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GRADUAÇÃO 2019.1 DIREITO, CINEMA E JUSTIÇA AUTOR: GABRIEL LACERDA

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  • GRADUAÇÃO2019.1

    Direito, Cinemae justiça

    autor: Gabriel lacerda

  • SumárioDireito, Cinema e Justiça

    InfORmAÇõeS .....................................................................................................................................................3

    CAlenDáRIO .......................................................................................................................................................4

    mAteRIAl De ApOIO ..............................................................................................................................................5

    1ª AUlA – fIlme: InvASõeS BáRBARAS ......................................................................................................................7

    2ª AUlA – DeBAte SOBRe fIlme InvASõeS BáRBARAS .................................................................................................10

    3ª AUlA – fIlme: leGAlmente lOURA II ..................................................................................................................11

    4ª AUlA – DeBAte SOBRe O fIlme leGAlmente lOURA II..............................................................................................14

    5ª AUlA – fIlme: fIlADelfIA.................................................................................................................................15

    6ª AUlA – DeBAte SOBRe O fIlme fIlADelfIA ...........................................................................................................18

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    direito, cinema e Justiça

    Informações

    A presente ATC será ministrada às quartas- feiras das 14.00 às 15.40.

    O objetivo da atividade é procurar desenvolver a sensibilidade crítica dos alunos a respeito da eficácia do ferramental do direito – essencialmente leis, doutrina e jurisprudência - na realização da justiça.

    As aulas alternarão filmes e debates; em uma aula será exibido um filme, em versão compactada; na aula seguinte, esse mesmo filme será objeto de debate orientado. Segue abaixo o calendário.

    A avaliação será feito por dois trabalhos escritos a serem oportunamente informados. Haverá ainda uma nota por participação em aula.

    Recomenda-se como material leitura, além da apostila, o livro, de autoria do professor O Direito realiza Justiça?

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    direito, cinema e Justiça

    CalendárIo

    1º. Bimestre

    20 de fevereiro – Filme: Invasões Bárbaras27 de fevereiro – Debate sobre filme Invasões Bárbaras13 de março – Filme: Legalmente Loura 220 de março – Debate sobre o filme Legalmente Loura 227 de março – Filme: Filadelfia03 de abril – Debate sobre o filme Filadelfia

    2º. Bimestre

    24 de abril – Filme: Na Captura dos Friedmans08 de maio – Debate sobre o filme Na Captura dos Friedmans15 de maio – Filme: A sentença22 de maio – Debate sobre o filme A Sentença29 de maio – Filme: Relatos Selvagens05 de junho – Debate sobre o filme Relatos Selvagens

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    direito, cinema e Justiça

    materIal de apoIo

    texto

    Tântalo é uma personagem da mitologia grega. Segundo a lenda, foi um rei que, por ser filho do deus Júpiter, era, às vezes, admitido a cear com os deuses e a provar das iguarias que estes comiam, o néctar e a ambrosia.

    Um dia, por vaidade, Tântalo furtou um pouco do alimento dos deuses que trouxe para terra e deu a provar a outros humanos. Foi, por isso, severa-mente punido. Os deuses o condenaram a sofrer eternamente de fome e de sede; Tântalo foi amarrado a uma árvore carregada de frutos e banhada por um riacho de águas límpidas; mas, cada vez que ele tentava se abaixar para beber água, o riacho se afastava. E, se esticava a mão para colher um fruto, a árvore ficava mais alta.

    Da lenda, vem a expressão suplício de Tântalo, usada quando alguém está sempre em busca de um objetivo que nunca consegue alcançar.

    Talvez que o Direito, em sua eterna busca pela Justiça, esteja submetido a tortura similar, perseguindo sempre um objetivo inatingível.

    É esse exatamente o tema da atividade, governada por uma pergunta, que intitula o livro recomendado: o Direito realiza a Justiça?

    O material de apoio abaixo, em grande parte, foi retirado desse livro, de autoria do professor. São comentários sobre os filmes que serão exibidos. Reco-menda-se a leitura dos textos, depois de assistir ao filme e antes de cada debate.

    Entre os comentários foram também inseridas perguntas, com base nas quais será conduzido o debate. É importante que os alunos procurem, antes do debate, formular suas próprias respostas a essas perguntas.

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    1ª. aUla – fIlme: Invasões BárBaras20 de fevereIro

    Título Original: Les invasions BarbaresDiretor: Denys ArcandAno de lançamento: 2003Duração: 99 minutos

    Comentários

    Começando pelo próprio título, Invasões Bárbaras carrega ponderável e significativa quantidade de simbolismo. Com efeito, o filme é o segundo de uma trilogia que começa com O Declínio do Império Americano e termina com A Idade das Trevas (L’Âge des Ténèbres, no original, lançado no Brasil como A Era da Inocência). A implicação é óbvia: o final do Século XX ob-serva a perda de influência relativa dos E.U.A. sobre o resto do mundo; o verdadeiro império americano decai como, ao final da antiguidade clássica, entrou em declínio e caiu o Império Romano.

    O atentado às torres gêmeas em 11 de setembro de 2001, que é mos-trado em Invasões Bárbaras como ocorrendo exatamente no dia em que o personagem central é visto internado em um hospital, seria o marco de uma verdadeira mudança de era, o início de uma nova Idade Média, histo-ricamente também conhecida como A Idade das Trevas.

    Como será, apresentada no enredo do filme, essa nova era, que tem como marco o início do século XXI?

    O cenário que se depreende da trama desencoraja. Os valores tradicionais, que marcaram a era do predomínio americano, estão todos em decadencia.

    A família, centrada no amor conjugal, está em vias de desapareci-mento: Rémy, o personagem central, é um velho libertino. Suas antigas amigas dos tempos de universidade vivem sós, ambas com uma atitu-de quase cínica em relação ao amor e ao sexo. Sua mulher e sua filha também vivem sós. De seus amigos homens, um está casado com uma mulher que o aborrece e limita e da qual, no curso do filme, afinal se separa. Dois outros vivem juntos e felizes, uma relação homossexual.

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    direito, cinema e Justiça

    E até mesmo a namorada de Sébastien, filho de Remy, que parece vivenciar com o companheiro uma relação estavel, proclama com veemência que não acredita no amor e declara sua imensa decepção com o casamento, recor-dando sua infância de filha de pais separados.

    A religião também é um valor em vias de desaparecimento. Logo ao início do filme, o sacramento católico da comunhão é distribuído mecani-camente por uma freira apressada, que corre o hospital e chega mesmo, por engano, a oferecer a comunhão a um muçulmano. Rémy ironiza a religião todo o tempo. Refere-se ao papa João Paulo II como um polonês sinistro e à simbólica Madre Tereza de Calcutá como uma albanesa viscosa. Como que para marcar ainda mais a mensagem, em uma cena um tanto artifi-cialmente inserida no enredo, a namorada de Sébastien, que trabalha em uma famosa casa de leilões de Londres, vai, a serviço, visitar uma igreja de Montreal que tenta vender pelo melhor preço objetos de culto e imagens e esculturas de anjos e santos. Muitas igrejas estão fechando, há um grande estoque de objetos sagrados sem uso, armazenados em um galpão. E, o que é pior, não têm sequer valor comercial de mercado. As peças mais valiosas, antigas, já foram todas há muito vendidas.

    Também o trabalho é desmerecido. Rémy e seus amigos são professores de-siludidos. Já abraçaram várias teorias, foram devotos de diversos ismos, hoje são apenas céticos mal remunerados. A burocrata que gere o hospital onde Rémy está internado é corrupta e aceita suborno para remover o paciente para um an-dar desocupado. O líder sindical igualmente pede dinheiro para não usar o seu poder e objetar-se à obra necessária para remodelar o andar do hospital onde Sébastien vai internar Rémy. E, também por dinheiro, devolve o computador de Sébastien que havia sido furtado do leito de Rémy. O médico do hospital é desatento, troca o nome de Rémy e não percebe quando ele se apresenta dro-gado. Até a polícia preocupa-se mais em manter as aparências que em coibir o tráfico de drogas. Só quem realmente trabalha é Sébastien e sua namorada, mas ambos em empregos argentários; ele no mercado financeiro, ela em uma casa de leilões. Trabalhar com gosto, por um ideal é coisa do passado; trabalha--se mecanicamente ou apenas para ganhar muito dinheiro.

    O uso disseminado de drogas esgarça o próprio tecido social. O mer-cado ilegal é estável e tranquilo. A polícia sabe que existe e o tolera. De vez em quando, para salvar as aparências, prende um ou outro traficante, geralmente um imigrante incômodo. Mas sabe que a elite intelectual da sociedade precisa da droga. Pessoas sensíveis e delicadas, como a filha da amiga de Rémy, que fornece heroína a Sebastien para aliviar as dores do pai, é uma viciada, uma junkie, um lixo.

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    É claro que todo esse conjunto que indica o término de uma era e o início de uma nova idade afeta o direito. A simples enumeração dos fatos da trama já mostra um verdadeiro abismo entre o estatuto legal da sociedade onde se desenrola e a respectiva realidade fática. O crime mais pernicioso, o tráfico de drogas, é tolerado; as estruturas jurídico-sociais de proteção fracassaram. A universalização, obrigatória por lei, da saúde pública resulta em um aten-dimento democrático e igualitário, sim, mas extremamente ineficiente. To-dos são igualmente mal atendidos, sem falar no convite à corrupção a que o sistema parece conduzir. A organização sindical, estruturada para proteger os trabalhadores, tornou-se um instrumento ideal para a extorsão.

    O descompasso entre os objetivos declarados da ordem jurídica e seus resultados na vida real acaba sendo o tema central do filme, especialmente se olhado na ótica de Sebastien, talvez seu personagem principal. Afinal, o eixo afetivo da história é o desvelo de Sébastien por seu pai agonizante, que começa como o cumprimento de uma obrigação, em homenagem à sua mãe e evolui para o desenvolvimento de um genuíno e tocante amor filial.

    Nessa trajetória, Sébastien mostra-se ao espectador como um homem sen-sível, com um comportamento moral absolutamente louvável, a expressão mesma da bondade e do amor filial. Mas, exatamente para exercer esse amor filial, Sébastien vê-se constrangido a infringir diversas leis, a cometer diver-sos crimes: suborna a diretora do hospital, atenta contra a organização do trabalho em suas negociações com sindicato, transforma seu pai agonizante em usuário de drogas, e, finalmente, promove a própria morte do pai em um ritual festivo.

    A questão jurídica é crucial: em um mundo ideal, só deveriam ser alcan-çados pela lei penal comportamentos que a sociedade considerasse ofen-sivos. E, no entanto, no Canadá do novo milênio que se iniciava, o amor filial e a bondade geram várias ações passíveis de sanção criminal. Será esse descompasso natural? Estará a lei errada? Vivemos uma era em que a lei está distanciada do ideário social? Ou o filme retrata tão somente uma seqüência excepcional de fatos?

    Em torno dessas perguntas será organizado o debate.

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    2ª.aUla – deBate soBre o fIlme Invasões BárBaras27 de fevereIro

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    direito, cinema e Justiça

    3ª. aUla – fIlme: legalmente loUra II13 de março

    Título Original: Legally Blonde IIDiretor: Charles Herman-WurmfeldAno de lançamento: 2003Duração: 85min

    Comentários

    Em uma primeira leitura, o filme parece destruir a concepção teórico--doutrinária clássica daquilo que é – ou deveria ser - uma lei.

    De fato, as democracias ocidentais modernas têm como uma de suas raízes a ideia-lema de um governo de leis e não de homens. De acordo com a constru-ção iluminista do final do século XVIII, a lei, fonte de onde provêm todos os direitos e obrigações, como resultado das revoluções francesa e americana, deixa de ser a expressão das preferências e interesses de um monarca ou de uma elite, para tornar-se a manifestação da vontade do povo, de onde ema-na todo poder. Essa vontade, é expressa por intermédio de representantes livremente eleitos, mandatários, aos quais incumbe a missão de registrar em textos abstratos a média ponderada dos desejos da nação.

    A Lei Bruiser, afinal, talvez tenha sido uma lei boa. Mas, tal como mostrada no filme, parece estar muito distante dessa concepção. O projeto inicial resulta de um movimento de uma futilidade extrema, substancialmente inverossímil e certamen-te não derivada direta ou indiretamente de uma suposta vontade do povo.

    As adesões e objeções de congressistas ao projeto foram puramente pes-soais, ninguém se manifestou contra ou a favor da proposta por uma esco-lha consciente. Ninguém sequer cogitou de um suposto interesse público. As próprias pessoas que se manifestam na audiência realizada pela comissão, expressam visivelmente o próprio interesse, sempre, porém, tentando mos-trar que esse interesse coincide com o bem público.

    Em suma, a Lei Bruiser não derivou da vontade do povo americano nem visava ao interesse geral. É o resultado da atuação de uma moça rica, trabalhando por um motivo fundamentalmente fútil, que conquis-ta apoios no Congresso de forma personalíssima e mobiliza uma pres-são de outras moças igualmente ricas, que se divertem com a campanha.

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    direito, cinema e Justiça

    E, como se não bastasse, utilizando, inclusive, até mesmo de uma pura e simples chantagem.

    À primeira vista, os fatos jocosamente narrados tenderiam a gerar ceticis-mo sobre a essência do processo legislativo. O poder, afinal, não emanaria do povo, mas sim de interesses egoístas ou tolos. As leis não representariam um consenso da nação, mas o resultado de uma composição de forças, movidas por interesses essencialmente particulares.

    O próprio filme, porém, mitiga, se não anula, essa conclusão, de diversas formas. Assim, por exemplo, o interesse de Elle acaba mostrando-se verdadei-ramente altruísta quando ela recusa a proposta feita por pela congressista para quem trabalha, Victoria, de, em troca de desistir do projeto, conseguir libertar a mãe de Bruiser e arranjar para a própria Elle um bom emprego na fábrica de cosméticos. Não, a moça não está mais defendendo a mãe do seu cãozinho que ela quer que assista a seu casamento; está genuinamente preocupada com a sorte de todos os animais maltratados pelos homens.

    A campanha das integrantes da sorority de Elle ganha as ruas e recebe inegável apoio popular e, talvez por isso, a cobertura midiática. Finalmente, em seu discurso perante o Congresso, Elle se supera com frases de efeito: É preciso usar a própria voz, acreditar. Speak up America, you are beautiful – pro-nuncie-se, América, você é bela. Uma voz sincera vale mais que uma multidão.

    Com isso, a mensagem que o filme procura passar talvez afinal seja que, embora, muitas vezes, por linhas tortas, o sistema funciona e as leis, não im-porta como sejam feitas, acabam de fato representando a vontade da nação.

    Olhando o tema sob outro ângulo, podemos certamente identificar o des-compasso entre as concepções teórico abstratas sobre as quais se constroi a ordem jurídica e a realidade do dia a dia.

    O direito é uma criação da sociedade. E a sociedade não é uma abstração que se governe por doutrinas ou critérios, mas o resultado da atuação de seres humanos, com suas paixões e seus interesses, com seus lados grandes e puros e seus aspectos mais mesquinhos.

    Quantas leis não serão como a lei Bruiser, inspiradas por um interesse pessoal fútil, ou barganhas eleitoreiras, aprovadas por um movimento elitista, acoplado com uma manobra de chantagem? E quantas das leis, afinal, não importa suas origens, não acabam, como a lei Bruiser, expressando, ao fim e ao cabo, uma ideia afinal boa e que, em substância, representa a real vontade do povo e um interesse legítimo e republicano?

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    direito, cinema e Justiça

    Legalmente Loura II, apesar de parecer, à primeira vista, uma comédia in-consequente, simples entretenimento, suscita, se bem analisado questões bas-tante relevantes. Com ironia e de forma leve, elaborando em torno de uma personagem inconsequente, o filme levanta temos essenciais: O processo de elaboração legislativa nos Estados Unidos, descrito de forma tão sarcástica, será assim mesmo? Será isso a democracia? Será isso o propalado governo de leis e não de homens? Qual a legitimidade de instrumentos aprovados por processos espúrios? Em que poderia ser diferente?

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    direito, cinema e Justiça

    4ª. aUla – deBate soBre o fIlme legalmente loUra II20 de março

  • 15FGV direito rio

    direito, cinema e Justiça

    5ª. aUla – fIlme: fIladelfIa27 de março

    Título original: FiladélfiaDiretor: Jonathan DemmeAno de lançamento: 1993Duração: 125 minutos

    A atitude social em relação à homossexualidade é um exemplo de transforma-ção, talvez a mais radical e a mais rápida que a história da humanidade registra.

    As relações carnais entre pessoas do mesmo sexo, no início do século XX eram, em vários países do Ocidente, tratadas como um crime; já ao final desse mesmo século assistiam-se nessa parte do mundo animados desfiles celebrando o orgulho de praticar o que antes era crime.

    Pode-se dizer ainda que o processo ainda não está definitivamente encer-rado agora, quase no início da segunda década do século XXI. Aceita-se já, sem discussão, que o homossexualismo é natura. a homofobia é reprovável, e discute-se o melhor modo de puní-la; o casamento homossexual já é legal em muitos países do Ocidente mas continua reprovado ou mesmo criminoso em todo o mundo árabe; debate-se intensamente, especialmente no Brasil de hoje, a necessidade e a conveniência de discutir o tema nas escolas para crianças.

    O filme Filadélfia como que reflete um instante especial da evolução so-cial em relação ao tema. À época em que foi produzido, os conhecimentos científicos sobre o vírus HIV eram ainda incompletos. Estar contaminado pelo vírus era praticamente uma sentença de morte a curto prazo; sabia--se com certeza que a doença era sexualmente transmitida especialmente em relações homossexuais, mas temia-se ainda que pudesse haver contágio por outras formas de contato físico.

    O temor á doença exacerbou preconceitos e acirrou debates.

    O enredo do filme, adaptado de um caso real ocorrido nos Estados Uni-dos, é linear: Andrew (Andy) Beckett, jovem e promissor advogado, é de-mitido do grande escritório em que trabalhava e alega que sua demissão foi motivada apenas por uma atitude preconceituosa, deflagrada quando ele apresentou em sua face lesões idênticas às que os sócios tinham visto em uma funcionária que, tempos antes, adquirira o vírus HIV. O escritório nega, alegando que a demissão foi por incompetência.

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    direito, cinema e Justiça

    A apresentação, o desenvolvimento do caso e seu desfecho, tomam todo o tempo de Filadélfia e a condenação da firma de advogados a pagar uma vultosa indenização é percebida como que seu final feliz. Enfatizando o efei-to dramático do enredo, Andy morre quase simultaneamente à decisão final deixando entrever a possibilidade de um novo processo para discutir se seu companheiro pode ser tido como seu herdeiro.

    Ao estudante de direito, Filadelfia apresenta dois temas nítidos e relevan-tes temas de debate: em primeiro lugar o próprio caso. Foi ou não correta a decisão do júri?

    O roteiro do filme, nesse particular, é nitidamente tendencioso. O diretor não poupa recursos para captar a antipatia do espectador contra a firma de advocacia. Logo ao início, em uma sequência factualmente implausível, uma petição preparada por Andy e que tinha prazo fatal para ser protocolada em juízo desaparece, sem motivo aparente, e só reaparece minutos antes da hora de encerramento do expediente forense. Os sócios são mostrados como um grupo arrogante, machista e até racista; a advogada que defende o escritório é fria e agressiva; já Andy é simpático e doce; bom filho, bom irmão, querido e compreendido por sua família, uma típica família americana de classe média.

    Outros pormenores não tão evidentes situam Filadelfia como um filme que se poderia chamar de propositivo. Não quer apenas contar uma história, não é um passatempo para entreter os espectadores e gerar receita de bilhe-teria. Em cada opção, em cada instante o enredo verdadeiramente defende uma causa – é contra o preconceito, qualquer forma de preconceito algo que afinal iria contra as crenças mais sagradas na cultura dos Estados Unidos.

    Essa atitude já pode ser observada no próprio título. O caso real em que o enredo se baseia ocorreu em Nova Iorque; mas Filadélfia foi a cidade onde foi proclamada a independência, escrita a Constituição e criada a bandeira dos Estados Unidos; é o “berço de liberdade”, a “cidade do amor fraterno”, suposta tradução das raízes gregas que formam seu nome.

    Observando mais detidamente, notamos ainda outros pormenores rele-vantes: o advogado de Andy, Joe Miller, é negro, seu companheiro, Miguel Alvarez, é latino e fala inglês com sotaque. E mais: Joe Miller no início do filme, além de, por ignorância, temer ser contagiado pelo vírus HIV, tem e exibe em várias cenas um acentuado preconceito contra homossexuais.

    Esse preconceito vai desaparecendo, como se Joe Miller percebesse com a convivência que Andy, não só tem efetivamente o direito que propugna como é uma pessoa humana de sentimentos bons e nobres.

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    direito, cinema e Justiça

    O advogado negro é convidado e comparece à festa gay que Andy orga-niza. Em uma grande cena, comove-se quando Andy, reunido com com ele para preparar seu depoimento no tribunal, tem dificuldade em concentrar--se; e consome alguns minutos traduzindo para Miller as palavras de uma aria de ópera exortando o amor universal, cantada por Maria Callas. Foi no meio daquela desgraça que me apareceu o amor. E me disse: sorria e tenha esperança. Tudo em torno é sangue é lama; eu, sou divino, sou o esquecimento,.

    Na verdade Milller só aceita defender o caso de Andy depois que este lo-caliza uma decisão da Suprema Corte dizendo que o portador do vírus HIV tem uma deficiência e que é ilegal discriminá-lo por isso.

    O roteiro parece dizer claramente que o preconceito é reprovável, que contraria os valores básicos da cultura americana, que a superação de pre-conceitos é uma mudança cultural boa e desejável. Parece dizer também que o direito é um elemento que impulsiona, quando não propicia mudanças culturais desse tipo. Foi a lei, a postura da Suprema Corte, que modificaram a disposição de Joe Miller e embasaram a justa decisão em favor de Andy.

    Essa questão envolve um tema jurídico eterno e fundamental: como deve

    se posicionar o direito nos processos de mudança social? Acelerá-los? Retar-dá-los? Acompanhá-los? Nesse particular a pesquisa e o debate sobre como ocorreu aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, no Brasil e em outros países pode ser enriquecedora.

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    direito, cinema e Justiça

    6ª. aUla – deBate soBre o fIlme fIladelfIa. 3 de aBrIl

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    direito, cinema e Justiça

    gaBrIel laCerdaadvogado, formado pela Puc – rJ e mestrado pela universidade de Harvard (eua). É sócio aposentado do escritório trench rossi Watanabe, trabalhou em outros escritórios. trabalhou também como advogado interno em algumas empresas, inclusive caemi, brascan, Petrobrás. Foi professor da Puc-rJ, e responsável por cursos na coppe/uFrJ e na FGV onde participou da equipe do ceP. atualmente conduz a atividade complementar; direito no cinema na Graduação da Fundação Getúlio Vargas. escreveu, os livros direito no cinema, nazismo cinema e direito, em segredo de Justiça, eu tenho direito, oestado é Você, agir bem é bom, entre outros.

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    direito, cinema e JustiçaFINANÇAS PÚBLICAS

    FGV DIREITO RIO 214

    FICHA TÉCNICA

    Fundação Getulio Vargas

    Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

    FGV DIREITO RIO

    Sérgio GuerraDIRETOR

    Antônio Maristrello PortoVICE-DIRETOR

    Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUAÇÃO

    André Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

    Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO