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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE DIREITO DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO E PROCESSO CIVIL JOS EVANDRO MARTINS PAZ FUNDAMENTOS JURDICOS DO DIREITO AO ESQUECIMENTO Porto Alegre 2014JOS EVANDRO MARTINS PAZ FUNDAMENTOS JURDICOS DO DIREITO AO ESQUECIMENTO Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Departamento de Direito Privado e Processo Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial para a obteno do grau de Bacharel em Cincias Jurdicas e Sociais. Orientador: Prof. Dr Gerson Luiz Carlos Branco. Porto Alegre 2014 A meus pais, a minha irm e a minha esposa, por ser quem sou e amar a quem amo.AGRADECIMENTOS Meus mais sinceros agradecimentos... Agradeo a Deus pelo Dom da vida e pelas Bnos recebidas. A meus pais, por que me ensinaram a ter valores e ser persistente na busca pelos meus objetivos. A minha esposa pelo companheirismo e pacincia nas ocasies em que o trabalho e a vida acadmica exigiram muito mais de ns do que somente de mim. Ao Professor Doutor Gerson Luiz Carlos Branco pelos ensinamentos e pela disponibilidade em orientar este acadmico nos meandros tericos da Cincia do Direito. Aos professores do Curso de Cincias Jurdicas e Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul pelos conhecimentos transmitidos atravs da prtica docente. S h memria sobre um fundo de esquecimento, este esquecimento ameaador e, contudo, necessrio. Pierre Vidal-NaquetRESUMO Este trabalho objetiva apresentar uma anlise do conceito do Direito ao Esquecimento e os conflitos envolvendo Direito informao e Direito Memria. Considerando que o Direito de ser esquecido parte dos Direitos da Personalidade, este trabalho objetiva examinar sua proteo jurdica na legislao brasileira. Por conclusivo, so apresentadas duas decises do Superior Tribunal de Justia, julgados que versam sobre o Direito ao Esquecimento em programas de Televiso. Pode-se verificar que as decises so restritas aplicao do conceito de Direito ao Esquecimento em casos envolvendo criminosos condenados, quando o interesse de reintegrao supera o interesse da sociedade de ser informada sobre a histria destes indivduos e seus registros criminais. A principal concluso ser possvel identificar e aplicar o Direito ao Esquecimento no ordenamento jurdico brasileiro. Entretanto, necessrio adequar sua aplicabilidade ao caso concreto. Palavras- Chave: Direito ao Esquecimento. Direitos da Personalidade. Direito InformaoABSTRACT This paper aims at providing an analysis on the concept of Right to be Forgotten and the conflicts involving the Right to information and the Right to Memory. Considering that the Right to be Forgotten is part of Rights of Personality, this paper intends to examine its legal protection in Brazilian Law. Conclusively, it is presented two cases from the Superior Court of Justice (STJ), judged that deal with the right to be forgotten on television programs. It was observed that the decisions are restricted to the applicability of this concept in cases involving convicted criminals when the interest of reintegration outweighs the interests of society in being informed about the history of specific individuals and their criminal records. The main conclusion is that it is possible to identify and to apply The Right to be Forgotten in Brazilian Legal Context. However it is necessary to adequate its applicability to the specific case. Key Words: Right to be Forgotten. Rights of Personality. Right to Information.SUMRIO 1INTRODUO.................................................................................................09 2 FUNDAMENTOS JURDICOS DO DIREITO AO ESQUECIMENTO.............12 2.1 A Constituio Brasileira e o Direito ao Esquecimento.............................12 2.2 Direitos da Personalidade.........................................................................16 2.3 Disciplina Legal dos Direitos da Personalidade no Brasil.........................19 3 DESDOBRAMENTOS JURDICOS DO DIREITO AO ESQUECIMENTO.....23 3.1 Direito ao Esquecimento............................................................................23 3.2 Direito ao Esquecimento como uma das faces do Direito Privacidade...............................................................................................28 3.3 Direito Informao e Direito ao Esquecimento......................................32 3.4 Direito Memria e Direito ao Esquecimento..........................................37 3.5 O Direito ao Esquecimento no contexto Brasileiro...................................41 4 TESE DO DIREITO AO ESQUECIMENTO LUZ DE CRITRIOS JURISPRUDENCIAIS........................................................................................43 4.1 Casos do Brasil.........................................................................................43 4.1.1 Recurso especial n. 1.335.153- RJ - Caso Aida Curi.............................44 4.1.2 Recurso Especial n 1.334.097- RJ Caso Chacina da Candelria.....48 4.2 Precedente da Unio Europeia.................................................................51 4.2.1 Caso Google Spain SL e a Google Inc. versus Agencia Espaola de Proteccin de Datos e a M. Costeja Gonzlez.................................53 5 CONCLUSO.................................................................................................59 REFERNCIAS.................................................................................................629 1 INTRODUO Este trabalho pretende abordar questes relacionadas ao Direito ao Esquecimento, assim como os fundamentos jurdicos que permitem seu reconhecimento e sua adequao ao contexto Brasileiro. Nesse sentido, importante observar que a sociedade de informao, em que vivemos, se apresenta multifacetada, bem como o acesso informao se mostra cada vez mais acessvel a diferentes tipos de pblico e de forma extremamente rpida. Por essa razo, o estudioso do Direito se depara com questes e conflitos existentes, por exemplo, entre o direito de ser informado ou de informar num contraponto intimidade, vida privada, evidenciando a maneira como o Direito ao Esquecimento- direito de ser esquecido- pode ser compreendido e aplicado no caso concreto. Quando se aborda a questo do Direito ao Esquecimento, surgem situaes conflituosas no que se refere aos demais direitos juridicamente tutelados. Dentre esses direitos, pode-se mencionar o Direito Informao, o Direito Liberdade de Imprensa e o Direito Memria, por exemplo. Convm mencionar que o acolhimento ao Direito de ser esquecido no pode significar desproporcional cerceamento ao direito a informaes, sob pena de tornar impossvel a manuteno da memria da coletividade, em prejuzo de toda a sociedade. Privilegiar o direito ao esquecimento, sem o exame criterioso do caso concreto, considerando questes de fato e de direito, bem como sem realizar ponderao de valores e princpios, configura atitude temerria, que pode incorrer em ato de manifesta censura. Na doutrina estrangeira, o Direito ao Esquecimento1 tem sido tema recorrente dos debates e discusses no que se tange maneira como a Cincia do Direito e as legislaes internas de cada Estado abordam a questo. Muitas das legislaes estrangeiras, mormente na Unio Europeia j inseriram em seus corpus, questes relativas proteo de dados e informaes pessoais no sentido de evitar sua divulgao indiscriminada. No entanto, o ponto que ganha notoriedade e exige do Direito uma capacidade de evoluo tcnica e procedimental de anlise, diz respeito forma como se tutela o Direito de ser esquecido num contexto mundial de 1 Em ingls o direito ao Esquecimento entendido como The Right to be Forgotten, a doutrina francesa se refere ao Le droit a l'oubli. Na doutrina espanhola, tem-se o chamado Derecho al Olvido e na doutrina Italiana, Diritto alloblio. 10 globalizao e acesso a fontes de informao em diferentes lugares e naes do planeta. Especificamente nesse ponto, a questo jurdica apresenta novos contornos a serem traados, na medida em que a internet possui uma srie de especificidades tecnolgicas e legais que envolvem mais de um Estado e mais de uma forma de controle. O Direito ao Esquecimento encontra-se inserido na disciplina dos Direitos da Personalidade, mais especificamente uma das formas de proteo privacidade, cuja tutela, em aspectos gerais, desde o perodo ps segunda guerra mundial, possui grande importncia nos ordenamentos jurdicos dos Estados Ocidentais, na medida em que considera o ser humano em sua individualidade e em sua subjetividade, devendo ser protegido enquanto tal. No caso do Brasil, os direitos da personalidade foram elevados condio de Direitos Fundamentais, na medida em que foram inseridos no texto da Constituio Federal, incumbindo ao Estado a obrigao de tomar medidas, visando garantir e proteger esses direitos. A matria encontra-se positivada nos artigos 5, X, XI e XII, da Constituio da Repblica e no Cdigo Civil, do artigo 11 ao 21. Outrossim, em recente deciso do Superior Tribunal de Justia, a jurisprudncia brasileira consolida o reconhecimento ao Direito de ser esquecido, na medida em que tal argumento jurdico foi tratado como o cerne das questes que envolviam litgio referente veiculao na mdia televisiva de informaes referentes a pessoas mencionadas em casos criminais famosos. Dessa forma, este trabalho tem o objetivo de apresentar de forma breve e sucinta questes relacionadas ao Direito ao Esquecimento. Para tanto, abordaremos alguns dos fundamentos jurdicos do Direito em comento, identificados na Constituio Federal e no Cdigo Civil. Convm registrar a forma como a matria vem sendo analisada no direito internacional, de maneira que tal situao tambm pode vir a estabelecer balizas para a formao slida e consistente dos precedentes judiciais brasileiros, no que tange o direito das pessoas de no terem suas identidades vinculadas a notcias ou informaes veiculadas nos meios de comunicao ou apresentadas na internet atravs de ferramentas de busca. Nessa linha de pensar, importante, aos operadores do Direito, identificar como a jurisprudncia, mormente os Tribunais Superiores, vem entendendo esta matria to atual, bem como vislumbrar quais as dificuldades encontradas sobre o tema. 11 Por esse motivo, com vistas a observar certos critrios utilizados pela jurisprudncia ptria, este trabalho pretende apresentar os apontamentos mais importantes presentes no Recurso Especial N 1.334.097-RJ e no Recurso Especial 1.335.153-RJ, ambos da lavra no Ministro Luis Felipe Salomo da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justia. Tais casos jurisprudenciais analisaram questes relacionadas a conteno constitucional liberdade de informao, fundada na inviolabilidade da vida privada, intimidade, honra, imagem e, de resto, nos valores da pessoa e da famlia. Tambm foram abordados tpicos relacionados prevalncia do Direito informao quando o caso tratar de matria reconhecidamente histrica e que envolva o direito da sociedade de manter a sua memria histrica e social. Destaca-se tambm que, consideradas as interpretaes dadas matria no direito estrangeiro, busca-se identificar a aplicabilidade do direito ao esquecimento no contexto jurdico brasileiro, decorrente no s dos princpios de direitos fundamentais, como tambm do direito positivo infraconstitucional e, neste ponto, considera-se aspectos que reforam as previses legais do ordenamento jurdico brasileiro, os quais buscam a estabilidade do passado e a previsibilidade para o futuro. Por essa razo, este trabalho apresentar tambm o caso apreciado pelo Tribunal de Justia da Unio Europeia e que tratou do reconhecimento e da aplicabilidade do Direito de ser esquecido no mbito dos sites de busca da internet ainda que envolvam empresas de alcance internacional, como a Google. O caso a ser apresentado refere-se ao processo C-131/12- Google Spain SL, Google Inc. contra Agencia Espaola de Proteccin de Datos (AEPD), Mario Costeja Gonzlez. Neste caso, a Corte entendeu ser possvel a aplicao do Direito ao Esquecimento, analisadas as condies especficas do caso concreto e consideradas a adequada ponderao entre os direitos envolvidos.12 2 FUNDAMENTOS JURDICOS DO DIREITO AO ESQUECIMENTO O Direito ao Esquecimento pode ser considerado uma das possibilidades de resguardar a privacidade e a dignidade da pessoa humana, numa poca em que o acesso informao amplo e praticamente irrestrito. Nesse sentido, existe a necessidade verificar sua adequao ao ordenamento jurdico do Brasil, bem como os fundamentos que permitem o reconhecimento desse direito, considerando em sua relao com outros direitos. 2.1 A Constituio Brasileira e o Direito ao Esquecimento Preliminarmente, h que se compreender o processo de 'constitucionalizao' do Direito Civil e a 'civilizao' do Direito Constitucional. Para que se consiga analisar o instituto jurdico do Direto ao Esquecimento, h que se partir da premissa que tal direito se insere no mbito do Direito Civil e, portanto, regido pelos princpios e regras inerentes a esse ramo do Direito. Para tanto, h que se ter em mente que os Estados de Direito contemporneos baseiam sua estrutura e sua forma de existir na constitucionalizao de Direitos Fundamentais, de maneira que a hermenutica jurdica deve partir da viso unitria do ordenamento. Segundo Pietro Perliengieri, a distino entre Direito Pblico e Direito Privado, que j os Romanos tinham dificuldade em definir, substanciada ora na natureza pblica do sujeito titular dos interesses, ora na natureza pblica e privada dos interesses. Em uma sociedade como a atual, torna-se difcil individuar um interesse particular que seja completamente autnomo, independente, isolado do interesse dito pblico. As dificuldades de traar linhas de fronteira entre direito pblico e privado aumentam, tambm, por causa da cada vez mais incisiva presena que assume a elaborao dos interesses coletivos como categoria intermediria [...] ( PERLIENGIERI, 2007, p.53). Ainda conforme o autor, a seara do Direito Civil, tradicionalmente marcada pela livre manifestao da vontade das partes, tem suas fronteiras invadidas e incorporadas pela influncia do Direito Pblico, destacadamente o Direito Constitucional. Outrossim, segundo Perliengieri 13 Diante da aplicao destas tcnicas no mbito do Direito Civil, normalmente visto como setor da livre vontade dos sujeitos, entra em crise a comum sistemtica do direito subdividido em privado e pblico. Tcnicas e institutos nascidos no campo do direito privado tradicional so utilizados naquele do direito pblico e vice-versa, de maneira que a distino, neste contexto, no mais qualitativa, mas quantitativa. Existem institutos em que predominante o interesse dos indivduos, mas , tambm, sempre presente o interesse dito da coletividade e pblico; e institutos em que, ao contrrio, prevalece, em termos quantitativos, o interesse da coletividade, que sempre funcionalizado, na sua ntima essncia, realizao de interesses individuais e existenciais dos cidados.(PERLIENGIERI,2007,p.54) nessa linha de raciocnio que se apresenta a questo do Direito ao Esquecimento, pois, ao postul-lo como razes da causa de pedir, os indivduos colocam, em posies opostas, direitos constitucionalmente tutelados como o direito informao, enquanto manifestao do direito de informar, ser informado e manter a memria coletiva de um povo; e um direito da personalidade, enquanto manifestao intimidade, privacidade e ao direito de no ter subjetividade invadida. Essa situao de conflito aparente entre questes de direito privado e questes de direito pblico acabam por motivar uma anlise menos segregria entre as diferentes reas. Convm mencionar ainda que o Estado da atualidade no deve ser marcado por aquela clssica relao entre cidado e Estado, onde o vnculo que se estabelece de subordinao ou de manuteno da ordem pblica, pois, em diferentes ocasies h de se fazer valer o compromisso constitucionalmente de respeitar os direitos individuais do sujeito, promovendo-os e buscando possibilitar de maneira efetiva a titularidade e o exerccio pleno de direitos. Como j destacado anteriormente, a base do Direito ao Esquecimento a mesma dos Direitos da Personalidade, pois aquele se insere no rol das espcies deste, mais especificamente no mbito daquilo que concebido como Direito privacidade. Convm mencionar que, de maneira mais ampla, possvel afirmar que os direitos da Personalidade se inserem dentro do princpio fundamental da Dignidade da Pessoa Humana. A Constituio de 1988 abriu espao para que matrias, tais como os Direitos da Personalidade, fossem abordadas de uma perspectiva constitucional. Como evidenciado anteriormente, tal fato no constitui trao especfico e nico da legislao brasileira; manifesta-se, na verdade, forte tendncia que norteou a elaborao das Constituies em diferentes Estados, aps as barbries cometidas durante a vigncia do Nazismo e a segunda guerra mundial, perodo no qual a falncia da alegada racionalidade e objetividade da cincia, inclusive, da Cincia Jurdica, no tinham sido 14 suficientes para impedir o rumo tomado pelas diferentes naes, qual seja, a direo da destruio em massa de vidas humanas.2 O discurso cientfico muitas vezes ou foi silente ou, em ocasies piores foi legitimador das atrocidades, pois, sob alegada racionalidade e argumentos ' jurdico-cientficos', tentaram justificar o injustificvel. Dessa perspectiva, o ser humano teve de ser considerado na sua subjetividade e na sua identidade, enquanto valores a serem tutelados. Dessa forma, com o objetivo de evitar que o ciclo de terror se repetisse, os constituintes buscaram inserir nos textos constitucionais previso normativa que abarcasse a valorizao do ser humano, enquanto tal, buscando evitar que novos argumentos supostamente cientfico-racionais, acabassem por ferir o ser humano, naquilo que lhe essencial, sua condio humana, sua dignidade humana. Por essa razo, a Constituio Brasileira elevou a dignidade da pessoa humana posio de destaque no ordenamento jurdico, de maneira que esta se encontra no texto da Magna Carta, entre os fundamentos da Repblica: Art. 1 A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrtico de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana. Assim, a base constitucional dos Direitos da Personalidade, juridicamente expressos a partir de 1988, possibilitou aos referidos direitos terem, alm de carter de direitos fundamentais, tambm a proteo jurdica do Estado ao nvel de clusulas ptreas. A Constituio Federal de 1988 disciplina em seu artigo 5, inciso X, a inviolabilidade da honra, da intimidade, a vida privada e a imagem das pessoas, sendo assegurado o direito indenizao pelo dano material ou moral causado quando da violao destes direitos.3 Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, 2 MELLO. Claudio Ari Mello. Contribuio para uma teoria hbrida dos direitos da personalidade. In O novo Cdigo Civil e a Constituio. Org Ingo Wolfgang Sarlet, p.69-83. 3 Idem nota 2. 15 garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes: [...] X - so inviolveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenizao pelo dano material ou moral decorrente de sua violao; Considerados como Direito Fundamental, os Direitos da Personalidade e, portanto, o Direito ao Esquecimento, devem ser analisados sob a perspectiva da anlise do caso concreto e do sopesamento entre os diferentes direitos envolvidos na controvrsia. Ademais, em termos de direitos fundamentais, h que se resguardar com todos dos mecanismos possveis do ordenamento jurdico, social e poltico os valores e princpios que evitem seu cerceamento ou violao. No h falar que os Direitos fundamentais sejam absolutos; no entanto, tem-se a convico de que existe a necessidade e o dever de ponderao sobre a preponderncia de determinado valor sobre outro. Como nos ensina Norberto Bobbio, em sua obra A Era dos Direitos, No se trata de encontrar o fundamento absoluto - empreendimento sublime, porm desesperado -, mas de buscar, em cada caso concreto, os vrios fundamentos possveis. Mas tambm essa busca dos fundamentos possveis- empreendimento legtimo e no destinado, como o outro, ao fracasso- no ter nenhuma importncia histrica se no for acompanhada pelo estudo das condies, dos meios e das situaes nas quais este ou aquele direito pode ser realizado (BOBBIO, 2004, p. 43-44). Bem se v, pelos ensinamentos de Bobbio, que necessrio ponderar quais so os bens jurdicos efetivamente tutelados e a maneira como ser aplicada a letra da lei ao caso concreto, dentro de um contexto histrico e social especfico. Percebe-se que mais do que definir o bem jurdico ou o direito fundamental absoluto, importa delimitar quais os fundamentos possveis e qual aquele que se deve tutelar. Subsumir tutela do Direito ao esquecimento qualquer pedido de retirada ou supresso de informaes pessoais dos meios de comunicao, de forma indiscriminada e sem ponderao, pode incorrer em posicionamento retrgrado no que se refere ao Direito de acesso informao ou a Liberdade de Imprensa, conquistadas a duras penas em muitos Estados contemporneos. Por outro lado, elevar ao carter de absolutos o Direito informao ou a Liberdade de Imprensa, 16 pode constituir em grave afronta ao direito dos indivduos no interior da sua vida privada ou de sua subjetividade. Nesse sentido, reitera-se a necessidade de anlise criteriosa do caso concreto. Essa ponderao entre os direitos envolvidos no caso, sob anlise, deve ter claro que a subjetividade do indivduo, manifestada atravs de sua personalidade, e a tutela desses direitos; nem sempre estiveram presentes nos ordenamentos jurdicos, o que evidenciou a clara incapacidade que o Estado teve, durante sculos, de assegurar direitos fundamentais apenas considerando-os sob a tica liberal de que no se deve impedir aes individuais e no se devem afetar e/ou eliminar propriedades e situaes ou posies jurdicas.4 Por essa razo, no suficiente que o Estado tenha uma postura negativa nas relaes privadas, porquanto a falibilidade comprovada dessa maneira de lidar com os direitos fundamentais foi evidente diante das inmeras violaes de direitos ocorridas em uma poca em que essa era a postura do Estado. Com isso, a tutela efetiva dos direitos fundamentais somente acontecer se o Estado, alm de respeitar as liberdades individuais e o princpio da autonomia da vontade, se utilizar de instrumentos para possibilitar a prtica constante desses direitos. No que se refere ao direito de no ter informaes pessoais veiculadas em meios de divulgao de massa, o Estado deve enfrentar essas questes e tomar postura que busque valorizar o indivduo frente aos interesses de grandes conglomerados de comunicao de massa e de acesso Internet. 2.2 Direitos da Personalidade Em meados da segunda metade do sculo XIX, a sociedade europeia estava marcada por problemas de abusos e falta de regramento estatal nas relaes entre as pessoas, evidenciando situaes de explorao e de conflito social. No entanto, a forma como os Direitos do Homem eram entendidos permeava a valorizao extrema da Liberdade, no no sentido pleno do termo, mas liberdade numa perspectiva do homem em relao ao Estado. Por esse motivo, ao Estado cabia somente propiciar as condies para que os indivduos fossem livres.5 Esse era o pensamento liberal que era vigente poca, de tal forma que, a essncia desse 4 Ibidem nota 2. 5 SCHEREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2.ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2013. 17 projeto foi inserida no art. 4 da Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, que nos apresenta Art. 4. A liberdade consiste em poder fazer tudo que no prejudique o prximo. Assim, o exerccio dos direitos naturais de cada homem no tem por limites seno aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei. 6 Nesse contexto histrico, comeam a surgir as primeiras nuances e concepes sobre os direitos da personalidade. Schreiber nos ensina que expresso Direitos da Personalidade foi concebida por jusnaturalistas franceses e alemes para designar certos direitos inerentes ao homem, tidos como preexistentes ao seu reconhecimento por parte do Estado.(SCHREIBER, 2013, p. 05). Tais direitos eram considerados como essenciais condio humana a ponto de que o no reconhecimento desses direitos ou a sua violao acarretarem em uma situao da prpria negativa do reconhecimento do ser humano, enquanto tal. Ainda no que se refere ao perodo de formao do conceito de direitos da personalidade, Gustavo Tepedino leciona que A categoria dos direitos da personalidade constitui-se, portanto, em construo recente, fruto de elaboraes doutrinrias germnica e francesa da segunda metade do sculo XIX. Compreendem-se, sobre a denominao de direitos da personalidade, os direitos atinentes tutela da pessoa humana, considerados essenciais sua dignidade e integridade. (TEPEDINO, 2004, p.24) Nesse sentido, havia a concepo dos direitos da personalidade, considerados como absolutos, imprescritveis, inalienveis e indisponveis, de maneira que tais atributos esto presentes na atual codificao brasileira. Alm disso, os direitos da personalidade devem ser considerados como indissociveis da pessoa humana, do indivduo, o qual deveria ser protegido em sua relao com outros seres humanos, mormente no avano constante de explorao do homem pelo prprio homem.7 Conforme Tepedino (2004, p. 26-27), as crticas seriam, paulatinamente 6 Dclaration des Droits de l'Homme et du Citoyen de 1789- Art. 4. La libert consiste pouvoir faire tout ce qui ne nuit pas autrui : ainsi, l'exercice des droits naturels de chaque homme n'a de bornes que celles qui assurent aux autres Membres de la Socit la jouissance de ces mmes droits. Ces bornes ne peuvent tre dtermines que par la Loi. In http://www.legifrance.gouv.fr/Droit-francais/Constitution/Declaration-desDroitsdelHommeetduCitoyen-de-1789. Acesso em: 06 set 2014. 7 Idem nota 5. 18 superadas e estudos demonstrariam que a noo de personalidade deveria ser considerada sob dois aspectos distintos, quais sejam, o aspecto subjetivo, segundo o qual possvel identificar a capacidade que tem toda pessoa (fsica ou jurdica) de ser titular de direitos e obrigaes e o outro aspecto a ser considerado seria o objetivo, contudo, tem-se a personalidade como conjunto de caractersticas e atributos da pessoa humana, considerada como objeto de proteo por parte do ordenamento jurdico(TEPEDINO,2004, p.27). Nesse ltimo sentido que se fala em direitos da personalidade. Ainda nesse vis, convm mencionar que a sociedade burguesa, a qual idealizou os direitos do homem, e, no seio da qual, se destacaram a primeira gerao de direitos fundamentais; pressupunha o centro dos direitos subjetivos focado na proteo da propriedade- concepo tipicamente burguesa e de extrema relevncia na poca. A codificao civil restringia-se a tutelar o direito de propriedade e a regular a atividade econmica do homem-proprietrio.8 Dessa forma, essa codificao tipicamente patrimonialista deixava o homem relegado margem do interesse da lei e do operador do direito. O homem, enquanto ser, caracterizado por sua diversidade e complexidade, evidenciado atravs de elementos intrnsecos humanidade essencial da pessoa, isto , sua personalidade, a dimenso existencial da subjetividade humana, no encontrava na codificao da poca o amparo e direito tutela jurisdicional que deveria receber. Com a evoluo da mudana de paradigma central da codificao, do homem proprietrio para o homem-ser, tem-se a chamada personalizao do Direito Civil, marcado pelo surgimento dos direitos da personalidade, alm de expressar a percepo da existncia da subjetividade, a qual pressupe tambm a tomada de conscincia da vulnerabilidade da subjetividade.9 Ademais, no dizer de Gustavo Tepedino Poucos temas revelam maiores dificuldades conceituais quanto os chamados direitos da personalidade. De um lado, os avanos da tecnologia e dos agrupamentos urbanos expem a pessoa humana a novas situaes que desafiam o ordenamento jurdico, reclamando disciplina; de outro lado, a doutrina parece buscar em paradigmas do passado as bases para solues das controvrsias que, geradas na sociedade contempornea, no se ajustam aos modelos nos quais se pretende enquadr-las. (TEPEDINO,2004, p.23-24) 8 MELLO, Claudio Ari. Contribuio para uma teoria hbrida dos direitos da personalidade. In O novo Cdigo Civil e a Constituio. Org Ingo Wolfgang Sarlet, p.69-83. 9 Idem nota 8. 19 Bem se v das consideraes de Tepedino que a matria relacionada conceituao dos direitos da personalidade se apresenta como difcil, mormente quando verificados os avanos tecnolgicos da sociedade de informao. No caso da anlise do Direito de ser esquecido, enquanto manifestao da proteo da subjetividade dos indivduos, com muito mais razo se apresenta como problemtica essa inter-relao entre as novas tecnologias de acesso informao e o controle deste acesso ou dessa disseminao. Tal contexto enseja, alm de mera positivao e anlise jurdica, recursos de ordem tcnica, poltica e econmica. 2.3 Disciplina Legal dos Direitos da Personalidade no Brasil No caso do Direito Brasileiro, o Cdigo Civil de 1916 no continha qualquer referncia aos Direitos da Personalidade. Tal fato talvez tenha ocorrido, pois, como destacado anteriormente, no final do sculo XIX, os direitos da personalidade ainda estavam sendo delineados pela doutrina. Antes da positivao dos Direitos da Personalidade na legislao infraconstitucional, isto , no Cdigo Civil de 2002, a doutrina brasileira havia se debruado sobre a matria, tendo sido abordada pelo Anteprojeto de Cdigo Civil de 1963, elaborado pelo Professor Orlando Gomes10. Ademais, com o perodo aps a segunda guerra mundial, ocorreu gradual e paulatinamente a chamada publicizao do privado11, de maneira que as Constituies, elaboradas aps aquele perodo, foram inserindo, nos seus corpus, aspectos e questes originariamente de Direito Privado. No Brasil, com o processo de redemocratizao e os novos ares trazidos pela Constituio Federal de 1988, houve a necessidade de reajustar a codificao civil, ao longo da dcada de 90, aos preceitos estabelecidos na Carta Magna, referentes aos direitos da personalidade. Com a codificao de 1916, ainda atrelada aos valores e princpios ditados pelo esprito burgus patrimonialista, calcado na pretensa ideia de sistematizao das relaes privadas da perspectiva da propriedade; direitos fundamentais como proteo honra, a imagem ou a vida privada estavam margem da legislao privada infraconstitucional. Em 2002, vem tona o novo Cdigo Civil, que tratou especificamente dos 10 DE ANDRADE, Fbio Siebeneichler. Consideraes sobre a Tutela dos Direitos da Personalidade no Cdigo Civil de 2002. Org. Ingo Wolfgang Sarlet (p.103). 11 Idem citao 10. 20 direitos da personalidade entre os seus arts. 11 a 2112. Contudo, como nos ensina Anderson Schreiber (2013, p.11) um Cdigo Civil excessivamente apegado ao passado e, no obstante, registra que 'a inaugurao de um captulo dedicado proteo da pessoa, em seus aspectos essenciais, deve ser interpretada como afirmao do compromisso de todo o direito civil com a tutela e a promoo da personalidade humana13. O autor destaca, contudo, que, contaminado pelo esprito do seu tempo, o Cdigo Civil de 2002 acabou tratando dos direitos da personalidade de modo excessivamente rgido e puramente estrutural. Muitos dos dispositivos dedicados ao tema trazem solues absolutas, definitivas, fechadas, que, [...] no se ajustam bem realidade contempornea e prpria natureza dos direitos da personalidade, dificultando a soluo de casos concretos.14 Ainda como forma de evidenciar os traos que delineiam o conceito desses 12 O Cdigo Civil apresenta o Captulo II Dos Direitos da Personalidade: Art. 11. Com exceo dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade so intransmissveis e irrenunciveis, no podendo o seu exerccio sofrer limitao voluntria. Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaa, ou a leso, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuzo de outras sanes previstas em lei. Pargrafo nico. Em se tratando de morto, ter legitimao para requerer a medida prevista neste artigo o cnjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral at o quarto grau. Art. 13. Salvo por exigncia mdica, defeso o ato de disposio do prprio corpo, quando importar diminuio permanente da integridade fsica, ou contrariar os bons costumes. Pargrafo nico. O ato previsto neste artigo ser admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial. Art. 14. vlida, com objetivo cientfico, ou altrustico, a disposio gratuita do prprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. Pargrafo nico. O ato de disposio pode ser livremente revogado a qualquer tempo. Art. 15. Ningum pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento mdico ou a interveno cirrgica. Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome. Art. 17. O nome da pessoa no pode ser empregado por outrem em publicaes ou representaes que a exponham ao desprezo pblico, ainda quando no haja inteno difamatria. Art. 18. Sem autorizao, no se pode usar o nome alheio em propaganda comercial. Art. 19. O pseudnimo adotado para atividades lcitas goza da proteo que se d ao nome. Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessrias administrao da justia ou manuteno da ordem pblica, a divulgao de escritos, a transmisso da palavra, ou a publicao, a exposio ou a utilizao da imagem de uma pessoa podero ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuzo da indenizao que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Pargrafo nico. Em se tratando de morto ou de ausente, so partes legtimas para requerer essa proteo o cnjuge, os ascendentes ou os descendentes. Art. 21. A vida privada da pessoa natural inviolvel, e o juiz, a requerimento do interessado, adotar as providncias necessrias para impedir ou fazer cessar ato contrrio a esta norma. 13 SCHEREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2.ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2013. 14 Aqui cabe uma considerao importante, no que se refere aos exemplos recentes da jurisprudncia brasileira. No ano de 2013, no mbito do Superior Tribunal de Justia, decises contidas no Resp 1.334.097- RJ e no Resp 1.335.153-RJ, reconheceu a possibilidade de adequao jurdica do Direito ao Esquecimento ao ordenamento jurdico brasileiro. O julgamento ficou restrito especificamente para o caso de publicaes na mdia televisiva, informando que o debate ganharia contornos bem diferenciados quando transposto para internet, pois considerava, neste caso, a necessidade de solues de ndole tcnica, com ateno, por exemplo, para a possibilidade de compartilhamento de informaes e circulao internacional do contedo. 21 direitos por grande parte da doutrina brasileira, convm mencionar o enunciado da VI Jornada de Direito Civil, que apresenta Os direitos da personalidade, regulados de maneira no exaustiva pelo Cdigo Civil, so expresses da clusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1., III, da Constituio (princpio da dignidade da pessoa humana). Nessa linha de pensar, percebe-se que a doutrina entende os direitos da personalidade sob a gide do princpio da dignidade da pessoa humana. Por essa razo, convm destacar que a tutela desses direitos deve ser estendida gama de direitos da personalidade expressamente previstos, e, tambm ao conjunto de fatos que no esto expressamente previstos na lei. Como destaca Flvio Tartuce, existem outros direitos da personalidade tutelados no sistema, como aqueles constantes do Texto Maior. O rol do Cdigo Civil meramente exemplificativo (numerus apertus) e no taxativo (numerus clausus)(TARTUCE, 2014, p. 87). Nesse sentido, a considerar o rol apresentado pelo Cdigo Civil de 2002 como meramente exemplificativo, temos que o Direito ao Esquecimento, enquanto nuance dos direitos da personalidade se mostra de extrema relevncia no mbito da tutela dos direitos do cidado, de maneira que plenamente aceitvel o seu reconhecimento no contexto jurdico da atualidade, na medida em que permite ao operador do direito lidar com novas realidades e formas de controvrsia. Convm mencionar que a personalidade como conjunto de caractersticas e atributos da pessoa humana, entendida como objeto de proteo por parte do ordenamento jurdico, evidencia que a pessoa, vista deste ngulo, h de ser tutelada das agresses que afetam a sua subjetividade, existindo, portanto, situaes jurdicas subjetivas oponveis contra todos. Na legislao infraconstitucional brasileira, a proteo dos direitos da personalidade encontra-se prevista no comando legal contido no artigo 12 do Cdigo Civil, que possibilita a tutela geral da personalidade15, viabilizando as pessoas o direito de exigir que cesse a ameaa ou a leso; a direito da personalidade, alm de possibilitar a reclamao por perdas e danos. Por essa razo, possvel inferir da norma que, o sistema jurdico-legal proporciona pessoa possibilidade de peticionar medidas judiciais e extrajudiciais 15 Art. 12, caput, do Cdigo Civil: Pode-se exigir que cesse a ameaa, ou a leso, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuzo de outras sanes previstas em lei. Pargrafo nico. Em se tratando de morto, ter legitimao para requerer a medida prevista neste artigo o cnjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral at o quarto grau. 22 para que cesse a leso ou a ameaa, evidenciando o princpio da preveno e o princpio da reparao integral de danos. Dessa forma, a tutela do Direito ao Esquecimento possibilita a pessoa, que sentir-se prejudicada por determinado ato ou veiculao de informao a seu respeito, o direito de exigir que tal atitude cesse ou a reparao do dano j causado. 23 3 DESDOBRAMENTOS JURDICOS DO DIREITO AO ESQUECIMENTO Ao considerar as novas situaes e controvrsias que ocorrem no seio das relaes humanas, inseridas numa sociedade de informao, a qual possui a internet como principal elemento de disseminao de dados; surge para o operador do direito a necessidade de adaptao e anlise de conceitos jurdicos que devam ser cunhados ou revisitados para fins de oferecer a tutela de direitos adequada. Nesse sentido, fundamental analisar os desdobramentos jurdicos do direito de ser esquecido. 3.1 Direito ao Esquecimento No contexto atual de ps-modernidade, o acesso s informaes e a rapidez como ocorre a disseminao de dados, mormente atravs de recursos provenientes da internet e das redes sociais; uma questo se torna cada vez mais presente no mbito jurdico e diz respeito soluo de conflitos que surgem, por exemplo, entre direitos da personalidade, tais como intimidade, honra, privacidade e o direito informao, por exemplo; compreendido como a manifestao do direito de informar e de ser informado. Este ltimo entendido ainda como a evidncia da manifestao livre do direito memria da coletividade, da memria social.16 O surgimento da imprensa, no sculo XV, revolucionou o acesso informao e possibilitou, na sociedade da poca, a disseminao de conhecimento e dados em massa. Com o surgimento e popularizao da internet, conjuntamente com todas facilidades e caractersticas de acesso informao que lhe so inerentes, o mundo se depara com uma realidade na qual o conhecimento transmitido e disseminado em alta velocidade e da forma mais ampla e democrtica possvel.17 16 Tmis Limberger, em seu artigo As Informaes Armazenadas pela Instituio Bancria e o Direito Intimidade do Cliente, nos apresenta que o progresso tecnolgico e o direito informao conferem novos aspectos intimidade. O direito informao encontra limites, s vezes, em alguns direitos fundamentais, entre eles a intimidade ou ao contrrio. Nos casos concretos se faz um cotejo entre os interesses pblicos e privados, a fim de determinar o preponderante. Estando os computadores presentes na vida quotidiana das pessoas, natural que isso traga implicaes no mundo jurdico em muitos aspectos. As transformaes fticas na sociedade implicam no desenvolvimento ou criao de novos direitos. em Revista de Direito do Consumidor. Vol. 43 - p. 273, 2002. 17 DE MELO.Patrcia Bandeira.Um passeio pela Histria da Imprensa: O espao pblico dos grunhidos ao ciberespao. Revista Comunicao & informao, da Faculdade de Comunicao e Biblioteconomia da Universidade Federal de Gois, V. 8, n. 1, (jan./ jun. 2005). 24 Importante destacar que o direito ora em anlise no pressupe a prerrogativa de retirar da linha temporal fatos relacionados a si ou a outrem, no entanto, o que se apresenta a necessidade de equilbrio entre a manuteno desses dados e o seu impacto na vida das pessoas durante um longo perodo de tempo. Partindo do princpio de que as pessoas possuem o direito de resguardar e controlar seus dados e informaes pessoais atuais com base em direitos fundamentais da personalidade, constitucionalmente garantidos, no h empecilho a cercear o direito de pleitear a tutela jurisdicional para impedir que fatos pretritos voltem constantemente tona, sob alegao de manuteno da memria social. Nessa linha de pensar, nos apresenta Schreiber O que o direito ao esquecimento assegura a possibilidade de se discutir o uso que dado aos fatos pretritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que so lembrados. E no raro o exerccio do direito de esquecimento impe ponderao com o exerccio de outros direitos, como a liberdade de informao, sendo certo que a ponderao nem sempre se resolver em favor do direito ao esquecimento. (SCHREIBER, 2013, p. 171-172). Joris Van Hoboken (2013, p.02), ao analisar questes relacionadas ao Direito ao Esquecimento18, sob perspectiva da liberdade de expresso, no contexto da Unio Europeia, nos apresenta que o chamado The Right to be forgotten, atualmente muito debatido como o Direito de ser Esquecido19, principalmente pelas nuances caractersticas da era digital, no um conceito atual. Em perodos anteriores ao momento em que vivemos, esse instituto jurdico j esteve presente em contextos legais especficos. Van Hoboken destaca que o Direito ao Esquecimento de certa maneira se tornou um termo ambguo, na medida em que pode ser visto de duas perspectivas. A primeira, segundo o pesquisador, diz respeito concepo que vrios Estados Membros da Unio Europeia apresentam em seus corpus 18 HOBOKEN, Joris Van. The Proposed Right to be Forgotten Seen from the Perspective of Our Right to Remember, Freedom of Expression Safeguards in a Converging Information Environment, June 2013. Prepared for the European Commission. Amsterdam, June 2013. In http://www.law.nyu.edu/sites/default/files/upload_documents/VanHoboken_RightTo%20Be%20Forgotten_Manuscript_2013.pdf. Acesso em: 05 out 2014. 19 Traduo livre do autor. Pode ser entendido to somente como Direito ao Esquecimento. No contexto do trabalho de Joris Van Hoboken, tal diferenciao se fez necessria, haja vista o pesquisador elencar outras nomenclaturas apresentadas anteriormente para o instituto jurdico em questo. Segundo o autor, The concept of a right to be forgotten as such is not new. It has been explored in various specific legal contexts and under different qualifications, such as the right to have information deleted1, the right to oblivion, and social forgetfulness (HOBOKEN,2013, p.2). 25 normativos, qual seja, vrios Estados Europeus j conhecem o Direito ao Esquecimento em suas Leis de Imprensa como uma restrio legal de publicaes relativas a fatos ou eventos histricos. Tipicamente, esse direito somente aplicvel em contextos muitos especficos e restringem os limites legais para publicaes sobre criminosos condenados, quando o interesse da reintegrao prevalecer sobre o interesse da sociedade de ser informada sobre a histria de indivduos especficos e seus arquivos criminais20. possvel inferir que, nesse vis conceitual, o direito em comento se restringe aos efeitos civis oriundos da seara penal, garantindo ao condenado, que cumpriu sua pena, o direito de reinsero social sem que os meios de veiculao de informaes continuem a manter viva a imagem negativa de culpado, mesmo aps ter pago sua dvida com a sociedade, pois parte-se do princpio de que todos tem o direito de reabilitao e de reinsero social. Ademais, o autor explica que essa viso clssica do Direito ao Esquecimento, qual seja, aquela que evidencia a origem desse direito, no seio do direito penal, como forma de possibilitar a reintegrao social do condenado, cuja pena j tenha sido cumprida, em detrimento do direito da sociedade de ser informada sobre fatos histricos; no capaz de abarcar a realidade da Sociedade de informao como delineada atualmente, calcada na amplitude, na velocidade e no livre acesso, prprios da internet, dos provedores de busca e das redes sociais.21 Uma outra abordagem diz respeito ao fato de que, na ltima dcada, mormente, desde a grande massificao do acesso internet, as discusses sobre o direito ao esquecimento ganham destaque no que se refere a forma de reao e controle das novas maneiras de publicizao de dados e de acesso informao, nessa realidade da era digital, na qual a internet nunca esquece22. Dessa forma, o autor nos apresenta que o Direito ao Esquecimento, nesse 20 First, various Member States already know a right to be forgotten in their media laws as a restriction on the legality of publishing about historic events.5 Typically, this right is only applicable in very specific contexts and restricts the legality of publishing about convicted criminals when the interest of reintegration outweighs the interests of society in being informed about the history of specific individuals and their criminal record(s). 21 Segundo o autor, The right is based on a broad interpretation of the right to personality.Notably, this classical right to be forgotten affects the legality to publish again about historic events, such as someones wrongdoing in the past. Typically, it does not affect the legality of historic publications themselves. In other words, these more classic doctrines do not answer the question what rules apply to making historic publications available online and allowing them to be indexed by search engines. 22 There is a general unease that the Internet never forgets; the underlying idea and assumption being that the default has shifted from forgetting to remembering. 26 debate, pode ser entendido como uma proposta para lidar com as novas formas de publicidade de informaes, extremamente facilitadas pela rede mundial dos computadores. Deste modo, essa concepo jurdica pode ser compreendida como uma proposta para aumentar a abrangncia do direito ao esquecimento j existente na legislao referente mdia, analisado em relao a outros meios utilizados para tornar informaes pessoais acessveis.23 Significa dizer que esta concepo de Direito ao Esquecimento serve para abarcar outras situaes que envolvam novas tecnologias de disseminao do conhecimento e que as leis vigentes, poca de sua elaborao, no tenham previsto. Por esse motivo, o direito de ser esquecido perpassa diferentes reas da existncia humana numa sociedade de informao, de maneira que novas formas de abordagem do tema devem ser desenvolvidas, incluindo novas tcnicas e recursos tecnolgicos, inclusive, com vistas a tornar efetiva a tutela desse direito fundamental. As controvrsias que se mostram mais recorrentes e problemticas dizem respeito inteno da parte de remover da internet, ou dos sites de busca, resultados que remetam a pessoa ou a fatos relativos a sua identidade, as quais no tem interesse de que sejam retomadas ou acessadas. Relaciona-se com a ideia de que o indivduo tem direito de controlar e limitar a circulao de informaes a seu respeito. Anderson Schreiber, ao se debruar sobre a matria, em sua obra Direitos da Personalidade, tambm expe que a internet inovou a forma como as informaes se tornam acessveis, bem como o tempo que essas informaes permanecem passveis de serem revisitadas constantemente sempre que uma pessoa tenha acesso ferramenta de busca adequada. Ademais, a possibilidade de criar e divulgar informaes, verdadeiras ou no, tambm foi extremamente ampliada, possibilitando que o compartilhamento em rede se torne uma constante na divulgao de informao, A internet no esquece. Ao contrrio dos jornais e revistas de outrora, cujas edies antigas se perdiam no tempo, sujeitas ao desgaste do seu suporte fsico, as informaes que circulam na rede ali permanecem indefinidamente. Pior: dados pretritos vm tona com a mesma clareza dos dados mais recentes, criando um delicado conflito no campo do direito. De 23 Put differently, the right to be forgotten in these discussions can be understood as a proposal to deal with new forms of publicity (or public accessibility) over time facilitated by the Internet and the Web. Thus, it can be seen as a proposal to broaden the existing right to be forgotten in media law discussed above to other practices of making information about people publicly available. 27 um lado, certo que o pblico tem direito a relembrar fatos antigos. De outro, embora ningum tenha direito de apagar os fatos, deve-se evitar que uma pessoa seja perseguida, ao longo de toda a vida, por um acontecimento pretrito ( SCHREIBER, 2013, p. 170). De fato, a internet agrega o trao da perenidade s informaes que permite circular, de maneira que se torna quase incontrolvel a restrio dos arquivos. Na medida em uma pessoa tenha armazenado o arquivo, a partir da primeira disponibilizao de dados, j no existe mais a certeza de esse indivduo no v compartilhar ou manter em seus arquivos indefinidamente aquelas informaes. Ademais, a localizao, a nacionalidade, a formao scio-cultural dos usurios da internet dificultam identificao de um perfil do detentor daquela informao. Junte-se a isso o fato de as legislaes que regem a matria no so uniformes e no possuem abrangncia global. Em pocas mais distantes, o controle a divulgao de informao poderia ocorrer, por exemplo, atravs de um instrumento como o Index Librorum Prohibitorum24 da Igreja Catlica, do sculo XVI. No entanto, a rede mundial de computadores, a evoluo dos sites de busca e a massificao das redes sociais tornam impensveis formas de controle nesse ambiente que se tornem efetivas sem agredir direitos fundamentais como liberdade de expresso e de acesso informao. Ademais, muitas vezes, h um estmulo muito grande em fazer com que as pessoas exponham sua intimidade, de diferentes maneiras, principalmente atravs da internet e das redes sociais, de forma que, em muitos casos, a exposio exagerada ou desnecessria vista como algo comum e 'normal' no contexto da sociedade de informao. O hbito da recluso e do resguardo da vida privada parecem caracterizar retrocesso comportamental em uma sociedade to adepta a mudanas constantes calcadas no sentimento de vrias verdades possveis. 24 O Index Librorum Prohibitorum, em traduo livre o ndice dos Livros Proibidos, foi uma lista de publicaes literrias que eram proibidas pela Igreja Catlica e as regras para que um livro entrasse nessa lista. A primeira verso do Index foi promulgada pelo Papa Paulo IV em 1559 e uma verso revista desse foi autorizada pelo Conclio de Trento. A ltima edio do ndice foi publicada em 1948 e o Index s foi abolido pela Igreja Catlica em 1966 pelo Papa Paulo VI.1 2 Nessa lista estavam livros que iam contra os dogmas da Igreja e que continham contedo tido como imprprio. Disponvel em: . Acesso em 25 nov 2014. 28 3.2 Direito ao Esquecimento como uma das faces do Direito Privacidade Desde que o indivduo foi elevado a condio de 'ser', passvel de ser respeitado pelo Estado e pelos outros seres humanos, tornou-se proeminente a faculdade desse indivduo de no ter a sua vida privada exposta ou verificada por outras pessoas, sem o seu consentimento. A noo de privacidade surge inicialmente sob uma perspectiva essencialmente restrita proteo da vida ntima, familiar, pessoal de cada ser humano, concebida em sua relao com os outros, isto , o direito privacidade, na sua concepo inicial, referia-se a ideia de no ter a vida privada invadida pela ingerncia alheia. 25 Celso Bastos(1989, p.63) ensina que a privacidade a faculdade que tem cada indivduo de obstar a intromisso de estranhos em sua vida privada e familiar, assim como impedir-lhes o acesso a informaes sobre a privacidade de cada um, e tambm impedir que sejam divulgadas informaes sobre esta rea da manifestao existencial do ser humano. Um atributo da privacidade reconhecido na capacidade do indivduo de limitar o conhecimento de terceiros no tange a informaes que a pessoa quer preservar dentro de seu crculo privado ou ntimo. Nesse ponto, significa dizer que consiste tambm no direito da pessoa de estar em isolamento, sem ganhar notoriedade ou publicidade que no desejou.26 Percebe-se o famoso princpio da doutrina americana, qual seja, The right to be let alone27, que pode ser entendido como direito de ser deixado s ou ser deixado em paz, sem ser perturbado pela impertinncia alheia. Tatiana Malta Vieira, ao apresentar um conceito mais abrangente de privacidade, nos ensina que o direito privacidade consistiria em um direito subjetivo de toda pessoa brasileira ou estrangeira, residente ou transeunte, fsica ou jurdica no apenas de constranger os outros a respeitarem sua esfera privada, mas tambm de controlar suas informaes de carter pessoal sejam estas sensveis ou no- resistindo s intromisses indevidas provenientes de terceiros. (VIEIRA, 2007, p. 22). A pesquisadora ainda pontua que, nesse sentido, o direito privacidade 25 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2 ed. Atlas, 2013. 26 Gilberto Haddad Jabur apud MALTA VIEIRA. In O Direito Privacidade na Sociedade de Informao. Efetividade desse direito fundamental diante dos avanos da tecnologia da informao. Dissertao de Mestrado. UNB, 2007. 27 Jos Afonso da Silva nos pontua que a doutrina sempre lembra que o Juiz americano Cooly, em 1873, identificou a privacidade como o direito de ser deixado tranquilo, em paz, de estar s: Right to be alone. O right of privacy compreende, decidiu a Corte Suprema dos Estados Unidos, o direito de toda pessoa tomar sozinha as decises na esfera da sua vida privada.(DA SILVA,2011, p.206). 29 traduz-se na faculdade que tem cada pessoa de obstar a intromisso de estranhos na sua intimidade e vida privada, assim como na prerrogativa de controlar suas informaes pessoais, evitando acesso e divulgao no autorizados. Tutela, portanto, o direito que se confere ao indivduo de manter um afastamento confortvel em relao ao mundo exterior, preservando esse distanciamento necessrio ao exerccio de sua autodeterminao ( VIEIRA, 2007, p. 22). Nesse sentido, importante observar das classificaes apresentadas pela autora no que se refere s 'categorias de privacidade', conforme seu mbito de proteo, dentre as quais inclui a privacidade fsica, a privacidade de domiclio, das comunicaes, decisional e privacidade informacional. No caso do tema deste trabalho, importa destacar a categoria que diz respeito privacidade informacional, a qual inclui a proteo, as informaes sobre determinada pessoa, abarcando no s aquelas relacionadas a sua esfera mais ntima, mas tambm dados pessoais que possam conduzir identificao de tal titular.28 Na legislao brasileira, o Cdigo Civil dedica o artigo 21 para abordar a questo da privacidade. De acordo com o texto da Lei, Art. 21. A vida privada da pessoa natural inviolvel, e o juiz, a requerimento do interessado, adotar as providncias necessrias para impedir ou fazer cessar ato contrrio a esta norma. A Constituio Federal tambm trata da matria no artigo 5 Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes [...] X - so inviolveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenizao pelo dano material ou moral decorrente de sua violao; 28 VIEIRA, Tatiana Malta. O Direito Privacidade na Sociedade de Informao[...]. Dissertao de Mestrado. UNB, 2007. 30 possvel perceber que a Constituio Brasileira, como j exposto anteriormente, reservou espao para a tutela da privacidade dos indivduos. Alexandre de Moraes nos ensina que os direitos intimidade e prpria imagem formam a proteo constitucional vida privada, salvaguardando um espao ntimo intransponvel por intromisses ilcitas externas (MORAES, 2011, p. 57). Para o constitucionalista, a tutela apresentada na constituio abrange, inclusive, a proteo prpria imagem frente aos meios de comunicao em massa (televiso, rdio, jornais, revistas, etc.). Constata-se ainda que plenamente possvel a interpretao que concebe a tutela constitucional da privacidade frente a um contexto de popularizao da internet e massificao das informaes nela contidas, principalmente, se consideradas as caractersticas prprias da rede mundial de computadores. Ainda no que tange ao direito de privacidade, a doutrina majoritria afirma que o grau de proteo deve ser dosado pelo ndice de exposio pblica da pessoa, em razo de seu cargo ou atividade, ou at mesmo de alguma circunstncia eventual. Segundo estudiosos da matria, a privacidade de indivduos de vida pblica deve ser analisada e aferida de maneira diferente daqueles que no tem exposio pblica29. Nesse sentido, Lus Roberto Barroso tambm apresenta que no h ofensa privacidade - isto , quer intimidade, quer vida privada - se o fato divulgado, sobretudo por meios de comunicao de massa, j ingressou no domnio pblico, pode ser conhecido por outra forma regular de obteno de informao ou se a divulgao limita-se a reproduzir informao antes difundida. Nesse caso, no se cogita de leso privacidade nem tampouco ao direito de imagem. Alexandre de Moraes tambm refora esse entendimento ao afirmar que, Por outro lado, essa proteo constitucional em relao queles que exercem atividade poltica ou ainda em relao aos artistas em geral deve ser interpretada de uma forma mais restrita[...](MORAES,2011,58). Nessa linha de pensar, sob a tica constitucional, como bem destaca Jos Afonso da Silva, ao referir-se ao Direito Privacidade e s novas tecnologias, O intenso desenvolvimento de complexa rede de fichrios eletrnicos, especialmente sobre dados pessoais, constitui poderosa ameaa 29 BARROSO. Lus Roberto. Coliso Entre Liberdade de Expresso e Direitos da Personalidade. Critrios de Ponderao. Interpretao Constitucionalmente Adequada do Cdigo Civil e da Lei de Imprensa. Revista de Direito Privado, vol. 18, p. 105, abr 2004. 31 privacidade das pessoas. O amplo sistema de informaes computadorizadas gera um processo de esquadrinhamento das pessoas, que ficam com sua individualidade inteiramente devassada (DA SILVA, 2011, p. 209). O constitucionalista faz referncia situao problemtica que tem seu cerne principal na internet e que se refere aos conflitos resultantes da forma como esse instrumento possibilita o acesso a informaes e dados pessoais, sem a devida autorizao da pessoa interessada. nesse ponto que a relao entre Direito ao Esquecimento, como uma das manifestaes do Direito Privacidade se mostra mais evidente e contempornea, pois, a considerar o direito de ser esquecido como uma faculdade da privacidade, significa dizer que a tutela constitucionalmente prevista da privacidade do indivduo vai englobar o direito de ser esquecido. Dito de outra maneira, a compreenso de que o direito de no ter dados ou fatos relacionados a sua pessoa, revelados ou constantemente trazidos tona pelos meios de comunicao, sem a devida autorizao como uma das formas de preservao da subjetividade do indivduo, uma manifestao dos direitos personalidade e portanto se insere no rol da tutela desses direitos. Nesse sentido, da relao entre privacidade e Direito ao Esquecimento surge a necessidade de proteger de forma efetiva os Diretos da Personalidade no contexto da sociedade de informao.30 Impe-se ainda reconhecimento de que a personalidade no somente um direito, ela sobretudo um valor. No dizer de Perliengieri, a personalidade , portanto, no um direito, mas um valor (o valor fundamental do ordenamento) e est na base de uma srie aberta de situaes existenciais, nas quais se traduz a sua incessantemente mutvel exigncia de tutela(PERLIENGIERI, 2007,P.155). Direito ao Esquecimento como incluso no rol dos Direitos da personalidade deve ser considerado no mbito da valorao desse direito para vida, para a existncia dos indivduos. Ainda nesse ponto, devemos nos valer dos ensinamentos de Pietro Perliengieri, pois o autor nos informa que, ao considerar situaes existenciais, tais situaes subjetivas no assumem necessariamente a forma do direito subjetivo e no devem fazer perder de vista a unidade do valor envolvido. No existe um nmero fechado de hipteses tuteladas: tutelado o valor da pessoa sem 30 VIEIRA, Tatiana Malta. O Direito Privacidade na Sociedade de Informao. Dissertao de Mestrado. UNB, 2007. 32 limites, salvo aqueles colocados no seu interesse e naqueles de outras pessoas. A elasticidade torna-se um instrumento para realizar formas de proteo tambm atpicas, fundadas no interesse existncia e no livre exerccio da vida de relaes. Nenhuma previso especial pode ser exaustiva e deixaria de fora algumas manifestaes e exigncias da pessoa que, mesmo com o progredir da sociedade exigem considerao positiva (PERLIENGIERI, 2007, p.156-157). Percebe-se pelo exposto que o Direito privacidade tutela a pessoa naquilo que ela intenta no tornar pblico ou objetiva manter restrito da interferncia alheia. Por outro lado, as informaes referentes aos indivduos que se tornam recorrentemente divulgadas, sem o devido consentimento, ensejam uma proteo do Estado e do Direito sob uma perspectiva adequada nova realidade- essa proteo ocorre no reconhecimento jurdico do Direito ao Esquecimento como uma das faces da privacidade. 3.3 Direito Informao e Direito ao Esquecimento Quando se aborda o tema do Direito ao Esquecimento, enquanto direito de no ter dados pessoais eternamente veiculados ou retomados pelos meios de divulgao de informao; a questo que se apresenta de que maneira tal direito se tornar efetivo, principalmente na era da chamada sociedade de informao31. Como possibilitar a justa medida de proteo desse direito em contraponto ao direito fundamental de ser informado e de informar. O acesso informao h de ser compatibilizado com a necessidade de proteo dos direitos da personalidade, atinentes vida privada de qualquer cidado, de modo que no pode haver abusos no controle e na difuso de dados, nem tampouco o direito de informar e ser informado deve ser elevado condio de absoluto, pois deve haver o equilbrio na tutela e na efetividade desses direitos fundamentais. Essa necessidade de proteo do Estado se mostra premente na medida em que, no caso dos meios de comunicao de massa e dos provedores de busca na internet, h uma diferena de posies e de privilgio entre quem detm e divulga a informao e aquele sobre quem os dados so divulgados. 31 Nesse tpico, seguiremos essencialmente a linha conceitual apresentada por Tatiana Malta Vieira, O Direito Privacidade na Sociedade de Informao. Dissertao de Mestrado. UNB, 2007. 33 As controvrsias envolvendo divulgao de informaes apresentam nuances de desequilbrio entre as partes envolvidas, isto , a pessoa, que tem suas informaes divulgadas, seja no mbito da internet, seja atravs dos meios de comunicao de massa como jornal, rdio e televiso; acaba ficando em desvantagem em relao quele que tem condies e tecnologia para disponibilizar os dados. No caso dos meios de comunicao de rdio ou televiso, a influncia poltica, econmica e social dessas empresas coloca a pessoa em situao extremamente desigual, pois sem a fora e a tutela estatal, no consegue resguardar seus direitos. As tecnologias de compartilhamento de dados, atravs das redes sociais e da internet como um todo, para alm de questes sociopolticas e econmicas envolvidas, apresentam dificuldades e entraves tcnicos a impor uma abordagem diferenciada por parte do Estado, do legislador e do operador do Direito.32 Por essa razo, os meios tradicionais de defesa do indivduo privado, quando defrontados com os meios de agresso intimidade privada no campo da tecnologia da informao, necessitam ser repensados e adaptados ao novo contexto social. Ademais, direitos como liberdade de expresso, liberdade de imprensa e direito informao (este ltimo, consubstanciado no direito de informar e ser informado) se incluem entre os direitos fundamentais e so manifestao da liberdade do indivduo frente sociedade e ao Estado. Tais institutos foram alcanados a duras penas ao longo da histria das democracias modernas33. Por esse motivo, as sociedades democrticas se mostram to relutantes em aceitar institutos que se contrapem a essas liberdades34. 32 Nesse aspecto, o Ministro Luis Felipe Salomo apresenta que a questo envolve relaes supranacionais, as quais remetem soberania dos Estados. 33 Dissertando sobre a questo relacionada Liberdade de Imprensa e o Direito ao Esquecimento, o ministro Luis Felipe Salomo, no Recurso Especial 1.335.153-RJ, afirma que nunca demais ressaltar o estreito e indissolvel vnculo entre a liberdade de imprensa e todo e qualquer Estado de Direito que pretenda se autoafirmar como Democrtico. Uma imprensa livre galvaniza contnua e diariamente os pilares da democracia, que, em boa verdade, projeto para sempre inacabado e que nunca atingir um pice de otimizao a partir do qual nada se ter a agregar. Esse processo interminvel, do qual no se pode descurar - nem o povo nem as instituies democrticas -, encontra na imprensa livre um vital combustvel para sua sobrevivncia, e bem por isso que a mnima cogitao em torno de alguma limitao da imprensa traz naturalmente consigo reminiscncias de um passado sombrio de descontinuidade democrtica. (RESP 1.335.153-RJ, p.21-22). 34 Lus Roberto Barroso apresenta que Na verdade, tanto em sua manifestao individual, como especialmente na coletiva, entende-se que as liberdades de informao e de expresso servem de fundamento para o exerccio de outras liberdades, o que justifica uma posio de preferncia preferred position-em relao aos direitos fundamentais individualmente considerados.(BARROSO,2004, p. 105). 34 Outrossim, a informao no contexto contemporneo se tornou ativo35 na sociedade atual, bem como a capacidade de produzi-la, gerenci-la e control-la sinnimo de poder e hegemonia nas relaes humanas. Para que se compreenda a forma como esse processo est ocorrendo, necessrio compreender que a expresso sociedade de informao define uma nova forma de organizao social, poltica e econmica que recorre ao intensivo uso da tecnologia da informao para coleta, produo, processamento, transmisso e armazenamento de informaes [](VIEIRA, 2007, p.279). Como referido anteriormente, informao configura principal riqueza nesse tipo de sociedade, sendo fundamental que as sociedades contemporneas consigam produzi-la e proteg-la para fins alcanar e manter ndices de desenvolvimento e progresso. Dito de outra forma, a valorizao da informao a transforma na principal matria-prima desse novo contexto capitalista e se impe como condio determinante para o desenvolvimento econmico e cultural da sociedade. por esse motivo que o uso da tecnologia da informao- enquanto mecanismo facilitador da coleta, produo, processamento, transmisso e armazenamento- acarreta grandes mudanas no mundo36. Dessas inovaes inseridas nas sociedades contemporneas, marcadas por mudanas constantes e de magnitude global, surge a chamada indstria e os servios de informao37 que abrangem diferentes reas do conhecimento. Considera-se ainda que informao consiste em um dado ou conjunto de dados, processados ou no, em qualquer suporte, capaz de produzir conhecimento. Junto ao conceito de liberdade de informao, surge a necessidade de apresentar a noo do que consiste liberdade de expresso. Lus Roberto Barroso nos apresenta que A doutrina brasileira distingue as liberdades de informao e de expresso, registrando que a primeira diz respeito ao direito individual de 35 Como bem destaca, Cntia Rosa Pereira de Lima, A economia informacional , hodiernamente, fundamentada na informao. Neste sentido, os estudiosos deste tema j identificaram esta como uma caracterstica do atual modelo mercadolgico. Este modelo resumido por Andrew Murray como: [] a shift from ownership or control of things to ownership of control over information. It represents the maturity of information technology and most importantly signals a change in economic value from owning things, or in physical terms atoms, to owning information which in the digital environment means bits.( DE LIMA, 2014). 36 VIEIRA, Tatiana Malta. O Direito Privacidade na Sociedade de Informao. Dissertao de Mestrado. UNB, 2007. 37 Idem nota 36. 35 comunicar livremente fatos e ao direito difuso de ser deles informado; a liberdade de expresso, por seu turno, destina-se a tutelar o direito de externar idias, opinies, juzos de valor, em suma, qualquer manifestao do pensamento humano. Sem embargo, de reconhecimento geral que a comunicao de fatos nunca uma atividade completamente neutra: at mesmo na seleo dos fatos a serem divulgados h uma interferncia do componente pessoal (BARROSO, 2004, p.10). Pelos ensinamentos do autor, possvel identificar que a liberdade de expresso refere-se mais a ideia de expor manifestaes do pensamento humano. Por essa razo, em sentido amplo, contudo, o direito de informar est inserido no direito de expresso; mas aquele deve ter no mnimo o compromisso com a veracidade do que informado, enquanto este, considerado como juzo de valor, no ter sempre o compromisso com a verdade. Por bvio, h de se registrar que a liberdade de expresso no significa irresponsabilidade por parte do emissor, pois a Constituio Federal e a Legislao infraconstitucional asseguram pessoa proteo ao direito e eventual reparao de dano sofrido.38 No que se refere a Constituio Federal do Brasil, pode-se dizer que direito de acesso informao est inserido no rol de direitos fundamentais do art. 5, em seus incisos IV, X, XII, XIV, XXXIII, XXXIV. O acesso ao conhecimento sempre foi uma manifestao de poder e seu controle, no mais das vezes, foi utilizado para manuteno do status quo da sociedade. Nessa linha de pensar, as liberdades, que permitem o trnsito e a disseminao de diferentes pontos de vista, diferentes verses sobre determinado fato ou contexto scio-histrico; devem ser resguardadas para fins de que o salto para o futuro no retorne crtica do passado. O acesso informao permite ao indivduo exercer sua condio de cidado de forma plena e efetiva, pois somente o conhecimento efetivo e real permitir a possibilidade de tomada de posio concreta e consciente no contexto da democracia. No mbito da Liberdade de informar e ser informado, surge ainda a noo de liberdade de imprensa que, quando efetiva e real, permite ao indivduo o exerccio da cidadania. No dizer de Pietro Perliengieri Informao e formao do cidado: Liberdade de imprensa como funo e exerccio de um direito individual- A informao, em uma sociedade democrtica, representa o fundamento da participao do cidado na vida do Pas e, portanto, do prprio correto funcionamento das instituies. A qualidade e a eficcia do comunicar, todavia, dependem sempre da formao de quem informa e dos destinatrios da mensagem; e a formao 38 Cite-se como exemplo o Art 5 Inc IV e X, o Art 21 da Lei No 10.406, que institui o Cdigo Civil de 2002 e o Captulo V Dos Crimes Contra A Honra do Cdigo Penal Brasileiro. 36 destes o resultado da liberdade da manifestao do pensamento (PERLIENGIERI,2007,p. 186). Nesse sentido, o Direito ao esquecimento, alegado por uma pessoa, pode ir de encontro ao direito do outro de poder se manifestar sobre fatos ou atos pretritos, seja no objetivo de informar, seja no sentido de expor um pensamento sobre determinado acontecimento; seja ainda no sentido de limitar ou cercear a Liberdade de Imprensa. Como j apresentado, quando da ponderao entre Direito ao Esquecimento e Direito Informao, h que se ter em mente que o direito individual no pode se sobrepor ao direito da coletividade de forma absoluta, mormente, no se refere manuteno da memria de fatos e atos que no devem ser esquecidos, tais como fatos histricos, polticos, artsticos e culturais. Significa dizer, portanto, que necessrio priorizar o acesso informao verdadeira, correta e pertinente ao interesse da coletividade e da vida em sociedade. Um dos pilares sobre o qual se sustenta a verdadeira democracia a liberdade de expresso e de acesso informao pertinente ao Estado, seu funcionamento e seu Governo. Por outro lado, o indivduo tambm deve ter liberdade para permanecer isolado, deixado em paz, em sua subjetividade, sem ser importunado por outras pessoas ou pelo Estado, principalmente quando a divulgao de suas informaes no acrescentam ou no influenciam para vida em sociedade e para conservao da memria social. E, novamente, recorrendo aos ensinamentos de Perliengieri, pode-se inferir que Nesta perspectiva, deve ser apreciada a orientao que, mesmo em presena da verdade dos fatos, configura como ilcita a sua crnica e a sua valorao quando realizadas com intil leso dignidade da pessoa (PERLIENGIERI,2007. p.186). A dignidade da pessoa, como princpio norteador dos atos do Estado e da vida num grupo social, nos mostra que importante prever formas de legislao e controle para que a informao, de per si til, seja respeitosa da dignidade da pessoa e realmente pluralista. Impende ressaltar que, sem perder a sua fisionomia, as informaes disseminadas devem permitir sua confrontao com a verso do 'outro'; em particular, com aqueles dos quais tenham direta ou indiretamente falado. Na medida em que a informao se mostre pluralista e democrtica, no evidenciando somente as razes de Estado ou de determinados grupos, possvel compreender a justificao histrica do Direito informao, favorecendo a exigncia primria da promoo humana. 37 3.4 Direito Memria e Direito ao Esquecimento39 No aconselhvel que se busque fazer uma anlise do Direito ao Esquecimento sem ao menos mencionar a questo da memria, mais especificamente a chamada memria coletiva ou social; pois, para esquecer, h que se lembrar primeiro. Por essa razo, passaremos a expor algumas consideraes sobre esse tpico, com a ressalva de que a matria contm em seu cerne aspectos mais relacionados Filosofia do Direito e, portanto, este trabalho, devido delimitao do tema, no ir aprofundar o assunto. Deste modo, como bem nos apresenta Franois Ost, em sua obra O Tempo do Direito, a primeira forma como o tempo jurdico instituinte se apresenta a memria. A memria que lembra existir o dado e o institudo. Nesse sentido, o autor afirma que instituir o passado, certificar os fatos acontecidos, garantir a origem dos ttulos, das regras, das pessoas e das coisas eram a mais antiga e mais permanente das funes do jurdico.40 Ademais, as sociedades sempre buscaram sua identidade se voltando, no mais das vezes, para seu passado, para suas origens. Ao longo da histria, a presena de lendas, mitos formadores e toda gama de manifestao da tradio evidenciam a constante luta dos seres humanos em manterem o vnculo com suas razes, na medida em que, pelo decurso do tempo, a memria no consegue manter presentes todos os fatos pretritos. Ao ser humano inerente o esquecer. At o advento da escrita, o conhecimento, para fins de continuidade da tradio, tinha de ser lembrado e transmitido atravs da oralidade, mormente da narrativa. Essa forma de passar o conhecimento, que se baseava essencialmente na capacidade de lembrar prpria do narrador, do guardio da tradio; permitia sociedade manter sua identidade coletiva, sua memria social. Nessa linha de pensamento, as lembranas decretadas, comuns e fundadoras, permitiam a formao da conscincia coletiva, cuja falta inviabilizaria qualquer ao social dentro daquele contexto da sociedade.41 Com a evoluo da vida em grupo, aps os momentos iniciais, em que prevalecia o lao fundamental da memria com o sagrado fundador, isto , com o 39 Nesse tpico nos basearemos essencialmente na obra O Tempo do Direito de Franois Ost, para fins desenvolver a questo da memria e esquecimento. 40 OST, Franois. O Tempo do Direito. Traduo lcio Fernandes. Bauru : EDUSC, 2005. 41 Idem nota 40. 38 papel desempenhado pela religio, coube ao Direito a nobre funo de guardio e testemunha da memria social e consequentemente da identidade coletiva. Importante observar que essa tentativa de retorno constante s origens e ao passado no acontece de forma dissociada do contexto atual. A partir do dado presente e de sua vivncia de mundo, o indivduo se volta para trs, isto , da realidade na qual se insere; a identidade social reconstruda. Nesse fluxo constante e dessa influncia mtua entre passado e presente, que a concepo do Direito se estrutura e se insere para fins de alcanar a pacificao social. Quando o operador do direito se depara com a questo do Direito ao Esquecimento, aspectos relacionados a essa influncia recproca devem ser considerados, pois os fatos que se pretende esquecer e os direitos que se alega devem ser compreendidos dentro do contexto no qual se inserem. Significa dizer, portanto, que no cabvel a assertiva de que fatos do passado possam ser definitivamente apagados ou simplesmente retirados da histria dos indivduos e principalmente da histria da sociedade. Por essa razo, h de se conceber que os fatos pretritos devem sim ser retomados quando sua influncia no presente se torna fundamental. Como Franois Ost nos pontua Entretanto, no se termina to facilmente com o passado. Inicialmente, porque no chegaremos jamais a traar uma linha de separao clara entre passado terminado e presente inventivo (OST, 2005, p. 51). Ademais, o autor destaca que [...] o passado inicialmente tanto quanto muito amplamente construdo, escrito a partir do presente. A memria, que admitida lhe restituir, mostra-se efetivamente uma faculdade singularmente paradoxal: esperava-se encontrar uma competncia subjetiva e individual, vamos descobri-la objetiva e social; [] poderamos acreditar que ela proviesse do passado, como inrcia natural de um peso que se acumula, e eis que a apreendemos posta em movimento a partir do presente e de suas questes (OST,2005, p.51). Ao jurista, portanto, cabe a funo de buscar identificar no caso concreto o quanto dessa influncia proveniente do passado relevante para vida em sociedade e at que ponto o direito individual deve preponderar sobre a relao formadora surgida dessas duas faces do tempo. A partir dessa perspectiva de memria, compreendida como objetiva e social, reconhecida como um movimento a partir do presente e de suas questes; que o 39 operador do Direito tem de analisar a controvrsia que lhe apresentada. Deve ainda aferir se plausvel ou no tutelar o Direito ao Esquecimento, impondo a uma das partes que se exima de retomar os fatos pretritos objeto da controvrsia. Plenamente possvel, destarte, a concluso no sentido de que ser esquecido um direito a ser tutelado. A ningum deve ser imposta a obrigao de carregar sobre os ombros o olhar curioso e inquisidor da sociedade por longos perodos de sua existncia, qui por toda ela. Em muitos casos, esquecer preciso, mormente se a insistncia do retorno da memria repousa na mera especulao inventiva ou na manifestao simples e inoportuna da curiosidade. Franois Ost (2005,161) nos ensina tambm que h diferentes formas de esquecimento, com funes especficas no contexto da vida em sociedade. Dentre elas, salienta o chamado esquecimento- pacificao, classificao que estaria relacionada ao fato de que a tutela do Direito somente ser efetiva se, aliada deciso tomada no seio da controvrsia, existir a autoridade de se impor vontade das partes, ainda que no saiam satisfeitas, h que se obrig-los a sujeio e a esquecer a desavena; no no sentido de retir-la da memria ou da histria, mas no sentido de que no deve mais ser trazida tona, deve ser, deste modo, esquecida. Em outras hipteses, ainda o direito ao esquecimento, consagrado pela jurisprudncia, surge mais claramente como uma das mltiplas facetas do direito a respeito da vida privada. Uma vez que, personagem pblica ou no, fomos lanados diante da cena e colocados sob os projetores da atualidade muitas preciso dizer, uma atualidade penal-, temos o direito, depois de determinado tempo, a sermos deixados em paz e a recair no esquecimento e no anonimato, do qual jamais queramos ter sado (OST, 2005, p.160-161). Existe ainda, no dizer do autor, as figuras do esquecimento-falsrio e do esquecimento-recalque. O primeiro estaria relacionado s 'mentiras' e 'falsidades' que surgem para reforar determinada ideologia. O segundo diz respeito ao esquecimento imposto pelos vencedores, no sentido de que somente esses contam sua verso e, por esse motivo, sentem-se vontade para distorcer os fatos e relegar aos vencidos posio margem do tempo e da histria. Esquecimento-falsrio seria o caso de mil e uma formas de mentiras piedosas da histria oficial para legitimar um regime ou reforar uma ideologia, trabalhando vontade com a simples verdade dos fatos. Esquecimentos-recalque atravs dos quais se visam esses fenmenos de amnsia coletiva, que dizem respeito aos vencedores em relao sorte que suas conquistas, guerras, cruzadas e outros djihads impuseram aos vencidos, 40 vtimas annimas enviadas para as masmorras da histria; esquecimento dos massacres, genocdios, crimes contra a humanidade, que acarreta hoje o sobressalto da imprescritibilidade [] ( OST, 2005, p. 161). nesse ponto que reside o risco maior de considerar de forma abrangente e indiscriminada o Direito de ser esquecido, pois, personagens e protagonistas de acontecimentos terrveis na histria da humanidade poderiam se valer dessa proteo jurdica para evitar que suas atitudes fossem recontadas e servissem de exemplo negativo para as geraes futuras42. Contra estas formas de esquecimento que se fazem valer os direitos da memria e, por vezes, a necessidade da instituio da recordao. Face s regresses da noite e aos desvios do no-direito, saudamos, ento, como Carbonniere, o retorno do dia: cada manh, o dia sai da noite, surgindo aos homens, pelo seu prprio retorno, as primeiras ideias jurdicas, a ordem universal, a fidelidade, a promessa. (OST, 2005, p.161)43. Desse trecho, possvel concluir pela valorizao de princpios e liberdades fundamentais, conquistadas j nos primrdios das democracias e do Estado de Direito, essa promessa de proteo e tutela da dignidade da pessoa humana deve ser sempre lembrada quando da ponderao de direitos. O caminho para adequao entre memria e esquecimento no fcil, nem tampouco direto, pois, como exposto, entre os argumentos do esquecimento necessrio, podem surgir outros de ndole e objetivos no to nobres. 3.5 O Direito ao Esquecimento no contexto Brasileiro No contexto brasileiro, embora recentemente dois recursos especiais44 tenham abordado o tema, a matria j vem sendo tratada ou discutida em diferentes reas do 42 Nesse ponto, o exemplo hipottico que surge o caso de um governante inescrupuloso e corrupto, condenado por inmeros crimes contra seu povo e contra as instituies democrticas, e que, passados alguns anos, ingresse no Poder Judicirio pleiteando o Direito de no ter suas informaes divulgadas, sob o argumento de ter o direito a ser esquecido. Nesse caso, entende-se que prevalece o interesse da coletividade em manter presente sua memria, principalmente para os erros do passado no se ocorram novamente no futuro. nesse sentido que a jurisprudncia e a doutrina entendem no ser aplicvel o alegao do Direito ao Esquecimento com fins de cercear o acesso histria, a fatos histricos. 43 OST. Franois. O tempo do Direito. Edusc.Bauru.2005. 44 REsp 1335153/RJ, referente a caso criminal famoso ocorrido na segunda metade do sculo XX, o chamado Caso Ada Curi; e o REsp 1334097/RJ, referente Chacina da Candelria. 41 direito de forma direta ou incidental45. Importante destacar que, nesse ponto, o Brasil tambm teve as primeiras linhas de direito ao esquecimento na seara do Direito Penal. No entanto, como bem pontua Otavio Luiz Rodrigues Junior, a questo referente ao Direito ao esquecimento, radicada nos direitos da personalidade, a questo transitava entre o Direito do Consumidor e o Direito Penal, com fortes conexes com o prazo de armazenamento de dados individuais. Para evidenciar sua tese, o autor ainda esboa exemplos de estudos na doutrina que tratam da questo na rea do Direito do Consumidor.46 Nessa mesma linha de raciocnio, na VI Jornada de Direito Civil, apresentou orientao doutrinria, consubstanciada no enunciado 531, o qual apresenta que A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informao inclui o direito ao esquecimento, referindo-se ao artigo 11 do Cdigo Civil de 200247. Como justificativa, o enunciado apresenta que Os danos provocados pelas novas tecnologias de informao vm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histrica no campo das condenaes criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento ressocializao. No atribui a ningum o direito de apagar fatos ou reescrever a prpria histria, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que dado aos fatos pretritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que so lembrados. Percebe-se, portanto que a doutrina tem se mostrado atenta a questo e j busca analisar a matria de maneira mais voltada aos desdobramentos da sociedade atual. No entanto, como se ver adiante, na breve exposio dos Recursos Especiais julgados no Superior Tribunal de Justia; essa corte superior, no voto do relator, optou por no tratar da questo no mbito da internet e de suas peculiaridades. Segundo o Ministro Lus Felipe Salomo, restringia o mbito da deciso e da anlise mdia televisiva, ao analisar a adequao do direito ao esquecimento ao ordenamento jurdico brasileiro, porquanto, considerava que o mesmo debate ganhava contornos bem diferenciados quando transposto para internet , a qual apresentava solues de 45 JUNIOR, Otavio Luiz Rodrigues. Brasil debate direito ao esquecimento desde 1990. Disponvel em: . Acesso em: 22 out 2014. 46 Como exemplo, em 2002, abordagem do tema Direito ao Esquecimento o autor menciona Tmis Limberger que tratando do tema: As informaes armazenadas pela instituio bancria e o direito intimidade do cliente, teria analisado, de modo lateral, o direito ao esquecimento. 47 Cdigo Civil Art. 11. Com exceo dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade so intransmissveis e irrenunciveis, no podendo o seu exerccio sofrer limitao voluntria. 42 ndole tcnica. Ressalva ainda o Ministro que, dada a possibilidade de compartilhamento de informaes e circulao internacional do contedo, o que poderia tangenciar temas sensveis, como a soberania dos Estados-naes48. Dessa forma, a Jurisprudncia brasileira evitou enfrentar a matria no mbito da internet e do conflito direto com o Direito de ser esquecido. Caso digno de nota diz respeito ao Recurso Especial n 1.316.921 RJ49, envolvendo Maria da Graa Xuxa Meneghel versus Google Brasil Internet Ltda. Como nos apresenta Marco Aurlio Rodrigues da Cunha e Cruz50, Todavia, no caso Xuxa vs. Google Search, percebe-se claramente que o STJ deixou de se aprofundar no conceito do direito ao esquecimento, tendo, em realidade, tomado uma posio radicalmente contrria ao que vem demonstrando em outros julgados estrangeiros que guardam relao com a divulgao de dados pessoais e a possibilidade de sua reviso[...] (CRUZ, 2014, p. 337). O artigo ainda conclui que as razes decidir do STJ no julgamento do REsp 1.316.921-RJ, apesar de irrefutavelmente possvel, no se aprofundou nos efeitos do direito ao esquecimento na Internet, acabando por no apreciar os impactos causados pelos servidores de busca em sua violao. Nesse sentido, percebe-se que o tema, embora ganhe extrema importncia, na doutrina e i