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DIMENSIONAMENTO DE VIGAS AO CISALHAMENTO O dimensionamento de uma viga de concreto armado no estado limite último engloba duas etapas, cálculo da armadura transversal, ou armadura de cisalhamento, para resistir aos esforços cortantes e cálculo da armadura longitudinal, ou armadura de flexão, para resistir aos momentos fletores. O modelo de cálculo mais utilizado no Brasil e nas principais normas internacionais é o que chamamos de “modelo de treliça”. A ABNT NBR 6118:2014 admite dois modelos originados “modelo de treliça”, o modelo de cálculo I onde é adotado o modelo de treliça “clássica” de Ritter e Morsch e o modelo de cálculo II onde é adotado o modelo de treliça “generalizada”. Para entendermos o “modelo de treliça”, precisamos analisar o comportamento de uma viga submetida a um carregamento. Comportamento resistente de uma viga Considerando uma viga biapoiada submetida a duas forças F iguais e eqüidistantes dos apoios, armada com barras de aço longitudinais tracionadas para resistir aos esforços de tração e estribos para resistir aos esforços de cisalhamento. Ao impor pequenos valores de F, as tensões de tração na fibra inferior do concreto são menores que a resistência do concreto à tração na flexão, logo a viga não apresentará fissuras, ou seja, a seção irá trabalhar no Estádio I. Durante essa fase de carregamento é criado um sistema de tensões principais na peça de tração e compressão. Com o aumento do carregamento, na seção onde atua o momento máximo, as tensões de tração a resistência do concreto à tração na flexão na fibra inferior do concreto ultrapassa a resistência do concreto à tração na flexão e surgem as primeiras fissuras oriundas da flexão. As seções fissuradas passam do Estádio I para o Estádio II e a partir deste momento a resultante de tração é resistida exclusivamente pelas barras de aço longitudinais. No início da fissuração na seção central, os trechos juntos aos apoios que se encontram sem fissuras, ainda estão no Estádio I. Continuando com o aumento do carregamento, surgem fissuras próximas aos apoios, por sua vez inclinadas por causa da inclinação das tensões principais de tração, estas fissuras agora oriundas do cisalhamento. Ou seja, a partir do momento em que só o momento é preponderante na peça as fissuras oriundas da flexão são perpendiculares a peça pois as tensões são normais, a partir do momento em que há uma atuação conjunta do momento fletor e do esforço cortante, o esforços cortante fará com que as tensões sofram uma inclinação, causando a inclinação das fissuras.

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Page 1: DIMENSIONAMENTO DE VIGAS AO CISALHAMENTO · DIMENSIONAMENTO DE VIGAS AO CISALHAMENTO O dimensionamento de uma viga de concreto armado no estado limite último engloba duas etapas,

DIMENSIONAMENTO DE VIGAS AO CISALHAMENTO

O dimensionamento de uma viga de concreto armado no estado limite último engloba duas

etapas, cálculo da armadura transversal, ou armadura de cisalhamento, para resistir aos

esforços cortantes e cálculo da armadura longitudinal, ou armadura de flexão, para resistir aos

momentos fletores.

O modelo de cálculo mais utilizado no Brasil e nas principais normas internacionais é o que

chamamos de “modelo de treliça”. A ABNT NBR 6118:2014 admite dois modelos originados

“modelo de treliça”, o modelo de cálculo I onde é adotado o modelo de treliça “clássica” de

Ritter e Morsch e o modelo de cálculo II onde é adotado o modelo de treliça “generalizada”.

Para entendermos o “modelo de treliça”, precisamos analisar o comportamento de uma viga

submetida a um carregamento.

Comportamento resistente de uma viga

Considerando uma viga biapoiada submetida a duas forças F iguais e eqüidistantes dos

apoios, armada com barras de aço longitudinais tracionadas para resistir aos esforços de

tração e estribos para resistir aos esforços de cisalhamento. Ao impor pequenos valores de F,

as tensões de tração na fibra inferior do concreto são menores que a resistência do concreto à

tração na flexão, logo a viga não apresentará fissuras, ou seja, a seção irá trabalhar no Estádio

I. Durante essa fase de carregamento é criado um sistema de tensões principais na peça de

tração e compressão.

Com o aumento do carregamento, na seção onde atua o momento máximo, as tensões de

tração a resistência do concreto à tração na flexão na fibra inferior do concreto ultrapassa a

resistência do concreto à tração na flexão e surgem as primeiras fissuras oriundas da flexão.

As seções fissuradas passam do Estádio I para o Estádio II e a partir deste momento a

resultante de tração é resistida exclusivamente pelas barras de aço longitudinais. No início da

fissuração na seção central, os trechos juntos aos apoios que se encontram sem fissuras, ainda

estão no Estádio I.

Continuando com o aumento do carregamento, surgem fissuras próximas aos apoios, por sua

vez inclinadas por causa da inclinação das tensões principais de tração, estas fissuras agora

oriundas do cisalhamento. Ou seja, a partir do momento em que só o momento é

preponderante na peça as fissuras oriundas da flexão são perpendiculares a peça pois as

tensões são normais, a partir do momento em que há uma atuação conjunta do momento fletor

e do esforço cortante, o esforços cortante fará com que as tensões sofram uma inclinação,

causando a inclinação das fissuras.

Page 2: DIMENSIONAMENTO DE VIGAS AO CISALHAMENTO · DIMENSIONAMENTO DE VIGAS AO CISALHAMENTO O dimensionamento de uma viga de concreto armado no estado limite último engloba duas etapas,

Figura 1 – Comportamento resistente de uma viga

Fonte – Adaptada de Pinheiro (2017)

Modelo de treliça

O modelo de treliça clássica criado por Ritter e Morsch se baseia no comportamento de uma

viga fissurada em analogia a uma treliça. Considerando a viga fissurada acima, Morsch

admitiu um modelo de treliça tal que:

O banzo superior da treliça: corresponde ao cordão de concreto comprimido;

O banzo inferior da treliça: corresponde a armadura longitudinal de tração;

As diagonais comprimidas da treliça: corresponde às bielas de concreto entre as

fissuras;

As diagonais tracionadas da treliça: corresponde a armadura transversal (estribo)

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Figura 2 – Analogia de treliça

Fonte – Adaptada de Pinheiro (2017)

Essa analogia de treliça clássica considera as seguintes hipóteses básicas:

Fissuras, e portanto as bielas de concreto entre as fissuras com inclinação de 45º;

Banzos paralelos;

Treliça isostática, portanto não há engastamento nos nós, ou seja, nas ligações entre os

banzos e as diagonais;

Armadura de cisalhamento com inclinação entre 45º e 90º (em geral 90º).

Antigamente os estribos eram associados a barras dobradas. Estas barras dobradas, também

conhecidas como cavaletes eram muito comuns até os anos 1970, porém não são mais usadas

atualmente, pois a armadura constituída somente por estribos é mais simples e econômica. A

ABNT NBR 6118:2014 apresenta prescrições sobre o uso de barras dobradas no item

18.3.3.3.

Alguns resultados de ensaios comprovaram que há imperfeições na analogia da treliça

clássica, que de maneira geral elevam a resistência da peça ao cisalhamento. Isso se deve

principalmente aos fatores abaixo, denominados mecanismos resistentes complementares aos

da treliça:

Inclinação das fissuras é menor que 45º;

Banzos não são paralelos, há o arqueamento do banzo comprimido, principalmente nas

regiões dos apoios;

A treliça é altamente hiperestática, ocorre o esmagamento das bielas no banzo

comprimido e esses elementos comprimidos possuem rigidez muito maior que a das

barras tracionadas;

Presença dos agregados entre as superfícies das bielas de concreto comprimido;

Efeito de pino da armadura longitudinal.

Para levar em conta a menor inclinação das fissuras surgiu, na década de 60, a chamada

“treliça generalizada”, que permitia trabalhar com ângulos menores que 45º para a inclinação

das diagonais comprimidas.

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Modelo de cálculo

A ABNT NBR 6118:2014 segundo item 17.4.1 admitem dois modelos de cálculo que

pressupõem a analogia com modelo em treliça. O modelo I adota a treliça clássica de Ritter e

Morsch e o modelo II adota a treliça generalizada.

Modelo I (item 17.4.2.2) - admite diagonais de compressão inclinadas de θ = 45° em relação

ao eixo longitudinal do elemento estrutural e admite ainda que a parcela complementar Vc

tenha valor constante, independentemente de VSd.

Modelo II (item 17.4.2.3) - admite diagonais de compressão inclinadas de θ em relação ao

eixo longitudinal do elemento estrutural, com θ variável livremente entre 30° e 45°. Admite

ainda que a parcela complementar Vc sofra redução com o aumento de VSd.

Para a demonstração dos cálculos em sala de aula iremos adotar o modelo de cálculo I.

Modelo I

a) Verificação da compressão diagonal do concreto

Onde:

Vsd = Força cortante solicitante de cálculo.

Vrd2 = Força cortante resistente de cálculo, relativa à ruína das diagonais comprimidas de

concreto.

e fck em kN/cm²

fcd = resistência de cálculo à compressão do concreto (kN/cm²)

bw = largura da alma de uma viga (cm)

d = altura útil (cm)

b) Cálculo da armadura transversal

- Parcela da força cortante absorvida por mecanismos complementares ao da treliça

Onde:

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- Parcela da força cortante resistida pela armadura transversal

Quando Vsw for negativo, não preciso calcular asw (área de aço da armadura transversal) pois

a armadura não irá resitir a força cortante, uma vez que os mecanismos complementares da

treliça (Vc) irão absorver toda a parcela da força cortante, porém a ABNT NBR 6118:2014

nos informa que temos que calcular armadura mínima transversal.

Quando Vsw for positivo, preciso calcular asw (área de aço da armadura transversal) e depois

compara-la com a armadura mínima transversal.

- Área de aço da armadura transversal

Onde:

- Armadura mínima transversal

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Bibliografia

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS: NBR 6118:2014. Projeto de estruturas de concreto - Procedimento. Rio de Janeiro, ABNT, 2014. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS: NBR 6120:1980. Cargas para o cálculo de estruturas de edificações. Rio de Janeiro, ABNT, 1980. BASTOS, P. S. S. Notas de aula – Vigas de concreto armado. Bauru: UNESP, 2017. Disponível em: < http://wwwp.feb.unesp.br/pbastos/concreto2/Vigas.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2018. BASTOS, P. S. S. Notas de aula – Dimensionamento de vigas de concreto armado à força

cortante. Bauru: UNESP, 2017. Disponível em: < http://wwwp.feb.unesp.br/pbastos/concreto2/Cortante.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2018. CARVALHO, R. C.; FIGUEIREDO FILHO, J. R. Cálculo e Detalhamento de Estruturas Usuais de Concreto Armado: Segundo a NBR 6118:2014. 4. ed. São Carlos: EdUFSCar, 2013. PINHEIRO, L. M. Fundamentos do concreto e projeto de edifícios. São Carlos: USP, 2007. Disponível em: <http://coral.ufsm.br/decc/ECC1006/Downloads/Apost_EESC_USP_Libanio.pdf>. Acesso em: 25 mai. 2018.