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CAPÍTULO I

Direito Administrativo e o regime jurídico-administrativo

Ronny Charles

1. O ESTADO E A SUA FUNÇÃO ADMINISTRATIVA

O Estado é uma instituição, organizada social, jurídica e politicamente, de-tentora de personalidade jurídica de direito público e de poder soberano para, através de suas instituições e de um Governo, dentro de uma área territorial, gerir os interesses de um povo.

No Brasil, temos um sistema de Governo presidencialista que concentra as funções de chefe de Estado e de chefe de governo na pessoa do chefe do Poder Executivo.

Consolidou-se o entendimento clássico de que o Estado possui três funções (legislativa, jurisdicional e administrativa), realizadas por seus Poderes (Legislati-vo, Judiciário e Executivo) de forma típica ou atípica.

Parece-nos mais adequada a alusão às funções legislativa, jurisdicional e exe-cutiva, subdividindo-se, a última, em função política (ou de governo) e em função administrativa.

Enquanto a função política (ou de Governo) está relacionada à superior ges-tão da política estatal (como ocorre no veto presidencial, na cassação política de um parlamentar ou em algumas decisões do Tribunal Constitucional), a função administrativa está relacionada à execução das normas jurídicas para atendimento direto e imediato do interesse da coletividade, através de comportamentos infrale-gais, submetidos a um regime jurídico próprio (o administrativo), a uma estrutura hierárquica e ao controle de legalidade pelo Poder Judiciário.

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Nossa Constituição, ao tratar sobre a organização dos Poderes, em seu títu-lo IV, reporta-se a algumas funções, denominadas “funções essenciais à Justiça”, com configuração constitucional peculiar. O deslocamento das funções essen-ciais à Justiça para um capítulo próprio, inserido no título sobre a organização dos Poderes, mas autônomo em relação aos três anteriores, que discorrem sobre os Poderes da clássica repartição (Executivo, Judiciário e Legislativo) não se deu de forma despropositada. A distribuição ordenada pela Constituição tem senti-do e demonstrou sintonia com as mudanças que ocorreram no Estado Moderno, tornando inadequada ou insuficiente a teoria da separação dos poderes, em sua compleição original.

Como ensina o Mestre Diogo de Figueiredo Moreira Neto, as funções essen-ciais à Justiça representam um sistema de controle, através de funções específicas, que atuam por órgãos técnicos, “exercentes de uma parcela do poder estatal, mas destacados dos Poderes do Estado”.

Com as “funções essenciais à Justiça”, o Constituinte prestigiou instituições imprescindíveis para o equilíbrio e para a harmonia dos Poderes estatais. É sob esse aspecto que deve ser percebida a atuação da advocacia privada e das “procura-turas constitucionais” (o Ministério Público, a Advocacia de Estado e a Defensoria Pública).

Importa, para o nosso estudo, a função administrativa. Ela se diferencia das demais funções e é exercida tipicamente pelo Poder Executivo e atipicamente pe-los Poderes Legislativos e Judiciários. Quando qualquer dos poderes ou de seus órgãos e entidades atua no campo dessa função administrativa, atua enquanto Ad-ministração Pública, submetendo-se ao seu regime.

A doutrina identifica as funções administrativas através de três critérios:

• Critério subjetivo ou orgânico: leva em conta o sujeito responsável pelo exercício da função administrativa;

• Critério objetivo material: busca reconhecer a função através de ele-mentos intrínsecos da atividade, ou seja, através de seu conteúdo;

• Critério objetivo formal: busca reconhecê-la pelo regime que a disci-plina.

Embora parte da doutrina aponte um ou outro critério como mais adequa-do para a identificação da função administrativa, parece-nos que nenhum deles é suficiente. Assim, eles devem ser avaliados em seu conjunto, para a correta identi-ficação da função administrativa.

A função administrativa compreende diversas atividades, como:

• Serviços públicos: atividade direcionada a proporcionar utilidades ou comodidades para os administrados, para satisfação de suas necessidades;

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• Poder de polícia: atividade que contém ou restringe o exercício das li-berdades, adequando-as ao interesse público;

• Fomento: atividade administrativa de estímulo à iniciativa privada de utilidade pública, que desenvolve atividades de interesse coletivo;

• Intervenção: atuação da Administração no domínio econômico, seja de forma direta (através de suas empresas estatais), seja de forma indireta, por meio da regulamentação e da fiscalização da atividade econômica.

2. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DIREITO ADMINISTRATIVO

A Administração Pública é a faceta organizacional do Estado voltada para o atendimento das necessidades coletivas, no desempenho de sua função adminis-trativa.

A expressão pode ser compreendida em dois sentidos:

• Sentido objetivo (administração pública): consiste na própria ativida-de administrativa exercida pelos órgãos e entes estatais.

• Sentido subjetivo (Administração Pública): consiste no conjunto de órgãos, entidades e agentes que tenham a atribuição de executar a função administrativa. Nesse caso, a expressão se inicia com letras maiúsculas.

O Direito Administrativo se apresenta como o ramo do Direito Público que envolve normas jurídicas disciplinadoras da Administração Pública em seus dois sentidos, enquanto atividade administrativa propriamente dita e enquanto órgãos, entes e agentes que possuem a atribuição de executá-la.

Nessa feita, o exercício de funções outras, que não a administrativa, são re-guladas por outros ramos do Direito (o Constitucional, por exemplo). Da mesma forma, há incidência do direito administrativo em atividades que, para sua rea-lização, exigem o exercício da função administrativa. A constituição do crédito tributário ou a concessão de uma aposentadoria, embora sejam objeto, respec-tivamente, das disciplinas direito tributário e direito previdenciário, na prática, submetem-se a certas regras de direito administrativo, em relação aos servidores públicos envolvidos, processamento administrativo, revisão de atos administrati-vos praticados, entre outros.

Necessário fazer referência aos conceitos de administração pública extro-versa e administração pública introversa.

Administração pública extroversa envolve a relação existente entre a Admi-nistração e os administrados. Já a Administração pública introversa envolve a re-lação entre os próprios entes públicos. Conforme doutrina de Diogo de Figueiredo

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Moreira Neto, A administração pública extroversa é finalística, enquanto a admi-nistração pública introversa é instrumental, servindo como meio para a efetiva-ção da Administração Pública extroversa.

2.1. Fontes do Direito Administrativo

Pensando o Direito administrativo como um conjunto de normas, formado por regras e princípios, que disciplinam a Administração Pública, demonstra-se importante buscar identificar aquilo que provoca, revela ou dá origem, justamen-te, a tais normas jurídicas.

As fontes do Direito Administrativo não se resumem às normas oriundas do Estado, já que a disciplina deste ramo do direito sofre influência também dos demais setores, como o mercado e a sociedade. Em apertada síntese, podemos apontar as seguintes fontes para o Direito Administrativo:

a) princípios; b) leis; c) atos normativos infralegais; d) doutrina; e) jurispru-dência (destaque para as súmulas vinculantes e decisões em ADI, ADC e ADPF); f) costumes; g) precedentes administrativos.

Em relação aos precedentes administrativos, tem-se defendido que a prática reiterada de atos administrativos em situações similares pode vincular a Adminis-tração a tais entendimentos quando analisar relações jurídicas distintas, mas que possuam identidade subjetiva e objetiva. Essa vinculação teria como fundamento o respeito à segurança jurídica e à isonomia, além da vedação à arbitrariedade estatal. Rafael Carvalho lembra que apenas em duas situações a Administração poderia se afastar de um precedente administrativo:

a) quando o ato invocado como precedente for ilegal;b) quando o interesse público justificar a alteração motivada do entendi-

mento administrativo, hipótese em que seria possível a adoção da teo-ria denominada “prospective overruling”, segundo a qual a alteração de orientação jurídica deve ser aplicada apenas para os casos futuros.

2.2. Critérios do Direito Administrativo

A Doutrina elenca diversos critérios, historicamente, utilizados para a concei-tuação do Direito Administrativo, indicando seus principais defensores:

• Critério do Poder Executivo: (Lorenzo Meucci) de acordo com essa cor-rente, o objeto do Direito Administrativo estaria relacionado à atuação, exclusiva, do Poder Executivo. Essa corrente é insuficiente, uma vez que os Poderes Legislativo e Judiciário também exercem, atipicamente, a função administrativa.

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• Critério do serviço público: (Léon Duguit e Gaston Jéze), essa corrente defendia que o objeto do Direito Administrativo envolveria a disciplina jurídica dos serviços públicos prestados. Essa corrente também se apre-sentou insuficiente, uma vez que a Administração Pública, no exercício de sua função administrativa, exerce outras atividades, além da prestação de serviço público, que são também reguladas pelo Direito Administrativo, como: a atividade de fomento e de poder de polícia, entre outros.

• Critério das relações jurídicas: (Laferrière) para essa corrente, o Direito Administrativo seria o conjunto de regras disciplinadoras das relações en-tre a Administração e os administrados. Também aqui pode ser suscitada certa imprecisão, uma vez que essas relações jurídicas, muitas vezes, são objeto de outros ramos do direito público, como o Constitucional, o Penal ou o Tributário. Ademais, esse critério despreza a atuação administrativa, em seu âmbito interno, como nas relações entre seus órgãos, sem partici-pação dos administrados.

• Critério teleológico ou finalístico: de acordo com seus pensadores, o Direito Administrativo seria o conjunto de normas que disciplinariam o Poder Público para a consecução de seus fins. Esse raciocínio, embora não esteja errado, parece insuficiente para delimitar, com precisão, esse ramo do Direito. No Brasil, essa corrente foi defendida por Oswaldo Aranha Bandeira de Mello.

• Critério negativo ou residual: (Tito Prates da Fonseca) para seus defen-sores, o Direito Administrativo deveria ser definido por exclusão. Assim, pertenceriam ao Direito Administrativo as atividades que não pertences-sem aos demais ramos jurídicos, nem aquelas relacionadas a sua função legislativa ou jurisdicional.

• Critério da Administração Pública: (Hely Lopes Meirelles) essa corrente, que nos parece a mais acertada, prestigia o critério funcional, segundo o qual o Direito Administrativo seria o ramo do direito que envolve normas jurídicas disciplinadoras da Administração Pública, em seus sentidos ob-jetivo e subjetivo.

3. O REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO

A atuação da Administração Pública, em sua atividade administrativa, sofre a influência de um regime jurídico específico. Este, denominado regime jurídi-co-administrativo, caracteriza-se pela incidência de princípios próprios, que da-rão especiais contornos à atividade administrativa, fundamentais para a correta

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aplicação dos institutos pertinentes e para a compreensão das proteções e das res-trições jurídicas que se refletem sobre tal atividade.

Os princípios se diferenciam das regras. Eles se expressam em estruturas abertas, flexíveis, podendo, por isso mesmo, ser mais ou menos observados. Ha-vendo conflito entre dois princípios, é sempre possível uma solução que atenda em certa medida a um e em certa medida ao outro, o que não ocorre com o conflito entre regras, que exige, sob o prisma tradicional, opção por uma delas.

Se, antes, os princípios eram considerados subsidiários, na fase pós-positi-vista do Direito eles alcançaram hegemonia sobre as regras jurídicas.

Nessa concepção de primazia dos princípios na aplicação de nosso ordena-mento, eles assumem uma feição de arsenal normativo principiológico que confor-ma a Administração Pública, sendo apontados como pedra angular, que consagra valores, responsável pela harmonia e coerência do sistema. Nesse diapasão, Dirley da Cunha Júnior, fazendo alusão à tridimensionalidade funcional dos princípios, lembra que eles consagram valores fundamentadores do sistema jurídico, orienta-dores de sua exata compreensão, interpretação e aplicação, além de supletivos das demais fontes do direito.

3.1. Conteúdo do regime jurídico-administrativo

Celso A. B. de Mello sugere que o regime jurídico-administrativo é formado por princípios magnos, em função dos quais se originariam todos os demais prin-cípios que conformam a atividade administrativa. Tais princípios magnos seriam: supremacia do interesse público e indisponibilidade do interesse público, bases fundamentais do regime jurídico-administrativo, que estabelecem prerrogativas e sujeições à atividade administrativa.

A supremacia do interesse público traz como efeito uma relação de ver-ticalidade, uma relativa preponderância dos interesses defendidos pela Admi-nistração, tidos como públicos ou gerais, daqueles interesses defendidos por particulares.

A indisponibilidade do interesse público traz como efeito a impossibili-dade de livre transigência, por parte do Administrador, dos interesses públicos tutelados.

3.2. Interesse público primário e interesse público secundário

O conceito de interesse público envolve, conforme a doutrina, duas concep-ções, o interesse público primário (interesse da coletividade) e o interesse públi-co secundário (interesse do Estado, enquanto sujeito de direitos).

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Tal dicotomia se fundamenta na constatação de que não há necessária coin-cidência entre o interesse público (relacionado a um conceito maior, de sociedade como um todo) e o interesse do Estado (relacionado a um conceito mais restrito, de Administração Pública).

Em princípio, somente o interesse público primário se apresenta com sta-tus superior, em relação ao interesse do particular. Conforme explica Luís Ro-berto Barroso, eventuais colisões entre o interesse público secundário (interesse da Administração) e o interesse do particular, são solucionadas concretamente, mediante a ponderação dos princípios e dos elementos normativos e fáticos do caso concreto.

3.3. Princípios da Administração Pública

A doutrina reconhece vários princípios jurídicos no Direito Administrativo. Alguns foram positivados pelo constituinte ou pelo legislador ordinário, outros tantos são identificados através do estudo da natureza da atividade administrati-va e de nosso ordenamento. Embora não se verifique unanimidade na doutrina, quanto ao número e ao nome, é possível destacar alguns princípios, expressamente indicados na Constituição ou em importantes normas legais.

3.3.1. Princípios constitucionais expressos

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu expressamente que a adminis-tração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impes-soalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Cabe observar, portanto, que os princípios constitucionais da Administração são aplicáveis aos três níveis de governo da Federação.

A doutrina denomina tais princípios de princípios constitucionais expres-sos da Administração Pública.

a) Princípio da Legalidade. No direito privado, de acordo com este princí-pio, ao particular é permitido fazer tudo o que a lei não proíbe. No âmbito do Di-reito Administrativo, pela doutrina tradicional, existe uma subordinação da ação do administrador, em função do que estabelece a lei, de forma que ele só pode agir nos moldes e limites estabelecidos pela legislação.

Tal subordinação pode ser identificada por duas vertentes: o da vinculação negativa (negative bindung), segundo a qual a legalidade representaria uma limita-ção para a atuação do administrador, e o da vinculação positiva (positive bindung), segundo o qual a atuação dos agentes públicos depende de autorização legal.

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Sob esse prisma, a legalidade administrativa se concretiza como uma garan-tia aos administrados, que podem exigir a consonância do ato administrativo com a lei, sob pena de sua invalidação.

É necessário, contudo, perceber que as mudanças que afetaram a sociedade e o aparato estatal geraram mutações na concepção da legalidade administrativa. Conforme a doutrina de Raquel Carvalho, podemos apontar as seguintes fases para o conceito de legalidade administrativa.

• Legalidade estrita. Essa concepção de legalidade administrativa nasceu com o pensamento inspirador do Estado Liberal, influenciado pela pre-ocupação com as arbitrariedades do período absolutista, do que resultou a ideia de restringir a atuação administrativa à mera execução das regras dispostas pelos representantes do povo. Assim, a legalidade estrita surgiu como um instrumento de proteção, um princípio limitador à atuação do Poder Público, a qual seria possível, apenas, dentro dos limites determi-nados pelas normas aprovadas pelos representantes do Povo.

• Legitimidade. O avanço democrático do modelo de Estado e o enfra-quecimento do positivismo tornaram insuficiente o raciocínio de que bastaria que a conduta administrativa fosse legal. Assim, passou-se a permitir o controle do ato administrativo, mesmo quando a conduta fos-se aparentemente compatível com a lei.

Esse avanço está relacionado à mutação da noção clássica de legalidade para uma ideia de legitimidade, que exige também a obediência à moralidade e à fina-lidade pública. Tal concepção permite uma maior amplitude ao controle do ato administrativo pelo Poder Judiciário, que pode, para invalidar um ato adminis-trativo, avaliar sua adequação à finalidade pública e aos princípios que regem a Administração Pública, como a moralidade.

• Juridicidade. A exigência de que a lei predetermine de forma completa e absoluta toda a atuação da Administração é incompatível com a reali-dade posta, sendo indispensável a existência de uma margem decisória importante de ponderação e concretização das normas constitucionais.

A juridicidade é apresentada como um conceito maior, que extrapola a com-preensão tradicional da legalidade estrita, pois vincula a Administração Pública ao ordenamento jurídico como um todo (formado não apenas pelas leis, mas também pela Constituição e pelos princípios jurídicos), permitindo uma margem maior de autonomia, dentro dos limites apresentados pelo ordenamento constitu-cional, para a satisfação das diretrizes apresentadas por ele.

b) Princípio da impessoalidade. A impessoalidade repele e abomina fa-voritismos e restrições indevidas, exigindo tratamento equânime e marcado pela neutralidade, noutro prumo, importante firmar que, quando realiza a função

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administrativa, o gestor não age nem deve agir em nome próprio, mas em nome do Poder Público.

A impessoalidade deve ser concebida, então, sob dois aspectos. De um lado, ela proíbe que o agente público utilize seu cargo para a satisfação de interesses pessoais ou mesquinhos. Assim, não pode o agente público utilizar seu cargo para se promover, para beneficiar pessoa querida ou prejudicar um desafeto, por conta de interesses pessoais.

Noutro aspecto, a impessoalidade deve ter repercussão na relação jurídica do ato administrativo praticado, pois, quando realiza a atividade administrativa, o agente público age em nome do Poder público, de forma que os atos e provimentos administrativos não são imputáveis ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou entidade da Administração Pública.

c) Princípio da moralidade. A moralidade administrativa exige que a ação da administração seja ética e respeite os valores jurídicos e morais. De índole cons-titucional, tal princípio está associado à legalidade, contudo, mesmo na hipótese de lacuna ou de ausência de disciplina legal, o administrador não está autorizado a proceder em confronto com a ética e com a moral.

Esse princípio se apresenta como um vetor fundamental das atividades do Poder público, de forma que, verificada ofensa à moralidade, mesmo que uma conduta seja aparentemente compatível com a lei, deve ser invalidada. Tal compre-ensão está relacionada à mutação da noção clássica de legalidade para uma ideia de legitimidade, que, além do cumprimento das regras jurídicas, abarca também a moralidade e a finalidade pública.

Importante.

-dade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma

--

nistração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal (STF – Súmula Vinculante nº 13).

Recentemente, o Plenário do STF julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade de dispositivo da Lei nº 13.145/97, do Estado de Goiás, entendendo que o dispositivo questionado, ao per-mitir a nomeação, admissão ou permanência de até dois parentes das autoridades ali mencionadas, além do cônjuge do Chefe do Poder Executivo, criaria hipóteses que excepcionariam a vedação ao nepotismo. (STF. ADI 3745/GO, Rel. Min. Dias Toffoli, 15.5.2013. Pleno. – Info 706)

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A contratação de agentes públicos sem a realização de concurso caracteriza violação ao princípio da moralidade. Não obstante, o ressarcimento ao erário depen-de da demonstração do enriquecimento ilícito e do prejuízo para a administração.

d) Princípio da publicidade. A publicidade exige que a atuação do Poder Público seja transparente, com informações acessíveis à sociedade.

O acesso aos documentos públicos de interesse particular ou de interesse coletivo ou geral pode ser ressalvado nas hipóteses em que o sigilo seja ou perma-neça imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Da mesma forma, a lei pode restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.

Tem-se entendido, com razão, que é legítima a publicação, na internet, da relação de servidores públicos, com seus respectivos valores de vencimentos, me-dida que prestigia o princípio da publicidade.

Conforme artigo 11 da Lei nº 8.429/92, constitui ato de improbidade admi-nistrativa, que atenta contra os princípios da Administração Pública, negar publi-cidade aos atos oficiais.

Vale registrar a edição da Lei nº 12.527, de 2011 (denominada, Lei de aces-so a informações), que dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o fim de garantir o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal.

As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, às entidades privadas sem fins lucrativos que recebam recursos públicos diretamente do orçamento ou mediante subvenções sociais, contrato de gestão, termo de parceria, convênios, acordo, ajustes ou outros instrumentos congêneres. Nesta hipótese, a publicidade a que estão submetidas essas entidades relacionam-se à parcela dos recursos pú-blicos recebidos e à sua destinação, sem prejuízo das prestações de contas a que estejam legalmente obrigadas.

Qualquer interessado poderá apresentar pedido de acesso a informações aos órgãos e entidades referidos pela Lei, por qualquer meio legítimo, devendo o pedi-do conter a identificação do requerente e a especificação da informação requerida. São vedadas quaisquer exigências relativas aos motivos determinantes da solicita-ção de informações de interesse público.

A negativa de acesso às informações objeto de pedido devidamente formu-lado, quando não fundamentada, sujeitará o responsável a medidas disciplinares.

No caso de indeferimento de acesso a informações ou às razões da negativa do acesso, poderá o interessado interpor recurso contra a decisão. O prazo recur-sal é de 10 (dez) dias, a contar da ciência do interessado. Quando a negativa do

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acesso à informação ocorrer por órgãos ou entidades do Poder Executivo Federal, o requerente poderá recorrer à Controladoria-Geral da União.

O recurso somente poderá ser dirigido à Controladoria-Geral da União de-pois de submetido à apreciação de, pelo menos, uma autoridade hierarquicamente superior àquela que exarou a decisão impugnada.

Por outro lado, a Lei admite a possibilidade de restrições a informações con-sideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado. Para tanto, as informações serão passíveis de classificação como ultrassecreta, secreta ou reser-vada, admitindo-se os seguintes prazos máximos de restrição à publicidade;

• ultrassecreta: 25 (vinte e cinco) anos; • secreta: 15 (quinze) anos; e • reservada: 5 (cinco) anos. Para a classificação da informação em determinado grau de sigilo, deverá ser

observado o interesse público da informação e utilizado o critério menos restritivo possível.

e) Princípio da eficiência. Esse princípio foi inserido no texto constitucional pela EC nº 19/98, passando a expressamente vincular e nortear a administração pública. O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exerci-da com presteza, perfeição e rendimento funcional.

Esse bom trato da coisa pública, atendendo à eficiência, tem relação direta com a concepção de Estado Democrático de Direito, no qual as regras e a atuação administrativa buscam dar garantias à coletividade, mas também protegem o indi-víduo, inclusive de uma atuação exageradamente onerosa ou ineficiente do Estado que ele sustenta, através dos tributos.

3.3.2 Outros princípios

Além dos princípios indicados pela Constituição, a Administração pública deve obediência a outros princípios, alguns deles foram positivados pelo legis-lador infraconstitucional, em várias normas. A Lei federal nº 9.784/99 (processo administrativo), por exemplo, estabeleceu a necessária obediência, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionali-dade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse pú-blico e eficiência. A Lei federal nº 8.666/93 (Licitações e contratos), faz alusão a vários princípios, dentre eles: legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, probidade administrativa, vinculação ao instrumento convocatório, julgamento objetivo, além de princípios correlatos. Podemos citar, ainda, outros princípios, como o da autotutela, da presunção de legitimidade dos atos adminis-trativos, do devido processo legal, entre tantos.

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