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Neurociência e futebol; fatos e mitos Luiz Carlos de Lima Silveira Psicoterapia no terceiro milênio Vera Lembruger Introdução a sofrologia William Bonnet Reserva cognitiva e plasticidade neural Álvaro Machado Dias Vírus como traçadores neuronais Judney Cley Cavalcante Sensibilização central: ação da NA e 5HT na modulação da dor Osvaldo JM Nascimento Medidas da acuidade visual Marcelo Fernandes Costa, Valtenice Cássia Rodrigues Matos França www.atlanticaeditora.com.br JANEIRO• MARÇO de 2010 • Ano 6 • Nº 1 REVISTA MULTIDISCIPLINAR DAS CIÊNCIAS DO CÉRÉBRO Neurociências - Volume 6 - Número 1 - Janeiro/Março de 2010 ISSN 1807-1058 ciências neuro psicologia Y

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Page 1: Diferenças de Acuidade Visual por Três Métodos Psicofísicos na

Neurociência e futebol; fatos e mitosLuiz Carlos de Lima Silveira

Psicoterapia no terceiro milênio Vera Lembruger

Introdução a sofrologiaWilliam Bonnet

Reserva cognitiva e plasticidade neuralÁlvaro Machado Dias

Vírus como traçadores neuronaisJudney Cley Cavalcante

Sensibilização central: ação da NA e 5HT na modulação da dorOsvaldo JM Nascimento

Medidas da acuidade visualMarcelo Fernandes Costa, Valtenice Cássia Rodrigues Matos França

www.atlanticaeditora.com.br

JANEIRO• MARÇO de 2010 • Ano 6 • Nº 1

REVISTA MULTIDISCIPLINAR DAS CIÊNCIAS DO CÉRÉBRO

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ISSN 1807-1058

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SumárioVolume 6 número 1 - janeiro/março de 2010

EDITORIALNeurociência e futebol: fatos e mitos, Luiz Carlos de Lima Silveira ..................................................... 3

OPINIÃOReserva cognitiva: o novo conceito de plasticidade neural associada às funções superiores, Álvaro Machado Dias.................................................................................... 14

PERSPECTIVASSensibilização central: ação da NA e 5HT na modulação da dor, Osvaldo JM Nascimento .................................................................................................................. 16

Vírus como traçadores neuronais, Judney Cley Cavalcante ................................................................ 18

LIVROSO andar do bêbado – como o acaso determina nossas vidas, Leonard Mlodinow, Zahar, 2009Jogo no pano...jogo feito, por Givago da Silva Souza ......................................................................... 22

Além de Darwin, Reinaldo José Lopes, Editora Globo, 2009A mente de Darwin, por Daniel Martins de Barros ............................................................................. 24

ARTIGOS ORIGINAISGenética molecular, teorias modernas de aprendizagem, teoria neurocientífica das emoções e perspectivas para psicoterapia no terceiro milênio, Vera Lemgruber .......................... 26

Diferenças de acuidade visual por três métodos psicofísicos na Tabela ETDRS, Marcelo Fernandes Costa, Valtenice Cássia Rodrigues Matos França ................................................. 32

Métodos de processamento de dados em eletrofisiologia visual: tutorial em linguagem MATLAB sobre o uso da transformada de Fourier na análise do potencial cortical provocado visual, Givago da Silva Souza, Bruno Duarte Gomes, Luiz Carlos de Lima Silveira ............................................................................................................. 39

Iª JORNADA FLUMINENSE SOBRE COGNIÇÃO IMUNE E NEURAL Os sistemas nervoso e imunitário não conhecem a “realidade externa”, mas constroem uma realidade própria auto-referencial, Henrique Leonel Lenzi .................................. 50

COMENTÁRIOSO mosaico e a chave, Luiz Fernando de Souza Passos...................................................................... 57

Comentário, Nelson Monteiro Vaz ................................................................................................... 61

ATUALIZAÇÃOIntrodução à sofrologia, William Bonnet ........................................................................................... 63

NORMAS DE PUBLICAÇÃO ....................................................................................................... 74

EVENTOS .................................................................................................................................... 76

neurociênciaspsicologiaΨ

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Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 20102

© ATMC - Atlântica Multimídia e Comunicações Ltda - Nenhuma parte dessa publicação pode ser reproduzida, arquivada ou distribuída por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia ou outro, sem a permissão escrita do proprietário do copyright, Atlântica Editora. O editor não assume qualquer responsabilidade por eventual prejuízo a pessoas ou propriedades ligado à confiabilidade dos produtos, métodos, instruções ou idéias expostos no material publicado. Apesar de todo o material publicitário estar em conformidade com os padrões de ética da saúde, sua inserção na revista não é uma garantia ou endosso da qualidade ou do valor do produto ou das asserções de seu fabricante.

Atlântica Editora edita as revistas Fisioterapia Brasil, Fisiologia do Exercício, Enfermagem Brasil, Nutrição Brasil e MN-Metabólica.

I.P. (Informação publicitária): As informações são de responsabilidade dos anunciantes.

Revista Multidisciplinar das Ciências do Cérebro

Editor: Luiz Carlos de Lima Silveira, UFPAEditor associado: Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, Fiocruz

Editor-assistente: Daniel Martins de Barros, HC-USPPresidente do conselho editorial: Roberto Paes de Carvalho, UFF

Conselho editorialAniela Improta França, UFRJ (Neurolingüística)Carlos Alexandre Netto, UFRGS (Farmacologia)Cecília Hedin-Pereira, UFRJ (Desenvolvimento)

Daniela Uziel, UFRJ (Desenvolvimento)Dora Fix Ventura, USP (Neuropsicologia)

Eliane Volchan, UFRJ (Cognição)João Santos Pereira, UERJ (Neurologia)

Koichi Sameshima, USP (Neurociência computacional)Leonor Scliar-Cabral, UFSC (Lingüística)Lucia Marques Vianna, UniRio (Nutrição)

Marco Antônio Guimarães da Silva, UFRRJ/UCB (Fisioterapia e Reabilitação)Marco Callegaro, Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (Psicoterapia)

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Rubem C. Araujo Guedes, UFPE (Neurofisiologia)Stevens Kastrup Rehen, UFRJ (Neurobiologia Celular)

Vera Lemgruber, Santa Casa do Rio de Janeiro (Neuropsiquiatria)Wilson Savino, FIOCRUZ (Neuroimunologia)

Neurociências é publicado com o apoio de:SBNeC (Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento)

Presidente: Marcus Vinícius C. Baldowww.sbnec.org.br

ISSN 1807-1058

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O país do futebol

“Este esporte estrangeiro se fazia brasileiro, na medida em que

deixava de ser o privilégio de uns poucos jovens acomodados, que o

jogavam copiando, e era fecundado pela energia criadora do povo que

o descobria. E assim nascia o futebol mais bonito do mundo, feito de

jogo de cintura, ondulações de corpo e vôos de pernas que vinham da

capoeira, dança guerreira de escravos negros, e dos bailes alegres dos

arredores das grandes cidades.”[1]

Chegamos à outra copa do mundo de futebol, esse evento qua-drienal que pára mais da metade do planeta, paralisa a alma dos brasileiros e, já por cinco vezes, explodiu o país numa alegria g eral e efusiva nunca igualada por nenhum evento esportivo, artístico, político ou mesmo religioso. O Brasil é o “país do futebol”!

O “país do futebol” para os ingleses foi, durante muito tempo, a Inglaterra. Não importava que a Inglaterra não tivesse disputado as primeiras edições da Copa do Mundo da FIFA1 (1930, 1934 e 1938) ou tivesse tido participação inglória quando finalmente resolveu aderir

Neurociência e futebol: fatos e mitos

Luiz Carlos de Lima Silveira, Editor

Médico, Doutor em Ciências Bio-

lógicas (Biofísica), Pesquisador do

CNPq, Professor Associado de Neu-

rociência, Núcleo de Medicina Tropi-

cal, Instituto de Ciências Biológicas,

Universidade Federal do Pará

Correspondência: [email protected]

Editorial

1 Antes da Féderation Internationale de Football Association (FIFA) ter criado a Coupe du Monde de la FIFA (Copa do Mundo da FIFA), de fato podemos considerar que o torneio de futebol dentro dos Jogos Olímpicos foi o campeonato mundial de futebol. As duas primeiras edições desse torneio foram apenas exibições e os países foram representados por seus clubes: nos Jogos Olímpicos de 1900 em Paris o torneio foi vencido pelo Upton Park FC do Reino Unido e nos Jogos Olímpicos de 1904 em Saint Louis pelo Galt City FC do Canadá. A partir daí o torneio passou a ser uma competição olímpica oficial. Assim, os torneios de futebol dos Jogos Olímpicos de 1908 (London), 1912 (Stockholm), 1920 (Antwerpen), 1924 (Paris) e 1928 (Amsterdam), e que foram vencidos respectivamente pelo Reino Unido, Reino Unido, Bélgica, Uruguai e Uruguai, deveriam ser computados juntamente com as disputas da Copa do Mundo da FIFA para gerar uma tabela mais abrangente de campeões mundiais desse esporte. A partir da criação da Copa do Mundo pela FIFA, os torneios de futebol dos Jogos Olímpicos nunca mais contaram com o conjunto dos melhores jogadores de todos os países e não puderam mais ser considerados historicamente como do mesmo nível da Copa da FIFA. Se juntarmos os cinco primeiros torneios olímpicos oficiais com as dezoito copas, os campeões mundiais seriam Brasil (cinco vezes), Uruguai e Itália (quatro vezes cada), Inglaterra (incluindo duas conquistas olímpicas como Reino Unido e uma copa como Inglaterra) e Alemanha (três vezes cada), Argentina (duas vezes), Bélgica e França (uma vez cada).

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a esse torneio na sua quarta edição (1950) – eles se consideravam os criadores desse esporte e os melhores no seu exercício. E assim foi até o extra-ordinário jogo disputado no Estádio de Wembley, London, em 25 de novembro de 1953, a primeira derrota inglesa no seu próprio solo. Naquele dia a Hungria de Hidegkuti Nándor, Puskás Ferenc e Boz-sik József superou o English Team de John Sewell, Stanley Mortensen e Alfred Ramsey, por 6 x 3 e de uma forma a definitivamente retirar dos ingleses o direito de serem autointitulados habitantes do “país do futebol” [2].

A partir de 1924, o “país do futebol” foi, de fato, o Uruguai. Quando a Celeste Olímpica conquistou duas medalhas de ouro, a primeira em 1924, nos Jogos Olímpicos de Paris, e a segunda em 1928, nos Jogos Olímpicos de Amsterdam, o esquadrão uruguaio tornou-se a grande sensação desse espor-te. A extraordinária habilidade de seus jogadores encantava o mundo – um pequeno país em termos populacionais que podia se orgulhar de possuir o melhor futebol do mundo. O malabarismo entre as quatro linhas, apresentado pela primeira vez ao mundo pelos uruguaios, tornou-se a característica da escola sulamericana ou latinoamericana, comparti-lhada pelos uruguaios com argentinos e brasileiros e, nos anos subsequentes, aqui e ali, com ótimas equipes chilenas, peruanas, paraguaias, colombia-nas, equatorianas e mexicanas.2 A Celeste Olímpica ganharia ainda a primeira edição da Copa do Mundo de Futebol da FIFA, realizada no Uruguai, em 1930, e a quarta, realizada no Brasil, em 1950.3 Nessas duas conquistas o Uruguai venceu na final, respecti-

vamente, a Argentina e o Brasil, os seus dois grandes rivais regionais.4 Além disso, os uruguaios foram ainda quartos colocados na Copa de 1954, realizada na Suíça (derrotados na semifinal pela extraordinária Hungria de Puskás e vencidos na disputa do terceiro lugar pela Áustria), e na copa de 1970, realizada no México (quando foram derrotados na semifinal pelo Brasil e na disputa do terceiro lugar pela Alemanha Ocidental). Assim, no período de 1924 a 1950, o Uruguai conquistou quatro títulos mundiais que, somados aos oito títulos sulamericanos, merecida-mente o conferiram a alcunha de “o país do futebol”.

O título do Campeonato Sudamericano de Se-

lecciones5 de 1919, disputado no Brasil, e especial-mente a excelente participação na Copa do Mundo da FIFA de 1938, realizada na França, marcou a entrada do Brasil no cenário do futebol mundial. Em 1938, fomos eliminados nas semifinais pela Itália e vencemos a disputa do terceiro lugar contra a Sué-cia. Na edição seguinte, já no pós-guerra, o Brasil foi vice-campeão na Copa de 1950 e chegou às quartas de final na Copa de 1954 com uma das melhores seleções já formadas (fomos eliminados na Batalha de Berna pela Hungria de Puskás). A partir de 1958 a história é bem conhecida: campeão em 1958 na Copa da Suécia, campeão em 1962 na Copa do Chile, campeão em 1970 na Copa do México, quarto colocado em 1974 na Copa da Alemanha, terceiro lugar em 1978 na Copa da Argentina (sendo a única equipe invicta entre os quatro finalistas), campeão em 1994 na Copa dos EUA, vice-campeão em 1998 na Copa da França e campeão em 2002 na Copa da Coréia do Sul e do Japão6. Até 2009, o Brasil obte-

2 Sulamericano não inclui o México, país que tem desfrutado de um notável desenvolvimento do futebol, tendo conquistado a Coupe de Confédérations de La FIFA (Copa das Confederações da FIFA) de 1999, disputada no próprio México, além de outros títulos importantes. O futebol mexicano é semelhante em qualidade e arte ao dos países sulamericanos e, com justiça, poderíamos usar a expressão escola latinoamericana para juntarmos esse grupo de países da América do Sul e América Central.

3 Nas estatísticas dos campeonatos mundiais de futebol, quando somamos os torneios olímpicos de 1908 a 1928 às Copas do Mundo da FIFA, o Uruguai tem quatro títulos mundiais, sendo três seguidos (1924, 1928 e 1930) – o Uruguai, nesse caso, é o único verdadeiro tricampeão mundial de futebol!

4 A final contra a Argentina, disputada em Montevideo no dia 30 de julho de 1930, foi um dos jogos mais extraordinários da história do futebol e terminou com a vitória da Celeste Olímpica por 4 x 2. Na Copa de 1950, não houve propriamente um único jogo final, como em todas as outras, mas uma disputa em grupo de quatro países (Uruguai, Brasil, Suécia e Espanha) realizada em três rodadas. Na última rodada, somente Brasil e Uruguai tinham possibilidades de chegar ao título do certame. O Brasil precisava apenas de um empate e o Uruguai de uma vitória simples para sagrarem-se campeões. O jogo foi disputado em 16 de julho de 1950, no Estádio do Maracanã, Rio de Janeiro. O resultado, o mais dolorido da história do futebol brasileiro, foi Uruguai 2 x 1, ficando conhecido na Banda Oriental como maracanazo.

5 Esse foi o primeiro nome do campeonato sulamericano de futebol, organizado pela Confederação Sulamericana de Futebol (CONME-BOL). A partir de 1975 o torneio passou a denominar-se Copa América. Tento começado em 1916, trata-se do torneio mais antigo entre seleções nacionais que ainda hoje é disputado.

6 As sete finais de Copa do Mundo jogadas pelo Brasil tiveram os seguintes resultados: Uruguai 2 x 1 Brasil em 1950; Brasil 5 x2 Suécia em 1958; Brasil 3 x 1 Tchecoslováquia em 1962; Brasil 0 x 0 Itália em 1994 (vencemos na disputa de penalidades máxi-mas); França 3 x 0 Brasil em 1998; Brasil 2 x 0 Alemanha em 2002. As três disputas de terceiro lugar que jogamos terminaram assim: Brasil 4 x 2 Suécia em 1938; Polônia 1 x 0 Brasil em 1974; Brasil 2 x 1 Itália em 1978.

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ve ainda seis importantes títulos mundiais – Taça Independência (Brasil, 1972), Torneio Bicentenário dos EUA (1974), Torneio Bicentenário da Austrália (1988) e três edições da Copa das Confederações da FIFA (Arábia Saudita, 1997; Alemanha, 2005; África do Sul, 2009) – além de oito campeonatos sulamericanos e dois campeonatos panamericanos. A história do futebol brasileiro conta com uma plêiade de jogadores extraordinários (limitei a lista arbitraria-mente a vinte e dois deles): Friedenreich, Domingos da Guia, Leônidas, Heleno, Jair Rosa Pinto, Zizinho, Ademir Menezes, Nilton Santos, Didi, Djalma Santos, Julinho, Garrincha, Mazzola, Pelé, Gerson, Ademir da Guia, Jairzinho, Rivelino, Tostão, Zico, Falcão e Sócrates7, além dos cinco recentes detentores do título de melhor jogador do ano, conferido pela FIFA a partir de 1991: Romário (1994), Ronaldo (1996, 1997, 2002), Rivaldo (1999), Ronaldinho Gaúcho (2004, 2005) e Kaká (2007). Aos títulos da nossa seleção, carinhosamente chamada de Canarinho a partir do uniforme de camisas amarelas, calções azuis e meias brancas com listras verdes e amare-las, utilizado pela primeira vez na Copa do Mundo da Suíça (1954), somam-se os feitos extraordinários do Santos Futebol Clube de Pelé e do Botafogo de Futebol e Regatas de Garrincha8. Com uma população muito maior que a do Uruguai ou da Argentina, popu-lação essa enlouquecida na sua devoção ao futebol, o Brasil passou a exportar jogadores para os clubes do mundo inteiro e, inclusive, quando naturalizados, para as seleções nacionais de vários países. Além do futebol de campo, o Brasil domina o futebol de salão e o futebol de areia. E no futebol de campo

feminino, embora não tenha chegado a nenhum título mundial, já começa a fazer história. O Brasil tornou-se indubitavelmente o “país do futebol”.9

Na mitologia nacional e na cosmogonia do bra-sileiro, a evolução do nosso futebol de um magro terceiro posto atrás de Uruguai e Argentina para um reconhecimento universal incontestável ocorreu como se tudo estivesse escrito nos astros desde o começo e fosse esse o nosso destino. Explicar esse comportamento do brasileiro requer certo conheci-mento da nossa história, de nossas origens étni-cas, das nossas frustrações e conquistas, e talvez até de Neurociência – mas não vamos tentar esse exercício aqui nesse Editorial. Na verdade queremos apresentar três pequenos comentários onde Futebol e Neurociência se encontram, os quais foram moti-vados por três perguntas que todos os admiradores do futebol fazem e que os neurocientistas poderiam tentar responder.

Quem foi o melhor jogador brasileiro de todos os tempos?

“Se há um Deus que regula o futebol, esse Deus

é, sobretudo, irônico e farsante, e Garrincha foi um de

seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de

todos, nos estádios. Mas, como é também um Deus

cruel, tirou do estonteante Garrincha a faculdade

de perceber sua condição de agente divino. Foi um

pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro

a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas

voltam, e não há outro Garrincha disponível. Precisa-

se de um novo, que nos alimente o sonho.” [3]

7 Paulistas: Arthur Friendenreich (1892-1969), Júlio Botelho (1929-2003), Djalma dos Santos (1929-), José João Altafini (Mazzola, 1938-) e Roberto Rivellino (1946-). Fluminenses: Domingos Antônio da Guia (1912-2000), Leônidas da Silva (1913-2004), Jair Rosa Pinto (1921-2005), Tomás Soares da Silva (Zizinho, 1921-2002), Nilton Reis dos Santos (1925-), Waldir Pereira (Didi, 1928-2001), Manoel Francisco dos Santos (Garrincha, 1933-1983), Gerson de Oliveira Nunes (1941-), Ademir da Guia (1942-), Jair Ventura Filho (Jairzinho, 1944-) e Arthur Antunes Coimbra (Zico, 1953-). Mineiros: Heleno de Freitas (1920-1959), Edson Arantes do Nascimento (Pelé, 1940-) e Eduardo Gonçalves de Andrade (Tostão, 1947-). Pernambucano: Ademir Marques de Meneses (1922-1996). Cata-rinense: Paulo Roberto Falcão (1953-). Paraense: Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira (1954-).

8 Garrincha e Pelé foram possivelmente os mais extraordinários jogadores de futebol de todos os tempos – uma dupla invencível. Garrincha jogou 60 partidas pela Seleção Brasileira entre 1955 e 1966, tendo perdido apenas a última que disputou (Hungria 3 x 1 Brasil, Copa do Mundo da Inglaterra). Pelé jogou 115 partidas pela Seleção Brasileira entre 1957 e 1971. Com Garrincha e Pelé jogando juntos a Canarinho nunca foi derrotada: foram 40 jogos, 35 vitórias e 5 empates entre 1958 e 1966.

9 Seria a Argentina o “país do futebol”? Essa é uma das questões mais polêmicas que se poderia formular numa roda de fanáticos pelo futebol, brasileiros ou argentinos. A Argentina dominou ao longo do Século XX boa parte dos confrontos regionais com Uruguai, Brasil e os demais países latinoamericanos. Embora tenha apenas dois títulos mundiais (Copa do Mundo da Argentina de 1978 e do México de 1986) e dois vice-campeonatos (Copa do Mundo do Uruguai de 1930 e Copa do Mundo da Itália de 1990), figurando no ranking histórico da Copa em quarto lugar (atrás de Brasil, Alemanha e Itália), los hermanos ganharam 14 campeonatos sulame-ricanos (contra 14 de uruguaios e 8 de brasileiros), 1 campeonato panamericano (contra dois dos brasileiros) e 22 Copas Liberta-dores da América (contra 13 de brasileiros e 8 de uruguaios), torneio este para clubes. Seus jogadores são tão talentosos quanto brasileiros e uruguaios e também estão espalhados pelos clubes do mundo inteiro. Di Stefano e Maradona estão em qualquer lista dos melhores do mundo de todos os tempos e Messi é o atual detentor do título de melhor do mundo concedido pela FIFA (2009).

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Zezé Moreira (Afredo Moreira Júnior, 1917-1998), técnico chamado para assumir a Seleção Brasileira após o maracanazo da Copa do Mundo de 1950, e que teve uma excelente carreira à frente da Canarinho, conquistando o título da primeira edição do Campeonato Panamericano de Futebol (Chile, 1952), assim como formando uma excelente seleção que disputou a Copa do Mundo da Suíça (1954), uma vez foi perguntado numa entrevista para a televisão quem seria o melhor jogador de futebol brasileiro de todos os tempos. A pergunta procede, pois Seu Zezé, como era chamado pelos jogadores, acompanhou grande parte da história do futebol brasileiro e certamente poderia dar uma opinião de cátedra sobre o assunto. Zezé Moreira sabiamente procurou esquivar-se de uma resposta categórica. O entrevistador, entretanto, insistiu e o pressionou delicadamente, esperando possivelmente que Pelé fosse nomeado e ungido por tamanha autoridade naquela entrevista. Final-mente, Zezé Moreira sábia e diplomaticamente fez para o entrevistador e seus telespectadores uma observação importante. Comentou que vira em atu-ação os maiores jogadores brasileiros de futebol ao longo da sua vida – e na conversa surgiram vários nomes sagrados como Friedenreich10, Heleno11 e, naturalmente, Pelé – e que todos eles tinham uma característica comum, um equilíbrio perfeito, pois esse é um jogo que se joga quase sempre apoiado num único pé, na maior parte das vezes “o pé ruim”. Dois importantes fatos da Neurociência foram tra-zidos à conversa naquele momento: o papel dos vários sistemas sensoriais no equilíbrio corporal e a assimetria funcional cerebral.

A informação proveniente do meio ambiente e dos diversos compartimentos, órgãos e tecidos do corpo chegam ao sistema nervoso através dos siste-

mas sensoriais. Didaticamente costumamos dividir os sistemas sensoriais do organismo humano em cinco sentidos especiais e um sentido geral – essa divisão é, naturalmente, arbitrária, e sujeita a uma série de senões e discussões que não cabem ser mencionados aqui [5]. Os sentidos especiais com-preendem: a olfação, com uma grande diversidade de células quimiorreceptivas distribuídas no epitélio olfativo [5,6]; a visão, com quatro tipos de fotorre-ceptores presentes nas camadas externas da retina [5,7]; a audição, com dois tipos de células ciliadas mecanorreceptivas situadas no órgão espiral de Corti da cóclea [5,8]; o vestibular, com dois tipos de células ciliadas mecanorreceptivas distribuídas nas máculas do sáculo e do utrículo e nas cristas ampolares dos canais semicirculares [5,9]; e a gustação, com diversos tipos de células quimiorre-ceptivas localizadas nas papilas gustativas [5,6]. O sentido geral corresponde à somestesia e depende de uma coleção extremamente diversificada de me-canorreceptores, termorreceptores, nocirreceptores e quimiorreceptores localizados em praticamente todos os tecidos do corpo [5,10].

Como visto acima, a orelha interna é sede de dois órgãos dos sentidos: sentido da audição e sentido vestibular. Os mecanorreceptores vestibu-lares são células ciliadas localizadas em regiões especializadas do epitélio que reveste o labirinto membranoso, chamadas máculas otolíticas e cristas ampolares. Essas células são estimuladas no caso das máculas e cristas ampolares, respectivamente, por acelerações lineares ou angulares atuando so-bre a cabeça do indivíduo. O mecanismo de trans-dução da energia mecânica do estímulo na energia eletroquímica celular envolve o deslocamento dos estereocílios presentes na porção apical dessas células.

10 Arthur Friedenreich ou, simplesmente, Fried, apelidado pelos uruguaios de El Tigre, foi o primeiro grande jogador do futebol brasi-leiro. Foi com Friedenreich que a Seleção Brasileira obteve o seu primeiro título sulamericano (Brasil, 1919) - ele foi o artilheiro da competição (junto com Neco) e marcou o gol da vitória contra os uruguaios na decisão, feito que levou as suas chuteiras a ficarem em exposição na vitrine de um loja de jóias raras no Rio de Janeiro. Sobre ele escreveu o uruguaio Eduardo Hughes Galeano: “Este mulato de olhos verdes fundou o modo brasileiro de jogar. Rompeu com os manuais ingleses: ele, ou o diabo que se metia

pela planta do seu pé. Friedenreich levou ao solene estádio dos brancos a irreverência dos rapazes cor de café que se divertiam

disputando uma bola de trapos nos subúrbios. Assim nasceu um estilo, aberto à fantasia, que prefere o prazer ao resultado. De

Friedenreich em diante, o futebol brasileiro que é brasileiro de verdade não tem ângulos retos, do mesmo jeito que as montanhas

do Rio de Janeiro e os edifícios de Oscar Niemeyer.” [1]11 Heleno de Freitas, advogado, boêmio, catimbeiro, boa vida, arrogante, galã, mas um homem de temperamento difícil, quase intra-

tável no relacionamento com os companheiros. Heleno entrou para a história como um dos maiores jogadores do futebol brasileiro e sulamericano e uma excelente biografia sobre ele foi recentemente publicada por Marcos Eduardo Neves, a qual termina com as belas palavras de Armando Nogueira (1927-2010), escritor acreano, um dos maiores cronistas esportivos brasileiros, recém falecido: “Heleno de Freitas, o craque das mais belas expressões corporais que conheci nos estádios, morreu, sem gestos, de

paralisia progressiva, e descansa, hoje, no cemitério de São João Nepomuceno, (cidade) onde nasceu um dia para jogar a própria

vida num match sem intervalo entre a glória e a esperança”.[4]

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Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 7

dispostos em três planos perpendiculares entre si, um arranjo que permite que os diversos movimen-tos angulares da cabeça sejam decompostos em movimentos da endolinfa dentro dos canais semicir-culares, dependendo da orientação desses canais; quando a cabeça sofre aceleração angular, as células ciliadas de pelo menos um canal semicircular de um lado são estimuladas enquanto que as células cilia-das do canal semicircular correspondente no outro lado do corpo são inibidas, devido ao deslocamento em direções opostas da endolinfa, o que move as cúpulas gelatinosas e movimenta os estereocílios celulares nelas embebidos.

O sistema vestibular envia para o sistema nervo-so central informação sobre a direção da gravidade e sobre o movimento da cabeça. Essa informação é combinada com aquela fornecida pelos receptores so-mestésicos localizados nas articulações e nas plan-tas dos pés, assim como com aquela provida pela visão, para gerar a percepção que o indivíduo tem do seu próprio corpo e das forças que nele atuam, assim como das partes do corpo umas em relação às outras. Esse “supersentido” do equilíbrio é uma combinação dos sentidos vestibular, somestésico e visual que ocorre no córtex cerebral. Além disso, tal como acontece noutros sistemas sensoriais, uma parte importante das vias vestibulares é dedicada a alimentar as respostas motoras, frequentemente num nível abaixo da consciência.

Assim, considerando-se as diversas ocorrências que cercam uma criança, tanto sua herança genética como as influências congênitas e os acometimentos pós-natais, particularmente as infecções relativamen-te comuns do ouvido médio e as não tão comuns do ouvido interno, é perfeitamente compreensível que se estabeleça ainda muito cedo na vida certa dife-rença entre elas no que diz respeito ao equilíbrio, à postura e à habilidade de executar os movimentos. Diferenças em outras habilidades também ocorrem entre as pessoas desde tenra idade, como acontece no desenho, na pintura, na escultura, no uso de ins-trumentos musicais e em diversos esportes.

Será essa, portanto, a matéria prima – um exce-lente desempenho do “supersentido” do equilíbrio, em particular do sentido vestibular – a partir do qual surgiram os grandes talentos do futebol, os príncipes da elegância dos gramados Friendenreich, Heleno, Pelé, Ademir da Guia, Falcão e, inclusive, Garrincha que apesar de suas decantadas pernas tortas sam-bava em campo com maestria sem igual?

Seguindo a linha de raciocínio levantada por Zezé Moreira, os males que ao longo da vida acometem o

As máculas do sáculo e do utrículo estão dispostas perpendiculares entre si, de tal forma a responder otimamente para acelerações lineares em diferentes planos do espaço. São as máculas que fornecem a informação necessária para a percepção consciente a todo momento da direção da acelera-ção da gravidade. De maneira semelhante existem três canais semicirculares em cada orelha interna,

Figura 1 - Garrincha (Manoel Francisco dos San-tos) e Pelé (Edson Arantes do Nascimento) foram possivelmente os mais extraordinários jogadores de futebol de todos os tempos – uma dupla invencível. Costuma-se dizer que Garrincha (foto acima [11]) foi o maior ponta-direita de todos os tempos e Pelé o maior craque de todos os tempos capaz de jogar em todas as posições. Entretanto, aqueles que viram Garrincha jogar na Copa do Mundo da FIFA realizada no Chile (1962), após a contusão de Pelé, compreenderam que também ali existia um jogador completo, de todas as posições e todas as jogadas, capaz de liderar a Canarinho para a sua segunda conquista mundial. Quem o vira jogar no clube de sua cidade natal não se surpreendeu: foi lá que ele aprendeu a jogar e jogava sempre que voltava como ponta-direita, ponta-esquerda, centroavante, ponta-de-lança ou meia-armador – um craque completo, como Pelé. Assim se explica porque o Brasil nunca perdeu com os dois em campo!

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sistema nervoso e, em particular, os vários centros que controlam a postura e o movimento, assim como as vias sensoriais que informam esses centros e as vias moto-ras que ligam esses centros aos efetores musculares, podem encurtar ou mesmo interromper abruptamente a carreira de um atleta do futebol. Lesões que acometam os sistemas visual, vestibular e somestésico podem ter consequências funestas para o equilíbrio e a precisão dos movimentos. Os diversos tipos de degeneração das vias motoras ou das fibras musculares serão obviamente fatais. Até mesmo doenças não neurais, mas que acometam tendões, ligamentos, cápsulas articulares e ossos podem comprometer profundamente o desempenho do atleta. E, naturalmente, as doenças do sistema nervoso central que muitas vezes são insidiosas, outras vezes de ocorrência súbita. Vários processos degenerativos que fazem parte da herança genética do indivíduo podem levar lentamente à morte neuronal progressiva no córtex cerebral, nos núcleos da base, no cerebelo e nos núcleos motores do tronco cerebral e medula espinhal, embora seja mais comum que esses processos manifestem-se clinicamente em idades mais avançadas. Por outro lado, neurotóxicos exógenos podem acometer aguda ou cronicamente em qualquer fase da vida promovendo a morte neuronal adquirida, como no alcoolismo crônico com sua predi-leção pelo córtex cerebelar. Finalmente, as sequelas de traumatismos cranianos contraídos dentro e fora do gramado, podem ter repercussões motoras ou sensoriais súbitas e, muitas vezes, passarem sem ser detectadas até mesmo em exames eletrofisiológicos e de neuroimageamento altamente refinados. Essas disfunções neurais são sempre inimigas à espreita de um grande talento esportivo e podem ter efeitos que expliquem o súbito enfraquecer e até mesmo apagar definitivo de uma estrela do futebol.

A marcação do impedimento pelo bandeirinha é uma tarefa impossível?

“Um jogador está em posição de impedimento

se estiver mais perto da linha do gol do adversário do

que ambos, a bola e o penúltimo homem da equipe

adversária, a não ser que ele esteja no seu próprio

campo. Um jogador na mesma linha do penúltimo

homem da equipe adversária é considerado em posi-

ção legal. Note-se que o último dos dois defensores

pode ser tanto o goleiro e outro defensor quanto dois

defensores quaisquer.” [12]

Não há aspecto do futebol que provoque maior controvérsia entre os jogadores, treinadores e torce-

dores do que a marcação dos impedimentos durante uma partida. Após o jogo, no dia seguinte ou nas se-manas, meses ou anos seguintes, um impedimento pode ser assunto de inúmeras rodas de conversa, matérias escritas e programas de rádio ou televisão – muitas vezes a marcação de um impedimento erra-damente ou a não aplicação da lei quando o atacante estava em posição irregular altera o resultado de uma partida. E com a facilidade atual de ver e rever vezes sem conta e de diversos ângulos uma mesma jogada através das gravações televisivas, o erro fica documentado e divulgado, os jogadores, técnicos e torcedores da equipe prejudicada não conseguem se conformar e as discussões sobre a jogada questio-nada prosseguem indefinidamente. A lei do impedi-mento foi regulamentada em 1863 juntamente com as primeiras regras oficiais da história do futebol [12]. A primeira versão dessa regra estabelecia que o atacante, para não estar em posição de impedi-mento, precisaria ter pelo menos quatro jogadores a sua frente; mais tarde esse número foi diminuído para três (1866) e, finalmente, para dois (1925); outra alteração importante da regra que perdura até hoje foi feita em 1907 quando se estabeleceu que a infração só ocorresse se o jogador estivesse na metade adversária do campo [12].

O impedimento pode ser marcado pelo juiz prin-cipal ou por um dos bandeirinhas, mas é crença de todos que o bandeirinha que acompanha o ataque esteja em posição privilegiada, muito melhor que a de qualquer dos outros dois árbitros para assinalar a infração. A tarefa parece simples: o bandeirinha precisa verificar no momento em que um atacante lança a bola para um companheiro a sua frente se este último está corretamente colocado em relação aos defensores (como descrito acima). O bandeirinha precisa olhar o atacante que passa a bola, realizar um movimento ocular sacádico (ver abaixo) para verificar a posição do atacante que recebe a bola e decidir se a jogada foi legal. O que somente os cientistas visuais e poucas pessoas mais sabem é que a exe-cução dessa tarefa beira o impossível.

O olho humano é um sistema mecânico altamen-te refinado, sendo dotado dos três graus de liberdade de rotação: o olho roda em torno de seus eixos dor-soventral, látero-lateral e ântero-posterior, havendo diversas possibilidades de combinação desses movimentos para satisfazer todas as necessidades do olhar [13,14]. Alguns movimentos são lentos e gradativos, como os movimentos disjuntos dos olhos, que podem ser convergentes ou divergentes e visam manter a imagem em pontos homólogos da retina.

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Pertencem também a essa categoria os movimentos conjugados de seguimento de um objeto móvel no campo visual – curiosamente esses movimentos não podem ser realizados voluntariamente se não existir um alvo a ser acompanhado com o olhar. Outros são movimentos balísticos, ou seja, são pré-programados e, uma vez iniciados, não podem ser interrompidos ou alterados, sendo chamados de movimentos con-jugados sacádicos.

Todos esses movimentos são realizados por seis músculos extrínsecos de cada lado que possuem um ponto de inserção no globo ocular e outro nas estru-turas da órbita ocular: reto superior, reto inferior, reto medial, reto lateral, oblíquo superior e oblíquo inferior – grosseiramente um par de músculos para cada eixo de rotação [13-15]. Esses músculos são comandados por motoneurônios situados nos núcleos de três ner-vos óculo-motores de cada lado do sistema nervoso central: nervo motor ocular comum (III par craniano), nervo troclear (IV par craniano) e nervo motor ocular externo (VI par craniano). Diversos centros neurais no tronco cerebral e cérebro controlam a atividade desses neurônios e existe um mecanismo refinado para que as contrações dos músculos nos dois olhos sejam simétricas ou assimétricas conforme o movimento necessário a cada tarefa visual [13,14].

Os movimentos sacádicos são aqueles utilizados para explorar uma cena visual, ler um texto e mudar a direção do olhar subitamente de um ponto para o outro, como é exigido do bandeirinha na verificação da existência ou não de posição de impedimento por parte de um atacante no futebol [13,14]. Durante os movimentos oculares sacádicos, ocorre um fenôme-no chamado supressão sacádica [13,16,17], o qual torna a missão do bandeirinha frequentemente muito difícil e talvez impossível em muitas situações.

Esse fenômeno foi descrito pela primeira vez por B. Erdmann e R. Dodge (1898) ao observarem durante a realização de um experimento não rela-cionado com o tema que um indivíduo nunca via o movimento dos próprios olhos [18,19]. A melhor maneira de entender esse fenômeno é realizar um experimento relativamente simples. Primeiramente, pedir ao interlocutor que olhe para um e outro olho seu, alternadamente, e verificar que o movimento dos olhos do interlocutor é facilmente visto. Em seguida, substituir o interlocutor por um espelho e olhar para a imagem dos seus próprios olhos, ora um, ora outro; surpreendentemente para quem nunca fez esse experimento, o movimento dos próprios olhos visualizados através de sua imagem no espelho agora não é percebido. A supressão sacádica representa a

enorme redução da capacidade de detectar ou discri-minar os estímulos visuais durante a execução dos movimentos sacádicos: um pouco antes do início do movimento, durante a execução deste e um pouco depois dele ter terminado, a capacidade visual do indivíduo diminui e ele fica cego para vários aspectos da cena visual [13,16,17].

Pouco é conhecido sobre os circuitos neurais e os mecanismos fisiológicos subjacentes a esse fenômeno, mas acredita-se que a sua função é poupar o indivíduo de perceber a degradação da imagem durante a sacada, cuja velocidade supera em grande parte a resolução espaço-temporal do processamento visual [13,16,17]. A degradação da imagem é observada nas filmagens com películas fotossensíveis de câmaras tradicionais ou com elementos fotossensíveis de câmaras eletrônicas, quando a velocidade de movimentação da câmara ex-cede a resolução temporal do processo de registro da imagem. As sacadas podem variar consideravelmente em magnitude entre menos de 1o a 20o de ângulo visual; sua duração é pequena, raramente maior do que 50 ms; e sua velocidade de pico pode chegar a 500 graus/s para grandes sacadas [14]. O tempo de integração do sistema visual humano, derivado da Lei de Bloch, é cerca de 100 ms; sua resolução temporal, a frequência crítica de fusão, é 50 Hz, o que corresponde a um ciclo de luz e escuro de 20 ms; o pico da sensibilidade ao contraste temporal para estímulos de frequência espacial baixa é cerca de 20 Hz, o que corresponde a um ciclo de 50 ms, mais de convergente com a Lei de Bloch. Confrontando esses números sobre a resolução temporal do sistema vi-sual com os parâmetros dos movimentos sacádicos oculares, pode-se prever que seria possível detectar durante as sacadas objetos com conteúdo de frequ-ências espaciais baixas, o que poderia provocar um efeito perturbador para o observador.

A supressão sacádica precede o movimento e, portanto, é um fenômeno desencadeado pelo próprio cérebro como parte da preparação para a execução e a própria execução do movimento. Todavia, existe certa controvérsia sobre que aspectos de uma cena visual são mais afetados pela supressão sacádica, ou seja, estímulos breves versus prolongados, estímulos acromáticos versus cromáticos, frequências espaciais altas versus baixas, de tal forma que essa é uma área da psicofísica visual que vem sendo explorada há cem anos [19-21]. Seus mecanismos neurofisiológicos também têm sido investigados com registro da ativida-de elétrica dos neurônios da via visual e os resultados utilizados para explicar os fenômenos psicofísicos

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[22]. Em experimentos psicofísicos realizados em condições controladas de laboratório, Burr et al. [21] demonstraram que a supressão afeta preferencialmen-te os aspectos acromáticos e na faixa de frequências espaciais baixas, ou seja, atributos comumente con-siderados como processados preferencialmente na via subcortical M e na via de processamento cortical dorsal. Além disso, utilizando mascaramento por con-traste eles sugeriram que a supressão sacádica ocorre em locais situados antes do local de mascaramento, ou seja, possivelmente no núcleo geniculado lateral do tálamo – assim, as camadas de retransmissão de informação pela via M, as camadas magnocelulares desse núcleo, são um sítio provável para a ocorrência desse fenômeno [21].

Embora seja surpreendente descobrir que uma pessoa fica parcialmente cega durante os movimen-tos sacádicos, os quais ocupam boa parte do tempo que ela dedica à exploração do meio ambiente com a visão, há toda uma série de situações onde um observador com visão completamente normal deixa de ver ou detectar diversos aspectos de uma cena visual, seja por um fenômeno sensorial (como em imagens projetadas sobre o disco óptico), seja por um fenômeno ligado à atenção visual [23].

Assim, embora o bandeirinha acerte na maior parte dos casos, os quais são relativamente fáceis de visualizar, ele está condenado a fracassar nas situações difíceis, seja em virtude da supressão sacádica, seja porque outros fatores além dela, tais como o crowding dos elementos presentes na cena comprometendo a atenção visual, ou mesmo a distância e o simples encobrimento dos elementos chaves da cena (o jogador que passa a bola, a bola, o atacante que se desloca para recebê-la e os de-fensores e suas posições em relação ao atacante) conspiram para tornar crítica a tomada de decisão. Somem-se a esses os efeitos complicadores da ve-locidade de toda a ação e a própria movimentação do bandeirinha no momento em que precisa realizar a tarefa: quanto mais habilidosos e rápidos são os atacantes em fugir da situação de impedimento ou os defensores em provocá-la, mais vezes o bandeirinha

estará sujeito a cometer aqueles erros que renderão conversas sem fim...

Por que Baggio perdeu o penalty?

“Nestes últimos anos, ninguém ofereceu aos

italianos um futebol tão bom, nem tanto assunto

para conversa. O futebol de Roberto Baggio tem

mistério: as pernas pensam por sua conta, o pé

dispara sozinho, os olhos vêem os gols antes que

aconteçam.” [1]

A Copa do Mundo dos EUA (1994) foi decidida na cobrança de penalidades máximas ou cobrança de penalties para usar a expressão inglesa preferida por muitos brasileiros. Até 1986 e, inclusive, nas conquistas de 1958, 1962 e 1970, a Seleção Brasi-leira utilizou uma formação com três atacantes (ponta direita, centroavante e ponta esquerda; Garrincha, Vavá e Zagalo na final da Copa de 1958), apoiados por dois meias (meia direita e meia esquerda; Didi e Pelé) e um volante (Zito) à frente dos quatro zagueiros (Djalma Santos, Bellini, Orlando e Nilton Santos), com os dois zagueiros centrais (Bellini e Orlando) protegendo diretamente o goleiro (Gilmar). Essa for-mação às vezes podia usar um ponta recuado para proteger o meio de campo (Zagalo em 1958) ou com meiocampistas revezando-se para ocupar o espaço de um ponta na ausência de um especialista da posi-ção, assim como com um ou dois laterais chegando à frente para ajudar o ataque e, inclusive, ocupar o espaço tradicionalmente destinado aos pontas. A partir da derrota de 1982 na Copa do Mundo da FIFA realizada na Espanha (Itália 3 x 2 Brasil nas oitavas de final) o futebol brasileiro mudou gradativamente, seguindo os ventos mais defensivos que sopram na Europa. Até hoje a Seleção joga com dois atacantes e quatro homens no meio de campo, não há pontas e seu espaço é ocupado pelos laterais, frequentemente apenas um de cada vez subindo ao ataque.12 Em 1994, jogando recuado e em contra-ataques velozes, a Canarinho chegou à final com a Itália, mas o mar-cador não passou de 0 x 0 depois de cento e vinte

12 As “camisas brancas enfunadas pelo vento”, neste ano de 2010, voltaram mais uma vez a alegrar o futebol brasileiro. O novo Santos FC, treinado pelo paulista Dorival Silvestre Júnior (1962-) e comandado em campo pelo elegante e habilidoso paraense Paulo Henrique Chagas de Lima (Paulo Henrique Ganso, 1989-), ataca simultaneamente com três atacantes e dois, ou até mesmo três, meiocampistas apoiados pelos laterais. O resultado são partidas de muitos gols e a renovação da alegria do esporte, em vez dos soníferos encontros de equipes congestionadas de volantes em seu meio campo que privaram ao longo de décadas o futebol brasileiro do que ele tem de melhor. Atrevo-me a dizer que o futebol brasileiro vive uma encruzilhada como a que viveu em 1982 – se o Santos FC, que já venceu o Campeonato Paulista deste ano, vencer a Copa do Brasil (onde já é finalista) e o Campeonato Brasileiro, isso talvez gere uma nova mudança de volta ao futebol alegre e ofensivo do “país do futebol”.

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minutos de jogo. A partida e a Copa do Mundo (esta pela primeira vez na sua história) foram decididas na cobrança de penalties. O último a cobrar foi Roberto Baggio, o melhor jogador italiano, que atirou a bola muito acima da meta defendida por Taffarel. O Brasil explodiu de alívio e alegria e comemorou por dias, pela quarta vez na sua história, a conquista da Copa do Mundo da FIFA! Por que Baggio perdeu o penalty e de forma tão estabanada?

Façamos uma rápida digressão pelas artes bélicas. Dois tipos básicos de artilharia podem ser usados contra um inimigo distante. Quando se atira com canhões, utiliza-se a pré-programação para lan-çar os obuses no terreno inimigo; o local de impacto é registrado e o desempenho é comparado com o previsto; são feitas correções nos parâmetros usa-dos na pré-programação e repetido o tiro; através de sucessivas aproximações o resultado é progressiva-mente melhorado até atingir-se o objetivo desejado para o bombardeio. Uma situação bastante diferente é o bombardeio com mísseis. Aqui o pré-programa com o qual o míssil inicia sua viagem até o alvo é ajustado durante o vôo, utilizando-se um conjunto de sensores de aceleração (acelerômetros) e rotação (giroscópios) para calcular sua posição, orientação e velocidade (direção e velocidade de movimento) – o chamado sistema de navegação inercial do míssil [24]. Um elemento importante desse sistema de sensores é o giroscópio, o qual constitui um dos segredos importantes da tecnologia de construção de mísseis e lançadores de espaçonaves [25].13

Os movimentos realizados por um ser humano podem ser descritos fazendo-se um paralelo com os exemplos bélicos acima. Certos movimentos, como apanhar uma fruta para alimentar-se, são pré-programados e, a partir dessa informação inicial, executados sob intensa retroalimentação sensorial originada em receptores musculares, tendinosos, articulares, cutâneos, vestibulares e visuais. Tanto a pré-programação quanto os ajustes durante a execução atuam de um lado sobre a postura, a qual serve de “pano de fundo” sobre o qual o organismo se move, e de outro no próprio movimento [26,27]. Dessa forma, o movimento de apanhar um objeto é inicialmente programado a partir dos requisitos estabelecidos e da informação sensorial disponível e, então, monitorado pelos sistemas sensoriais até

o final de sua execução, com ajustes pelos sistemas motores de posição, velocidade e aceleração impres-cindíveis ao sucesso pretendido.

Outros movimentos, entretanto, não podem ser monitorados até objetivo pretendido. Eles incluem uma série de atos ligados à prática esportiva tanto du-rante a fase dinâmica do jogo quanto nos “lances de bola parada”: o saque no voleibol, o saque no tênis e a cobrança de penalty no futebol, para citar alguns exemplos. Esses movimentos são pré-programados e monitorados sensorialmente até o momento em que a mão (no caso do voleibol), a raquete (no caso do tênis) ou o pé (no caso do futebol) atingem a bola. A partir daí a bola segue em trajetória balística na direção do alvo. E a precisão do movimento precisa ser corrigida através da repetição vezes sem fim, durante os treinamentos, confrontando-se o resultado obtido em cada tentativa com o resultado pretendido. Quem já praticou um esporte sabe quantas vezes e durante quanto tempo um atleta precisa repetir esses atos motores para aprimorar a sua habilidade natural.

A execução de um movimento “encomendado” por outras regiões do sistema nervoso depende da interação entre o córtex cerebral, os núcleos da base e o cerebelo. Existem evidências que o processamento de informação em várias áreas do córtex cerebral leva à emissão de comandos mo-tores pelas regiões motoras corticais e que então esses comandos são convertidos em programas ou padrões motores para a efetuação do movimento em coordenadas espaço-temporais [26,27]. Esses programas motores são gerados por estruturas subcorticais, situadas no cerebelo e nos núcleos da base, de tal forma que os movimentos rápidos são pré-programados pelo cerebelo no que diz respeito ao momento e à duração da atividade, enquanto que os núcleos da base exercem papel semelhante nos movimentos lentos executados numa gama de velocidades [26-31]. Finalmente, para aqueles movimentos que necessitam de análise sensorial sofisticada dos objetos, os padrões originados pelo cerebelo e núcleos da base são processados e re-finados posteriormente no córtex cerebral [24-29].

O ser humano nasce com uma infraestrutura motora que está escrita em seu genoma [27]. São circuitos neurais que fazem parte da herança gené-tica comum da espécie e que permitem a execução

13 O giroscópio é um aparelho para medir ou manter a orientação baseado nos princípios da conservação do momento angular, sendo o mais antigo conhecido aquele construído pelo alemão Johann Bohnenberger em 1817. Os giroscópios são usados em sistemas de navegação inercial quando as bússolas magnéticas não funcionam (como nos telescópios localizados no espaço) ou não são suficientemente precisas (como nos mísseis), assim como para a estabilização de veículos aeronáuticos automáticos, ou ainda para manter a direção de um túnel de mineração [25].

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do repertório básico de movimentos essenciais à sobrevida do indivíduo, incluindo os movimentos res-piratórios, a postura, a locomoção e os movimentos oculares [27]. Somam-se a esses outros circuitos neurais básicos que permitem os movimentos das mãos e dos dedos para alcançar e segurar objetos e a produção dos sons da fala [27]. Essa infraestrutura motora está disponível a todos os seres humanos após a vida embrionária, o nascimento e o amadu-recimento pós-natal do sistema nervoso.

Além disso, o sistema motor é caracterizado pela sua capacidade de aprender, o que é chama-do de aprendizagem motora ou de procedimento (procedural), a qual depende do funcionamento integrado do córtex cerebral e dos núcleos da base para a aprendizagem de novas sequências motoras e, consequentemente, novas habilidades comporta-mentais, e do cerebelo que é indispensável para a refinada qualidade dos diferentes padrões motores e a habilidade de associar dois estímulos durante reflexos condicionados [27].

O aprendizado motor depende em diversas situ-ações da repetição incontável do mesmo movimento pelo indivíduo, corrigindo-o e refinando-o a partir da in-formação sensorial disponível e confrontando objetivo e resultado a cada tentativa. Baggio, como todos os jogadores de futebol, treinou ad nauseum a cobrança de um penalty. Com certeza os programas motores do seu cerebelo e núcleos da base e o recrutamento e refinamento sensorial desses programas pelas interações que se passaram no nível do seu córtex cerebral o dotaram de todo o arcabouço neural para atirar aquela bola de 1994 da maneira mais perigosa possível à meta defendida por Taffarel. Entretanto, um aspecto desse complexo de fenômenos fisioló-gicos estava fora do seu controle.

Os programas motores residentes no sistema nervoso central comunicam-se com os efetores do movimento, os músculos, através dos moteurônios dos núcleos motores do tronco cerebral e da medula espinhal. Esses motoneurônios projetam seus axônios para inervarem as fibras musculares estriadas esque-léticas que constituem esses músculos, destino final dos comandos neurais. Existem três classes de fibras musculares que se distinguem pela predominância de metabolismo anaeróbico ou aeróbico, pela força muscular que geram, pela velocidade de contração e pela resistência à fadiga [32]. Os diferentes tipos de músculos são formados por diferentes proporções dessas diferentes classes de fibras musculares e esses músculos são usados preferencialmente nas várias ações dos diversos esportes, inclusive o futebol.

Inevitavelmente, ao final de uma extenuante partida final de um campeonato de extrema impor-tância como a Copa do Mundo da FIFA, as condições metabólicas das fibras musculares de um atleta não são as mesmas de quando ele está descansado ou mesmo do final de um treino mesmo que de certa intensidade. Baggio, como todo grande atleta, com certeza exercitou a cobrança de penalties seja em momentos descansados seja ao final dos treinamen-tos, como é mais comum. Desenvolveu ao longo da vida, certamente desde a infância, os programas mo-tores para desferir golpes certeiros na meta adversá-ria. Ao final da Copa do Mundo de 1994, entretanto, após 120 minutos de uma batalha entre as quatro linhas, os programas motores usados para aquela cobrança foram certamente os mesmos altamente refinados por anos de treinamento de um atleta excepcional. Contudo, os efetores, as suas fibras musculares, não estavam nas condições em que ele treinou. Creio que consciente ou inconscientemente, muitos atletas tentam compensar essa diminuição de potência muscular, enviando comandos motores que exigem uma força maior do que normalmente. Mas é muito difícil acertar de primeira vez o quanto deve ser pedido a mais dos músculos e o resultado pode ser um tiro fraco que o arqueiro defenda ou um tiro muito forte por cima da meta adversária. Acredito que foi assim, infelizmente para a grande e fanática torcida italiana, naquele dia fatídico para eles, que Baggio perdeu o penalty. O Arquiteto do Universo que sobre tudo zela recompensou a torcida da Squadra Azzurra doze anos depois e, quando a Copa do Mundo da FIFA veio a ser decidida pela se-gunda vez nos penalties, a Itália derrotou a França e sagrou-se campeã da Copa do Mundo da Alemanha de 2006. Para Baggio, entretanto, não houve outra oportunidade...

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Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 201014

Opinião

Reserva cognitiva: o novo conceito de plasticidade neural associada às funções superiores

Álvaro Machado Dias

Mestre e Doutorando, Univer-

sidade de São Paulo, Dep. de

Neurociências e Comportamen-

to, Apoio Institucional: CNPQ

Correspondência: Av. Prof.

Mello Moraes, 1721, Caixa

Postal 66261 Cidade Universi-

tária 05508-030 São Paulo SP,

E-mail: [email protected]

Entre as diversas linhas de estudo da mente humana enquanto proprie-dade emergente do funcionamento neuronal, poucas despertaram o interesse de leigos e cientistas quanto a da extensão e dos limites das transformações cerebrais, passíveis de serem geradas através do aprendizado. Denominada em sua forma mais ampla de ‘plasticidade neural’, esta capacidade dinâmica se tornou célebre a partir da elegante proposição de Donald Hebb [1], que a descreveu como um processo associacionista, fundamentalmente determina-do pela alteração na eficácia conectiva de neurônios (pré e pós-sinápticos), a partir da emissão de potenciais de ação sincrônicos.

Desde então, muita esperança se depositou na possibilidade de que a plasticidade cerebral também incluísse o surgimento maciço de novas células (neurogênese) e, consequentemente, uma ampla reformulação de redes neuronais danificadas. Não obstante, trinta e dois anos se passaram entre a publicação do clássico estudo de Hebb e a primeira demonstração de plasticidade neocortical [2] e, frustrando as expectativas, tais achados não representaram o elogio da neurogênese cortical, mas tanto pelo contrário, levaram à crença de que as perdas são frequentemente inexoráveis e de que o sonho da reparação de circuitos neuronais por meio da proliferação celular induzida encontrava-se distante. Para uma revisão, ver [3]; para uma discussão a cerca das áreas de maior neurogênese e das possibilidade de reparação cerebral por força da mesma, ver [4].

Frente a este panorama de certo modo frustrante, apresentamos a nossa tese: assim como aqueles que acreditam em neurogênese central maciça estão errados e devem se contentar com a pífia recuperação de porções cor-ticais afetadas por morte celular intensa (sobretudo em se tratando de áreas multimodais), aqueles que afirmam a desvalia da plasticidade induzida por aprendizado intencional, na promoção de melhor responsividade aos efeitos da perda celular e, portanto, na configuração de efeitos práticos equiparáveis ao da reparação cerebral por neurogênese, também estão.

Este aparente paradoxo desfaz-se através da superação de uma pers-pectiva tanto errada quanto disseminada: o verdadeiro campo onde viceja o sentido mais profundo dos efeitos propiciados pelo aprendizado intencional e esforçoso em relação às consequências da perda de neurônios corticais é tanto menos o da ‘reparação’ quanto o da ‘prevenção’ das limitações im-postas pelas avarias abruptas da trama neurológica (i.e., AVCs, acidentes mecânicos) e, de sobremaneira, das mazelas associadas ao envelhecimento e subsequente morte celular.

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Corroborando esta tese, é interessante notar que duas tendências vêm crescendo no âmbito das neurociências, particularmente no que tange à neuropsiquiatria; uma é a de se enfatizar o papel determinante das anormalidades conectivas na fisiopatologia de muitos transtornos psiquiátricos, não sendo um fato menor que Friston e Frith [5] tenham recentemente proposto que a esquizofrenia seria uma síndrome desconectiva, a despeito dos milhares de estudos que a vinculam a perdas locali-zadas ou gerais de neurônios (para uma discussão, ver [6]). A outra se faz representada pela crescente influência e instrumentalidade do conceito de re-serva cognitiva, o qual versa sobre as ‘economias’ neuronais (i.e., circuitos em redundância, neurônios cuja função é dividida com outros) que os cérebros individualmente abarcam e que em parte explicam porque pessoas sofrendo de condições neurológicas análogas frequentemente apresentam sintomas de intensidade diversa.

Muito significativamente, vem se consolidando a crença de que a variável que mais contribui para a determinação da reserva cognitiva não é de or-dem física (i.e. volume encefálico), mas intelectual: “Reserva cognitiva é mais do que anatomia cerebral (...) seu fator chave parece ser o nível educacional” [7]; para uma comparação da importância relativa do volume intracraniano em relação à educação, ver [8]. Acreditamos que seja precisamente por esta via que melhor se poderia explicar a relação (ainda pouco esclarecida) entre escassez de estímulos cognitivos e cronificação, ao longo dos mais diversos eixos nosográficos neuropsiquiátricos e, de sobremaneira, em relação à senilidade.

Em conclusão, assinalamos que uma das máximas das neurociências é a de que a morte de

neurônios corticais é parcamente restituída, ao passo que existem maneiras de se minimizar intencional-mente os danos causados pela mesma, através da realização contínua de tarefas intelectualmente desa-fiadoras; vicissitude esta que retroage aos princípios elementares de plasticidade neural, que readquirem sua importância original. No nosso entendimento, esta perspectiva não apenas deve ser incorporada privadamente (incentivamos os leitores a jamais abandoná-la), como deve se tornar alvo de políticas de saúde pública de caráter preventivo, tal como vem ocorrendo em relação à alimentação (combate à sub-nutrição e obesidade) e o sexo desprotegido: alguém já pensou o quanto o estado brasileiro pouparia em serviços médicos assistenciais caso respeitasse esta máxima e investisse mais em educação?

Referências

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Perspectiva

Sensibilização Central: ação da NA e 5HT na modulação da dor

Osvaldo JM Nascimento

A dor aguda, habitualmente transitória, decorrente da injúria ou doença, é útil como um sinal de alerta biológico, que protege e mantém a integridade e a sobrevivência de um organismo. No entanto, quando a dor deixa de ter essa utilidade, permanecendo além do tempo, passa a ser um grave problema de saúde, em muito comprometendo a qualidade de vida, fazendo-a diminuir gradativamente.

Essa progressão da dor em tornar-se crônica significa que a dor per

se passa a se transformar numa síndrome clínica, independente da razão etiológica e, desse modo, deve ser considerada e tratada. A etiologia da dor requer diagnóstico preciso e adequado tratamento, no entanto, na dor crônica, embora tratada a etiologia, a experiência dolorosa pode persistir ou agravar-se ao longo do tempo, na dependência dos eventos de sensibilização neural no sistema nervoso periférico e/ou central.

Na ponta posterior da medula, normalmente, ocorre a modulação dos estímulos que vêm da periferia em direção ao cérebro. Esses si-nais são modulados por um sistema de comporta e podem ser tanto amortecidos pelo sistema inibidor como amplificados pelo sistema excitatório [1]. Quando ocorre lesão do nervo ou gânglio sensitivo os sinais advindos podem ser amplificados na ponta posterior da medula. Essa amplificação pode produzir um processo de disparo que sustenta a dor além do tempo, depois da lesão inicial do nervo. Nessa situação a sensibilização central modifica-se e passa a depender da atuação nociceptiva, tornando-se dependente da atividade da medula espinhal e de centros superiores no cérebro, os quais são importantes nos es-tados de dor central, tais como os causados por lesões medulares ou na dor pós-acidente vascular cerebral. Assim, ocorre um aumento da expressão de canais de Na+ Nav1.3 em neurônios de segunda-ordem no corno posterior da medula e em neurônios talâmicos de terceira-ordem, após essas lesões, aumentando a hiperexcitabilidade nas vias da dor, contribuindo, desse modo, para a manutenção da sensação dolorosa. A amplificação da informação relacionada a dor, que chega a lamina I do corno posterior, contribui para a dor inflamatória ou seja, a inflamação causa a liberação de neuromoduladores, incluindo a substância P e glutamato, no corno posterior da medula [2].

De outra feita, o cérebro detém a habilidade de exercer controle sobre a dor. Vários estudos, incluindo aqueles por imagem, têm demons-trado atividade entre várias áreas do tronco cerebral e do córtex rostral anterior do cíngulo que tornam evidente o controle central do cérebro

Professor Titular de Neurologia

Universidade Federal Flumi-

nense - UFF

Coordenador do Programa de

Pós-Graduação em Neurologia/

Neurociências

Responsável pelo Setor de

Neuropatias Periféricas e Dor

Neuropática

Coordenador do Departamento

de Dor da Academia Brasileira

de Neurologia

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na modulação da dor [3]. Atualmente, a maioria das pesquisas tem sido direcionada para a redução da excitabilidade advinda do nervo periférico, ou do corno posterior. Como reforçar a auto-inibição neuronal é muito complexo de se explorar, pela razão óbvia que o SNC é difícil de acessar e as pesquisas avançam por observações indiretas, geralmente são estudados mecanismos de determinados grupos de fármacos ou fármacos específicos.

Os mecanismos centrais de dor e o processo de depressão utilizam os mesmos substratos neu-roquímicos, no entanto, deve-se enfatizar que os antidepressivos têm ação analgésica na ausência de sintomas depressivos [4]. Os antidepressivos detém a habilidade de modular a disponibilidade de serotonina (5-HT) e noradrenalina (NA), bloqueando o mecanismo de recaptação de monoaminas, além da possibilidade de ação bloqueadora sobre os canais de Na+ voltagem-dependentes e canais de cálcio voltagem dependentes [5]. Na figura 1 referimos essas vias inibitórias da dor. Múltiplos mecanismos estão envolvidos no processamento fisiopatológico da dor neuropática tais como excitabilidade ectópica na área lesada do sistema nervoso, reorganização estrutural em diferentes níveis das vias sensitivas, sensibilização periférica e central, redução da inibi-ção. O circuito neuronal envolvido no processamento da dor envolve um equilíbrio entre as vias inibitórias e excitatórias. Quando ocorre lesão de nervos perifé-ricos há redução do controle do processo de inibição central sobre o corno posterior da medula. 5-HT e NA estão envolvidas no circuito de modulação da dor, que inclui a amígdala, a substância cinzenta periaquedutal (PAG), tegmento pontino dorsolateral (DLPT) e medula rostroventral (RVM). 5-HT e NA liberadas neste circui-to modificam os sinais de dor no corno posterior da medula espinhal.

Atividade nas vias NA resultam em atividade inibitória no corno dorsal, enquanto a atividade nas vias serotoninérgicas no tronco cerebral resulta tanto em atividade excitatória como inibitória. Isso pode, em parte, explicar porque os inibidores seletivos de recaptação da serotonina não funcionam tão bem quando usados isoladamente no tratamento da dor neuropática. O aumento da atividade tanto da 5-HT como da NA auxilia no tratamento da dor. A ação inibitória da dor promovida pelos antidepressivos duais admite-se resultar do aumento da atividade da

5-HT e da NA nas vias inibitórias descendentes da dor no sistema nervoso central, devido a ligação, por exemplo, da duloxetina com os transportadores de recaptação da 5-HT e NA.

Figura 1 - Vias inibitórias da dor [6].

Referências

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A dor neuropática está associada com excitação elevada e inibição reduzida das vias dolorosas ascendentes

As vias descen-dentes modulam os sinais ascendentes

NA e 5-HT são neurotransmis-sores-chave nas vias dolorosas inibitórias descendentes

O aumento da disponibilidade de NA e 5-HT pode promover inibição central da dor

5-HT- NA

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Perspectiva

Vírus como traçadores neuronais

Viruses as neuronal tracers

Judney Cley Cavalcante

Laboratório de Neuroanatomia,

Departamento de Morfologia,

Centro de Biociências, Univer-

sidade Federal do Rio Grande

do Norte

Correspondência: Departa-

mento de Morfologia, Centro de

Biociências, Campus univer-

sitário, Av. Senador Salgado

Filho S/N, Lagoa Nova 59072-

970 Natal RN, Tel: (84) 3215

3431 Fax: (84) 3211 9207,

E-mail: [email protected]

ResumoOs vírus vêm sendo utilizados como traçadores transneuronais por muitos anos. Recente-

mente eles têm sido utilizados como vetores de inserção em neurônios de moléculas mar-cadoras sob controle de promotores. Ao serem expressas, essas moléculas marcadoras preenchem o citoplasma dando um aspecto de célula de Golgi ao neurônio, permitindo assim o traçamento de sua projeção anterógrada. A principal vantagem na utilização de vírus como traçador neuronal anterógrado é o estudo de vias neuronais específicas utili-zando a inserção de moléculas marcadoras sob controle de promotores que podem ser “lidos” apenas por células específicas.

Palavras-chave: vias neuronais, moléculas marcadoras, vetores de inserção.

AbstractViruses have been used as transneuronal tracer for a long time. Recently they have been

used to insert promoters-controlled markers inside the neuronal genetic machinery. When expressed, those markers fulfill the cytoplasm giving the neurons an aspect of Golgi stain-ing, allowing them to be traced. The main advantages of use the virus as an anterograde neuronal tracer is to study specific neuronal pathways using markers controlled by specific promoters that can be transcripted by specific cells.

Key-words: neuronal pathways, promoters-controlled markers.

Introdução

Traçadores neuronais são ferramentas muito importantes na desco-berta de vias neurais e na elucidação de funções de áreas específicas. Utilizando esta ferramenta sabemos quem conversa com quem no sis-tema nervoso. Mesclada com outras técnicas, o traçamento neuronal pode revelar que tipo de linguagem os neurônios de uma determinada área utiliza. Diversos tipos de traçadores já existem e o vírus é uma categoria especial deles.

Com a capacidade de infectar um neurônio, se replicar e passar para outro neurônio, os vírus se tornaram os melhores traçadores transneuronais (ou transsinápticos) existentes. Enquanto os vírus se replicam em cadeia, amplificando a marcação, outros traçadores que têm a capacidade de ser tranferidos de um neurônio a outro se diluem

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Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 19

no interior de cada neurônio de uma mesma cadeia perdendo sua efetividade, portanto os vírus podem ser traçados de forma mais satisfatória por uma sequência longa de neurônios.

Diferentes vírus podem ser utilizados como traçadores transneuronais. Vírus da raiva e o da pseudo-raiva são os mais utilizados como traçadores transneuronais retrógrados [1-3], enquanto o vírus do herpes (HSV) pode ser utilizado como traçador retró-grado ou anterógrado, dependendo do subtipo [4,5].

A visualização destes vírus é normalmente feita por imunoistoquímica utilizando um anticorpo espe-cífico para cada vírus [6].

Evolução

A utilização de vírus como traçador neuronal evo-luiu na última década com a introdução de vírus que não fazem transferência sináptica. Nesse caso, os vírus utilizam outra maquinaria e funcionam apenas como traçadores anterógrados. Os vírus desta nova geração de traçadores não se replicam na célula, eles carregam uma sequência genética que, quando aco-plada ao DNA do neurônio, promove a transcrição e tradução de uma molécula específica. Essa sequência genética é composta basicamente de um promotor que controla uma sequência de DNA que codifica uma molécula marcadora.

Em princípio, esta tecnologia foi utilizada na te-rapia gênica [7,8], introduzindo novas moléculas ou aumentando a expressão de moléculas pré-existentes no organismo, mas o advento de moléculas marcado-ras não tóxicas e sem ação neuromediadora, como a proteína verde fluorescente (GFP), impulsionou a utilização desta tecnologia no estudo das projeções neuronais. Desta forma, estes vírus funcionam ape-nas como vetores que têm a missão de infectar e acoplar seu material genético ao material genético do neurônio, daí por diante é a própria maquinaria molecular do neurônio que promove a expressão do marcador.

Vantagens e desvantagens

A GFP é a principal molécula marcadora utilizada. Apesar de ter uma fluorescência própria, revelação por imunoperoxidase mostra que neurônios que expressam GFP apresentam um aspecto de célula de Golgi, assim como outros traçadores anterógrados, como a leucoa-glutinina do Phaseolus vulgaris (PHA-L) ou a dextrana amina biotinilada (BDA) . Então, qual a vantagem de utilizar vetores virais como traçadores anterógrados?

PHA-L e BDA são ótimas ferramentas para o traçamento neuronal anterógrado, mas apresentam alguns problemas: ambos mostram, no local da in-jeção, marcação em neurônios que podem não ter transportado o traçador; e, no geral, seus locais de injeção apresentam um borrão central, o que torna difícil determinar com precisão quantos e quais neu-rônios captaram o traçador (Fig. 1c). Em contraste, no local da injeção do vetor viral, apenas neurônios que captaram o vetor e encorporaram seu material genético apresentam marcação para GFP, por isso podemos ver a exata população de neurônios que expressa GFP e está apta a transportá-lo (Fig. 1a e b). Devido à necessidade da maquinaria genética para a expressão de GFP, é praticamente impossível a marcação devido à captação do vírus por fibras de passagem, mesmo que estas estejam lesadas. Outra vantagem está no fato de que, desde que o vírus não seja tóxico ao neurônio, a expressão de GFP pode perdurar por meses, permitindo o traça-mento de longas projeções, enquanto que PHA-L e BDA são degradados em torno de 5 semanas após injeção [9, 10]. Portanto, o vetor viral pode se tornar uma boa ferramenta para traçamento em sistemas nervosos cujo exame só pode ser feito muito tempo depois da injeção, como em alguns animais de grande porte ou até em humanos voluntários na ocasião de outra cirurgia, permitindo, após a morte “natural” do indivíduo, a visualização de uma via traçada por uma injeção feita meses ou até anos antes.

Tipos de vírus

Os principais tipos de vírus utilizados como veto-res são o lentivírus e o vírus adeno-associado (AAV). O lentivírus possui virulência e necessita de um cuidado especial no transporte, manuseio e armazenamento. O AAV é um tipo de vírus que não carrega nenhuma proteína viral, à exceção da cápsula (que é eliminada poucas horas após infecção), por isso não é virulento e não ativa processos inflamatórios em demasia [11]. Além disso, AAV tipo 2 infecta apenas neurônios e tem uma taxa de infecção alta [8,12,13].

Carga viral

Apesar do tipo de vírus determinar o tipo de célula a ser infectada e a taxa de infecção, é a carga viral que determina a eficácia e especificidade do traçamento. Quando a intenção é utilizar o vírus como um traçador geral, usa-se a molécula marcadora associada a um promotor geral, ou seja, que será “lido” por qualquer

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célula infectada. Os promotores gerais mais utiliza-dos são o CMV (citomegalovírus) e o CBA (chicken beta actin). No entanto, podemos gerar promotores que só podem ser “lidos” por neurônios específicos, tornando tais vírus traçadores específicos. Por exem-plo, Card et al. [14] utilizaram injeção de lentivírus que carregava a GFP sob controle de um promotor sintético de dopamina-β-hidroxilase (DBH; primeira enzima da cadeia de síntese das catecolaminas) para traçar as projeções do grupamento C1 de neurônios catecolaminérgicos. Como tal promotor só é lido por neurônios catecolaminérgicos, apenas este tipo de neurônio infectado pelo vírus expressou GFP e pode ser traçado. Essa “brincadeira” com a carga genética é talvez a maior vantagem da utilização de vírus como traçador e abre a possibilidade da geração de uma infinidade de tipos de traçadores específicos.

Figura 1 - Injeção de vetor viral. (A) Neurônios expressando GFP, revelado por imunoperoxidase, após injeção do vetor viral AAV no núcleo parabraquial. (B) Maior aumento da caixa em A. (C) Injeção de PHAL no núcleo parabraquial. Note a diferença no aspecto da injeção. Abreviações: bc, pedúnculo cerebelar superior; IC, colí-culo inferior. Modificado de [11,15].

Perspectivas

A utilização de vírus como traçador ainda engati-nha no Brasil, pois laboratórios de virologia local não desenvolvem os vetores a serem utilizados. Além do mais, os bons resultados trazidos por estudos com traçadores mais acessíveis como o PHA-L e BDA, põem em xeque a real necessidade da utilização de vírus. No entanto, fica claro que, quando se trata de traçamento de vias específicas ou após longo período de sobrevida, os vírus se mostram como ferramenta especial, única e de futuro promissor.

Agradecimentos

Agradecimento a Tanágara Irina de Siqueira Ne-ves Falcão pela revisão do texto. JCC é apoiado pela FAPERN e CNPq.

Referências

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Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 201022

O quanto de seu sucesso (ou fracasso) é determinado por seus próprios méritos (ou deméritos) e quanto dele é explicado pela obra do acaso? O livro O andar do bêbado: como o acaso determina as nossas vidas traz um ótimo resumo da história da formação do conhecimento científico sobre a investigação das incertezas dos eventos, além de como o acaso pode ser um fator preponderante sobre os acontecimen-tos diários. O livro foi escrito pelo físico Leonard Mlodinow que ficou conhecido pelo grande público pela co-autoria do livro Uma nova história do tempo [1] ao lado do famoso físico inglês Stephen Hawkins.

O livro traz dez capítulos descrevendo a vida e o papel de importan-tes cientistas na formação de idéias básicas para a compreensão da formação do conhecimento estatístico, entremeado com fatos da vida de celebridades como Bill Gates, Steve Jobs, Bruce Willis, entre outros.

Interessantíssimo é o papel dos jogos de azar sobre a formação do conhecimento estatístico. Cardano, Galileu, Newton, Bernoulli, Lavoisier, Pascal, Fermat, Laplace foram pesquisadores que de forma direta ou indireta e por vontade própria ou por encomenda estudaram o que havia por de trás dos jogos de dados, baralhos, lançamentos de moedas, roletas e outros jogos comuns à vida européia de seus tempos. Até esses primeiros estudos, o resultado dos jogos era realmente encara-do como uma vontade divina. A partir de seus estudos, alguns deles levaram vantagem sobre seus oponentes e ganharam muito dinheiro, mas o que importa é que naquela Europa que se livrava da idade média surgia uma nova matemática e uma nova ciência baseada em um método replicável que reconhece que as falhas são intrínsecas às medidas e busca estimar a margem de erro de suas medidas.

Outro ponto importante são as exemplificações de problemas pro-babilísticos trazidos para discussão com os leitores. Um problema que gerou grande discussão nos Estados Unidos da América foi um desafio lançado por uma coluna de revista chamada “Ask Marilyn”. Esta coluna costumava fazer desafios que envolvessem lógica, estatística e situa-ções de vida diária aos leitores. O desafio controverso criado pela coluna descrevia um programa de tevê, daqueles em que o convidado tem que escolher uma de três portas para encontrar um prêmio. Depois de feita a escolha, o animador sabendo do que se escondia atrás das portas, abre uma delas que obrigatoriamente não apresenta um prêmio e pergunta ao convidado se ele quer mudar sua porta para a outra porta que continua fechada. A polêmica do desafio é que a coluna “Ask Marilyn” afirma que é vantajoso trocar de porta. Os editores da revista que publicava a coluna na época receberam uma enxurrada de cartas, desde anônimos

Leonard Mlodinow, O andar do bêbado – como o acaso determina nossas vidas, Zahar, 2009, 261 p.

Givago da Silva Souza é biólogo,

Doutor em Neurociências, Instituto

de Ciências Biológicas, Núcleo de

Medicina Tropical, Universidade

Federal do Pará,

Correspondência: givagosouza@

yahoo.com.br

por Givago da Silva Souza

Jogo no pano...jogo feito

Livros

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Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 23

a renomados pesquisadores, criticando a coluna por estar induzindo os leitores a uma compreensão errada de estatística, já que após a abertura de uma das portas sobrariam duas portas e as chances de acerto do convidado só poderia ser de 1:2, ou seja, não haveria vantagem em se trocar de porta como afirmado pela coluna. Mas acreditem se quiser, ou melhor, leiam no livro como, a coluna estava certa e os milhares de cartas estavam erradas.

Entre as curiosidades históricas regidas pelo acaso cito uma descoberta biológica que culminou no prêmio Nobel da física de Albert Einstein. Robert Brown, famoso microscopista escocês e descobridor do núcleo celular, observou que pequenas partículas se mexiam dentro de grãos de pólen. Esse movimen-to parecia ser completamente aleatório. O mesmo achado foi encontrado em suspensão de partículas orgânicas e inorgânicas. Brown inicialmente pensou ter descoberto algum tipo de força vital dos seres vivos, mas depois concluiu negativamente sobre tal hipótese. O pesquisador bretão morreu antes de conhecer a explicação do movimento aleatório batizado com seu nome, pois a solução do problema inicialmente biológico, só veio a ser elucubrado por Albert Einstein ao explicar as bases do movimento browniano das moléculas em 1905.

O livro é recomendado a todos que admiram a formação do conhecimento humano em uma deter-minada área e àqueles que trabalham com pesquisa científica. A compreensão de como os erros podem influenciar em nossas medidas experimentais é um pré-requisito para o cientista poder analisar os dados colhidos. Para nós das neurociências, o livro apresenta uma grande quantidade de citações de trabalhos sobre tomadas de decisões que envolvem desde a qualificação de vinhos a controle financeiro de grandes empresas, destacando-se os trabalhos dos prêmios Nobel de economia de 2002, Daniel Kahneman e Amos Tversky. O capítulo 9 denominado Ilusão de padrões e padrões de Ilusão traz trechos de discussão de como o cérebro humano avalia padrões em dados colhidos e faz julgamentos em situações de incerteza. A idéia básica é a de que a percepção humana é criada em cima de dados incompletos e ambíguos. Nossa consciência é derivada de um subconjunto de informações que refletem o mundo externo e que são traduzidas em sinais bioelétricos com diferentes eficácias. O resultado desse proces-

samento baseado na falta de informação são os vieses cognitivos e sensoriais. Os vieses cognitivos ganham importância na nossa relação com fenôme-nos aleatórios. Por exemplo, quando apresentamos uma idéia, ao invés de tentarmos provar que nossas idéias não estão erradas, geralmente tentamos provar que elas estão corretas. A esta barreira de nos livrar da interpretação errônea da aleatorieda-de, os psicólogos chamam de viés de confirmação. Comumente ao apoiarmos um governo preferimos dar-lhes os méritos ao sucesso de suas administra-ções e seus fracassos passamos, pelo menos em parte, à oposição. Nós não só evidenciamos nossas idéias pré-concebidas, como também interpretamos indícios ambíguos (aleatoriedade) a favor de nossas idéias. Nosso cérebro tem problemas em trabalhar com aquilo que não tem controle (acaso). Talvez isso explique porque tantos, mesmo após uns copos a mais de uísque, insistem em querer dirigir o carro! É comum atribuirmos sucessos e fracassos de equi-pes esportivas a poucas pessoas. Comumente no país do futebol, preferimos culpar o técnico por uma campanha ruim no campeonato ou elevar aos céus um jogador que de uma hora para outra se tornou artilheiro. Esses serão os mesmos que poderão ser vangloriados no fim de uma campanha (visto Carlos Alberto Parreira em 1994) ou esquecidos com o tempo (alguém lembra do Bujica?1).

Uma das discussões mais atraentes do livro é sobre o papel da distribuição normal em diferentes eventos físicos e biológicos e de como ela pode ser estudada na investigação científica. A boa compre-ensão deste tópico, apesar de não estar no livro, fez com que durante a segunda guerra mundial se criasse a teoria de detecção do sinal para o aperfei-çoamento de radares e depois permitiu que a neu-rociência aplicasse tal conhecimento em diferentes experimentações para estudos de testes diagnós-ticos e fisiologia sensorial e comportamental [2].

Enfim, o livro só vem a contribuir para o cres-cimento dos jovens pesquisadores e ampliação de campos de ação para os mais experientes.

Referências

1. Hawking S, Mlodinow L. Uma nova história do tempo. Rio de Janeiro: Ediouro; 2005.

2. Green D, Swets JA. Signal detection theory and psychophysics. New York: Wiley; 1966.

1. Bujica foi um centroavante do Clube de Regatas do Flamengo no fim da década de 1980 a início da década de 1990 que subs-tituiu o atacante Bebeto que fora jogar no Clube de Regatas do Vasco da Gama. No primeiro jogo de Bebeto contra o Flamengo, Bujica roubou a cena metendo dois gols e obscurecendo a atuação de seu antecessor. Com o passar dos anos a promessa de artilheiro não vingou.

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A mente humana tem um desafio que é, do ponto de vista lógico, filosófico, neurológico, linguístico ou qualquer outro que se escolha, uma quase impossibilidade: compreender a si mesma. Alguns acreditam que o destino das neurociências é, com o tempo, revelar os segredos últimos da relação corpo-alma; outros, no entanto, são partidários da frase segundo a qual, se o cérebro fosse simples a ponto de ser compreensível, nós seríamos simples a ponto de não compreende-lo.

Independentemente de qual das visões esteja correta, não se pode negar que por si só a busca por entender mais sobre o cérebro e a mente, quer seja esse objetivo alcançável ou não, vem gerando um conhecimento que se acumula numa enorme velocidade. Isso tem se traduzido em novas formas de tratamento para as doenças neurológi-cas e psiquiátricas, refinamento da capacidade diagnóstica de males do cérebro e até mesmo redução do preconceito contra os transtornos mentais, pois conforme a ciência avança, mais esclarecidas e menos preconceituosas tendem a ser as pessoas (nesse ponto vale comparar a sociedade norte-americana com a brasileira: o escritor Pete Urley me disse certa vez que nos Estados Unidos a antipsiquiatria não é mais um problema, pois o discurso ideológico que dizia serem os doentes mentais apenas pessoas que “escolheram ser normais de outra manei-ra” foi derrubado pelas evidencias científicas; confesso que tive inveja).

Na tentativa de explicar o funcionamento mental a psicanálise dominou o cenário durante muitos anos, reinando quase solitária como instrumento de investigação do mundo psíquico. Sem querer adentrar nos debates sobre seus limites e seus acertos, o fato é que, sozinha, ela não dá conta do recado. Por isso os cientistas têm se voltado, cada vez mais, para uma outra teoria, apresentada pouco antes, mas que por muito tempo não foi correlacionada à região acima do pescoço: a teoria da evolução darwiniana. Demorou a nos darmos conta disso provavelmente por conta de nossa visão da mente como substancia etérea e imaterial, uma causa não-causada. Mas no fundo seria óbvio: se, como disse o professor Theodosius Dobzhansky, nada em biologia faz sentido, a não ser à luz da evolução, isso inclui, forçosamente, nosso cérebro, peça fundamental – para dizer o mínimo – da nossa mente.

O livro Além de Darwin, de Reinaldo José Lopes, mostra um pouco desse caminho.

Não se trata, como o título deixa bem claro, de uma obra sobre a teoria da evolução como elaborada por Charles Darwin, mas sim de suas consequências um século e meio depois as descobertas que ela proporcionou e os refinamentos por quê passou ao ser ela mesma ilu-

Reinaldo José Lopes, Além de Darwin, Editora Globo, 2009, 232 p.

Daniel Martins de Barros é médico

psiquiatra formado pela Universi-

dade de São Paulo (USP), editor-

assistente da Neurociências, e

trabalha desde 2002 no Instituto de

Psiquiatria do Hospital das Clínicas

da Faculdade de Medicina da USP,

onde também é membro do Núcleo

de Psiquiatria Forense e Psicologia

Jurídica.

Correspondência: dan_barros@

yahoo.com.br

por Daniel Martins de Barros

A mente de Darwin

Livros

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minada por novos conhecimentos científicos. Fruto de seu trabalho como jornalista científico, o livro reúne textos cujas origens remontam a sua coluna sobre biologia evolutiva, costurados em seis blocos princi-pais: Parceiros, Mentes, Peças, Elos, Formas e Espe-

ranças. Embora os capítulos no interior de cada bloco sejam aproximados por alguma afinidade temática, os assuntos se sobrepõem ao longo das páginas, dificultando uma taxonomia precisa desses seres chamados informações. Senão vejamos: quando descreve um mamífero cuja sociedade subterrânea é, na maioria dos aspectos, igual à dos insetos so-ciais, como as abelhas e formigas, estamos falando de quê? Etologia? Psicologia animal? Fisiologia dos extremos? E quando adentra os aspectos éticos do trato com grandes primatas, contando sua experiên-cia com uma bebê gorila, extremamente semelhante à interação com crianças humanas? Ética? Teoria da mente? Genética comparada?

Claro que na seção Mentes há a maior concen-tração de textos versando sobre as pesquisas que

correlacionam o funcionamento mental à seleção natural e à genética: pistas sobre o desenvolvimento da inteligência vindas desde os céus (corvos são verdadeiros gênios, para desespero ainda maior de Poe) e dos mares (os polvos não deixam a desejar, como suspeitaria Júlio Verne); a função adaptativa da “carinha de neném”; ou o assustador parasita que manipula mentes humanas. A verdade é que em cada um dos relatos há um pouco de nós mesmos se revelando ao longo de todo o livro – das controversas teorias sobre o surgimento da religiosidade ou da homossexualidade aos riscos de sermos extintos por nossas próprias ações, o tempo todo Lopes fala de pessoas, seres humanos, seja como agentes ou como objetos de pesquisas.

A biologia evolutiva logicamente não é a resposta final, até porque não temos certeza sequer sobre as perguntas. Mas não resta dúvida que é uma ferramenta importante na caminhada em direção ao entendimento da mente, seja ele alcançável ou não.

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Artigo original

Genética molecular, teorias modernas de aprendizagem, teoria neurocientífica

das emoções e perspectivas para psicoterapia no terceiro milênio

Molecular genetics, modern theories of education,

neuroscientific theory of emotions and perspectives

for psychotherapy in the third millenium

Vera Lemgruber

Médica Psiquiatra, Mestre em Psico-

logia Clinica, Chefe do Setor de Psi-

coterapia do Serviço de Psiquiatria

do Hospital Geral da SCMRJ, Profes-

sora Associada Departamento de

Psicologia PUC-RIO (1970/2001),

Presidente da Associação Psiquiá-

trica do Estado do Rio de Janeiro

(2002/2005)

Correspondência: vera@psicotera-

piafocal.com.br

ResumoOs estudos neurocientíficos já demonstraram que o processo psicoterapêutico terá sem-

pre seu espaço como meio de ajudar o ser humano a enfrentar seus sofrimentos pessoais. A partir do inicio do século XXI tornou-se possível a explicação e fundamentação das bases de um processo psicoterapêutico pelos atuais conhecimentos obtidos com os resultados das pesquisas em neurociências. Na busca de sistematização dos aspectos técnicos desse processo, propõe-se que outras abordagens científicas também sejam utilizadas para a compreensão e sistematização de diversas táticas aplicadas na prática clínica.

Palavras-chave: processo psicoterapêutico, psicoterapia focal, neurociências.

AbstractNeuroscientific studies have shown that the psychotherapeutic process will have always

its place as a means of helping human beings to face their personal sufferings. From the beginning of the century made possible the explanation and justification of the founda-tions of a psychotherapeutic process by the current knowledge obtained from the results of research in neuroscience. In search of systematization of the technical aspects of this process, it is proposed that other scientific approaches are also used for the understand-ing and systematization of various tactics applied in clinical practice.

Key-words: psychotherapeutic process, focal psychotherapy, neuroscience.

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Introdução

Em função do impacto das recentes descober-tas das neurociências sobre o conhecimento do funcionamento cerebral e a verdadeira revolução que provocaram nessa área, caberia ao psicoterapeuta se colocar algumas questões, como, por exemplo: 1) por que o conhecimento dos resultados de pesquisas genéticas pode ser útil para o psicoterapeuta? 2) como as modernas teorias de aprendizagem funda-mentam um processo psicoterapêutico? 3) como a Teoria Neurocientífica das Emoções explica o conflito psicodinâmico?

Propostas de respostas

A Psicoterapia Focal, usando como referência o modelo de L. McCullough [1,2], sugere as seguintes respostas para as questões acima.

Pesquisas de genética molecular

Sir Francis Bacon, cientista e filósofo inglês (1561-1626), identificou aquilo que denominou Di-

lema Nature vs. Nurture e há milênios a humanidade tem se preocupado com a questão do que determi-naria a individualidade de cada ser humano. Mas foi somente em 2001 que o Projeto Genoma comprovou que o conjunto de genes da espécie humana repre-senta os alicerces da maioria de suas características e comportamentos.

O grande achado do Projeto Genoma foi o de revelar que a complexidade das diferentes espécies não está no número de genes ou em sua estrutura, mas sim nos mecanismos de controle de sua expres-são. Revelou também a possibilidade de herança de certas tendências comportamentais e as relações entre suscetibilidade individual – presença de mar-cadores genéticos – e certas doenças, inclusive, transtornos mentais.

Isso provocou uma mudança na forma de se conceber o determinismo genético e o ambiental. A genética deixou de ser considerada como destino obrigatório e passou a ser vista como potencial, ten-dência ou possibilidade. Ficou provado que o ser hu-mano já nasce equipado com uma espécie de setup neuroquímico, porém esse é passível de modificação pelo meio. Assim, cada indivíduo é determinado pela reação de seu genótipo com o meio ambiente, sendo uma resultante da integração desses dois vetores. Donde, a forma como a carga genética vai se expres-sar em cada indivíduo depende das circunstâncias

com as quais os genes se defrontam no meio externo. Há uma relativa autonomia para os seres humanos, pois os genes, mesmo que forneçam as bases, só se tornam ativos através da interação do indivíduo com seu meio ambiente.

O ser humano apresenta um alto grau de plastici-dade mental em resposta às mudanças necessárias ao seu desenvolvimento pessoal e à sua adaptação ao meio ambiente. Os genes, mesmo que forneçam as bases estruturais e constitucionais do temperamento e do comportamento humano, só terão sua expressão fenotípica através da interação do ser humano com seu ambiente externo. A qualidade dos cuidados ma-ternos nos primeiros anos de vida tem sido considera-da, comprovadamente, como um fator fundamental na expressão dos genes do bebê. O ser humano tem em seu sistema biológico a capacidade de apego e vínculo afetivo (attachment) – afetos fundamentais para seu desenvolvimento psicológico. Dados de pesquisas demonstram que a visão do rosto da mãe desencadeia altos níveis de opiáceos endógenos no cérebro infantil. Essas endorfinas são bioquimicamente responsáveis pelas características agradáveis da interação social e relacionamentos afetivos, agindo diretamente nos centros de recompensa sub-corticais dos cérebros infantis [3]. O vínculo mãe-bebê é importante para modelar as bases da capacidade de relacionamento social e afetivo dos seres humano, formatando as redes de conexões neuronais e modificando a neuro-química cerebral.

Para Roberto Lent [4] é possível desenvolver no-vas habilidades e aumentar a capacidade do Sistema Nervoso Central (SNC), criando novas combinações entre seus elementos e aumentando a eficiência das conexões já existentes. Isso pode ser feito através do treinamento e da repetição de um determinado estí-mulo, confirmando que, assim como as combinações de genes contribuem para o comportamento humano, os fatores sociais e o próprio comportamento agem diretamente no funcionamento cerebral, modificando a expressão genética através da aprendizagem.

A importância do conhecimento das novas pesquisas de genética molecular, para os psicote-rapeutas, advém principalmente do fato de que elas comprovam, com bases puramente científicas, a ca-pacidade de “plasticidade neuronal”. A plasticidade neuronal do ser humano implica na capacidade de mudanças de conexões entre os neurônios durante toda a vida e é básica para a sua sobrevivência. A possibilidade de interferir alterando o fenótipo dos in-divíduos demonstra que sempre haverá espaço para a intervenção psicoterapêutica com o ser humano.

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relação às “profundas modificações” de personalidade que se observava em tratamentos breves, sem que o paciente tivesse necessariamente tomado conhecimen-to ou elaborado as causas e raízes de seus problemas [10]. Em 1995, buscando explicar o mecanismo de potencialização dos ganhos terapêuticos após terem sido submetidos a abordagens psicoterapêuticas bre-ves, Lemgruber criou o conceito de Efeito Carambola na P. Focal [11]. A possibilidade de o paciente, num processo psicoterapêutico eficaz, vivenciar repetidas EECs intra e extra-terapêuticas num mecanismo de feedbback positivo e, com isso generalizar esse efeito para outras áreas de sua vida, foi comparado através de uma analogia com o termo do jogo de bilhar – Efeito Carambola. A Carambola do bilhar representa o impulso de uma tacada em uma bola que gera movimento em uma série de outras bolas. Essas, que não haviam sido diretamente atingidas pelo impacto inicial do taco, passam a mover-se impulsionadas pelo movimento gerado pela primeira bola. Da mesma forma, pela repercussão positiva da resolução do conflito focal, mudanças podem ocorrer em diversos outros aspectos não trabalhados diretamente no processo terapêutico.

Resumindo, a EEC é o princípio central do processo terapêutico focal e o Efeito Carambola, sua consequência, resultante das experiências de reaprendizagem emocional intra e extra-terapêuticas, levando à formação de novas conexões neuronais.

Teoria neurocientífica das emoções

De acordo com a teoria neurocientífica das emo-ções o ser humano já nasce com uma espécie de “kit de sobrevivência afetivo” - conjunto de afetos ine-rentes à própria natureza do ser humano, que serve como um arsenal de reações emocionais, facilitando sua adaptação ao seu meio. Essa abordagem segue o modelo sobre a evolução adaptativa dos seres humanos, proposto em 1859 por C. Darwin, em seu livro revolucionário sobre a origem das espécies. Em 1872, ele publica outro livro, desta vez sobre a expressão das emoções no homem e nos animais, dando sustentação à sua teoria evolucionista [12].

Através de seus estudos, Darwin demonstrou que os animais compartilham com o homem afetos como amor, dor, medo, ciúme e raiva. Ressalta também que os padrões comportamentais evoluem e são transmitidos hereditariamente da mesma forma que as características corporais, isto é, através da seleção natural.

Pesquisas realizadas no Departamento de Estu-dos da Criança da Universidade de Yale mostraram

Sua plasticidade cerebral permite a aprendizagem em todas as etapas da vida e indica a possibilidade de reestruturação e modificação de comportamento e atitudes através das vivências de Experiências Emocionais Corretivas.

Modernas teorias de aprendizagem

No livro Brave New Brain, a neurocientista N. Andreasen mostra que “podemos mudar quem

somos e o que somos, através do que vemos, ouvi-

mos, falamos e fazemos. O importante é treinar as

atividades certas do nosso cérebro. Esse processo

de aprendizagem é inerente não só à infância, mas

também à idade adulta e mesmo ao envelhecimento” [5]. O Prêmio Nobel de Ciências de 1999, E. Kandel, já havia afirmado que “aprendizagem é biologia” [6]. Segundo Liggan & Kay, “o treinamento ou a experi-

ência diferenciada leva a mudanças significativas na

neuroquímica cerebral, anatomia e eletrofisiologia.

Como consequência, é geralmente aceito que a psi-

coterapia seja uma poderosa intervenção que afeta

e modifica diretamente o cérebro” [7]. Nesse contexto é que modernamente se ins-

creve o conceito de Experiência Emocional Corretiva (EEC). Criado em 1942, pelo psicanalista F. Alexan-der [8] para explicar o processo como a intervenção psicoterapêutica se processa, por décadas a EEC foi injustamente desvalorizada na área das psicoterapias psicodinâmicas. Hoje sabemos que a EEC - um dos fundamentos da técnica da Psicoterapia Focal (P. Focal) - pode ser explicada através dos resultados de estudos neurocientíficos que fundamentam as modernas teorias de aprendizagem.

Na P. Focal o terapeuta funciona como uma espé-cie de “treinador” (coach) do paciente procurando pro-mover experiências de reaprendizado que provoquem EECs. Nesse processo de facilitação de mudança, o papel do terapeuta é mais catalisador do que analítico. Por meio de repetidas interações saudáveis, a EEC re-significa as experiências passadas trazendo uma nova interpretação para as mesmas. Como num progressivo treinamento, levando o paciente a ter atitudes mais adaptativas em relação à sua problemática, propor-ciona o desenvolvimento de novos “trajetos” para as percepções, sentimentos e comportamentos, através do estabelecimento de novas redes de conexões neu-ronais, remodelando os mapas corticais, o que leva a modificações importantes que resultam em novas repre-sentações internas do Self e reformatação cerebral [9].

Nos anos 1970 e 80 os terapeutas de linhas psico-dinâmicas tradicionais demonstravam perplexidade em

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que, favorecidos pelo processo de seleção natural, “certos comportamentos e estados mentais adaptati-

vos foram conservados durante o processo evolutivo

dos seres humanos, refletindo no nosso arcabouço

genético e no funcionamento neurobiológico de nosso

cérebro” [13]. Nesse “kit de sobrevivência” incorporado ao sis-

tema biológico do ser humano encontram-se afetos fundamentais para seu desenvolvimento psicológico.. O chamado “amor materno” tem origem em reações químicas e hormonais específicas, provenientes de “um imperativo evolucionário que, em milhares de

anos, se desenvolveu por seleção natural de modo

a, entre outras coisas, guardar e proteger a prole dos

predadores e da morte por inanição”. Ainda que os estudos tenham mostrado a origem genética e o pa-pel de adaptação evolutiva dos afetos na vida do ser humano, isso não torna os sentimentos maternais menos “nobres”. Afinal, ninguém vai deixar de sofrer pela perda de uma pessoa amada por saber que o amor é uma manifestação subjetiva de fenômenos físico-químicos e nem deixar de ter raiva “devido

à revelação científica de que a cólera de todos os

sentimentos é um ‘mero’ mecanismo de defesa de

que nos ‘dotou’ a evolução” [14].Usando como base a Teoria das Emoções de

S.Tomkins, McCullough propôs ampliar o modelo freudiano de “dupla pulsão”, que coloca os impulsos sexuais e agressivos como motivação básica do comportamento humano e incluiu as diversas reações emocionais disponíveis no nosso repertório biológico de impulsos e respostas afetivas, classificando-as em dois grandes grupos: Afetos Ativadores e Afetos Inibidores.

McCullough fundamentou a Teoria das Emoções de Tomkins em resultados de pesquisas empíricas e em exames de imagem funcional da região da amíg-dala cerebral em mamíferos primários e em seres humanos. Constatou também que a observação de bebês mostrava um quadro bem diferente daquele originalmente previsto por Freud: a existência de sistemas motivacionais surgidos na infância e base-ados em vários outros afetos, além de sexo e raiva, tais como curiosidade, prazer e vínculo (attachment).

Foi sob a perspectiva neo-darwiniana da Teoria Neurocientífica das Emoções que L. McCullough ba-seou a construção de seu modelo psicoterapêutico, identificando os comportamentos desadaptados resultantes da ação desequilibrada dos Afetos Ativa-dores / Motivadores, provocada pelo excesso ou pela falta de ação dos Afetos Inibidores. Ampliou também a análise psicodinâmica do Triângulo do Conflito

agregando a Teoria dos Afetos, de Tomkins [15] e transformando-o num esquema didático (Figura 1).

Figura 1 - Uso do triângulo do conflito de acordo com a teoria dos afetos. Fonte: [1].

Triângulo do conflito Triângulo do InsigntDefesas

desadaptativasAfetos

Inibidores

AfetosAtivadores

Self Other

T C

P

Legenda: T= terapeuta (situações vividas na relação

com o terapeuta durante o processo de tratamento); C=

Current (vida atual, do presente real do paciente); P=

passado (situações vividas com figuras no passado do

paciente).

O Triângulo da Pessoa focaliza a maneira como as manifestações desadaptadas dos afetos - origina-das de experiências passadas e identificadas no Tri-ângulo do Conflito - podem ser observadas na relação com o terapeuta e nas relações interpessoais atuais

De acordo com McCullough, a motivação básica do comportamento humano integra uma gama variada de reações emocionais Os Afetos Ativadores / Mo-tivadores representam aqueles afetos normalmente despertados na vida diária, que motivam as ações humanas (raiva, tristeza, sentimentos positivos em relação ao self, alegria, interesse/curiosidade, etc). Os Afetos Inibidores correspondem às respostas naturais, responsáveis pelas formas adaptativas do comportamento e fazem parte da herança biológica do ser humano para reagir ao estresse e evitar situações aversivas (medo, culpa, vergonha, etc.). Em condições adversas, onde há dificuldade para a expressão adaptada dos desejos e/ou necessida-des, os Afetos Inibidores, ao invés de funcionarem como uma espécie de “sinal de alerta”, tornam-se aversivos, auto-atacantes, causam conflito e geram sintomas e/ou comportamentos mal adaptados (pa-tológicos) É esse desequilíbrio que provoca o conflito e faz surgirem os comportamentos desadaptados, identificados no Pólo das Defesas [2].

Importante ressaltar que de acordo com a abordagem da Teoria Neurocientífica das Emoções, o desequilíbrio de forças entre os afetos que deve-riam funcionar como sinais de alerta para inibir a expressão dos afetos e respostas naturais é que provoca conflito e patologias. Mas, da mesma forma que essas associações mal adaptadas ocorreram

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no passado, elas poderão ser alteradas ou refeitas através de EECs num processo terapêutico.

Perspectivas para psicoterapia no Terceiro Milênio

Propõe-se algumas outras abordagens científicas serem acrescidas e utilizadas de forma a ajudar a sistematizar o processo terapêutico, tornando-o mais objetivo e facilitando a compreensão de diversas estratégias utilizadas em sua prática terapêutica.

Abordagem geométrica: Transformação do esquema dos triângulos de interpretação em pirâmides, introduzindo a teoria do self

Em meados do Séc.XX, um grupo de psica-nalistas da Clínica Tavistock, em Londres, criou o esquema dos Triângulos de Interpretação, derivado da Teoria Estrutural de Freud (Id, Ego e Super-Ego) e analisado sob a ótica psicanalítica freudiana. Na década de 70 esse esquema foi designado por D. Malan como “Princípio Universal da Psicoterapia Psicodinâmica” [16].

Com o objetivo de introduzir a abordagem psica-nalítica do Self na análise dos dois Triângulos, Mc-Cullough alterou a geometria triangular do esquema e transformou-a em piramidal [1]. Nos ápices das duas pirâmides passaram a figurar, respectivamen-te, o conceito de Self no Triângulo do Conflito e o conceito de “Outro”, no Triângulo da Pessoa. (Vide figura acima).

Essa reformulação contribuiu para a valorização do aspecto inter-relacional, tanto na formação da personalidade do indivíduo e no seu processo de desenvolvimento, como na díade paciente-terapeuta, além de enfatizar a necessidade de mudança na pos-tura do terapeuta, no sentido de sugerir uma atitude mais empática na relação com o paciente.

Abordagem matemática: correlação entre os diagnósticos nosológico e psicodinâmico - “Prova dos Nove”

L. McCullough considerou que a maioria dos sintomas, que são detectados na avaliação noso-lógica e estão dentro dos critérios de definição dos diagnósticos dos Eixos I e II do DSM-IV, correspondem aos comportamentos disfuncionais e defensivos. Esses comportamentos desadaptados, na avaliação psicodinâmica, são identificados no Pólo da Defesa do Triângulo do Conflito. Por isso, ressaltou também

que o diagnóstico psicodinâmico deve sempre ser correlacionado com o diagnóstico nosológico.

Essa articulação foi denominada por Lemgruber de “prova dos nove” [17]. Esse esquema serve como uma espécie de “fórmula matemática” para compro-vação didática quanto ao raciocínio diagnóstico e à avaliação da problemática do paciente. É um recurso importante para o terapeuta se sentir seguro quanto ao estabelecimento do foco e planejamento terapêu-tico (Figura 2).

Figura 2 - Complementaridade entre os modelos di-agnósticos psicodinâmico e nosológico. A Prova dos Nove é uma forma de comprovação didática.

“PROVA DOS NOVE”Comportamento Disfuncional

Classificações nosográficasCID10 e DSMIV

Triângulo do Conflito Defesas Ansiedade

Abordagem médica: necessidade de diagnóstico e planejamento terapêutico para o estabelecimento do foco

É condição sine qua non estabelecer o diagnós-tico psicodinâmico integrado ao nosológico, logo nas primeiras sessões de um trabalho de P. Focal. Para isso, é fundamental que a anamnese e o exame psí-quico sejam feitos já na primeira consulta. Além de detectar os sintomas psicopatológicos, o terapeuta vai precisar analisar a estrutura de personalidade do paciente e compreender seu psicodinamismo.

Só assim ele poderá estabelecer suas hipóte-ses sobre o problema apresentado pelo paciente e, então, elaborar o FOCO terapêutico. Na P. Focal o conhecimento da gênese dos problemas vai ser, para o paciente, apenas acessório, já para o terapeuta, esse será muito importante para o planejamento das EECs.

Abordagem psicopatológica neo-darwiniana: o foco do tratamento é o confl ito principal do paciente visando soluções adaptativas para sua realidade atual

Apenas recentemente é que Darwin deixou de ficar restrito ao campo das ciências naturais, sendo “recuperado” pelas descobertas neurocientíficas e re-inserido num contexto mais amplo das ciências humanas, podendo a teoria evolucionista darwiniana ser absorvida em outras áreas.

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Dentro de uma visão neo-darwiniana de adap-tação evolutiva, o objetivo da P. Focal é ajudar o paciente na busca de soluções adaptativas para sua realidade atual, no menor tempo possível. Somente havendo um conflito identificado é que essa técnica deve ser aplicada

O conflito é diagnosticado através dos compor-tamentos inadequados ou desadaptados e/ou dos mecanismos disfuncionais do paciente - identificados no Pólo do Triângulo do Conflito. Para uma avaliação adequada do paciente é necessário distinguir se seu conflito é resultado de um transtorno mental ou de uma reação normal, ainda que conflituosa, desenca-deada por condições ambientais estressantes.

A presença de Transtorno Mental, então, deverá ser identificada através dos Eixos I e II do DSM-IV (ou do Cap. V da CID 10). Dentro de uma visão da-rwiniana de um processo evolutivo com propósitos, o transtorno mental é visto como fruto da disfunção de um mecanismo que não estaria funcionando na-turalmente. É importante salientar que o conceito de “Transtorno Mental” foi redefinido por J. Walkefield [18] como ‘Disfunção Prejudicial” (harmful dysfunc-

tion). Seria uma falha no órgão e/ou estrutura mental (mecanismos motivacionais, cognitivos, afetivos e perceptivos) em executar a função natural para a qual foi designado/a pelo processo de seleção natural (failure of designed function).

Conclusão

Os estudos da moderna genética molecular, com-provando a plasticidade neuronal do cérebro humano e sua flexibilidade em relação à determinação genética, deixam claro que há uma relativa autonomia para os seres humanos em relação ao seu destino. Corrobo-ram a teoria darwiniana da adaptação do homem e dos animais ao meio ambiente em que estão inseridos, servem de base para a Teoria Neurocientífica das Emoções, e colaboram para a sistematização dos processos psicoterapêuticos dando fundamentação científica para o conceito de EEC - princípio central da Psicoterapia Focal - e para o de Efeito Carambola, que é a sua consequência. Principalmente, indicam que o processo psicoterapêutico terá sempre seu espaço - aliado ou não a outras formas de tratamento - como meio de se ajudar o ser humano a lidar com seus sofrimentos e buscar seu crescimento pessoal.

Referências

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Neurociências • Volume 5 • Nº 3 • julho/setembro de 200932

Introdução

Avaliações de funções visuais realizadas na clínica oftalmológica envolvem a medidas de limiares ou sensibilidades realizadas por méto-dos psicofísicos, como a acuidade de optotipos de Snellen, acuidade de resolução de grades, medidas de sensibilidade ao contraste especial de

Artigo original

Diferenças de acuidade visual por três métodos psicofísicos na Tabela ETDRS

Visual acuity diferences by three psychophysical

methods in the ETDRS acuity chart

Marcelo Fernandes Costa*, Valtenice Cássia Rodrigues Matos França**

*Depto Psicologia Experimental,

Instituto de Psicologia, Universidade

de São Paulo e Núcleo de Neuroci-

ências e Comportamento, Univer-

sidade de São Paulo/SP, **Depto

Psicologia Experimental, Instituto

de Psicologia, Universidade de São

Paulo/SP

Correspondência: Marcelo Fernan-

des da Costa, PhD, Dept. Psicologia

Experimental, Instituto de Psicolo-

gia, Universidade de São Paulo Av.

Prof. Mello Moraes, 1721, 05508-

900 São Paulo SP, Tel: (11) 3091

4263, E-mail:[email protected]

ResumoAvaliamos a acuidade visual na tabela ETDRS de 50 sujeitos voluntários para verificar o

efeito de três diferentes métodos psicofísicos nos valores medidos desta função. O Método da Escada, o Método dos Limites e o Método de avaliação tradicional foram aplicados em ordem aleatória, monocularmente. Um subgrupo foi submetido ao reteste. O Método da Escada apresenta melhores valores de acuidade visual, com menos variabilidade no reteste do que o Método dos limites e o Método Tradicional, este que apresenta piores valores de acuidade e uma variabilidade significante entre o teste e o reteste. Concluí-mos que apenas a metodologia é capaz de interferir significativamente nos valores de acuidade medidos. Este resultado reforça a necessidade de se conhecer os princípios da testagem psicofísica principalmente pelos profissionais clínicos que fazem uso cor-rente desta metodologia e discrepâncias entre os resultados podem ser erroneamente atribuídos aos processos de doença.

Palavras-chave: psicofísica, limiares visuais, acuidade visual, performance visual, visão espacial.

AbstractWe evaluated the visual acuity of 50 volunteers in the ETDRS acuity chart, to test the

effect of three different psychophysical tests in the acuity values. Random testing of the Method of the Limits, Staircase and the traditional way of testing visual acuity were done monocularly. A subgroup was retested. The staircase method had the better visual acuity values and a lower variability than the Staircase and Traditional methods. This method showed a worse visual acuity values and a statistically higher variability in the retest. We conclude that the method by itself interfere significantly in the acuity values measured. This result reinforce the necessity of the clinicians to know the principles of the psycho-physical measurement, since they use routinely and the discrepancies between results should be, by mistake, considered as a disease process.

Key-words: psychophysics, visual thresholds, visual acuity, visual performance, spatial vision.

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Neurociências • Volume 5 • Nº 3 • julho/setembro de 2009 33

luminância, medidas de sensibilidade no campo visual e testes de visão de cores [1]. Tais medidas são utiliza-das para diagnóstico e/ ou monitoramento de doenças oftalmológicas como o erro refrativo [2-5], o glaucoma [6-8], a retinopatia diabética [9-17], toxicidade retiniana [18-23], ambliopia e alterações da motilidade ocular, como o estrabismo [3,24-39].

Os procedimentos e métodos psicofísicos são extensivamente estudados por psicólogos e pesqui-sadores da visão mas pouco deste conhecimento básico chega ao medico clínico e aos tecnólogos que realizam diariamente estes testes em suas práticas profissionais.

Os métodos psicofísicos foram criados por Gustav Theodor Fechner no século 19 [40], os atualmente conhecidos como métodos psicofísicos clássicos. Desde então, muitos outros procedimentos psicofísi-cos, conhecidos como métodos adaptativos, tem sido constantemente desenvolvidos (para revisão, veja [41]). No entanto, de uma maneira geral, os procedimentos psicofísicos envolvem a medida de limiar. O limiar é definido como a minima diferença de um estímulo que pode ser detectada, em alguma porcentagem pré-definida de detecção, após uma série de apresentações variadas de uma determinada dimensão do estímulo.

A medida mais utilizada em oftalmologia como avaliação functional do sistema visual é a Acuidade Visual, definida como a recíproca do limiar de se-paração especial de elementos do estímulo visual. Mesmo para medidas tão simples como a acuidade visual, três importantes elementos estão modulan-do o limiar: o estímulo, com suas características espaciais, temporais e cromáticas; a tarefa a ser desempenhada pelo sujeito; e o critério de resposta adotado pelo sujeito para definer o que é resposta, isto é, de que forma ele vai responder positivamente para os vários estímulos. Vários métodos adaptati-vos foram desenvolvidos com a intenção de reduzir a influência destes três componentes da resposta psicofísica, visando uma medida de limiares mais “limpa”, mais próximas do real limiar.

Embora o assunto seja motivos de grandes gas-tos de energia de pesquisadores e profissionais que desenvolvem testes psicofísicos, poucos clínicos tem ciência de como estes elementos podem interferir na resposta dada pelo paciente e, portanto, variações na resposta podem ser erroneamente interpretadas.

A tradicional medida da acuidade visual consiste em ler leteras emu ma tabela de optotipo, iniciando pelas baixas frequencias espaciais (letras maiores) finalizando na linha de frequencia especial mais lata que o sujeito consegue ler. Assim, o objetivo deste

estudo foi o de mediar a acuidade visual na tabela de optotipo utilizando três métodos psicofísicos do dos limites e um método da escada modificado.

Material e métodos

Sujeitos

Avaliamos 50 voluntários (18 homens) com ida-de variande de 19 a 43 anos (média = 28,1 anos; DP = 7,2) recrutados entre os funcionários e alunos da Universidade de São Paulo. Todos os sujeitos não apresentavam queixas oftalmológicas e tinham erros refrativos apropriadamente corrigidos com óculos. Os critérios de inclusão foram: ausência de doenças oftalmológicas e sistêmicas, não ser fumante (consi-derada como 3 ou mais cigarros por dia) e ausência de dicromacia ou tricromacia anômala avaliada pelo teste Farnsworth-Munsell 100 matizes (FM100H).

A pesquisa se adere aos termos da Declaração de Helsinki e foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa local. Consentimento informado foi obtido de todos os voluntários.

Equipamento

Acuidade visual foi medida monocularmente utilizando-se a tabela logMAR ETDRS (Xenonio Ltd, Bra-sil) [42]. A tabela logMAR ETDRS era trasniluminada e suspensa em um suporte adequado. A transluminância da tabela tinha 100 cd.m-2. Os optotipos apresentavam tamanho que variava entre 1,0 (equivalente Snellen de 20/200) e -3,0 (20/10) logMAR na distância de 4 metros. Os passos entre as linhas da tabela apresen-tam uma variação de 0,1 logMAR. Um diferencial desta tabela é o fato dela apresentar o mesmo número de optotipos (cinco) em todas as linhas.

Procedimento

Três métodos psicofísicos foram utilizados para a avaliação da Acuidade Visual em todos os voluntários: medida realizada pelo método tradicional, método dos limites e método da escada simples. A tarefa dos vo-luntários era de identificar a orientação do optotipo E, podendo arriscar um palpate quando não tinha certeza da orientação. As orientações variavam entre quarto possibilidades: para cima, para baixo, para a direita e para a esquerda. A medida foi realizada monocular-mente, em apenas um olho, aleatoriamente escolhido. Os olhos foram ocluídos com um oclusor oftalmológico (Oftam AMP, Brasil) e olhavam a tabela a 4 metros

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iniciou a indicação do estímulo, a letra E, numa série descendente (ou seja, +1.0 logMAR em direção a -3,0 logMAR) até que o participante cometesse um erro. Neste ponto, a escada foi revertida para a série ascen-dente e a visibilidade do estímulo foi aumentada, isto é, o examinador indicou uma letra da fileira imediatamente anterior até que o participante cometesse um acerto. Neste ponto, a escada foi revertida para a série descen-dente e a visibilidade do estímulo foi diminuída, isto é, o examinador indicou uma letra da fileira imediatamente posterior. A medição da acuidade visual terminou quan-do foram realizadas seis reversões. A acuidade visual foi calculada pela média aritmética de todos os valores apresentados após a primeira inversão de cada série.

Resultados

Todos os 50 voluntários realizaram as avalições nos três métodos. Os valores médios de Acuidade Visual são: -0,15 logMAR (DP = 0,11) para o método tradicional, -0,19 logMAR (DP = 0,08) para o método dos Limites e -0,23 logMAR (DP = 0,07) para o méto-do da escada. Os valores de normalidade definidos pelos Percentis 2,5% e 97,5% são: -0,3 e 0,0, -0,3 e 0,0 -0,3 e -,05 para os métodos Tradicional, Limites e Escada, respectivamente.

A análise univariada da ANOVA para Medidas Repetidas mostrou haver diferenças estatísticas entre os métodos (F = 30,564, p < 0,001). O teste pos hoc de Tukey HSD mostrou que os valores de acuidade obtidos por cada método diferem entre si com o Método da Escada apresentando as melhores acuidades visuais e os Método tradicional os valores mais baixos de acuidade visual (Figura 1).

de distância. Reteste foi realizado em 13 voluntários aleatoriamente escolhidos, no mesmo olho testado an-teriormente, com um intervalo entre sessões de 7 dias.

No método tradicional, o examinador, partindo dos optotipos de baixa frequencia especial (1.0 log-MAR) aponta progressivamente para optotipos de tamanhos menores a cada 2 acertos em uma mesma linha. A progressão era interrompida na linha em que o sujeito informava uma resposta errada. O examina-dor voltava para uma linha imediatamente anterior e checava quantas letras o voluntário conseguia res-ponder corretamente. A acuidade visual considerada foi o valor correspondente ao desta última linha na qual o voluntário respondeu corretamente.

No Método dos Limites foram realizadas, alterna-damente, três séries ascendentes e três séries descen-dentes de apresentação de estímulos. Nas séries ascen-dentes, o examinador, inicialmente, apontou uma das letras da última fileira (maior acuidade visual) e conforme o participante identificasse corretamente a abertura da letra E progredia em direção as fileiras de cima (menor acuidade visual). As séries ascendentes terminavam com um acerto do participante. Nas séries descendentes, o examinador, inicialmente, apontou a letra da primeira fileira (menor acuidade visual) e conforme o participante identificasse corretamente a abertura da letra E progredia em direção as fileiras de baixo (maior acuidade visual). As séries descendentes terminavam com um erro do participante. O teste foi finalizado quando as seis séries foram realizadas. A acuidade visual correspondeu à mé-dia aritmética dos limites das séries. O limite de série correspondeu ao ponto médio numa inversão.

No Método da Escada o examinador realizou uma alternação simples de séries descendentes e ascen-dentes de apresentação do estímulo. O examinador

Tradicional Limites Escada

AV (L

ogM

AR)

X

X

X

X

X

Método Psicofísico0,20

0,10

0,00

-0,10

-0,20

-0,30

-0,40

XXXXXXXXXXXXX

XXXXXXXXXXXXXX

Figura 1 - Valores de acuidade obtidos comm três diferentes metodologias são apresentados: método tradicional, método dos limites e método da escada. No painél da direita temos os valores de media e desvio padrão para cada uma das medidas. Diferenças estatísticas foram obtidas entre os três métodos. No painél da esquerda temos os valores individuais dos 50 sujeitos testados.

Tradicional Limites Escada

AV (L

ogM

AR)

0,00

-0,05

-0,10

-0,15

-0,20

-0,25

*

*

*

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Embora haja diferenças estatísticas entre os métodos psicofísicos há uma maior similaridade entre as medidas obtidas com o Método dos Limites e o Método da Escada, quando estes são comparados com o Método Tradicional (Figura 2).

Figura 2 - Avaliação correlacional entre as três medidas em si. Encontramos que os métodos da escada e dos limites apresentam uma maior similari-dade entre os resultados do que quando compara-dos com o método tradicional de medida.

Figura 3 - Apresentamos os dados das avaliações repetidas em um subgrupo de pacientes. Observa-mos que a variabilidade entre as medidas foi signifi-cantemente maior no método tradicional do que nos métodos dos limites e da escada.

AV (L

ogM

AR) -

Lim

ites

0,0

-0,1

-0,2

-0,3

-0,4

AV (LogMAR) - Escada-0,4 -0,3 -0,2 -0,1 0,0

AV (L

ogM

AR) -

Tra

dici

onal 0,0

-0,1

-0,2

-0,3

-0,4

AV (LogMAR) - Escada-0,4 -0,3 -0,2 -0,1 0,0

AV (L

ogM

AR) -

Tra

dici

onal 0,0

-0,1

-0,2

-0,3

-0,4

AV (LogMAR) - Limites-0,4 -0,3 -0,2 -0,1 0,0

A avaliação de confiabilidade entre as testagens de teste e reteste mostrou uma variabilidade estatis-ticamente significante entre as medidas do Método Tradicional. Tal comportamento não ocorreu com os Métodos dos Limites e da Escada (Figura 3).

Tradicional Limites Escada

AV (L

ogM

AR)

0,00

-0,05

-0,10

-0,15

-0,20

-0,25

-0,30

*

TesteReteste

Método

Correlações entre as medias teste e reteste mostraram uma correlação positiva significante para o Método Tradicional (R = 0,72, p = 0,006), para o Método dos Limites (R = 0,82, p = 0,001) e para o Método da Escada (R = 0,72, p = 0,005)..

Discussão

A acuidade visual é a medida clínica fundamental da função visual [43], muitas vezes aparecendo como a única medida functional realizada na prática clínica oftalmológica. Nas últimas décadas, uma importante quantidade de estudos foram dirigidos para o desen-volvimento de novos métodos de medida, usando tabelas de optotipos, com o objetivo de obter uma maior confiabilidade, maior redução na variabilidade das medidas, bem como um aumento na precisão do resultado (para revisão ver [43]).

A versão modificada das tabelas de optotipos mais aceita pela comunidade clínica e utilizada de maneira mais disseminada na prática oftalmológica internacional é a tabela ETDRS logMAR [42], desen-volvida com base nos trabalhos destes autores. As modificações com relação à tabela de Snellen são: presence de 5 optotipos por linha enquanto a tabela de Snellen apresenta diferentes números de optoti-pos a cada linha; espaçamento pardrão do tamanho de 1 optotipo deixando a linha mais uniformemente distribuída, enquanto na Snellen o tamanho do es-paço varia de acordo com a linha; transiluminação da placa que garante uma iluminação constante, diferente das tabelas impressas em papel que de-pendem da iluminação local; possibilidade de usar diferentes placas de um mesmo optotipo para evitar memorização; e possibilidade de avaliar diferentes

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optotipo, como os iletrados E de Snellen e o C de Landolt, bem como letras e números [43].

Embora os esforços tenham focado primaria-mente as características do estímulo físico, como uniformidade espacial e controle da iluminação, elementos primordiais da resposta psicofísica não foram contemplados. A medida psicofísica está apoia-da, basicamente, em três fatores: estímulo, tarefa e critério de resposta do sujeito. Além das manipu-lações e estudos realizados com o estímulo físico, alterações nos paradigmas psicofísicos de testagem modificando os algoritmos envolvidos nos cálculos de passos e medidas de limiares também recebem atenção de cientistas visuais [6;7;41;44-47].

Estes esforços em aprimorar as medidas desta função visual ocorrem não só pelo fato da acuidade visual ser a medida da função visual mais utilizada, mas porque uma série de doenças estão associadas à esta bem como o seu desenvilvimento. A principal patologia fortemente associada ao desenvolvimento da acuidade visual é a ambliopia. Ambliopia é definida como uma diferença interocular de acuidade visual com ausência de sinais ou justificativas anatômicas oculares que a justifique. As três principais causas de ambliopia são o estrabismo, as ametropias e as anisometropias [48-52]. Esta diferença de acuidade visual pode se tornar permanete se não tratada durante o período crítico para o desenvolvimento visual, período este no qual as células da via visual primária apresentam uma capacidade de rearranjo sináptico muito grande.

Uma vez que a ambliopia é uma doença do desenvolvimento visual e a redução da acuidade acuidade visual está presente em uma série de pa-tologias oftalmológicas e neurológicas [53-66], ter uma metodologia precisa e confiável para a avaliação desta função tem fundamental importância como ferramenta para o diagnóstico e acompanhamento de tratamentos estabelecidos.

Em nosso trabalho, mostramos que independete das características do estímulo, as diferentes meto-dologias empregadas mediram diferentes valores de acuidade. Isso significa que não basta apenas ter estímulos corretamente configurados e calibrados, tarefas que minimizem os critérios de escolha da resposta pelo sujeito mas também, que o método pode influenciar, e em muito, no valor medido. Como manipulamos apenas a tarefa, mantendo idêntico o estímulo visual, o exame era rápido de ser executado e a tarefa envolvia uma resposta simples, acreditamos que o critério dos sujeitos, embora não controlados, influenciaram muito pouco em nossos resultados.

As medidas de teste-reteste mostrou que os Métodos dos Limites e da Escada apresentam uma menor variabilidade de medida e, portanto, uma maior confiabilidade de resposta. Esta informação é de grande valia não só para pesquisa mas tam-bém para a clínica, uma vez que a monitoria de estados patológicos e o seguimento de resultados de tratamentos são, muitas vezes, baseados em medidas de funções visual e, frequentemente, de acuidade visual.

Um resultado interessante foi o de obtermos valores de acuidade mais baixos para a medida tradi-cional do que para os outros procedimentos. Isso su-gere fortemente que o método tradicional subestima grosseiramente o real valor de acuidade visual que acreditamos estar em torno de -0,23logMAR (20/13). Este fato associado à uma significante variabilidade de resposta mostra que a medida tradicional da acui-dade visual está muito mais sujeita à mudanças de critério do que os métodos dos limites e da escada.

Aparentemente, o método da escada é que apre-senta valores muito mais próximos aos de um valor de acuidade real, embora a comparação das medidas deste método com o método dos Limites (ver figura 2) mostram um importante similaridade de medidas. Sugerimos, portanto, que a acuidade visual deva ser medida utilizando uma destas metodologias. Como a prática clínica exige uma avaliação rápida, acredi-tamos que o método dos Limites realizado com uma avaliação descendente e uma avaliação ascendente pode garantir uma medida mais acurada e menos variável do que a medida tradicional.

Conclusão

Concluímos, portanto que a medida de acuidade visual apresenta valores mais altos do que os 20/20 estipulado como valor normal. Na verdade, os nos-sos dados de Limites de Normalidade mostram que, independente do método, o valor normal para 95% da população varia entre 20/10 e 20/20 sendo este o valor normal mínimo. Um outro ponto a ser consi-derado é o fato de que métodos mais controlados e que não acarretam um importante aumento de tempo podem ser utilizados para uma melhor avaliação desta fundamental função visual na prática clínica.

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Neurociências • Volume 5 • Nº 3 • julho/setembro de 2009 39

Artigo original

Métodos de processamento de dados em eletrofisiologia visual: tutorial em linguagem

MATLAB sobre o uso da transformada de Fourier na análise do potencial cortical

provocado visual

Data processing methods in visual electrophysiology: a

MATLAB tutorial for the use of Fourier transform in the analysis

of the visual evoked cortical potential

Givago da Silva Souza*, Bruno Duarte Gomes**, Luiz Carlos de Lima Silveira***

*Biólogo, Doutor em Neurociências,

Professor Adjunto, Instituto de Ciên-

cias Biológicas / Núcleo de Medici-

na Tropical, Universidade Federal do

Pará, **Biólogo, Doutor em Neuroci-

ências, Professor Adjunto, Instituto

de Ciências Biológicas, Universidade

Federal do Pará, ***Médico, Doutor

em Biofísica, Professor Associado,

Instituto de Ciências Biológicas /

Núcleo de Medicina Tropical, Univer-

sidade Federal do Pará

Correspondência: Givago da Silva

Souza, Universidade Federal do

Pará, Núcleo de Medicina Tropical,

Av. Generalíssimo Deodoro 92

(Umarizal), 66055-240 Belém PA,

Tel: (91)3241-0032, E-mail: givago-

[email protected]

ResumoA análise de dados em eletrofisiologia rotineiramente necessita de processamentos digi-

tais nos dados provenientes de registros originais. Um processamento muito comum é o uso de filtros digitais off-line. Uma forma de realizar as filtragens é aplicar a transformada de Fourier para converter dados do domínio do tempo para o domínio das frequências temporais e, assim, anular a contribuição de determinadas frequências temporais. Após a realização da operação inversa e reconstruir os dados no domínio do tempo, a informação passa a estar de acordo com os objetivos da análise. Pesquisadores e estudantes com formações acadêmicas diferentes daquelas das ciências exatas e da computação vêem-se limitados em utilizar tal ferramenta matemática devido à complexidade dos cálculos e da lógica computacional de algumas linguagens de programação mais convencionais. Neste trabalho, buscamos introduzir intuitivamente a transformada de Fourier e mostrar códigos em linguagem de programação MATLAB para a aplicação da transformada de Fourier para a realização de filtragens digitais em dados de potencial cortical provocado visual. A linguagem de programação MATLAB é ideal para iniciantes em computação e matemática devido já haver ferramentas matemáticas previamente prontas e a lógica de programação ser relativamente simples.

Palavras-chave: Teoria de Fourier, Filtragem digital de dados, MATLAB, eletrofisiologia, potencial cortical provocado visual.

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Neurociências • Volume 5 • Nº 3 • julho/setembro de 200940

Introdução

É comum em eletrofisiologia, após o registro de dados, pesquisadores realizarem processamen-tos adicionais para por em evidência determinados aspectos presentes nesses dados [1-3]. Tal pro-cedimento é chamado de processamento off-line. Filtragens digitais off-line são usadas para retirar dos dados informações desnecessárias para os objetivos da pesquisa. Alguns programas de registros trazem ferramentas de filtragem digital off-line, mas, no entanto, uma grande quantidade de programas de registros não contém tal ferramenta, forçando os pesquisadores a programarem suas próprias rotinas de filtragem. Em algumas linguagens convencionais como a linguagem C++, o pesquisador tem que ser experiente em programação e conhecedor de uma matemática apurada para construir códigos que o permitam realizar a filtragem de seus dados.

A transformada de Fourier normalmente é a escolha para compor a matemática que permite realizar filtragem digital sobre os dados. O objetivo deste trabalho é trazer uma explicação intuitiva do uso da transformada de Fourier para a realização de filtragens off-line em registros eletrofisiológicos não invasivos, mais precisamente o potencial cor-tical provocado visual, além de servir como tutorial para que estudantes e pesquisadores que não têm formação em computação ou matemática possam trabalhar com tal ferramenta em seus estudos em um ambiente de programação de alto desempenho e relativamente fácil utilização.

Teoria de Fourier e aplicações em eletrofisiologia visual

É sabido que algumas funções podem ser repre-sentadas como somas de funções seno ou cosseno. Na Figura 1 é mostrada uma função (função em cinza) que é a soma de cinco funções seno de amplitude, frequência e fases diferentes (funções em preto). A transformada de Fourier usa exatamente esse princípio e é uma generalização das séries complexas de Fourier no limite onde o período da função a que será aplica-da a transformada tende ao infinito [4]. Para funções contínuas, a transformada direta de Fourier pode ser representada de três modos. Por meio da frequência f a transformada de Fourier F ( f ) é dada por:

F (ω) = dt Equação 1

Onde f é real e representa a frequência e t é tempo. A transformada de Fourier inversa f ( t ) é dada por:

f ( t ) = df Equação 2

Outro modo de representar a transformada de Fourier, mais comumente usado entre os físicos, é através da frequência angular ω, cuja unidade é radiano por segundo. A frequência angular é dada por ω = 2π / T, onde T é o período. Como T = 1 / f, então a frequência angular também pode ser dada por ω = 2π f. Sabendo-se que ω = 2π f, as Equações 1 e 2 podem ser re-escritas como:

F ( ω ) = dt Equação 3

AbstractData analysis in electrophysiology usually needs digital processing of the original data. A

common processing is the usage of off-line digital filters. One way to proceed the filtering is to apply Fourier Transform to convert the data from the time domain to the temporal frequency domain in order to remove the specific contribution of some temporal frequen-cies. After performing the inverse operation and reconstructing the waveform in the time domain, the information content will be suited to the planned analysis. Researchers and students without advanced knowledge in mathematics or computer science face difficul-ties to use this mathematical tool due calculus and programming logic complexities found in many conventional programming languages. In this work, we intended to intuitively introduce Fourier Transform e to show programming codes in the MATLAB language that could be applied to digital filtering of visual evoked potential data. The MATLAB language is ideal for beginners in computer science and digital processing because it has a pre-programmed tool dedicated to Fourier Analysis and the programming logic is relatively easy to understand.

Key-words: Fourier theory, data digital filtering, MATLAB, electrophysiology, visual evoked cortical potential.

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Neurociências • Volume 5 • Nº 3 • julho/setembro de 2009 41

Um modo relativamente fácil de entender como funciona a transformada discreta de Fourier, é primei-ro entender o funcionamento básico de amostragem de sinais que originalmente são representados como variáveis contínuas tais como potenciais ou campos elétricos. Se considerarmos um sinal contínuo no domínio do tempo que é amostrado periodicamente, a frequência de amostragem é o número de vezes em que o sinal é amostrado em cada segundo. Como toda frequência, a unidade é 1/s, que é o Hertz no sistema internacional de unidades. O inverso da frequência é o período de amostragem. Na Figura 2A são mostradas várias funções impulso deslocadas no tempo, de valor igual 1 com período de amostragem aproximadamente igual a 111 ms. Isto significa que a cada 111 ms a função tem valor igual a 1 e valor igual a 0 em todos os outros intervalos de tempo. Se multiplicarmos uma função seno pelas funções impulso deslocadas, obtém-se uma função seno cujo período de amostragem é de ϖ/4 (Figura 2B) com número total de amostras igual 9. O número de amostras N é o mesmo simbolizado na Equação 7 e simboliza, como acabamos de ver, o número de amostras no domínio do tempo. Como a Equação 8 é a da transformada discreta inversa, o valor N simboliza o número de amostras no domínio das frequências.

Figura 2 - (A) Funções impulso deslocadas e uma função seno (B) obtida pela amostragem de valores que correspondem à multiplicação da função seno pelas funções impulso deslocadas. O parâmetro Ts é o período de amostragem e nesse caso tem valor fundamental de π / 4 ou 111 milissegundos. Ver texto para mais detalhes.

f ( t ) = dω Equação 4

O problema dessa representação é que as trans-formadas direta e inversa ficam assimétricas devido o termo 1/2π. Um modo de resolver essa assimetria é manipulando as transformadas com a frequência angular, de modo que as equações acima se tornam:

F ( ω ) = dt Equação 5

f ( t ) = dω Equação 6

O que dá origem a transformadas direta e inversa simétricas.

Se considerarmos um sinal que é amostrado no domínio do tempo, esse sinal será representado por uma função discreta onde a variável independente é o tempo. Nesse caso a transformada de Fourier ain-da pode ser aplicada e é chamada de transformada discreta de Fourier (DFT – Discrete Fourier Transform). Como estamos lidando com dados discretos, substi-tuímos a integral por sinais de soma:

Fn = Equação 7

fk = Equação 8

Figura 1 - Soma de cinco funções seno de diferentes amplitudes, frequências e fase, dando origem a uma função qualquer. As setas mostram o princípio usado pela Transformada de Fourier direta (FFT) que cor-responde à decomposição de um sinal em funções seno e a Transformada Inversa (IFFT) que correspon-de à síntese das funções seno em uma dada função. Os termos FFT e IFFT são explicados no texto.

Ampl

itude

Tempo

A

B

1

0,5

0

Tempo (t)

Ts 2Ts 3Ts 4Ts 5Ts 6Ts 7Ts 8Ts

1

0,5

0

-0,5

-1Tempo (t)

π/4Ts 2π/4

2Ts

3π/43Ts 4π/4

4Ts

5Ts5π/4

6Ts6π/4 7π/4

7Ts

8π/48Ts

Ampl

itude

(sen

(t))

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Neurociências • Volume 5 • Nº 3 • julho/setembro de 200942

Seguindo no escrutínio dos termos mais im-portantes da transformada discreta, é importante salientar que nos métodos de amostragem existem dois períodos distintos e nem sempre muito bem dife-renciados em textos sobre transformada discreta de Fourier. Para uma janela temporal que tem um sinal de período T (no caso da função seno exemplificada na figura 2B, T = 2π), define-se também o período de amostragem ou espaço de amostragem T

s= T / N.

No caso da função seno da figura 2B, Ts = π /4 ou em valor de tempo, os 111 milissegundos já citado. À medida que os pontos são amostrados o período Ts vai sendo multiplicado por um fator k, onde k = 0,..., (N - 1), de tal maneira que no quarto ponto de amostragem k = 3 e tem-se que 3T

s= 333 milisse-

gundos. Finalmente, em analogia com a frequência angular defini-se a frequência de amostragem como sendo ω

n= 2πn/T.

Um modo rápido e eficiente de se aplicar a trans-formada discreta de Fourier e sua inversa é usando um algoritmo para computação rápida e de fácil apli-cação em processamento digital de sinais. Esse al-goritmo é usualmente referido como FFT (Fast Fourier

Transform) ou Transformada Rápida de Fourier. A FFT fornece exatamente os mesmos resultados da DFT. A alteração ocorre tão somente na representação e sua obtenção ocorre basicamente pela modificação da DFT usando propriedades das raízes complexas da unidade. Essa manipulação é feita com o termo 2πink / N e não será mostrada aqui. Para detalhes consultar a referência 4.

Em eletrofisiologia não invasiva são registrados valores de voltagem ao longo do tempo. O uso da DFT possibilita visualizarmos os mesmos dados no domí-nio do tempo, no qual os registros são comumente mostrados, e no domínio das frequências temporais do mesmo registro, ou seja, nos permite estudar a composição espectral dos dados [2].

Em eletrofisiologia visual, os registros podem ser divididos em transiente e de estado-estacionário [5]. A diferença se dá pelo fato da frequência temporal de estimulação ser baixa para os registros transientes e permitir que o sistema nervoso visual possa respon-der ao estímulo e voltar ao nível de atividade anterior à estimulação, enquanto para os registros de estado estacionário a frequência de estimulação é alta, o que faz com que o sistema nervoso visual sobreponha respostas e o sinal do registro no domínio do tempo fique semelhante a ondas senoidais. No domínio do tempo a resposta transiente é mais bem localizada que a resposta do estado estacionário, ou seja, a variação de voltagem do sinal em função do tempo

é mais bem diferenciada do restante do registro não relacionado à estimulação. No domínio das frequên-cias temporais, a resposta de estado estacionário apresenta maior resolução que as respostas transien-tes. A energia da resposta transiente se espalha em diferentes frequências temporais, enquanto a energia da resposta de estado estacionário é concentrada em determinadas frequências temporais.

O uso da FDT para estudos em eletrofisiologia visual possibilita a filtragem de frequências temporais que representem ruído ao sinal, como a frequência temporal da rede elétrica (60 Hz) ou componente de corrente direta (0 Hz), além de restringir o estudo dos dados à frequências que realmente compõem a resposta provocada através de filtragens passa-baixa ou passa-alta [1-3,6-8].

Ambiente de programação MATLAB

O ambiente de programação MATLAB foi desen-volvido no final dos anos 1970 por Clever Moler [9] e tem sido amplamente usada para desenvolvimento de trabalhos técnicos nas mais diferentes áreas [10,11]. O programa é destinado para a realização de cálculos matriciais, processamento de sinais e construção de gráficos. O ambiente MATLAB tem matrizes como elemento básico de informação. Di-ferentemente de outras linguagens de programação tradicionais, o ambiente MATLAB apresenta uma série de ferramentas de processamento de dados prontas para utilização do usuário e os comandos são muito semelhantes àqueles que normalmente utilizamos em expressões algébricas [12]. Esse aspecto é positivo para pesquisadores que não têm formação mais profunda em matemática e programa-ção de computador utilizarem tal linguagem, pois a compreensão torna-se facilmente intuitiva.

Neste artigo descreveremos códigos em ambien-te MATLAB necessários para realizar a transformada de Fourier sobre dados de potencial cortical provo-cado visual afim de posterior construção de filtros digitais sobre esses dados.

Métodos para registro e estimulação

Estimulação

O estímulo usado foi rede senoidal acromática em um campo quadrado de 5 graus de ângulo visual, com frequência espacial de 0,4 cpg, luminância mé-dia de 40 cd/m2 e contraste de Michelson de 100%. O estímulo foi apresentado com reversão de fase de

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Neurociências • Volume 5 • Nº 3 • julho/setembro de 2009 43

180º do padrão espacial a cada 500 ms (frequência temporal de 1 Hz). O estímulo foi gerado em lingua-gem Delphi (Delphi 7, Borland, Austin, Texas, EUA ) comandando uma placa gráfica de 14 bits (ViSaGe, Cambridge Research System, Inglaterra), a qual mostrou o estímulo em um monitor em cores de 22’’ Mitsubishi Diamond Pro 2070 SB, 160 Hz de taxa de amostragem de vídeo, 800 x 600 pixels de resolução espacial (Mitsubishi, Tokyo, Japão).

Registro eletrofi siológico

Os registros eletrofisiológicos foram obtidos de eletródios de superfície de ouro posicionados nos pontos Oz (eletródio ativo), Fpz (eletródio referência) e Fz (eletródio terra) de acordo com o sistema interna-cional 10/20 de posicionamento de eletródios para eletroencefalografia [13]. Os eletródios enviaram a informação bioelétrica para um sistema de amplifica-ção diferencial CED 1902-10 com pré-amplificação de 10 vezes e amplificação de 3000 vezes, totalizando amplificação de 30000 vezes (Cambridge Electronic Design, Cambridge, Inglaterra). Os dados analógicos foram convertidos em dados digitais por uma placa conversora analógico-digital Micro 1401 mkII (Cam-bridge Electronic Design) com taxa de amostragem de 1000 Hz e 12 bits de resolução. Foi usado programa de computador Spike 2 v.6.05a (Cambridge Eletronic Design) que permite a exportação da resposta média do registro em arquivos de texto com extensão “.txt”.

Tutorial para a programação de fi ltros digitais em MATLAB

Processamento dos dados: importação e visua-lização dos dados

Os arquivos de texto foram processados pelo programa MATLAB R2008b. O código abaixo carrega um arquivo de texto onde estão os dados do registro e os mostra graficamente.

Código 1

• Fs = 1000; %Frequência de amostragem do registro

• T = 1000/Fs; %Tempo de amostragem• L = 1000; %Número de pontos exportados do

registro• t = ((0:L-1)*T); %Vetor tempo• NFFT = 2^nextpow2(L); % Mais próxima po-

tência de 2 de L

• Rec = importdata(‘Registro.txt’); %Comando para importar os dados numéricos do arquivo Registro.txt

• plot(t,Rec); %Comando para gerar o gráfi co do registro importado

• xlabel(‘Tempo (ms)’); %Comando para denominar o título do eixo das abcissas

• ylabel(‘Amplitude (Microvolt)’); %Comando para denominar o título do eixo das ordenadas

• axis([0 1000 -30 +30]); %Comando de ajuste dos eixos das abcissas e das ordenadas do gráfi co do registro

No início do código a variável Fs recebeu a informação da taxa de amostragem que os dados foram registrados, a variável T recebeu a informação de quantos segundos são referentes ao registro e a variável L recebeu o número de pontos exportados do registro. Em nosso exemplo a matriz Rec é cons-tituída de uma linha e 1000 colunas, representando os primeiros 1000 pontos de dados do registro eletrofisiológico. A matriz t é constituída de dados que representam o domínio do tempo. O gráfico que mostra o registro da voltagem ao longo do tempo é mostrado na Figura 3A. O Código 2 mostra os passos para converter os dados do domínio do tempo para o domínio das frequências temporais através da Transformada de Fourier.

Código 2

• Harm = fft(Rec,NFFT)/L; %Comando para a realização da análise de Fourier, utilização da fun-ção fft(X,n). Os dados de fft(X,n) são divididos por L para %ajustar a unidade dos dados para microvolts

• f = (Fs)*linspace(0,1,NFFT); %Coman-do para a geração de um vetor de frequências temporais

• Amplitude_Harm = abs(Harm); %Comando para extrair o valor absoluto do número complexo % referente a cada frequência temporal.

• bar(f,Amplitude_Harm) %Comando para ge-rar o gráfi co dos dados no domínio das frequências temporais.

• xlabel(‘Frequências temporais (Hz)’); %Comando para denominar o título do eixo das abcissas

• ylabel(‘Amplitude (Microvolt)’); %Comando para denominar o título do eixo das ordenadas

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Neurociências • Volume 5 • Nº 3 • julho/setembro de 200944

O resultado da análise de Fourier (função fft( ) ) é composto por um conjunto de dados, chamados em nosso exemplo de Harm, que representam o vetor (número complexo) no domínio das frequências tem-porais. Para extrair os valores absolutos dos números complexos utilizou-se a função abs( ). O gráfico que mostra a amplitude de cada harmônico é mostrado na Figura 3B. A matriz Amplitude_Harm é composta por 1 linha x 1000 colunas. Os dados estão dispostos em ordem crescente de frequência temporal até a metade do número total de pontos da matriz. Daí em diante, os valores são um espelho dos dados iniciais da matriz agora em ordem decrescente. Os motivos matemáticos disto estão além dos objetivos deste tutorial. Vale ressaltar que a matriz Amplitude_Harm

inicia com a amplitude do componente DC e termina com a amplitude da frequência temporal 1 Hz da parte espelho da matriz. Para fins didáticos vamos observar apenas as frequências de 0 – 100 Hz (Figura 3C e Código 3), mas vale lembrar que além de 100 Hz ainda existem frequências temporais superiores a esta em nossos dados.

Código 3

• bar(f,Amplitude_Harm) • xlabel(‘Frequências temporais (Hz)’); • ylabel(‘Amplitude (Microvolt)’); • axis([0 100 0 +5])%Código de ajuste dos

limites eixos das abcissas e das ordenadas, res-pectivamente

Figura 3 - Dados do potencial cortical provocado visual mostrado no domínio do tempo (A) e no domínio das frequências temporais (B-C). (A) Regis-tro do potencial cortical provocado visual mostrado como variação de diferença de potencial elétrico entre dois eletrodos posicionados no escalpo em função do tempo. Os dados do domínio do tempo foram submetidos à análise de Fourier. O resultado da análise de Fourier é um conjunto de pares de funções senoidais de diferentes frequências tempo-rais, amplitudes e fases. Em B, são mostrados os dados que resultam da aplicação da função fft( ) no MATLAB. A primeira metade da matriz traz as am-plitudes das frequências temporais, as quais estão ordenadas em ordem crescente iniciando pelo com-ponente DC. A segunda metade da matriz traz os mesmos dados em ordem inversa (dados espelho) terminando na amplitude correspondente a 1 Hz. Em C, para fins didáticos restringimos nosso estudo na visualização dos 100 primeiros harmônicos.

Processamento dos dados: filtragens off-line de harmônicos pares e ímpares

O uso de filtragens off-line tem sido muito apli-cado em estudos com potencial cortical provocado visual [1-4]. O Código 4 mostra o algoritmo para fazermos a filtragem dos harmônicos ímpares dos dados carregados anteriormente.

Ampl

itude

(Mic

rovo

lt)

30

20

10

0

-10

-20

-30

Tempo (ms)0 100 200 300 400 500 600 700 800 900

30

20

10

0

-10

-20

-30

Ampl

itude

(Mic

rovo

lt)

5

4,5

4

3,5

3

2,5

2

1,5

1

0,5

0

Frequências temporais (Hz)0 100 200 300 400 500 600 700 800 900

Ampl

itude

(Mic

rovo

lt)

5

4,5

4

3,5

3

2,5

2

1,5

1

0,5

0

Frequências temporais (Hz)0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

A

B

C

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Neurociências • Volume 5 • Nº 3 • julho/setembro de 2009 45

Código 4

• Fs = 1000;• T = 1000/Fs;• L = 1000;• t = (0:L-1)*T;• NFFT = 2^nextpow2(L); • Rec = importdata(,Registro.txt‘);• Harm = fft(Rec,NFFT)/L;• Harm(1,2:2:end)=0;%Comando para zerar a

energia (fi ltrar) dos harmônicos ímpares ao longo de todo o vetor Harm.

• f = (Fs)*linspace(0,1,NFFT);• Amplitude_Harm = abs(Harm);• bar(f,Amplitude_Harm)• xlabel(‘Frequências temporais (Hz)’);• ylabel(‘Amplitude (Microvolt)’);• axis([0 100 0 +5])

O Código 4 traz praticamente os mesmos co-mandos dos Códigos 2 e 3, mas na oitava linha deste código, os valores referentes às frequências temporais ímpares (1 Hz, 3 Hz, 5 Hz, ((n/2) – 1) Hz) são zerados, e assim anulada a contribuição das fre-quências temporais ímpares aos dados do registro. É importante ressaltar que os harmônicos ímpares são representados em colunas pares em nossos dados, já que a primeira frequência temporal dos dados é o componente DC, a segunda frequência temporal é 1 Hz e assim por diante. No Código 5 é mostrado o algoritmo para a transformada inversa de Fourier para a reconstrução do registro sem a contribuição dos harmônicos ímpares.

Código 5

• Rec2 = ifft(Harm,NFFT)*L; %Comando para fazer a transformada inversa

• t2 = 0:L/(NFFT-1):L; %Comando para a geração do novo vetor tempo equivalente ao vetor t do Código 4

• plot(t2,Rec2);• axis([0 900 -30 +30])• xlabel(‘Tempo (ms)’);• ylabel(‘Amplitude (Microvolt)’);

O resultado da reconstrução do registro sem a contribuição dos harmônicos ímpares mostra um registro simétrico ao longo do tempo. A aplicação

de filtragem de harmônicos ímpares geralmente é utilizada quando o estímulo apresenta carac-terística simétrica ao longo do tempo, como no caso deste exemplo no qual o registro foi obtido de uma estimulação de padrão reverso com duas reversões em 1 segundo. O Código 6 mostra o algoritmo caso quiséssemos filtrar os harmônicos pares dos dados.

Código 6

• Fs = 1000;• T = 1000/Fs;• L = 1000;• t = (0:L-1)*T;• NFFT = 2^nextpow2(L); • Rec = importdata(,Registro.txt‘);• Harm = fft(Rec,NFFT)/L;• Harm(1,1:2:end)=0;%Comando para zerar a

energia (fi ltrar) dos harmônicos pares ao longo de todo o vetor Harm

• f = (Fs)*linspace(0,1,NFFT);• Amplitude_Harm = abs(Harm);• bar(f,Amplitude_Harm)• xlabel(‘Frequências temporais (Hz)’);• ylabel(‘Amplitude (Microvolt)’);• axis([0 100 0 +5])

Para visualizarmos o registro reconstruído sem a contribuição dos harmônicos pares bastaria aplicarmos o Código 5 para a matriz Harm derivada da filtragem dos harmônicos pares. O registro não mostra os componentes característicos da resposta cortical provocada, visto a maior parte da energia dos dados está distribuída nos harmônicos pares. A Figura 4 mostra os dados no domínio do tempo e das frequências temporais após as filtragens dos harmônicos ímpares (Figura 4A-B) e dos harmônicos pares (Figura 4C-D).

Figura 4 - Gráficos mostrando os dados do po-tencial cortical provocado visual no domínio das frequências temporais e do tempo referentes às fil-tragens de harmônicos ímpares (A-B) e pares (C-D). Para o registro usado no exemplo, a energia estava concentrada nos harmônicos pares, visto a pre-sença da resposta provocada após a filtragem dos harmônicos ímpares e ausência da resposta após a filtragem dos harmônicos pares.

Page 47: Diferenças de Acuidade Visual por Três Métodos Psicofísicos na

Neurociências • Volume 5 • Nº 3 • julho/setembro de 200946

Processamento dos dados: filtragens off-line passa-baixa e passa-alta

A filtragem passa-baixa retira dos dados a contribuição de todas as frequências superiores à frequência temporal escolhida, enquanto a filtragem passa-alta elimina a contribuição de todas as frequ-ências temporais abaixo de uma frequência temporal de referência. O Código 7 traz os algoritmos para realizar filtragem passa-baixa no registro.

Código 7

• Fs = 1000;• T = 1/Fs;• L = 1000;• t = (0:L-1)*T;• NFFT = 2^nextpow2(L); • Rec = importdata(,Registro.txt‘);• Harm = fft(Rec,NFFT)/L;• n = length(Harm); %Comando para identifi car

a extensão do vetor Harm• Filtro = 40; %Comando de indicação da frequ-

ência de corte do fi ltro passa-baixa• Harm(1,(Filtro+1):1:(n/2)-1) = 0;

%Comando de fi ltragem dos harmônicos de 41 Hz até o fim da primeira metade dos dados

• Harm(1,((n+1)-((n/2)+1):1:(n+1) - Filtro)) = 0; %Comando de filtragem dos harmônicos da parte espelho dos dados referen-tes a frequências superiores a 40 Hz

• f = (Fs)*linspace(0,1,NFFT);• Amplitude_Harm = abs(Harm);• bar(f,Amplitude_Harm)• xlabel(‘Frequências temporais (Hz)’);• ylabel(‘Amplitude (Microvolt)’);• axis([0 100 0 +5])

A Figura 5A mostra a distribuição espectral dos dados após o corte de energia em frequências temporais superiores a 40 Hz. A Figura 5B mostra o registro reconstruído usando o mesmo algoritmo do Código 5 após a filtragem passa-baixa. O Código 8 mostra o algoritmo para realizar filtragens passa-alta.

Código 8

• Fs = 1000;• T = 1/Fs;• L = 1000;• t = 1000*((0:L-1)*T);• NFFT = 2^nextpow2(L); • Rec = importdata(‘Registro.txt’);

Ampl

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lt)Am

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4,5

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3,5

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1

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0

Ampl

itude

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5

4,5

4

3,5

3

2,5

2

1,5

1

0,5

0

Frequências temporais (Hz)0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Frequências temporais (Hz)0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

A

Tempo (ms)0 100 200 300 400 500 600 700 800 900

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0

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B

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Tempo (ms)0 100 200 300 400 500 600 700 800 900

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-30

D

C

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• Harm = fft(Rec,NFFT)/L;• n = length(Harm);• Filtro = 40;• Harm(1,1:1:Filtro) = 0; %Comando para

fi ltragem dos harmônicos inferiores a 40 Hz.• Harm(1,((n)-(Filtro-2)):1:n) = 0; %Comando para

fi ltragem dos harmônicos inferiores a 40 Hz refe-rentes da metade espelho dos dados.

• f = (Fs)*linspace(0,1,NFFT);• Amplitude_Harm = abs(Harm);• bar(f,Amplitude_Harm)• xlabel(‘Frequências temporais (Hz)’);• ylabel(‘Amplitude (Microvolt)’);• axis([0 100 0 +5])

A Figura 5C mostra a distribuição espectral dos dados após a filtragem passa-alta e Figura 5D mos-tra o registro reconstruído após a mesma filtragem. Note-se que o potencial cortical provocado visual não mais aparece no registro visto que ele é constituído principalmente pela energia das frequências tempo-rais abaixo de 30 Hz. A filtragem passa-alta tem sido utilizada para realizar filtragens digitais de potenciais corticais provocados visuais e extrair deles uma res-posta provocada denominada de banda gama com frequências entre 25 a 50 Hz, que no registro original não são visualizadas [14]. As filtragens passa-banda são realizadas realizando-se em associação um filtro passa-baixa e um filtro passa - alta sobre os dados.

Processamento dos dados: filtragens off-line de frequências específicas (notch)

É muito comum realizar filtragens em frequências específicas para principalmente eliminar artifícios da influência da rede elétrica. As duas frequências mais comuns de serem filtradas neste tipo de filtragem são o componente DC e 60 Hz. No Brasil a frequência da corrente alternada da rede elétrica é de 60 Hz, no entanto em outros países pode diferir. A filtragem em frequências específicas é denominada filtragem notch. O Código 9 mostra os algoritmos para reali-zar a filtragem da frequência de 60 Hz, enquanto o Código 10 mostra os passos a seguir para realizar a filtragem do componente DC do registro.

Figura 5 - Gráficos mostrando os dados do po-tencial cortical provocado visual no domínio das frequências temporais e do tempo referentes às filtragens passa-baixa de 40 Hz (A-B) e passa-alta de 40 Hz (C-D). Para o registro usado no exemplo, a energia estava concentrada nos harmônicos abaixo da frequência de filtragem (40 Hz), visto a presença

da resposta provocada após a filtragem dos har-mônicos superiores à frequência de filtragem e aus-ência da resposta após a filtragem dos harmônicos abaixo desta frequência temporal.

Ampl

itude

(Mic

rovo

lt)Am

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de (M

icro

volt)

5

4,5

4

3,5

3

2,5

2

1,5

1

0,5

0

Ampl

itude

(Mic

rovo

lt)

5

4,5

4

3,5

3

2,5

2

1,5

1

0,5

0

Frequências temporais (Hz)0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Frequências temporais (Hz)0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

A

Tempo (ms)0 100 200 300 400 500 600 700 800 900

30

20

10

0

-10

-20

-30

B

Ampl

itude

(Mic

rovo

lt)

Tempo (ms)0 100 200 300 400 500 600 700 800 900

30

20

10

0

-10

-20

-30

D

C

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Neurociências • Volume 5 • Nº 3 • julho/setembro de 200948

Código 9

• Fs = 1000;• T = 1000/Fs;• L = 1000;• t = (0:L-1)*T;• NFFT = 2^nextpow2(L); • Rec = importdata(‘Registro.txt’);• Harm = fft(Rec,NFFT)/L;• n = length(Harm);• Harm(1,61) = 0; %Comando para zerar a ener-

gia do harmônico de 60 Hz• Harm(1,n-59) = 0; %Comando para zerar a ener-

gia do harmônico de 60 Hz da parte espelho dos dados• f = (Fs)*linspace(0,1,NFFT);• Amplitude_Harm = abs(Harm);• bar(f,Amplitude_Harm)• xlabel(‘Frequências temporais (Hz)’);• ylabel(‘Amplitude (Microvolt)’);• axis([0 100 0 +5])

Código 10

• Fs = 1000;• T = 1000/Fs;• L = 1000;• t = (0:L-1)*T;• NFFT = 2^nextpow2(L);• Rec = importdata(,Registro.txt‘);• Harm = fft(Rec,NFFT)/L;• Harm(1,1) = 0; %Comando para zerar a energia

do componente DC, o primeiro elemento do vetor Harm• f = (Fs)*linspace(0,1,NFFT);• Amplitude_Harm = abs(Harm);• bar(f,Amplitude_Harm)• xlabel(‘Frequências temporais (Hz)’);• ylabel(‘Amplitude (Microvolt)’);• axis([0 100 0 +5])

No Código 9, resolvemos importar um registro que apresentasse bastante ruído para poder visua-lizarmos melhor o efeito da filtragem da frequência de 60 Hz. O registro original e o reconstruído após a filtragem notch são mostrados na figura 6, assim como a distribuição espectral em ambas as condi-ções. No Código 10, vale ressaltar que o dado refe-rente ao componente DC aparece apenas uma vez nos dados que retornam da função fft( ), ou seja, o componente DC não tem um dado correspondente na parte espelho dos dados, por isso é apresentada apenas uma linha de comando para anular a contri-buição deste componente.

Figura 6 - Aplicação da transformada de Fourier para filtragem de frequências específicas (notch). Em A, representação dos dados no domínio do tempo de um registro contaminado pela frequência da rede elétrica (60 Hz). Em B, os mesmos dados são mostrados no domínio das frequências tem-porais. Observar a energia da frequência de 60 Hz bem superior às frequências vizinhas. Em C e D, os dados são mostrados no domínio do tempo e das frequências temporais após a filtragem da frequên-cia temporal de 60 Hz.

Ampl

itude

(Mic

rovo

lt)Am

plitu

de (M

icro

volt)

Ampl

itude

(Mic

rovo

lt)

Tempo (ms)

Tempo (ms)

A

Frequências temporais (Hz)

0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000

B

C

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

30

20

10

0

-10

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2,5

2

1,5

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0

0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000

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10

0

-10

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-30

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Neurociências • Volume 5 • Nº 3 • julho/setembro de 2009 49

Programação de dados: possíveis erros para o iniciante em MATLAB

Para que os códigos deste artigo possam fun-cionar corretamente os dados do registro precisam estar dispostos em linha. O programador neste primeiro momento deve evitar que o arquivo de tex-to apresente cabeçalhos de textos. Uma forma de ajustar o arquivo de texto antes de processá-los no MATLAB, é abrir o arquivo em um programa de plani-lhas como o Microsoft Excel e apagar tudo que não seja os dados do registro e depois salvar o arquivo como arquivo de texto.

O arquivo de texto deve estar no mesmo diretório que aparece descrito na interface superior de entra-da do MATLAB, logo acima do Command Window. O usuário pode escolher o diretório desejado para o programa trabalhar. Caso o arquivo não esteja no diretório certo aparecerá uma mensagem de erro???

Error using ==> importdata at 115

Unable to open file.

Por fim, nos códigos de filtragens é necessário anular a contribuição energética das frequências desejadas e de suas correspondentes na parte es-pelho dos dados que retornam da função fft( ). Caso não ocorre exatamente a eliminação da energia das frequências da forma adequada, quando se realizar a transformada inversa para reconstruir o registro após a filtragem aparecerá a seguinte mensagem: Warning:

Imaginary parts of complex X and/or Y arguments

ignored. Assim, o usuário deverá voltar às linhas relacionadas à anulação da energia dos harmônicos e avaliar quais frequências estão sendo zeradas e se elas são correspondentes na primeira parte dos dados e na segunda parte dos dados (espelho).

Agradecimentos

Este trabalho recebeu auxílio do CNPq-PRONEX / FAPESPA / FADESP #2268, CNPq #550671/2007-2, CNPq #620037/2008-3, CNPq / BMBF / IB-DLR #490857/2008-6, FINEP “Rede Instituto Brasileiro de Neurociência (IBN-Net)” #01.06.0842-00. LCLS é pesquisador-bolsista do CNPq.

Referências

1. Souza GS, Gomes BD, Saito CA, da Silva Filho M, Silveira LCL. Spatial luminance contrast sensitivity measured with transient VEP: comparison with psychophysics and evidence of multiple mechanisms. Invest Ophthalmol Vis Sci 2007;7:3396-404.

2. Gomes BD, Souza GS, Rodrigues AR, Saito CA, Silveira LCL, da Silva Filho M. Normal and dichromatic color discrimination measured with transient visual evoked potential. Vis Neurosci 2006;23:617-27.

3. da Costa GM, dos Anjos LM, Souza GS, Gomes BD, Saito CA, Pinheiro MCN, Ventura DF, da Silva Filho M, Silveira LCL. Mercury toxicity in Amazon gold miners: visual dysfunction assessed by retinal and cortical electrophysiology. Environ Res 2008;107:98-107.

4. Bracewell RN. The Fourier transform and its applications. New York: McGraw-Hill; 1965, 381 pp.

5. Tobimatsu S, Celesia GG. Studies of human visual pathophysiology with visual evoked potentials. Clin Neurophysiol 2006;117:1414-33.

6. Silveira LCL, Picanço-Diniz CW, Oswaldo-Cruz E. Contrast sensitivity function and visual acuity of opossum. Vision Res 1982;11:1371-7.

7. Silveira, LCL, Heywood CA, Cowey A. Contrast sensitivity and visual acuity of the pigmented rat determined electrophysiologically. Vision Res 1987;10:1719-31.

8. Heywood CA, Silveira LCL, Cowey A. Contrast sensitivity in rats with increased or decreased numbers of retinal ganglion cells. Exp Brain Res 1988;70:513-26.

9. Mathwork. [citado 2009 nov 04]. Disponível em URL:http://www.mathworks.com/company/aboutus/founders/origins_of_matlab_wm.html.

10. Vítek S, Hozman J. Modeling of imaging in Matlab. Radioengineering 2003;12:55-7.

11. White JW, Ruttenberg BI. Discriminant function analysis in marine ecology: some oversights and their solutions. Mar Ecol Prog Ser 2007;329:301-5.

12. Hanselman D, Littlefield B. MATLAB 6: Curso completo. São Paulo: Prentice Hall; 2003. 676 pp.

13. Odom JV, Bach M, Brigell M, Holder GE, McCulloch DL, Tormene AP, Vaegan. ISCEV standard for clinical visual evoked potentials (2009 update). Documenta Ophthalmologica. [citado 2009 oct 14]. Disponível em URL: http://www.iscev.org/standards/index.html

14. Sannita WG, Conforto S, Lopez L, Narici L. Synchronized 15.0-35.0 Hz oscillatory response to spatially modulated visual patterns in man. Neuroscience 1999;89:619–23.

p ( )Am

plitu

de (M

icro

volt)

Frequências temporais (Hz)

D

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

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Ia Jornada Fluminense sobre Cognição Imune e Neural

Os sistemas nervoso e imunitário não conhecem a “realidade externa”, mas constroem uma realidade própria auto-

referencialHenrique Leonel Lenzi

FIOCRUZ, Instituto Oswaldo Cruz,

Departamento de Patologia, Labora-

tório de Patologia

Correspondência: Henrique Leo-

nel Lenzi, Instituto Oswaldo Cruz,

Fundação Oswaldo Cruz, Av. Brasil

4365 Manguinhos 21045-900, Rio

de Janeiro RJ Tel: (21)2598-4350,

E-mail: [email protected]

“Eu posso fechar meus olhos e, numa fração de segundos, pensar

em estrelas coloridas cintilando num céu azul escuro. Estrelas que nem

sequer sei se existem, e que talvez estejam a muitos anos-luz de dis-

tância. Eu posso imaginar uma vaca amarela ou então dizer que estou

sentindo muito calor. Entretanto, se alguém pudesse abrir o meu cérebro

e examiná-lo com o mais aperfeiçoado instrumento de observação de que

a ciência dispõe, não veria estrelas coloridas nem uma vaca amarela.

Veria apenas uma massa cinzenta, cheia de células ligadas entre si.”

João Fernandes Teixeira [1]

Rubens Alves, escritor com alma de poeta, após uma cirurgia de catarata, ouviu de um amigo seu a seguinte estória do escritor Aníbal Machado [2]:

“Um rico empresário corria o risco de ficar cego. A única alternativa

era um transplante de olhos. Sei que ainda não se fazem transplantes

de olhos, mas na literatura se fazem. Na literatura tudo é possível.

A operação se realizou com sucesso. Com os novos olhos, o

empresário passou a ver como não via antes. Aí ele foi chamado pela

direção de sua empresa para uma reunião urgente. Ele saiu do hospital

para ir ao escritório. Mas – coisa estranha – o tempo passava e ele não

chegava. Saíram então à sua busca. Foi encontrado num jardim olhando

árvores, flores, fontes com uma cara de encantamento. Lembrado de

seu compromisso com a empresa, ele se recusou. ‘Não irei. Vou ficar

aqui neste jardim vendo coisas que nunca vi’. Os médicos, examinando

o relatório de sua operação, viram que seus olhos tinham sido doação

de um poeta...”

Esta estória irreal se aproxima bastante do experimento realizado por Roger Wolcott Sperry (1913-1994), que junto com David Hubel e Torsten Wiesel, foi agraciado com o Nobel em Fisiologia e Medicina de

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Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 2010 51

1981, por pesquisas sobre a separação e identifica-ção das funções dos hemisférios esquerdo e direito do cérebro (split-brain). A partir de um experimento surpreendente em salamandra, realizado em 1943, Effect of 180 degree rotation of the retinal field on

visual motor coordination, [3], Sperry observou que a rotação de 180 graus do campo retiniano resultou numa inversão e reversão completa da percepção visual claramente manifesta em reações errôneas deliberadas e em várias execuções anormais dire-tamente correlacionadas com a rotação retiniana. As salamandras têm a capacidade de regeneração e de restituição tissular, que possibilita que um olho retirado e rotado volte a cicatrizar suas conexões com a órbita, com regeneração do nervo óptico, conectando-se novamente com o cérebro. O animal recupera a visão, não apresentando diferença entre um animal operado e um normal. Maturana reprodu-ziu o experimento em 1955, quando era estudante na Inglaterra e se perguntou: “Em que consiste o fe-

nômeno da cognição? O que é que acontece nestas

circunstâncias em que a salamandra normalmente

lança sua língua quando há um bichinho em sua fren-

te? O que é que acontece quando eu, observador,

ou qualquer observador vejo um bichinho lá, fora da

salamandra, e a salamandra lança sua língua e o

captura? O que é isto de dizer que há um bichinho

lá, no momento em que a salamandra lança sua lín-

gua?” [4]. Maturana, em seu próprio depoimento, só veio a compreender o sentido desse experimento em 1968, portanto 13 anos após reproduzi-lo na Inglater-ra [4,5]. Retirou disso a conclusão forte e definitiva de que a reação da salamandra não é determinada por algo externo, mas por sua estrutura interna. Em vez de apontar para algo externo, realiza “correlação interna” [6]. Ou seja, Maturana percebeu que desde o momento em que a salamandra joga sua língua para capturar um verme ou larva, estabelece uma correlação interna entre a atividade de uma parte da retina e a parte do sistema nervoso motor ou efetor, que gera o movimento de lançamento da língua. Segundo Maturana [5], “para o operar do sistema

nervoso da salamandra é indiferente que se tenha

rotado ou não o olho depois que se restabelece a

conexão retina-cérebro. É para o observador que

a salamandra aparece apontando com um desvio

de 180º, porém ela não aponta. A salamandra faz

exatamente o mesmo que fazia antes: uma correla-

ção sensório-motora entre a atividade de uma área

particular da retina e o sistema motor da língua e

do corpo”. Logo, segundo Maturana [5], o sistema nervoso opera fazendo correlações internas.

No artigo intitulado What the frog’s eye tells

the frog’s brain [7], os autores demonstraram, com grande elegância, que o sistema visual da rã não representa a realidade, mas sim a constrói. Isto é “a rã fala com o cérebro numa linguagem já altamente organizada e interpretada em vez de transmitir cópia mais ou menos acurada da distribuição da luz sobre os receptores”. O que é verdadeiro para a rã devia, então, ser transportado também para os humanos, já que não havia razão para acreditar que o sistema nervoso humano fosse construído de forma peculiar para detectar o mundo como ele “realmente” é [8]. Humberto Maturana, naquele momento um jovem neurofisiologista chileno, também participou do refe-rido artigo e passou a utilizá-lo como um trampolim para o desconhecido. Contrariando a objetividade científica tradicional, ele desenvolveu, de forma inovadora, uma nova forma de falar sobre a vida e sobre a função do observador em descrever sistemas vivos [8].

Tanto o sistema nervoso como o imunitário per-cebem o “quanto” e não o “quê”. Heinz von Foerster [9] chamou a isso de Princípio da codificação não diferenciada. Segundo ele: “Na resposta de uma

célula nervosa não é a natureza física [o quê] da

causa da excitação que está codificada. Somente

é codificada a quantidade [quanto] de intensidade

da causa da excitação... Assim como para a retina,

o mesmo é válido para todas as demais células

sensoriais, como as papilas gustativas da língua,

células táteis ou qualquer tipo dos demais receptores

que estão relacionados com sensações tais como

cheiro, calor e frio, som e outros. Todos são ‘cegos’

à qualidade da excitação e respondem unicamente

à quantidade dela. Isto é assombroso, porém não

deve surpreender-nos, já que ‘ali fora’ efetivamente

não há luz, nem calor, somente existem ondas ele-

tromagnéticas; tampouco há ‘ali fora’ som e música,

somente existem flutuações periódicas da pressão

do ar; ‘ali fora’ não há nem calor, nem frio, somente

existem moléculas que se movem com maior ou

menor energia cinética média. Finalmente, ‘ali fora’,

com toda a certeza, não há dor.

Uma vez que a natureza física da excitação, isto é, sua qualidade, não intervém na atividade nervosa, apresenta-se a seguinte interrogação fundamental: como nosso cérebro evoca a assombrosa multiplici-dade deste mundo multicolorido que experimentamos em todo o momento durante a vigília e, em ocasiões, também em sonhos? Aqui reside o ‘problema do conhecimento’, a busca da compreensão dos pro-cessos do conhecimento.”

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Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 201052

Para Von Foerster [9], conhecer não é computar a realidade, nem computar descrições de uma reali-dade, mas sim computar descrições de descrições, eliminando a ‘realidade’. Segundo ele, “a realidade

só se apresenta aqui implicitamente como a opera-

ção de descrições recursivas. Além disso, podemos

aproveitar a noção de que computando descrições

não significa nada mais que uma computação...

Resumidamente, proponho considerar os processos

do conhecimento como processos ilimitadamente

recursivos de cálculo.”

Na realidade, o sistema nervoso nunca entra em contato direto com o exterior. Todos os estímulos ex-ternos são percebidos por células sensoriais, localiza-das estrategicamente em diferentes partes do corpo, que funcionam como detectores do ambiente [10]. Por exemplo, existem receptores sensoriais para vários tipos de estímulos, tais como os mecanorecep-tores (sensíveis a estímulos mecânicos contínuos ou vibratórios: estiramento, vibração, pressão, toque), quimioreceptores (sensíveis a estímulos químicos), termoreceptores (sensíveis a variações térmicas: calor, frio), fotoreceptores (sensíveis a estímulos luminosos) e nocireceptores (sensíveis a diferentes formas de energia: dor) [11]. A função primordial dos sistemas sensoriais é traduzir a informação contida nos estímulos ambientais para a linguagem do siste-ma nervoso, e possibilitar ao indivíduo utilizar essa informação codificada nas operações perceptuais ou de controle funcional necessárias em cada momento [10]. Ainda segundo Lent [10], “o mecanismo de

tradução da ‘linguagem do mundo’ (as formas de

energia contidas no ambiente) para ‘ a linguagem

do cérebro’ (os potenciais bioelétricos produzidos

pelos neurônios) é semelhante em seus princípios

básicos para todos os receptores, e consiste em

duas etapas fundamentais: transdução e codificação.

A transdução consiste na absorção da energia do es-

tímulo seguida da gênese de um potencial bioelétrico

lento (o potencial receptor ou potencial gerador). A

codificação consiste na transformação do potencial

receptor em potenciais de ação”.

Para onde vão esses sinais sensoriais tradu-zidos para a linguagem do cérebro? Na realidade seguem caminhos determinados pela arquitetura cerebral, que não cabe aqui especificá-los, pois são detalhados nos livros de neurociência [10,12]. O importante é frisar que, a partir dessas sensações, o cérebro pode criar imagens e interpretar os sinais sob a forma de conceitos e classificá-los. “Podemos

adquirir estratégias para raciocinar e tomar deci-

sões; e podemos selecionar uma resposta motora

a partir do elenco disponível no cérebro ou formular

uma resposta motora nova, que é uma composição

desejada e deliberada de ações que pode ir desde

uma expressão de cólera até abraçar uma criança,

desde escrever uma carta para o editor até tocar uma

sonata de Mozart ao piano” [13].Com esses apetrechos sensoriais e cerebrais

conseguimos lidar com a “realidade exterior” do mesocosmos, não percebendo, sem utensílios ade-quados, o que se passa no micro e macrocosmos. Os mundos dos bilhões de galáxias e das partículas quânticas não fazem sentido para o nosso mundo. Como conseqüência da existência de aproximada-mente 20mg de potássio radioativo 40 em nosso or-ganismo, emitimos cerca de 20 milhões de neutrinos por hora e, em direção oposta, somos atravessados, a cada segundo, por cerca de 50 bilhões dessas partí-culas, produzidas em fontes radioativas da Terra [14]. Mas nossos receptores desconhecem essa realidade subatômica. Não fazem parte do mundo que criamos no cérebro ao vivermos no mesocosmos. Então, cria-mos nosso mundo, que é individual para cada pessoa e para cada animal dotado de cérebro.

Nosso mundo

não constitui a imagem de nada: é uma construção, que emerge de uma realidade interna. Não é uma ilusão, pois não tem nada a ver com a “realidade externa”. Essa realidade existe independente de nós, por isso não cabe aqui a concepção de solepsismo. Admite-se um mundo ontológico que existe e existiu antes de nós o conhecermos. Mas esse mundo não é o nosso mundo. De fato, a “realidade”, que perce-bemos externamente a nós, é percebida como uma construção nossa. Ela é a nossa imagem e não o contrário.

Nós somos os criadores e o mundo exter-

no é a nossa imagem. Parece que nesse sentido a Bíblia tinha razão: o criado é a imagem do criador.

Essa é uma visão construtivista do conhecimento. Segundo von Glasersfeld [15], Giambattista Vico foi o primeiro construtivista. Ele escreveu, no início do século XVIII, uma tese denominada De Antiqüíssima

Italorum Sapientia, que é o primeiro manifesto cons-trutivista, já que, referindo-se ao mundo, ele disse bem claramente que os seres humanos somente podem conhecer o que eles mesmos tem criado. Ele cristalizou isso numa bela fórmula ao expressar que Deus é o “artífice do mundo” e o homem “o deus dos artefatos” [15]. O construtivismo não nega a realida-de, mas sustenta que ninguém pode conhecer uma realidade independente. Portanto, o construtivismo não formula declarações ontológicas e separa bem a epistemologia da ontologia [15]. Convém destacar

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mais uma vez a noção de “codificação indiferenciada” de von Foerster [9]: significa que se um neurônio da retina enviar um sinal “visual” ao córtex cerebral, esse sinal terá a mesma forma dos sinais que provém dos ouvidos, nariz (olfato), dos dedos das mãos ou dos pés ou de qualquer outra parte do organismo ca-paz de gerar sinais. Não há entre os sinais nenhuma distinção qualitativa; sua freqüência e amplitude são variáveis, porém não existe nenhum indício qualitativo do que supostamente podem significar [15]. A essa observação desconcertante, segundo von Glasersfeld [15], colaborou ainda mais Humberto Maturana et al. [16], no campo da visão cromática, ao demonstrar que os receptores, que supostamente percebem a cor vermelha (que os físicos consideram o tipo de ondas luminosas que chamamos de “vermelho”), emitem sinais que não diferem em absoluto dos que são emi-tidos pelos receptores do verde. Se somos capazes de distinguir o vermelho do verde, essas distinções forçosamente têm que efetuar-se no córtex; porém não podem basear-se em meras diferenças quali-tativas, porque essas diferenças não existem [16]. Segundo von Glasersfeld [15], vivemos enredados num paradoxo epistemológico: “Não temos maneira

de chegar ao mundo externo a não ser através de

nossa experiência desse mesmo mundo; e, ao ter

essa experiência, podemos cometer os mesmos

erros; por mais que víssemos corretamente, não

teríamos como saber que nossa visão é correta.”

Os sistemas autopoéticos, que apresentam auto-organização e autorregulação, como os siste-mas nervoso e imunitário, são sistemas fechados do ponto de vista da informação. Para explicar isso, segundo von Glasersfeld [15], devemos recordar o que Claude Shannon [17,18] expôs sobre os sinais e seus significados, em seu célebre artigo “A teoria

matemática da comunicação” (1948): dois de seus pontos são suficientes para aclarar os mal-entendi-dos generalizados acerca do termo “informação”:1) O significado não se translada do emissor ao

receptor; somente se deslocam os sinais;2) Os sinais somente são sinais quando alguém pode

decodificá-los, e para decodificá-los necessita conhecer seu significado. Porém, segundo von Glasersfeld [15], “os sinais

que recebemos de nossos sensores e que, segundo

a concepção tradicional, provém do mundo externo,

como podem ser decodificados? Não sabemos quem

os codificou nesse hipotético mundo externo, nem o

que foi codificado; nem sequer conhecemos o código.

A única coisa que podemos fazer é contemplar os

sinais desde nosso interior: isto é, desde o lado do

receptor. Por isso que o termo ‘informação’ carece

de sentido nesse contexto. Podemos falar de ‘infor-

mação’ relativa a nossas experiências, porém nunca

com relação a algo que se supõe que exista mais

além da nossa interface experiencial...o conhecimen-

to é construção.” Portanto, a informação é sempre uma construção [19]. Como disse Varela [20], a informação não deve ser vista como uma ordem intrínseca das ‘coisas’, mas como uma ordem que emerge das próprias atividades cognitivas.

E como é o mundo do sistema imunitário? Cohen [21] considera o sistema imunitário como um sistema cognitivo. Segundo esse autor, a palavra ‘cognição’ deriva do Latim cognoscere, que significa conhecer. Cohen diz que os sistemas cognitivos diferem es-trategicamente de outros sistemas por combinarem três propriedades:a) Podem exercer ou praticar opções; decisões;

b) Contém dentro deles imagens dos seus ambientes; imagens internas.

c) Usam a experiência para construir e atualizar suas estruturas internas e imagens; auto-organização.

Daniel-Ribeirto & Martins [22] exploraram, com profundidade a idéia de que o sistema imunitário conhece através de imagens internas.

Assim como o sistema nervoso [23,24], o sis-tema imunitário é um sistema fechado e não tem contato com o mundo externo. E o eventual contato que possa ocorrer é processado de uma forma pecu-liar, como veremos a seguir. Assim como o cérebro trabalha com sinais não qualitativos do mundo exte-rior, o sistema imunitário também opera com sinais não qualitativos sobre a complexidade do mundo molecular em que atua. Pode-se dizer que, em parte, as células processadoras de antígenos, operam para os linfócitos T como os receptores sensoriais para os neurônios. Imunogenicidade é a propriedade de porções moleculares ou supramoleculares induzirem uma resposta significativa do sistema imunitário. Essas porções moleculares podem corresponder à proteína, lipídeo, carboidrato ou alguma combinação deles. A porção supramolecular pode ser um vírus, bactéria ou protozoário. Um imunógeno - molécula exibindo imunogenicidade - é uma substância que pode desencadear uma resposta específica do sistema imunitário, enquanto um antígeno - a porção exibindo antigenicidade - é a substância reconhecida, numa res-posta de memória (recall response), pela maquinaria existente da resposta imunitária adquirida (células T e anticorpos). Mas de fato, o sistema imunitário re-conhece epítopos através de seus paratopos (região

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de uma macromolécula, que reconhece um epítopo) [25]. Um epítopo para o linfócito B corresponde a uma região de uma proteína, ou outra macromolécu-la, reconhecida por anticorpos solúveis ou presos a membranas celulares. Podem ser epítopos lineares ou descontínuos (quando resíduos reconhecidos estão localizados em regiões distantes na seqüência de uma proteína e são aproximados pelo enovelamento tridi-mensional das proteínas). Um epítopo para linfócito T se caracteriza por peptídeos curtos presos, por sua vez, em moléculas de MHC (Major Histocompatibility Complex) e TCR (T Cell Receptor), formando complexos ternários. Muitos outros co-receptores e moléculas acessórias, além de moléculas de CD4 e CD8, estão também envolvidas no reconhecimento por células T. Esse processo de reconhecimento não é simples e permanece pobremente entendido.

Portanto, epítopos para células B ou T se caracte-rizam por seqüências curtas contínuas ou descontínu-as ou fitas de amino-ácidos [25]. Consequentemente, o sistema imunitário não consegue “conhecer” o mundo real das moléculas ou das supramoléculas que apresentam imunogenicidade ou antigenicidade, pois opera com baixa qualidade de reconhecimento, necessitando também de determinada intensidade de estímulo para responder. Para que uma célula T seja ativada por uma APC (antigen presenting cell) requer pelo mínimo que 100 moléculas de MHC na célula apresentadora tenham um peptídeo para o qual a célula T responda [26,27]. Estudos têm demons-trado que aquelas partes do TCR que fazem contato com o complexo MHC-peptídeo sofrem acentuadas mudanças conformacionais durante a ligação e essa flexibilidade pode contribuir para explicar sua habilida-de para se ligar a muitos peptídeos diferentes [28]. Foi demonstrado que as células T podem apresentar reações cruzadas com peptídeos que não mostram, virtualmente, homologias na seqüência [29-31]. De fato, um único receptor T pode responder a 1,5 x 106

peptídeos nonaméricos [32,33]. Então o sistema imunitário apresenta um siste-

ma de reconhecimento profundamente degenerado. Porém essa degeneração, contrariamente ao que se pensa tradicionalmente na imunologia, pode ser considerada como um estratagema para otimizar as funções de negociação (trade-off) ou de balan-ceamento [34]. Por exemplo, assumindo que um camundongo tem uma resposta com especificidade muito restrita (um-para-um) dos receptores TCRs para seus ligantes, o peso das células T necessárias para realizar tal tarefa seria 70 vezes maior que o peso total do camundongo [32]. Por outro lado, sabe-se

que um número limitado de variantes de MHC tem a capacidade de se ligar a um conjunto de epítopos curtos derivados do repertório próprio, bem como do repertório de proteínas estranhas independentes de sua origem [35].

A maioria dos peptídeos apresentados na superfície celular origina-se de proteínas próprias [36] e uma célula apresentadora de antígeno pode expressar em torno de 5 x 105 moléculas de MHC ligadoras de peptídeos [37]. Esse quadro já comple-xo pode tornar-se ainda mais complexo quando se considera que o sistema imunitário não é um sistema linear, mas sim um sistema adaptativo complexo, como se fosse uma grande máquina, formada por muitos nós interconectados numa grande rede [38-40,22]. O linfócito B pode funcionar também como uma célula que processa e apresenta antígenos. E nesse processo, perde sua originalidade clonal ao apresentar, em sua superfície, uma coleção hetero-gênea de peptídeos [41].

Esses peptídeos, por sua vez, podem interagir com múltiplos clones de linfócitos T. Os idiotipos e paratopos das imunoglobulinas originais expressas na superfície de linfócitos B, que dependem da estru-tura terciária das regiões V (variáveis), são destruídos durante o processamento. Como consequência, os peptídeos gerados pelo processamento e apresen-tação de regiões V não mantém relação direta com paratopos e idiotopos [41].

Ainda segundo Vaz & Faria [41], “do ponto de

vista conexionista do sistema imunitário, a idéia de

uma relação em rede entre os linfócitos e produtos

linfocitários é um aspecto essencial do sistema e

não um problema. E, deste ponto de vista, a noção

de discriminação entre o próprio e o não próprio

torna-se inútil. Conexões idiotípicas existem antes

da penetração de qualquer material estranho. O

sistema imunitário [como o sistema nervoso] é auto-

referencial e o que ele refere em suas operações

são os idiotipos nos receptores linfocitários e nas

imunoglobulinas solúveis dispersas pelo corpo. A

ligação de materiais antigênicos a elementos do

sistema imunitário ocorre pela ‘confusão’ desses

materiais com elementos (idiotipos) que o sistema

já está utilizando naquele momento. Reconhecimento

imune não é um reconhecimento do ‘estranho’, mas

é o reconhecimento de similaridades” [42-45]. Em resumo, o sistema imunitário, assim como

o sistema nervoso, não consegue “conhecer” uma realidade externa, mas constrói seu mundo.

Araújo Jorge [46] fala sobre a mudança de para-digma que ocorreu entre o século XIX e o século XX,

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que vale também para o século atual: “Há hoje certo

acordo entre os pesquisadores para diagnosticarem

como atrator privilegiado do pensamento científico

e cultural do século XIX (e para não ir mais longe no

passado) a noção de energia. Os processos quími-

cos, físicos, biológicos e mesmo sociais exprimiriam,

essencialmente, transformações e dissipações de

energia. A técnica do tempo oferecia, aliás, a imagem

adequada do mundo: a máquina a vapor.

A partir da Segunda Grande Guerra, contudo, a

inspiração científica voltou-se dos watts para os bits

e, em pouco tempo, o atrator emergente já não era

mais a energia, passando a ser – no século vinte [e

no nosso século] – a informação... Ao fazer-se da

informação conhecimento, porque em parte, se faz

da vida informação, desenha-se uma concepção dos

sistemas vivos com um perfil quase humano. E basta

abrir os livros de biologia molecular para vermos os

biólogos usarem, com o maior à-vontade um vocabu-

lário de índole cognitiva: Desde as funções cognitivas

das enzimas, ao reconhecimento entre moléculas, à

memória imunológica, à escola do timo, às bactérias

que – como autênticos sujeitos – hesitam, tomam

decisões, até ao desenvolvimento e à evolução

tratados como processos cognitivos. Quase parece,

e vou ironizar, que a biologia se tornou psicologia.”

Para finalizar, tanto o sistema nervoso, como o imunitário são sistemas fechados, que não operam com informações externas, mas só auto-referentes e na lida de acoplamento com o mundo exterior pres-cindem de uma representação ontológica externa. O que ambos os sistemas fazem, assim como os demais sistemas do organismo, é tornar a vida dos seres vivos viável e adequada aos seus propósitos, no ato do viver. Afirma von Glasersfeld [47]: “Quem

tem entendido isso naturalmente não considerará

o construtivismo radical como representação ou

descrição de uma realidade absoluta, senão que o

conceberá como um possível modelo de conhecimen-

to em seres vivos cognitivos, que são capazes, em

virtude de sua própria experiência, de construir um

mundo mais ou menos digno de confiança”.

O importante é viver com olhos de poeta...

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Na medida em que os seres vivos evoluem em tamanho e em complexidade, torna-se patente a necessidade de estabelecer interação com o meio ambiente, para possibilitar percepção de sinais, ameaças e oportunidades, e produzir respostas de integração e adaptação. Emer-gem duas soluções para esse imperativo: uma forma de comunicação molécula a molécula, representada pelo sistema imune, e uma forma de comunicação por ativação de células excitáveis, representada pelo sistema neural.

Comunicação molecular é estratégia tão primitiva quanto a vida. Está presente nas ligações biológicas não covalentes, na interação de enzima com substrato, na ativação de receptor por ligante, na união das fitas de DNA, etc. Uma molécula molda-se a outra, com complementaridade de massa, átomo por átomo, e atração de cargas elétricas. É uma reação reversível, com afinidade variável. A solução, aplicada a moléculas en-dógenas nos exemplos acima, foi incorporada para moléculas exógenas no sistema imune. Eucariontes desenvolvem uma resposta inata em que reconhecem padrões moleculares exclusivos de procariontes, permitido sua identificação como “exógenos” e uma resposta de defesa e adap-tação, fortemente conservada na escala filogenética. Os vertebrados apresentam receptores reconhecedores de padrões moleculares (PRR – Pattern Recognising Receptors), tanto humorais (complemento) como ligado a células (TLRs [toll-like receptors], NODs, NALP3, dectinas). Os padrões reconhecidos (PAMPs – pathogen associated molecular patterns) incluem peptidoglicanos e lipopolissacarídeos (LPS) da membrana e do flagelo bacterianos, ÷-glucanas fúngicas, CpG-DNA e motivos de RNA virais. Aqui ocorre a única e real distinção entre o próprio e o não-próprio, e uma resposta de alarme contra a “invasão”, com a produção imediata de citocinas defensivas e pró-inflamatórias.

Outra face do aparelho imune de vertebrados é o sistema adapta-tivo. Avançado, propõe-se a reconhecer qualquer estrutura peptídica, própria ou não-própria. Tal premissa pressuporia um repertório imprati-cável de genes e células para albergar tamanha diversidade. A solução engenhosa encontrada foi o rearranjo de alguns de muitos pequenos genes variáveis para formar a área sensível do receptor, e a adoção do conceito de expansão clonal, pelo qual o linfócito, com seu receptor específico, só se multiplicará quando “achar” o peptídeo com o qual se encaixa e se complementa. Daí o termo imunidade “adaptativa”, pois deve ser estimulada especificamente, ad hoc, quando a oportunidade (encontro peptídeo-receptor) aparecer. Só então ocorrerá o milagre da

Commentários

O mosaico e a chaveLuiz Fernando de Souza Passos

Professor da Disciplina de Reuma-

tologia da Universidade Federal do

Amazonas (UFAM), Mestrado em

Patologia Tropical, Doutorado em

Biotecnologia, Faculdade de Me-

dicina da Universidade Federal do

Amazonas, Departamento de Clinica

Médica, Disciplina de Autoimuni-

dade do Mestrado em Imunologia,

Manaus/AM

Correspondência: Parque Tropical,

11/c5, 69055-740 Manaus AM, Tel:

(92)3584-0028, E-mail: passos26@

hotmail.com

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multiplicação dos linfócitos, com formação de um clone de especificidade comum, quantitativamente suficiente para o combate ao patógeno indutor. Está fora do escopo deste texto rever toda a fisiologia da imunidade adaptativa, mas vale destacar alguns aspectos relevantes ao tópico cognição molecular:

• Na resposta adaptativa há o risco inerente e iminente de autoimunidade. As células apresen-tadoras de antígeno vivem apresentando, cotidia-namente, autoantígenos resultantes de processos como remodelamento e apoptose. Em solução igualmente engenhosa, linfócitos nascentes com alta afinidade por autoantígenos são anulados ou eliminados no timo. Mesmo assim “escapam” linfócitos autorreativos de média afinidade, mas que só serão ativados perifericamente se, além do estímulo peptídico específico, houver coestímulos deflagrados por ativação de receptores inatos (TLRs), alarme fornecido por padrões moleculares exógenos. Linfócitos que reconhecem autoantíge-nos em processos endógenos – que não ativam PRRs – ignoram o peptídeo apresentado sem coestímulo e permanecem anérgicos.

• O reconhecimento do peptídeo e eventual expan-são clonal não são suficientes para definir, por si só, o tipo de resposta que advirá. Na linhagem de linfócitos maturados no timo, a resposta efetora pode privilegiar o combate a patógenos intrace-lulares (Th1), a produção de anticorpos (Th2), a convocação de polimorfonucleados (Th17) ou a manutenção/ restauração do estado quiescente basal (T-reg). Condicinantes pré-reconhecimento (o tipo de toll-like receptor acionado na reação de alarme) e pós-reconhecimento (o tipo de citocina produzido pela célula apresentadora de antígeno) determinarão o desenlace do processo. Nuances modulatórias são, portanto, elementos fundamen-tais na performance do sistema imune.

Voltando à cognição, em última análise o fe-nômeno básico no reconhecimento e identificação de elementos do meio externo é a interação de moléculas exógenas com moléculas receptoras do sistema inato ou adaptativo. Complementaridade de átomos (em termos de massa e carga elétrica) entre molécula identificadora e molécula identificada, com maior ou menor afinidade, garante o funcionamento e a especificidade do processo. É pertinente, portanto, a famigerada analogia do encontro da chave com a fechadura, em que perfis absolutamente complemen-tares garantem a abertura da porta.

O linfócito, atrás de uma morfologia única, monótona, de mínimas nuances, esconde imensa diversidade funcional (células B, T, NK, Th1, Th2, Th17, Treg, T/B naives, T/B de memória, etc etc) e diversidade maior ainda em termos de especifi-cidade clonal. Já a diversidade do neurônio, como célula individual, é paupérrima. Ele conhece apenas dois estados funcionais básicos: o não-excitado, ou de repouso, e o excitado, entendendo-se excitação como uma despolarização fugaz de membrana que se espalha em onda pelo corpo do neurônio e percorre axônios e dendritos. Ou tudo, ou nada. O que confere complexidade ao sistema neural é a capacidade de associação dos neurônios, determinando a formação de redes físicas em que milhares de células se inter-ligam por seus prolongamentos filiformes, formando circuitos específicos que, quando ativados, garantem a riquíssima gama de percepções e a capacidade intelectual que é própria e distintiva do ser humano. Há dualidade também na forma em que a despolari-zação da membrana se inicia. Algumas células são excitáveis por fenômenos físicos, como luz, som, força mecânica, que atingindo um limiar quantitativo deflagram o movimento iônico através da membrana. Estão nos chamados “órgãos do sentido”, que cons-tituem a verdadeira interface periférica do organismo com o meio externo. Outros neurônios, a grande maioria, são excitáveis em cadeia por neurotransmis-sores sinápticos. Forma-se uma estrutura orgânica, complexa, esquematizada na Figura 1.

Tomemos o exemplo da formação da visão na retina e sua percepção cerebral. Milhões de células fotorreceptoras atapetam a retina, sensíveis a intensi-dade e ao comprimento (cor) da onda eletromagnética. A imagem compõe-se espacialmente na retina pela excitação ou não de cada célula fotorreceptora como na composição de um mosaico. Segue-se a transmis-são para áreas corticais responsáveis pela visão, onde cada célula fotorreceptora tem um neurônio correspon-dente reconstruindo o mosaico retiniano. Diferentes composições do mosaico – diferentes imagens ou fo-tografias do mundo – são entendidas como conceitos ou objetos em nível neuronal superior, materializando a percepção e gerando a consciência do fato. O mo-saico visual depende de uma composição espacial pré-programada, o que explica os “erros” do camaleão que teve seu campo visual rodado experimentalmen-te em 180 graus, citado por Lenzi neste número da Neurociências. Na área auditiva, milhares de ruídos e fonemas formam um mosaico acústico, captados por células audiossensíveis no aparelho timpânico-coclear, e transmitidas a áreas corticais de audição. Mosaicos

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(não-espaciais) de fonemas e sons são identificados a nível superior e lançados no consciente como palavra, entonação, fala, música, barulho, que não deixam de ser objetos ou conceitos. E assim o odor, o paladar e o tato. Em diversas espécies animais, alguns órgãos do sentido, e respectivos mosaicos corticais, são desenvolvidos em maior ou menor grau. É o caso do olfato nos cães, capazes de farejar inúmeros pro-dutos químicos e antecipar a chegada do dono sem vê-lo ou ouvi-lo. É o caso da audição nos quirópteros. Uma caverna abriga uma colônia de morcegos e suas paredes estão cobertas de milhares de filhotes. As “mamães-morcego” saem para o repasto de insetos ou frutas, e ao voltarem para amamentar os “bebês” identificam com precisão onde estão exatamente os seus, através de ecos que mapeiam a caverna, num prodígio de orientação espacial.

Voltando aos humanos, a capacidade seguinte é armazenar conceitos-objetos, relacioná-los, associá-los, gerando memória – de fatos, relatos, histórias, visões – que poderão voltar à consciência, geralmen-te puxados por um mote comum. Nos vários níveis de percepção, há vários níveis de resposta, desde respostas primitivas como o arco-reflexo álgico e manifestações instintivas, até respostas elaboradas, aprendidas, racionais, com maior ou menor conteúdo de carga emocional.

Figura 2 - Georges Seurat, La tour Eiffel (1889)

Figura 1

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A Figura 2 mostra um quadro de Geoges Seurat (1859-1891) mestre pontilhista do neo-impressio-nismo francês. A tela, formada por milhares de pon-tinhos coloridos, é um mosaico. Não importa cada ponto. Importa o conjunto, percebido como um objeto alto, afilado, em base quadrangular. Exemplifica o poder semiótico das múltiplas unidades – pontinhos – que formam um mosaico. Da leitura do mosaico, somos levados a conceitos: uma torre, a torre Eiffel e nossa memória histórica e afetiva de Paris.

Uma característica que diferencia o sistema cognitivo neural do imune é sua instantaneidade. A despolarização de um circuito constituído, por mais complexo que seja, é imediata, o que garante a inte-ração em tempo real com o meio ambiente físico e social. A cobertura mielínica e a higidez dos canais iônicos permitem essa rapidez. Já o sistema imune demanda um lapso maior para responder (7 a 14 dias na resposta adaptativa, 6 a 12 horas na resposta inata, alguns minutos na resposta IgE). A construção anatômica é crucial nesse aspecto: os circuitos neu-rais são pré-formados e fixos, prontos para a fagulha; as células imunes são livres, flutuantes, migrantes, tendo que se encontrar nos linfonodos, voltar aos tecidos (homing), convocar adjuvantes, preparar o endotélio, e mais outras tarefas próprias da meta final que é a inflamação.

Em dois outros aspectos o sistema neural se assemelha ao imune – a capacidade e a necessidade de amadurecimento para formar o repertório de circui-tos e de linfócitos; e a capacidade e a necessidade de moduladores internos para aumentar a diversidade das respostas.

O desenvolvimento de circuitos é tarefa árdua. É o aprendizado natural, psicomotor. É o aprendizado cultivado, social, educativo. São anos de desenvolvi-mento, até se atingir maturidade suficiente – neural e imune – que permite a eclosão da puberdade e a perpetuação da espécie. Nossa capacidade de formar circuitos e mosaicos – neuroplasticidade – é um pro-cesso fisiológico de capital importância, e a formação de circuitos com mínimas diferenças pode levar à geração de diferentes atitudes, aptidões, personali-dades, e mesmo comportamentos considerados pa-

tológicos. Por que Bach compunha prelúdios e fugas sublimes? Por que Pelé fazia gols merecedores de placas nos estádios? Por que João tem um transtorno obcessivo-compulsivo? Por que José é autista? Quais os fatores de crescimento neurais que influenciam a neuroplasticidade? Qual a programação genética que determina a conexão primária e a migração de neurônios? Como a selagem e o descerramento de genes por processos epigenéticos, e portanto am-bientais, podem alterar essa programação? Como experiências reais podem influenciar a formação de vias de conectividade e portanto dar base material a teorias psicanalíticas? Haverá possibilidade de reinventar a neuroplasticidade, através de terapias celulares para correção de doenças degenerativas e sequelas de neurotrauma?

Não há linearidade na resposta neural assim com na resposta imune. Influências locais parácrinas e autócrinas – citocinas, hormônios, neuropeptídeos, neurotransmissores – desviam a resposta funcional em sentidos muitas vezes opostos. Aqui a glia sai de uma tradicional obscuridade e ganha destaque como produtora de substâncias neuromodulatórias e partícipe maior no cenário neurofisiológico. E advém a importância de se conhecer cada sinapse, de cada circuito, seu agonista fisiológico, sua síntese, seu armazenamento, sua recaptura, seus antagonistas fisiológicos, e receptores de membrana paralelos que inibem ou facilitam a despolarização neuronal. Essa via conduz inapelavelmente à neurofarmacolo-gia, abrindo espaço para intervenções que podem revolucionar a terapia de condições neurológicas e psiquiátricas.

Em conclusão, as duas faces da cognição em biologia neural e imune – os paradigmas do mosai-co e da chave – são totalmente diferentes em sua essência, mas contém semelhanças circunstanciais que permitem extrapolar experiência de uma área para a outra, e semear idéias em neurocientistas e imunologistas, podendo aumentar nossa capacida-de de compreensão e levar ao desenvolvimento de aplicabilidades que certamente terão alto impacto na saúde e no bem-estar da pessoa humana.

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Querido amigo Lenzi

Seu primeiro parágrafo (o transplante de olhos) me fez lembrar um-sobrinho da Ana Caetano. Ainda menino, com uma miopia muito forte, ele foi recebendo óculos gradualmente mais fortes até que recebeu aqueles com o grau adequado à sua condição. Contam que nesse dia, o menino não dormiu: passou a noite toda andando pelo apartamento, vendo.

E agora, me lembro do poema de Augusto de Campos, com seus múltiplos sentidos:

não me vendonão se vendenão se venda

Pelo que entendi de Maturana o “estalo” (quando ele escreveu noquadro negro :”Tudo é dito por um observador”) foi comunicado em umCongresso de Antropologia, publicado em 1969. O artigo com Letvin, de dez anos antes (1959) é sobre feature detectors, a idéia de que algumprocessamento de informação (computação, como você diz) ocorre já a nível dos órgãos sensoriais; o olho já determinaria o que pode ser visto.

O texto de 1959 não altera a noção de um mundo exterior, inde-pendente, objetivo.A Realidade,

com R gótico, rococó, ainda está lá fora, kantiana. Aruptura com essa Realidade surge em um

texto de 1968, escrito com Samy Frenk e Gloria Uribe, uma ver-dadeira “teoria da relatividade” biológica. Isso se passa justamente quando ele, de certa forma, nega as conclusõesdo trabalho com Letvin (no Congresso da SBPC (Campinas, 1984), ele bate no peito e excla-ma, teatral, “mea culpa, mea maxima culpa” quando alguém na platéia (Gavriewsky, da UFF) percebe a contradição entre as duas posições e pede esclarecimentos). No texto de 1968, ele desiste de mapear os receptores cromáticos na retina, como os havia mapeado no texto com Letvin. Diz que é impossível correlacionar a atividade elétrica da retina com o comprimento de onda da radiação que penetra o olho, mas que é perfeitamente possível correlacionar a atividade elétrica da retina com o nome dado à cor (“verde” passa a ser um estado do corpo). Isto é escandalosamente importante porque inclui de forma definitiva o observador na observação. Daí surge o conceito do linguajear humano

Comentários

ComentárioNelson Monteiro Vaz

Médico, Doutor em Bioquímica e

Imunologia, Professor aposentado

de Imunologia, Instituto de Ciências

Biológicas (ICB), Universidade Fede-

ral de Minas Gerais (UFMG)

Correspondência: Departamento de

Bioquímica e Imunologia, ICB-UFMG,

Caixa Postal 486 Pampulha 30161-

970 Belo Horizonte MG, Fax: (31)

3499-2640, E-mail: [email protected]

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como construtor das realidades de cada um de nós. Quase na mesma época surge a fusão das duas perguntas: a pergunta sobre a “percepção” e sobre a organização do que é vivo, a admissão que só se pode entender aquilo que denominamos percepção por um outro entendimento (autopoiético) do viver e a separação de dois domínios de descrição (que evita a falácia das interações instrutivas).

(Às vezes me pergunto o que seria esta pedra”objetiva”, em seu peso, sua frieza, sua cor e dureza; sem meus olhos, minha mão e meu braço. Essa pedra não é nada antes eu faça alguma coisa que a envolva - então, passa a ser a minha pedra, no meu mundo. Que mundo é esse “objetivo” em que eu me encontraria tão alienado, no qual minha própria mão seria o mais estranho dos objetos?)

(Numa aula em Florianópolis, em 2006, Jorge Mpodozis tirou do bolso uma chave e perguntou se faria sentido dizer que ela “contém a informação para abrir a porta do quarto no hotel”? Claro que não, porque se vê que estas ranhuras correspondem a detalhes da fechadura; uma estrutura realiza a fa-çanha de abrir a porta. Mas - continuava ele - se eu tirasse do bolso este cartão magnético e dissesse a mesma coisa, vocês talvez concordassem que ele “contém a informação”, entendem? A gente invoca o conceito de “informação” quando não entende o que se passa!”).

“Irun Cohen (2000) propõe que consideremos o sistema imunitário como um sistema cognitivo.” Que eu entenda, não há nem nunca houve outra maneira de conceituar a atividade imunológica: ela sempre foi funcional e defensiva, portanto, cognitiva - tem

que “entender” o que faz. Mas o sistema imune e o sistema nervoso não são sistemas cognitivos, não entendem nada: apenas operam da maneira que operam porque têm a estrutura que têm. Cognitivos somos nós, imunologistas, que operamos na lingua-gem como seres humanos, apontando anticorpos e linfócitos para outros seres humanos.

“Em resumo, o sistema imunitário, assim como o sistema nervoso, não consegue “conhecer” uma

realidade externa, mas constrói seu mundo.” Este mundo que o sistema imune constroí é estru-tural? ou relacional? É um conjunto de células e mo-léculas? Ou é um conjunto de ações padronizadas, coerentes consigo mesmas e com sua história? O mundo do sistema imune é ele próprio? ou é o orga-nismo do qual ele faz parte? Ou são (o conjunto das) as relações entre a estrutura do sistema e a estrutura do organismo? Sistema imune e organismo surgem juntos: só o organismo em seu meio faz sentido (Self

and non-sense).

Referências

1. Lettvin JY, Maturana HR, McCulloch WS Pitts WH. (1959). What the frog’s eye tells the frog’s brain. In: McCulloch WS, ed. Embodiments of mind. Cambridge, Mass; MIT Press: 1975. p.230-56.

2. Maturana HR, Uribe G et al. A biological theory of relativistic color coding in the primate retina. Arch Biol y Med Exp 1968;1(Suppl1).

3. Maturana HR. Neurophysiology of Cognition. In: Garvin P, ed. Cognition: a multiple view. New York: Spartan Books; 1969. p.3-23.

4. Gilbert SF, Epel D. Ecological developmental biology: integrating epigenetics, medicine, and evolution. Sunderland MA: Sinauer; 2009. 496 pp.

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Introdução

Atualmente, o homem contemporâneo é exposto a situações di-versas que podem desencadear estresse físico e mental. As represen-tações mentais que temos de determinadas realidades, muitas vezes potencializam esse estresse e podem dificultar nossas relações sociais, afetivas, além de forma de nos relacionarmos com nós mesmos.

A sofrologia é a ciência que busca a compreensão desse estresse e desenvolve ferramentas capazes de trazer a harmonia entre o corpo e a mente. Foi desenvolvida em 1960, pelo neuropsiquiatra colombia-no Afonso Caycedo, tendo como principio fundamental o pensamento positivo.

Hoje, a sofrologia é utilizada em várias áreas de conhecimento, principalmente na Europa, onde tem muito sucesso. Na medicina e psicologia é utilizada como método profilático.

Esse artigo foi produzido a partir do material de estudo da Escola Francesa de Somatoterapia e Sofrologia, localizada na cidade de Tours, França e apresenta ao público brasileiro uma introdução aos conceitos iniciais, definições, métodos, aplicações e práticas da sofrologia.

Histórico

A sofrologia é uma ciência que nasceu da hipnose e abriu as vias da psicanálise. Franz-Anton Mesmer (1734-1815), através de suas pesquisas sobre o magnetismo, foi seu precursor. Foi o padre José Custódio de Faria (1756-1819) que desmistificou o poder sobrenatural do magnetizador, ressaltando que o praticante age pela sugestão ver-bal. Ainda que suas teorias tenham sido desacreditadas durante vários anos, ele foi o primeiro codificador da hipnose.

A primeira intervenção cirúrgica sob anestesia por sugestão foi re-alizada em 1814 por Jules Choquet. Em 1859 Paul Broca (1824-1880) opera um abscesso de ânus sob hipnose. Hippolyte Bernheim (1843-1917) e Ambroise Auguste Liébault (1823-1904) fundaram a Escola de Nancy (França), onde eles reconheceram a importância da sugestão nos fenômenos hipnóticos.

Jean Martin Charcot (1825-1893), neurologista no Hospital La Salpêtrière (França), estudou a histeria e tentou demonstrar o poder do espírito sobre o corpo. Josef Breuer (1842-1925) descobriu que no caso dos histéricos o traumatismo inicial provocado por uma emoção anterior

Atualização

Introdução à sofrologia William Bonnet

Psicólogo, diretor da École de

somatothérapies et de sophrologie

appliquées, França

Correspondência: E-mail: contact@

sophrologie.net, www.sophrologie.

net www.sofrologiabrasil.blogspot.

com

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desaparecia quando o paciente vivia novamente a situação traumatizante. Ele é o inventor do conceito de catarse. Sigmund Freud (1856-1939), discípulo de Charcot criou a psicanálise em 1896.

Em 1932, Johannes Schultz (1884-1970) divul-gou seu método de relaxamento, conhecido como Training autogênico. Trata-se de uma técnica que se baseia no yoga e na hipnose.

William Reich (1897-1957) inspirou, através dos seus trabalhos, a vegetoterapia, depois o suporte teórico das Somatoterapias. Sua obra originou os conceitos de base da sofrologia. Alexander Lowen criou a Bioenergia.

Definição

Interessado pelas técnicas orientais de rela-xamento, o neuropsiquiatra colombiano Alfonso Caycedo (1932-), esteve na Ásia para descobrir os diferentes métodos praticados. Suas observações permitiram-lhe chegar à seguinte conclusão: todas essas práticas têm em comum “a busca do domínio do corpo pelo espírito”. Inspirado por suas formidá-veis descobertas, ele retorna ao Ocidente e cria seu próprio método de relaxamento, ocidentalizado e desprovido de todo misticismo.

O aperfeiçoamento deste método resulta de uma premissa científica onde cada hipótese de trabalho é verificada antes de ser aplicada. Caycedo deu o nome de Sofrologia a essa nova ciência. Em 1960, ele fundou a Escola de Sofrologia e deu ao seu método a seguinte definição: a sofrologia é uma ciência, ou melhor, uma Escola científica que estuda a consciên-cia, suas modificações e os meios físicos, químicos ou psicológicos que podem modificá-la, com o fim terapêutico, profilático ou pedagógico em medicina.

A palavra Sofrologia vem do grego sos phren

logos onde: sos = harmonia; phren = consciência; logos = estudo.

Portanto, a sofrologia é a ciência do espírito sereno aplicada à consciência humana. Ela estuda a modificação dos estados de consciência, a modifi-cação dos níveis de vigilância e os meios de produzir essas modificações.

Para isso, a sofrologia utiliza as técnicas de-nominadas sofrônicas passivas ou ativas, saídas da hipnose e da sugestão. Além dos métodos de relaxação tradicional como o Training autogênico de Schultz, que são igualmente utilizados.

Desta forma, o indivíduo pode se encarregar da sua totalidade psicossomática por uma vivência direta da sua própria consciência, alcançando o do-

mínio dessa consciência, sendo capaz de modificar o seu conteúdo, assim como, os diferentes estados e níveis de vigilância, através do autocontrole do corpo e do espírito.

Caycedo define a consciência segundo três es-tados qualitativos e três níveis quantitativos.

A consciência segundo Caycedo

A consciência apresenta três estados qualitati-vos e três quantitativos. Os três estados qualitativos são o estado patológico; o estado ordinário; o estado sofrônico. Os três níveis quantitativos são: a vigília; o sono; o nível sofroliminar.

O nível sofroliminar se situa entre a vigília e o sono. Trata-se de uma zona sensível utilizada para reforçar a consciência. Segundo Caycedo, o indivíduo pode permanecer nesse estado de consciência co-mum, se instalar no estado de consciência patológica ou então progredir na consciência sofrônica positiva.

A escola francesa impôs a tomada de considera-ção do inconsciente na sofrologia. Em destaque estão o Dr. Jean Pierre Hubert, o Dr. Jacques Donnars e o Dr. Roland Cahen.

A somatoterapia

Historia e fundamentos da somatoterapia

Vivemos uma época de grande audácia no domí-nio das curas, nos garantindo uma fusão espantosa de terapias, muitas das quais podemos achar gra-ça. Porém é mais sensato considerarmos algumas dessas terapias com interesse. Esta multiplicação de práticas simplesmente responde à diversidade da demanda, assim como a particularidade de cada terapeuta.

O verdadeiro praticante sabe que precisará criar uma terapia própria para cada terapeuta e a cada encontro terapêutico; a diferenciação que se fazia, durante muito tempo, espontânea e silenciosa, se sistematiza agora, se inscreve em um quadro estru-turado.

Existem causas históricas para a eclosão dessas novas práticas. A sociedade evolui cada vez mais rapidamente, abrindo novos campos aos terapeutas. Quando foi preciso reagir a todas as descobertas recentes na medicina, em técnica e organização, na metade do século XIX, no tempo de Claude Bernard, foi pela psique, pelo discurso e pelos processos intra-psíquicos, como fizeram Charcot, Freud ou Pierre Janet (1859-1947). A época não era ainda do uso do

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corpo. Mesmo Sándor Ferenczi (1873-1933) e Reich ainda resistiram e só o reconhecerem 50 anos mais tarde, entre as duas guerras.

O trabalho em grupo nascia, a aproximação franca e aberta do corpo deram-se após a derrota do totalitarismo.

Mas agora a grande liberação é a possibilidade que o homem tem de explorar todas as suas poten-cialidades. Enquanto isso, o inconveniente desta geração quase espontânea, reside na denominação muitas vezes incoerente das terapias. Uma clas-sificação metódica e segura das bases científicas ajudaria provavelmente a situar cada etapa em razão aos critérios objetivos, respeitando o toque inventivo pessoal.

É nesse estado de espírito que desde 1989, a somatoterapia tenta se situar. A ciência do corpo em terapia, que nós podemos chamar somatologia, é a ciência do corpo qualitativa. Assim o corpo em terapia não é somente anatômica, biológica e psicológica, ele é dotado de uma qualidade suplementar: a vivên-cia. O nosso corpo vivencia experiências qualitativas e singulares: cada pessoa vive o novo e original a cada instante.

A somatologia é a ciência desse corpo às vezes anatomo-bio-psicológico e vivido em situações.

Como a psicanálise há cem anos dava acesso à palavra, as somatoterapias abrem hoje o acesso ao corpo para lhe dar a palavra.

A somatoterapia é, com a psicoterapia e a socioterapia, uma das três grandes categorias de terapia. Enquanto que a psicoterapia estuda mais precisamente os processos psíquicos individuais e a socioterapia estuda a dinâmica relacional, a somatoterapia trabalha sobre o funcionamento e a vivência corporal.

Essas três vias são interativas e inseparáveis, mas a prática conduz cada terapeuta a privilegiar uma ou outra.

A somatoterapia reúne em um só termo todas as terapias corporais e as situa no seu verdadeiro lugar. Ela não se interessa pelo corpo plástico, mas transfere toda sua atenção sobre a reatividade do corpo às estimulações psíquicas, as obrigações da vida social e profissional e a vida afetiva.

Esse conceito é destinado a introduzir o rigor metodológico e uma nova exigência teórica.

Desde 1960, teoria e prática do corpo se mul-tiplicam e hoje necessitam de uma classificação. Essa classificação pode se orientar essencialmente para dois pontos. Nós podemos distinguir as terapias ditas estruturadas e as terapias analíticas. Assim

como a psicoterapia e a socioterapia, a somatotera-pia pode ser estruturada ou analítica.

No primeiro caso, o tratamento é curto, visa um sintoma com um meio bem circunscrito, por exemplo: a sexoterapia.

No segundo, o tratamento visa o sujeito na sua globalidade e pode durar anos, utilizando meios muito mais amplos. A relação com o terapeuta se torna transferível, mas tudo isso não é elaborado de maneira formal.

Da mesma forma, uma psicanálise pode perma-necer estruturada por anos, uma ciência terapêutica pode ser analítica desde o início.

Com o objetivo de classificação científica das terapias, nós devemos considerar quatro critérios principais:• Primeiro critério: a duração. As terapias estrutura-

das são geralmente curtas, atingindo uma média de 10 a 15 sessões. As terapias analíticas têm uma duração longa e indeterminada, não definitiva de início.

• Segundo critério: finalidade da terapia. Com efeito, o primeiro tipo de terapia se estrutura em torno de um sintoma preciso e termina quando esse sintoma desaparece. Trata-se geralmente de um sintoma limitado mais funcional que orgânico abordável em 10 a 15 sessões precisamente. O segundo tipo de terapia contorna o sintoma ime-diatamente para analisar o terreno, considerando que somente uma mudança mais geral pode curar, isto é, eliminar toda recaída e a transferência do sintoma.

• Terceiro critério: consideração dos meios utiliza-dos. Se tomarmos o exemplo da insônia, utiliza-mos uma terapia curta, algumas sessões de re-laxamento, por exemplo, para eliminar o sintoma, o qual é bem circunscrito. Nós utilizaremos (de preferência) uma análise bioenergética de dura-ção indeterminada quando a insônia representa apenas a ponta do iceberg.

• Quarto critério: o tipo da relação terapêutica. Em uma terapia estruturada, a relação continua hierar-quizada entre um terapeuta e um paciente, entre o que se sabe e o que se aprende, entre aquele que pode e aquele que fracassou até o momento, entre o professor e o aluno. Porém, não podemos dizer que esta relação estruturada não é transfe-rível. Existe certamente uma transferência, mas se trata de uma forma imposta de transferência, desta forma hierarquizada precisamente.

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Em uma terapia estruturada, não é preciso sair desta forma de relação desejada. A relação analítica, ao contrario, consiste em uma projeção de transfe-rência que desloca sobre o terapeuta os tipos de relações habituais, antigas e repetitivas.

Em certo momento do tratamento, esta dimen-são transferível se torna pré-valida e é preciso traba-lhar. Agora, como não se trata mais de um sintoma simples, mas existente, a duração desta analise é indeterminada e geralmente longa. É, portanto, o cri-tério relacional que condiciona a diferença de duração entre os dois tipos de terapia, pois, nós podemos suportar em média uma relação hierárquica durante 10 a 15 sessões, mas, além disso, existe um risco, o retorno a espontaneidade de transferência.

Critérios distintivos das terapias estruturadas e analíticas Característi-

casTerapias

estruturadasTerapias

analíticasDuração Curto LongoFinalidade Sintoma TerrenoMétodos Parcial GlobalRelações Hierárquico Analítico

Os dois grandes critérios de classificação rela-tivos ao lugar de aplicação e a forma do emprego, permitem propor um quadro geral que diferencia seis grandes categorias de terapias.

As grandes classes de terapiasLocal de aplicação

Terapias estruturadas

Terapias analíticas

Psiquismo Psicoterapias AnálisesSocial Socioterapias Análises de grupoSomáticas Somatoterapias Somato-análiseClassificação das psicoterapias

Local de impacto

Terapias

RelacionalPsicoterapia de apóioPsicoterapia central sobre a pessoa

CognitivaTerapias comportamentaisTerapia de Erikson

Sistêmica Terapias familiaresAnálise familiar

PsicodinâmicaPsicoterapia brevePsicanálise, análise

Classificação das socioterapiasNatureza do grupo Terapias

CasalTerapia de casal, conselho conju-gal, sexo terapia

Família Terapias sistêmicas

Grupos terapêuticosTreinamento em grupo, grupo de análise, psicodrama,

Instituição Terapias institucionais

Classificação das somatoterapiasFunção corporal Terapias

Movimento e postura

Psicomotricidade, yoga, expressão corporal, terapia através da dan-ça, ginástica, método Alexander,Expressões artísticas privilegiando o movimento.

Toque Massagem, auto-análise

SentidoMusicoterapia, psicofonia, mé-todo Tomatis, terapia através do instinto e do olfato, etc.

Voz Expressões vocais, ortofonia, etc.Respiração reberth

Global Bioenergia, gestalt, grito primal, somato-análise

Estados de consciên-cia

Sofrologia, relaxamento, isolação sensorial, transe, meditação, hipnose, sofro-análise…

A sofronização

Na prática, uma ciência como a sofrologia come-ça pelo acesso ao nível sofroliminar, com a ajuda de um processo chamado sofronização. Para isso, são utilizadas técnicas precisas que permitem modificar os estados de consciência. No nível sofroliminar, se produz uma ativação intra-sofrônica que permite a consciência se reforçar. Em seguida utiliza-se um processo chamado de desofronização, ou seja, o sofronizado retoma progressivamente seu nível de vigilância e seu tônus muscular, necessários a atu-alidade e a atividade.

Descrição dos fenômenos

A técnica começa por um relaxamento muscular dito simples. Trata-se de uma evocação dos lugares do corpo, ponto a ponto, segmento por segmento, começando pela face. Esse procedimento permite atravessar as barreiras musculares, de aceder ao relaxamento e de modificar a consciência ordinária.

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Nesse estado de consciência particular, o sofro-nizado vive fenômenos que podem prepará-lo a uma sofro- análise e de aceder ao campo descobrindo.

No ponto de vista de Caycedo, a sofrologia é considerada como uma ciência fenomenológica. Deste forma ele recusa a dimensão analítica desta disciplina. Nosso ponto de vista é diferente, pois nós pensamos que a sofrologia oferece um terreno remarcável para a análise, permitindo a exploração e a percepção da dimensão inconsciente sofrônica.

A passagem do nível sofroliminar na consciência modificada permite: 1) Uma hiper amnésia sofrôni-ca: aumento das capacidades de memorização; 2) Uma sofro-oniria: produção de imagens hipnagógicas espontâneas; 3) Não existe amnésia pós-sofrônica: como é o caso para a hipnose.

Caycedo observa também o que ele chama uma plasticidade imaginativa excepcional, que se manifesta de duas maneiras:1. Desenvolvimento de uma sofro-produtividade:

A vivência sofrônica ativa o mundo fantástico e fantasmagórico. Em certos casos pode favorecer a produção de alucinações diversas.

2. Sofro-estimulação imaginativa: O sofronizado pode representar situações sob formas variadas, que correspondam ou não a uma realidade. Esta expressão pode, em seguida, ser analisada em terapia.Na ativação intra-sofrônica, o sofronizado pode

constatar: 1) Um aumento das percepções; 2) Um aumento de sua atenção: esta atenção pode ser fo-calizada, difusa, com relação com o mundo exterior ou o mundo interior.

O dinamismo das estruturas e das possibilida-des que se mobilizam durante a experiência sofrôni-ca abre um leque de possibilidades permitindo um crescimento da integração das atividades conscien-tes. A experiência da realidade é enriquecida pela experiência sofrônica.

Figura 1 - Schéma d’une sophronisation. Do ponto de vista estritamente prático, a sofro-nização compreende três partes: 1) um acesso ao relaxamento: trata-se de uma fase física de relaxa-mento, seguida de uma fase mental transformada; 2) um trabalho ao nível sofroliminar: incluindo a ati-vação intra-sofrônica e a sugestão do sofrólogo; 3) preparação mental ao retorno: O sofronizado deve preparar-se a deixar a zona “X” e em seguida um retorno físico é necessário.

A conservação do nível sofroliminar é feita com a ajuda do terpnos logos, ritmo regular da palavra que inclui a sugestão.

A sofronização de base constitui o primeiro percurso obrigatório de qualquer terapia ou de qual-quer compromisso de desenvolvimento pessoal. Isto é de alguma maneira o trampolim do começo do compromisso no processo de mudança. A sofro-nização de base constitui por si própria, um começo de amnésia, pois permite que o paciente expresse a sua experiência após a sessão e que o terapeuta observe os comportamentos que constituem uma primeira investigação. É assim que a sofronização de base pode ir além da impossibilidade patológica de se descontrair, até a liberação inteira do ser.

Os métodos de sofronização

Instale-se confortavelmente, feche os olhos. Comece a relaxar. Primeiramente a testa. Sua testa é lisa. Elimine as rugas de expressão da sua testa. Re-laxe as sobrancelhas, os olhos, os músculos detrás dos olhos, ao redor dos olhos. Relaxe as bochechas, as faces externas das bochechas em relação ao seu rosto. A face interna em relação com sua boca. Sua língua é flexível, e os dentes estão relaxados. Relaxe o queixo, deixe-o cair levemente. Relaxe a sua nuca, ela estará perfeitamente relaxada.

Em seguida os ombros. Relaxe-os. Começando pelos ombros, relaxe os braços, os ligamentos dos cotovelos... Imagine-os flexíveis e relaxados. O ante-braço, os pulsos, os ligamentos dos pulsos... Imagine e experimente estes ligamentos leves e flexíveis. As mãos, os dedos até as unhas.

Relaxe profundamente, depois de ter relaxado os músculos do rosto, do pescoço, dos ombros, dos braços; relaxe a nuca, a sua nuca está leve. Deitado nesta posição é muito fácil de relaxar os músculos da nuca. Relaxe-os profundamente, progressivamente.

Agora a barriga. Relaxe a barriga. Ela é uma larga área muscular abdominal. Relaxe esta cintura abdominal. Desaperte. Abra profundamente esta cintura. Sua barriga é um grande segmento do seu

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corpo. Ao mesmo tempo relaxe suas costas. Relaxe com sua respiração, com o seu tórax. Ao relaxar seu tórax, relaxe um pouco mais suas costas, toda a região lombar, toda sua costa. Este relaxamento está agradável. Respire de forma relaxada. Uma respiração calma, agradável e regular.

Agora eu lhe proponho relaxar o cérebro, como se fosse outro músculo. Tente senti-lo como um mús-culo em repouso. Para relaxar seu cérebro imagine uma folha branca sem nada, nenhuma inscrição. Seu cérebro olha para esta folha e começa a relaxar no mesmo instante.

Relaxe agora as pernas. Comece pelas coxas. Os músculos profundos, os músculos superficiais. Os joelhos, os ligamentos dos seus joelhos... Veja-os leve, desligados. As panturrilhas, os tornozelos, os li-gamentos de seus tornozelos. Dos pés até os dedos.

Depois de ter relaxado estas partes do corpo, segmento por segmento, lugar por lugar; reúna estas partes do corpo. E muito rapidamente, viva seu cor-po como um lugar confortável, agradável, dentro do qual você sente-se bem. É um corpo unitário. Viva a energia profunda que esta em você, principalmente depois de cada expiração.

Você passou uma barreira muscular e, dessa forma, pode viver um pouco mais profundamente seu corpo, seu mundo interior. Tome o tempo que for necessário e contrate um diálogo com seu corpo; tenha um dialogo profundo. E seu corpo responderá. Seu corpo responderá por diversos fenômenos e sensações agradáveis. Aceite esta noção de prazer. Você poderá igualmente captar as sensações neu-tras. Isto é, aquelas que não têm uma verdadeira importância para você. E até mesmo qualquer outra forma de resposta.

A importância neste estágio privilegiado é viver profundamente seu corpo, seu meio interior, próprio a si mesmo.

Aprofunde seu relaxamento. Sob o efeito do re-laxamento muscular, observe que seus braços estão pesados. Eles tornam-se progressivamente pesados.

Traga sua atenção sobre o seu braço direito, sinta-o pesado, mais e mais pesado. E formule mentalmente:

“Meu braço direito está pesado. Meu braço

direito está muito pesado. Meu braço direito está a

cada vez mais pesado”.

Traga sua atenção sobre o outro braço, o braço esquerdo. Pense agora:

“Meu braço esquerdo está pesado. Meu braço

esquerdo está muito pesado. Meu braço esquerdo

esta a cada vez mais pesado. Eu estou profundamen-

te descontraído, profundamente confortável, meus

dois braços estão pesados”.

Imagine agora um raio de sol projetando-se sobre sua mão direita. Imagine a sua mão direita mais quen-te, agradavelmente quente sob este raio de sol. Pense:

“Minha mão está quente. Minha mão direita

está muito quente. Minha mão direita está agrada-

velmente quente”

Outro raio de sol pousa sobre sua outra mão, a mão esquerda. Imagine sua mão esquerda quente, agradavelmente quente. E pense:

“Minha mão esquerda está quente. Minha mão

esquerda está muito quente. Minha mão esquerda

está agradavelmente quente. Meus braços estão

pesados. Minhas duas mãos estão quentes, agra-

davelmente quentes”.

Aprofunde seu relaxamento. Seu coração bate regular e eficazmente. O som das batidas do seu próprio coração é agradável. Aceite este som. Viva a escute com seu coração.

Observe que ao mesmo tempo sua respiração é mais eficaz, perfeitamente relaxada, presente... Você observa o fluxo ao nível de sua respiração. Eu proponho que você diga:

“Eu sou respiração, eu respiro, tudo respira em

mim”.

Você vive essa respiração agradavelmente e profundamente.

Imagine um raio de sol no buraco do estomago. Seu raio solar é quente, super quente, agradavel-mente quente. E este calor aumenta em seu corpo. É uma onda que faz bem, agradável. Seu ventre é quente. Seu ventre se torna quente. Imagine seu corpo mergulhado em um banho de água quente, a água agradavelmente quente.

Todo o seu ser; seu corpo repousado é mergu-lhado nesse banho de água quente.

Imagine seu rosto que emerge desse banho. Imagine um sopro de ar fresco em sua face. Esse sopro de ar fresco vem de longe. Ele vem do alto, do mar ou da montanha.

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Deixe vir sobre sua tela mental uma imagem que evoca esse sopro de ar fresco. Sua fonte é fresca, agradavelmente fresca.

E este frescor ativa seu bem estar, sua clarivi-dência, sua intuição, sua imaginação, sua presença a si mesmo. Presença profunda, equilibrada. Nesse momento, seu corpo e seu espírito estão em perfeita harmonia. Formule mentalmente:

“Eu sou harmonia, eu sou energia, eu sou a

vida”.

Agora deixe vir uma imagem agradável em sua mente. Você impregna essa imagem em seu meio am-biente. Ela pode ser o mar, o campo, a montanha…

Olhe essa imagem tranquilamente, agradavel-mente...

Essa imagem é ligada ao seu relaxamento. Ela ocupa toda a área de sua consciência atualmente. Essa imagem te será util. Cada vez que você sentir o estresse tomar conta de você, deixe vir essa imagem na sua mente. E logo em seguida, você mergulhará em um estado de relaxamento agradável e calmo.

Você está bem, muito a vontade, e percebe que poderia prolongar durante um certo tempo seu estado de relaxamento. Mas você tem idéia de retomar. Para isso, você presta atenção em sua respiração. Princi-palmente sobre suas inspirações. A cada inspiração, você encontrará seu nível de vigilância necessário à atualidade e seu tônus muscular necessário à atividade.

Quando você tiver a impressão de ter se recu-perado suficientemente, você abrirá os olhos e se espreguiçará profundamente. Você retomará contato com todo o positivo que o cerca.

Training autogênico de Schultz

Você feche os olhos e sinta os pontos de apoio de seu corpo sobre a superfície na qual ele repousa. Sinta sua cabeça bem apoiada, suas costas bem en-caixadas ao nível da coluna vertebral, as omoplatas, os rins, as nádegas.

Sinta os pontos de apoio das suas coxas, das suas panturrilhas, dos seus calcanhares. Os pontos de apoio dos seus braços ao nível dos cotovelos, dos antebraços, dos punhos, das mãos. E você se deixa invadir por essa música de relaxamento, deixando de lado todas as distrações exteriores.

E lentamente, progressivamente a cada expi-ração, você deixa seu corpo se tornar pesado, se abandonando pesadamente.

Você está à escuta do seu corpo, das sensa-ções, das mensagens que ele te endereça, de todas as percepções.

Você está imóvel, os olhos fechados, escutando essa música. Essa música através da qual você vai logo obter, um grande relaxamento muscular.

Preste atenção na sua respiração. Você não pensa mais em nada. Você respira lentamente, cal-mamente, sem esforço... E ao mesmo tempo você faz silêncio em você. Você começa a perceber que seu corpo relaxa progressivamente, cada vez mais...

Respire calmamente percebendo o silêncio interior que se instala em você. Seu coração bate calmamente. Sua respiração é sempre lenta, regu-lar... E você sente que seus músculos abandonam progressivamente suas contrações.

Perceba as sensações e viva plenamente o seu corpo. Você esta bem, calmo, repousado.

Seus olhos estão fechados sem contrações. E você respira lentamente, normalmente. Deixe sua cabeça se apoiar pesadamente. Você relaxa agora os traços do seu rosto.

Preste atenção na sua face. Relaxe sua face. Faça de uma maneira que ela se torne lisa, supri-mindo as rugas de expressão. O mesmo com as sobrancelhas, os olhos, os globos oculares, os músculos detrás dos olhos. Agora você relaxa as maçãs do rosto. A face externa das maçãs do rosto em relação com o seu rosto.

A face interna em relação com sua boca. Relaxe igualmente o espaço no interior de sua boca. Relaxe os dentes. Sua língua é flexível. Relaxe o céu da boca, sua garganta, sua laringe. Aprecie, sobretudo, esse agradável estiramento de toda dobra ao nível do seu rosto, da fonte e do queixo.

Seus braços são esticados de cada lado do seu corpo. E você pensa em suas mãos. Elas es-tão abertas. Elas repousam naturalmente sobre as palmas. Descontraia seus dedos. Suas mãos estão descontraídas. Seus dedos repousados. Seus dedos estão perfeitamente relaxados.

Verifique todos os músculos do seu corpo. Relaxe-os.

Suas mãos estão descontraídas. E a partir das suas mãos, você sobe em pensamento ao longo dos seus braços. Você sente o torpor, uma energia agradável subir através das suas mãos em direção ao antebraço, depois em seus ombros.

Suas costas também se tornam pesadas. Seus braços estão inertes e suas costas pesadas... E se tornam cada vez mais pesadas... Pense nos seus rins

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igualmente para relaxá-los. Seus rins estão perfeita-mente repousados. Descontraia também seu ventre respirando lentamente, o ventre relaxado, descontraído.

A inércia dos seus rins, do seu ventre, ganha agora seus quadris, que se apóiam pesadamente. Seus quadris se tornam pesados como chumbo. Você está inerte, maravilhosamente bem. Tudo está calmo e você repousa. Toda parte superior do seu corpo é inerte, pesada...

Agora descontraia os pés, como você fez com as suas mãos. Sinta suas pernas que repousam lado a lado. Relaxe os seus pés. A partir dos seus pés, suba os seus pensamentos através das suas pernas. Relaxe os seus tornozelos, as suas panturrilhas, os ligamentos dos seus joelhos, das suas coxas, das suas nádegas.

Faça com que seus membros inferiores sejam completamente inertes, completamente abandona-dos. Aliás, agora o abandono tomou conta de todo o seu corpo. Todos os seus músculos estão agora completamente descontraídos. Seu corpo está pesado. Cada vez mais pesado. Você esta inerte, abandonado, descontraído.

Seu corpo está cada vez mais descontraído, cada vez mais confortável. Você se descontrai cada vez mais, principalmente quando expira.

Primeiro ciclo: ciclo inferior

Você atingiu o nível sofroliminar, graças a esta descontração progressiva. Eu proponho que você formule mentalmente as sugestões seguintes obser-vando o que se passa efetivamente no seu corpo. Formule mentalmente:

“Meu braço direito é pesado, super pesado, cada

vez mais pesado”.

“Meu braço esquerdo é pesado, super pesado,

cada vez mais pesado”.

“Minha perna direita é pesada, super pesada,

cada vez mais pesada”.

“Minha perna esquerda é pesada, super pesada,

cada vez mais pesada”.

“Eu sinto essa sensação da gravidade em todo

meu corpo”.

Tome consciência do relaxamento do seu corpo, que se tornou pesado. Perceba essa sensação de gra-

vidade em todo seu corpo. Observe que, após essa per-cepção da gravidade, você tem uma sensação agradável de calor que invade seu corpo. Essa sensação resulta da dilatação dos vasos sanguíneos (vasodilatação).

Formule mentalmente:

“Meu braço direito é quente, super quente, cada

vez mais quente”.

“Meu braço esquerdo é quente, super quente,

cada vez mais quente”.

“Minha perna direita é quente, super quente,

cada vez mais quente”.

“Minha perna esquerda é quente, super quente,

cada vez mais quente”.

“Eu sinto essa sensação de calor em todo meu

corpo”.

Você agora vai tomar consciência dos batimen-tos regulares do seu coração; em todo o seu peito. Formula mentalmente:

“Meu coração bate calmamente e regularmen-

te”.

Agora preste atenção agora na sua respiração. Observe que ela é calma e regular. Sinta o ar que penetra em seus pulmões e concentre-se na seguinte formula:

“Minha respiração é calma. Eu sou toda a res-

piração”.

Pronuncie, em si mesmo, esta sugestão, em cada expiração.

Concentre sua atenção sobre os raios solares. Eles se situam na saída do estômago. Sinta uma sensação de calor que se desprende. E diga men-talmente:

“Os raios solares são quente”.

Certamente você sentirá esta sensação de calor se difundir em todo o seu corpo.

Imagine agora um sopro de ar fresco em sua face e diga mentalmente:

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“Minha face está agradavelmente fresca”.

Segundo ciclo: ciclo superior

Sinta agora esse estado particular de descone-xão geral.

“Eu sinto meu corpo como uma massa pesada,

quente, tranqüila. Minha respiração é calma. Meu

pulso é regular”.

Agora leve seus olhos para o centro da sua face. Você olha o centro da sua face, os olhos fechados. Através desse exercício você acentua sua concentra-ção e aprofunda sua desconexao.

Deixe surgir na sua mente uma cor da sua prefe-rência. Olhe esta cor e permita sentir as sensações. Observe essas sensações como se esta cor se im-pregnasse em cada uma de suas células.

Eu sugiro concentrar sua atenção na cor verme-lha (ou outra cor). Se deixe invadir pela cor vermelha, vivendo cada uma se suas sensações. Tente meditar sobre esta cor. O que ela evoca para você? Em que ela te faz pensar? Permita surgir todas as suas reflexões sobre a cor vermelha.

Agora, eu proponho que você pense em um ob-jeto que possa representar a idéia que você faz da sua personalidade. Esse objeto pode ser um galho de uma árvore se você pensa que é flexível. O tronco de uma árvore se você pensa ser robusto e sólido. Ou qualquer outro objeto que o sugere a idéia que você tem da sua personalidade.

Agora imagine os objetos que possam evocar os conceitos que eu vou te propor:

O primeiro conceito é a palavra justiça. Imagine um objeto que represente a justiça.

Imagine um objeto que represente o amor ou a afeição. Mentalmente, olhe esse objeto por um instante.

Agora imagine o sentimento de felicidade. De-pois o sentimento de bem-estar.

Se você desejar, pode tentar visualizar outros conceitos que correspondam às suas preocupações do momento.

Agora você vai tentar desenvolver o seu senti-mento próprio.

Imagine uma pessoa que você tenta julgar. Deixe-a se impor para você sobre sua tela mental. Olhe-a. Ela ocupa toda a área da sua consciência mentalmente. Essa pessoa, lhe atribui qualidades, positivas ou negativas?

Depois, veja si mesmo em sua mente. Você se julga. Note suas atitudes. Você vai discernir seus comportamentos específicos.

Agora você vai interrogar sua consciência sobre as seguintes questões:

O que é a vida?

O que é a morte?

Como os outros me percebem?

Para termina resta reflexão, eu proponho que você formule uma frase que corresponda a um com-portamento específico que você deseja melhorar.

Por exemplo, se você tem a impressão de não ser autônomo o suficiente, você pode formular :

“Decido eu mesmo”.

Se você tem a impressão de ser muito egocên-trico, pronuncie:

“Eu tenho consideração pelas pessoas.”

Esses diferentes exercícios vão permitir integrar melhor sua personalidade e seu comportamento no meio ambiente em você que vive.

Você está bem, perfeitamente à vontade. E você observa que você poderia prolongar ainda du-rante certo tempo seu estado de relaxamento. Você vai retomar. Sair progressivamente desse nível de consciência particular entre vigília e sono. Retomar consciência do nível de vigilância necessária a atua-lidade e ao tônus muscular necessário a atividade.

Você inspira profundamente uma primeira vez, uma segunda vez, uma terceira vez. Você abre os olhos. Você retoma a consciência de todo o positivo que o circula. E você se espreguiça profundamente. Quando você tiver a impressão de ter se recuperado suficientemente, você abre os olhos e se levanta lentamente.

Conclusão

A sofrologia é uma ciência que se destaca no cenário mundial por seu caráter heterogêneo, com-binando diversas técnicas de relaxamento, teorias e filosofias. Através da sofrologia o indivíduo é capaz de compreender o seu sistema de pensamento e atuar no sentido de modificá-lo da melhor forma

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possível, com o intuito tornar sua existência cada vez mais positiva.

As técnicas aplicadas na sofrologia podem se utilizadas em diversas situações, por qualquer indiví-duo que seja apto, no tratamento de doenças, como método pedagógico, terapêutico, etc. Atualmente muitos profissionais de saúde utilizam a sofrologia como terapia complementar, preparando seus pacien-tes psicologicamente para o tratamento.

Os exercícios de relaxamento em sofrologia são ferramentas importantes para promover o equilíbrio entre o corpo e a mente, reduzindo o estresse e os problemas psicossomáticos.

Os métodos da sofrologia estão sendo estu-dados e aprofundados cada vez mais em todo o mundo, tendo bastante sucesso na Europa. No Brasil, a sofrologia está em fase de implementação. Recentemente, vários grupos de estudiosos estão sendo formados com o objetivo de aprofundar a aplicabilidade da sofrologia no país.

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A revista Neurociências é uma publicação com periodicidade bimestral e está aberta para a publicação e divulgação de artigos científicos das várias áreas relacionadas às Neurociências.

Os artigos publicados em Neurociências poderão também ser publicados na versão eletrônica da revista (Internet) assim como em outros meios eletrônicos (CD-ROM) ou outros que surjam no futuro. Ao autorizar a publicação de seus artigos na revista, os autores concordam com estas condições.

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ou mais casos clínicos ou terapêuticos com características semelhantes. Contribuições a esta seção que suscitarem interesse editorial serão submetidas a revisão por pares.

Formato: O texto dos Estudos de caso deve iniciar com um resumo de até 200 palavras em português e outro em inglês. O restante do texto deve ser subdividido em Introdução, Apresen-tação do caso, Discussão, Conclusões e Literatura citada.

Texto: A totalidade do texto, incluindo a literatura citada e as legendas das figuras, não deve ultrapassar 10.000 caracteres, incluindo espaços.

Figuras e Tabelas: máximo de duas tabelas e duas figuras. Referências: Máximo de 20 referências.

6. Opinião Esta seção publicará artigos curtos, de no máximo uma

página, que expressam a opinião pessoal dos autores sobre temas pertinentes às várias Neurociências: avanços recen-tes, política científica, novas idéias científicas e hipóteses, críticas à interpretação de estudos originais e propostas de interpretações alternativas, por exemplo. Por ter cunho pes-soal, não será sujeita a revisão por pares.

Formato: O texto de artigos de Opinião tem formato livre, e não traz um resumo destacado.

Texto: Não deve ultrapassar 3.000 caracteres, incluindo espaços.

Figuras e Tabelas: Máximo de uma tabela ou figura. Referências: Máximo de 20 referências.

7. Resenhas Publicaremos resenhas de livros relacionados às Neuro-

ciências escritas a convite dos editores ou enviadas espon-

Instruções aos autores

Page 76: Diferenças de Acuidade Visual por Três Métodos Psicofísicos na

taneamente pelos leitores. Resenhas terão no máximo uma página, e devem avaliar linguagem, conteúdo e pertinência do livro, e não simplesmente resumi-lo. Resenhas também não serão sujeitas a revisão por pares.

Formato: O texto das Resenhas tem formato livre, e não traz um resumo destacado.

Texto: Não deve ultrapassar 3.000 caracteres, incluindo espaços.

Figuras e Tabelas: somente uma ilustração da capa do livro será publicada.

Referências: Máximo de 5 referências.

8. Cartas Esta seção publicará correspondência recebida, neces-

sariamente relacionada aos artigos publicados na Neurociên-

cias Brasil ou à linha editorial da revista. Demais contribuições devem ser endereçadas à seção Opinião. Os autores de artigos eventualmente citados em Cartas serão informados e terão direito de resposta, que será publicada simultaneamente.

Cartas devem ser breves e, se forem publicadas, poderão ser editadas para atender a limites de espaço.

9. Classificados Neurociências Brasil publica gratuitamente uma seção

de pequenos anúncios com o objetivo de facilitar trocas e interação entre pesquisadores. Anúncios aceitos para publi-cação deverão ser breves, sem fins lucrativos, e por exemplo oferecer vagas para estágio, pós-graduação ou pós-doutorado; buscar colaborações; buscar doações de reagentes; oferecer equipamentos etc. Anúncios devem necessariamente trazer o nome completo, endereço, e-mail e telefone para contato do interessado.

PREPARAÇÃO DO ORIGINAL

1. Normas gerais 1.1 Os artigos enviados deverão estar digitados em proces-sador de texto (Word), em página A4, formatados da seguinte maneira: fonte Times New Roman tamanho 12, com todas as formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobre-scrito, etc. 1.2 Tabelas devem ser numeradas com algarismos romanos, e Figuras com algarismos arábicos. 1.3 Legendas para Tabelas e Figuras devem constar à parte, isoladas das ilustrações e do corpo do texto. 1.4 As imagens devem estar em preto e branco ou tons de cinza, e com resolução de qualidade gráfica (300 dpi). Fotos e desenhos devem estar digitalizados e nos formatos .tif ou .gif. Imagens coloridas serão aceitas excepcionalmente, quando forem indispensáveis à compreensão dos resultados (histologia, neuroimagem, etc.)

Todas as contribuições devem ser enviadas por e-mail para o editor ([email protected]). O corpo do e-mail deve ser uma carta do autor correspondente à editora, e deve conter: (1) identificação da seção da revista à qual se destina a

contribuição; (2) identificação da área principal das Neurociências onde o

trabalho se encaixa; (3) resumo de não mais que duas frases do conteúdo da

contribuição (diferente do resumo de um artigo original, por exemplo);

(4) uma frase garantindo que o conteúdo é original e não foi publicado em outros meios além de anais de congresso;

(5) uma frase em que o autor correspondente assume a responsabilidade pelo conteúdo do artigo e garante que todos os outros autores estão cientes e de acordo com o envio do trabalho;

(6) uma frase garantindo, quando aplicável, que todos os procedimentos e experimentos com humanos ou outros animais estão de acordo com as normas vigentes na Instituição e/ou Comitê de Ética responsável;

(7) telefones de contato do autor correspondente.

2. Página de apresentação A primeira página do artigo traz as seguintes informa-

ções: - Seção da revista à que se destina a contribuição; - Nome do membro do Conselho Editorial cuja área de con-centração melhor corresponde ao tema do trabalho; - Título do trabalho em português e inglês; - Nome completo dos autores; - Local de trabalho dos autores; - Autor correspondente, com o respectivo endereço, telefone e E-mail; - Título abreviado do artigo, com não mais de 40 toques, para paginação; - Número total de caracteres no texto; - Número de palavras nos resumos e na discussão, quando aplicável; - Número de figuras e tabelas; - Número de referências.

3. Resumo e palavras-chave A segunda página de todas as contribuições, exceto Opin-

iões e Resenhas, deverá conter resumos do trabalho em portu-guês e em inglês. O resumo deve identificar, em texto corrido (sem subtítulos), o tema do trabalho, as questões abordadas, a metodologia empregada (quando aplicável), as descobertas ou argumentações principais, e as conclusões do trabalho.

Abaixo do resumo, os autores deverão indicar quatro palavras-chave em português e em inglês para indexação do artigo. Recomenda-se empregar termos utilizados na lista dos DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) da Biblioteca Virtual da Saúde, que se encontra em http://decs.bvs.br.

4. Agradecimentos Agradecimentos a colaboradores, agências de fomento

e técnicos devem ser inseridos no final do artigo, antes da Literatura Citada, em uma seção à parte.

5. ReferênciasAs referências bibliográficas devem seguir o estilo Van-

couver. As referências bibliográficas devem ser numeradas com algarismos arábicos, mencionadas no texto pelo número entre parênteses, e relacionadas na literatura citada na ordem em que aparecem no texto, seguindo as seguintes normas:

Livros - Sobrenome do autor, letras iniciais de seu nome, ponto, título do capítulo, ponto, In: autor do livro (se diferente do capítulo), ponto, título do livro (em grifo - itálico), ponto, local da edição, dois pontos, editora, ponto e vírgula, ano da impressão, ponto, páginas inicial e final, ponto.

Exemplo: 1. Phillips SJ, Hypertension and Stroke. In: Laragh JH,

editor. Hypertension: pathophysiology, diagnosis and manage-ment. 2nd ed. New-York: Raven press; 1995. p.465-78.

Artigos – Número de ordem, sobrenome do(s) autor(es), letras iniciais de seus nomes (sem pontos nem espaço), ponto. Título do trabalha, ponto. Título da revista ano de publicação seguido de ponto e vírgula, número do volume seguido de dois pontos, páginas inicial e final, ponto. Não utilizar maiúsculas ou itálicos. Os títulos das revistas são abreviados de acordo com o Index Medicus, na publicação List of Journals Indexed in Index Medicus ou com a lista das revistas nacionais, disponível no site da Biblioteca Virtual de Saúde (www.bireme.br). Devem ser citados todos os autores até 6 autores. Quando mais de 6, colocar a abreviação latina et al.

Exemplo: Yamamoto M, Sawaya R, Mohanam S. Expression and

localization of urokinase-type plasminogen activator receptor in human gliomas. Cancer Res 1994;54:5016-20.

Todas as contribuições devem ser enviadas por e-mail para: [email protected]

Page 77: Diferenças de Acuidade Visual por Três Métodos Psicofísicos na

Neurociências • Volume 6 • Nº 1 • janeiro/março de 201076

Eventos

2010Maio24 a 26 de maioKnowledge and Pain

Hebrew University, JerusalemInformações: [email protected]

Junho8 a 13 de junhoIBNS 19th International Behavioral Neuroscience society

Annual Meeting

Tanka Village Resort Villasimius, Sardenha, ItáliaInformações: www.ibnshomepage.org/annualmtg10.htm

9 a 15 de junho22nd IBRO/FIC/NIEHS Neuroscience School: Toxins,

Diet, and Neurodegeneration

Kinshasa, Democratic Republic of Congo

24 e 25 de junhoFirst International Conference on Yawning

Faculté de Medecine Paris V Paris, FranceInformações: [email protected]; www.baillement.com

Agosto17 a 21 de agostoI.Congresso Franco-brasileiro sobre Psicanálise, Filiação

e Sociedade

Tema: Adoção:da criança à filiaçãoRecife Palace Hotel, Recife PEInformações: www.unicap.br/congresso_adocao

24 a 27 de agostoXXIV Congresso Brasileiro de Neurologia

Riocentro, Rio de JaneiroInformações: www.rioneuro2010.com.

26 a 28 de agostoI Congresso I nternacional Adolescência e Violência: Per-

spectivas Clinica, Educacional e Jurídica

Brasília, DFInformações: www.congressoadolescencia.universa.org.br

Setembro8 a 11 de setembroXXXIV Congresso Anual da SBNeC

Caxambu, MGInformações: www.sbnec.org.br

Outubro20 a 23 de outubro XL Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia

Expo Unimed, Curitiba, PRInformações: www.sbponline.org.br/rap.php

27 a 30 de outubroXXVIII Congresso Brasileiro de Psiquiatria

Centro de Convenções do Ceará, FortalezaInformações: http://www.cbpabp.org.br

Novembro13 a 17 de novembroNeuroscience 2010

Informações: www.sfn.org/

2011Julho14 a 19 de julho8th IBRO World Congress

Florence, ItalyInformações: http://www.sfn.org