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Director: Miguel Sousa Neves • e-mail: [email protected] • Publicação periódica dirigida a profissionais de saúde • Julho 2013 • N.º 10 Os Hospitais e o Sistema de Saúde: Uma Nova Realidade, um Novo Paradigma Lúcio Meneses de Almeida Do Sistema e Prestação de Cuidados de Saúde aos Direitos dos Utentes António Marques Pinto Factores Determinantes no Consumo de Medicamentos: Um Estudo em Idosos no Concelho de Macedo de Cavaleiros Cristiana Midões Alguns Apontamentos Sobre Gestão de Saúde em Portugal… Miguel Sousa Neves Sistema de Saúde: Reforma ou Colapso? António Lobo Ferreira

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Director: Miguel Sousa Neves • e-mail: [email protected] • Publicação periódica dirigida a profissionais de saúde • Julho 2013 • N.º 10

Os Hospitais e o Sistema de Saúde: Uma Nova Realidade, um Novo Paradigma Lúcio Meneses de Almeida

Do Sistema e Prestação de Cuidados de Saúde aos Direitos dos Utentes António Marques Pinto

Factores Determinantes no Consumo de Medicamentos: Um Estudo em Idosos no Concelho de Macedo de CavaleirosCristiana Midões

Alguns Apontamentos Sobre Gestão de Saúde em Portugal… Miguel Sousa Neves

Sistema de Saúde: Reforma ou Colapso? António Lobo Ferreira

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1Revista Portuguesa de Gestao & Saude • n.º 10 • Julho 2013´~

4 5Revista Portuguesa de Gestao & Saude • n.º 10 • Julho 2013´~ Revista Portuguesa de Gestao & Saude • n.º 10 • Julho 2013´~

universal, financiado pelos impostos, aos cuidados de saúde. No entanto, parece-me que não existe consenso sobre qual o mo-delo que deve prevalecer, isto é, se o Esta-do deve ser simultaneamente financiador e prestador (baseando o sistema no conceito do SNS) ou se deve haver uma separação entre o financiador Estado e os prestadores (sejam eles públicos, privados ou do sector social). Mas parece-me fundamental que

A situação financeira, económica e social portuguesa, caracterizada por uma dívida pública enorme,

por um défice crónico das contas do Es-tado, por uma recessão económica que, salvo erro, evoluirá para a depressão e por um profundo mal-estar social e taxas de desemprego galopantemente crescentes constitui um tremendo desafio para a sus-tentabilidade do nosso sistema de saúde.Este sistema envolve o sector público, o sector social e o sector privado. O primei-ro destes sectores inclui o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e os subsistemas públicos, nomeadamente a ADSE.A maior parte da actividade na área da saú-de é sustentada através do financiamento público, dependendo, directa ou indirec-tamente, do Orçamento do Estado. De acordo com o relatório da ADSE de 2011, 48% das suas despesas são garantidas pelo Orçamento do Estado ou pelas contribuições das entidades empregadoras (também elas públicas e financiadas pelo Estado). Uma parte significativa da actividade privada é também financiada pelo Estado através dos programas de acesso (de que o SIGIC é um exemplo), resultado da ineficiência (quantas vezes intencional?) das institui-ções do SNS. O mesmo acontece no que diz respeito à comparticipação de medica-mentos, etc.. A actividade do sector social na área da saúde conta também com um forte financiamento público.Deste modo, e apesar de há dezenas de anos se ter instituído em Portugal o SNS, o nosso modelo é misto, mas essencialmente baseado num sistema compulsório no que

se aprofunde o debate a este respeito e se façam as escolhas mais adequadas. Perma-necer num modelo misto em que o Estado é, nuns casos, financiador e prestador e, noutros casos, apenas financiador (sendo que os recursos, principalmente os huma-nos, são muitas vezes partilhados entre o prestador Estado e o prestador privado) é, a meu ver, insustentável do ponto de vista financeiro, do ponto de vista económico e do ponto de vista ético.Não acreditando que a estrutura so-cioeconómica portuguesa aguente que o Estado abdique da sua

função de financiador, mudando para um sistema voluntário no que concerne às fon-tes de financiamento (seguros privados ou pagamentos directos), simplesmente por-que os portugueses não têm rendimentos suficientes, ou para um sistema bismarckia-no, crendo que tal mudança não encontra-ria aceitação na sociedade portuguesa e convicto de que, a acontecer, constituiria

um grave retrocesso civiliza-cional (sendo esta uma

mera questão de opinião), de-

fendo que o Estado

concerne às fontes principais de financia-mento (impostos e, parcialmente, seguro de saúde social).As características do modelo português favorecem a promiscuidade, aos mais di-ferentes níveis, entre os vários sectores, a falta de transparência nas relações entre fi-nanciador e prestadores, a selecção adver-sa de doentes, a ineficiência e despesismo do sector público (e também do privado), a irracionalidade no ajustamento entre a oferta e a procura (levando ao ex-

cesso de oferta e à sua subutilização) e, demasiadas vezes, a captura do Estado pe-los prestadores privados (os exemplos são múltiplos e as causas também).Talvez se possa dizer, ainda, que a econo-mia da saúde (pouco desenvolvida entre nós) é afectada por um vício que atinge também outros sectores da economia – depende ou está “pendurada”, sem trans-parência, do financiamento público.Creio ser consensual que a criação, em

1979, do SNS promoveu enor-mes ganhos em saúde e

creio, também, que os portugueses desejam que o Estado asse-

gure um acesso

AutorPresidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de S. JoãoAntónio Lobo Ferreira

Sistema de Saúde

Reforma ou Colapso?

Sumário

Estatuto Editorial

Mensagem

Miguel Sousa Neves

Sistema de Saúde

Reforma ou Colapso?

António Lobo Ferreira

Os Hospitais e o Sistema de Saúde:

Uma Nova Realidade,

um Novo Paradigma

Lúcio Meneses de Almeida

Do Sistema e Prestação de Cuidados

de Saúde aos Direitos dos Utentes

António Marques Pinto

Factores Determinantes no Consumo

de Medicamentos: Um Estudo

em Idosos no Concelho de

Macedo de Cavaleiros

Cristiana Midões

Alguns Apontamentos Sobre

Gestão de Saúde em Portugal…

Miguel Sousa Neves

Notícias

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FICHA TÉCNICA

REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE

Publicação periódica dirigida a profissionais de saúde • N.º 10 • Julho 2013

DIRECTORMiguel Sousa Neves

COORDENAÇÃOMarinha Abreu

REDACÇÃO, DESIGN E PRODUÇÃO VFBM Comunicação

PROPRIEDADESociedade Portuguesa de Gestão de Saúde

Avenida Cidade de Montgeron, 212 4490-402 Póvoa de Varzim

E-mail: [email protected]: www.spgsaude.pt

DEPÓSITO LEGAL239095/06

REGISTO ICSExclusão de registo prevista no art.º 12, alínea a, do DR n.º 8/99, de 9 de Junho

PERIODICIDADEQuadrimestral

PRÉ-IMPRESSÃO E IMPRESSÃONVV - Novos Suportes Publicitários, Lda.

Lisboa

TIRAGEM 2.500 exemplares

25Revista Portuguesa de Gestao & Saude • n.º 10 • Julho 2013´~

Médicos aposentados vão poder continuar a trabalhar no SNS

“O bastonário da OM diz que já esperava esta decisão por parte do Conselho de Ministros, uma vez que estes clíni-cos estão a desempenhar funções insubstituíveis. Os mé-

dicos aposentados vão poder continuar a trabalhar no Serviço Nacional de Saúde, isto depois de o Governo ter decidido pro-longar este regime excecional de contratação em vigor desde 2010 por mais dois anos para responder à falta de médicos.”

Fonte: TSF, 13 de Junho de 2013

Receita com taxas moderadoras aumenta 57,5%

“Só nos primeiros três meses do ano, o Estado arrecadou quase 19 milhões em taxas moderadoras, contra 12 milhões cobrados no mesmo período do ano passado.

As taxas moderadoras cobradas aos utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS) até Março registaram um aumento de 57,5% em relação ao mesmo período de 2012, segundo dados oficiais.”

Fonte: Rádio Renascença, 20 de Junho de 2013

Administradores Hospitalares preocupados com aumento da despesa

“A presidente da Associação de Administradores Hospitalares admite ganhos, mas antecipa um crescimento da despesa com o aumento das horas de trabalho na Função Pública. Admite,

ainda, que o atendimento dos utentes possa sair melhorado, mas alerta que o aumento dos tempo de trabalho para 40 horas sema-nais na Função Pública terá como consequência um aumento da despesa de funcionamento dos hospitais.”

Fonte: TSF, 7 de Junho de 2013

AR recomenda manutenção do contingente adicional de 15% de vagas para licenciados a admitir nos cursos de Medicina

“A Resolução da Assembleia da República (AR), publica-da hoje no Diário da República, recomenda ao Governo que ‘assegure a qualidade da formação médica garantindo

formação pós-graduada adequada a todos os médicos’, aconse-lhando o ‘diálogo e cooperação com a Ordem dos Médicos’.”

Fonte: Univadis através de “Tempo Medicina”

Governo vai reforçar combate à fraude nas baixas médicas

“Em 2012 foram passados mais de 60 mil atestados médicos que não cumpriam todos os requisitos. Dados que levam o Governo a avançar com um plano de combate às baixas mé-

dicas fraudulentas.Os últimos dados oficiais indicam que no final de abril havia, em Portugal, 103 mil pessoas a receber subsídio de doença.”

Fonte: Rádio Renascença, 10 de Junho de 2013

Governo diz que Portugal precisa de serviço de saúde “eminentemente público”, por longos anos

“O secretário de Estado adjunto da Saúde, Leal da Costa, disse, esta terça-feira, que Portugal vai precisar de um Serviço Nacional de Saúde, “eminentemente público”,

“por muitos e longos anos”.No Ministério da Saúde, “estamos sistematicamente colocados perante desafios” e com “uma necessidade cada vez mais agu-da de sermos extraordinariamente eficientes”, afirmou Leal da Costa, em Coimbra.”

Fonte: Jornal de Notícias, 4 de Junho de 2013

Notícias

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2 Revista Portuguesa de Gestao & Saude • n.º 10 • Julho 2013´~

Estatuto Editorial

A Revista Portuguesa de Gestão & Saúde (RPGS) é um órgão de in-formação especializado que tem

como objectivo primordial divulgar arti-gos, estudos e casos na área da Gestão em Saúde. Destina-se a todos os profissionais que desenvolvem a sua actividade no sec-tor da Saúde, desde médicos, enfermeiros, técnicos a directores de serviço, gestores, administradores hospitalares, membros de conselhos de administração de unidades de saúde e a todos os cidadãos interessados nesta temática.A Revista Portuguesa de Gestão & Saúde orienta-se por critérios de rigor e criativi-dade editorial, sem qualquer dependência de ordem ideológica, política e económica.A Revista Portuguesa de Gestão & Saúde estabelece as suas opções editoriais sem hierarquias prévias entre os diversos secto-res de actividade.A Revista Portuguesa de Gestão & Saúde é responsável apenas perante os leitores, numa relação rigorosa e transparente, au-tónoma do poder político e independente de poderes particulares.A Revista Portuguesa de Gestão & Saúde reconhece como seu único limite o espaço privado dos cidadãos e tem como limiar de existência a sua credibilidade pública. A RPGS adopta como linha editorial a divul-gação de conteúdos através de uma arru-mação facilmente assimilável pelos leitores, reforçada pela actualidade e continuidade lógica dos diferentes temas abordados. A produção de artigos, estudos e casos pautar-se-á por uma forte aplicabilidade dos conceitos divulgados. Na elaboração de conteúdos, os colabora-

dores da RPGS terão em conta os seguin-tes pressupostos:i) Os conhecimentos e os valores do gran-

de público reflectem, de certo modo, a maneira como a informação sobre a Gestão da Saúde é veiculada pelos ór-gãos de comunicação social;

ii) A gestão eficiente e eficaz do sector da Saúde obriga a uma intervenção multi-disciplinar, na qual os colaboradores da RPGS podem e devem desempenhar um papel de relevo, através da difusão de mensagens que influenciem compor-tamentos e atitudes;

iii) Os mass media constituem, não raro, o único meio de contacto entre as fontes de informação e alguns grupos popula-cionais socialmente marginalizados;

iv) O êxito da colaboração entre os cola-boradores da RPGS e as instituições que desenvolvem trabalho na área da Ges-tão da Saúde depende, antes de mais, da assunção, por parte de todos, de que a mudança de comportamentos e atitudes para a gestão eficiente e eficaz da Saúde é uma batalha comum.

Todo o desempenho da Redacção da RPGS rege-se pela estrita observância da ética da informação e no cumprimento da legislação em vigor, obedecendo desse modo a uma política de privacidade e confidencialidade.Através da Revista Portuguesa de Gestão & Saúde, procurar-se-á ainda manter o leitor actualizado no que respeita a regulamentos, normas, técnicas e ferramentas com impac-to directo na gestão dos serviços de saúde. A RPGS estabelece as suas opções edito-riais no estrito respeito por elevados pa-drões de isenção e rigor.

Director: Miguel Sousa Neves • e-mail: [email protected] • Publicação periódica dirigida a profissionais de saúde • Julho 2013 • N.º 10

Os Hospitais e o Sistema de Saúde: Uma Nova Realidade, um Novo Paradigma Lúcio Meneses de Almeida

Do Sistema e Prestação de Cuidados de Saúde aos Direitos dos Utentes António Marques Pinto

Factores Determinantes no Consumo de Medicamentos: Um Estudo em Idosos no Concelho de Macedo de CavaleirosCristiana Midões

Alguns Apontamentos Sobre Gestão de Saúde em Portugal… Miguel Sousa Neves

Sistema de Saúde: Reforma ou Colapso? António Lobo Ferreira

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3Revista Portuguesa de Gestao & Saude • n.º 10 • Julho 2013´~

Mensagem

Miguel Sousa [email protected]

Nos tempos conturbados que hoje passamos a nível político e com gravíssimas consequências financeiras nós, profissionais de saúde, temos

que continuar a exercer a nossa actividade eficazmente para que os portugueses sintam que pelo menos na Saúde podem estar descansados.Acho que uma parte da nossa classe política é ignorante e por consequência incompetente pois nunca “viveu” no meio social em que nos inserimos e desconhece em ab-soluto a realidade do nosso país. Alguns nunca exerceram qualquer actividade profissional fora do enquadramento ou da cunha político-partidária e por isso mesmo man-têm-se agarrados aos diversos organismos públicos e po-líticos para poderem sobreviver. Isto não vai mudar, pelo menos tão cedo, e é com esta realidade que teremos que continuar a viver.Felizmente que na área da Saúde temos um Ministro com trabalho demonstrado e que veio para a política com espírito de missão. Teve um início algo titubeante, mas compreensível, na relação com os profissionais de saúde, nomeadamente com os médicos, mas tem vindo a de-monstrar capacidades excepcionais.

E temos alguns gestores clínicos em várias instituições de saúde com uma excelente folha de serviços, o que vai de encontro a muitos estudos científicos que de-monstram que as Unidades de Saúde têm um melhor desempenho quando os seus gestores são médicos com formação em gestão.Temos também uma classe médica que, salvo algumas tristes excepções, tem feito um trabalho notável em prol das populações e isso reflecte-se no facto de ser-mos a classe profissional mais valorizada em todos os estudos de opinião. E por fim um Bastonário verdadeiramente interessado em resolver os problemas com que a nossa classe se de-bate diariamente a vários níveis.Faço votos para que continuemos focados no nosso tra-balho clínico para bem dos pacientes, embora atentos ao ruído que se passa à nossa volta. Espero que os nossos ges-tores clínicos continuem o seu excelente trabalho. Apelo ao Ministro da Saúde para que olhe para os profissionais de saúde como parceiros e utilize as suas mais-valias para uma melhoria na gestão dos serviços de saúde em Portugal.

6 de Julho de 2013

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4 Revista Portuguesa de Gestao & Saude • n.º 10 • Julho 2013´~

A situação financeira, económica e social portuguesa, caracterizada por uma dívida pública enorme,

por um défice crónico das contas do Es-tado, por uma recessão económica que, salvo erro, evoluirá para a depressão e por um profundo mal-estar social e taxas de desemprego galopantemente crescentes constitui um tremendo desafio para a sus-tentabilidade do nosso sistema de saúde.Este sistema envolve o sector público, o sector social e o sector privado. O primei-ro destes sectores inclui o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e os subsistemas públicos, nomeadamente a ADSE.A maior parte da actividade na área da saú-de é sustentada através do financiamento público, dependendo, directa ou indirec-tamente, do Orçamento do Estado. De acordo com o relatório da ADSE de 2011, 48% das suas despesas são garantidas pelo Orçamento do Estado ou pelas contribuições das entidades empregadoras (também elas públicas e financiadas pelo Estado). Uma parte significativa da actividade privada é também financiada pelo Estado através dos programas de acesso (de que o SIGIC é um exemplo), resultado da ineficiência (quantas vezes intencional?) das institui-ções do SNS. O mesmo acontece no que diz respeito à comparticipação de medica-mentos, etc.. A actividade do sector social na área da saúde conta também com um forte financiamento público.Deste modo, e apesar de há dezenas de anos se ter instituído em Portugal o SNS, o nosso modelo é misto, mas essencialmente baseado num sistema compulsório no que

concerne às fontes principais de financia-mento (impostos e, parcialmente, seguro de saúde social).As características do modelo português favorecem a promiscuidade, aos mais di-ferentes níveis, entre os vários sectores, a falta de transparência nas relações entre fi-nanciador e prestadores, a selecção adver-sa de doentes, a ineficiência e despesismo do sector público (e também do privado), a irracionalidade no ajustamento entre a oferta e a procura (levando ao ex-

cesso de oferta e à sua subutilização) e, demasiadas vezes, a captura do Estado pe-los prestadores privados (os exemplos são múltiplos e as causas também).Talvez se possa dizer, ainda, que a econo-mia da saúde (pouco desenvolvida entre nós) é afectada por um vício que atinge também outros sectores da economia – depende ou está “pendurada”, sem trans-parência, do financiamento público.Creio ser consensual que a criação, em

1979, do SNS promoveu enor-mes ganhos em saúde e

creio, também, que os portugueses desejam que o Estado asse-

gure um acesso

AutorPresidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de S. JoãoAntónio Lobo Ferreira

Sistema de Saúde

Reforma ou Colapso?

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5Revista Portuguesa de Gestao & Saude • n.º 10 • Julho 2013´~

universal, financiado pelos impostos, aos cuidados de saúde. No entanto, parece-me que não existe consenso sobre qual o mo-delo que deve prevalecer, isto é, se o Esta-do deve ser simultaneamente financiador e prestador (baseando o sistema no conceito do SNS) ou se deve haver uma separação entre o financiador Estado e os prestadores (sejam eles públicos, privados ou do sector social). Mas parece-me fundamental que

se aprofunde o debate a este respeito e se façam as escolhas mais adequadas. Perma-necer num modelo misto em que o Estado é, nuns casos, financiador e prestador e, noutros casos, apenas financiador (sendo que os recursos, principalmente os huma-nos, são muitas vezes partilhados entre o prestador Estado e o prestador privado) é, a meu ver, insustentável do ponto de vista financeiro, do ponto de vista económico e do ponto de vista ético.Não acreditando que a estrutura so-cioeconómica portuguesa aguente que o Estado abdique da sua

função de financiador, mudando para um sistema voluntário no que concerne às fon-tes de financiamento (seguros privados ou pagamentos directos), simplesmente por-que os portugueses não têm rendimentos suficientes, ou para um sistema bismarckia-no, crendo que tal mudança não encontra-ria aceitação na sociedade portuguesa e convicto de que, a acontecer, constituiria

um grave retrocesso civiliza-cional (sendo esta uma

mera questão de opinião), de-

fendo que o Estado

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6 Revista Portuguesa de Gestao & Saude • n.º 10 • Julho 2013´~

deve separar a sua função financiadora da prestadora e deve implementar uma refor-ma que coloque, com absoluta transparên-cia, em plano de igualdade (quer no que diz respeito aos instrumentos de gestão, quer no que concerne a políticas de recursos hu-manos, de aquisições, etc.) as instituições do sector público e do sector privado e passe a adquirir serviços indiferentemen-te a ambas em função da melhor relação custo-efectividade (que inclui, também, a qualidade e os resultados), baseando-se no conceito de value for the money (cuja explicação não cabe no âmbito deste arti-go). Isto significa uma mudança radical no paradigma que temos vindo a seguir, exige profundas reformas globais no Estado (a to-dos os níveis), necessita de tempo para uma correcta implementação, obriga a optar en-tre diferentes metodologias de operaciona-lização (também elas objecto de discussão) e impõe que se analisem com seriedade os custos e benefícios potenciais que lhe estão associados e, apesar de tudo, não garante que o Estado, na ausência de um crescimento económico sustentado supe-rior a 3% ou 4% ao ano, consiga financiar os custos do sistema. Embora um modelo destes fomente a liberdade de escolha (só possível se houver uma mudança radical no modo de financiamento) ou permita centrar o sistema no médico de família (que passa-ria a ser o verdadeiro gestor do doente e o gate keeper do sistema), ele é inaplicável se o Estado não conseguir arrecadar re-ceita suficiente (ou seja, é impossível num ambiente económico depressivo). Este é o problema magno que afectará o nosso sistema de saúde durante, pelo menos, o próximo decénio. Mas o caso é que o momento actual é de emergência financeira. Não podendo deter-me sobre a estratégia nacional a adoptar para ultrapassar este momento verdadeiramente dramático em que tudo, incluindo o futuro de Portugal como país independente, está em jogo, mas lamen-tando que o Ministro das Finanças tenha preferido impor medidas cegas de consoli-dação orçamental, demonstradamente ine-ficazes, em vez de implementar a reforma estrutural do Estado (algo que exige outro nível de competência), cumpre-me propor algumas acções que, na área da saúde, pos-

sam contribuir para a sustentabilidade do sistema no curto prazo. Faço-o, conscien-te que a sustentabilidade futura do sistema exigirá a profunda reforma sucintamente delineada acima, mas simultaneamente convicto que a realidade actual impõe a adopção de medidas urgentes que garan-tam a sustentabilidade do SNS (sem o qual, no momento, os portugueses deixarão de ter acesso a cuidados de saúde).O SNS, bem assim como a ADSE, são, no momento presente, insustentáveis. Am-bos, à semelhança do Estado, vivem em défice crónico (embora a ADSE veja esse défice disfarçado porque, corrompendo os seus princípios fundadores, recorre, di-recta e indirectamente, ao orçamento do Estado para financiar a sua despesa – tan-tas vezes destinada a assegurar cuidados não essenciais, redundantes e, por vezes, fraudulentos).Impõe-se, no imediato e na minha opinião, a opção por apenas um dos sistemas exis-tentes – SNS ou subsistemas públicos. Parece-me que a aposta mais sen-sata será a de, por agora, es-colher o modelo do SNS (enquanto se prepara a reforma fundamental mencionada anterior-mente), extinguindo os subsistemas pú-blicos. Mas impõe--se também a ex-tinção do SIGIC e do fornecimento obrigatório pelas farmácias hospi-talares, a custo não remunerado dos hospitais, dos “medica-mentos biológicos” pres-critos pelos privados.No âmbito do SNS, visando a sua sustentabilidade imediata, contra-riando a tendência actual baseada num administrativismo centralista, imobilizador e desresponsabilizante e que, ao contrá-rio dos objectivos pretendidos, induz aumento de despesa, im-porta implementar um conjunto de medidas estruturais urgentes.A seguir, impor-se-ia a

necessidade de promover profundas refor-mas no modelo de gestão das instituições de saúde e, finalmente, implementar-se-ia a verdadeira reforma do sistema de saúde a que aludi antes.Por serem as que maior impacto podem ter no imediato, dedicarei o espaço de que ainda disponho à análise das medidas ur-gentes, as quais abrangem áreas diversas, a saber: rede hospitalar e de cuidados pri-mários, recursos humanos e carreiras, po-líticas de consumo e política de aquisições.Primeiro, no que respeita à rede hospitalar e de cuidados primários, é necessário avan-çar, rapidamente, para o encerramento de hospitais redundantes e ineficientes, maioritariamente na área de Lis-boa, para o encerramento de urgências hospita-lares excedentá-

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7Revista Portuguesa de Gestao & Saude • n.º 10 • Julho 2013´~

rias e de baixa qualidade e sua concentra-ção, para a extinção de maternidades e sua inclusão nos hospitais polivalentes e para o encerramento de serviços (clínicos e não clínicos) de baixa casuística ou ineficientes e sua concentração em centros de referência nacionais ou regionais, ao mesmo tempo que se promove a reforma da rede e mo-delo dos cuidados primários.Segundo, relativamente à política de re-cursos humanos, importa promover alte-rações legislativas que: a) modifiquem as carreiras de todos os grupos profissionais, cuja progressão deve ser baseada exclusi-vamente no mérito profissional e pessoal, objecto de recertificação periódica (com as consequências correspondentes) e desligada do acesso, por direito de grau, a funções de gestão; b) alterem a política remuneratória, incluindo políticas de re-conhecimento baseadas na produtividade e na qualidade da mesma; c) permitam, numa actividade que se executa 24 sobre 24 horas, sempre que necessário, o traba-

lho por turnos de todos os grupos pro-fissionais e a flexibilidade de horá-

rios e equiparem o contrato em funções públicas ao contrato

individual de trabalho (ou à contratação colectiva)

em igualdade com o sector privado; d) im-ponham, uma vez ex-tintos os subsistemas públicos de saúde, a exclusividade contra-tual em todos os gru-pos profissionais; e) levem à redução dos efectivos que, em alguns grupos pro-fissionais, a começar pelos médicos, são

claramente excessivos.Terceiro, quanto à política de

consumos e aquisições, exige-se uma alteração radical do código de compras públicas (indutor de aumento de despesa, extremamente burocratizado e impedi-tivo da adequada gestão dos processos, claramente favorecedor do vendedor em detrimento do comprador, baseado, para instituições com valores de compras da dimensão da maior parte dos hospitais, ex-

clusivamente em concursos públicos que, ao contrário do que se imagina, não ga-rantem transparência nem eficiência, antes favorecem a corrupção e o despesismo), permitindo a aquisição negociada e per-manentemente auditada. Mas, porque ne-nhuma política de aquisições pode ser bem sucedida se não for sustentada por uma correcta política de consumos, é também necessário combater o conceito de com-pras e concursos centralizados (o paraíso da indústria farmacêutica e vendedora de dispositivos médicos e material de consumo clínico), baseados apenas em descontos de quantidade (compra-se tudo, o necessário e o desnecessário, e a granel), substituindo--o pelo conceito de que apenas se compra bem quando, depois de definida a política de consumos, que estabelece a utilização alternativa de diferentes matérias (incluin-do medicamentos) e materiais, se pode negociar os preços e as condições de for-necimento e estabelecer parcerias com os fornecedores que acrescentem valor. Por isso, e para garantir equidade a nível nacio-nal, é necessária a produção de um formu-lário nacional do medicamento, também ele baseado no conceito de equivalentes ou al-ternativas terapêuticas, incluindo, principal-mente no âmbito da inovação terapêutica, apenas os princípios activos cujo valor de QALY (Quality Adjusted Life Year) seja infe-rior a um determinado máximo (definido politicamente em função dos recursos dis-poníveis). Este valor pode ser estabelecido com recurso aos valores definidos noutros países europeus (Reino Unido, por exem-plo), fazendo-se o necessário ajustamento em função das diferenças dos PIB per ca-pita nacionais. O mesmo seria necessário para os dispositivos médicos, sendo que, nesta área, deve apostar-se intensamen-te no reprocessamento e reutilização dos dispositivos de uso único (à semelhança do que se faz nos países ricos). Ainda no âmbito da política do medicamento, para além da prescrição por DCI (Denominação Comum Internacional), seria possível e fácil alterar o modelo de comparticipação dos medicamentos. A proposta é que o Estado comparticipe, não em função da marca do medicamento nem do princípio activo, mas, antes, em função da classe ou grupo farma-cêutico. Isto é, o Estado pagaria um valor

fixo por qualquer princípio activo de uma determinada classe ou grupo terapêutico (por exemplo, antagonistas dos receptores tipo II da angiotensina), definido pelo preço do menos dispendioso desses medicamen-tos. Este modelo promoveria uma significa-tiva redução de despesa, garantiria o acesso dos doentes, mesmo dos mais desfavoreci-dos, ao tratamento com medicamentos de qualquer grupo ou classe terapêutica e per-mitiria a liberdade de prescrição do médico e de escolha do doente, ambas financeira e consequentemente responsabilizadas. Na área dos medicamentos de elevada tecno-logia impõe-se a opção, clara e descomple-xada, pelos medicamentos biossimilares (igualmente eficazes e seguros e muitíssimo menos dispendiosos).Este conjunto de medidas permitiriam uma significativa redução de custos, aumento marcado da rentabilização dos activos e internalização de serviços (nomeadamente nas áreas dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica, da produção de medicamentos e da terapêutica de substi-tuição renal), aumentariam a produtividade, a acessibilidade ao sistema e a capacidade de resposta do mesmo e a manutenção e, mesmo, incremento da qualidade dos ser-viços prestados.Finalmente, é necessário modificar o mo-delo de administração hospitalar actual, alterando, desde logo, a composição dos Conselhos de Administração dos hospitais, substituindo o conceito de vogais técnicos (as mais das vezes meros representantes corporativos) pelo de direcção de produ-ção clínica, libertando-o das amarras atá-vicas do sector público administrativo, do-tando-o dos instrumentos apropriados para uma gestão verdadeiramente empresarial e garantindo autonomia (enquadrada pela estratégia global para o sistema) e efectiva responsabilização.Saneado o sistema, estaríamos, então, em condições de implementar as verdadeiras reformas de fundo na prossecução de uma sustentabilidade perene e da garantia de cuidados de saúde para todos, de acordo com as necessidades de cada um, financia-dos pelos impostos. Isto, se ocorrer um crescimento económico que permita que o Estado obtenha as receitas necessárias para o financiamento do sistema…

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Desde os tempos medievais que a função dos hospitais consiste em prestar cuidados, essencialmen-

te curativos. No século passado floresceram, por toda a Europa e América do Norte, grandes uni-dades hospitalares, pólos aglutinadores de recursos humanos e tecnológicos altamente diferenciados. Dá-se a expansão do sistema de serviços de saúde, em resultado da re-moção das barreiras ao seu financiamento, no pressuposto de que o crescimento eco-nómico será o necessário para sustentar um sistema cada vez mais oneroso. Em Portugal, esta fase, mais tardia, corres-pondeu à criação e implementação do Ser-viço Nacional de Saúde, em 1979 – mar-co histórico do desenvolvimento do País, alicerçado na notável reforma Gonçalves Ferreira de 1970-72 que criou a primeira geração de centros de saúde.Melhoram os indicadores de saúde e satis-fazem-se não só as necessidades “primei-ras” em cuidados de saúde (cuidados de saúde primários) mas também necessidades médicas requerendo recursos diferenciados e, consequentemente, implicando custos elevados (cuidados hospitalares).O macro-contexto que presidiu à expansão dos serviços mudou em todo o mundo oci-dental e com ele a capacidade de resposta do sistema de saúde. À tentativa de con-trolo da despesa, segue-se a promoção da eficiência, visando “fazer mais com o mes-mo” ou, mais parcimoniosamente, “fazer o mesmo com menos”.Exigem-se, pois, novos modelos de organi-zação dos serviços de saúde e novas políti-cas e estratégias de saúde, redireccionados

para um contexto de contenção de recur-sos, ou mesmo, da sua restrição.São por demais conhecidos os diversos fac-tores que determinaram a explosão de cus-tos do sector da saúde: o envelhecimento da população, as expectativas crescentes do público (“mais e melhores cuidados”) e a inovação tecnológica. Importa, no entanto, distinguir “inovação” de “novidade”. A avaliação sistemática das tecnologias da saúde (health technolo-gy assessment) é o garante dos benefícios económicos e clínicos resultantes de uma novidade tecnológica em saúde.Acrescem, aos determinantes da explosão de custos do sector da saúde, as novas dinâmicas e estruturas familiares, resul-tando na institucionalização dos idosos e portadores de incapacidade, esta última secundária à falência do suporte familiar intergeracional. Tal resulta numa maior pressão sobre a rede assistencial, justifi-cando a necessidade de uma rede de cui-dados continuados.Por outro lado, o “encarniçamento tera-pêutico” (eg. cuidados de fim de vida) e a prática defensiva da medicina contribuem para uma prestação de cuidados não ra-ras vezes desproporcionada, nos recursos mobilizados, em relação aos resultados clínicos alcançáveis.Em resultado das elevadas expectativas de cura e tratamento por parte dos doentes, os hospitais são remetidos para o papel de “catedrais” do sistema de serviços de saú-de. Tais expectativas levam, não raras ve-zes, a “curto-circuitos” do sistema. Ao invés de procurarem a calorosa assis-tência do seu “pároco”, perfeito conhe-

cedor dos seus problemas e “dores de alma”, os doentes procuram o consolo direto de “prelados” e de outros “altos dignitários”, supostamente mais próximos

AutorMédico especialista em Saúde Pública. ARS CentroLúcio Meneses de Almeida

Os Hospitais e o Sistema de Saúde:

Uma Nova Realidade, um Novo Paradigma

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da “salvação” pretendida…Quanto maiores a lotação e a produção hospitalares maior o prestígio do hospi-tal. Prestígio obtido independentemente

da eventual redundância da oferta indivi-dual relativamente a outras instituições da mesma rede hospitalar, geograficamente próximas mas sistemicamente distantes, e

da insuficiência de escala necessária à qua-lidade e segurança dos cuidados. Aparentemente, à semelhança doutros do-mínios “size matters”…

Os Hospitais e o Sistema de Saúde:

Uma Nova Realidade, um Novo Paradigma

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HOSPITAIS COMO SETTINGS

PROMOTORES DE SAÚDE

A doença recém-diagnosticada é um mo-mento propício à mudança e ao aban-dono de estilos de vida perniciosos. Pela relevância do sector hospitalar no siste-ma de saúde e pelo prestígio que os seus profissionais gozam junto da população, o hospital não deve restringir a sua missão à prestação de cuidados curativos (cura, tratamento ou reabilitação), mas também a cuidados preventivos e de promoção de saúde, tendo como alvo todos aqueles que frequentam as suas instalações. Desta forma, o ambiente hospitalar deverá incluir o conjunto dos settings promotores de saúde mediante iniciativas de promoção e proteção da saúde de doentes, visitas, profissionais e até de fornecedores. O movimento internacional dos hospitais promotores de saúde (health promoting hos-pitals) foi lançado em 1991, com a Declara-ção de Budapeste. A sua finalidade consiste em reorientar as instituições de saúde para a integração, nos cuidados curativos, das actividades de “promoção e de educação para a saúde e de prevenção da doença”.Relativamente aos diversos níveis de pre-venção em saúde, o hospital é o setting ideal para a prevenção quaternária (preven-ção do intervencionismo médico inapro-priado, porque excessivo ou inadequado). Este nível de prevenção, recentemente descrito, tem a maior relevância na qualida-de e segurança clínicas e na sustentabilidade dos sistemas de saúde.

OS HOSPITAIS E O SISTEMA

DE SAÚDE: DESAFIOS E

OPORTUNIDADES

O objectivo dos cuidados curativos consis-te em alcançar os melhores resultados em saúde (desfecho clínico) para cada doente individualmente. É este o objectivo da prá-tica clínica do dia-a-dia hospitalar.No entanto, em cenários de aumento ex-ponencial da procura (eg. catástrofe), esta-belece-se um novo objectivo: assegurar o melhor nível de cuidados possível ao maior número de pessoas (“doing the greatest good for the greatest number of patients”). A expansão da capacidade de resposta (surge capacity) é conseguida através do ajusta-mento clínico-assistencial àquele objectivo.

Os acontecimentos do 11 de setembro de 2001 tornaram evidente, para todo o mundo, a necessidade de uma preparação e resposta integradas a emergências em saúde pública – desde a vigilância epide-miológica sindrómica (a cargo dos serviços operativos de saúde pública) até à presta-ção de cuidados altamente diferenciados pelos hospitais de “fim de linha”, passando pelos “primeiros respondentes” (serviços de emergência que acorrem ao local).Em contrapartida, a pandemia de gripe de 2009 evidenciou, no nosso País, a robus-tez de um Serviço Nacional de Saúde coe-so e concertado na sua resposta, planeada e preparada com anos de antecedência, em conformidade com as orientações das agências internacionais de saúde pública (OMS e ECDC).O peso crescente dos serviços de saúde enquanto determinantes de saúde obriga a um particular cuidado no que diz respeito à alocação dos recursos do sis-tema de serviços de saúde e, muito em particular, do sec-tor hospitalar. Por outro lado, a perspectiva institucional do planeamento de serviços não garante a satisfação das reais ne-cessidades em saúde e em servi-ços de saúde das populações. Só o conhecimento epidemiológi-co da doença (frequência e distri-buição) e dos seus determinantes permite planear recursos e serviços de forma efectiva (i.e., com impacte na saúde das populações).O planeamento de base populacional, ajus-tado aos recursos disponíveis, adequa os serviços às reais necessidades de saúde da população da área de influência. É essa, em síntese, a missão das ARS.A visão “insular” de algumas unidades hos-pitalares, aparentemente alheadas do am-biente exterior, é outro dos desafios do sistema de serviços de saúde. Qual sistema fechado, esta conduta conduz inexoravel-mente a um enfraquecimento progressivo que, no limite, leva à sua extinção. Paradoxalmente, observa-se que quanto maior a dimensão dos hospitais maior o seu “isolacionismo” sistémico: “Many large hospitals exist in splendid isolation from wider

health policy or even from the health of the communities they service. Their size and autonomy limits any stimulus towards inter-agency working or partnership, with a result-ing tendency towards introspection” (Wright et al., 2002 – op. cit.).A integralidade dos cuidados implica a in-

tegração entre os diversos níveis de cui-dados: saúde pública, cuidados primários, cuidados hospitalares e cuidados conti-nuados/cuidados paliativos. Assim se co-bre todo o espectro de cuidados de saúde – desde a promoção da saúde/prevenção primordial até aos cuidados de fim de vida –, se garantem os cuidados transicionais e

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se promove a eficiência sistémica.No actual contexto económico e financeiro é essencial assegurar uma resposta do siste-ma de serviços de saúde ajustada, em mag-nitude e distribuição, às crescentes neces-sidades de saúde da população portuguesa, decorrentes da sua estrutura demográfica.

Resposta que deverá passar, no que diz res-peito aos hospitais, pelo seu funcionamento integrado e em verdadeira rede, potencian-do sinergismos e a sua intercomplementa-ridade. Só assim se poderão desenvolver áreas de excelência, em função da capacida-de existente e disponível de cada hospital e das necessidades reais em serviços de saúde.

Mais do que nunca, a eficiência do sistema de serviços de saúde, a par da equidade, assume-se como vital para o próprio siste-ma de saúde e, no limite, para a saúde do público enquanto seu outcome pretendido (efectividade). O “hospital de saúde pública” (public heal-th hospital) apresenta diversas dimensões, todas elas concorrendo para a efectividade do sistema de saúde: é um hospital promo-tor de saúde, assegura a qualidade dos cui-dados, participa na monitorização da saúde e da doença da população de atracção e adequa a oferta dos serviços às reais ne-cessidades em saúde. Trata-se, pois, de um hospitalar inclusivo,

que integra competências específicas dos profissionais de saúde pública (epide-miologia, planeamento e capacitação em saúde) e que promove uma cultu-ra de avaliação de resultados, não só

individuais (desfecho clínico) mas também populacionais (impacte

em saúde).A directiva comunitária de cuidados de saúde

transfronteiriços (direc-tiva 2011/24/UE de 9 de

março de 2011), a adoptar pelo nosso País até 25 de Ou-

tubro do corrente ano, implica no-vos desafios para o sector hospitalar.

Simultaneamente, encerra novas oportu-nidades, não só para este sector mas tam-bém para outros sectores da economia, como o turismo e serviços conexos.Os clientes potenciais deixam de estar li-mitados a uma determinada área geode-mográfica intranacional, para passarem a incluir todos os cidadãos do espaço euro-peu que desejem ser tratados num deter-minado serviço ou instituição hospitalar de reconhecida capacidade ao nível europeu.Desta forma, o modelo organizacional as-sente em unidades hospitalares de referen-ciação, baseadas em critérios geográficos e jurisdicionais, será, inexoravelmente, subs-tituído por centros de referência, a criar em função de critérios de excelência da pres-tação de cuidados, incluídos em redes eu-ropeias (por patologia específica ou grupos de patologias).O princípio conformador dos centros de referência radica na qualidade dos cuida-

dos prestados, garantida pela diferenciação técnica e pela escala da produção (casuísti-ca). Pretende-se evitar as redundâncias na oferta e maximizar, a um âmbito europeu, a capacidade instalada no que diz respeito a patologias envolvendo recursos altamente diferenciados (caso das doenças raras). O sector hospitalar terá que se ajustar aos constrangimentos orçamentais e aos novos desafios contextuais, introduzindo meto-dologias de planeamento, administração e gestão de serviços de saúde evidence-based e combatendo o isolacionismo sistémico a que se tem remetido.A actuação dos hospitais como sistemas abertos obriga a um “rasgar” de fronteiras institucionais e a uma interacção, dinâmica porque biunívoca, com o ambiente exte-rior: restantes serviços e unidades de saú-de, parceiros comunitários e população da área de influência. Impõe-se, em conclusão, um novo paradig-ma enfocado na qualidade e excelência dos cuidados, ao invés da quantidade dos ser-viços produzidos enquanto determinante do prestígio e poder reivindicativo de uma qualquer instituição hospitalar.Evocando Charles Darwin (1809-1882), célebre naturalista inglês: “It is not the strongest of the species that survives, nor the most intelligent, but the one most re-sponsive to change.”

BIBLIOGRAFIA:

• Directiva 2011/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 9 de março de 2011 relativa ao exercício dos direitos dos doentes em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços. Jornal Oficial da União Europeia. 88 (4/04/2011) 45-65.

• Meneses de Almeida L. Os serviços de saúde pública e o sistema de saúde. Re-vista Portuguesa de Saúde Pública 2010; 28(1): 79-92.

• Groene O, Jorgensen SJ. Health promo-tion in hospitals: a strategy to improve quality in health care [Commentary]. European Journal of Public Health 2005; 15(1): 6-8.

• Wright J, Franks A, Ayres P, Jones K, Roberts T, Whitty P. Public health in hos-pitals: the missing link in health improve-ment. Journal of Public Health Medicine 2002; 24(3): 152-155.

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12 Revista Portuguesa de Gestao & Saude • n.º 10 • Julho 2013´~

AutorPresidente da Associação dos Jovens Médicos (AJOMED)António Marques Pinto

Do Sistema e Prestação de Cuidados de Saúde aos Direitos dos Utentes

A saúde é um recurso fundamental do indivíduo, da comunidade e da sociedade, sendo essencial que os

utentes sintam que estão em segurança e ao cuidado dos melhores profissionais.Num contexto particularmente sensível para a Saúde em Portugal como aquele que estamos presentemente a vivenciar, os pro-fissionais de saúde necessitam de dar um sinal claro à sociedade de que estão efec-tivamente preocupados com o presente e futuro da saúde dos Portugueses.A reforma do sistema, as questões éticas, os cortes orçamentais e as políticas de “ra-cionamento” têm sido temas centrais das intervenções de muitos médicos refletindo uma crescente preocupação da classe com toda essa problemática. Mais que nunca, é necessário assumir posições claras em ma-térias essenciais para a vida dos profissio-nais e para a saúde dos cidadãos.Por só poderem ser prestados cuidados de saúde de qualidade se o médico tiver condi-ções para tal, torna-se necessário dar apoio directo e efectivo a projectos e acções para o desenvolvimento do campo da saúde,

além de fomentar e defender diversas te-máticas, principalmente no que diz respeito à sua promoção socioprofissional. Compa-rando com outras áreas da economia, no sector da saúde é ainda mais significativa a necessidade de definir políticas eficazes de gestão de recursos humanos.A teoria da autodeterminação elabora-da por Richard M. Ryan e Edward L. Deci com a finalidade de responder às questões epistemológicas e éticas do paradigma eu-demónico considera a saúde e o bem-estar psicológicos como consequentes do com-promisso com os desafios e propósitos da vida. A base para a confiança pública está na integridade pessoal aliada a um comporta-mento ético. Ora, uma vez que as institui-ções de saúde dependem massivamente do capital humano, tem de ser dada relevância à análise das motivações dos seus colabora-dores, os quais se regem pelos mais eleva-dos princípios de conduta nas suas acções e decisões. Uma das grandes problemáticas diz respeito à vigência de sistemas de re-muneração inadequados e incentivos não fi-nanceiros pouco desenvolvidos, associados

ao aumento da burocracia dos concursos para recursos humanos e para aquisições que não promovem a eficiência nem sequer a transparência.A emigração é uma forma profícua de fu-gir às dificuldades, sendo também verdade que arranjar um emprego no estrangeiro possa constituir o início de uma sólida car-reira internacional. Todavia, não é aceitável formar médicos para depois os exportar a custo zero para outras nações quando a sua formação ficou tão cara ao Estado que financiou, quase integralmente, os jovens clínicos. É necessário repensar todo o sis-tema de saúde, de modo a criar condições que sejam economicamente viáveis, sem que a qualidade do serviço às comunidades seja diminuído. Por outro lado, julgo tam-bém dever-se prestar atenção aos núme-ros clausus tendo em conta que as decisões que forem tomadas agora terão repercus-sões no futuro.A Ordem dos Médicos tem chamado a atenção para o facto de os jovens médi-cos deverem ser activos, interventivos e exigentes. A sua mais nobre missão é a de

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Do Sistema e Prestação de Cuidados de Saúde aos Direitos dos Utentes

defender os doentes, ser a sua Voz num momento em que estes estão mais fragili-zados. Têm de evitar a todo o custo que a Saúde se torne num direito de apenas alguns. Aliás, o direito à Saúde é um impe-rativo moral que deve ser defendido não só por todos os médicos mas também pelos restantes cidadãos, sendo óbvio que, no contexto social que se vive actualmente, se exige o envolvimento das comunidades, das famílias e dos próprios utentes, otimi-zando, deste modo, os recursos existentes. Só assim se cuidará do direito à saúde dos cidadãos, sem exclusão de nenhum sector. Veja-se que o sistema de saúde português é considerado um dos melhores servi-ços públicos do mundo. Envolve todos os cuidados integrados de saúde, compreen-dendo a promoção e vigilância da saúde, a prevenção da doença, o diagnóstico e trata-mento dos doentes e a reabilitação médica e social. Além disso é equitativo e universal e tendencialmente gratuito, colmatando a problemática da desigualdade de distribui-ção do rendimento em Portugal, que apre-senta um dos coeficientes de Gini mais ele-vados da União Europeia. O país não pode perder aquele que ainda é um dos últimos motivos de orgulho nacional, o seu sistema de Saúde. Recordemos a citação de Arthur Schopenhauer, filósofo Alemão do século XIX, o qual afirmou que “O maior erro que um homem pode cometer é sacrificar a sua saúde a qualquer outra vantagem.”O actual sistema de saúde português, tal como outras criações institucionais e po-líticas das últimas décadas resultou de um processo de aperfeiçoamento constante, sendo influenciado não apenas pelas de-

cisões governamentais, mas também pela participação e adesão das diversas forças envolvidas, das quais se destacam os profis-sionais de saúde e, em particular, os médi-cos, cujas competências de gestão em saú-de tenderão a ser cada vez mais valorizadas com o passar dos anos.A organização dos serviços de saúde sofreu, ao longo dos tempos, a influência dos con-ceitos políticos, religiosos e sociais de cada época. Nos dias de hoje, a importância da gestão em saúde não se mede apenas pela tendência de integração dos cuidados de saúde ou pelas pressões para a racionaliza-ção económica e organizacional das entida-des prestadoras. Foi ela a responsável pela ruptura conceptual com a metodologia organi-zacional até então em vigor, pela melhoria da gestão da informação, e pela intervenção de maneira integrada e pluridisciplinar no pro-cesso de gestão das organizações de saúde. Por tudo isto, e para um melhor entendi-mento do nível do patamar alcançado em termos de ganhos de saúde é necessário conhecer a história da prestação de cuida-dos de saúde em Portugal e no Mundo.Os primeiros sistemas de saúde orga-nizados surgiram no século XIX devido à necessidade de diminuir as perdas de produtividade causadas por doença. Gra-ças ao chanceler Otto Bismarck, a Alema-nha implementou o Welfare State (Estado Providência), através da promulgação dos primeiros seguros sociais obrigatórios, co-brindo a doença, os acidentes de trabalho, a invalidez e a velhice, a par de legislação mais específica sobre condições de traba-lho. Em seguida, deu-se a generalização dos sistemas bismarckianos a diversos paí-

ses como a Inglaterra em 1911, aos paí-ses escandinavos com forte implantação dos partidos sociais-democratas (Noruega, Suécia, Dinamarca) e, mais tarde ainda, a França com o Governo da Frente Popular e aos Estados Unidos da América (EUA) com o New Deal do presidente Franklin Roosevelt. Essas resoluções tomadas pelos governos de então foram, pelo menos em parte, motivadas por razões políticas liga-das à manutenção ou conquista do poder, preocupando-se em assegurar uma certa estabilidade social face às brutais transfor-mações desencadeadas pela industrialização e triunfo do capitalismo. Simultaneamente, dava-se a afirmação da vocação do hospital como instituição de saúde e produtora de cuidados tecnicamente diferenciados, levan-do ao desenvolvimento da hospitalização pública que mais tarde estaria na origem de sistemas de saúde de tipo universal, nos países do Norte da Europa. Em Inglaterra, o Beveridge Report – “Social insurance and allied services”, que é apresentado em 1942 ao parlamento propondo um serviço de saúde universal “do berço à sepultura” está na origem do Welfare State inglês. A publi-cação no imediato pós-guerra do National Health Act possibilitou a criação, em 1948, do National Health Service (NHS), sistema de saúde universal, com serviços gratuitos, assente em centros de saúde públicos, com profissionais assalariados, ligados a hospitais locais. O NHS foi a referência internacional que inspirou a criação do actual Serviço Na-cional de Saúde (SNS) em Portugal, sendo que no entanto essa realidade portuguesa é relativamente recente.Em Portugal, o início da organização dos

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14 Revista Portuguesa de Gestao & Saude • n.º 10 • Julho 2013´~

serviços de saúde pública foi impulsiona-do por Ricardo Jorge com o Regulamento Geral dos Serviços de Saúde e Beneficência Pública em 1901, sendo que a prestação de cuidados de saúde era então de índole privada, cabendo ao Estado apenas a as-sistência aos mais desfavorecidos. Só em 1946, com a criação dos serviços médico--sociais das Caixas de Previdência, o país passa a adoptar um sistema bismarckiano, à semelhança do que já se tinha passado em muitos países. Com a criação do Estatu-to Hospitalar e o Regulamento Geral dos

Hospitais em 1968, as instituições hospita-lares e as carreiras da saúde são objecto de uniformização e regulação, mas o esboço de um SNS surge apenas em 1971 com a Reforma de Gonçalves Ferreira. Foi então reconhecido o direito à saúde de todos os portugueses, cabendo ao Estado assegurá--lo através de uma política unitária de saú-de, integradas todas as actividades de saú-de e assistência, introduzido o conceito de planeamento central e descentralização na execução, e criados os “centros de saúde de primeira geração”.A pedra basilar é a aprovação da nova Constituição em 1976, cujo artigo 64.º dita que todos os cidadãos têm direito à protec-ção da saúde, direito esse que se efectiva através da criação de um sistema nacional de saúde universal, geral e gratuito. Para tal, incumbe prioritariamente ao Estado garantir o acesso de todos os cidadãos (in-dependentemente da sua condição econó-mica) aos cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação, bem como uma racional e eficiente cobertura médica e hos-pitalar de todo o país, mas é só em 15 de Setembro de 1979, através do Decreto-Lei

n.º 56/79, que é criado o SNS, dotando-o de autonomia administrativa e financeira e de uma organização descentralizada e des-concentrada, compreendendo órgãos cen-trais, regionais e locais. Desde então foram muitos os Decretos-Lei e Despachos Nor-mativos que aos poucos foram contribuindo para a obtenção de um sistema de saúde com características beveridgianas, como o que temos hoje.Em consequência das restrições orçamen-tais na grande maioria dos países desenvol-vidos, as organizações do sector hospitalar

têm sido alvo de reformas orientadas para a melhoria da eficiência e do desempenho. O taylorismo (gestão científica) tem cerca de um século mas teve a sua origem no sector industrial e só mais tarde foi adaptado aos serviços de saúde. É principalmente de-pois da II Guerra Mundial que os hospitais tendem a seguir o modelo de gestão em-presarial e a criar a figura do Chief Execu-tive Officer (CEO), a despeito da manifesta preocupação com a profissionalização e instrução de administradores hospitalares remontar já à década de 1920 em países como os EUA. Em Portugal, esse fenómeno foi mais tardio, tendo sido embrionário no contexto da reforma do sistema de saúde de 1971 e da modernização da sociedade e economia portuguesas. No entanto, “ex-periências concretas” em termos de gestão só se irão perpetuar anos mais tarde. A primeira, em 1995, diz respeito ao Hospi-tal Professor Doutor Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra), o qual foi objecto de con-cessão de gestão por contrato a uma enti-dade privada. Por sua vez, o Hospital de São Sebastião, criado em 1998 em Santa Maria da Feira, instituiu um sistema de incentivos

financeiros e implementou mecanismos de gestão privada, apresentando duas di-ferenças fundamentais face aos restantes hospitais do SNS: contratos individuais de trabalho e maior flexibilidade nas relações de aprovisionamento. Essa metodologia foi alargada à ULS de Matosinhos em 1999 e ao Hospital do Barlavento Algarvio em 2001. Estas experiências estiveram na origem da empresarialização dos hospitais que se deu em Dezembro de 2002 com a criação de 31 hospitais S.A., os quais a partir de 2005, fruto da aprovação de um novo modelo de

gestão hospitalar aplicável aos estabeleci-mentos hospitalares que integravam a rede de prestação de cuidados de saúde, deram expressão institucional a modelos de gestão de tipo empresarial (E.P.E.). Esta nova per-sonalidade jurídica surge com o objectivo de facilitar a introdução de modelos e técnicas da gestão privada nos então recém-criados hospitais-empresa. Os hospitais tiveram por isso um papel de protagonismo nestes pro-cessos de mudança, se bem que a concep-tualização actual de gestão em saúde já não seja de todo hospitalocêntrica.Eficiência não significa gastar menos, mas gastar melhor. Segundo Maynard, “A fina-lidade de um comportamento eficiente não é apenas reduzir custos. Se fosse, o com-portamento mais eficiente seria o de não produzir, pois nesse casso os custos seriam zero.” Muitos estudos apontam para gan-hos de eficiência associados à mudança das regras de gestão mas apresentam diferen-ças metodológicas marcadas. Por isso, a investigação sobre a efectividade da intro-dução de tais modelos e técnicas de gestão é ainda insuficiente para afirmar que essa metodologia esteja a proporcionar efetivas

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melhorias no desempenho. Só estudos mais aprofundados poderão comprovar se de facto o modelo empresarial é diferenciador pela positiva.Em gestão e economia da saúde é impor-tante pensar em termos marginais, isto é, nos acréscimos de custo e nos acréscimos de benefício/efeito que estão associados a determinadas intervenções. Assim, dever--se-ão efetuar análises comparativas das vá-rias opções utilizando-se diferentes tipos de avaliação económica: análises de minimiza-ção de custos, custo-benefício, custo-efec-tividade (Rácio Custo-efectividade e Rácio Custo-efectividade incremental) e custo-uti-lidade. Nesta última em particular, os bene-fícios são medidos em termos de acréscimo de utilidade, nomeadamente qualidade de vida, através dos famosos QALY (Quality Adjusted Life Years) recorrendo-se a instru-mentos como o EuroQoL (EQ-5D). Trata--se de uma metodologia peculiarmente útil quando se comparam intervenções que aumentam a esperança de vida à custa de efeitos secundários significativos, ou então tratamentos que apesar de não reduzirem a mortalidade reduzem a morbilidade.A saúde não exige somente medidas de ca-rácter científico, económico e social, o en-foque deverá, aliás, ser posto numa análise constante, basear-se no desenvolvimento sustentado, numa atitude de reflexão “his-tórico-crítica” da concepção e consignação das políticas transectoriais, com vista a atin-gir uma gestão integral e sistémica de toda a acção do sistema de saúde. Só assim, estou certo, cumpriremos de forma humanizada e sustentada com os valores associados a todos os sistemas universais de saúde.Por outro lado, a melhoria da Saúde é indis-sociável do progresso cultural e moral. Na

Europa e nos EUA, a esperança de vida à nascença aumentou 48 anos entre 1700 e 1971, sendo que mais de 90 % dessa me-lhoria ocorreu antes da descoberta do pri-meiro antibiótico, o que nos leva a concluir que ainda não são só os avanços tecnológi-cos ou farmacêuticos mas também as po-líticas de saúde e as condições sociais que fazem a diferença para uma maior sobrevida no mundo. Apesar do alargamento e enri-quecimento do conceito de saúde inerentes ao paradigma da sociedade informada con-tinuam, porventura, a existir profundas la-cunas de conhecimento no que respeita ao estado de saúde da população. É necessário obter informação mais fidedigna e se possí-vel desagregá-la por grupo etário, género, região, classe social e categoria sociopro-fissional. Independentemente da afectação dos recursos financeiros e humanos, o siste-ma de saúde nacional só terá a ganhar com esse desafio que constitui a constante reco-lha e trabalho dos dados que nos permitem inferir sobre o verdadeiro estado de saúde dos portugueses. Deverá estar mais do que nunca, dado os tempos difíceis que se vi-vem, convenientemente preparado para a sociedade que serve com os seus ofícios, sendo que, actualmente, os maiores de-safios e oportunidades no sector da saúde estão na resposta ao aumento exponencial dos custos aliado a uma oferta excedentá-ria de uns recursos e limitada de outros, no envelhecimento da população e patologias crónicas que alteraram o perfil de morbi-mortalidade dos portugueses, tudo isto en-volto sempre por questões éticas cujo peso é maior dada a complexidade da cada vez mais sofisticada prestação de cuidados de saúde quer do ponto de vista técnico quer do ponto de vista organizacional. Todas

essas temáticas são distintas, mas resultam em última análise na defesa dos direitos le-gítimos dos doentes e do seu direito a uma medicina de elevada qualidade.Vale a pena enfatizar que se vive num mun-do e principalmente num momento de recursos escassos que necessitam de ser muito bem utilizados. Michael Eugene Por-ter, professor da Harvard Business School, famoso pela autoria do conceito de “cadeia de valor”, reitera a lógica de que a compe-tição baseada em valor e focada em resul-tados é uma competição de soma positiva, onde o ganho de todos os participantes é possível, na medida da sua dedicação e capacidade de interagir positivamente no sistema de saúde. Assim, o valor para o paciente passará pelo alinhamento dos in-teresses de todos os participantes, ou seja, fornecedores, consumidores e governo.Em conclusão, é necessária uma maior integração dos processos e cuidados de saúde aliados a um aumento da eficiência. As diferentes organizações de saúde de-vem procurar comparar-se na perspetiva de aperfeiçoar as suas práticas e alcançar um melhor desempenho, ou seja, adoptar o benchmarking. Para que seja possível a confrontação dos dados surge a necessi-dade de utilizar indicadores de gestão do desempenho formais, consistentes, coeren-tes e transparentes. É porém necessário ter em conta que a prestação de cuidados não é uma actividade humana burocratizável e que o principal compromisso do sistema de saúde português deverá ser fazer tudo o que está ao seu alcance para salvaguardar a saúde e o bem-estar de quem o honra com a sua escolha, o utente, não obstante os avultados custos muitas vezes resultantes das tomadas de posição.

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Factores Determinantes no Consumo de Medicamentos

Um Estudo em Idosos no Concelho de Macedo de Cavaleiros

AutorMestre em Gestão de Unidades de Saúde; Licenciada em FarmáciaCristiana Midões

RESUMO

O envelhecimento é um dos fenómenos mais marcantes da sociedade do sécu-lo XXI e com implicações a vários níveis. Com o aumento da idade aumenta, por norma, a prevalência de doenças crónicas e degenerativas, não sendo raros os casos em que um idoso apresenta vários proble-mas de saúde e tem, como consequência, necessidade de usar vários medicamentos ao mesmo tempo. Neste sentido, de há uns anos a esta parte que os encargos com medicamentos pagos pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) não param de aumentar, ao ponto de, recen-temente, os Governos serem chamados a tomar medidas de emergência capazes de permitir travar o crescimento exponencial dos gastos e assegurar a sustentabilidade do sistema. É dentro deste contexto que se desenvolve este estudo, com o objec-tivo de contribuir para uma compreensão mais sustentada do fenómeno do enve-lhecimento das populações na sua relação com o consumo de medicamentos e, a par-tir daí, poder dar um modesto contributo para a gestão da saúde e do medicamento, nomeadamente para as farmácias comu-nitárias, que lidam diariamente com estes cidadãos. Para tanto, aplicámos um inquéri-to por questionário a uma amostra de 290 indivíduos com mais de 65 anos, residentes no referido concelho, no sentido de aferir alguns factores acerca do consumo de me-dicamentos em idosos no referido conce-lho. Os resultados apontam, ao contrário de estudos anteriores, para a não existência de uma relação directa entre o consumo de medicamentos e o aumento da idade.

INTRODUÇÃO

O envelhecimento é um dos fenómenos mais marcantes na sociedade do século XXI, que tem várias implicações e que pode analisar-se sob a perspec-tiva do aumento da espe-rança média de vida ou sob o aumento da proporção de pes-soas idosas na população. Esta é uma realidade que se passa a nível mundial, como consequên-cia da diminuição da fecundidade e do aumento da longevidade (Carrilho, 2004a). Em Portugal, esta tendência é transversal a todo o país, notando-se contudo alguma heterogeneidade geográ-fica que se atenuará à medida que a população com mais de 65 anos reforçar a sua posição relativamente à população total. Estima-se que em 2050 repre-sente aproximadamente 32% da população total (Carrilho & Gon-çalves, 2004b).Com o aumento da idade au-menta, por norma, a preva-lência de doenças crónicas e degenerativas, não sendo raros os casos em que um idoso apre-senta vários problemas de saúde em simultâneo, promovendo o uso de vários medicamentos ao mesmo tempo. Há estudos que comprovam que os problemas crónicos de saúde dos idosos fazem deles grandes consumi-dores de medicação, e que efec-

tivamente existe uma associação positiva entre o avanço da idade e o uso de me-dicamentos (Fanhani, Takemura, Cuman,

Seixas, & Andrade, 2007).O concelho de Macedo de Cavalei-

ros, representativo da nossa po-

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Factores Determinantes no Consumo de Medicamentos

Um Estudo em Idosos no Concelho de Macedo de Cavaleiros

pulação, criado em 1853 e formado por 38 freguesias que se estendem por uma área de 699,3 Km2, situado no nordeste trans-

montano, tem ao seu redor os con-

celhos de Alfan-

dega da Fé, Bragança, Mirandela, Vimioso, Vila Flor, Mogadouro e Vinhais.A população de Macedo de Ca-valeiros tem vindo a diminuir, registando-se um decrés-cimo de 2001 até 2010,

ainda que com maior representatividade do sexo feminino. A população residen-

te no concelho era, no ano de 2011, de 15.844 indivíduos.

No ano de 2010, a maio-ria dos idosos residentes no concelho de Macedo de Cavaleiros era do sexo feminino, sendo que a faixa etária com maior número de idosos é a de 75 a 79 anos no caso das mulheres e a de 70 a 74 anos, no caso dos homens.Há estudos que com-provam que os proble-mas crónicos de saúde em idosos fazem deles grandes consumidores de medicamentos e que existe efectivamente uma associação positiva entre o avançar da idade e o uso de medicamen-tos (Fanhani et al., 2007). Neste sentido, é possível identificar uma relação de proporcionalidade en-tre o aumento da idade e a maior prevalência de doenças crónicas e dege-nerativas, sendo frequen-te que um idoso apresen-te vários problemas de saúde ao mesmo tempo, o que promove o uso de vários medicamentos em simultâneo.

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O medicamento passou a simbo-lizar saúde e a ser visto como o caminho mais rápido para a tran-sição de uma situação de doença para uma de saúde (Lèvefre, 1983). Porém, e apesar de não existirem muitos estudos epidemio-lógicos sobre a população idosa, vários autores são unânimes em afirmar que um dos proble-mas mais comuns se prende com o uso inapropriado de medicamentos que gera consequências, tanto no que respeita à saúde como a nível económico (Fanhani et al., 2007). Neste particular, Silva, Luís, & Biscaia (2004), referem que a maior fre-quência de efeitos adversos de medica-mentos em idosos são, em grande parte, explicados pela sua própria fisiologia. O aumento do consumo de medicamentos em idosos envolve mais riscos, já que o envelhecimento produz alterações fisio-lógicas no organismo, que terão impacto na farmocinética (absorção, distribuição e eliminação) e na farmacodinâmica (re-ceptores e processos hemostáticos) dos fármacos (Rozenfeld, 2003). Por outro lado, Henriques (2006) refere que a exis-tência de várias doenças crónicas promove o recurso a mais do que um médico, ou

seja, à existência de multiprescritores e ao recurso a mais do que uma farmácia para obter aconselhamento, o que faz com que os idosos consumam mais medicamentos

do que os jovens, quer prescritos, quer não prescritos. As doenças inerentes

à idade e o uso de vários medica-mentos são factores que obrigam

muitas vezes ao internamento dos idosos, sendo o uso re-

gular de vários medica-mentos responsável por

cerca de 10 a 20% dos internamentos

hospitalares.Esta tendência de crescimento do consumo de medicamentos

é influenciada, em grande parte,

pelo aumento da esperan-ça de vida e contribui, por essa via, para o aumento da longevi-

dade e para o crescimento da factura com os gastos no sector da saúde. Neste senti-do, conhecer os factores que influenciam o consumo de medicamentos é de grande importância para a gestão, na medida em que ajudará a delinear políticas de conten-ção de custos mas também de assistência à saúde (Arrais et al., 2005) De há uns anos a esta parte que os encar-gos com medicamentos pagos pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) não param de aumentar. Em 2008, o valor a pagar subiu 5,7%, por comparação com o ano anterior, em 2009 esse aumento rondou os 8,4% e em 2010 os 5,6%, representando um acréscimo de despesa de quase 84 milhões de euros. Neste último caso, a despesa ultrapassou em 1% a meta estabelecida no Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC), levando o Governo a adotar, em Outubro de 2010, um pacote de medidas

legislativas de emergência para fazer face a este crescimento exponencial da despe-sa com medicamentos, de entre as que se contam a redução de algumas compartici-pações (Centro de Estudos de Avaliação em Saúde [CEFAR], 2011).É dentro deste quadro de necessidades que se situa o nosso objecto de estudo. Ou seja, entendendo o envelhecimento como um problema social cada vez mais evidente, com implicações importantes na qualidade de vida das pessoas e assumindo que os idosos têm associado ao aumento da longevidade um acréscimo de doenças crónicas com consequências ao nível do consumo de medicamentos e do recursos aos serviços de saúde propomo-nos analisar esta problemática com o objectivo de con-tribuir para uma compreensão mais susten-tada do fenómeno do envelhecimento das populações na sua relação com o consumo de medicamentos e, dessa forma, poderem ser ajustadas políticas de gestão da saúde e do medicamento, nomeadamente ao nível das farmácias comunitárias, que lidam dia-riamente com estes cidadãos. Conhecer os factores que influenciam o consumo de medicamentos é de grande im-portância para a gestão, na medida em que ajudará a delinear políticas de contenção de custos mas também de assistência à saúde (Arrais et al., 2005).

ESTUDO EMPÍRICO - METODOLOGIA

A investigação efectuada é do tipo trans-versal, realizada através de inquérito, uma das técnicas mais utilizadas na área da ges-tão (Barañano, 2008). No mesmo sentido se apresentam Quivy & Campenhoudt (2005), que se referem ao inquérito por questionário e ao inquérito por entrevis-ta como os principais métodos de recolha de informação. O inquérito foi presencial, aplicado no período compreendido entre 15 de Junho e 15 de Dezembro de 2011, a pessoas com mais de 65 anos, residen-tes no concelho de Macedo de Cavaleiros. Nos estudos transversais não há segui-mento dos indivíduos.De acordo com os dados do INE, existi-riam em 2010, 4.080 idosos no concelho de Macedo de Cavaleiros, representativos da nossa população, de onde foi retirada, aleatoriamente, uma amostra de 290 indi-

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víduos. Este número amostral representa, dentro da população total, 7,10%, com um intervalo de confiança de 95% e uma mar-gem de erro de 5,55%, o que é aceitável em termos estatísticos.

DISCUSSÃO DE RESULTADOS

Dos 290 inquiridos, 287 têm na reforma a sua fonte de rendimento. Para cerca de 43% o valor ganho situa-se entre os zero e os 300 euros, com uma pequena minoria, de 2,1% da amostra, a auferir um valor su-perior a 1.000 euros.Relativamente à percepção que têm do seu estado de saúde, mais de 50% consideram--no regular, apesar de uma percentagem significativa, de 33,4%, o classificar como mau. Ainda assim, mais de 66% dos auscul-tados não viram as suas actividades habituais limitadas por motivos de saúde e apenas cerca de 25% se viu internado num hos-pital. No seguimento desta análise, acerca da percepção do estado de saúde, foi per-guntado quantas vezes haviam visitado o seu médico de família. Dos inquiridos, 130, representativos de 44.8% da amostra, refe-riram terem tido contacto com este profis-sional 3 a 4 vezes no último ano, 98, corres-pondente a 33,8% da amostra, fizeram-no ainda com maior frequência, sendo que apenas 8 idosos, afirmaram não terem sido consultados nenhuma vez no último ano.Em concordância com estes resultados es-tão os obtidos à frequência de consultas de especialidade, para o que obtivemos res-posta positiva em 38,3%, com uma maior expressão para os médicos de cardiologia, oftalmologia e ortopedia. No que diz respeito à percepção que têm sobre se padecem ou não de alguma doen-ça crónica ou problema de saúde e se, como consequência, utilizam ou não me-dicamentos com regularidade, as respostas obtidas, que sistematizámos no Quadro 1, mostram que os indivíduos que admitem padecer de qualquer um dos problemas re-feridos não coincide, em número, com os que afirmam tomar medicação com regula-ridade. Neste particular, cabe destacar que, para cada problema de saúde referenciado, o número de idosos que consome medica-mentos com regularidade é sempre inferior ao número de idosos que não o faz.Da sua análise sobressai, como doença mais

referida o reumatismo/problemas nas arti-culações, seguida da hipertensão e de ou-tros problemas de saúde também bastante referidos, de que se destacam os de estô-mago, da próstata e tiróide. No entanto, e pela análise do mesmo quadro, verifica-se, como referimos acima, que a toma regular de medicamentos para os problemas refe-ridos não é exactamente igual, em número, à quantidade de indivíduos que referem ter o problema. A hipertensão passa a ser o problema com mais destaque em termos de consumo regular, seguida pelo reuma-tismo/problemas das articulações. Em concordância com esta análise con-

cluímos que aproximadamente 88% da amostra afirma ser utilizador regular de medicamentos, dos quais 40% refere fazê--lo há mais de 10 anos e 20% há menos de cinco anos.No que respeita ao valor gasto mensal-mente com medicamentos, 25,5 % dos inquiridos não forneceram informação a este respeito e em 50% dos casos o valor gasto situa-se no intervalo de zero e os cem euros. Em concordância com os dados an-teriores, em que o número daqueles que reconhecem padecer de qualquer enfermi-dade é superior ao número daqueles que admitem tomar medicação regular, está a

Quadro 1. Número de inquiridos que referem ter (ou não) a doença indicada, e número de idosos a consumir medicamentos para essas mesmas doenças

Doença

Idosos que referem ter a doença (n.º)

Idosos a consumir medicamentos (n.º)

SIM NÃO SIM NÃO

Diabetes 71 219 68 222

Problemas coração 88 202 68 222

AVC/ trombose 32 258 26 264

Depressão 68 222 39 251

Asma/ bronquite 26 264 20 270

Problemas audição 102 188 3 287

Problemas visão 128 162 11 279

Prob. Circulação de sangue 88 202 58 232

Hipertensão 137 152 136 154

Colesterol elevado 92 198 86 204

Reumatismo / Articulações 166 124 126 164

DoençaIndivíduos que tomam medicação diariamente

(%)

Média diária de medicamentos ingeridos

(n.º)

Diabetes 23,4 3,6

Problemas coração 23,4 1,6

AVC/ trombose 9 1,5

Depressão 17 3,2

Asma/ bronquite 7 2,5

Problemas. audição 1 1,5

Problemas visão 4 2,5

Prob. Circulação de sangue 20 2,3

Hipertensão 46,9 2

Colesterol elevado 29,6 2

Reumatismo / Articulações 43,4 2,5*

(*) (+ 10 pessoas a referir SOS)

Quadro 2. Média diária de medicação ingerida para cada doença em análise

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constatação de que 33 pessoas, represen-tativas de 11,4% da amostra, não gastam dinheiro em medicamentos de forma regu-lar. Aliás, a este respeito, há mesmo quem admita, cerca de 8% dos inquiridos, ter deixado de adquirir medicamentos por fal-ta de dinheiro. Para dar sequência à análise questionámos, também, se para cada uma das doenças identificadas e supracitadas tomam, ou não, medicamentos com regularidade e, em caso afirmativo, em que dosagem. Neste particular, verificámos que aproximada-mente 47% dos inquiridos toma medicação diariamente para a hipertensão, 43% para o reumatismo/articulações, seguidos de uma percentagem de 23% para a diabetes e também para os problemas do coração. Analisámos, em simultâneo, as doses diárias ingeridas, para o que calculámos a média, por doença em estudo, e que apresenta-mos no Quadro 2.Para além das situações que ilustramos no quadro, identificamos que, de entre os in-quiridos, 28 referiram ingerir diariamente medicamentos para o estômago, 15 para dormir e 11 para a próstata, entre outras situações de menor representatividade.No que respeita à forma farmacêutica, 93,4%, representativo de 271 dos inqui-ridos, dizem utilizar mais frequentemente os comprimidos, seguidos das pomadas/cremes e dos sprays/aerossóis. Apurámos, também, que dos 290 indivíduos ausculta-

dos, 88,6% admitiram ter usado medica-mentos com regularidade no último ano e que, na sua esmagadora maioria, 95,4% da amostra, foram prescritos por um médico.Finalmente, quando indagados sobre se os problemas de saúde de que padecem in-fluenciam ou determinam, de alguma for-ma, alterações ou interrupções das suas rotinas, apurámos que 102 indivíduos, re-presentativos de 35% da amostra, dizem ter sido privados, em definitivo, das suas rotinas devido a problemas de saúde, en-quanto 77 concluíram que esta inviabiliza-ção foi apenas temporária. Os restantes 111 indivíduos afirmam que os problemas de saúde não tiveram qualquer influência nas suas rotinas diárias.De acordo com os resultados obtidos, e fazendo uma análise bivariada, apenas a “depressão” apresenta valores inferiores a 0,05. Desta forma, há evidências estatísticas suficientes para afirmar que, neste caso, as variáveis “consumo de medicamentos” e “género” estão associadas, com um nível de significância de 0,05. Estes resultados le-varam-nos a elaborar o Quadro 3, onde se expressa a relação entre os indivíduos que tomam antidepressivos, de acordo com o género. A sua análise permite-nos consta-tar que as mulheres utilizam cerca de três vezes mais medicamentos para a depressão que os homens.Para os problemas em que havia evidência estatística que permitisse verificar existir

Género Consome Medicamentos Não consome medicamentos Total

Masculino 9 105 114

Feminino 30 146 176

Total 39 251 290

Quadro 3. Número de indivíduos que consome antidepressivos, de acordo com o género

DoençaFaixa etária (anos)

65-75 76-85 86-95 + de 95

Problemas coração 12,2 18,4 16,1 16,6

Depressão 5,7 10,7 10,1 11,1

Prob. Circulação de sangue 13,0 10,1 16,9 27,7

Hipertensão 35,7 27,9 33,0 33,3

Reumatismo / Articulações 33,3 32,7 23,7 11,1

Quadro 4. Percentagem de indivíduos que refere consumir medicação para os problemas indicados, por faixa etária

uma associação entre as variáveis “consu-mo de medicamentos” e “idade”, tentámos perceber em que faixa etária se verificaria o maior consumo de medicamentos, e qual a relação entre o “consumo de medicamen-tos” e a “idade”. Resultados que apresenta-mos no Quadro 4.Da análise a este quadro, verificamos que a maior percentagem de utilização de medi-camentos se refere à hipertensão, que assu-me o seu valor mais elevado na faixa etária dos 65 aos 75 anos. Não é, no entanto, possível verificar um padrão de consumo ao longo da idade, excepto no caso do reuma-tismo/problemas das articulações, em que há um decréscimo do consumo à medida que a idade avança. No que diz respeito aos “problemas de coração” e “depressão” verificamos que há, para ambos os casos, um aumento do consumo da primeira para a segunda faixa etária, e que decresce a partir dos 86 até aos 95 anos, idade em que se volta a registar um crescimento. Relati-vamente aos “problemas de circulação de sangue” e de “hipertensão” a diminuição do consumo verifica-se da primeira para a segunda faixa etária, voltando a aumentar à medida que a idade avança. Desta forma, não é possível estabelecer uma relação con-creta entre o aumento da idade e o consu-mo de medicamentos.

CONCLUSÃO

Constatámos que a população idosa vive cada vez mais, estando de acordo com o índice de longevidade nacional. Obtivemos evidência, ainda, acerca das estruturas fami-liares compostas por idosos. Contudo, os resultados obtidos apontam, igualmente, para um número de idosos institucionali-zados igualmente elevado, com 43% do total dos inquiridos a afirmarem estar em instituições para idosos. Estes resultados estão em linha com as fontes bibliográficas consultadas, que apontam o interior, onde se insere o concelho de Macedo de Cava-leiros, com uma tendência de envelheci-mento populacional superior à registada no litoral e com perspetivas de agravamento, em grande parte justificada por factores so-ciais como a emigração e a migração para as grandes metrópoles situadas no litoral. Quase 90% dos idosos amostrados refe-rem recorrer à utilização regular de medi-

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camentos e em 40% dos casos fazem-no há mais de dez anos. Conclui-se, assim, que há um consumo elevado de medicamentos em idosos, o que não quer dizer que haja um aumento do consumo de medicamen-tos com o avançar da idade. Este particu-lar vai ao encontro do exposto na teoria, que assume um acréscimo dos consumos de saúde com o aumento da idade, estan-do os medicamentos incluídos nesta área. Ainda relacionado com o ponto anterior, é importante salientar o aumento do custo com medicamentos, que leva alguns idosos a deixarem de os adquirir, facto também comprovado na nossa amostra, e que pode-rá ser um ponto fundamental na diminuição da adesão à terapêutica.O nosso estudo aponta a patologia do reumatismo como aquela que justifica o maior consumo de medicamentos, seguido do controlo e combate à hipertensão. No entanto, estes indicadores surgem, a nível agregado e com base nas fontes referencia-das invertidos, ou seja, o consumo de me-dicamentos para a hipertensão em primeiro lugar seguido do reumatismo.Outra conclusão do nosso estudo tem a ver com o facto de a doença que regista maior número de unidades de medica-mentos consumidas ser a diabetes, seguida dos medicamentos para a depressão. Em qualquer dos casos, existe correlação en-tre a evolução destes dois tipos de doença e de consumo de medicamentos com o aumento da idade.O colesterol surge como a terceira doen-ça mais indicada e que leva ao consumo regular de medicamentos. Este facto pode estar associado ao enquadramento socio-cultural destes idosos, na medida em que nos meios onde os hábitos alimentares têm uma forte componente de “fumeiro” os exames analíticos apontam para eleva-dos níveis de colesterol.Relativamente ao reumatismo, que no nos-so estudo se posiciona como a doença mais referida, existe também a convicção, não a evidência, de poder estar associado às con-dições climatéricas do concelho de Mace-do de Cavaleiros e ao facto de as pessoas terem uma actividade ligada à agricultura, que lhe impõe esforços físicos excessivos, normalmente incompatíveis com práticas físicas saudáveis.

Assinalamos, também, o facto de o consu-mo de antidepressivos ser mais significativo nas mulheres do que nos homens e, parti-cularmente, nos idosos que se encontram institucionalizados.Neste particular, foi-nos possível concluir que o género não influencia o consumo de medicamentos, excepto para o caso dos antidepressivos, mas a institucionalização sim, ou seja, obtivemos evidência que o consumo de medicamentos é quase sem-pre superior em idosos institucio-nalizados. Este facto poderá estar relacionado com o maior acom-panhamento e controlo dos fato-res de risco destes idosos, tendo como consequência tomas mais regradas e regu-lares de medica-mentos.

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Considero importante iniciar esta curta reflexão relembrando que os hospitais são das organizações

mais complexas de gerir, com uma indús-tria de apoio em equipamentos e medica-ção extremamente volátil e em permanente turbulência. A todo o momento, nas insti-tuições hospitalares são colocadas ques-tões delicadas de vida e de morte sendo que a saúde é sempre o nosso bem mais precioso. E para além de tudo, o pacien-te geralmente não faz a mínima ideia dos custos reais dos seus tratamentos que são pagos na sua maior parte por uma fatia do Orçamento do Estado.Para além disso, Erwing afirmava em 2009 (Hospital Topics, Summer 2009, 87,3,28-40) que somente 38% dos executivos acreditavam que as suas iniciativas eram bem sucedidas nesta área e só 30% pen-savam que as suas iniciativas contribuíam de facto para uma melhoria sustentada das suas organizações!Quero mencionar também o facto de, en-quanto que os médicos têm a autoridade e a responsabilidade das decisões clínicas de como tratar o doente X ou Y, eles ra-ramente são chamados a intervir no plano organizacional e muitos também não estarão habituados a trabalhar em gru-po com gestores não clínicos nas suas ins-tituições que não entendem que a gestão de saúde é muito diferente do controlo de custos e lucros de outro tipo de empresas.Importa também referir que a cultura orga-nizacional hospitalar varia imenso de unidade para unidade sendo de referir a importância nestes casos da variabilidade das práticas clí-nicas, técnicas e equipamentos envolvidos.

Posto isto há que referir que:

1. A saúde não tem um preço obser-vável. A saúde é resultado da combinação das características de cada pessoa, do tipo e montante de cuidados de saúde que recebe e do tempo que é usado pela pessoa na “produção” dessa saúde.

2. Há elementos distintivos na saúde.- a existência de um forte juízo de

valor sobre tudo o que se relaciona com a Saúde;

- a presença dominante da incerteza: do indivíduo quanto ao momento em que necessita de cuidados médicos, quanto ao montante dos custos en-volvidos, do médico quanto ao tra-tamento a prescrever, quanto aos resultados dos tratamentos prestados;

- a presença de externalidades: decisões individuais têm efeito inter-no (uma vacina diminui a probabili-dade de um indivíduo contrair uma doença) mas também pode ter um efeito externo adicional (a probabili-dade de outros contraírem a doença também diminui).

3. Mas tem que ter objectivos mensu-ráveis:- qualidade dos cuidados;- grau de satisfação dos utilizadores;- ganhos em saúde.

4. O “core business” na saúde é muito mais amplo do que todas as discussões que vão sendo feitas neste campo de

gestão de saúde: a trajectória do cida-dão ao longo da vida com a melhor gestão possível das contingências.Assim sendo, será muito mais importan-te trabalhar em questões que possam criar condições de vida mais saudáveis para que as pessoas recorram o menos possível às instituições hospitalares, onde os custos reais na saúde são geral-mente extremamente elevados.MCKeown demonstrou que as gran-des melhorias em saúde andam mais associadas a mudanças alimentares e ao meio ambiente do que às grandes des-cobertas biomédicas, ao lançamento de novos fármacos ou à generalização do acesso a médicos e hospitais.

5. Quando o paciente tem que recorrer a unidades hospitalares, verifi-camos que aqueles hos-pitais com práti-cas específicas de melhoria da qualidade de tratamentos do paciente e de melho-ria de pro-dução, estão sempre asso-ciados a taxas mais baixas de mortalida-de e a ganhos de produção.

6. A competição inter-hospi-

AutorPresidente da Direcção da Sociedade Portuguesa de Gestão de Saúde; pós-graduações em direcção de Unidades de Saúde e em Gestão de Serviços de Saúde pelo ISCTEMiguel Sousa Neves

Alguns Apontamentos Sobre Gestão de Saúde em Portugal…

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talar melhora os níveis de gestão e os maiores hospitais parecem ter uma me-lhor gestão sendo que a escala e o ta-manho têm realmente importância nos resultados.

7. Os hospitais com uma gestão não lucrativa poderão ter melhores re-sultados na qualidade de saúde ministrada e nos resultados finan-ceiros do que os hospitais priva-dos e públicos, a exemplo dos Estados Unidos da América, onde os 10 melhores hos-pitais num ranking apresen-tado há poucos anos atrás

eram todos dirigidos por organizações não governamentais sem fins lucrativos (embora não seja possível uma extrapo-

lação linear para a nossa realidade que é diferente da americana em quase todos os aspectos que se relacionem com a gestão da saúde).

Alguns Apontamentos Sobre Gestão de Saúde em Portugal…

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8. Os riscos nas reformas de saúde po-derão levar:- à desarticulação do Serviço Nacional

de Saúde e ao aumento possível de risco social com rupturas na cadeia de solidariedade;

- essa desarticulação leva indubitavel-mente a um forte crescimento do sector privado lucrativo na saúde, fi-nanciado pelo Estado;

- podendo haver uma legislação de li-cença, onde tudo será permitido, faci-litando a captura de serviços públicos fragilizados, por interesses mercantis e só aparentemente concorrenciais;

- e por fim, o problema grave do desa-parecimento das carreiras médicas tal como existem hoje e que potenciam acções de risco por parte de profis-sionais de saúde sem hierarquias bem estabelecidas;

9. E por fim, o “Management Matters Re-search Project”, um estudo de larga es-cala em hospitais de sete paí-ses com cuidados elevados de saúde, o qual menciona expressamente que as uni-dades hospitalares que têm médicos com elevado co-nhecimento de gestão na sua liderança estão associadas com melhorias substanciais de funciona-mento quando comparadas com outras geridas por administradores sem for-mação clínica.

Portanto,Enquanto se procura suster neste preciso momento os custos intermináveis na área da saúde nos tempos complicadíssimos em que vivemos:É essencial ter um Plano Nacional de Saúde actualizado, realista e que pos-sa ser de facto passível de constituir um caminho para políticas transversais que transcendam momentos de governação e possam ser traduzidos em ganhos reais de saúde a médio e longo prazo. Somos nós que estamos em jogo neste momento e é todo um legado que deixaremos para os nossos filhos! A aposta continuada na prevenção e prioridade nos cuidados pri-mários colocando as pessoas a gerir a sua

própria saúde deverá ser a prioridade das prioridades a médio prazo!É essencial repensar o modelo de financia-mento da saúde onde a origem actual dos recursos provém dos Impostos, sendo que o Estado é simultaneamente financiador e prestador, não existindo um verdadeiro mercado de saúde e onde os consumidores – com manifesta insensibilidade quanto à sua contribuição para a saúde – não podem escolher nem segurador nem prestador;É essencial “olhar” para as Misericórdias e para outras entidades não lucrativas sem quaisquer tipos de inibições e integrá-las como parceiros reais em todos os aspec-

tos, dada a sua proximidade e conheci-mento das necessidades das populações, com enfâse nos idosos e doentes de evo-lução prolongada;É essencial ter uma utilização criteriosa de tecnologia cara e altamente sofisticada, sua instalação e área de influência;É essencial continuar o trabalho na política do medicamento e nos genéricos;É essencial incrementar políticas de parce-ria com sector privado onde seja mais favo-rável ao Estado;É essencial a publicação periódica da ava-liação dos cumprimentos das regras esta-belecidas nas parcerias público-privadas e reestruturação das mesmas onde o Estado possa obter ganhos de saúde;É essencial pensar a formação de médicos

com base nas necessidades reais da popu-lação em QUALIDADE DE SERVIÇOS que depois serão capitalizados em ganhos reais de custo-efectividade. Gostaria de saber em que estudos se baseou o Ministério da Educação para manter os números eleva-díssimos de vagas para Medicina incluindo os cursos (!) no Algarve e Aveiro. O que se deveria estar a planear neste momento era como optimizar a formação dos médicos,

diminuindo o número de vagas nas escolas médicas, mas enriquecendo a capacidade formativa para a criação de profissionais com graus muito elevados de excelência.E por último, é essencial que o Ministro da Saúde e a sua equipa governativa com-preendam a inevitabilidade da aposta na escolha de gestores com formação clí-nica de base e com vocação para a gestão de unidades de saúde pois estudos actuais demonstram, de forma inequívoca, que as instituições geridas por clínicos capacitados têm desempenhos muito melhores.

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Médicos aposentados vão poder continuar a trabalhar no SNS

“O bastonário da OM diz que já esperava esta decisão por parte do Conselho de Ministros, uma vez que estes clíni-cos estão a desempenhar funções insubstituíveis. Os mé-

dicos aposentados vão poder continuar a trabalhar no Serviço Nacional de Saúde, isto depois de o Governo ter decidido pro-longar este regime excecional de contratação em vigor desde 2010 por mais dois anos para responder à falta de médicos.”

Fonte: TSF, 13 de Junho de 2013

Receita com taxas moderadoras aumenta 57,5%

“Só nos primeiros três meses do ano, o Estado arrecadou quase 19 milhões em taxas moderadoras, contra 12 milhões cobrados no mesmo período do ano passado.

As taxas moderadoras cobradas aos utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS) até Março registaram um aumento de 57,5% em relação ao mesmo período de 2012, segundo dados oficiais.”

Fonte: Rádio Renascença, 20 de Junho de 2013

Administradores Hospitalares preocupados com aumento da despesa

“A presidente da Associação de Administradores Hospitalares admite ganhos, mas antecipa um crescimento da despesa com o aumento das horas de trabalho na Função Pública. Admite,

ainda, que o atendimento dos utentes possa sair melhorado, mas alerta que o aumento dos tempo de trabalho para 40 horas sema-nais na Função Pública terá como consequência um aumento da despesa de funcionamento dos hospitais.”

Fonte: TSF, 7 de Junho de 2013

AR recomenda manutenção do contingente adicional de 15% de vagas para licenciados a admitir nos cursos de Medicina

“A Resolução da Assembleia da República (AR), publica-da hoje no Diário da República, recomenda ao Governo que ‘assegure a qualidade da formação médica garantindo

formação pós-graduada adequada a todos os médicos’, aconse-lhando o ‘diálogo e cooperação com a Ordem dos Médicos’.”

Fonte: Univadis através de “Tempo Medicina”

Governo vai reforçar combate à fraude nas baixas médicas

“Em 2012 foram passados mais de 60 mil atestados médicos que não cumpriam todos os requisitos. Dados que levam o Governo a avançar com um plano de combate às baixas mé-

dicas fraudulentas.Os últimos dados oficiais indicam que no final de abril havia, em Portugal, 103 mil pessoas a receber subsídio de doença.”

Fonte: Rádio Renascença, 10 de Junho de 2013

Governo diz que Portugal precisa de serviço de saúde “eminentemente público”, por longos anos

“O secretário de Estado adjunto da Saúde, Leal da Costa, disse, esta terça-feira, que Portugal vai precisar de um Serviço Nacional de Saúde, “eminentemente público”,

“por muitos e longos anos”.No Ministério da Saúde, “estamos sistematicamente colocados perante desafios” e com “uma necessidade cada vez mais agu-da de sermos extraordinariamente eficientes”, afirmou Leal da Costa, em Coimbra.”

Fonte: Jornal de Notícias, 4 de Junho de 2013

Notícias

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Livros

Autor: Mário Jorge CarvalhoEditora: Vida EconómicaAno: 2013

Gestão em Saúde em Portugal – Uma década perdida

Sinopse: Uma obra que se debruça principalmente sobre as insuficiências ao nível da decisão e as inefi-ciências da gestão estrutural das unidades de saúde.Público-alvo: Especialistas do sector, classe políti-ca dirigente, opinião pública em geral. “Profissionais da saúde em Portugal, nomeadamente àqueles com quem convivi, durante os últimos seis anos, nas de-

zenas de acções de formação que tive a enorme hon-ra de lhes proporcionar. Com eles aprendi sempre quase tudo, principalmente quando, em desalento e frustração, se viram confrontados com uma prática de gestão que só em raros momentos, e infelizmente, acompanhou a extraordinária evolução técnica em excelência do exercício clínico.” (o autor)

Autor: Guilhermina RegoEditora: Vida EconómicaAno: 2011

Gestão Empresarial dos Serviços Públicos Uma Aplicação ao Sector da Saúde (2ª Edição)

Sinopse: “Há hoje a percepção generalizada de que será neces-sário diminuir o peso da despesa pública no PIB se pretendemos aumentar a competitividade da economia portuguesa. Essa per-cepção criou as condições políti-cas para um movimento favorável a privatizações, mas a redefinição das funções que competem ao Estado nunca foi consensual, nem chegou a ser concretizada. Apesar

de não haver uma clara redefinição das funções do Estado, as políticas públicas implementadas ao longo dos últimos anos têm atribuído grande importância à introdução de práticas inovadoras de gestão nos serviços públicos, sendo a saú-de um dos sectores que se desta-cam. O livro agora publicado, de autoria da Prof. Guilhermina Rego, aborda de uma forma aprofunda-da e abrangente a problemática

da gestão empresarial no sector da saúde e, mais especificamente, apresenta evidência empírica so-bre o seu impacto na eficiência do sector hospitalar português. Esta obra, pela sua abrangência e rigor, será de grande utilidade para pro-fissionais do sector da saúde com funções de gestão e estudantes de Economia e Gestão da Saúde.” José da Silva Costa, Professor Ca-tedrático da FEP.

Autor: António Silva TorresEditora: Edição de autorAno: 2010

Caminhos de Gestão em Serviços de Saúde

Sinopse: Esta obra é destinada a todos quantos, in-distintamente da sua especialização ou condição, se interessem por compreender as razões subjacentes ao actual nível de ineficiência dos Serviços da Saúde e quais os caminhos que devem ser seguidos para que se atinjam objectivos ambiciosos de modernização e

competitividade nesta área tão importante de acti-vidade social e económica. Pode-se estar completa-mente a favor ou inteiramente contra as ideias aqui apresentadas sobre as Políticas, os modelos de Ges-tão, as funções do Estado e da sociedade civil. Não se deve porém, é ficar indiferente.

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27Revista Portuguesa de Gestao & Saude • n.º 10 • Julho 2013´~

Sites

O INFARMED, I. P., tem por missão regu-lar e supervisionar os sectores dos medi-camentos, dispositivos médicos e produtos cosméticos e de higiene corporal, segundo os mais elevados padrões de protecção da

saúde pública, e garantir o acesso dos pro-fissionais da saúde e dos cidadãos a medi-camentos, dispositivos médicos, produtos cosméticos e de higiene corporal, de quali-dade, eficazes e seguros.

www.infarmed.pt

Infarmed

Reuters Health provides daily breaking news co-verage of the global phar-maceutical, medical and consumer health sectors.

Timely and authoritative, Reuters Health is a must--have resource for tho-se managing doctor and patient facing websites,

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www.reutershealth.com

Reuters Health

PubMed comprises more than 22 million citations for biomedical literature from MEDLINE, life science journals, and online

books. Citations may include links to full--text content from PubMed Central and publisher we sites.

www.pubmed.com

PubMed

Our vision is that healthcare decision-making throughout the world will be informed

by high-quality, timely re-search evidence. We will play a pivotal role in the

production and dissemina-tion of this evidence across all areas of health care.

www.cochrane.org

Cochrane

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www.spgsaude.pt – “Um palco privile-giado de discussão de todos os assun-tos que se relacionam com a gestão da saúde em Portugal”.É publicada diariamente informação con-siderada relevante que se relaciona com a gestão da saúde no nosso país. Dá destaque

às principais notícias da actualidade, sendo uma página aberta com a possibilidade de comentar e discutir os assuntos em causa.É uma página de acesso fácil, pesquisa rá-pida e completa, inclui revistas das edições anteriores, links e livros sugeridos, entre outras informações.

Aberta à participação de todos os interes-sados.A Sociedade Portuguesa de Gestão de Saú-de encontra-se também nas redes sociais: www.facebook.com/spgsaudeAdira à página e receberá toda a informa-ção de forma rápida e actualizada.

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