

Art. 401. A prova exclusivamente testemunhal só se admite nos contratos cujo valor não exceda o décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em que foram celebrados.

Veja que se o valor do contrato excede 10 salários mínimos, não se admite prova exclusivamente testemunhal. Todo contrato cujo valor excede 10 salários mínimos se torna, então, um contrato formal?! Claro que não! Esse artigo não está falando de forma e sim de prova. Não se admite a prova testemunhal, mas nada impede outro tipo de prova.

O STJ vem estabelecendo que não necessariamente proíbe-se a prova testemunhal. A Corte entende que alguns contratos, pela sua gênese, pela sua natureza, são verbais mesmo quando ultrapassa 10 salários mínimos, admitindo a prova testemunhal. Exemplo: prestação de serviços, como um contrato verbal com um marceneiro – mesmo que ultrapasse 10 salários mínimos, admite-se a prova exclusivamente testemunhal. O leading case é o REsp. 10.807/PI.

DIREITO AGRARIO; PARCERIA. AÇÃO POSSESSORIA. VALORAÇÃO DA PROVA. 1. CONSTATADA A ERRADA VALORAÇÃO DA PROVA, PARA NEGAR A EXISTENCIA DE CONTRATO DE PARCERIA RURAL, QUE A LEI EXPRESSAMENTE ADMITE POSSA SER FEITA POR TESTEMUNHAS, NÃO SE APRESENTA DEFESO A, EM RECURSO ESPECIAL, DELA TIRAR CONCLUSÃO DIVERSA, DE SORTE A REDEFINIR A SITUAÇÃO JURIDICA EMERGENTE. 2. SEM DESCONSTITUIÇÃO DO CONTRATO DE PARCERIA RURAL NÃO CABE AÇÃO POSSESSORIA, EMBORA CERTO QUE O DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO PELO PARCEIRO OUTORGADO POSSA DAR CAUSA A DESPEJO RURAL, COMO PREVE A LEGISLAÇÃO AGRARIA. OU DE DIFICIL REPARAÇÃO, OS QUAIS SE EXISTENTES, ADMITIRIAM A PROVISÃO CAUTELAR EM CARATER EXCEPCIONAL, O QUE NÃO LOGROU FAZER. IV - RECURSO ORDINARIO CONHECIDO, A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

Veja que a formalidade no direito dos contratos é essencial. Porém, a forma no processo civil tem reduzida importância, por conta do princípio da instrumentalidade das formas (artigo 244 do CPC). No direito contratual, quando houver previsão, a forma integra a substancia do ato.

A violação da forma gera nulidade. É possível ratificar um contrato com violação de forma? A convalidação não é admitida! A convalidação é somente para contratos anuláveis.

O artigo 170 do CC/02 traz a hipótese de conversão substancial.

Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.

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Conversão substancial é o aproveitamento, por ato judicial, da vontade válida manifestada em um contrato nulo, por vício de forma. Atenção: a conversão substancial é por ato do juiz a requerimento do interessado.

A vontade é válida, mas o contrato é nulo por ofender a forma. O juiz pega essa vontade válida e leva para outra categoria, para aproveitar a vontade. É o aproveitamento da vontade.

Exemplo1: testamento público nulo pela forma. Se o testamento é nulo, a herança ou legado não será transmitida; porém, o juiz pode pegar aquela vontade válida manifestada no testamento nulo e leva para outra categoria: o testamento particular, que não tem forma. Veja, portanto, que é possível converter um testamento público nulo em um testamento particular.

Exemplo2: um título de crédito nulo por vício de forma. Esse título não pode ser executado. Porém, pode ser convertido em confissão de dívida e com isso propiciar uma ação monitória, ao invés de uma ação de execução.

O Enunciado 13 da Jornada prevê dois requisitos para que haja a conversão substancial; o elemento subjetivo, que é a vontade válida; e o elemento objetivo, que é a existência de outra categoria apta para receber a vontade válida.

13 – Art. 170: o aspecto objetivo da convenção requer a existência do suporte fático no negócio a converter-se.

É possível utilizar da conversão substancial quando incidir sobre a vontade e não sobre a forma? Nunca! Afinal, a conversão substancial é utilizada para aproveitar uma vontade válida.

Sobre o tema, caiu uma questão interessante na PGE/RJ: Uma senhora, sem herdeiros necessários, faz uma doação de seu único imóvel, para a enfermeira que toma conta dela, com cláusula de usufruto vitalício. Porém, faz por instrumento particular. A sobrinha dela pede a nulidade da doação, na medida em que a doação de bem imóvel deveria ser por instrumento público. Qual a solução? Converter a doação em testamento particular, que não exige forma pública.

D) Vontade livre e desembaraçada – a vontade não pode ser viciada. Eventual vício sobre a vontade conduz à anulabilidade do contrato (erro, dolo, coação, etc.) – defeito do negócio jurídico.

O silêncio pode ser interpretado como manifestação de vontade? Sim, o silêncio pode ser interpretado como manifestação de vontade, quando não houver forma prescrita em lei e quando os usos e circunstâncias autorizam.

Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.

Um exemplo claro é a doação. Efetivamente, a aceitação da doação pode se dar pelo silêncio. Porém, a realização de uma doação jamais poderá se dar pelo silêncio.

Portanto, o silêncio pode ser interpretado como manifestação tácita da vontade quando a lei conferir a ele tal efeito. É o que sucede, por exemplo, na doação pura, quando o doador fixa prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou.

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Art. 539. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo.

O mesmo ocorre quando o herdeiro, notificado para dizer se aceita ou não a herança, nos termos do artigo 1807 do CC, deixa transcorrer prazo fixado pelo juiz sem se manifestar. O silêncio pode ser igualmente interpretado como consentimento quando tal efeito ficar convencionado em um pré-contrato ou ainda resultar dos usos e costumes, conforme artigo 432 do CC/02:

Art. 432. Se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa.

Um bom exemplo também é a renovação do seguro, que é feita automaticamente a cada fim do período. Silenciando-se em períodos subsequentes, se entende que aquele silêncio se torna uma anuência. Mas a configuração é sempre casuística.

5- Fundamentos

A base do contrato é a vontade humana. E a vontade humana nem sempre é clara. A vontade humana reclama interpretação, ou seja, deve-se buscar o sentido e o alcance e, portanto, todo contrato exige interpretação.

O CC/02, atento a isso, estabeleceu regras interpretativas e as organizou em dois grupos.

O primeiro grupo é a regra principal (alguns autores chamam de ‘regra de ouro’); o segundo grupo são as regras acessórias combinantes. Uma regra não elimina a outra – as duas coexistem harmonicamente.

5.1 – Regra principal. Em toda e qualquer intepretação de contrato haverá a regra principal.Está no artigo 113: trata-se da boa-fé objetiva. É a eticidade. É a interpretação de toda

e qualquer cláusula de um contrato conforme a ética que se espera dos contratantes. Define-se o sentido e o alcance de uma cláusula contratual de acordo com a ética dos contratantes. Não precisa estar escrito – é o comportamento ético.

Exemplo: cheque é ordem de pagamento à vista. Porém, é hábito comum no comércio a aceitação do chamado ‘cheque pós-datado’. Por mais que se saiba que o cheque pode ser apresentado antes da data combinada, a pessoa que emite o cheque confia que o outro não vai apresentar antes, conforme um comportamento ético. Veja a Súmula 388 do STJ:

Súmula 388 STJ: A simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral

Desta súmula, deduziu-se outro entendimento de que a apresentação antecipada de cheque pós-datado já viola a boa-fé objetiva e gera dano moral.

** O CC/02 tem três diretrizes: a socialidade, a eticidade (boa-fé objetiva) e a operabilidade (ou concretude).

5.2 – Regras acessórias cominantes. Acoplam-se à regra principal em casos específicos. Para situações especiais, além da regra principal, haverá regras acessórias.

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5.2.1 - A primeira está no artigo 110: interpretação dos contratos com reserva mental (propósito secreto, obscuro de não cumprir aquilo que se está declarando). Se a reserva mental for desconhecida da parte contrária (ou seja, a pessoa está de boa-fé), o contrato vale; subsiste regularmente. Eventual prejuízo sofrido pelo contratante de boa-fé gera perdas e danos.

Porém, se a reserva mental é conhecida da contraparte (não há boa-fé), gera simulação e o contrato será nulo.

ATENÇÃO!!! Embora Cristiano Chaves fale que quando a reserva mental é conhecida, haverá simulação, devemos saber que a matéria é divergente.

Se o declaratário conhece a reserva, a solução, na verdade, é divergente. Moreira Alves afirma: “(...) a reserva mental conhecida da outra parte não torna nula a declaração de vontade; esta inexiste, e, em consequência, não se forma o negócio jurídico”.Exemplo: um autor anuncia a proposta de reverter o dinheiro obtido com a venda de livros à uma creche; porém, intimamente, sabe que não vai reverter dinheiro algum. Enquanto a reserva mental estiver na cabeça dele, não há repercussão nenhuma – as pessoas estão comprando livros de forma ok. No banheiro, porém, o autor fala sozinho que não vai reverter dinheiro algum. Um aluno escuta.

A partir do momento em que o aluno escuta, para o CC/02, na linha do Ministro Moreira Alves, que foi quem elaborou a parte geral, o negócio jurídico não subsiste mais. A doutrina, todavia, na linha de Carlos Roberto Gonçalves, entende que o negócio existiu sim, mas se a outra parte tomou conhecimento da reserva e se sente enganado, ela foi vítima de dolo e pode invalidar o negócio. Se o aluno, todavia, se junta ao professor para enganar terceiro, haverá simulação.

Assim, o CC brasileiro, em seu artigo 110, na linha de pensamento do ministro Moreira Alves, dispõe ser o negócio inexistente, se a outra parte toma conhecimento da reserva. Todavia, corrente há na doutrina que sustenta não a inexistência, mas a invalidade do negócio quando da reserva toma conhecimento a outra parte.

Assim, havendo a exposição da reserva mental, a jurisprudência diverge quanto aos efeitos: sendo simulação, é nulo o negócio jurídico (corrente majoritária); para outra corrente, minoritária, a manifestação de vontade será insubsistente, pela leitura do artigo 110 do CC – se a manifestação subsiste, salvo se a reserva mental for conhecida, sendo esta conhecida, não mais subsiste. Por isso, o negócio seria inexistente, e não nulo, pois não há manifestação de vontade (carente de elemento de existência, inexiste o negócio).

5.2.2 – artigo 112 do CC/02, que trata da interpretação da vontade. Deve-se levar em conta muito mais a intenção do que o sentido literal da vontade.

5.2.3 – artigo 114 do CC/02. Há categorias contratuais que estão limitadas à categoria restritiva: cláusulas contratuais benéficas, sancionatórias, a renúncia, a fiança e o aval.

Exemplo é a Súmula 214 do STJ, que trata da fiança locatícia, e traz uma interpretação restritiva da fiança.

Súmula 214 – STJ - O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu.

Atenção! Essa súmula não diz respeito se se tratar a extensão temporada fiança: o fiador fica preso, atrelado ao contrato até a devolução das chaves. Exemplo: havendo prorrogação

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automática de um contrato de locação por tempo indeterminado, o fiador continua garante. A interpretação extensiva não se aplica à extensão temporal. Se, no entanto, o locatário inclui taxas extras no contrato e o fiador não anui, ai sim o fiador não responde.

A lei 8245/91 estabelece que quando houver prorrogação automática do contrato de locação, o fiador tem 30 dias a partir do dia em que ele toma conhecimento da prorrogação para sair da posição de garante, notificando o locador. O locador, notificado, terá 120 dias para exigir do locatário uma nova garantia. Se não houver nova garantia dentro desse prazo, ocorrerá despejo em 15 dias.

5.2.4 – artigo 117 do CC/02, que trata da interpretação do autocontrato, também chamado contrato consigo mesmo.

Caracteriza-se o contrato consigo mesmo quando uma mesma pessoa figura em ambos os polos de uma relação contratual, e em um deles em nome próprio e, no outro, em nome alheio, por força de uma representação privada. Exemplo: eu passo uma representação para Rita vender meu terreno e ela, como minha representante, vende o terreno para ela mesma.

Sabendo que é humano que o representante procura se atentar mais para seus interesses, o Código estabelece que o autocontrato será anulável se celebrado com prejuízo para o representado. Se Rita vende a preço justo, o contrato será válido.

Se o contrato for de consumo ou de adesão, porém, a consequência será mais grave: haverá nulidade. Exemplo é a súmula 60 do STJ.

Súmula 60 – STJ - É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste.

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Aula 02 - Erika26/09/2012

6- Princípios fundamentais do contrato

São três princípios fundamentais dos contratos: boa-fé objetiva, função social do contrato e equilíbrio econômico e financeiro.

6.1 – Generalidade sobre os princípios

Canotilho afirma que a norma jurídica é igual a norma regra + norma princípio. O autor quis dizer que os princípios também têm força normativa, ou seja, eles também vinculam, obrigam. A principiologia no direito contemporâneo ganha uma especial relevância. A norma jurídica não é feita só de regra, mas também de princípios.

Até essa nova compreensão, os princípios no Brasil eram apenas regras de desempate, eram meras recomendações, conforme artigo 4º da LINDB – os princípios teriam papel secundário. Hoje, todo princípio vincula, todo princípio obriga, todo princípio tem força normativa. Os princípios passaram a ter uma nova feição: eles são vinculantes e normativos.

Qual seria a distinção entre norma regra e norma princípio? Princípio é norma de conteúdo aberto, enquanto a regra é norma de conteúdo fechado. Logo, todo princípio tem solução casuística, enquanto a regra tem solução apriorística.

Traços distintivos:

(i) Grau de abstração – o princípio tem grau de abstração e a regra não tem. Todo sistema será muito mais regulatório do que principiológico, exatamente pelo grau de abstração que os princípios apresentam.

(ii) Grau de prévia determinabilidade de aplicação ao caso concreto – o princípio precisa ser construído, enquanto a regra já sabemos qual será aplicada ao caso concreto.

(iii) Regras são mandamentos de definição; princípios, mandamentos de otimização.

(iv) Regras são relatos descritivos; princípios são relatos valorativos.

Soluções para os conflitos normativos:

(i) Regra x Princípio – Em primeiro lugar, deve-se analisar o critério hierárquico. Se houver, portanto, regra constitucional colidindo com princípio infraconstitucional, a regra irá prevalecer.

Se, no entanto, o critério hierárquico não resolve, deve-se observar se aquela regra naquele caso está em harmonia com o princípio. A regra só será afastada para aplicação de um princípio se ela estiver em rota de colisão com um valor . Esse afastamento da regra para homenagear um princípio é sempre episódico e casuístico. Quando a regra é pontualmente afastada para a aplicação de um princípio, esse afastamento é tão somente para aquele caso.

Exemplo: eu vendo um terreno, com cláusula que afasta a evicção. Depois, descobre-se que vendi o terreno com documentos falsos. Por mais que a regra admite afastar a evicção, nesse caso houve violação à ética. Portanto, o princípio prevalecerá sobre a regra.

Pela própria plasticidade dos princípios, a tensão que hoje se estabelece, amanhã pode já não ocorrer. Se eu vendo um terreno afirmando ao comprador que o bem é objeto de litígio e ele mesmo assim quiser comprar, assumindo o risco, pode-se constar da cláusula de

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afastamento da evicção. Não há violação à ética e à boa-fé. Nesse caso, caso ocorra a evicção, o comprador do terreno perderá o bem, sem que possa fazer nada.

A solução, portanto, é em favor dos princípios, respeitada a hierarquia normativa e a especificidade.

(ii) Princípio x Princípio – a técnica de solução de conflitos entre princípios é a ponderação de interesses.

A proporcionalidade pode se apresentar como princípio interpretativo ou como técnica de solução de conflitos. Como princípio interpretativo, a proporcionalidade ganha o nome de razoabilidade; como técnica de solução de conflitos, chama-se ponderação de interesses.

Toda ponderação implica em uso de proporcionalidade. Porém, nem sempre quando falamos em proporcionalidade haverá ponderação. Afinal, a proporcionalidade é mais ampla do que a ponderação – a proporcionalidade traz consigo a razoabilidade.

Veja dois casos diferentes sobre o uso da proporcionalidade: o STJ vem dizendo que as cláusulas condominiais devem ser interpretadas com proporcionalidade em relação àquelas que dizem respeito aos animais. Para entender a cláusula de animal na convenção, usa-se a proporcionalidade. Aqui, o STJ está usando a proporcionalidade de acordo com a razoabilidade: interpretação da convenção, interpretação da cláusula.

Outro caso interessante é que as Cortes Superiores admitem a prova ilícita em favor do réu como mecanismo de proporcionalidade. Neste caso, pondera-se dois valores em conflito: a vedação à prova ilícita e a presunção de inocência.

(iii) Regra x Regra – quando houve conflitos entre regras, usaremos dos métodos hermenêuticos, ou seja: hierarquia, anterioridade e especialidade.

Não cabe ponderação de interesse entre as regras, já que elas não são valorativas e sim descritivas. É “tudo ou nada”, ou seja, ou ela se aplica ao caso ou não se aplica ao caso.

Hoje, veio para o Brasil um instituto chamado “defeasibility”, superando o modelo do “tudo ou nada”. Aqui, chama-se ‘derrotabilidade das regras’. Humberto Ávila chama a derrotabilidade de ‘superabilidade’.

Assim, se princípio tem ponderação, o princípio tem derrotabilidade, a fim de se impedir que a sua finalidade seja violada. Derrotabilidade é, assim, a possibilidade de não aplicação de uma regra em um caso concreto com pouca probabilidade de repetição.

Exemplo: Imagine um decreto que institui benefícios a deficientes físicos. Esse decreto, ao dizer a regra do que é uma pessoa com deficiência, tem como finalidade incluir a pessoa com deficiência, obviamente. Esse decreto afirma que deficiente é aquele com disfunção de membro ou sentido. Daí, aparece um sujeito com problema de visão monocular, ou seja, tem apenas uma vista. Conforme a regra, esse deficiente visual não se encaixa a receber o benefício, na medida em que não lhe falta sentido nenhum. Se interpretarmos com a regra do “tudo ou nada”, essa pessoa não se encaixa nesse decreto. Nesses casos, usamos a

Proporcionalidade

Princípio interpretativo

Ponderação de interessesRazoabilidade

Técnica de solução de conflitos

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derrotabilidade: derrota-se a regra, não a aplicando. Essa regra será derrotada episodicamente, bem como acontece na ponderação de interesses no conflito entre princípios.

6.2 – Boa-fé objetiva

É a eticidade que se espera das partes de um contrato . A boa-fé objetiva é aquilo que se espera de alguém por um simples senso ético – é o mínimo ético.

** Cuidado para não confundir ‘ética’ com ‘moral’. Tanto o legislador não quer que se confunda os dois que ele chama ética de ‘eticidade’, para que não haja confusão. Ética é um sentimento coletivo, social, enquanto que a moral é um sentimento individual. Ética é aquilo que se espera de alguém; a moral não, a moral é pessoal, é uma coisa só sua.

Neste contexto, temos o que se chama de “Treu und Glauben” – lealdade e confiança, que se traduz juridicamente em boa-fé objetiva.

A boa-fé, no direito civil, se apresenta com uma dupla função: subjetiva e objetiva. Essa diferença veio pelos alemães: boa-fé subjetiva é conhecimento, enquanto boa-fé objetiva é comportamento. Cristiano Chaves assim explica: boa-fé subjetiva é um estado psicológico (sei ou não sei, conheço ou não conheço), enquanto boa-fé objetiva é a confiança que se espera, a confiança que se deposita como um todo.

Veja: boa-fé subjetiva é regra, enquanto que a boa-fé objetiva é um princípio que implanta o valor ‘confiança’ nas relações contratuais.

Boa-fé objetiva é, portanto, a eticidade mínima que se espera dos contratantes; com a função de flexibilizar o sistema, a partir de disposição abstrata (norma princípio)

P.S.: Não se pode pensar que a boa-fé objetiva tem a intenção de servir como instrumento de correções de posições de inferioridade ou hipossuficiência contratual. Ela não é para a parte mais fraca apenas – ela é aplicada a ambas as partes. A boa-fé objetiva não é a proteção dos mais fracos e sim a ética que se espera dos contratantes. Ambas as partes, credor e devedor, precisam cumprir a boa-fé objetiva.

Neste sentido, vejamos o instituto do ‘duty do mitigate the own loss’ (leading case: REsp. 758.518/PR, Enunciado 169 da Jornada), que se traduz no dever do credor de mitigar as próprias perdas. Se a boa-fé objetiva é aplicada a ambos, significa que o credor também precisa ter um comportamento ético. Assim, se o credor deixar de se comportar eticamente, ele pode incorrer no duty, que é uma variável parcelar da boa-fé objetiva.

A Súmula 309 do STJ afirma que só é cabível a prisão civil pelas dívidas aos três meses anterior à propositura da ação de alimentos. O credor de alimentos não pode ficar esperando somar as parcelas para obrigar o devedor a pagar o montante todo de uma vez só o credor não deve deixar de tomar providências agravando a dívida, sob pena de violar a boa-fé objetiva.

Outro exemplo do duty é o superendividamento: o sujeito deve ao banco e o banco dá empréstimos, mais limite, etc. O credor contribui para o próprio prejuízo.

No direito processual, vemos o duty no REsp. 1.075.142/RJ: o STJ passou a aplicar o duty na execução de astreintes. O credor pode ficra lá eternamente esperando a multa crescer cada vez mais. A Corte afirma que toda vez que a multa se tornar abusiva o juiz pode recalcular a multa de ofício.

Tríplice função da boa-fé objetiva:

A primeira função é a interpretativa. A função interpretativa significa que toda e qualquer cláusula contratual deve ter o seu sentido e alcance definidos pela eticidade. O locatário devolveu o imóvel sem pintar; o locador foi à justiça, que determinou a pintura.

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Porém, o locador pintou o apartamento de preto. A função interpretativa determinou que a pintura deveria ser feita na mesma cor em que o imóvel foi entregue, sem que isso precisasse estar escrito.

Essa função interpretativa está no artigo 113 do CC/02:

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

A segunda função é a função integrativa, que tem o dever de estabelecer deveres anexos à relação contratual. Esses deveres anexos estarão presentes, queiram as partes ou não. Exemplos de alguns deveres anexos: informação, segurança, etc. Isso ocorre quando um médico deixa de informar sobre eventuais intercorrências médicas; ou, ainda, no caso da boa-fé objetiva trazendo a cláusula de exclusividade no caso do Zeca Pagodinho.

Esses deveres são tão importantes que a boa-fé objetiva se tornou fonte autônoma de obrigações.

Historicamente o conceito de inadimplemento obrigacional era um conceito meramente negativo: deixar de cumprir as obrigações contratuais. Hoje, há o que se chama de ‘violação positiva de contrato’ (REsp. 988.595/SP) – trata-se de um novo modelo de inadimplemento obrigacional, decorrente do descumprimento dos deveres anexos, mesmo que, eventualmente, os deveres contratuais sejam cumpridos.

Esses deveres anexos são exigidos desde antes até depois da contratação. É por isso que os deveres anexos nos apresentam dois novos conceitos até então não vistos: responsabilidade civil pré-contratual e pós-contratual. Vale destacar que a natureza da responsabilidade civil pré e pós-contratual é extracontratual, é aquiliana. Sendo aquiliana, essa responsabilidade não está limitada no valor do contrato.

A última função é a função limitadora, restritiva ou de controle. Essa função impede o exercício de direitos contratuais, ou não, que se mostrem abusivos, por violar a eticidade. Exemplo é o anatocismo. O STJ vem entendendo que é possível pelo juiz o controle de juros, ou seja, o juiz pode controlar a taxa de juros. Veja o REsp. 1.112.879/PR.

Outro exemplo é o instituto do ‘substancial performance’, trazido no REsp. 272.739/MG. Trata-se do adimplemento substancial ou inadimplemento mínimo. O artigo 475 do CC/02 estabelece que o contratante pode requerer a resolução do contrato quando o outro descumprir alguma obrigação.

Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.

Contudo, o STJ vem entendendo que se o inadimplemento foi mínimo requerer a resolução do contrato se mostra abusivo. Exemplo: financiamento de automóvel que falta o pagamento de apenas duas parcelas. É o abuso de requerer a resolução contrato.

Figuras parcelares da boa-fé objetiva:

A boa-fé objetiva ganha diferentes feições a cada vez em que ela é aplicada no caso concreto. A boa-fé objetiva implica em comportamento e abstenção (é comissiva e omissiva).

- venire contra factum proprium – proibição de comportamento contraditório. É uma sequencia composta por dois comportamentos. O primeiro comportamento é comissivo ou omissivo, na medida em que o segundo é sempre comissivo. Cada um deles, isoladamente

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compreendidos, se mostram lícitos. Porém, o segundo comportamento se torna abusivo em razão da confiança despertada pelo primeiro. Trata-se da criação de expectativas desleais.

O primeiro comportamento despertou a confiança de que o segundo não viria. Veja o Enunciado 362 da Jornada e também o primeiro caso de venire no RE 86.787/RS. O venire é admitido inclusive no direito público, como podemos ver no REsp. 524.811/CE.

362 – Art. 422. A vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) funda-se na proteção da confiança, tal como se extrai dos arts. 187 e 422 do Código Civil.

Pode-se afirmar que há venire quando se abre 10 vagas para concurso público e, no entanto, violando expectativa justa daquele que passa em 10º, este não é chamado.

- supressio (Verwirkung) e surrectio (Erwirkung) - aqui também há uma sequencia lógica de dois comportamento, sendo o primeiro omissivo e o segundo comissivo. Aqui, entre eles, o elemento não é a confiança e sim o decurso do tempo gerando a expectativa de que o segundo comportamento não adviria.

Não se trata de qualquer tempo e sim um tempo qualificado despertando expectativas. Os dois primeiros precedentes foram: REsp 214.680/SP e REsp 356.821/RJ.

O artigo 330 do CC/02 traz a ideia:

Art. 330. O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato.

Não é uma omissão qualquer que caracteriza o instituto e sim uma omissão qualificada no tempo. Se o pagamento foi feito em local diverso for dois meses, por exemplo, não se caracteriza a supressio.

O STJ vem aplicando demais a supressio para condomínios edilícios. Há a proibição de usucapião de área comum de condomínio edilício. Porém, há hipóteses em que o condomínio permite o uso de um hall, por exemplo, para uso do proprietário. não gera usucapião, mas a Corte entender haver supressio.

A suppressio tem o conteúdo de perda de um direito não exercido durante um lapso temporal considerável, que, por conta da inação, perde sua eficácia. A razão desta supressão é a confiança em um dado comportamento de não exercer o direito; tal confiança é tamanha, que gera expectativa para a parte contrária, não mais podendo ser exercido. A tutela da confiança gera, em contrapartida, um direito à outra parte, versante sobre a impossibilidade do exercício daquele direito. Esse novo direito, essa nova posição jurídica insurgente da inação do outro contraente, leva o nome de surrectio.

- tu quoque (ou cláusula de estoppel) – no tu quoque também há uma sequencia de comportamentos: o primeiro é ilícito e o segundo lícito.

Esse segundo comportamento, malgrado seja lícito, se torna ilícito, por conta da sequencia em relação ao primeiro; há uma contaminação.

O melhor exemplo de tu quoque é o “Exceptio non adimplenti contractus”. É lícito que um contratante exija do outro que cumpra suas obrigações. Porém, se ele mesmo não cumpre, ele comete um ato ilícito. Ele tem o direito de exigir o cumprimento, desde que cumpra também.

Veja o artigo 589 do CC/02:

Art. 589. Cessa a disposição do artigo antecedente:V - se o menor obteve o empréstimo maliciosamente.

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Trata-se do “senatus consulto macedoniano”: empréstimo feito ao menor não poderá ser reavido. Porém, se ele omite a idade (comportamento ilícito), o comportamento de reaver o direito, que seria lícito, torna-se ilícito também.

6.3 – Função social dos contratos

Está no artigo 421 do CC/02.

Há duas referências literárias. A primeira, na década de 70, Norberto Bobbio, com o livro “Da estrutura à função”. Nesta obra, Bobbio afirma que o que sempre se ensinou foi a estrutura do direito e, no entanto, o que importa é a sua função (para que serve o direito).

Mais recentemente, na exposição de motivos do Código Civil, Miguel Reale afirma que todos os institutos do direito civil precisam cumprir a socialidade. Socialidade é para que serve o direito – é um resgate histórico de Bobbio.

A função social é, portanto, o ‘para que serve’. Função social do contrato é a socialidade aplicável aos contratos, de forma que o exercício de direitos contratuais não cause influência negativa no meio social ou sobre terceiros.

O Enunciado 23 da Jornada de Direito Civil afirma que a função social do contrato não aniquila a autonomia privada, porém pode gerar uma redução da autonomia privada quando houver interesse social, interesse coletivo.

23 - Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.

Tríplice função da função social do contrato:

São três as funções da função social do contrato:

1. A primeira função é que o contrato entre duas partes não pode prejudicar terceiros.2. O contrato entre duas partes não pode prejudicar a coletividade.3. Terceiros não devem prejudicar os contratos alheios.

As duas primeiras hipóteses trazem a figura do ‘terceiro ofendido’ ou o ‘terceiro lesado’, que é aquele terceiro que é prejudicado pelo contrato alheio. A última hipótese traz o ‘terceiro ofensor’ (também chamado de terceiro lesante ou terceiro cúmplice). Neste contexto, veja a Súmula 308 do STJ:

A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.

O contrato de hipoteca entre a construtora e o banco não pode prejudicar terceiros adquirentes. Aqui há a proteção do terceiro lesado.

Já o artigo 608 do CC/02 trata do aliciamento do prestador de serviços. É o caso do Zeca Pagodinho: aquele que aliciou o Zeca Pagodinho é o terceiro ofensor.

Art. 608. Aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar serviço a outrem pagará a este a importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante dois anos.

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Com essa estruturação de terceiro ofensor e terceiro ofendido, temos duas consequências: uma material e outra processual. A consequência material é que passa a ser reconhecida uma tutela externa da relação contratual – historicamente, só enxergávamos a tutela interna. A consequência processual é que terceiros passam a ter legitimidade ação de revisão ou de resolução de contratos dos quais não são partes . Isso acontecerá quando ele for o terceiro ofendido. E se o terceiro ofendido for a coletividade? Nesse caso, se o terceiro ofendido foi a coletividade, essa legitimidade recairá sobre o Ministério Público.

Assim, com o exposto, a função social do contrato possui uma eficácia interna e uma eficácia externa. O Enunciado 360 da Jornada confirma essa eficácia interna, sem perder a eficácia externa .

A eficácia interna da função social é a correlação com a dignidade da pessoa humana. Violará a função social do contrato na eficácia interna a cláusula que viola a dignidade da pessoa humana. Um exemplo é a Súmula 302 do STJ.

Súmula 302 – STJ – É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado.

360 – Art. 421. O princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia interna entre as partes contratantes.

** Há quem use as expressões ‘eficácia extrínseca e intrínseca’.

6.4 – Equilíbrio Econômico e financeiro

Nada mais é do que a formulação de uma base contratual. Historicamente, o direito contratual estava baseado no ‘pacta sunt servanda’, eis que o contrato fazia lei entre as partes. Assim permaneceu até 1918, até que foi editada a Lei Faillot, que estabeleceu pela primeira veza possibilidade de intervenção judicial em um contrato. Resgatou do direito romano a cláusula ‘rebus sic stantibus’. Com tal cláusula, a Lei Faillot implantou a primeira

possibilidade de intervenção judicial dos contratos. Criou-se, assim, a Teoria da Imprevisão.

Requisitos da Teoria da Imprevisão:

A teoria da imprevisão baseava-se em quatro requisitos:

(i) contrato de trato sucessivo;(ii) desequilíbrio entre prestação e contraprestação;(iii) álea extraordinária (evento imprevisível e extraordinário);(iv) inexistência de culpa das partes.

Somente nas décadas de 40 e 50 é que chegou para nós a Teoria da Imprevisão, através de uma contribuição doutrinária de Arnoldo Medeiros da Fonseca, do Rio de Janeiro, que se chamava ‘Teoria da Imprevisão e Caso Fortuito’. O autor quis dizer que a admissibilidade da teoria era excepcionalíssima: a regra continuava a ser o pacta sunt servanda e a teoria somente era admitida em casos patológicos.

Nas décadas de 70 e 80, a jurisprudência asfixiou a Teoria da Imprevisão. A jurisprudência afirmava que somente poderia ser aplicada se o caso fosse inimaginável.

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Na década de 90, com o advento do CDC, houve a Teoria da Base Objetiva do Contrato, de Karl Larenz, também chamada de Teoria da Onerosidade Excessiva Pura. Para esta teoria, a revisão contratual se baseia somente na onerosidade excessiva – havendo onerosidade excessiva, pouco importa se o evento era ou não imprevisível. O que interessa, portanto, é o desequilíbrio contratual. Em 1999 o STJ já tinha confirmado que a imprevisibilidade é estranha à Teoria da Base Objetiva.

Por fim, com o advento do CC/02 (artigos 317 e 478), houve a adoção da Teoria da Imprevisão Qualificada – é qualificada porque não fossem apenas aqueles requisitos já apresentados, o legislador trouxe um quinto requisito: correspondência entre a onerosidade excessiva sofrida por uma parte e a vantagem obtida pela outra (veja que é um quinto elemento trazido pelo CC/02). O legislador exigiu que o prejuízo sofrido por uma parte esteja ligado à extrema vantagem do outro.

Porém, é absolutamente factível que uma parte sofra a onerosidade excessiva sem que a outra tenha vantagem correspondente. O Código, portanto, dificultou ainda mais a aplicação da Teoria da Imprevisão.

Alguns autores vêm tentando salvar a aplicação da teoria, afirmando que a imprevisibilidade estaria no efeito e não na causa. Imprevisíveis seriam os efeitos e não a causa.

Veja o artigo 479 do CC/02.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

Daniel Assumpção explica que o réu pode fazê-lo por reconvenção ou por exceção substancial dentro da própria contestação.

O STJ também tem entendido que o juiz só deve proceder com a resolução do contrato se não for possível a revisão. Isso pelo princípio do aproveitamento do contrato. De qualquer maneira, tanto a revisão quanto a resolução retroagem até a data da citação.

OBS.: Deve-se observar que para que haja a aplicação da Teoria da Imprevisão, a onerosidade excessiva tem que superveniente à celebração do contrato. Se ela estiver presente no momento da formação do contrato, não se afetou o plano da eficácia e sim da validade – haverá nulidade se o contrato é de consumo e anulabilidade no âmbito civil.

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Aula 03 - Erika03/10/2012

7- Intervenção de terceiros nos contratos

Somente a função social do contrato teria o condão de relativizar a visão de contrato anterior (pacta sunt servanda). Porém, há ainda a intervenção de terceiros, que se divide em três figuras:

7.1. Promessa de fato de terceiro

> Art. 439 do CC

Art. 439. Aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e danos, quando este o não executar.Parágrafo único. Tal responsabilidade não existirá se o terceiro for o cônjuge do promitente, dependendo da sua anuência o ato a ser praticado, e desde que, pelo regime do casamento, a indenização, de algum modo, venha a recair sobre os seus bens.

É obrigação de fazer consistente em obter a anuência de um terceiro para prestar uma outra obrigação. Na promessa de fato de terceiro, uma pessoa se obriga a obter o consentimento de outra pessoa para o cumprimento de determinada obrigação. Quem vai prestar a obrigação é o prometido, ou seja, o promitente não vai prestar a obrigação, mas apenas promete que alguém irá fazê-lo. N verdade, o promitente assume a obrigação de que outra pessoa o fará. É bastante comum. Basta pensar nas hipóteses em que pessoa do interior promete que levar determinado artista para fazer show na cidade. Quem vai cumprir a promessa é o artista. Ex.2: agência de veículos usados. Ela vende o veículo e às vezes promete que despachante irá regularizar a documentação.

O CC/02 se preocupa com o fato de quem responderá caso a obrigação não seja cumprida. É o art. 439 do CC, que diz que a responsabilidade civil pelo eventual descumprimento da promessa recai sobre o promitente e não sobre o prometido. Essa responsabilidade do promitente é objetiva, ou seja, responde mesmo que ausente a culpa. De qualquer sorte, a responsabilidade é objetiva sem risco integral, ou seja, o promitente pode ser exonerado por caso fortuito ou força maior.

Em dois casos a responsabilidade recairá sobre o prometido:

1º) quando o prometido tiver anuído a obrigação

2º) quando o promitente for o seu representante – nesse caso, tecnicamente não há que se falar em responsabilidade pelo terceiro. A responsabilidade, tecnicamente, é por fato próprio.

Frustrada a promessa de fato de terceiro, a obrigação se converte em perdas e danos. Não se admite aqui a tutela específica, convertendo-se claramente em perdas e danos, pois não se tem como obrigar o terceiro a cumprir a promessa alheia (STJ, Resp 249.008/RJ – caso que envolve uma associação de clubes de futebol (clube dos 13), que celebrou contrato com determinada rede de TV).

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7.2 – Estipulações em favor de terceiros

> Artigos 436 a 438 do CC/02.

Duas pessoas celebram um contrato para que os seus efeitos benéficos se produzam em relação a um terceiro. Esse terceiro não é parte do contrato e, assim, não precisa ser nem capaz e nem solvente – ele é apenas um terceiro beneficiado. Porém, mesmo não sendo parte, ele tem legitimidade para executar o contrato.

Veja que há três diferentes sujeitos: o estipulante, que é aquele que contratou e indicou o beneficiário; o outro contratante, que é quem vai cumprir a obrigação; o estipulado, que é o terceiro beneficiário.

O estipulado será indicado livremente pelo estipulante; e é exatamente por isso que ele pode ser substituído a qualquer tempo, independentemente da anuência do outro contratante. A indicação do estipulado é direito do estipulante. Há, no entanto, uma exceção: ele não poderá ser substituído se o contrato já tiver sido executado.

Exemplo de contrato de estipulação em favor de terceiros é o seguro de vida; outro exemplo é quando dois cônjuges transferem o patrimônio para o nome dos filhos; no direito administrativo, é muito comum o poder público celebrar esse tipo de contrato.

Veja o artigo 437 do CC/02:

Art. 437. Se ao terceiro, em favor de quem se fez o contrato, se deixar o direito de reclamar-lhe a execução, não poderá o estipulante exonerar o devedor.

O fundamento desse dispositivo é a função social do contrato. O estipulante não pode exonerar o contratante, pois se assim o fizesse estaria prejudicando o terceiro beneficiado - esse terceiro tem legitimidade ordinária para executar o contrato.

7.3 – Contrato com pessoa a declarar

> Artigos 467 a 471 do CC/02

É a relação jurídica contratual estabelecida entre duas partes, com cláusula expressa prevendo que, um ou ambos os contratantes, reserva a si o direito de, dentro de determinado prazo, indicar a pessoa que passará a figurar na sua posição contratual. Esse prazo será de 5 dias, salvo disposição contrária.

Não se admite contrato com pessoa a declarar com cláusula tácita. A cláusula necessariamente é expressa.

Trata-se de uma possibilidade extremamente importante e prática. Observe que esse terceiro será parte e, portanto, precisa ser solvente e capaz. Além

disso, esse terceiro precisa assumir as obrigações. Ele assumirá as obrigações retroativamente à data da celebração do contrato. Em outras palavras, é uma aceitação retroativa à data da celebração do contrato. Se esse terceiro for incapaz, insolvente ou não assumir as obrigações que lhe forem atribuídas, o contrato permanece válido e eficaz entre as partes originárias. Ou seja, o contrato permanece produzindo efeitos entre as partes que o celebraram.

A aceitação do terceiro deve ocorrer do mesmo modo da declaração de vontade das partes. Se o contrato é formal e solene, a aceitação do terceiro também deve assim ser.

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O terceiro, passando a figurar no contrato e saindo a parte originária, ocorre um fenômeno chamado expromissão.

Um exemplo seria a cessão de crédito ou a cessão de débito? Nunca! A cessão de crédito ou de débito jamais servirá como exemplo de contrato com pessoa a declarar. Isso porque no contrato com pessoa a declarar o terceiro assume a posição retroativamente.

Essa cláusula não teria cabimento quando se trate de obrigações personalíssimas.

8- Formação dos Contratos

Antes das três fases da formação do contrato temos o contrato preliminar – também chamado de promessa de contrato ou pré-contrato. Não se trata de uma fase, mas pode ser que anteceda a formação do contrato.

Veja o artigo 462 do CC/02:

Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.

O contrato preliminar é obrigação de fazer consistente na celebração de outro contrato. É a obrigação assumida pelas partes de celebrar outro contrato.

O contrato preliminar não é acessório do contrato prometido. Não há relação alguma de dependência entre eles. São dois contratos autônomos entre si: o contrato preliminar e o contrato prometido.

Mesmo que a promessa de compra e venda não tenha sido registrada, mesmo assim o promitente comprador tem direito à adjudicação compulsória. Ou seja, a promessa de compra e venda não precisa ter a mesma forma. Neste sentido, veja a Súmula 239 do STJ:

Súmula 239 – STJ – O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.

A proteção jurídica do contrato preliminar pode ser por meio de execução específica ou por perdas e danos, de acordo com o interesse das partes.

P.S.: “doação propter nupcias” – é a doação realizada com a condição na efetivação do matrimônio. Esse tipo de doação não é promessa de doação e sim doação condicional, admitida pelo ordenamento jurídico brasileiro. Para Cristiano Chaves, viola a natureza afetiva do casamento.

8.1 – Negociações preliminares (também chamadas de tratativas ou puntuações)

Negociações preliminares (ou tratativas) constituem nos ajustes prévios sobre o interesse de celebrar um contrato.

Nessa fase, não há contrato, não há responsabilidade civil contratual. Porém, é possível falar em responsabilidade civil pré-contratual.

8.2 – Propostas (policitação)

É o anúncio, a declaração de vontade de contratar, de celebrar um contrato. É a declaração unilateral da vontade de contratar.

O Código Civil prevê que a proposta obriga tanto o proponente quanto os seus sucessores, salvo se do contrário resultar de expressa advertência ou da própria natureza.

O Código estabelece também que a oferta feita ao público vincula o proponente nos mesmos termos da proposta individual.

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8.3- Aceitação (oblação)

A aceitação é a adesão à proposta formulada. A aceitação tem que ser plena e integral; não pode estar submetida a elementos externos. Por isso, o artigo 431 do CC/02 prevê que a aceitação com adição, com restrição, com modificação ou fora do prazo, é nula – não se trata de aceitação e sim de nova proposta.

Art. 431. A aceitação fora do prazo, com adições, restrições, ou modificações, importará nova proposta.

O momento de formação do contrato entre pessoas presentes é a aceitação.O contrato eletrônico pela internet é um exemplo de contrato entre ausentes. E qual é

o momento de formação do contrato entre ausentes? A formação do contrato se dá quando chegar ao conhecimento do proponente a aceitação – é a teoria da cognição. O CC/02 adotou a ‘teoria da admissão por expedição’: o contrato entre ausentes se forma no momento em que o oblato expede a aceitação, independentemente de ter chegado ao conhecimento do proponente. Assim, o contrato eletrônico se forma no momento em que o sujeito clica em ‘enviar’. Essa teoria traz consigo certo risco, porque nem sempre a aceitação expedida chega ao conhecimento do proponente.

O lugar do contrato é onde foi realizada a proposta, conforme artigo 435 do CC/02. Contudo, o artigo 9, II da LINDB, afirma que o lugar do contrato é a residência do proponente. Qual é o lugar do contrato, então? As duas normas estão em vigor e são compatíveis entre si, de modo que nos contratos internos é no lugar da proposta, mas nos contratos internacionais incide a LINDB (lembre-se que a LINDB a partir do artigo 7º é direito internacional privado).

A cláusula de foro de eleição somente produzirá efeitos endoprocessuais, ou seja, dentro daquele contrato. As cláusulas de foro de eleição em contratos de adesão em prejuízo do aderente serão nulas, conforme artigo 112 do CPC. O juiz pode declinar de sua competência para o domicílio do réu. É uma exceção ao fato de que o juiz não reconhece incompetência relativa de ofício – é uma exceção à Súmula 33 do STJ.

9- Vícios Redibitórios

Vícios redibitórios são defeitos estruturais na coisa adquirida onerosamente, tornando ela imprópria para o uso ou diminuindo o seu valor econômico.

> Requisitos para o reconhecimento:

(i) onerosidade do contrato;

A doação para casamento e a doação remuneratória (contraprestação de uma obrigação que não teria exigibilidade, como o guardador de carros) excpecionalmente admitem a incidência de vícios redibitórios.

(ii) existência de um defeito que torna a coisa imprópria para o uso ou subtrai valor econômico;

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(iii) existência de um defeito ao tempo da tradição;

(iv) descoberta do defeito somente depois da tradição;

(v) inexistência de cláusula excludente de garantia;

As partes podem por cláusula expressa excluir a responsabilidade por vícios redibitórios. Essa cláusula será nula nos contratos de consumo ou de adesão – ela somente tem validade nos contratos paritários, para respeitar a autonomia privada.

(vi) reclamação por vício, por meio das ações edilícias;

> Ações Edilícias: São três as ações edilícias (ações para reclamação de vício redibitório):

- ação redibitória; o adquirente não aceita receber a coisa e, consequentemente, desfaz o contrato, reivindicando a devolução do valor pago pela coisa

- ação estimatória (quanti minoris); O adquirente quer ficar com a coisa, mas pretende um abadimento do preço.

- ‘ex emptio’; é uma ação para complementação diária, somente quando se tratar de negócios jurídicos imobiliários.

O artigo 500, §1º do CC/02 estabelece uma margem de tolerância para os vícios redibitórios pelo vício de extensão, vícios de medida.

§ 1o Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio.

Essa margem de tolerância é de 1/20 (5%). Dentro dessa margem de tolerância, não há vício redibitório. Exemplo? Comprei um imóvel de 100 m², mas na verdade, tem 97m² - não se trata de vício redibitório. Atenção: cabe responsabilidade civil, porém não se trata de vício redibitório.

- no âmbito do CDC, teremos uma quarta possibilidade: ação de substituição do produto ou serviço;

> Prazo para as ações edilícias: A ação edilícia precisa ser proposta no prazo decadencial previsto em lei, mais precisamente no artigo 445 do CC/02.

Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade.§ 1o Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis.§ 2o Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se o disposto no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a matéria.

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- Vício redibitório de fácil constatação – 30 dias, se móvel; 1 ano, se imóvel; contados da tradição.

- Vício redibitório de difícil constatação – 180 dias, se móvel; 1 ano, se imóvel; contados da descoberta do vício.

P.S.: trata-se de uma homenagem à Teoria da “Actio nata”, na qual os prazo extintivos devem começar a fluir da data do conhecimento. A Teoria da Actio nata é reconhecida na Súmula 278 do STJ.

- Vício redibitório em animais – o prazo deve estar em lei especial; não havendo, deve-se levar em conta os usos e costumes do lugar. Como não há lei que disponha sobre isso, será de 180 dias a contar da descoberta do vício.

Nada impede que as partes estabeleçam prazos decadenciais para reclamação de vícios redibitórios contratualmente. Havendo estipulação contratual de prazo de garantia, enquanto não fluir a garantia convencional, não começa a correr a garantia legal. Exemplo: se eu compro uma televisão com garantia até a copa de 2014, a garantia legal só começa a fluir depois da copa.

No CDC, há o prazo de 30 ou 90 dias, se durável ou não durável o bem. Há diálogo das fontes quando se afasta a norma especial e aplica a norma geral, quando esta se demonstrar mais favorável no caso concreto. Um exemplo de quando o CC/02 se mostra mais favorável do que o CDC é este.

10- Evicção

É a perda da coisa adquirida onerosamente por força de uma decisão judicial ou administrativa, no todo ou em parte. São três sujeitos envolvidos na evicção: o evicto (ou evencido), o evictor (evincente), que é o terceiro a quem a coisa foi atribuída; o alienante, que é o sujeito que vendeu.

Não necessariamente o alienante estará de má-fé.

Requisitos:

(i) onerosidade do contrato;

(ii) perda da posse ou propriedade da coisa adquirida, no todo ou em parte;

(iii) decisão judicial ou administrativa conferindo a coisa a terceiro;

Decisão judicial é a compra e venda de um imóvel, por exemplo. Decisão administrativa é o DETRAN, que reconhece a falsidade de um documento, por exemplo.

(iv) inexistência de cláusula excludente da garantia da evicção;

O artigo 448 do CC/02 permite que as partes ampliem, reduzam ou excluam a responsabilidade pela evicção.

Art. 448. Podem as partes, por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou excluir a responsabilidade pela evicção.

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Mesmo nos contratos paritários, a cláusula de exclusão da responsabilidade pela evicção só terá validade se a parte for expressamente advertida do risco e assumi-lo . É o que dispõe o artigo 449 do CC/02:

Art. 449. Não obstante a cláusula que exclui a garantia contra a evicção, se esta se der, tem direito o evicto a receber o preço que pagou pela coisa evicta, se não soube do risco da evicção, ou, dele informado, não o assumiu.

A validade da cláusula, portanto, está submetida à expressa advertência do risco e a sua assunção. Obviamente, se o contrato for de consumo ou de adesão, esta não terá validade também.

(v) denunciação da lide;

Durante muito tempo se disse que a denunciação da lide era requisito para a evicção, baseando-se no artigo 456 do CC/02. Alguns autores ainda afirmam isso, sustentando ser o único caso de denunciação da lide obrigatória no nosso ordenamento.

Art. 456. Para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo.Parágrafo único. Não atendendo o alienante à denunciação da lide, e sendo manifesta a procedência da evicção, pode o adquirente deixar de oferecer contestação, ou usar de recursos.

Seria possível denunciar a lide não apenas a quem vendeu? Sim, a denunciação da lide per saltum admite a possibilidade de denunciar a lide não apenas ao alienante, mas a qualquer daqueles que constem na cadeia sucessória do bem. A função social do contrato é o fundamento da denunciação da lide per saltum.

Embora a maioria dos autores tenha historicamente afirmado que a denunciação era requisito para a evicção, essa não é a melhor solução. A denunciação da lide é facultativa e não obrigatória. Nada impede que o evicto prefira propor uma ação autônoma de regresso . O STJ adotou já essa tese no Ag 917.314/PR, onde a Corte admitiu o regresso autônomo.

**Alexandre Câmara entende que a denunciação da lide per saltum não é admitida de forma alguma.

> Extensão da garantia da evicção: a garantia da evicção abrange:

- a restituição do valor da coisa;

- despesas decorrentes da aquisição; (o registro, por exemplo)

- indenização pelas benfeitorias;

- juros e correção;

- honorários e custas;

- perdas e danos.

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O alienante pode estar ou não de boa-fé. Ele somente responde pelas perdas e danos se estava de má-fé. Pelas outras parcelas, responde objetivamente.

** Pode ocorrer evicção mesmo nas aquisições por hasta pública.

11- Extinção dos Contratos

Os contratos podem se extinguir por dois diferentes motivos: (i) por invalidade; (ii) por ineficácia. A distinção entre um e outro é quanto ao momento do vício. Se o vício é do tempo da formação do contrato, esse vício é de validade; porém, se o contrato se formou sem vício e o vício veio depois, a extinção será por ineficácia.

A extinção por invalidade pode se dar por anulabilidade (artigo 171) ou por nulidade (artigos 166 e 167).

A extinção por perda da eficácia pode se dar por regular execução ou pela sua inexecução. Se o contrato foi regularmente cumprido, ele perde a sua eficácia por cumprimento. A inexecução, por sua vez, se apresenta em três figuras: resolução culposa, resolução sem culpa e resilição.

A resolução culposa, obviamente, precisa da prova da culpa de que uma parte deixou de cumprir.

A resilição é a perda da eficácia por não cumprimento do contrato por vontade das partes. A vontade pode ser de um ou de ambos os contratantes. Se a vontade for de um só, chama-se denúncia (resilição unilateral) e se for dos dois chama-se distrato. A denúncia do contrato só é autorizada por expressa previsão das partes no contrato ou pela natureza do contrato. Exemplo: o contrato de mandato, que, pela sua natureza, admite a denúncia – o mandante pode a qualquer tempo revogar o contrato.

A resolução sem culpa, por sua vez, são as hipóteses de caso fortuito ou força maior. Aqui, evidentemente, não há se falar em responsabilidade civil das partes. Exemplo: onerosidade excessiva.

** No cotidiano, a rescisão é o gênero, no qual a resolução culposa, a resolução sem culpa e a resilição são espécies. Toda vez que o contrato é inexecutado, ele foi rescindido. Porém, na técnica jurídica, o vocábulo ‘rescisão’ tem um sentido específico: é a inexecução do contrato por um vício originário, como, por exemplo, lesão ou estado de perigo – essa teoria foi definida por Orlando Gomes e é muito bem defendida por Carlos Roberto Gonçalves.

Porém, na letra fria do Código, as hipóteses de inexecução do contrato por vício originário são tratadas por invalidade. No entanto, lesão e estado de perigo são causas de anulabilidade. Logo, por opção do legislador, ‘rescisão’ não teria esse sentido de Orlando Gomes.

** Por conta da boa-fé objetiva, a doutrina vem trabalhando com o que se chama de ‘inadimplemento antecipado de contrato’, também chamado de ‘quebra antecipada de contrato’. Trata-se quando o contratante percebe que o outro vai descumprir e, assim, já pode requerer medidas de garantia. Veja o exemplo do artigo 590 do CC/02:

Art. 590. O mutuante pode exigir garantia da restituição, se antes do vencimento o mutuário sofrer notória mudança em sua situação econômica.

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Aula 0410/10/12

CONTRATOS EM ESPÉCIES

COMPRA E VENDA

1 – Noções gerais: A C&V é muito antiga, contudo, o contrato mais importante nos primórdios da civilização não era a C&V, e sim a troca, o escambo. Contudo, com o advento da moeda, diminui-se a importância da troca, e ganhou espaço a C&V.

A C&V é um contrato que permite o acesso a bens e riquezas, circulando economia . Caio Mario falava inclusive que a C&V é a mais importante forma de circulação de riquezas na contemporaneidade.

Hoje, já está se tentando aprovar uma Convenção Internacional para uma C&V padronizada. É a “Convention on internation sales of goods” (CISG). O Ministério da Justiça já deu parecer favorável à incorporação dela ao nosso ordenamento jurídico, e já enviou ao Congresso, porém ainda não foi aprovada.

A C&V tem finalidade de consumo: adquirir o bem para dar a ele a finalidade que bem entender.

No mundo moderno, a C&V foi ganhando tanta importância, que os juristas começaram a pensar num contrato derivado de C&V para que a pessoa pudesse comprar uma coisa não para consumo, mas sim para usá-la, e, ao final do período, se não gostar, poder devolvê-la . Tal contrato foi criado em países europeus e foi adotado pelo nosso ordenamento jurídico: leasing ou arrendamento mercantil – Lei 6.099/74. Foi criado como uma alternativa contemporânea à C&V.

Esse contrato funciona assim: o arrendatário recebe a coisa para utilizar pelo prazo mínimo de 36 meses (no caso de automóvel, por no mínimo 24 meses), e durante esse prazo ele pode usar a coisa livremente, pagando uma renda mensal pelo uso (pode usar, mas não vender, é claro). Ao final do prazo, surgem para o arrendatário 3 opções:

1ª – Renovar o contrato por um novo período;

2ª – Devolver a coisa e extinguir o contrato;

3ª – Exercer o direito de compra, pagando o VRG (valor residual garantido). Esse valor corresponde à diferença do que se pagou mensalmente a título de rendas e o valor efetivo da coisa.

Os bancos perceberam que se cobrassem o VRG antecipadamente não teria como o arrendatário desistir de comprar o bem. Logo, os bancos começaram a diluir o VRG nas

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parcelas, retirando do arrendatário o direito de opção, transmudando esse contrato para um contrato de C&V a prazo.

Se o sujeito parava de pagar o valor mensal (rendas + VRG), os bancos passaram a ingressar com reintegração de posse. Visualizando que se tratava de um contrato de C&V a prazo, o STJ editou a Súmula 263, confirmando que a cobrança antecipada do VRG descaracterizava o contrato de leasing. Contudo, em razão dos bancos terem parado de conceder leasing, o STJ editou a Súmula 293 em seguida, cancelando a Súmula 263, falando que a cobrança antecipada de VRG não descaracteriza o contrato de leasing. Logo, hoje o leasing nada mais é do que contrato de C&V a prazo com garantia diferenciada.

2 – Conceito e natureza: Art. 481, CC: “Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”.

É o contrato mais sinalagmático de todos. O sinalagma é perfeito: há uma perfeita correspondência entre prestação e contraprestação, de forma que uma parte se obriga a transferir o domínio da coisa, e a outra a pagar a coisa. É o contrato bilateral prefeito, já que há correspondência de obrigações entre as partes. A obrigação é satisfeita pelo comprador primeiro: ele paga antes, e o vendedor entrega depois.

No nosso ordenamento jurídico, a C&V gera apenas efeitos meramente obrigacionais ou efeitos reais? Quem compra adquire propriedade? O CC responde: “contratante se obriga”. E mais, o art. 482, CC, esclarece, de forma que o contrato de C&V, no nosso ordenamento, é meramente obrigacional, e não real. Ambos dispositivos legais exigem um outro ato complementar para a aquisição da propriedade: - Se o bem for móvel -> Tradição X – Se for imóvel -> Registro. ***Logo, o contrato C&V não é instrumento idôneo para a aquisição de propriedade. A aquisição de propriedade depende, além da C&V, da prática de um outro ato, portanto: tradição/registro. O contrato de C&V, portanto, gera apenas deveres obrigacionais, de forma que a tutela jurídica da C&V é meramente obrigacional.

A importância do enquadramento da C&V como uma relação obrigacional é produzida em 2 campos:

1º - Efeito processual -> Se a C&V produzisse efeitos reais, o comprador teria direito a uma ação real, mas não é, logo: a tutela jurídica será por meio de perdas e danos e por meio da tutela específica, de acordo com o interesse do comprador; e,

2º Efeito -> Tem a ver com a teoria dos riscos: A coisa perece para o dono (“res perit domino”). Como o comprador não adquire a propriedade da coisa antes da tradição, se a coisa perecer, perece para o vendedor, até haver a tradição da coisa.

3 – Classificação: A C&V é bilateral perfeito (o sinalagma é equivalente), sendo claro possível a pluralidade de contratantes em um dos pólos sem que isso comprometa a sua natureza bilateral (ex.: casal juntamente compra um carro). E mais: é bilateral, mesmo na hipótese de autocontrato (“contrato consigo mesmo”). Todo autocontrato celebrado com prejuízo pelo representado é anulável (art. 117, CC). – A pessoa vende algo seu para outra pessoa, que está representando.

Ademais, a C&V é consensual, e não formal. A formalidade não é elemento essencial da C&V – Art. 482, CC. Essa é a regra! Contudo, há exceção: para C&V de bem imóvel, exige-se escritura pública registrada em cartório, a não ser que o imóvel não exceda 30 vezes o salário mínimo (art. 108, CC). Nesse caso, o contrato de C&V se torna formal. Nesses casos é possível

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ratificação? Não! Art. 109, CC: Toda vez que um contrato se tornar solene, a solenidade integra a substância do ato, de forma que a violação da forma implica em nulidade e não anulabilidade. Em se tratando de nulidade, não se admite em convalidação, e sim conversão substancial.

Ademais, a C&V é onerosa, de forma que é o “palco mais iluminado” para os vícios redibitórios e para a evicção. Art. 503, CC: Na venda de coisas conjuntas, o vício oculto de uma não autoriza a rejeição de todas.

Ainda: a C&V é comutativa, já que ela não traz consigo natureza aleatória (álea = sorte = incerteza): ambos conhecem previamente as vantagens que podem ser obtidas, e, por isso, logicamente o contrato é comutativo, e não aleatório. Excepcionalmente, dentro de determinadas figuras, admite-se C&V aleatória. São 2 exemplos de C&V aleatória:

1ª – C&V a contento; e,

2ª – “Emptio spei” (art. 458, CC) e “emptio rei speratae” (art. 459, CC): é a venda da esperança: emptio spei -> esperança da coisa; emptio rei speratae -> esperança da quantidade da coisa. É o exemplo da safra agrícola, já que a safra é incerta, vai depender de condições metrológicas, p.ex. A parte assume um maior volume de riscos.

Outra característica: A C&V pode ser espontânea ou de trato sucessivo (exs.: C&V à vista, e C&V a prazo).

A C&V pode ser enquadrada como um contrato de consumo, conforme arts. 2º e 3º do CDC. O STJ adotou a teoria finalística, ao interpretar tais artigos: REsp 1.038.645/RS, ou seja, se vale da idéia de destinatário final: A C&V somente será de consumo, quando o comprador for o destinatário final.

4 – Elementos essenciais da compra e venda: Nota-se que a forma não é elemento da C&V (já que esta não é formal, e sim meramente consensual), e sim é o consentimento, preço, e coisa.

4.1 – Consentimento: A C&V exige consentimento livre e desembaraçado, sob pena de anulabilidade, por vício de vontade. Logo, temos que lembrar que se for caso de incapaz, exige-se a representação ou assistência a depender do tipo de incapacidade, para a validade do contrato.

Aqui surge o instituto da legitimação. A legitimação é um requisito específico para a prática de um ato específico. É natural que esse requisito específico somente seja exigido das pessoas capazes. Logo, para determinados casos não basta a capacidade, e sim, exige-se também o requisito da legitimação. Na C&V encontramos os dois melhores exemplos de legitimação do Direito Brasileiro:

1º - A autorização judicial para a venda de imóveis de incapazes, ouvido o promotor, nada mais é do que legitimação. É um requisito específico para a prática desse ato específico, qual seja, a venda de imóveis de incapazes. Essa qualificação específica só pode ser exigida por lei, pois a capacidade, ordinariamente, é bastante.

2º - A outorga do cônjuge (= vênia conjugal): Uma pessoa maior e casada somente pode alienar ou onerar bens imóveis (= dar em garantia) e celebrar fiança ou aval, com o consentimento do seu cônjuge (***outorga marital – se for consentimento do marido; outorga uxória – se for o consentimento da esposa). Se o regime for de separação convencional, o

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Código dispensa a outorga, e se for o regime for de participação final nos aquestos o pacto poderá dispensar a outorga.

***Na separação OBRIGATÓRIA (que se utiliza a separação total), é necessária a outorga!!!

Assim, a regra é a necessidade de outorga do cônjuge, sob pena de anulabilidade, no prazo de 2 anos, contados do término do casamento.

Quando um cônjuge se recusa imotivadamente, admite-se o suprimento judicial.

-> Aspectos polêmicos quanto ao consentimento:

1º - Venda de bens sujeitos à administração alheia (ex.: inventariante dativo judicial, tutor, curador, sindico da falência, etc.): Nesse caso, o Código só admite a venda de tais bens com prévia autorização judicial, sob pena de nulidade.

2º - Venda entre cônjuges (art. 499, CC): O Código admite, desde que se trate de bens excluídos da comunhão. Isso porque, se fosse bem da comunhão, estaria comprando um bem que já é meu. Se o casamento é sob o regime da comunhão universal, é claro que não poderá haver tal C&V, pois todos os bens são comuns. Contudo, será possível no regime da separação total, pois todos os bens são particulares!

A Súmula 377 do STF diz que no regime da separação obrigatória de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento. Logo, como a separação obrigatória não é absoluta (diferentemente da separação convencional, em que nunca haverá partilha de bens), pode haver sim a C&V entre cônjuges, já que poderá haver bens particulares.

O art. 499, CC, se aplica à união estável? ***Dica para saber quando uma regra sobre o casamento se aplica à união estável: Se aquela regra produz efeito intrapartes aplica-se à união estável, porém se a regra produzir efeitos perante terceiros, não se aplica à união estável, já que esta somente produz efeitos intrapartes, mas não perante terceiros, enquanto que o casamento é erga omnes. Sob esse entendimento, o art. 499, CC, é sim aplicável à união estável, já que a C&V é entre os dois, logo não produz efeitos perante terceiros.

3º - Venda de ascendente para descendente: Art. 496, CC. A C&V de ascendente para descendente produz efeitos diversos da doação de ascendente para descendente. A doação de ascendente para descendente gera antecipação de legítima, diferentemente da C&V, pois nesse caso o patrimônio é recomposto.

Contudo, há um único caso em que o ascendente pode doar para o descendente sem antecipar a legitima: é quando o ascendente expressamente dispuser que o bem está saindo da sua cota disponível. É claro: desde que respeitada a legítima. Nesse caso, não há antecipação de herança.

A C&V de ascendente para descendente é diferente, porque o patrimônio do vendedor está sendo recomposto, de forma que não configura antecipação de herança. Contudo, não se pode esquecer que quando o ascendente vende para o descendente, ele pode se valor do ato com uma potencialidade fraudatória. Pode ser que o pai venda para o filho a preço vil, fraudando a legítima. Para evitar fraudes à legítima, o art. 496, CC, exige o consentimento dos demais interessados, ou seja, dos demais descendentes e o cônjuge. A conseqüência da realização do ato sem o consentimento dos demais interessados é a anulabilidade. Como o CC não estabeleceu prazo específico, aplica-se o art. 179: prazo decadencial de 2 anos

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contados da celebração do negócio. Assim, a Súmula 494 do STF perdeu sua aplicabilidade, que falava em prazo de 20 anos.

Art. 496, PU: Dispensa-se o consentimento se o cônjuge for casado no regime da obrigação obrigatória! É estranho, já que a súmula 377, STF, prevê comunhão de bens na obrigação obrigatória. A razão desse artigo é porque o art. 1.829, CC, diz que a regime da obrigação obrigatória não gera direito à herança. Mas se for separação convencional vai precisar de consentimento, pois este regime gera direito à herança. – Gera uma certa confusão, pois está totalmente trocado do que vimos antes, mas é porque a regra se inverte:

OBS.: Separação de bens:

- Convencional: Não há meação, mas há herança (art. 1.829,CC)*.- Obrigatória: Há meação (de acordo com a Súmula 377, STF: se provar o esforço comum), mas não há herança.

*Contudo, o STJ retirou o direito de herança de quem é casado no regime de separação convencional, apesar do CC falar que há herança!!! – REsp 992.749/MS. Logo, pelo STJ, quem é casado pelo regime da separação convencional não tem direito à meação e nem à herança. A partir do momento que o STJ retirou o direito à herança do casado pela separação convencional, não vai precisar de consentimento também. Logo, ***Atenção!!!!!! Tem que ver como a pergunta vai ser feita: “de acordo com o texto da lei”, ou “de acordo com o entendimento do STJ”... De acordo com a lei, é sim necessário o consentimento do cônjuge, se o regime for da separação convencional. Contudo, de acordo com o STJ, não é necessário o consentimento, já que foi retirado o direito de herança.

E se o pai vendeu para um de seus filhos sem o consentimento dos demais pelo preço justo? Leading case – STJ, EREsp 668.858/PR -> Neste EREsp, o STJ firmou seu entendimento de que só haverá anulabilidade se houver prejuízo. Logo, não havendo prejuízo, não será anulado o contrato, mesmo sem o consentimento dos demais interessados.

Outra questão: O art. 179, CC, diz que o prazo é de 2 anos contados da celebração, mas essa não é a solução mais técnica, por causa da teoria da “actio nata” (precedentes sobre tal teoria: AgRg REsp 1.177.978/DF, e Súmula 278, STJ), através da qual se diz que os prazos devem ser contados da data do conhecimento. Logo, invocando a teoria da actio nata, o prazo deve começar a contar da data do conhecimento e não a partir da lesão.

Outra questão: O Enunciado 177, CJF, concluiu que a recíproca não é verdadeira: não se exige o consentimento dos demais interessados no caso de venda de descendentes para ascendentes. Isso porque, quando o pai vende para o filho está vendendo para o seu herdeiro direto, enquanto que quando o filho vende para o pai, este não está vendendo para herdeiro direto. É claro que também poderá haver fraude, logo, nada impede que, nesse caso (descendente para ascendente), incida as regras da fraude contra credores.

4.2 – Preço: Toda C&V tem preço! É a chamada remuneração do contrato! Esse preço pode ser determinado ou determinável. Inclusive, o Código admite que esse preço esteja submetido à taxa de mercado, bolsa de valores, ou índices econômicos . Ademais, o preço pode até mesmo ser fixado por um terceiro, na figura de representante das partes (ex.: corretor de imóveis).

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O que não se tolera é a indeterminação absoluta do preço ou o puro arbítrio de uma das partes. Nesses casos o preço será nulo (não é o contrato, e sim o preço que será nulo), e o juiz o arbitrará.

Lembrar que no contrato de consumo, também se terá nulidade quando se tratar de preço cartelizado.

Ademais, no C&V incide o art. 315, CC: o preço deve ser em moeda nacional, submetendo-se, portanto, ao princípio do nominalismo, ou seja, o preço é devido pelo seu valor nominal . Contudo, o STJ acabou flexibilizando um pouco tal princípio (leading case: REsp 25.213), dizendo que a correção monetária está embutida no nominalismo, já que esta não gera capitalização, mas tão somente atualização da dívida. Juros não!

E mais: não podemos esquecer que a Lei 9.069/95 (que instituiu o Real) autorizou C&V em moeda estrangeira em dois casos: 1 – C&V celebrada no exterior; e, 2 – C&V decorrente de importação.

***Súmula Vinculante no 4: O valor da C&V não pode ser expresso em salário mínimo, porque este não pode ser usado como referencial econômico. Não pode ser utilizado como indexador.

Ademais, o preço deve ser sério e idôneo! E mais: o preço tem que ser justo. Nesse ponto devemos lembrar da onerosidade excessiva. A onerosidade excessiva pode aparecer no momento da celebração do contrato ou pode ser superveniente. ***Se for no momento da celebração, atinge o plano da validade; se for posteriormente, atinge o plano da eficácia.

Se a onerosidade bem no momento da formação do contrato: Se o contrato for de consumo, a presença de onerosidade excessiva gera nulidade, mas se o contrato for civil, gera anulabilidade.

Se a onerosidade excessiva vem posterior, admite revisão. Se for de consumo: Teoria da base objetiva (CDC); Se for contrato civil: Teoria da imprevisão (CC).

Tudo isso são formas de controle do preço, para garantir que ele seja justo.

4.3 – Coisa: Ordinariamente, qualquer coisa apreciável economicamente pode ser objeto de C&V. Podem ser bens móveis, imóveis, fungíveis, infungíveis, corpóreos, incorpóreos (nesse caso de incorpóreos fala-se em “cessão onerosa” – ex.: direito autoral). Pode até ser coisa incerta ou alternativa. Pegadinha! O objeto de C&V pode até mesmo ser coisa litigiosa.

Art. 457, CC e Art. 42, CPC – Quando for venda de coisa litigiosa, retira-se uma garantia: a evicção.

Admite-se ainda a venda a non domino, que é a venda de algo que não pertence ao vendedor (art. 1.268, p.1º, CC). Nessa hipótese de venda de algo que ainda não é meu, a eficácia do negócio fica condicionada à aquisição superveniente da coisa. É muito comum no meio imobiliário! Se eu tenho um imóvel na planta e vendo. Na verdade, ainda não tenho o imóvel, pois ele está na planta.

Ou seja, só não pode se vender o que não tem valor econômico, p.ex. direitos da personalidade. Pode até ceder onerosamente, mas não se trata de venda. Não se pode também ter como objeto herança de pessoa viva (pacto corvina).

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5 – Efeitos jurídicos da compra e venda: O CC reconhece 4 efeitos jurídicos para a C&V:

5.1 – Garantia dos vícios redibitórios pelo vendedor.

5.2 – Garantia quanto à evicção pelo vendedor.

5.3 – Garantia quanto à perda ou deterioração da coisa adquirida : É a chama “Teoria dos riscos das coisas” (res perit domino – a coisa perece para o dono): O dono no contrato de C&V depende: até a tradição, o dono é o vendedor; após a tradição, o dono é o comprador.

5.4 – Responsabilidade pelas despesas do contrato: Art. 490, CC: Diz que a responsabilidade pelas despesas do contrato será distribuída da seguinte forma: Será do vendedor, a responsabilidade pelas despesas com a tradição (= com a entrega da coisa), e do comprador, a responsabilidade pelas despesas com o registro. “Salvo disposição contrária” – O Código permite que as partes disponham em sentido contrário. -> Ex.: “frete grátis” é redundância, já que no silêncio é mesmo do vendedor as custas com a entrega. Então não há proibição do site cobrar frete do comprador, já que as partes podem dispor em sentido contrário.

6 – Situações especiais: Há duas situações especiais de C&V. Elas são especiais, pois o Código entendem que elas precisam de uma regra própria:

6.1 - Venda por amostra, protótipo ou modelo: Art. 484, CC. Ex.: natura, Avon, etc. Nesses casos, há duas regras previstas pelo Código: O vendedor se responsabiliza pela qualidade correspondente da coisa entregue, ou seja, a coisa entregue tem que ter a mesma qualidade da coisa anunciada. E a outra regra: havendo divergência entre a amostra, protótipo ou modelo e a coisa entregue, prevalecerá a amostra.

6.2 - Venda ad corpus e ad mensuram: A venda ad corpus é uma venda de uma unidade pelo todo, pelo seu todo representativo. Ex.: fazenda São Paulo, fazenda Santo Antônio. – Venda de porteiras fechadas. Nessa venda, pouco interessa a extensão territorial, pois o que se adquire é o todo, não interessando a medida.

Já a venda ad mensuram é uma venda por extensão, por medida. Ex.: vou comprar um sítio de mil hectares; uma fazenda de 2 mil hectares. Aqui interessa a extensão, e não a coisa como um todo.

Em qual das duas modalidades os vícios redibitórios ganham um fôlego diferenciado, avultando de importância? Na ad mensuram, pois o vício redibitório pode dizer respeito à quantidade. Ou seja, pode haver um vício de quantidade. Ex.: comprei um imóvel de 100 metros quadrados, e descobri que só tem 90. Há aqui um vício redibitório de quantidade. Nesse sentido, o p.1º do art. 500, CC, estabelece que não haverá vício redibitório se a diferença encontrada não exceder 1/20 (= 5%). Contudo, isso não significa que todo vendedor pode lesar os compradores no limite de 5%! Haverá responsabilidade civil contratual. Apenas não haverá vício redibitório. – REsp 436.853/DF: STJ -> É nula a cláusula contratual prevendo a renúncia do comprador a eventual indenização por falta de área . É nulo porque senão o sujeito fica sem nada: já não há vício redibitório, e ainda ficaria sem indenização.

7 - Cláusulas acessórias: O CC permitiu aos contratantes incluírem nos contratos de C&V cláusulas acessórias. Essa inclusão é facultativa e não obrigatória. A inclusão dessas cláusulas tem que ser expressa e escrita. São as seguitnes cláusulas:

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7.1 – Retrovenda: Art. 505, CC. É a cláusula permitindo ao vendedor, no prazo máximo de 3 anos, exercer o direito de comprar a coisa de volta, independente da vontade do comprador, pagando o preço tanto por tanto (= é o valor do negócio acrescido das despesas e benfeitorias). A retrovenda é direito potestativo do vendedor, ou seja, o vendedor terá esse direito independentemente do comprador. É um direito visivelmente patrimonial, e, portanto, é um direito que admite transmissão. É possível transmitir o direito de exercer a retrovenda.

A retrovenda é um instituto de natureza híbrida, na medida em que, apesar de ser um direito visivelmente patrimonial, produz eficácia erga omnes. Ex.: eu vendo meu imóvel para Erika com cláusula de retrovenda, e a Erika vende para Carol dentro do prazo. Eu posso sim exercer o direito de retrovenda contra Carol. Ninguém pode alegar boa-fé!

Essa cláusula é nula em contrato de adesão. É claro que quem aceita essa cláusula é porque está tendo um benefício: está comprando por um valor super baixo.

7.2 – Preferência ou preempção convencional: Art. 513, CC. É a cláusula pela qual o comprador assume a obrigação de, resolvendo vender a coisa, dentro de um determinado prazo, ofertá-la primeiramente a quem lhe vendeu. Aqui se trata de uma mera assunção de obrigação: o comprador assume uma obrigação. A validade e a eficácia da cláusula de preferência é de 180 dias se móvel, e 2 anos se imóvel. Ultrapassado esse prazo, cessa a obrigação, e então o comprador pode vender para quem quiser.

O vendedor terá o prazo de 3 dias se móvel e 60 dias se imóvel, para responder se quer ou não comprar o bem (art. 516, CC), a contar da notificação judicial ou extrajudicial.

O CC02 retirou a eficácia erga omnes desse instituto. Logo, se o comprador resolve vender para um terceiro dentro do prazo, sem ofertar ao vendedor, o instituto se resolverá em perdar e danos. Ou seja, o CC02 acabou por fragilizar o instituto. O prof. entende que uma possível solução seria o vendedor pedir ao juiz a tutela específica...

7.3 – Venda a contento e venda sujeita a prova: Art. 509 a 512, CC. É a cláusula que subordina os efeitos de uma C&V a um evento futuro e incerto: o gosto, a aprovação do comprador em relação à coisa.

Na venda a contento, o comprador não conhece a coisa, e precisa prová-la (critério subjetivo puro). Na venda sujeita a prova, ele conhece, mas precisa atestar as suas condições objetivas (as suas qualidades) – critério objetivo.

Ex.: venda de vestido feito à medida: A pessoa contrata a costureira para fazer um vestido de casamento, e ela faz com todos os tecidos previamente comprados, etc., mas o vestido fica horrível. É claro que a pessoa não será obrigada a comprar. – É venda a contento.

Aqui conhecemos uma exceção à condição puramente potestativa (art. 122, CC: é nula a condição puramente potestativa): a venda a contento!

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Aula 0517/10/2012

COMODATO

1 – Empréstimo:

A maioria dos ordenamentos tratam comodato e mútuo como contratos distintos. Aqui, comodato e mútuo são duas categorias de um mesmo gênero, seguindo o modelo francês. Contrato de empréstimo é gênero e comodato e mútuo são duas categorias desse mesmo gênero.

Comodato é empréstimo para uso, enquanto que o mútuo é empréstimo para consumo . Essa é a diferença fundamental entre eles. Nesse contexto, ordinariamente, o comodato é para bens infungíveis e o mútuo é de bens fungíveis.

2 – Noções conceituais:

No contrato de comodato, o legislador conceituou a matéria no art. 579 do CC/02:

Art. 579. O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto.

O comodato vem da expressão latina “commodum datum”, que significa “entregar algo ao proveito de outrem”.

Comodato é empréstimo gratuito de bem infungível para ser usado e restituído. É da essência do comodato a restituição, e, portanto, a existência de prazo. Comodato sem prazo é doação! Nas relações trabalhistas é bastante comum comodato.

De um lado há o comodante -> aquele que emprestou; e o comodatário -> aquele que recebeu emprestado.

Exige-se a capacidade das partes para o contrato do comodato? A capacidade do comodante não há dúvidas: ele precisa ser capaz, sob pena de invalidade (nulidade ou anulabilidade, a depender do tipo de incapacidade). E o comodatário? Ele precisa ser capaz? Temos que fazer uma analogia para outro contrato gratuito: a doação! É possível sim fazer doação para o incapaz – art. 543, CC. Logo, por analogia ao art. 543, CC, também é possível comodato para o incapaz.

Logo, exige-se capacidade do comodante, mas não necessariamente do comodatário.

Além da capacidade, o comodante precisa ser o proprietário da coisa? Claro que não, pois a coisa não será transferida em caráter definitivo. O comodatário não pode exaurir a substância da coisa, e sim tem que restituir. Então, basta que o comodante seja o possuidor da coisa.

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Contudo, em algumas situações teremos um tratamento diferenciado. São 3 situações nas quais se exige um elemento especial:

a) Locação: O locatário tem posse, porém o art. 13 da Lei 8.245/91 (lei de locações) dispõe que o locatário só pode emprestar a coisa alugada com prévia autorização do locador.

b) Comodatário: Se eu emprestei à Erika um imóvel, ela só pode emprestar a outrem, sob a minha prévia anuência. Ou seja, o sub-comodato (ou comodato de 2º grau) depende de prévia anuência do comodante. Isso porque o contrato de comodato é personalíssimo.

c) Administradores de bens alheios: Ex.: tutor e curador; síndico da falência, pai e mãe no exercício do poder familiar. O art. 580 do CC dispõe que os administradores de bens alheios não podem dar em comodato os bens administrados sem prévia autorização do juiz, com prévia oitiva do MP.

Cuidado! Os administradores de bens alheios podem dar em comodato sem prévia autorização judicial os seus próprios bens, é claro. O que ele não pode dar são os bens alheios.

É mais um exemplo de legitimação: por mais que o administrador tenha capacidade para realizar tal ato, ele precisa de autorização judicial.

3 – Classificação do comodato:

O comodato é contrato real. Se eu digo, p.ex., que vou emprestar meu apartamento em Salvador no carnaval à Erika, isso não é contrato de comodato, pois a coisa ainda não foi entregue. Será uma promessa de comodato.

É um contrato unilateral: Ordinariamente quem assume obrigações é o comodatário. O comodante só tem uma obrigação ordinariamente: entregar a coisa. Isso é ordinariamente. Contudo, nada impede que o comodante assuma obrigações como p.ex. pagar as despesas da coisa. Nesse caso, Caio Mario altera a classificação: passa a tratar como contrato bilateral imperfeito. Contrato bilateral imperfeito é aquele que ordinariamente seria unilateral, mas se torna bilateral. Quando houver sinalagma perfeito (C&V) é contrato bilateral perfeito; já quando não houver sinalagma imperfeito será contrato bilateral imperfeito: não há uma exata correspondência entre prestação e contraprestação.

É um contrato gratuito, pois o comodatário recebe a coisa para usá-la gratuitamente. Não há contraprestação, por mais que o comodatário assuma alguma obrigação. Como não há um sinalagma perfeito, nunca será oneroso o contrato.

É um contrato não solene (art. 579, CC), e sim é consensual, salvo na hipótese de comodato celebrado por administrador de bem alheio, pois nesse caso é necessária autorização judicial. Nesse caso é um contrato solene, justamente por exigir prévia autorização do juiz.

O art. 227 do CC tem uma correspondência ao art. 401 do CPC, e estes dispõem que o contrato que exceder 10 vezes o salário-mínimo não admite prova exclusivamente testemunhal. Logo, nesses casos exige-se prova também escrita. Não é que o contrato se torne formal, pois o artigo se refere tão somente à prova e não à forma.

Por fim, tal contrato é, em regra, personalíssimo, salvo disposição contrária . Isso porque quem empresta, empresta considerando a qualidade de quem está recebendo. Sendo

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personalíssimo, a morte do comodatário, ordinariamente, extingue o contrato. Não há, portanto, transmissão com a morte do comodatário, de regra. Um ótimo exemplo é o comodato no contrato de trabalho: a morte do empregado gera a extinção do contrato de trabalho e do contrato de comodato. Nesse caso, se não houver a regular restituição da coisa, caberá ação de reintegração de posse pelo empregador. O STJ vem entendendo que a competência para processar é julgar é da Justiça do trabalho (CC 57.524/PR).

Contudo, o contrato não será personalíssimo quando, p.ex., dele se constituir também uma relação de consumo. – Ex. da TV a cabo. Há um comodato da antena, muitas vezes. Aquele comodato configura uma relação de consumo, e, portanto, não é personalíssimo, de forma que a morte do comodatário não extingue a relação contratual.

4 – Características do comodato:

A grande característica do comodato, que é de sua essência, é a gratuidade. Se houver contraprestação já se trata de outro contrato: locação. Contudo, não esquecer que o comodatário pode assumir obrigações acessórias, e isto não desfigura a gratuidade. São obrigações com natureza de mero encargo. Tais encargos podem dizer respeito a despesas sobre as coisas, mas nunca a uma contraprestação (ex. taxa condominial, IPTU, etc.). Quando há algum encargo, chama-se de comodato com encargo ou comodato modal. Nesses casos, o limite do encargo é a inexistência de contraprestação.

Outra característica é a infungibilidade e inconsumibilidade da coisa. Em razão do dever de restituir, a coisa tem que ser infungível e inconsumível. Não esquecer que a infungibilidade pode ser determinada pela vontade das partes. A própria vontade das partes pode transformar um bem fungível em infungível (infungibilidade convencional), e vice-versa, e com isso, permitir o comodato sobre o bem.

Se o bem for fungível o contrato é de mútuo, e não de comodato, contudo, existe um caso em que há comodato de bem fungível, qual seja: “commodatum ad pompam vel ostentationem”, ou seja, comodato para ornamentação. Pode ser, p.ex., ornamentação de uma festa de casamento. Ordinariamente são bens fungíveis (ex.: flores), mas permitem comodato.

Em se tratando de bem infungível, o bem pode ser móvel, imóvel, corpóreo, não corpóreo (direitos autorais; leasing -> o leasing pode ser objeto de comodato!), e até mesmo admite-se um comodato sobre uso de um lugar (é o “commodatum loci”) – ex.: vaga de garagem.

A outra característica é a tradição: o contrato de comodato não se aperfeiçoa enquanto a coisa não for entregue. Não necessariamente será a tradição real, e sim pode ser qualquer tipo de tradição: pode ser ficta (constituto possessório), pode ser simbólica, etc.

O comodato caracteriza um desdobramento de posse, na forma do art. 1.197, CC. O comodante passa a ser o possuidor indireto, e o comodatário passa a ser o possuidor direto . Ambos podem se valer de ações possessórias contra terceiros, mas um tem direito de ação possessória contra o outro? Sim! No desdobramento de posse, ambos têm direito de ação contra terceiros, e têm também direito de ação um contra o outro. – Enunciado 76, CJF.

Nunca poderá haver usucapião enquanto perdurar o contrato de comodato, já que faltará um dos seus requisitos, qual seja: animus domini. Ambos continuam sendo possuidores. Contudo, aí surge um problema: e se houver esbulho decorrente da mora do comodatário? Nesse caso, rompe-se o contrato de comodato, e começa a correr o prazo para a usucapião.

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5 – Promessa de comodato: A promessa de comodato está sujeito às regras de contrato preliminar: arts. 462, e ss., CC.

Lembrando... Características do contrato preliminar: 1 - Não é acessório; 2 - Não precisa cumprir as formalidades do contrato prometido; 3 - A sua tutela jurídica se dará por perdas e danos ou execução específica, a depender do interesse da parte.

6 – Prazo do comodato: Todo comodato tem prazo, pois se assim não fosse, seria doação. Contudo, o prazo pode ser determinado ou determinável.

A diferença reside na mora: Se prazo determinado -> mora “ex re” (ou seja, mora automática; tem data certa); Se for prazo determinável -> mora “ex persona” (ou seja, exige notificação prévia). Nesse segundo caso, é o comodato precário, e tem que se fixar um prazo razoável para o comodatário devolver o bem, em razão da função social do contrato. Nesse sentido, STJ, REsp 571.453/MG.

Não havendo prazo convencionado pelas partes, subentende-se que o comodato é pelo tempo necessário para o uso da coisa. – Art. 581, CC. Exs. de Silvio Rodrigues: Comodato de materiais agrícolas – até o final da colheita; comodato de barco de pescaria – até a volta da pescaria.

Em ambos os casos (prazo determinado ou determinável), o comodante não pode requerer a restituição da coisa antes da data avençada, salvo necessidade imprevista e urgente reconhecida pelo juiz (parte final do art. 581, CC). Tal hipótese leva em conta a dignidade da pessoa humana do comodante. O Código exige o reconhecimento de tal necessidade pelo juiz.

7 – Obrigações do comodatário:

A primeira obrigação do comodatário é conservar a coisa como se sua fosse (assumindo as despesas ordinárias sobre a coisa; as despesas extraordinárias ficam a cargo do comodante), e não alterar a destinação.

***Atenção! Malgrado o comodatário seja um possuidor de boa-fé, ele só terá direito à indenização e à retenção, pelas benfeitorias necessárias, NUNCA PELAS ÚTEIS . Benfeitoria útil não gera direito à indenização e à retenção no comodato, por conta da gratuidade do contrato de comodato. – Art. 584, CC.

O comodatário conserva a coisa como se fosse sua, porém, lembrar: ele não pode celebrar sub-comodato (comodato de 2º grau), nem realizar localização, sem prévia autorização do comodante.

Muito importante!!!! Em caso de calamidade ou emergência, o comodatário é obrigado a salvar primeiro as coisas emprestadas e depois as suas, sob pena de responsabilidade objetiva com risco integral. Ou seja, ele responde mesmo que derive de caso fortuito ou força maior, se ele salvar primeiro as suas coisas, do que as coisas emprestadas. – Art. 583, CC.

Uma segunda obrigação do comodatário é usar a coisa de forma adequada, sob pena de responsabilidade civil comum. Ou seja, se utilizar a coisa inadequadamente, só responde se provada a sua culpa.

E a terceira e última obrigação do comodatário é o dever de restituir a coisa. O STJ vem entendendo que a não restituição da coisa caracteriza esbulho contratual (REsp 302.137/RJ –

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leading case), de forma que o comodante optará por medida possessória (reintegração de posse - REsp 236.454) ou por medida reinvidicatória, se ele for proprietário (REsp 81.967/MG). O comodante é que vai saber qual é a medida que se mostra mais adequada.

Para que se caracterize o esbulho pode ser que seja necessária a prévia notificação, quando for um comodato precário (com prazo determinável). Caracterizada a mora do comodatário, ele passa a responder objetivamente com risco integral pela perda ou deteriorização da coisa.

Além disso, o comodatário passa a dever aluguel. Contudo, este aluguel não tem a natureza do aluguel da locação. Recebe o nome de aluguel-pena ou aluguel-sanção. A natureza dele é de perdas e danos, logo, ele será fixado naturalmente em quantia superior ao aluguel daquela região, pois tem natureza punitiva. A esse respeito, a opinião que prevalece é de Orlando Gomes, que foi acolhida pelo STJ, no sentido de que, na fixação do aluguel-pena, o juiz pode controlar para evitar abuso de direito do comodante (REsp 143.707/RJ). Claro que o juiz tem que lembrar que tem caráter punitivo, ou seja, não deve fixar no valor de um aluguel naquela área, mas também tem que contar eventual valor exorbitante cobrado pelo comodante.

Se houver mais de um comodatário, eles passam a responder solidariamente, tanto pelo risco integral, quanto pelo aluguel pena. – Art. 585, CC.

8 – Obrigações do comodante:

As obrigações do comodante são: a) Aguardar a data da restituição da coisa, sem embaraçar o uso do comodatário; b) Pagar as despesas extraordinárias (as ordinárias são pagas pelo comodatário) – REsp 249.925/RJ; c) Indenizar as benfeitorias necessárias; e, d) Assumir os riscos sobre a coisa (res perit domino, ou seja, a coisa perece para o dano), a não ser que haja culpa do comodatário.

MÚTUO

1 – Noções conceituais: O mútuo é o empréstimo de bens fungíveis, gratuito ou oneroso, a depender das circunstâncias.

Há uma distinção conceitual entre mútuo e comodato, portanto: Enquanto o comodato é sempre gratuito e sempre de bem infungível, o mútuo pode ser gratuito ou oneroso, e incide sobre bem fungível.

Ademais, vale lembrar que o mútuo é um empréstimo para consumo, e não para uma simples utilização. Ou seja, mutuário (que recebe a coisa) não apenas usa o bem, mas pode consumi-lo em sua inteireza, de forma que o mutuário pode exaurir a substância da coisa, pode esvaziar a essência da coisa, esvaziando todas as suas utilidades.

O mutuário pode alugar, emprestar, vender, dar em garantia, consumir, etc., ou seja, ele pode fazer tudo o que quiser com a coisa, independentemente do consentimento do mutuante, pois tem plenitude dos poderes. Há a transferência integral ao mutuário da coisa, com todos os poderes. O que o mutuário vai restituir, portanto, não é a coisa emprestada e sim o seu equivalente em qualidade, quantidade e espécie.

Os exemplos mais comuns são empréstimo de dinheiro e de gênero agrícola.

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Diferentemente do comodato, o mutuante precisa ser o proprietário, pois no contrato de mútuo há transferência de propriedade, de domínio e de posse. O mutuário assume a titularidade da coisa.

Se o mutuário assume a titularidade da coisa, a regra res perit domino é invertida se comparado ao comodato: ela é aplicada ao mutuário, pois este tem a propriedade, logo a coisa perece para o mutuário e não ao mutuante.

2 – Capacidade das partes: Art. 588, CC: Exige a capacidade das partes (tanto do mutuante quanto do mutuário). O mutuante, além de ser capaz, precisa ter a propriedade. Ademais, traz uma regra: o mútuo feito a um menor, não pode ser reavido. Aquele que empresta a um menor, não pode receber de volta, nem do mutuário, nem de seus fiadores. – É a regra “senatus consulto macedoniano”.

O art. 589, CC excepciona o art. 588, CC, em 5 casos , para impedir o enriquecimento sem causa. Nesses casos, é possível cobrar o mútuo feito a um menor. São as exceções:

a) Quando houver posterior confirmação pelo representante ou assistente;

b) Quando o empréstimo reverteu em proveito do menor;

c) Quando o empréstimo foi feito para satisfazer os alimentos dos quais precisava o menor;

d) Quando o menor tinha renda suficiente para pagar o empréstimo. Aqui o CC foi até incoerente, pois se ele já tem renda própria, ele já foi emancipado, logo já teria que pagar sim a dívida. Tal exceção nem precisava estar prevista.

e) Quando o menor dolosamente omitiu a sua idade. Essa hipótese é um caso típico de “tu quoque” pelo menor: Alguém pratica primeiro um ato ilícito (omite a idade dolosamente), mas depois tenta praticar um ato lícito (invocar o art. 589, CC), que seria lícito, se não houvesse o ato anterior ilícito.

***Atenção! Exceção tem que ser interpretada restritivamente! Logo, tais exceções são aplicáveis ao menor, e não ao incapaz.

3 – Classificação:

É contrato real, já que exige a tradição: enquanto a coisa não for entregue, o mútuo não se aperfeiçoou.

É contrato unilateral.

É também não solene, exceto quando se tratar de mútuo oneroso (com encargo), pois, nesse caso, ele exige forma escrita.

Por fim, ordinariamente, o mútuo é gratuito, mas o art. 591, CC, permite que o mútuo se torne oneroso. Há duas hipóteses em que o mútuo se torna oneroso: 1 – quando houver expressa disposição das partes; e, 2 – quando for celebrado com finalidade econômica. -> Quando o mútuo se torna oneroso, ele é apelidado de mútuo feneratício, frutífero ou oneroso. A onerosidade aqui é a incidência dos juros remuneratórios ou compensatórios. Alguns autores chamam tais contratos que podem ser gratuitos ou onerosos, como p.ex. o

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mútuo, de contratos bifrontes. Nesses casos de onerosidade, o contrato passa a ser bilateral imperfeito.

4 – Prazo:

Ademais, todo mútuo tem prazo, senão seria doação ou C&V (se gratuito ou oneroso), e, ordinariamente, tal prazo deve ser determinado pelas partes.

Se o mútuo não tem prazo determinado, terá prazo determinável, e o Código apresenta regras auxiliares de determinação do prazo no mútuo (art. 592, CC):

a) Em se tratando de mútuo de produtos agrícolas, até a próxima colheita;

b) Em se tratando de dinheiro, pelo menos 30 dias.

c) Nos demais casos, pelo prazo assinalado pelo mutuante. – O mutuante que diga, sabendo que ele não pode incorrer em abuso de direito (art. 187, CC), pois se ele exceder o que lhe é permitido, pela boa-fé e pela função social, o juiz poderá controlar o prazo assinalado pelo mutuante. – OBS.: Abuso de direito é uma concepção objetiva, e não subjetiva. Ou seja, não se leva em conta o elemento subjetivo: se ele teve culpa ou não. Avalia-se se o comportamento aparenta ou não ser abusivo, independente da vontade.

O mutuante não pode exigir a restituição da coisa antes da data do vencimento , porém o art. 590, CC, traz uma novidade: quebra antecipada de contrato ou inadimplemento antecipado (fundamento: art. 477, CC e boa-fé objetiva). O mutuante pode exigir garantia da restituição, se antes do vencimento o mutuário sofrer notória mudança na sua situação econômica . Esse artigo está inspirado no instituto do inadimplemento antecipado, que diz que, quando há indícios que o devedor vai inadimplir, é lícito o credor exigir uma garantia de seguridade. Está relacionado aos deveres anexos. Em suma: O mutuante nunca poderá exigir o pagamento antes do pagamento, mas pode exigir uma garantia de seguridade, quando houver notória mudança na solvibilidade do mutuário.

Ademais, o mutuante não pode ser obrigado a receber a coisa parceladamente, se assim não pactuou. Vem do direito das obrigações.

5 – Objeto: O contrato de mútuo é sempre de bem fungível, e a fungibilidade pode ser determinada pelas partes, logo, nada impede que as partes determinem a fungibilidade do objeto para autorizar a celebração de um mútuo.

6 – Mútuo em dinheiro: Art. 591, CC. Se eu peguei um mútuo no banco, se presume que ele é oneroso, é claro. O mútuo pode ser gratuito ou oneroso. Ele será oneroso nos termos do art. 591, CC, ou seja: quando houver expressa disposição ou tiver finalidade econômica. Em ambas as hipóteses temos que lembrar do art. 315 do CC, que consagra o princípio do nominalismo: as dívidas em dinheiro sempre serão devidas pelo seu valor nominal .Traz consigo implícita a incidência de correção monetária, segundo o STJ. – Isso é super importante pra prova federal. Dentro do princípio do nominalismo, está embutida a correção monetária, pois está é apenas a atualização do valor.

Contudo, devemos lembrar que no contrato de mútuo feneratício, além da correção monetária, está implícita também a cobrança de juros, e a taxa de juros deve ser estipulada pelas partes. Lembrar que houve alteração da norma constitucional, e não há mais a limitação

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da cobrança de 12% a.a. E se as partes deixaram de estipular a taxa de juros (compensatórios)?

Há quem se utilize, por analogia, o art. 406 do CC (por analogia, pois se refere aos juros moratórios, e não aos compensatórios), e diz que deve-se aplicar a taxa que estiver em vigor para a mora da Fazenda Pública. Porém que taxa é esta? Podem ser duas taxas: a taxa prevista no art. 161, p.1º, CTN (1%), ou pode ser a Taxa SELIC. Só que há um problema: no cálculo da taxa SELIC o Governo não inclui só os juros de mercado, mas também outros encargos financeiros, inclusive a correção monetária. Diante disso, o Enunciado 20, CJF, concluiu, tal como a doutrina, que deve-se utilizar a taxa do CTN, e não a SELIC, pois se fosse utilizada a SELIC se incidiria num bis in idem, já que esta considera a correção monetária. Já o STJ, no AgRg no REsp 895.075/RS, disse tanto faz: pode ser uma ou outra, Ou seja, o STJ admite a incidência da taxa SELIC, desde que desacompanhada de outros encargos financeiros, inclusive da correção monetária.

Quanto à capitalização de juros, é preciso lembrar que a Súmula 121 do STF estabeleceu a proibição da capitalização de juros, mesmo que por convenção expressa das partes. É uma súmula do STF, pois é super antiga, da época em que ele tinha competência para matéria infraconstitucional.

Agora a matéria é de competência do STJ, que tem entendimento de que tal orientação não se aplica às instituições financeiras, ou seja, entendeu pela inaplicabilidade da proibição da capitalização de juros às instituições financeiras (REsp 915.572/RS). Em suma: instituição financeira pode cobrar capitalização de juros, salvo quando se tratar de mútuo ligado ao SFH (Sistema Financeiro de Habitação - empréstimo para aquisição de casa própria. – motivo óbvio: direito social à moradia) – REsp 809.229/PR.

O próprio STJ, contudo, diz que é possível falar em controle dos juros abusivos (REsp 1.112.879/PR). Ou seja, não significa que a instituição financeira pode cobrar quanto quiser. Logo, o judiciário pode fazer o controle judicial da abusividade dos juros. Contudo, o simples fato de exceder o limite de 12% a.a não é suficiente para configurar abusividade.

OBS.: O contrato de mútuo e o contrato de vaca-papel: Vaca-papel é um contrato simulado, com a intenção de cobrar juros exorbitantes. Esse contrato insinua que se entrega vaca, mas na realidade entrega papel. O STJ tem jurisprudência pacífica de que todo contrato vaca-papel é nulo por simulação, e, portanto, não produz efeitos, retornando as partes ao status quo ante. – REsp 441.903/SP.

CONTRATO DE DEPÓSITO

1 – Noções gerais: Art. 627, CC. O depósito é um contrato celebrado para fins de guarda e posterior restituição. E lógico, a temporariedade é da essência desse contrato. Há muito tempo atrás, quando foi concebido, esse contrato era exclusivamente gratuito (era por amizade), porém hoje, não: hoje, tal contrato é gratuito ou oneroso.

Cuidado! Há dois contratos que parecem com depósito, mas não o são:

a) Guarda ou custódia: Não é contrato de depósito. ***Cofre bancário não é depósito, e sim é contrato de guarda ou custódia. No contrato de depósito, o contratado conhece todas as características da coisa que está guardando. Já no contrato de guarda, a substância da coisa é desconhecida do contratado. O banco não sabe o que o sujeito está guardando no cofre.

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Logo, é claro que no contrato de depósito, o contratado responde de forma mais grave do que no caso do contrato de guarda. No contrato de guarda, a responsabilidade do contratado é mitigada, justamente porque não sabe o que está guardando.

b) Tolerância: STJ – REsp 192.092/MT. O STJ chamou atenção para o fato de que não caracteriza depósito ato de tolerância ou permissão. Ex.: caminhão estacionado em posto de gasolina na estrada. Esse é um ato de tolerância ou permissão, e não contrato de depósito.

2 – Classificação:

É um contrato real. É claro que pode haver promessa de depósito: quando se ajusta o contrato, mas não entrega a coisa.

Ademais, é um contrato gratuito ou oneroso, sendo que no silêncio das partes, ele será gratuito. Ele será oneroso, quando pactuado expressamente pelas partes ou quando celebrado por ofício ou profissão. Quando se entrega seu carro ao manobrista, presume-se onerosidade; quando se entrega seu carro ao vizinho, sem pactuar nada expressamente, presume-se gratuidade.

É um contrato bilateral imperfeito, já que pode ser unilateral ou bilateral.

E, por fim, é contrato personalíssimo, de regra, salvo disposição em contrário, ou ressalvada a natureza do depósito (ex.: se entreguei o meu carro ao manobrista, não me interessa se é ele que vai me devolver ou será outro manobrista daquela empresa; mas se entrego meu carro ao meu vizinho, será personalíssimo).

3 – Objeto: O Código diz que o objeto do contrato de depósito são bens móveis, corpóreos, infungíveis e inconsumíveis. Isso porque, um dos deveres do depositário é o de restituição da coisa, o que só pode ocorrer quando o bem é infungível e inconsumível.

Contudo, crítica: Melhor seria como Portugal e Argentina, que admitem depósito de bem imóvel, bastando que se entre as chaves (ex.: entrega de chaves para a imobiliária para ela tentar vender). Portanto, no Brasil, não há depósito de bens imóveis.

Atenção! Excepcionalmente o Código admite depósito de bens fungíveis (ex.: dinheiro – depósito bancário), chama-se depósito irregular, e aplicam-se as regras de mútuo . É irregular, pois não vai se restituir a mesma coisa. Depósito de bem fungível = mútuo.

Aula 0624/10/2012

Atenção! Os bens também devem ser, além de móveis e infungíveis, bens corpóreos, segundo insinua o Código. Para o professor aqui o CC também “mandou mal”, pois não há porque não se falar em depósito de direito autoral, p.ex. Para o professor, os bens incorpóreos também podem ser objeto do contrato de depósito.

O art. 630 do CC diz que se o objeto do depósito for entregue fechado, colado, selado ou lacrado, assim deve ser mantido, sob pena de violação da boa-fé objetiva . Esse aspecto louva-se no dever de respeito e no dever de sigilo, ou seja, direitos anexos à boa-fé objetiva. Também tem como fundamento o direito à privacidade, previsto no art. 5º, X, CF. Se o

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depositário, porventura, violar o direito de sigilo responderá autonomamente por isso. Imaginemos que além de violar o lacre, o depositário devolveu a coisa deteriorada. Nesse caso, ele vai dever duas indenizações: pela violação do lacre e pela deteriorização da coisa. Ou seja, esse art. 630 do CC estabelece uma obrigação autônoma do depositário.

Em relação ao local de restituição da coisa, aplica-se a autonomia privada. Dessa forma, o CC estabelece que o local de restituição será ajustado pelas partes. No silêncio das partes, o local da restituição será o próprio local do depósito. A intenção dessa previsão é facilitar a devolução da coisa, é claro. Detalhe: todas as despesas com a restituição da coisa correrá por conta do depositante, salvo disposição contrária.

O Código Civil admite, em relação ao contrato de depósito, a figura das estipulações em favor de terceiros (vimos quando tratamos a teoria geral dos contratos – ex. do seguro de vida), ou seja, quando duas pessoas celebram um contrato para que seus efeitos benéficos produzam seus efeitos em favor de terceiros (art. 436 a 438, CC). Logo, o depósito em favor de terceiros não é nada senão estipulação em favor de terceiros.

O art. 632 do CC diz que eventual obrigação decorrente desse contrato só pode ser exigida do depositante, e jamais do terceiro. Ademais, o terceiro tem legitimidade para requerer a restituição da coisa, apesar de não ser parte, justamente por ser uma estipulação em favor de terceiros.

O administrador de bens alheios, p.ex., pode depositar algo em favor de terceiros: em favor do proprietário do bem (tutor/curador/síndico da falência). Se o depositário tiver sido notificado desse fato (de que o depósito foi em favor de terceiro), não pode ele se exonerar restituindo a coisa ao depositante, sem o consentimento do terceiro.

O art. 637 do CC diz que se o depositário vem a falecer, e seus sucessores não souberem que aquela coisa não pertencia ao depositário, ou seja, estavam de boa-fé, e, então alienaram a coisa depositada, serão obrigados a restituir o preço ao depositante e assisti-lo na ação respectiva, como decorrência da boa-fé. Nesse caso, os herdeiros figurarão como assistentes simples, nos termos do art. 50 do CPC. Na frase, a primeira “boa-fé” corresponde à boa-fé subjetiva, e, portanto, significa o não conhecimento de que aquele bem não era do depositário. Já a segunda “boa-fé” citada na frase corresponde à boa-fé objetiva, pois é dever anexo. Não se trata de conhecimento, e sim de uma exigência de comportamento. A boa-fé objetiva nesse caso aponta que se espera que aquele herdeiro de boa-fé assista o depositante na demanda para que este tenha o bem restituído (o $ vai para o terceiro).

4 – Espécies de depósito: O CC criou, nesse particular, um sistema múltiplo. O depósito pode ser voluntário ou pode ser necessário. Alguns autores vislumbram uma terceira categoria que seria o depósito judicial (ex.: Carlos Roberto Gonçalves). No CC, porém, só existem o depósito voluntário e o necessário. O depósito judicial vem do Processo Civil, que é quando o juiz determina que alguém guarde algo de outrem por um tempo (ex.: no processo de execução). É uma garantia processual e não material. Ou seja, ele até existe, mas com regras próprias.

O depósito voluntário se subdivide em dois, quais sejam: regular e irregular. O depósito voluntário regular é o que tem como objeto bens infungíveis, já o deposito voluntário irregular é o que tem como objeto bens fungíveis. Em se tratando de depósito voluntário irregular, incidem as regras do mútuo (art. 645, CC).

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Já o depósito regular, que é o de coisas infungíveis, pode ser gratuito ou oneroso. O depósito será oneroso por expressa disposição das partes ou quando praticado por profissão ou ofício. Nesses dois casos, o depósito será oneroso. Ex.: Quando paro o carro no manobrista do shopping, presume-se que é oneroso, já que por profissão; Já quando deixo meu cachorrinho com o vizinho, sem dispor nada, presume-se que é gratuito. Nesses casos, se as partes não deliberaram o preço, o juiz arbitrará este com base nos usos e costumares de cada lugar.

Tal como depósito, o mútuo também pode ser gratuito ou oneroso (cujas regras serão aplicadas ao depósito irregular). Será oneroso por expressa disposição das partes ou quando tiver finalidade econômica (art. 591, CC). Se pego um mútuo no banco, presume-se oneroso. Se pegar um empréstimo com um amigo, presume-se gratuito. Nesse ponto, há uma certa convergência do depósito regular e do depósito irregular. São então contratos, para alguns autores, bifrontes, porque podem ser onerosos ou gratuitos.

Já o depósito necessário é imposto independentemente da vontade das partes. Ele não é imposto apenas pela lei, mas também pode o ser pelas circunstâncias. Os arts. 647 a 649, CC, apresentam uma trilogia de depósito necessário: ele pode ser legal, miserável ou por equiparação. São três modalidades de depósito necessário.

O depósito necessário será legal quando a lei impuser a alguém a qualidade de depositário. A lei impõe a alguém o dever de guarda e restituição de algo que pertence a outrem. Ex.1: Quando há dúvida objetiva sobre o credor. Neste caso o devedor é obrigado a guardar a coisa consigo para depois consigná-la em pagamento. A consignação tem natureza de restituição. Ex.2: Art. 1.233, CC – Cuida do instituto da descoberta. A descoberta é encontrar coisa móvel alheia perdida. Logo, descobridor é aquele que encontra algo perdido. Ele deve guardar para depois restituir. Ele é obrigado a restituir ao legítimo proprietário, e se ele não souber quem é esse, ele deverá restituir à autoridade, que, no caso, é o delegado de polícia. Uma coisa é certa: ele restituirá, e, portanto, terá qualidade de depositário. O “achado não é roubado” não se aplica no Direito Civil.

O depósito necessário pode ser também miserável, que é aquele feito por força de situações de calamidade pública. Ex.: naufrágio, incêndio, enchentes - art. 647, II, CC. A expressão “como” neste dispositivo determina que o rol é exemplificativo, até porque é naturalmente impossível listar todas as calamidades que podem ocorrer. O fundamento deste depósito miserável é a solidariedade social previsto no art. 3º da CF. Logo, aqueles que receberam bens alheios por força de uma calamidade são obrigados a guardá-los, para depois restituí-los.

Por fim, há o depósito necessário por equiparação. – Art. 649, CC. É o depósito do hoteleiro. Hoteleiro aqui está em sentido amplo, pois engloba toda e qualquer pessoa que ofereça pouso por dinheiro. Logo, abrange hotel, motel, pousada, albergue, etc. Mas, pergunta-se: abrange também a locação de móveis? Não, pois não tem natureza de hotelaria. A locação de imóveis não oferece apenas dormida, e sim é muito mais do que isso. O hoteleiro tem, portanto, depósito necessário dos bens móveis e bagagens dos seus hóspedes. Logo, este responde pela perda ou deteriorização dos bens móveis e bagagens de seus hóspedes.

O STJ limitou, contudo, a responsabilidade do hoteleiro: REsp 841.090/DF. Entendeu que a responsabilidade do hoteleiro não abrange os bens que usualmente não se carregam consigo, como quantias muito altas de dinheiro e jóias raras. Nesse caso, a jurisprudência estabelece que é dever de informação do hóspede (dever anexo da boa-fé objetiva) comunicar ao hotel que tem consigo aquele bem, para que o hotel possa adotar providências de segurança. É irrelevante se o cofre é dentro ou fora do quadro: é obrigação do hóspede informar.

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A responsabilidade do hoteleiro é objetiva, porém sem risco integral. Ou seja, ordinariamente, será excluída por caso fortuito e força maior. Um exemplo seria o assalto, mas o STJ vem entendendo o assalto de uma forma peculiar (REsp 227.014/GO): Embora o caso fortuito ou força maior, ordinariamente, exclua a responsabilidade do hoteleiro, como no caso do assalto, se o hoteleiro deixou de adotar providências de precaução ou segurança, é mantida a sua responsabilidade (ex.: não contratação de vigias ou seguranças). Entende o STJ que, nesse caso, o hoteleiro colaborou, de alguma forma, para o assalto.

A responsabilidade do hoteleiro inclui também o veículo do hóspede. Ou seja, o hoteleiro responde pelo dano ou furto de veículos em seu estabelecimento. -> Súmula 130, STJ. É uma súmula bem ampla, que inclui também o hoteleiro, é claro.

Diante do exposto, toda e qualquer cláusula contida no contrato do hotel excluindo ou limitando a responsabilidade do hoteleiro é nula, já que a responsabilidade do hoteleiro decorre de lei. Ele tem a qualidade de depositário, de forma que não pode simplesmente excluir a responsabilidade que decorre de lei.

Ademais, o art. 932, IV, CC, amplia a responsabilidade do hoteleiro e diz que este também responde pelos danos causados pelos seus hóspedes. Se um hóspede causar um dano a um terceiro, o hoteleiro responde, de forma objetiva, sem risco integral. Atenção! O CC incide quando um hóspede causa um dano a um terceiro; Quando é um hóspede causando um dano a outro hóspede, incide o CDC, pois é uma relação de consumo.

Contudo, o hoteleiro, apesar de responder por tais danos, não pode escolher seus hospedes, pois configuraria descriminação ao consumidor. Ele não pode escolher esse ou aquele hóspede, porém pode escolher o segmento dos seus hóspedes (ex.: hotel só para 3ª idade; hotel que não aceita nenhuma criança).

O Código, contudo, compensou o hoteleiro, no art. 1.467, CC: O hoteleiro tem penhor legal dos bens dos hóspedes. Penhor significa garantia, ou seja, o hoteleiro tem uma garantia legal com os bens dos hóspedes. Significa que havendo qualquer dano causado pelo hóspede, o hoteleiro pode reter as suas bagagens. Então ele vai requerer homologação judicial (art. 875, CC), e vai executar as bagagens para que possa pagar o seu crédito. É um claro exemplo de autotutela. É o próprio credor defendendo o seu crédito.

OBS.: Na companhia aérea não há contrato de depósito, e sim é um dever anexo ao contrato de transporte. Nesse contrato de transporte, há uma Convenção Internacional (Convenção de Varsóvia) que regulamenta transportes aéreos, estabelecendo limites indenizatórios, contudo, o STJ entende que o CDC prevalece sobre a Convenção de Varsóvia, aplicando-se o princípio da reparação integral.

5 – Teoria dos Riscos no contrato de depósito: “Res perit domino”. – O dono é o depositante, e, portanto, a coisa perece para ele, se o perecimento for sem culpa (= força maior ou caso fortuito), pois os riscos da coisa são do proprietário, no caso, o depositante.

Contudo, há uma exceção, qual seja: Se o depositário incorrer em mora (= não devolveu a coisa no prazo acertado), passa a responder pelo perecimento da coisa, objetivamente com risco integral.

6 – Prisão civil do infiel depositário: Temos que partir de três referências legislativas: Art. 5º, LXVII, CF – Permite a prisão civil do infiel depositário. A CF não manda prender, e sim diz que

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pode ser preso, na forma da lei, que é o art. 652 do CC, que estabelece a forma dizendo que ele pode ser preso pelo prazo máximo de 1 ano, sem prejuízo de perdas e danos.

Contudo, o problema se estabelece por conta de Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Interamericana de Direitos Humanos): Este estabelece, em seu art. 7º, que não pode ser preso o infiel depositário. Diz que nos países signatários do Tratado, só será permitida uma hipótese de prisão civil por dívida: do devedor de alimentos.

O STF se manifestou, em 03/12/2008, através do julgamento do RE 466.343/SP e do HC 87.585/TO, sobre a hierarquia dos tratados internacionais: Têm hierarquia constitucional os tratados e convenções que versam sobre direitos humanos (requisito material) e que foram aprovados na forma da EC 45 (requisito formal) – ex.: Convenção de Nova Iorque (que versa sobre proteção de pessoas com deficiência); Os tratados e convenções que não versam sobre direitos humanos serão incorporados em sede infraconstitucional, ao lado da legislação comum, resolvendo eventual conflito pelo princípio da especialidade; E, por fim, há a posição da supralegalidade: são os tratados e convencoes que versam sobre direitos humanos e não foram aprovados na forma da EC 45. – Ex.: Pacto de San José. São os tratados de direitos humanos incorporados antes da EC 45. Assim, vê-se que o direito civil é objeto de controle de constitucionalidade, mas também de controle de convencionalidade.

O art. 652 do CC é, portanto, constitucional! O STF editou então a Súmula Vinculante 25, dizendo que a prisão civil do fiel depositário é constitucional, porém ilícita. É constitucional, pois a CF permite, porém é ilícita, porque, embora o Código permite, acima deste está o Pacto de San José da Costa Rica. Nesse diapasão, o STJ editou a Súmula 419 do STJ, dizendo que descabe a prisão civil, inclusive do depositário judicial. O STJ inseriu tal posicionamento, pois tal hipótese está fora da Súmula Vinculante 25, pois o depositário judicial está no CPC. Só vai poder depositário infiel, se a CF for emendada e dizer não só que pode, mas também como será feita a prisão do depositário infiel. Contudo, isso nunca vai acontecer, pois a CF é guiada pelo princípio do não retrocesso.

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

1 – Noções gerais: O art. 593 do CC promoveu uma mutação terminológica, pois no CC16 tal contrato era denominado “locação de serviços”. Contudo, locação é de coisas e não de pessoas. A pessoa humana é sempre sujeito, e nunca objeto de um contrato , em atendimento ao princípio da dignidade da pessoa humana inserto na CF88.

Prestação de serviços é um contrato por meio do qual uma pessoa, mediante remuneração, se obriga a realizar uma determinada atividade (obrigação de fazer), em favor de outrem.

Exs.: Advogado, arquiteto, médico, etc.

Cuidado para não confundir prestação de serviços com três figuras jurídicas assemelhadas. O próprio art. 593, CC, atenta para isso. A incidência do CC é residual, de modo que somente se aplica o CC quando não houver disciplina em lei especial. -> Hipóteses de regras especiais:

- Relação de emprego: CLT (hipossuficiência justifica a aplicação da CLT)

- Relação de consumo: CDC (vulnerabilidade). Em regra, a responsabilidade é objetiva. Contudo, em se tratando de profissional liberal, a regra de responsabilidade objetiva do CDC é alterada, se tornando responsabilidade subjetiva. Há outra exceção: Veículo de comunicação por publicidade enganosa: Responsabilidade também será subjetiva.

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- Contrato de empreitada: Art. 610, CC (especificidade do objeto da contratação). O resultado da empreitada é específico. O objeto da prestação de serviço é a atividade em si. O objeto da empreitada é o resultado da atividade. Logo, o contrato de prestação de serviços é muito mais amplo, de forma que aplicam-se as regras do contrato de prestação de serviço ao contrato de empreitada, naquilo que não forem incompatíveis. E mais: amplia-se a responsabilidade do empreiteiro, se, além da mão de obra, ele também oferecer o material.

O art. 618 do CC é garantia do empreiteiro: Prazo irredutível de 5 anos (pode ser maior, mas pelo menos será de 5 anos). O STJ, no REsp 178.817/MG

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REsp 37.374/MG: Necessidade de anuência do autor para modificação da obra, sob pena de perdas e danos.

Ou seja, a prestação de serviço é autônoma e residual, de forma que incidem as regras de prestação de serviços quando não se tratar de hipótese de contrato de trabalho, de contrato de consumo, e de contrato de empreitada, que possuem objeto próprio, distinto do Código Civil.

2 – Classificação: O contrato de empreitada é bilateral: de um lado o tomador de serviços, e de outro lado o prestador de serviços, ambos assumindo deveres.

Ademias, é oneroso: ambas as partes obterão vantagens econômicas. Ele é comutativo, pois as vantagens obtidas pelas partes são previamente conhecidas.

É um contrato não solene, pois basta a declaração de vontade para a sua formação. Contudo, quando qualquer das partes não souber ler ou escrever, ai o instrumento contratual poderá ser assinado a rogo na presença de duas testemunhas. Mesmo assim, continua sendo contrato não solene.

Por fim, é um contrato, de regra, personalíssimo, pois se tem a contratação daquela pessoa para aquela atividade. Contudo, o art. 605 do CC estabelece uma exceção: permite a substituição do prestador do serviço, com o consentimento da contraparte . Contudo, em regra, a morte do prestador de serviço ordinariamente extingue o contrato , já que, em regra, é personalíssimo.

É direito do prestador de serviços à certificação do trabalho cumprido – Art. 604, CC. Essa certificação é uma espécie de cartão de visitas, pois o prestador vai apresentar a qualidade do serviço prestado, ou seja, que cumpriu a contratação. Se é direito do prestador, é dever do tomador. É um dever anexo do tomador de serviços.

Todo e qualquer trabalho humano, material ou imaterial, pode ser contratado, desde que lícito, é claro. O objeto é amplíssimo, portanto. E o mais importante: a prestação de serviços pode ser genérica ou limitada. Ex.: O pintor pode ser contratado apenas para a fase de acabamento. Contudo, no silêncio do contrato, presume-se que o prestador se obrigou por todas as atividades compatíveis com o serviço assumido. – Art. 601, CC.

Ex.: Um advogado pode ser contratado para fazer só a sustentação oral, mas se isso não estiver estipulado, presume-se que ele foi contratado para tudo (contestação, etc.). Contudo, deixa de ser compatível que esteja implícito que o advogado se obrigou a arcar com todas as

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despesas para ir à Brasília realizar uma sustentação oral. Não é compatível com o serviço; não é compatível com as suas forças e condições dos serviços contratados.

3 – Remuneração: Também é chamada de preço, salário ou honorário. A remuneração será fixada pelas partes, mas se estas não estipularam, o art. 596, CC, esclarece: o juiz fixará considerando o costume do lugar, o tempo despendido e a qualidade do serviço.

Detalhe: A remuneração pode ser fixada por temporariedade (por quinzena, por mês, por semana) ou pelo serviço prestado globalmente.

No silêncio das partes, a remuneração será fixada de forma diferida no tempo, ou seja, em momento posterior (art. 597, CC).

O art. 606, CC, se o prestador não possuir título de habilitação ou requisito estabelecido em lei (ex. o falso advogado) não pode cobrar a remuneração. Aqui é boa-fé subjetiva: se o tomador sabia que o prestador não tinha o título, terá que pagar , pois ninguém pode se valer da sua própria torpeza.

E se, apesar da falta do requisito e o tomador não saber da ausência do título, o serviço foi prestador e gerou benefício para o tomador, o juiz fixará compensação razoável. O prestador não terá, então, direito ao valor contratado, pois ele não tinha o requisito necessário, mas receberá uma compensação. O fundamento disso é a boa-fé objetiva e proibição de enriquecimento sem causa.

O parágrafo único do art. 606, CC, fala que quando a proibição da prestação do serviço (= ausência de habilitação/requisito legal) resultar de uma lei de ordem pública, não se aplica o direito à compensação razoável. Contudo, a maioria da doutrina fala que este PU é letra morta, pois não existe “lei de ordem particular”, logo, não se sabe o que o legislador quis dizer com “lei de ordem pública”.

4 – Prazo: Art. 598, CC. É o prazo estipulado pelas partes e não pode exceder a 4 anos . A razão da limitação de 4 anos é para que uma pessoa humana não fique submetida a outra indefinidamente. É verdade que os 4 anos admitem a renovação.

No silêncio das partes, o prazo será fixado pela natureza do contrato ou pelos costumes do lugar. – Ex.: contrato de prestação de serviços agrícolas – prazo: até a próxima colheita.

Há um caso muito interessante aqui de resilição unilateral: não havendo prazo definido pelas partes, admite-se a resilição unilateral pelo prestador de serviços. Lembrar: resilição unilateral se chama “denúncia do contrato”; distrato.

Logo, o prazo expresso é uma proteção ao tomador, pois o prestador pode ir embora a qualquer tempo, se não houver prazo. Mas, é claro, o prestador de serviços, contudo, precisa conceder um aviso prévio:

- 8 dias, se o pagamento era mensal;- 4 dias, se o pagamento era quinzenal ou semanal;- De véspera, se o pagamento era por prazo menor do que 7 dias.

Se o prestador violar o aviso prévio, este indenizará o tomador.

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Art. 600, CC: Ademais, os dias faltados por culpa do prestador não serão computados. O importante dessa regra é o contrário senso: os dias faltados sem culpa do prestador serão computados, e, portanto, serão pagos. (ex.: se ele provar que está doente, os dias são computados). Lembrar que não é uma relação de emprego, pois se fosse, é claro que o empregador teria que pagar pelos dias faltados sem culpa, mas não é! É um contrato de prestação de serviços, e, por isso, essa regra é muito estranha.

5 – Aliciamento do prestador de serviços: Art. 608, CC. É a figura do terceiro ofensor, terceiro cúmplice. É a aplicação da função social do contrato. Diz que aquele que aliciou o prestador do serviço, responde pelos prejuízos causados no prazo de 2 anos (são os lucros cessantes).

6 – Competência judicial: Arts. 593 e 594, CC. Se a prestação de serviços é trabalho humano lícito, e se a EC 45 modificou o art. 114 da CF para ampliar a competência da Justiça do Trabalho (competente para julgar trabalho humano), significa que os contratos de prestação de serviço e de empreitada é de competência da Justiça do Trabalho, exceto quando o contratado for pessoa jurídica. Ou seja: Se o contratado for pessoa jurídica, aí a competência será da Justiça Comum X Se o contratado for pessoa humana, aí a competência será da Justiça do Trabalho.

Contudo, o STJ estabeleceu uma exceção, e o TST entendeu que tal exceção tinha que ser acolhida: ***Excepcionando esta regra da Justiça do Trabalho, veio a Súmula 363 do STJ -> Diz que compete à Justiça Estadual julgar ação de cobrança ajuizada por profissional liberal contra cliente. O professor não concorda. Não tem como entender que o advogado, p.ex., não é pessoa humana! Se ele é pessoa humana, a ação de cobrança ajuizada por ele contra seu cliente deveria sim ser julgada pela Justiça do Trabalho.

Aula 07