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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC-SP PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS DIEUDONNÉ BUKASA N'DALA OS GÊMEOS AFRO-BRASILEIROS E O SINCRETISMO RELIGIOSO: O CULTO AOS GÊMEOS: ENTRE ÁFRICA E BRASIL MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC-SP PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS

DIEUDONNÉ BUKASA N'DALA

OS GÊMEOS AFRO-BRASILEIROS E O SINCRETISMO RELIGIOSO: O CULTO AOS GÊMEOS: ENTRE ÁFRICA E BRASIL

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

SÃO PAULO 2013

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DIEUDONNÉ BUKASA N'DALA

OS GÊMEOS AFRO-BRASILEIROS E O SINCRETISMO RELIGIOSO:

O CULTO AOS GÊMEOS: ENTRE ÁFRICA E BRASIL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais, sob a orientação do Professor Doutor Josildeth Gomes Consorte.

SÃO PAULO 2013

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BANCA EXAMINADORA

______________________________________

______________________________________

______________________________________

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Às pessoas de boa vontade.

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AGRADECIMENTOS

Agradecemos a todas as pessoas que me ajudaram a realizar esta

dissertação de Mestrado.

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RESUMO

O nosso objetivo é de escrever sobre o sincretismo afro-brasileiro, em geral, o sincretismo afro-católico com o caso dos Ibeji e santos

Cosme e Damião, em particular. Por isso, analisamos os gêmeos na África primeiro para depois escrever sobre os gêmeos no Brasil. Depois disso, fizemos as

nossas considerações.

Palavras-chave: Gêmeos, Ibeji, São Cosme e Damião e Sincretismo.

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ABSTRACT

Our objective for this study is to write about the Syncretism Afro Brazilian, particularly, and the syncretism Afro Catholic with the

case of Ibeji e saints Cosmas and Damian, particularly. This way we wrote about the twins in Africa first and about the twins in Brazil at

the second moment. After this, we made our considerations

Keywords: Twins, Ibeji, saints Cosmas e Damian, syncretism

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................... 09

1 O SINCRETISMO AFRO-CATÓLICO............................................... 17

1.1 Uma breve história do sincretismo.................................................... 17

1.2 Sincretismo a partir do princípio de corte.......................................... 22

1.3 Os pontos onde coincidem o catolicismo e a religião africana......... 23

1.4 Sincretismo: fenômeno de aproximação........................................... 24

1.5 Sincretismo religioso no caso dos gêmeos: Ibejis e São Cosme e

Damião...............................................................................................

28

1.5.1 Quem são os Ibeji? Como veio esse culto aos Ibeji e como

sobreviveu ao longo do tempo?.........................................................

28

1.5.2 Quem são os Santos Cosme e Damião?.......................................... 31

1.5.3 O sincretismo entre São Cosme e São Damião com os orixás

Ibeji....................................................................................................

32

1.6 Conclusão.......................................................................................... 33

2 OS GÊMEOS NA ÁFRICA................................................................ 34

2.1 Os gêmeos Iorubas........................................................................... 34

2.1.1 Yoruba, povo gemelário..................................................................... 34

2.1.2 Nascimento gemelário, antigamente e hoje...................................... 34

2.1.3 Nascimento gemelário, uma bênção!................................................ 36

2.1.4 Nascimento gemelário, uma festa!.................................................... 36

2.1.5 Nascimento gemelário, uma nova ordem.......................................... 37

2.1.6 Os gêmeos e a morte........................................................................ 38

2.2 Os gêmeos na África em geral.......................................................... 39

2.2.1 Os nomes dos gêmeos em algumas etnias africanas....................... 39

2.2.2 Dos gêmeos, quem é o mais velho?................................................. 41

2.2.3 Proibições e cerimônias..................................................................... 42

2.2.4 Gêmeos, gênios!................................................................................ 44

2.2.5 Morte e reencarnação dos gêmeos................................................... 44

2.2.6 Algumas proibições e obrigações dos gêmeos na África do

oeste..................................................................................................

46

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2.2.7 Considerações culturais.................................................................... 47

2.2.8 Verdadeiros e falsos gêmeos............................................................ 48

2.2.9 Casamento de uma das Gêmeas...................................................... 49

3 OS GÊMEOS NO BRASIL................................................................ 50

3.1 Cândido Godói, Terra dos Gêmeos................................................... 50

3.2 O Que é o Caruru?............................................................................ 52

3.3 Por que deve oferecer o Caruru?...................................................... 53

3.4 Quem deve oferecer o Caruru?......................................................... 54

3.5 A quem deve ser oferecido o Caruru?............................................... 55

3.6 Com que é feito o Caruru.................................................................. 57

3.7 Quando é oferecido o Caruru............................................................ 58

3.8 Comportamentos dos pais dos Gêmeos........................................... 58

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 61

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................. 65

ANEXOS............................................................................................ 68

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INTRODUÇÃO

As Motivações do Trabalho

Uma pequena apresentação do Autor

Eu sou Dieudonné BUKASA N’DALA nascido na cidade de Mbandaka, capital

da Província de EQUATEUR na República Democrática do Congo.

Alguns dados sobre a República Democrática do Congo

É um país da África central com área de 2.345.000 km2. A sua capital é

Kinshasa. A sua população é estimada hoje em 66 milhões de habitantes

espalhados em 26 províncias. O governo é presidencialista.

A República Democrática do Congo foi chamada Congo desde a Conferência

Internacional de Berlim de 1885. Conferência que repartiu a África geográfica para a

colonização, momento em que nessa época o Congo foi dado ao rei da Bélgica

Leopoldo II. Este, segundo a história e por sua vez, entregou o Congo para o

reinado da Bélgica como pagamento da sua dívida com o reino. A partir daí começa

a colonização, no fim do século XIX e vai ter fim em 30 de Junho de 1960.

Após, a colonização, o Congo passou de governo de Colônia para o

presidencialismo. Tem como primeiro presidente KASA VUBU com seu primeiro

ministro Emery Patrice LUMUMBA. Em novembro 1965, Joseph MOBUTU realiza o

golpe de Estado e toma o poder para sair dele após 32 anos. Neste período, o

Congo passou a ser chamado de República do Zaïre. Em 1997, com a rebelião que

começou no leste, MOBUTO é derrubado e Joseph KABILA assumiu o poder. Este

morreu assassinado em 2001 e o seu filho, até então comandante do exército

nacional, assumiu o poder até hoje.

Fiz meus estudos na cidade de Kinshasa, capital do país. Nesta cidade

também vivi até quase os meus 19 anos quando fui para o seminário. Foi um ano na

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periferia de Kinshasa no propedêutico. Três anos de filosofia em Kisangani, uma

cidade à nordeste do Congo. Dois anos de noviciado, um ano em Isiro, à nordeste e

um ano em Kinshasa. Terminei o noviciado em 1998 e fui enviado para o Brasil para

missão.

Vim diretamente para São Paulo, capital, para completar a formação teológica

(Unifai, hoje PUC-SP) e fazer a pastoral. Na zona leste de São Paulo e na cidade de

Santo André trabalhei com a Pastoral Afro. Neste período participei também do

Grupo de Reflexão dos religiosos negros e indígenas. Período em que comecei a

sentir a necessidade de conhecer as religiões de matriz africana devido à falta de

conhecimento. Motivo pelo qual multipliquei as minhas idas para Salvador desde

1999 até hoje.

Em dezembro de 2002, terminei o período da missão e voltei por um ano ao

Congo e um ano a Nairobi – Quênia para a missão. Voltando para o Brasil em Julho

de 2004, fui trabalhar como padre na Paróquia Nossa Senhora Aparecida em Santa

Isabel, cidade da grande São Paulo, onde fiquei pouco mais de dois anos. Foi nesta

paróquia, na condição de padre, nos meus atendimentos, que tive vontade de

conhecer o sincretismo. Alguns paroquianos negros que tinham vivência sincrética

como muitos brasileiros, e um pouco de consciência de fidelidade religiosa,

chegavam a me perguntar o porquê da dupla pertença. Um casal, que preferiu ficar

anônimo, era motivado pelos parentes a oferecer o caruru para obter bênção para os

seus filhos. O seu questionamento era como eu, negro e católico, devo oferecer

oferta aos Ibeji, que são orixás.

Um pouco da Cidade de Santa Isabel

Santa Isabel é uma cidade da grande São Paulo situada ao lado norte

beirando a Rodovia Dutra que liga São Paulo ao Rio de Janeiro. A cidade de Santa

Isabel tem hoje 50.453 habitantes. Sua área geográfica tem 363 km2 de espaço

físico. Sua origem remonta ao século XVII. Na época, o espaço físico servia como

pouso de tropeiros e viajantes que vindo de Minas, ou indo, passavam por aí. Eles

foram se instalando e povoando o lugar.

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A cidade teve o seu início em 10 de Julho de 1832 e o nome que leva é em

homenagem a Santa Isabel, rainha de Portugal.

Na cidade, encontram se duas paróquias, a mais velha é a Santa Isabel com

mais de 100 anos e a mais nova é a Nossa Senhora Aparecida com quase 27 anos.

Foi nesta segunda paróquia que trabalhei. A paróquia Nossa Senhora Aparecida foi

fundada em 1986, ela se estende do Bairro do Cruzeiro até o Monte Negro, interior

da cidade, ao lado de Jacareí.

Em 05 de novembro de 2006, tomei posse como Pároco na Paróquia Nossa

Senhora da Paz, em Mogi das Cruzes, no Conjunto Habitacional Ana Paula

chamado carinhosamente pelos moradores de Vila da Prata.

Um pouco da Cidade de Mogi das Cruzes

A cidade de Mogi das Cruzes é localizada na região metropolitana da capital

São Paulo. Segundo o censo demográfico de 2010, sua população é de 387.779

habitantes. Hoje, está na casa de 400 mil. A densidade demográfica de Mogi das

Cruzes é de 543, 65 hab./km2. A sua área é de 725.300 km2. A cidade começou

como povoado por volta de 1560.

A Paróquia Nossa Senhora da Paz é uma paróquia territorialmente um pouco

diferente das outras paróquias que têm um centro paroquial e as comunidades em

volta. Ela começa na saída para Bertioga e acompanha a Rodovia Mogi-Bertioga ao

longo dos 20 km. Desde a minha posse até hoje já se passaram mais de 6 anos. O

casal Maurilho e Érika, que entrevistamos, mora aqui na nossa paróquia. Na

paróquia, nós estamos desenvolvendo o trabalho pastoral e social. Com passos, um

pouco tímidos, estamos também realizando o trabalho da pastoral Afro no aspecto

cultural e litúrgico. Com as missas afro e o resgate da cultura com a questão de

vestimenta e culinária africana.

Tanto em Santa Isabel como em Mogi das Cruzes, encontramos o problema

de sincretizar ou não, além da dúvida sobre o uso dos instrumentos musicais, a

exemplo do atabaque, utilizados nos cultos do candomblé, etc.

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A partir disso, colocamos a nossa problemática: como podemos oferecer a

são Cosme e Damião, cultos que não são deles? Por que não deveriam ser

oferecidos aos Ibeji? Como podem oferecer aos Ibeji alguns cultos, quando quem

oferece é católico? Os filhos de santo podem oferecer cultos aos são Cosme e

Damião?

Estes casos representam todo um universo enorme de pessoas que vivem

práticas religiosas de diversas culturas sem nenhuma dificuldade. Entender isso é

nosso objetivo. Motivado por isso, procuramos conhecer o candomblé e o

sincretismo para entender melhor e poder ajudar mais os que nos procuram. Depois

de um tempo, tivemos a convicção de levar o problema para academia, motivo pelo

qual estamos fazendo este mestrado.

Metodologia

Para realizarmos este trabalho, nós adotamos o método de observação

participante ou observação sistemática, método consagrado no trabalho de campo

antropológico.

O recolhimento de dados na pesquisa de campo foi feita por nós através de

observação sistemática e as entrevistas com dois senhores africanos, pais e mães

de gêmeos, com sacerdotes das religiões de origem africana, utilizando gravador e

filmadora para o registro dos acontecimentos importantes para a nossa pesquisa na

África e no Brasil.

Os Entrevistados

Em minha viagem para a República Democrática do Congo, em agosto de

2009, tive a oportunidade de realizar algumas pesquisas de campo com aqueles

senhores.

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1. O primeiro entrevistado é o senhor Lenga Kangundya Benjamim, com pouco

mais de 60 anos. Ele é comummente chamado por nós de Tutu Benjamim.

Tutu quer dizer irmão mais velho em Tshiluba, a língua dos Luba da

República Democrática do Congo. Ele é um dos meus primos, considerando

as nossas famílias africanas. O Sr. Lenga é Pós-graduado em Economia e

tem um grande conhecimento de cultura Luba pela sua vivência. Ele tem

parentes gêmeos, por isso foi escolhido para entrevista. No nosso texto, ele

será identificado como Tutu Benjamim.

2. O segundo entrevistado é o senhor Mboyo Ivon Bolemba. Pelo nome

sabemos que é gêmeo e tem a felicidade de ter um casal de filhos gêmeos.

Tem mais de 60 anos, é inspetor federal dos impostos, aposentado e mora na

cidade de Kinshasa, capital da República Democrática do Congo. Ele

pertence à etnia Mongo e é um conhecedor da cultura mongo e da realidade

dos gêmeos. Por isso o escolhemos para as nossas entrevistas.

Em Julho de 2012, viajando para a África do Sul, tivemos a oportunidade de

consultar as pesquisas particulares de um Missionário Africano que trabalhou muito

tempo na África do Oeste. Isso nos permitiu saber algumas detalhes sobre os

gêmeos yorubas. Completamos esta consulta com a pesquisa da internet e a

consulta bibliográfica.

Desde o início do Curso de Pós Graduação em Ciências Sociais, tivemos a

oportunidade de ir a Salvador (Bahia) para conhecer um pouco as religiões

tradicionais africanas, mas de modo particular o Candomblé, continuando a nossa

aproximação com as culturas Afro-Brasileiras. Voltamos a Salvador (Bahia) em

janeiro de 2009 para participar das festividades do dia primeiro de janeiro. Neste

ocasião entrevistamos:

1. Dona Ceci que é Nancy de Souza e Silva, nascida em 12 de Novembro de

1939. Ela trabalhou com Pierre Verger nos dez últimos anos da vida dele.

Atualmente, continua a trabalhar na fundação Pierre Verger. Ela conta

histórias de cultura Afro-Brasileira para as crianças, atende os pesquisadores,

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ajuda nas oficinas de arte, percussão e danças. A entrevista com Dona Ceci

prosseguiu nas outras três viagens feitas à Bahia: na ocasião da lavagem da

escadaria do Bonfim de 2011 e 2013 e em outra viagem em setembro de

2012 na ocasião da festa de são Cosme e Damião.

2. Numa destas reuniões com Dona Ceci, tivemos oportunidade de conhecer e

entrevistar o senhor Carlos Miranda (Bibliotecário e coordenador do espaço

cultural Pierre Verger), cuja esposa chama-se Isabel Matos. Eles têm hoje

dois filhos gêmeos que são: Cauã Matos e Caerê Matos. O seu primeiro filho

faleceu há pouco tempo.

3. Senhor Areelson Antônio da Conceição Chagas. Ele já passou dos 60 anos e

tem participado do Candomblé desde os seus 6 anos. A família inteira

também é do Candomblé. Ele é o Ogan mais velho do terreiro da Casa

Branca do Engenho Velho de Salvador.

4. Em janeiro deste ano de 2013, tivemos a oportunidade de entrevistar a Mãe

Stella que é Maria Stella de Azevedo Santos, Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonja.

Ela tem mais de 80 anos e é uma das iyalorixás de mais respeito na Bahia e

no Brasil.

Nas nossas entrevistas aqui em São Paulo, muito mais precisamente aqui em

Mogi das Cruzes, entrevistamos dois casais pais de gêmeos, mas resolvemos

publicar o nome de um só:

* O casal Maurílio Rodrigues de Oliveira, de 34 anos e Érika Aparecida do Espírito

Santo Oliveira, de 31 anos. Eles têm um casal de gêmeos chamados Carlos

Eduardo e Pedro Henrique.

5. Após esta entrevista e para completar as entrevistas com os terreiros do

Candomblé, entrevistamos a Iyalorixá Sandra Epega de Tradição de Orisa, de

Guararema – SP.

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Roteiro das Entrevistas

Como os nossos entrevistados eram diferentes uns dos outros assim como o

objeto específico da entrevista com cada entrevistado não era o mesmo, decidimos

de não ter um roteiro específico e fechado. Partimos de uma conversa para deixá-los

à vontade para falar. Temos a certeza que isso foi o melhor procedimento que

poderíamos adotar para este trabalho.

Também, não estipulamos o tempo. No total das entrevistas, gravamos entre

voz e vídeos em torno de 13 horas. Uma entrevista demorou mais do que outra de

acordo com a necessidade.

Após as gravações, ouvimos todas as entrevistas e transcrevemos tudo para

depois retirar o que era útil ao nosso trabalho. Depois disso, nós as analisamos e

refletimos sobre as informações para depois passar à elaboração deste texto.

O que observamos no campo é fundamentado com a literatura específica.

Para tanto, tivemos que fazer também uma pesquisa bibliográfica. Com isso,

concluímos que duas atividades foram importantes para o nosso trabalho: pesquisa

de campo e leitura bibliográfica.

Resumo e Divisão do Trabalho

A nossa dissertação inicia se com uma introdução que contém as motivações

do trabalho nas quais nós nos apresentamos como autor e falamos um pouco da

nossa trajetória de vida. O corpo da dissertação comporta quatro capítulos.

No primeiro capítulo, falamos do sincretismo religioso afro-católico, partindo

de uma breve história do sincretismo aqui no Brasil. Nela, sublinhamos a grande

participação de Roger Bastide com o seu princípio de corte. Falamos do sincretismo

nos seus pontos que coincidem com o catolicismo e com as religiões africanas.

Estes pontos comuns nos mostram também como o sincretismo é um fenómeno de

aproximação. Chegamos ao ponto mais importante do primeiro capítulo mostrando a

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nossa reflexão sobre o sincretismo entre Ibeji e são Cosme e Damião. Fechamos o

capítulo com uma conclusão.

No segundo capítulo, falamos dos gêmeos na África. Para mostrar essa

realidade, decidimos fazê-lo em duas partes. A primeira fala dos gêmeos ioruba

tendo em vista a importância desta cultura para as tradições afro-brasileiras e vimos

o povo ioruba como o povo mais gemelario. Falamos do nascimento de gêmeos no

passado e hoje, como este nascimento é uma bênção e uma festa e como traz uma

nova ordem na família. E terminamos falando dos gêmeos e da morte. Na segunda

parte do capítulo, refletimos sobre os gêmeos na África em geral pegando como

exemplo os gêmeos Minas, Mongo, Luba e Kongo. E para terminar o capítulo

falamos da idade dos gêmeos, proibições e cerimônias, gêmeos como gênios, morte

e reencarnação dos gêmeos e algumas considerações.

No terceiro capítulo, tratamos dos gêmeos no Brasil, para depois refletirmos

sobre o caruru. Procuramos saber o que é o caruru, como é feito, quais são os

ingredientes que são usados, quem oferece o caruru e o comportamento dos pais

dos gêmeos.

Por fim, chamamos de considerações finais, onde com cuidado, tentamos

mostrar direções apesar das dúvidas que o assunto causa em nós.

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1 O SINCRETISMO AFRO-CATÓLICO

O primeiro capítulo é fruto de pesquisa bibliográfica e das aulas que tivemos

sobre o sincretismo.

1.1 Uma breve história do sincretismo

A escravidão fez com que os povos africanos se dispersassem por todo o

Novo Mundo e suas heranças culturais e, sobretudo, religiosas seguiram com eles1.

Em meio à violência, ao sofrimento, ao sequestro dos negros africanos, quando de

sua chegada ao Brasil, Orixás, engungus, voduns e inquices vieram juntos e aqui se

instalaram2. Assim, estas inúmeras tribos e etnias vieram para o Brasil durante o

período da escravidão trazendo sua cultura.

“O processo era iniciado com o batismo, ao chegarem, embora algumas

vezes já chegassem batizados. Ganhavam, assim um nome cristão. Expropriados de

sua condição jurídica de pessoa, ao serem transformados em escravos, seu

reconhecimento como humanos só poderia encontrar guarida em condição de

cristãos, ainda que de segunda ou terceira categoria. O compromisso moral

assumido pela Igreja Católica com sua cristianização quando legitimou sua

escravidão através da figura do resgate a obrigava a isto3”.

Daqui aparece uma grande motivação ao sincretismo que discutimos em

aulas com a Josildeth; o batismo exigido pela Igreja passava a ser um passaporte

para ingresso no mundo dos cristãos para o escravo. Com o batismo como

passaporte, o negro escravizado renascia para a vida eterna como todos os cristãos,

1 MEDEIROS, Sandra. Epega: a volta à África. Na contramão do Orixá in Faces da Tradição Afro-Brasileira. Religiosidade, Sincretismo, Anti-sincretismo, Reafricanização, Prática terapêuticas, Etnobotânica e Comida. CIP-Brasil, p. 159. 2 Idem. 3 CONSORTE, Josildeth Gomes. Sincretismo ou Antissincretismo? Aspectos Políticos e religiosos da Construção de uma Identidade Negra na Diáspora in “Dos Yorùbá Ao Candomblé Ketu”. Edusp, p. 201.

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por ordem de Cristo: “Portanto, vão e façam com que todos os povos se tornem

meus discípulos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo4”, e

no final da sua vida teria direito digno de um sepultamento que lhe garantisse a

passagem adequada para a vida eterna.

Lembrando a importância do sepultamento e dos ritos de passagem para os

povos africanos, isso pode ser uma das razões que os levariam a aderir à Igreja com

a vontade própria, ao contrário do que muitos autores escrevem e afirmam.

Membro da Igreja, o negro escravo teria acesso também à sociedade que o

acolheu, mesmo que na condição de escravo, ou seja, pertencente a um senhor a

quem ele tinha deveres e obrigação. Isso levaria por exemplo a não aceitação da

sua crença, realidade vivida por muitos escravos tanto aqui na América do Sul como

na América do Norte, sem esquecer o que aconteceu na colonização da África.

Por isso, segundo Roger Bastide, para subsistir, durante todo o período de

escravidão, os deuses negros foram obrigados a se dissimular atrás da imagem de

um santo ou de uma virgem católica. Assim, a formação do sincretismo católico-

africano parte da imposição que o regime de escravidão coloca ao negro a fim de

salvar seus próprios valores5 no país em construção. Isso foi o ponto de partida de

um casamento entre o cristianismo e a religião africana no qual, como em todos os

casamentos, os dois cônjuges devem igualmente mudar profundamente, mais ou

menos, para poder se adaptar um ao outro. Este casamento é o que chamamos de

sincretismo6. Esta opinião é de muitas pessoas, também as ialorixás baianas que

irão assinar, séculos depois, o manifesto antissincretista. Mas se o sincretismo assim

fosse, seria como se afirmassem que: “as crenças e práticas católicas impostas aos

escravos teriam assim permanecido como um corpo estranho, como algo sobreposto

às suas crenças e práticas de origem, cuja adoção era apenas de fachada, um

artificio para enganar seus senhores ou a sociedade, de um modo geral. Assim

superpostas, tais crenças e práticas católicas atravessaram os tempos, porque outra

4 Mateus 28, 19 in Bíblia Sagrada. Edição Pastoral de Paulus. 1990. 5 BASTIDE, Roger. Sociologie du folklor bresilien: Etudes afro-brésiliennes. Paris: L´harmattan, 2007, p. XIII. 6 RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. 5ª ed. São Paulo: Companhia editor nacional, 1977, p.88.

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coisa a condição escrava não permitiria em razão, sobretudo, da ausência da

liberdade religiosa reinante7”.

O sincretismo compreendido desta maneira não vai ao encontro do que

Josildeth entende. Segundo ela, “o catolicismo, longe de permanecer como exterior,

epidérmico, foi sendo incorporado às suas existências, processo em que, ao

contrario do que se supõe, assumiram o papel de sujeitos. O sincretismo tornou-se,

então, fruto do modo como incorporaram o catolicismo que lhes foi sendo ensinado...

O catolicismo foi imposto pela Igreja, mas o que dele fizeram foi obra sua8”. O negro

escravizado encontrou no catolicismo aonde preservar a sua religião. Assim, o

sincretismo não seria um disfarce. Mesmo assim o sincretismo não deixou de ser

uma união de cretenses e por extensão significa “combinação pouco coerente

(diferente de ecletismo), mistura de doutrinas e de sistemas” ou ainda a fusão de

diferentes cultos ou doutrinas religiosas9.

Nina Rodrigues foi a primeira, antes de todos, a chamar a atenção sobre o

sincretismo entre a cruz de Cristo e a pedra dos orixás. Ela considera o sincretismo

um processo a acontecer e cujos graus devem ser distintos. Depois de ter feito a

distinção entre os africanos, que ainda existiam na sua época, e os crioulos, que

começaram a fundar os seus próprios candomblés, ele argumentou: “Os africanos

se limitam a justapor os santos às suas próprias divindades considerando-os como

categorias iguais, mas perfeitamente distintas. Só que para os crioulos o catolicismo

começa a penetrar a fé africana para chegar à idolatria das estátuas como imagens

dos orixás10”. Se o negro africano tinha e tem ainda justaposição das ideias

religiosas mergulhadas no ensinamento católico e nas ideias e nas crenças

fetichistas de origem africana, o crioulo e o mulato têm tendência que os leva ao

esmagamento destas crenças e a identificar estes ensinamentos.

7 Idem, pag. 201. 8 Ibidem. 9 PEREIRA, José Carlos. Sincretismo religioso e rito sacrificais: Influências das religiões afro no catolicismo brasileiro. São Paulo: Zouk, 2004. p. 7. 10 RODRIGUES, Nina. Idem. p.89.

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O que impressionava Nina Rodrigues, como um observador, na cidade de

Salvador, onde não tinha perseguição policial, era a preocupação dos padres de

distinguir estas crenças ao mesmo tempo das crenças católicas e do espiritismo.

Segundo Edison Carneiro “o sincretismo religioso se desenvolveu na Bahia

(ou no Brasil), ora entre as seitas africanas, ora entre estas e as religiões cristãs, de

preferência a católica, que durante muito tempo foi a religião oficial do país, ...”. Fato

verídico que mostra que o sincretismo não só aconteceu aqui e nem somente entre

o catolicismo e as religiões de origens africanas. “A assimilação com o catolicismo

continua a verificar-se hoje e até em maior escala: tendo começado como um

subterfúgio para escapar da reação policial, ...” Neste sentido, muitos afirmam que o

sincretismo é resultado da imposição da religião católica da sociedade branca

dominante. Com a opressão existente, o escravizado precisava se submeter, fingir

ser católico, embora não o fosse. Diante dessa pressão e para fugir da repressão

policial, muitos negros afirmavam que nos batuques estariam louvando os santos

católicos em seu próprio jeito. Com o tempo e com o desaparecimento da repressão,

o sincretismo se fortaleceu através da propagação do catolicismo popular, praticado

pelo povo, principalmente nas irmandades..., de acordo com José Jorge de Morais

Zacharias, onde havia liberdade de práticas religiosas. Mas, isso não é a única

verdade, pois, “sabe-se que a devoção à Nossa Senhora do Rosário já chegou com

os escravos de língua banto porque já surgira em Angola, com a chegada dos

portugueses àquelas paragens, em razão da conversão do rei do Congo11. Ou seja,

alguns escravos bantos já chegaram católicos ao Brasil. Isso nos leva a afirmar que

nem para todos os escravos o sincretismo teria seu início aqui no Brasil.

O sincretismo explica a presença de vários elementos do catolicismo nos

candomblés, como por exemplo: altares, a cruz, correspondência entre os orixás e

os santos da Igreja católica, no nosso caso Ibeji com os santos Cosme e Damião,

etc.

11 Ibidem. p. 203.

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O catolicismo oficial que apadrinhou a escravidão, não organizou ou

protagonizou uma sólida catequese para os negros escravizados. Mas por outro

lado,

A possibilidade aberta pela Igreja de que os africanos se organizassem em irmandade, no século XVIII, ensejou a construção de seus próprios templos. Foi assim, o primeiro espaço em que os africanos puderam livremente se organizar para a prática religiosa.12

Não tendo acontecida a conversão dos negros de um lado, do outro surgiu

uma adaptação com base na identificação tribal. Daí a combinação pouco coerente

e a mistura de doutrinas. Assim surgiu, no catolicismo popular brasileiro, a

acomodação das devoções aos santos e orixás das religiões de origem africana, ou

seja, o paralelismo sincrético que mostra que para cada santo da devoção católica

há um correspondente nos orixás.

Como o sincretismo acontece? Por que acontece o sincretismo? O

sincretismo não é uma confusão mental?

Roger Bastide também se questionava pois queria entender o sincretismo por

dentro, saber que atitudes afetivas ou mentais caracterizam a psique do negro

quando identifica o seu orixá com um santo católico e queria saber que sentimentos

interiores ou que imagens este sincretismo carrega. Em suas pesquisas, percebeu

que o problema posto por ele, não existia em relação aos negros, que isso era um

falso problema. Ele pensava que a cada sincretismo externo deveria corresponder

um sincretismo psíquico; todavia o negro não percebia as contradições e para ele o

sincretismo psíquico tem formas muito diferentes do sincretismo externo. Por isso,

alguns representantes do povo de santo afirmam até não ter diferença entre santos

e orixás e que são os mesmos espíritos com nomes diferentes, ou seja, o santo é o

nome português do orixá, concluiu Roger Bastide. Além disso, uma das grandes

contribuições de Roger Bastide que responde a este questionamento é o princípio

de corte.

12 Ibidem. p. 202.

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1.2 Sincretismo a partir do princípio de corte

Quando um membro do candomblé afirma o seu catolicismo, ele não mente,

ele é ao mesmo tempo católico e feiticista. Não são situações opostas, mas

distintas13. De modo que encontramos agindo a lei da analogia entre os

compartimentos do real, que facilita esta dualidade sem marginalidade. Da mesma

maneira que os católicos podem alcançar Deus através de uma série de

intermediários: da Virgem e dos santos, a religião africana atinge Olorum através do

intermédio dos orixás, Exu (Edschou) e os tambores. Da mesma maneira que há

várias virgens (a da Piedade, a da Conceição, a das Dores, etc.) há vários orixás

femininos14. A lavagem da Igreja do Bonfim é de origem portuguesa, mas logo, os

Negros notaram a analogia desta lavagem com aquela das pedras do “pegi”, a festa

de Oxalá. Enfim, para não abusar dos exemplos, cada família tem o seu santo de

predileção com sua capela votiva num canto da sala; assim cada indivíduo negro

tem o seu orixá para protegê-lo. Mas as analogias não funcionam sempre. O

catolicismo estabelece uma hierarquia dos intermediários. No mais alto nível é o

Cristo, a Virgem Maria vem depois, para no final encontrarem os santos. Seus

correspondentes africanos Oxalá (o Cristo), as divindades femininas (para a Virgem

Maria) e os outros orixás (para os santos). Os santos e os orixás são colocados

sobre a mesma linha. Oxalá é somente o primeiro entre eles. Exu (Edschou) é o

mercúrio afro-brasileiro, o mensageiro dos homens junto aos deuses e

reciprocamente. Ele é às vezes identificado com o diabo, sobretudo entre os bantos;

contudo, o diabo não é um intermediário, mas um “refratário”. O que é chamado de

“sincretismo católico-africano” não é, portanto, uma identificação pura e simples,

mas o catolicismo é aceito como fazendo parte da realidade brasileira, ele não é

julgado como contrário à religião africana, porque há corte entre dois domínios; um e

outro são verdadeiros nos seus mundos respectivos e há entre eles as

correspondências. Este corte é fácil de revelar: no templo, há um altar católico e um

“pegi” africano, eles podem se corresponder, mas não se identificam e nem têm o

mesmo papel. O ritual católico e o ritual africano podem ter um lugar na vida do

terreiro. Por exemplo: celebra-se o mês de maio recitando as litanias diante do altar

13 BASTIDE, Roger. O princípio de corte e o comportamento afro-brasileiro. p. 5. 14 Id. p. 6.

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católico, sem a mistura com o culto do mundo africano. E em outros momentos, no

mesmo terreiro, vão ser celebradas as grandes festas africanas, sem colocar algo de

católico. Nas cerimônias de iniciação, há etapas africanas e etapas católicas, como

a missa terminal; mas estes momentos não se interferem. Eles se seguem. Por isso

o termo “sincretismo” é justo, mas sem explicações, corre-se o risco de levar à

confusão. Não se trata de mistura, o sincretismo é como no “role playing” de

substituição de papéis, de acordo com a sua participação de um compartimento do

real ou do outro, afirma Roger Bastide.

1.3 Os pontos onde coincidem o catolicismo e a religião africana

Citando Roger Bastide, o catolicismo e a religião africana coincidem ou são

parecidos, mas com algumas diferenças. Um membro da religião africana afirma que

todos nós, africanos ou católicos, temos um anjo da guarda para cada um. Isso é de

conhecimento de ambos. Mas o africano além de ter conhecimento do seu anjo da

guarda sabe o seu nome - seu orixá, protetor da sua cabeça-, só que o católico não

sabe15. Por outro lado, para o católico e para o africano, os orixás e os santos

viveram no passado, isto é, o ponto de partida neste tipo de culto: o culto aos

antepassados ou o culto aos egouns ou ainda ao evemerismo. Mas há diferença: o

católico canoniza os santos e o africano ignora a canonização, os orixás se

manifestam, quer dizer, descem nos corpos de seus fiéis, causando o transe

extático, contrariamente aos católicos cujos párocos interdizem as manifestações

dos santos16.

O espiritismo, por sua vez, é um culto dos mortos. Os médiuns recebem os

espíritos dos mortos para falar aos fiéis por seus intermediários. Entretanto, para a

religião africana, os egouns - almas dos mortos – não se manifestam com transe,

não descem nos adeptos, mas aparecem sob a forma de personagens mascaradas,

para assim fazer ouvir a voz dos mortos, como presenciamos nos culto dos egouns 15 BASTIDE, Roger. Les religions africaines au Brésil. Paris: Presses Universitaires de France, 1960, p. 363. 16 BASTIDE, Roger; Idem p. 364.

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na periferia de Salvador. Desta maneira, a manifestação dos orixás é interna,

diferentemente daquela dos egouns que é externa17.

A religião espírita é triste, até pelo ambiente do local, mas a religião africana é

alegre, ela celebra no clima de músicas, cantos, danças, no clima de festa onde

todos os rostos são de alegria18.

1.4 Sincretismo: fenômeno de aproximação

De acordo com Roger Bastide, o sincretismo não tem nada de particularmente

brasileiro, visto que ele é anterior ao tráfico negreiro. Ele argumenta que isso se dá

pelo fato dos africanos terem tido contato com o catolicismo, já um século ou dois,

antes do tráfico dos negros para o Brasil19.

O sincretismo como fenômeno, em geral, pode ser explicado pelas

aproximações estruturais, culturais e sociológicas que facilitaram a introdução do

catolicismo nas seitas africanas. Estas aproximações podem ser expressas nestes

termos:

A aproximação estrutural: observando a teologia católica de intercessão dos

santos à virgem, da virgem a Jesus e de Jesus ao seu Pai (embora a teologia

católica sobre a intercessão não seja assim), a cosmologia africana dos orixás

assimilou o fato e associou os orixás como intercessores do homem a

Oloroun.

A aproximação cultural (que se coincidiu à concepção funcional) diz que cada

santo preside uma atividade humana ou é encarregado de curar uma ou outra

doença. Essa mesma concepção confirma que os vodouns ou os orixás

também presidem, cada um, setor da natureza ou que são como santos 17 Id, p. 363. 18 Id, p. 364. 19 Id, p. 372.

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protetores das profissões ou dos caçadores, dos ferreiros, dos curandeiros,

etc.

A aproximação sociológica se faz entre as nações brasileiras ou as de Cuba

de um lado e as confrarias católicas de outro.

Algumas justaposições dos santos com os deuses africanos e as suas justificativas:

A estas aproximações que facilitaram a associação dos santos aos deuses

africanos foram juntadas outras particularidades que levaram à justaposição entre os

santos e os deuses africanos:

Omoulou, Deus da varíola, só pode ser identificado com São Lázaro, cujo

corpo é coberto de feridas e cura as doenças de pele ou com São Roque,

cujo cachorro lambe as feridas ou, ainda, com São Sebastião que é

representado sobre as litografias populares amarrado a uma árvore e

sangrando da flecha que lhe foi atirada.

Da mesma maneira Oxossi, o deus da caça, só poderia se unir aos santos

guerreiros como São Jorge ou São Miguel, cujas estatuetas os mostram com

a lança matando o dragão ou pisoteando um ser monstruoso.

Nesta mesma concepção, Iansã, que come a magia do seu marido Xangô e

consequentemente cospe relâmpago, é edificada a Santa Bárbara, a patroa

dos artilheiros e a protetora contra raios e incêndio.

São Francisco, o santo da natureza que muitas vezes é representado sob

uma árvore frondosa conversando com passarinhos se une a Iroco.

Os Ibeji, gêmeos sagrados, vão naturalmente procurar na hagiografia católica

outros gêmeos como São Cosme e Damião.

Xangô, esposo de Iansã / Santa Bárbara, é identificado a São Jerônimo, por

isso este é feito marido de Santa Bárbara.

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O fato de que Nanã Borocô seja identificada a Sant´Ana, mãe da virgem

Maria, portanto avó de Jesus, passa a ser para os afrodescendentes a

divindade mais velha e o antepassado de todos os orixás.

Assim, o parentesco mitológico entre diversas divindades do panteão

africano, como, por exemplo, a posição hierárquica que elas ocupam, deve ser

considerado quando se analisa as identificações entre as divindades africanas e os

santos católicos equivalentes, ao lado das suas funções específicas e ao lado das

suas representações de arte.

De forma que, um mesmo orixá, dependendo do lugar ou da época ou ainda

da situação, pode ser identificado a este santo ou a outro. Como por exemplo,

Eshou pode ser o diabo quando ele é considerado como um dos mestres da magia

negra ou pode ser Santo Antônio quando ele induz à tentação, sopra os maus

pensamentos e perturba as cerimônias porque Santo Antônio foi perturbado pelos

demônios. Ele é sincretizado também a São Pedro, o porteiro do Paraíso, quando

ele abre e fecha os caminhos e por ser o porteiro dos candomblés. Por fim, ele

também é sincretizado com São Bartolomeu que, no seu dia devocional,

popularmente, o povo costuma dizer que todos os diabos estão soltos.

Reciprocamente, um santo também pode ser identificado com vários orixás.

Por exemplo, Nossa Senhora dos Prazeres é identificada com Obá, que na África, é

a protetora das prostitutas ou com Oshoun que é a deusa de amor sensual.

Ampliando os exemplos, podemos falar de São Jorge, com toda a sua armadura,

pode ser considerado Ogoun, o deus da guerra ou Oxossi o deus da caça.

Diante de tudo isso, notamos que o sincretismo é fluido e móvel, não rígido e

não cristalizado. Por isso, na época de Nina Rodrigues, Xangô era identificado com

Santa Bárbara, protetora contra os raios. Isso é o exemplo típico de que não havia

lógica quanto a justaposição dos santos e orixás em relação ao sexo. Um santo

masculino pode ser identificado com um orixá feminino.

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Estas justaposições ou correspondências dos santos com os orixás nascem e

morrem de acordo com as épocas. Mas, não é a época ou o tempo que nos mostra

sua grande variedade, mas é o espaço. Cada região brasileira descobriu por sua

própria conta a sua lista de correspondências. Por isso, na Bahia, Iemanjá é Nossa

Senhora da Conceição da Praia. Em Porto Alegre, Iemanjá é Nossa Senhora dos

Navegantes. Na Bahia, Ogoun é Santo Antônio da Barra e no Rio de Janeiro Ogoun

é São Jorge.

Esta variabilidade de correspondências depende, também, dos pais de santo

ou dos terreiros. Por isso, Bastide conta que na sua passagem por Recife, na época

de Gonçalves Fernandes, Oshoun era Nossa Senhora dos Prazeres (para Pai João

Batista) e Nossa Senhora do Carmo (para Mestre Apolinário).

A diferença na lista das correspondências vem também das diferenças das

nações de origem do Candomblé. Sem deixar de lado também as formas dos orixás,

por exemplo, só Eshou tem 21 formas, Xangô 12, Oshoun 16. Por isso, um orixá

pode ser identificado por vários santos dependendo da forma do orixá20. É Por isso

que, o paralelismo sincrético é uma das caraterísticas fundamentais da religiosidade

popular brasileira21.

Além da complexidade na associação dos santos com os orixás, Bastide

percebeu que o sincretismo também afetava o calendário das festas dos Santos com

os orixás. A passagem de cerimônias africanas trazidas por negros de um hemisfério

a outro encontrava dificuldade quanto a sua realização de acordo com o ritmo da

natureza. Por isso, em muitos lugares, a solução foi de aproximar o calendário

cristão do iorubano e celebrar os orixás nos mesmos dias dos santos

correspondentes.

Os negros tinham que, muitas vezes, se mostrar como bons católicos, por

isso, em alguns terreiros, em particular os bantos, ornavam ambiente de acordo com

o que eles encontravam de bonito no catolicismo. Nisso, mesmo um altar com as

imagens dos santos ocupava um lugar de destaque no terreiro simplesmente para

20 BASTIDE, Roger. Idem. p. 377. 21 PEREIRA, José Carlos Idem. p. 21.

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aparentar se. Por isso, Bastide afirma que os graus do sincretismo psíquico vão

junto com os graus de sincretismo ecológico e a distância espacial é acabada muito

mais que a distância social, quer dizer que o sincretismo morfológico não se traduz

por uma identificação de divindades e dos santos.

1.5 Sincretismo religioso no caso dos gêmeos: Ibeji e São Cosme e Damião.

Para descrevermos o sincretismo entre Ibeji e santos gêmeos, nós iremos

antes de tudo conhecer Ibeji e os santos Cosme e Damião.

1.5.1 Quem são os Ibeji? Como veio esse culto aos Ibeji e como sobreviveu ao longo do tempo?

Os negros escravizados, vieram para o Brasil com as suas crenças e práticas

religiosas. Estas “ao travessarem o oceano, sofreram as consequências inevitáveis

das perdas de toda a ordem que os africanos viveram no processo de escravidão e

foram reorganizadas como as contingências que o momento permitiu22”. Com perda

e ganho, uma nova realidade religiosa foi surgindo na nova terra. Por isso, “o

Candomblé tal qual existe entre nós é coisa nossa, obra da diáspora23”. “em todos

esses quatrocentos anos de convivência forçada, os inúmeros deuses africanos

fundiram-se em uma grande religião, chamada candomblé24”.

Com este procedimento, não conseguimos dados exatos sobre a vinda do

culto aos Ibeji ou gêmeos. Portanto, afirmamos que o que veio para o Brasil é a

tradição do culto ao gêmeos, mas não exatamente como era e é vivido na África.

Isso se comprova quando comparamos, por exemplo, alguns fatos religiosos e 22 CONSORTE, Josildeth Gomes. Sincretismo ou Antissincretismo? Aspectos Politicos e Religiosos da Construção de uma identidade Negra na Diáspora in Dos yorùbá ao camdomblé Ketu. p. 204. 23 Idem. 24 MEDEIROS, Sandra. Epega. A volta à África na contramão do orixá in Faces da Tradição Afro-Brasileira. Religiosidade, Sincretismo, Anti-sincretismo, Reafricanização, Prática terapêuticas, Etnobotânica e Comida. CIP-Brasil. 1999, p. 160.

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culturais. Na República Democrática do Congo, por exemplo, não existe o caruru

como oferta. Mas aos gêmeos é oferecido alimento. O caruru oferecido no Brasil é

algo bem brasileiro baseado na tradição iorubana dos Ibeji.

Ibeji é o menor dos orixás segundo Ladislas Segy. Este orixá é tutor, guardião

e bom protetor dos gêmeos. Não há um consenso sobre a sua natureza. Ibeji

aparece ora ligado a Iansã e Oxossi, ora ligado a Xangô e a Oxun. Os Ibeji são

gulosos e travessos e recebem o carinho de todos os orixás25. Por outro lado, Oxun,

por ser encarregada do útero, é considerada a mãe de Ibeji, como é a mãe adotiva

de todas as crianças até certa idade26.

Na língua iorubá Ibeji significa gêmeos: IBI = Nascido e EJI = dois (cfr. Fausto

Polo Jean David: Catalogue des Ibeji). Ibeji ou “dois” e Dona Ceci sublinhava o

aspecto de nascido em dois. Por isso, a tradição religiosa iorubá considera os

gêmeos como seres que têm uma única alma, unida e inseparável (aqui, diga-se de

passagem, Monique Augras nos traz um aspecto muito importante sobre a

alteridade: o outro que é intimamente ligado com a questão da dualidade). Por esse

motivo, quando um gêmeo morre, a vida do outro está em perigo visto que a sua

alma não tem mais equilíbrio (cfr. Fausto Polo Jean David: Catalogue des Ibeji).

Deste modo, a raiva do gêmeo morto pode fazer acontecer graves riscos a

toda a família, visto que esta raiva pode trazer doença e falta de sorte ou até mesmo

provocar a esterilidade da mãe.

Para evitar estas consequências nefastas na família, deve se achar o meio de

reunir de novo as almas dos gêmeos. Para isso, é necessário consultar o Babalaô

para que depois possa encomendar uma pequena figura de madeira a um escultor.

Essa figurinha será a morada da alma do gêmeo morto.

Para isso, o Babalaô deve presidir uma cerimônia pública que tem como

objetivo transferir a alma do gêmeo para a escultura de madeira. Assim, o Ibeji é o

25 SOUZA JUNIOR, Vilson Caetano de. O banquete Sagrado. Notas sobre os “de Comer” em terreiro de Candomblé. p. 171. 26 Ibidem.

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guardião da alma do gêmeo morto. Por esta razão, o Ibeji é tratado com as mesmas

atenções que o gêmeo vivo. Exemplificando, quando a mãe amamenta o gêmeo

vivo, o Ibeji é posicionado no outro seio. Quando o gêmeo vivo toma banho, o Ibeji

também é lavado e depois passa por cima dele uma massa vermelha chamada

Camwood que é uma mistura de madeira vermelha com o azeite de dendê.

Na teoria, não é necessário esculpir as estátuas de madeira quando os dois

gêmeos morrem, visto que a união das suas almas não é compromissada. Mas no

caso iorubano, os gêmeos mortos são dotados de poderes sobrenaturais mais fortes

do que os dos ancestrais. Por isso é esculpida uma imagem de um casal de Ibeji

para levar aos gêmeos as oferendas ou os sacrifícios. Esta atitude é para que a mãe

e toda a família tenham a proteção dos Ibeji. As estátuas não são feitas somente

quando um ou dois gêmeos morrem cedo (como por exemplo no nascimento), mas

também quando morrem mais tarde (Cfr. Fausto Polo Jean David: Catalogue des

Ibeji).

A morte de um ou dos dois gêmeos, quando criança, é ligada a um tema

muito interessante que trataremos mais tarde, com a ajuda de Monique Augras: Os

Abiku.

Os cuidados dos Ibeji esculpidos (como a limpeza, alimentação, etc.), são

confiados à mãe. É ela quem no dia das festas ou de cerimônias importantes os

colocam nas costas embalados na sua túnica como se fossem crianças vivas. As

estátuas são colocadas perto da sua cama. E quando a mãe morre, os Ibeji são

levados ao santuário. E no caso da morte da mãe e de um dos gêmeos é ao gêmeo

vivo que cabe os cuidado da imagem do irmão falecido.

Diante de algumas situações como doenças na família, implora-se a

intercessão e a ajuda dos Ibeji seguindo as prescrições do Babalaô (cfr. Fausto Polo

Jean David: Catalogue des Ibeji).

Nas culturas Luba e Kongo, pode-se pedir a intercessão e a ajuda dos

gêmeos enquanto eles estiverem vivos como também menciona Reginaldo Prandi

na Mitologia dos Orixás. Aqui há uma grande diferença. Para os ioruba é somente a

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mãe que pode implorar a intercessão e a ajuda dos Ibeji, contrariamente, nas

culturas Luba e Kongo, qualquer pessoa da família pode fazer isso.

Para Edison Carneiro, no Brasil, os Ibeji, os gêmeos, são espíritos inferiores,

orixás-meninos, coletivamente chamados êrês ou meninos. Possuída pelo êrê, a

pessoa fala e se comporta como criança, para divertimento geral. Aos meninos é

oferecido um culto que é um costume tradicional mais frequente entre a população

pobre.

A Ibeji são confiadas todas as crianças de modo geral, mas em particular os

gêmeos ou meninos mabaços que gozam da sua proteção especial. Diz-se dos

gêmeos que “com eles ninguém pode”. São danados, teimosos, travessos, estão

sempre aprontando, fazendo coisas, como se diz: “coisas do outro mundo”, “eles

não são gente”. O Ibeji, na explicação do povo de santo, tudo resolve, para eles

nada é impossível, pois não têm intermediários, assim como Exu. Eles tudo

descobrem e revelam. Daí o dizer corrente que “menino descobriu o pé do cão”.

Ibeji, todavia, é implacável com qualquer quebra de promessa, aliança. Por isso é

melhor nada lhe prometer27.

1.5.2 Quem são os Santos Cosme e Damião?

Segundo o missal romano do Paulo VI, os dois são santos e mártires. Cosme

e Damião eram médicos que exerciam gratuitamente a profissão. Segundo a antiga

tradição da Igreja, padeceram o martírio em Ciro (Síria) e seu culto difundiu-se muito

em toda a Igreja desde o século IV. Deles se faz memória no Cânon Romano

(Missal Romano de Paulo VI).

Mario Sgorbossa nos dá mais informações sobre os dois santos médicos.

Eles eram gêmeos e nasceram na Arábia. A tradição da Igreja acrescenta que eles

foram à Síria para completar seus estudos medicinais e se estabeleceram em Egera,

27 Ibidem. p. 172.

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na Cilicia, para exercer a profissão. Eles curavam mais por meio dos dons

sobrenaturais, como autênticos taumaturgos, do que com a arte médica. Eles

curavam mesmo quando o paciente não tinha dinheiro. Apesar de toda a sua

dedicação, com a perseguição de Diocleciano, eles foram presos, induzidos a negar

a fé, depois submetidos à tortura e por fim decapitados. Os seus corpos foram

trasladados à Síria e sepultados em Ciro. Mais tarde, o imperador Justiniano

construiu a Igreja em sua honra por ser curado pela intercessão dos santos gêmeos.

No culto dado a eles, são considerados padroeiros dos médicos (Mario Sgarbossa).

Para o catolicismo popular, são Cosme e Damião são protetores das crianças, dos

gêmeos e dos partos de gêmeos. Neste sentido, Edison Carneiro nos oferece mais

informações. Cosme e Damião - os Ibeji nagôs - são objeto de grande culto

essencialmente doméstico, familiar na Bahia. Muitas famílias têm sempre duas velas

diante da imagem dos meninos: os gêmeos são casamenteiros, ajudam a encontrar

objetos perdidos, protegem contra doenças, abrem os caminhos, - mudam para

melhor a sorte dos devotos. Diante desta imagem, nos dias de quarta-feira e de

sábado, põem-se pequeninos pratos de barros com caruru e quartinhas de água

nova da torneira. Esta água não deveria ser desperdiçada e nem desrespeitada.

1.5.3 O sincretismo entre são Cosme e Damião com os orixás Ibeji

Os santos médicos são associados com o Ibeji. O sincretismo que ocorre aqui

é de oferecer culto a são Cosme e Damião que deveria ser oferecido aos Ibeji: culto

aos deuses de alegria, das brincadeiras e protetores da infância e dos pequenos. Os

Ibeji são considerados protetores dos gêmeos, dos partos múltiplos e da

fecundidade e também são invocados nas festas de aniversário de crianças.

Segundo o calendário oficial da Igreja Católica, a festa dos santos médicos

acontece no dia 26 de setembro, adiantado de um dia devido à festa de são Vicente

de Paula. No catolicismo popular, a festa acontece no dia 27 de setembro.

Na Bahia, este dia é o dia preferido para o casamento das classes pobres.

Cada família pode dar culto aos santos arbitrariamente, desde que se cumpra certas

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obrigações estabelecidas (fato sincrético, visto que para o catolicismo oficial não

existem obrigações). Três vezes, em dias diversos, antes do sábado ou do domingo

geralmente escolhidos para festa, saem os santos dentro de uma caixa de papelão

cheia de pétalas de rosa, a pedir esmolas publicamente, conduzidos por algumas

crianças. O dinheiro recebido deve ser gasto com as crianças. Existem obrigações

de ir à missa e de oferecer comida para a criançada.

1.6 Conclusão

Escrevendo este primeiro capítulo, optamos por conhecer um pouco da

história do sincretismo antes de mostrarmos o que leva uma pessoa a acreditar em

duas religiões, sem confusão, que poderia ser óbvia numa mistura. É isso que foi

chamado por nós como princípio de corte seguindo Roger Bastide.

Com o princípio de corte, pudemos entender as coincidências dos aspectos

do catolicismo e da religião africana juntos. Isso faz com que o sincretismo seja uma

realidade de aproximação entre santos e orixás como no caso de Ibeji e santos

gêmeos.

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2 OS GÊMEOS NA ÁFRICA

Para este capítulo, falaremos dos gêmeos na África, primeiro dos gêmeos

Iorubas, em particular, para depois falar dos gêmeos africanos em geral. Este

capítulo é resultado de pesquisa de campo com muitas pessoas conhecedoras da

cultura e das religiões tradicionais africanas e também resultado de pesquisa

bibliográfica.

2.1 Os gêmeos iorubanos 2.1.1 Yoruba, povo gemelário

A cada oitenta nascimentos de crianças no mundo, um é gemelário. No

território iorubano, a cada vinte nascimentos há um gemelário. (Cfr. Fausto Polo

Jean David: Catalogue des Ibeji). Monique Augras confirma esse alto índice de

nascimentos de gêmeos no território ioruba. Ela afirma que o Yoruba é o povo mais

fértil em gêmeos. De acordo com um censo de 1969, a proporção dos gêmeos

iorubanos era de 45,1 para mil nascimentos (Monique Augras citando Pemberton –

1982 -). Este fato justifica a escolha que fazemos dos ioruba como povo mais

gemelário que existe, embora a cidade de Cândido Godói, no Rio Grande do Sul

tenha um índice bem maior que este como mostraremos quando falaremos dos

gêmeos brasileiros.

2.1.2 Nascimento gemelário, antigamente e hoje

Antigamente, para os ioruba e para os seus vizinhos e ainda para quase toda

a África, o nascimento gemelário não era considerado normal; era inexplicável,

misterioso e acompanhado de “superstições” diversas. Assim tal nascimento

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causava medo, como nos fala Ladislas Segy. A este respeito, Monique Augras

argumenta que este nascimento era considerado monstruoso no passado.

Para explicar esta realidade, os ioruba, como os seus povos vizinhos,

evocavam duas razões:

A infidelidade da mãe ao seu marido. Ela dormiu com ele e logo depois

dormiu com outro, por isso ela teve dois filhos ao mesmo tempo. Assim,

segundo eles, os gêmeos tinham cada um o seu pai. Isso implicava muitas

vezes a morte da mãe e dos gêmeos.

Gêmeos nascem por causa de um espírito maléfico e por isso, representam

um perigo para a família e a sociedade.

A partir desta segunda razão, o nascimento gemelário era atribuído, no caso

dos ioruba, aos orixás Ibeji, visto que, para os Yoruba, o ser humano não poderia

gerar dois seres ao mesmo tempo (cfr. Fausto Polo Jean David: Catalogue des

Ibeji). Assim, uma imagem era esculpida para localizar a causa do evento a fim de

se poder lidar com ele ou, ainda, como pode nos dizer Ladislas Segy, diante deste

nascimento, algumas tribos africanas matavam os gêmeos (de vez em quando

também a mãe era morta). A maioria das tribos, porém, os acolhia para superar o

medo do nascimento misterioso e assim poder trocar um evento medroso por um

alegre e assim, aliviar a situação. Em algumas outras aldeias, a mãe tinha um dos

seios cortado e era mandada embora da aldeia.

Com esses exemplos, podemos ver como o nascimento gemelário era

também considerado como causa de maldade (cfr. Fausto Polo Jean David:

Catalogue des Ibeji). Mas isso mudou com o tempo, o maldito se tornou sagrado

(Monique Augras). Por isso o nascimento gemelário hoje é considerado como uma

grande bênção. No panteão iorubano, os gêmeos são representados por uma

divindade dupla: Ibeji, com traços de uma menina e de um menino. Encontra-se

também uma estátua de três com Itayo (menino), Kende (menina) e Idou ou Dou (o

pequeno ou ainda aquele que vem depois dos gêmeos).

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Alguns fiéis do Candomblé no Brasil dizem que é santa Bárbara, Iansã, a mãe

mística dos Ibeji - algo de misterioso. Eles marcam o dia de nascer e o dia de morrer

(alusão aos abiku).

Alguns mitos iorubanos explicam como se chegou, hoje, a esta representação

dos gêmeos, como conta um mito iorubano: “um dia a tristeza tomou conta das suas

aldeias e das almas dos seus habitantes. Consultado, o oráculo de Ifa, este ordenou

que parassem com os assassinatos dos gêmeos e que passassem a honrá-los daí

em diante”.

Outra história fala que o legendário rei ioruba AJAKA, irmão do deus Shango

parou o assassinato dos gêmeos, depois que a sua mulher teve dois gêmeos (cfr.

Fausto Polo Jean David: Catalogue des Ibeji).

2.1.3 Nascimento gemelário, uma bênção!

A situação e as atitudes diante do nascimento gemelário mudaram

radicalmente no território ioruba. Pouco a pouco, eles começaram a acreditar que os

gêmeos possuem poderes sobrenaturais. Eles são capazes de trazer bênção ou

ventura, saúde e prosperidade para as famílias. Por isso, os gêmeos deviam ser

tratados com respeito e consideração. Eles deviam receber os melhores alimentos,

roupas e as joias mais bonitas. Eles deviam estar no centro das atenções (cfr.

Fausto Polo Jean David: Catalogue des Ibeji).

2.1.4 Nascimento gemelário, uma festa!

No seu nascimento, há uma grande festa, participam da festa toda a aldeia e

as aldeias vizinhas. Quando é na cidade, todos os parentes e os vizinhos, ao

saberem, vêm para festa. De fato, o nascimento de uma criança já é uma grande

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alegria para toda a sociedade, imagine o nascimento de dois ou três ao mesmo

tempo, por isso deve festejar-se. Para os ioruba esta festa é em honra da mãe que

deu à luz aos gêmeos e também a todas as mães que têm gêmeos. Uma dança

específica é reservada para elas no centro das festividades. Aqui pode ser

associada a importância dada as mulheres que tiveram “barriga de dois”28.

Certos movimentos desta dança ilustram os pedidos específicos de

prosperidade, de ventura, de saúde para os gêmeos e também os pedidos de

proteção contra os poderes maléficos dos bruxos (cfr. Fausto Polo Jean David:

Catalogue des Ibeji). É neste último pedido que vemos, em muitos casos, quando é

preciso fazer sacrifícios e inúmeras cerimônias (Tutu Benjamin).

Também o povo Kongo (do antigo reinado Kongo) como o povo Luba celebra

a vida dos gêmeos e da mãe também que venceu a morte com o nascimento dos

seus filhos. Esta celebração da vida é caracterizada pelos gestos e movimentos das

danças nesta ocasião. Os que vão dançar refazem o gesto do ato sexual, o gesto do

nascimento etc.

Para os ioruba, alguns dias depois do nascimento dos gêmeos, o Babalawo

(o sacerdote da aldeia) faz uma visita aos novos nascidos para consagrá-los ao

Orixá Ibeji e dar conselhos à mãe sobre os alimentos indicados, sobre os dias do

augúrio negativo na semana, sobre os animais perigosos e as cores a evitar.

2.1.5 Nascimento gemelário, uma nova ordem

Monique Augras traz para nós um elemento muito importante que acontece

com o nascimento de todos os gêmeos africanos: a nomeação. Quando nascem

crianças gêmeas, elas não recebem quaisquer nomes, nem as crianças que vêm

depois delas e até aquela que nasceu antes delas tem troca de nome. Isso

28 SOUZA JUNIOR, Vilson Caetano de. O Banquete Sagrado. Notas sobre os “de comer” em terreiro de candomblé. p. 171.

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especifica a nova ordem colocada pelo nascimento gemelário. Os pais dos gêmeos

Luba recebem os nomes de Sha Mbuyi e Ma Mbuyi. Mudando portanto a identidade

a partir dos filhos gêmeos.

2.1.6 Os gêmeos e a morte

A morte de um ou dos dois gêmeos, enquanto crianças, leva-nos a pensar no

caso das crianças que nascem para morrer: Abiku. Assim, os gêmeos são chamados

de Abiku, somente quando elas morrem enquanto crianças como Segy nos significa.

Em geral, a morte de um ou dos dois gêmeos é considerada uma grande

desgraça. Assim, no enterro, muitas cerimônias são exigidas a fim de evitar que a

alma dos mortos se apegue com os viventes. Os gêmeos são enterrados em lugar

especial, não junto às outras pessoas no cemitério, no caso de grandes cidades

ioruba. Nas cidades pequenas, os gêmeos mortos são enterrados perto da casa

onde eles moravam. Nesse mesmo sentido, Segy foi informado que no nascimento

dos gêmeos, se fazem logo duas estátuas Ibeji. Quando um gêmeo morre, ele é

enterrado juntamente com uma estatua e quando o segundo gêmeo vier a morrer,

ele vai ser enterrado junto ao seu irmão morto antes, mas a outra imagem fica com a

mãe. Esta carrega a imagem, antes da morte do segundo, para lembrar-se do

primeiro gêmeo morto, (cfr. Ladislas Segy, The Yoruba Ibeji Statue).

Para os ioruba, quando muitas crianças da mesma família nascem e morrem

sucessivamente, fala-se que é a mesma criança que morre e nasce continuamente.

Essa criança não tem nenhuma vontade de ficar no mundo, visto que ela pertence a

uma confraria de espíritos malignos que brincam muito, por isso tem pressa de voltar

ao seu mundo para brincar. Por isso são chamadas Abiku: “aquele que nasce para

morrer”. Para impedi-lo de voltar a brincar com seus amigos na confraria, é preciso

multiplicar as precauções mágicas. De vez em quando é preciso colocar nos seus

pés guizos ou braceletes de metal que fazem barulho a fim de fazer medo aos

espíritos quando vem lhe relembrar a volta. Juntamente a esta precaução se

oferecem também sacrifícios, comidas agradáveis aos espíritos dos Abiku a fim de

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torná-los benevolentes. Dá se o nome que lhe relembra a sua permanência aqui na

terra como, por exemplo: “A vida é doce”, “não morre não”, etc., (cfr. Monique

Augras: Les jumeaux et la mort).

Para identificar os Abiku, não é preciso esperar os nascimentos seguidos das

mortes, mas pode-se consultar o oráculo de moluscos ou outros eventos que

mostram que se trata de Abiku, como por exemplo, um parto difícil ou criança que

nasce depois de muitos abortos sucessivos, etc., (Cfr. Monique Augras: Idem).

No candomblé, os Abiku não podem ser preparados para os santos, uma vez

que a sua cabeça não pode ser raspada.

2.2 Os gêmeos na África em geral.

Para os Minas do Togo, a gemelaridade não é somente um fenômeno

biológico, resultado da fecundidade de dois ovos. Para eles, os gêmeos são seres

acima do comum. São vistos com certo respeito e temor, não medo.

Temor e não medo, porque os gêmeos são seres que podem ser benéficos

ou maléficos, dependendo do que a família ou a sociedade fazem ou deixam de

fazer para eles. Isso é porque a sociedade tem deveres a serem cumpridos a favor

deles pelo fato de serem extraordinários. Fato que dá a eles o direito de ter nomes

diferentes.

2.2.1 Os nomes dos gêmeos em algumas etnias africanas

• Para os mina:

Akouété e Akouètè: para dois meninos.

Akoko e Akouélé: para duas meninas.

Akouété e Akouélé: para um menino e uma menina. Quando são triplo!

Akouété, Akouètè e Akouélé: para dois meninos e uma menina.

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Akoko, Akouélé e Akouété: para duas meninas e um menino.

Akouété, Dométo e Akouètè: para três meninos.

Akouélé, Dométo e Akoko: para três meninas.

• Para os mongo:

Os mongo, da República Democrática do Congo, chamam os gêmeos de

Mboyo e Boketshu. A criança que vem depois dos gêmeos chama-se Lutendji e se

depois dele vem outra criança, ela vai se chamar Mbela.

• Para os luba:

- Mbuyi é o primeiro.

- Kabanga ou Nkanku.

Esses nomes são títulos que afirmam que são crianças especiais, não são como os

outros. Lembrando que os nomes, para luba, costuram os laços familiares. A criança

que vem antes dos gêmeos troca o seu nome pelo nome de Tshituala; quer dizer:

aquele que chamou os gêmeos.

• Para os kongo.

Os kongo chamam os gêmeos de Nsimba (o primeiro) e Nzuzi (o segundo).

Os luba e os ioruba, como muitos povos africanos, trocam o nome da criança

que vem antes dos gêmeos: Tshitshuala (luba) e Tagun (ioruba). É quase lei para

muitos povos africanos, a criança que nasce depois dos gêmeos receber nome

específico: Os Luba a chamam de Musuamba e os ioruba a chamam de Doú ou

Idowu (masculino) ou Alabá (feminino).

Para os Ioruba, até a criança que nasce depois de Alabá tem nome

específico: Idobé.

Assim percebemos que o nascimento dos gêmeos introduz uma nova ordem

vinda com os nomes que todas as crianças levam e pelo fato de que todas elas

passam a se referir e a viver a partir dos gêmeos.

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Essa ordem nova tem influência até na vida da mãe. Se ela não tiver mais

filho depois dos gêmeos, ela corre o risco de morrer. De fato, o nascimento dos

gêmeos é sentido como o aparecimento de uma desordem que deve ser resolvida

com a chegada de outra criança. Quando ela nasce, a ordem natural das coisas é

retomada. Por isso a nomeação determinada da criança que vem depois dos

gêmeos tem como função a delimitação, no tempo, da extensão dessa desordem.

Assim também podemos ver como a criança que vem depois dos gêmeos tem uma

grande importância, para os ioruba. Nos momentos dos aniversários, é a ela que

deve se oferecer primeiro o presente (Monique Augras).

2.2.2 Dos gêmeos, quem é o mais velho?

O mais velho, cronologicamente falando, é aquele que nasce depois. O

primogênito se deixa preceder pela preocupação de proteger o mais novo. Quando

há um perigo que ameaça o mais novo, é de dever do mais velho proteger e

defender o seu irmão. Por isso, ele o deixa ir antes para vigiá-lo como deve ser. Por

isso, para os Mbala do Kwilu da Rep. Dem. do Congo o gêmeo nascido primeiro é

chamado de Mbângu o que significa "pique está à frente" ou "aquele que mostra o

caminho". O mais velho é chamado Gilúndu: "o que é aumentado". É ele que envia

o seu irmão mais novo para se informar das condições da vida aqui sobre a terra

(Afrique Espoir).

Parece que este pensamento instaura até mesmo outra ordem biológica, uma

nova hierarquia de valores com seus novos deveres e direitos. Nesta ótica, os

gêmeos parecem construir uma comunidade e como qualquer comunidade, tem uma

hierarquia onde cada um tem prescrições a respeitar. Fato que faz que o mais novo

nasça primeiro como um mensageiro que anuncia a chegada do seu irmão mais

velho e busca saber se este mundo vai lhe ser agradável.

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2.2.3 Proibições e cerimônias

Para os venavi, os gêmeos são considerados como macacos. Isso é

simplesmente a relação do simbolizado ao símbolo. Eles acreditam que é mais do

que isso. A relação entre gêmeos e macacos parece ser mais profunda e não de

imitação. De modo geral, se ouve falar que um venavi tem um olhar de macaco,

porque se acredita que ele o seja mesmo. A explicação de uma crença desta pode

ser encontrada em lendas, como esta:

Um dia, um caçador vai à roça. A sua mulher tinha acabado de ter gêmeos.

Na roça, ele assiste a um espetáculo que lhe permite assegurar uma vida tranquila

aos seus filhos. De fato, ele tinha visto os macacos procederem às cerimônias para

gêmeos. Assim, ele entendeu que seus filhos eram da raça dos macacos. De volta

para casa, ele cumpriu as mesmas cerimônias para os "venavi". Desde aquele

tempo, de uma maneira geral, sempre se cumpre essas cerimônias para os gêmeos

a fim de lhes preservar a vida e de assegurar para os "venavi" e para os seus pais

uma paz durante a sua existência.

Muitos outros povos da África consideram os gêmeos como macacos, por

exemplo, os "fons" da África Oeste. Aqui cabe muito bem lembrar um dos contos de

Reginaldo Prandi sobre os orixás -Ibeji- que nascem como abikus mandados pelos

macacos29.

A partir daí, vêm algumas restrições a serem cumpridas pelos gêmeos e seus

pais. Um gêmeo não pode nem matar e nem comer um macaco. Caso ele

desrespeite isso, ele estará comendo ou matando seu próprio irmão. Estas

restrições são válidas e devem ser respeitadas, caso contrário acontecem coisas

piores como nos mostra esta história:

Um pai de família foi para a roça com o seu fuzil nos ombros. Ao chegar à sua

roça, encontrou um bando de macacos saqueando a sua roça de milhos. Pegando a

29 PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das letras, 2009, p. 371.

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sua arma, saiu atirando e matou um. Alguns momentos depois, chegou um

mensageiro lhe informando da morte de um de seus filhos gêmeos que acabara de

acontecer subitamente e aparentemente sem razão. Mas como as pessoas, na

África em geral, não morrem de morte natural, eles foram consultar as nozes

sagradas. O Ifá responde, depois de ser interrogado, que a morte tem como autor o

pai. Como isso? Agora é preciso perguntar a Ifá como o pai é o responsável por esta

morte. O Ifá percebe que ele tinha atirado no seu filho, sem saber, quando matou um

macaco.

Assim, o pai dos gêmeos nunca mais matou macacos, mesmo quando estes

estão saqueando a sua roça. Ele só pode expulsá-los tranquilamente.

Quanto às cerimônias a cumprir, é preciso erguer um altar para os gêmeos.

Dar lhes um lugar onde eles irão beber. Para isso, é preciso comprar algumas

coisas, como por exemplo: dois potes (dois, visto que todos os objetos têm que ser

um par porque são dois, são gêmeos), feijão, azeite de dendê e algumas ervas,

geralmente eles compram uma erva chamada "ama fata". Os minas do Togo

distinguem dois tipos de ervas deste tipo: "ama fata" e "ama zozo". São ervas frias,

calmas, não bravas e nem quentes. Umas provocam uma ação doce e outras, efeito

violento. As "ama fafa", em geral, não têm espinhos ao contrário das "ama zozo" que

têm. Precisa acrescentar, a tudo isso, um pedaço de pele de macaco. As cerimônias

são realizadas, habitualmente, por um pai de outros gêmeos, quando tudo estiver

pronto.

As cerimônias têm, como papel, assegurar a paz em todos os aspectos -

materiais como espirituais - para os venavi ou gêmeos, em primeiro lugar, e aos pais

em segundo. Quando estes não respeitam estas restrições, geralmente os seus

negócios não vão para frente, a carreira no serviço é dificultosa entre outros

problemas.

Na África, em geral, é proibido bater, chamar atenção ou contradizer os

gêmeos para não os ver voltar para aonde eles tinham vindo.

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2.2.4 Gêmeos, gênios!

Estas cerimônias são de proveito também das duas crianças que nascem

depois dos gêmeos. Visto que estas também são colocadas ao mesmo nível dos

gêmeos, elas, definitivamente, têm a missão de fechar o buraco, como dizem os

Minas. O menino ou a menina que vem depois dos "venavi" tem como nome: Edo. O

menino que segue Edo se chama Dossè e Dopé quando é uma menina. De fato,

Edo, Dossè e Dopé fazem parte da comunidade dos gêmeos.

O altar elevado para os gêmeos é um lugar sagrado que tem que ser cuidado

pelos pais, regularmente. A mãe tem que, periodicamente, fazer alguns sacrifícios.

Não se pode esquecer, na época da colheita, de oferecer aos "venavis" e aos seus

Edo (quer dizer Edo, Dossè e Dopè) as premissas de milhos e inhames. Este altar é

como se fosse a casa dos "venavis", um lugar de segurança para não os deixar

vagar como os macacos. Por isso, é proibido pegar qualquer objeto deste altar. Por

exemplo, aquele que rouba o dinheiro se torna cleptomaníaco. Vai precisar de

cerimônias de exorcismo para tirá-lo deste mal.

Os gêmeos são "VAUDOUS", gênios, espíritos protetores que podem ser

bravos quando são contraídos. Eles têm o dom de ver o invisível. Os seus sonhos e

as suas falas são considerados como enunciados dos acontecimentos futuros.

Quando estes são nefastos à sociedade, as crianças tomam as providências para a

reparação. Assim, os gêmeos não devem jogar pragas contra ninguém, pois isso

pode causar muitos problemas às pessoas, visto que a palavra é eficaz sobretudo

quando é pronunciada pela manhã, antes de seu primeiro banho.

2.2.5 Morte e reencarnação dos gêmeos

Os gêmeos constituem uma comunidade e entre eles existe uma

solidariedade muito grande. De fato, quando um dos gêmeos vem a falecer, o

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sobrevivente pode ser chamado para o além, a qualquer hora pelo seu irmão

falecido. É preciso realizar práticas especiais para evitar que o segundo gêmeo sofra

a mesma sorte que seu irmão. Nesse sentido, é preciso, desde que acontece a

morte de um gêmeo, até antes do enterro, diante da bebida do defunto, bater com a

madeira o gêmeo sobrevivente e os seus irmãos e irmãs: Edo, Dossè e Dopè. Essa

prática deve acontecer antes do enterro para que o gêmeo defunto não interprete

mal os corretivos que poderiam acontecer aos seus irmãos como atos de maldade e

vir a chamá-los. Essa prática é para tirar todo e qualquer tipo de ambiguidade.

Diante da sua morte, ninguém deve dizer que ele morreu, mas que foi

procurar a lenha para o aquecimento. Dizer que ele morreu pode ser a causa da

morte do seu irmão, visto que eles são apegados um ao outro. Chatear um pode

levar o outro a reagir. A essas práticas, deve-se acrescentar a reencarnação do

defunto. Os pais devem ou comprar uma estatueta de madeira ou mandar fazer

uma. Se o gêmeo falecido é macho, a estátua tem que representar um homem.

Quando é fêmea, deve representar uma mulher. Durante uma cerimônia, vai invocar

o defunto e operar assim a reencarnação. Esta estatueta reencarnada, o venavi

djodjo tomará o nome do gêmeo falecido. Ele será chamado ou Akouété, Akouètè,

Akoko ou Akouélé de acordo com o que ele era.

Quando Edo, Dossè ou Dopé vem a falecer, não se procede à reencarnação.

Neste caso, basta a batida dos irmãos com a madeira diante do caixão do gêmeo

defunto.

A estatueta deve receber todos os cuidados pelos pais ou pelo gêmeo

sobrevivente caso ele seja adulto. Ela deve se vestir como uma pessoa viva e de

tempos em tempos deve tomar banho. Nas horas da refeição, a estátua é colocada

à mesa, a ela é servido um prato de comida colocado ou à mesa ou no chão. No

término da refeição, é desfeita a mesa e a estátua é colocada no seu lugar de

costume ou ela é colocada para dormir. Vê-se muitas vezes, algumas mães, para

não causar o ciúme do gêmeo defunto, levar o "venani" vivo às costas e à frente, o

"venavi" djodjo. É preciso temer esse ciúme, porque os mortos não são mortos, mas

estão na caixa dos antepassados onde se enterram o cabelo, as unhas, etc. Todas

as famílias têm essa caixa. Este ciúme não se manifesta abertamente, mas pode ser

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a causa profunda e escondida de uma desgraça que pode acontecer quando os pais

manifestam a preferência de um em detrimento do outro. Os gêmeos não admitem

que coloque diferença entre eles. Por isso, os pais tentam sempre comprar os

objetos em pares para os gêmeos para evitar qualquer problema.

Quando os dois gêmeos são falecidos, os pais os reencarnam e dão os

mesmos cuidados aos dois.

Os gêmeos são um apoio invisível da família e da sociedade. O invisível aqui

tem um papel, escondido, mas muito importante. Eles são respeitados e temidos por

causa dos poderes que eles têm e que são qualificados de graves.

Os gêmeos são seres extraordinários, eles nascem de um só ovo e são

macacos. Eles mantêm as relações com o invisível, por isso, neste caso, eles podem

ser favoráveis ou não à sociedade. Eles são “VAUDOUS”, deuses, e devem ser

cultuados.

2.2.6 Algumas proibições e obrigações dos gêmeos na África do oeste

O nascimento de gêmeos numa família é, geralmente, considerado como uma

bênção divina. Esta bênção implica em proibições e obrigações. De todos os

deveres, há um primordial que é a educação dos gêmeos com solicitude. Eles têm

que ser cultuados com oferendas regulares e às sextas-feiras (alusão aos cultos dos

orixás, neste caso dos Ibeji). Os pais devem tomar cuidado para que não falte nada

às crianças quando fazem as oferendas. Eles farão de tudo para que os pares sejam

sempre iguais nas oferendas: sempre as mesmas roupas, as mesmas cores, etc., a

fim de evitar ciúme e cólera. Um descuido, neste sentido, pode levar até a morte.

Em geral, qualquer que seja a idade do gêmeo quando da sua morte,

enquanto o segundo estiver vivo, não se fala da morte. Todos devem se comportar

como se nada tivesse acontecido. A mãe dos gêmeos não pode chorar e os

membros da família não podem vir lhe transmitir as condolências. O gêmeo é

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sepultado sem cerimônia. Somente quando o segundo morre, aí sim, tudo vai ser

feito como se os dois gêmeos tivessem acabado de morrer. Quando um gêmeo

morre, o outro é pego e levado a outra casa onde deve ficar até o enterro do seu

irmão. Tendo certa idade, o gêmeo sobrevivente troca de aldeia e de nome. O

cadáver do seu irmão passará por uma nova porta aberta para esta circunstância.

Porque, caso ele passe na mesma porta, o sobrevivente não poderá mais voltar a

casa pela mesma porta. Após o enterro, o corpo velado e enterrado, todo mundo

volta a casa. Assim, a família passa a proteger o gêmeo vivo. Ele tem o rosto lavado

e esta lavagem inicia-se pelo queixo e termina na fronte. Quando é um menino, isto

é feito três vezes e quando é uma menina, quatro vezes.

2.2.7 Considerações culturais

O nascimento de uma criança na África, em geral, é sempre recebido com

muita alegria e reconhecimento, reconhecimento em relação a Deus a às divindades

titulares da família que vive este feliz acontecimento. Se o nascimento de uma

criança já é motivo de tanta alegria, compreendemos porque o nascimento gemelar

é tratado com esta delicadeza, afeição, mas também com certo medo. Medo que

vem simplesmente do caráter insólito ou mesmo extraordinário do nascimento de

uma só e mesmo de gravidez de duas e até mais crianças. Este medo se explica

pelo fato que a mulher, diferente de muitas outras mamíferas que são multi-pares, é

geralmente uni-par. É este caráter não costumeiro e dificilmente explicável do

mistério que faz com que o nascimento gemelar seja temido e que os gêmeos sejam

considerados sobrenaturais, dotados de certo poder. Por isso, na sociedade

tradicional africana, os gêmeos são considerados um poder benéfico em caso de

uma desgraça. Uma opinião, vinda de fora, explica esta visão do mundo. Somália

Mama diz que "Esta visão do mundo não é somente do africano”. Todas as

comunidades humanas conheceram, na sua evolução, este período em que a

impotência do homem diante de alguns fenômenos da natureza ou a sua

incapacidade de explicar as coisas levou-o a adotar comportamentos mágico-

religiosos. Na antiga Grécia-romana podemos ver muitos exemplos, contudo, a

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particularidade africana é o seu caráter profundamente religioso e não influência

cientifica na sociedade.

2.2.8 Verdadeiros e falsos gêmeos

Os verdadeiros gêmeos são dois indivíduos resultantes da fecundidade de um

só ovulo por um só espermatozoide que vai se separar ao longo do seu

desenvolvimento dando origem ao nascimento às crianças idênticas do mesmo sexo

ou diferente.

Os meio gêmeos são crianças vindas de um mesmo óvulo que se separou

antes da fecundação e as duas partes vão ser fecundadas por dois espermatozoides

diferentes. Isso é um fenômeno que também acontece.

Os falsos gêmeos são aqueles que vêm de dois óvulos diferentes fecundados

separadamente por dois espermatozoides. Estes não são muito parecidos e podem

ser tanto do mesmo sexo ou de sexos diferentes.

Existem também falsos gêmeos de pais diferentes. Isso acontece quando

uma mulher produz dois óvulos sucessivamente e neste intervalo de tempo ela tem

relações sexuais com dois homens diferentes, neste caso os dois óvulos podem ser

fecundados separadamente nascendo duas crianças que podem ser bem diferentes

e até de “raças” diferentes.

Os verdadeiros gêmeos tem uma identidade física muito parecida. Muitos até

têm as mesmas digitais. E na África, em geral, ouvimos falar de telepatia existente

entre os verdadeiros gêmeos.

As sociedades tradicionais africanas consideram os gêmeos como

divindades, caso dos Ibejis para os Iorubas, por exemplo, e o culto oferecido a eles

difere de um lugar a outro.

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É nesse caso que encontramos o sincretismo religioso na África em geral e no

caso dos gêmeos. Como muitos africanos têm raízes nas religiões tradicionais

africanas e que hoje, a maioria tem outra religião, cristã, muçulmana ou mesmo, um

choque de crenças. Isso faz que, facilmente um africano volte, mesmo que às

escondidas a cultuar as religiões tradicionais para ter paz.

2.2.9 Casamento de uma das Gêmeas

Quando uma gêmea se casa, a outra vai para o casamento junto, para não se

sentir abandonada. Quando se tratam de gêmeos, mulher e homem, se a mulher se

casa, o marido deve presentear ao seu cunhado, gêmeo da sua esposa, algo que

possa lhe acalmar. Se não, este pode causar doenças ou alguns incômodos à sua

irmã no casamento.

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3 OS GÊMEOS NO BRASIL

Como terceira parte do nosso trabalho, iremos escrever sobre os gêmeos

brasileiros em ligação com a cultura afro-brasileira. Falaremos sobre o culto dos

gêmeos no candomblé e o culto doméstico nas famílias que têm gêmeos. Esta

terceira parte será o resultado de entrevistas com pais e mães de gêmeos e com

pais e mães-de-santo ou pessoas que fazem o caruru dos santos Cosme e Damião.

Falaremos também dos lugares onde nascem mais gêmeos no Brasil.

3.1 Cândido Godói, Terra dos Gêmeos

Ao falar do povo yorubano como o povo mais gemelar do mundo, nós não

poderíamos deixar de falar dos gêmeos no Brasil. Por isso, queríamos ver os

números dos nascimentos gemelares aqui. A cidade mais gemelar do Brasil é a

cidade gaúcha de Cândido Godói, terra dos gêmeos30. Cidade situada a mais de 500

km a noroeste de Porto Alegre e de pouco menos de 7000 habitantes. A cidade tem

a fama de ser a terra dos gêmeos, por isso até mesmo no arco de entrada da cidade

encontra-se este título. Ela, também, já foi objeto de muitas reportagens e de

publicações.

O nascimento gemelar em Cândido Godói é dez vezes maior do que a média

nacional. Em cada 100 nascimentos no Brasil, um é gemelar; em Cândido Godói são

dez nascimentos31. Isso ultrapassa os números da pequena Pedralva (MG) que

registrou 4 nascimentos gemelares em 80 nascimentos que a cidade conheceu num

ano32. Os números de Cândido Godói ultrapassam também muito os números da

África em geral e do povo ioruba em particular. De acordo com a revista missionária

Afrique Espoir dos missionários Combonianos, a África é o continente dos gêmeos.

Em 1999, entre os dois milhões dos gêmeos que o mundo tinha, 1,1 milhão eram

30 G1, o portal de notícias da TV Globo. 31 Idem. 32 Globo Repórter da TV Globo.

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africanos. A taxa dos gêmeos na África é o dobro da Europa e o triplo da Ásia. Vinte

nascimentos por mil, na África, são gêmeos contra doze da Europa e somente sete

da Ásia. Em toda África, o caso recorde é de 40 gêmeos por mil nascimentos, no

povo ioruba da Nigéria. Isso confirma o que Monique Augras nos assinalava antes.

O programa “Globo repórter” da Rede Globo de Televisão exibiu um vídeo de

04/11/2007 falando de Pedralva - a Cidade dos Gêmeos - no qual percebemos

algumas caraterísticas em comum entre os gêmeos desta cidade e os gêmeos

africanos:

Há um incômodo entre jovens quando são associados entre eles. Alguns

jovens até, querendo firmar o seu individualismo, não querem andar juntos

como gêmeos. Eles não gostam que digam que são parecidos. Essa recusa

dos gêmeos jovens e essa insistência da sociedade de associá-los mostra

que são nascidos “de dois” como dizia Dona Cessi da Bahia. Por isso os pais

e a sociedade querem fazer sempre referência a eles como dois, não um só.

Outro elemento é o comportamento semelhante entre os gêmeos que alguns

entrevistados assinalavam: se um dos gêmeos adoece, o outro adoece

também, mas sem saber. Este aspecto é confirmado por um dos meus

entrevistados africanos que disse que os gêmeos são uma alma e vivem as

mesmas coisas.

Explicação da Alta Incidência dos Gêmeos

Percebemos a existência de três explicações: uma lenda, experimentos

genéticos não comprovados e resultados de pesquisa científica:

Para o povo de Cândido Godói, o grande número de nascimentos gêmeos é

causado pela água de um poço existente na cidade que tem poder de

fertilidade.

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Uma explicação à polêmica que foi até conteúdo de livro diz respeito aos

supostos experimentos genéticos na população da cidade pelo médico

nazista Joseph Mengele.

Os cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul dizem que a alta

incidência dos gêmeos na cidade é causada pela variação do gene P 53 que

protege e aumenta a chance de sobrevivência dos embriões no útero. Como

as famílias viveram muito tempo isoladas e se relacionavam entre si, o gene

se espalhou. Não é o gene que faz que aconteça a gestação dupla, ele só

permite que estas gestações tenham mais sucesso do que a média em geral.

O gene não é a única, mas é o diferencial que faz que a frequência seja mais

alta do que em outros locais33.

3.2 O Que é o Caruru?

O Caruru é um prato típico da culinária baiana, herança dos negros escravos.

Esse mesmo prato é utilizado como comida ritual do candomblé; sobretudo como

obrigação aos Ibeji. Levando em conta a fé, “a confiança e as exigências da opinião

coletiva, que formam continuamente uma espécie de campo de gravitação34” do

povo do santo, o caruru pode ser chamado comida sagrada. “Assim, o caruru é o

nome dado ao cortar do quiabo refogado com azeite-de-dendê, cebola e camarão,

mas também o nome da festa dedicada a Ibeji, aos “meninos” onde esta comida se

faz acompanhar de mais de vinte pratos35”.

O caruru é sagrado não só por isso, mas também pelo lugar, os utensílios

utilizados, as pessoas que a prepararam e o que eles tinham que observar com

rituais antes da preparação36. A comida principal de Caruru é o amala, o prato feito

com quiabo.

33 Vídeos da Internet produzido pela TV Bandeirante. 34 LÉVI-STRAUSS, Claude. O feiticeiro e sua magia in Antropologia Estrutural. Tradução de Beatriz Perrone-Moises. Cosacnaify, 2008, p. 182. 35 SOUZA JR, Vilson Caetano de. O Banquete Sagrado, nota sobre os “de comer” em terreiros de candomblé. p. 172. , 36 SOUZA JR, Vilson Caetano de. Cozinha de Santos in Blog de Candomblé: Mistérios e Magia.

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Quando é oferecido o caruru, naturalmente, vêm crianças, e não é preciso

divulgar, porque os espíritos avisam, os Ibeji levam o cheiro até as pessoas.

Quando é servido, é preciso tirar sete pratos para serem colocados na casa e

no mato ou na rua para as crianças pagãs. Estas crianças são regidas por Idou ou

Doú (criança parida depois de Ibeji), o mais levado parecido com Exu. Ele é o

protetor das crianças que ficam na rua. Um é colocado para o Ibeji no lugar

determinado, abre-se o prato e faz-se o agradecimento; o segundo no jardim e o

terceiro vai para o lado de fora. Não há problema caso venha um cachorro e o come,

porque é o Ibeji que mandou comer no lugar dele. Outras pessoas tiram dois pratos

de comida, antes de servir, para Ibeji ou para Cosme e Damião. Esses dois pratos

são colocados no mato com a imagem de são Cosme e Damião e se acendem três

velas perto da comida.

No dia em que se oferece o caruru, as crianças são servidas em primeiro

lugar. É como se houvesse uma inversão na hierarquia onde o comum é de comer

por ordem de senioridade37.

3.3 Por que se deve oferecer o caruru?

Quando se faz uma promessa por doença, a criança sarando ou não se

oferece o caruru durante três anos. Quando não tem casa e se quer uma casa;

pode se oferecer o caruru. Os Ibeji ajudam a achar. Quando uma pessoa está

desempregada e está a procura de emprego, ela pode oferecer o caruru. Quando a

pessoa tem filhos que dão muito problema, quando um casal tem gêmeos, ele é

obrigado a oferecer, também quando nasce abiku, etc

Durante quanto tempo deve oferecê-lo e com que frequência? Depende do

trato que a pessoa faz com os orixás. É preciso dar o caruru durante o tempo que

Ibeji exigir. Faz-se o pedido e se faz oferenda em troca do que vai receber. Faz-se

37 SOUZA JR, Vilson Caetano de. O Banquete Sagrado. Notas sobre os “de comer” em terreiro de candomblé. p. 173.

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oferenda em troca de alguma coisa. Quando não se faz, a pessoa começa a ter

transtorno em sua vida. Quando se é devoto, a pessoa é obrigada a oferecer sempre

o caruru prometido.

Quem tem a devoção aos Ibeji tem que ter imagens (os érés) em casa.

3.4 Quem deve oferecer o Caruru?

A devoção dos Ibeji é para quem tem filho ou filhos gêmeos ou mesmo aquele

que não tem filho e nem gêmeos, mas é devoto dos Ibeji.

O culto de se oferecer o caruru de são Cosme e Damião ganhou dimensões

bastante amplas. Por isso, um dos meus entrevistados me disse que o caruru não é

só oferecido pelo pessoal de Candomblé, mas sim por todos aqueles que querem

pedir proteção para os seus filhos, gêmeos ou não. Pessoas cujos pais já ofereciam

o caruru, assumam o compromisso depois da morte dos pais. Pessoas que têm

possibilidade e que se acham na obrigação de oferecer um almoço às crianças,

como disse a Dona Cessi, etc. Isso vem ao encontro do que Vilson Caetano de

Souza Junior disse que tal culto liga-se à noção de continuidade, prosperidade e

descendência38. Continuar o que os meus pais faziam. Oferecer para pedir

prosperidade e bênção para os descendentes. Assim, "a devoção aos gêmeos além

de interferir na representação de santos católicos como Cosme e Damião,

ultrapassa o universo das religiões de matriz africana. Seu culto pode ser

encontrado com características próprias em todas as cidades brasileiras, em

oratórios particulares, guardados por famílias que ao longo de gerações mantêm

viva a promessa de oferecer o tradicional caruru, que, em algumas ocasiões é

antecipado por rezas e novenas39".

Este aspecto popular levava algumas pessoas a aconselhar os paroquianos

católicos a oferecer o caruru, que se tornou uma oferenda comum.

38 SOUZA JR, Vilson Caetano de. Ibeji, orixá kolobô in Blog. 39 Idem.

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3.5 A quem deve ser oferecido o Caruru?

Diante desta pergunta, Dona Ceci não teve dúvida de apontar os Ibeji como

receptores da oferenda. Ela me contou esta história para mostrar como os Ibeji

ganharam o direito do caruru.

A lenda iorubana de Ifá conta que a comida de Xangô era o amalá com muita

pimenta.

O Xangô é pai de Ibeji. Ele teve estes gêmeos com Oyá Iansã. Xangô era

gigante, muito alto e muito forte. Sua comida preferida é o amalá com bastante

pimenta. O amalá é o quiabo cortado miudinho e no Brasil se tempera com cebola e

camarão. No final, coloca-se azeite de cheiro, o dendê. Numa gamela, coloca-se

inhame ralado no fundo para que seja a base; coloca-se o caruru, ou seja, o amalá

com muita pimenta. Nessa comida vai camarão, cebola, pimenta e azeite de dendê

no final. Essa comida é cheirosa.

Todo dia, na hora do almoço de Xangô, vinha aquela gamela com a comida

cheirosa. Mas na frente de Xangô aparecia Exu, chamado Igelô, dono do tambor Ilô

(tambor grande que é chamado também de Rum no candomblé). Ele chegava, vinha

dançando e arrebatava o amalá, comia e no final agradecia e ia embora. Xangô

ficava com raiva até que o céu e a terra tremiam a ponto de cair relâmpagos. Os

orixás já estavam com medo das raivas de Xangô, porque este Exu só chegava na

hora do almoço.

No panteão iorubano, Xangô, Oxum e Oxumaré eram considerados grandes

bailarinos. Só que Exu Igeló não ficava atrás. Por isso o nome do tambor é ilô vem

de Igelô. Ele chegava, vinha com grande cerimônia e arrebatava a comida e Xangô

não comia. Por isso, um dia os dois gêmeos (Kende e Itayo, gêmeos parecidos)

entraram no palácio e perguntaram ao pai por que estava muito zangado. Xangô

pegou os dois e os colocou cada um em cima de cada perna e lhes falou que todo

dia na hora de almoço vinha Exu Igelô e sem cerimônia arrebatava sua comida. Os

dois deram risada e falaram ao pai que poderiam ajudá-lo. Xangô perguntou: “Meus

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filhos como vocês podem me ajudar sendo tão pequeninos diante de um homem tão

grande e ardiloso? Porque Exu é muito ardiloso”. Eles pediram ao pai um tambor

Bata (pequeno). Tambor sagrado de Xangô, Iansã e de Babaegun. Este tambor toca

um ritmo preferido, que eles dançam, chamado Bata, ritmo compassado que se

dança com elegância. Eles pedem ao pai a confiança e o pai faz o tambor Bata. As

crianças pedem para convidar toda a corte. O pai, com reticência, convida. Eles

pedem para colocar o tambor Bata atrás da pilastra, entre a pilastra e a parede do

palácio. Xangô se perguntava o que as crianças iam fazer. Os Ibeji disseram ao pai

que a criança entra no lugar que o adulto não cabe e pediram segredo ao pai. Xangô

convidou todos para a festa. Não devia convidar Exu porque ele mesmo viria.

Quando ia começar a festa, as crianças estavam bem enfeitadas com coroa de

dinheiro e roupas brilhantes. As duas sentadas nas pernas de Xangô. Quando

começou a saudação, Exu entrou todo elegante e sem cerimônia disse: “Eu acho

que estou sendo enganado, vai ter festa mas não estou sentindo o cheiro de

comida”. Os pequeninos disseram: “é uma festa para você”. Exu responde: “é uma

festa para mim e eu não sei”! A menina disse: “é agora que acabamos de te

convidar”. Exu disse ás crianças: “o que vocês têm de pequeno têm de ousado”.

Xangô e a corte estavam sentados e quietos. As crianças disseram: “queremos fazer

um trato com você. Você não gosta da comida cheirosa do palácio”? Ele respondeu:

“gosto”. Uma das crianças lhe disse: “eu vou tocar para você, se você dançar,

cansar e parar nunca mais entra aqui”. Exu olhou para o menino e disse: “Você vai

tocar para eu dançar? Eu quero ver”. As crianças desapareceram e apareceu só o

menino que começou a tocar. Exu dançou e dançou no estilo de grande bailarino.

Ficou inebriado pelo toque da dança. Os braços das crianças começaram a cansar.

O fato de serem parecidos lhe permitiam trocar de tocador sem que Exu percebesse.

A menina trocou com o menino de posição e continuou a tocar. Como os dois

trocavam freqüentemente, sem cansar, Exu começou a cansar e perguntou: “Essa

música não vai terminar? Ora tocava a menina, ora tocava o menino. Numa certa

hora, o menino começou a tocar um ritmo chamado Agabi que fez Exu cansar por

ser rápido. Caiu ao chão e disse: “vocês me venceram”. Cavalheiro que era

reconheceu a derrota e pediu que quando fizessem a festa, podiam colocar a

comida dele do lado de fora que ele viria, comeria e iria embora feliz.

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Daí, a razão de se colocar a comida de Exu do lado de fora, antes de todas

as festas. Ele tem que ser o primeiro a ser servido conforme o prometido. Eles

voltam ao colo do pai e Xangô perguntou para eles o que eles queriam de

recompensa. Eles pediram que todas as vezes que fosse servido o amalá que

tirasse um pouco para eles. Xangô determinou que isso fosse feito. Por isso, para

lhes agradar os seus devotos devem lhes oferecer o caruru. Estes, sincretizados

com são Cosme e Damião, faz com que os dois santos recebam esta oferenda

também. Esta aproximação foi feita pelo fato de serem gêmeos. Por isso, Dona Ceci

me falava: “Nós, negros, não olhamos os santos, mas sim as crianças gêmeas”.

3.6 Com que é feito o Caruru

Dois dos meus entrevistados, tanto Dona Ceci e Carlos Miranda, me falaram

que existem diferenças no caruru. Há caruru de três, de cinco e de sete.

No caruru de três, se tem o amalá: Quiabo. Arroz: comida de Oxalá ou o milho

branco. E por fim a farofa amarela que é a comida de Exu.

No caruru de cinco vão a farofa, o ebô ou arroz, o caruru, a pipoca e o ximxim

de galinha.

O caruru de sete possui tudo isso e mais omolocum, comida de Oxum (é o

feijão fradinho cozido com azeite, camarão, cebola e dendê que se bate com a

colher de pau para ficar grudento) e a banana frita que é de Oxumaré.

Se a pessoa que está oferecendo tiver dinheiro, pode acrescentar feijão preto

temperado de Nanã, bola de inhame ou pedaço de inhame de Oxaguiã, rapadura, as

pedrinhas (as doces de açúcar) que são de Ibeji, acaça que é de Oxalá e Oxaguiã,

farofa de milho, pedaço de abóbora, cana de açúcar, a bebida chamada aruá, etc.

O senhor Carlos Miranda, que é pai de gêmeos, me disse que ele oferece o

caruru. Perguntei se ele oferecia de três ou de cinco ou ainda de sete, ele me disse

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que oferece de sete. Para sete crianças. Mas, de acordo com ele os ingredientes

para o caruru são estes: quiabo, camarão, azeite de dendê, castanha, amendoim, o

milho branco, feijão fradinho, feijão preto, rapadura, ovo, coco e cana de açúcar.

3.7 Quando é oferecido o Caruru

Conversando com Carlos e sua esposa, eles disseram que oferecem o caruru

no mês de setembro, fazem tudo para oferecer no dia de são Cosme e Damião.

Quando não dá certo neste dia, nem no mês dos santos, eles oferecem o caruru na

ocasião dos aniversários das crianças.

3.8 Comportamentos dos pais dos Gêmeos

Uma das preocupações do início deste trabalho era se poderia oferecer o

caruru ou não numa casa católica que se tem gêmeos.

Ao realizarmos a pesquisa percebemos, como assinalado, que muitas

pessoas misturam as religiões sem saber. Algumas fazem isso porque,

conscientemente buscam proteção tanto nos santos quanto nos orixás. Outros o

fazem porque todo mundo faz ou o fazem porque virou moda ou fato cultural no seu

hábitat. Outros ainda não fazem porque, conscientemente, querem permanecer fiéis

à sua religião. E outros ainda não o fazem por terem medo ou dúvida.

Por isso, depois da pesquisa, consideramos adequado relatar somente as

experiências de dois casais, um deles paroquiano de Mogi das Cruzes. Eles são

membros das nossas pastorais e ministros da Eucaristia. Eles não oferecem caruru.

Neste relato serão identificados como A. O outro casal é católico também. O marido

já foi ogan de uma casa de Candomblé em Salvador e oferece conscientemente o

caruru por ser pai de gêmeos. B será a sua identificação.

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1. Como vocês receberam a notícia de que vocês iam ser pais de gêmeos? A. No momento que recebemos a notícia, pensamos que era brincadeira do médico.

Com exame, percebemos que era verdade. Logo, começamos a nos perguntar:

Como, por que nós e por que não outro casal?

B. Houve preocupação ao saber, mas logo nos tranquilizamos porque sabíamos que

Deus é grande e os orixás ajudam.

2. Ficaram preocupados em algum momento? A. Ficamos muito preocupados sim, porque nosso plano era apenas para um bebê e

não dois. Sem esquecer que a gente tinha acabado de perder um bebê. Mas tudo

tem o seu tempo e o tempo de Deus e se ele nos confiou mais esta tarefa é porque

temos capacidade para isso.

B. Ficamos um pouco preocupados porque nós esperávamos um segundo filho, mas

logo dois segundos filhos. Mas como dissemos na resposta anterior sabíamos que

Deus e os Orixás não nos deixariam.

3. Os partos foram tranquilos? Tiveram algumas dificuldades. As crianças tiveram que ficar mais tempo na maternidade? Diante disso, quais foram as atitudes tomadas? A. Era já de se esperar algumas dificuldades. Lemos muito e isso era mencionado.

Sabíamos que eles iam ficar mais tempo, pois a maioria dos bebês gêmeos nasce

muito pequeno pelo fato de dividir o espaço na barriga da mãe. Por isso tem que

ficar na maternidade para ganhar peso. Apesar disso, não houve maiores

dificuldades.

B. Os partos foram tranquilos. Nós oferecemos o caruru de são Cosme desde o

nascimento do nosso primeiro filho e nunca deixamos de oferecer. Por isso

pensamos que tudo foi tranqüilo e não teve nenhuma dificuldade.

4. Que comportamentos adotaram? A. Redobramos a oração. Pois não era tão fácil ver crianças que nasciam depois das

nossas e tinham alta com seus pais antes da gente.

B. Nosso costume é de rezar nos momentos bons e ruins. Só que esse

acontecimento era muito bom. Por isso agradecemos ao Senhor do Bonfim e

fizemos promessa de continuar a oferecer o caruru a são Cosme e Damião.

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5. Recorreram à intercessão de alguns santos? Aos orixás Ibeji? Fizeram o caruru?

A. Recorremos sim, à intercessão de Nossa Senhora Aparecida e Santa Rita de

Cássia, nossas santas de devoção. Não somos acostumados a pedir a intercessão

dos santos Cosme e Damião. Já ouvimos falar e lemos sobre, mas não fizemos

nenhum pedido e nenhuma oferenda. Somos católicos, temos muita fé em Deus e

com a intercessão de Maria, tudo podemos, por isso não oferecemos o caruru e não

misturamos as crenças.

B. Fizemos tudo o que estava nas nossas possibilidades. Porque se os santos te

dâo uma coisa, você tem que corresponder com oferendas. E como já oferecíamos o

caruru e fizemos de novo a promessa, agora não podemos falhar. Temos que

cumprir esse ritual que é um dever nosso. Até porque oferecer o caruru é cultura

aqui na Bahia, muita gente faz, por isso a nossa obrigação em fazer pela

prosperidade dos nossos filhos.

A este casal, perguntei se quando oferece caruru a são Cosme e Damião,

pensam que estão oferecendo aos Ibeji? Eles disseram: em geral um representa o

outro. O santo representa o Orixá. No mais, na Bahia tem essa junção que os orixás

compartilham com os santos. Por isso, os Ibeji são como se fossem Cosme e

Damião, santa Bárbara a Iansã, etc”.

Obs. Para Carlos e a mulher, não há nenhum problema pertencer às duas Igrejas.

Para eles é normal, mas o que os afasta do Candomblé é o sacrifício de animais.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A motivação inicial deste trabalho veio a partir da dúvida da fé de alguns

católicos sobre o sincretismo. Dúvida que, de um lado, é de muita gente, mas que

somente poucos manifestam. Mas que de outro lado, não incomoda a outros já que

muitas pessoas vivem o sincretismo sem preocupação.

Como foi dito anteriormente, muitos se sentem bem em fazer e outros fazem

porque todos fazem. Outros, ainda, querem proteção divina ou realização de um

milagre e vão à procura sem orientação adequada da parte da Igreja, como no caso

da personagem Zé do Burro do filme "Pagador de promessa". Nestes casos, o

sincretismo está intimamente ligado ao catolicismo popular. Alias, é bom lembrar que

o espaço favorito do sincretismo, na maioria das vezes, é o catolicismo popular onde

a vivência da teologia da retribuição se faz concreta com a prática das promessas.

Na maioria das vezes porque também no espaço da Igreja oficial vemos muitos

católicos sincretizarem.

Para estes cristãos não existe "delimitações de espaço sagrado entre

catolicismo e candomblé" e neste tipo de fé, "não há dicotomia entre santo e orixá,

entre santa Bárbara e Iansã40". Só que, quando eles vêm à missa professam a fé

católica que diz: "Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu e da

terra. Creio na Igreja, una, santa, católica e apostólica” (símbolo neceno-

constantinopolitano - Catecismo da Igreja Católica, pág. 59). Assim, na prática

esquecem o caráter único e indivisível da sua fé como Paulo ensina aos Efésios 4,

5: “Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo”. Isso é de lado dos católicos.

Mas do outro lado, das religiões tradicionais africanas, há uma vivência do

sincretismo que data do início do período da escravidão no Brasil. O sincretismo

começa como a fusão de diferentes cultos ou doutrinas religiosas e com o tempo ele

40 PEREIRA, José Carlos. Sincretismo religioso e ritos sacrificiais, p. 90.

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chega a ser quase uma nova religião41. Com o sincretismo neste nível, devemos

afirmar que ele se torna uma realidade que não se pode mais refazer.

É essa a dificuldade que encontra o manifesto das ialorixás baianas contra o

sincretismo de 1983.

Manifesto do Anti-Sincretismo

De acordo com Josildeth Gomes Consorte42, o manifesto reabre a discussão

centenária e amortecida e lhe dá um novo vigor colocando-a num novo patamar.

Antes do manifesto, este debate era reservado à Academia e a Igreja Católica, mas

após isso, o debate ganha um novo grupo de interlocutores, nas pessoas das

ialorixás de casas expressivas. As ialorixás do Gantois, do Ilê Axé Opó Afonja, da

Casa Branca, do Bogum e do Alaketu, com dois documentos (de 27 de Julho e de

12 de Agosto de 1983), quiseram afirmar a identidade do Candomblé como religião

independente e o fim do sincretismo. Este segundo aspecto do documento causou

muita polêmica ligada às distorções praticadas pela imprensa da época43.

As duas afirmações das ialorixás dependem uma da outra. A rejeição do

sincretismo era essencial para o reconhecimento do Candomblé como religião. Elas

rejeitavam o sincretismo porque o Candomblé não é uma seita, uma prática primitiva 44. Elas afirmam que o sincretismo foi criado pela escravidão e submetido aos seus

antepassados e ao afirmar o seu status de religião, elas queriam que a Igreja

Católica, o Estado e a Academia mudassem de posição. Com isso, elas buscavam

acabar com a submissão do Candomblé pela Igreja e pelo Estado.

41 Idem. p. 7. 42 Professora Titular do departamento de Antropologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. PUC-SP. 43 CONSORTE, Josildeth Gomes. Sincretismo ou Antissincretismo? Aspectos Politicos e Religiosos da Construção de uma identidade Negra na Diáspora in Dos yorùbá ao camdomblé Ketu. p. 197. 44 Idem. p. 198.

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O Manifesto do Anti-Sincretismo hoje

Em 1992, cerca de dez anos depois da publicação do manifesto, Josildeth

percebia que havia algo errado no interior dos terreiros cujas ialorixás assinaram o

manifesto pelo fato de que uns permaneciam firmes no anti-sincretismo e outros

haviam retomado a vida como antes.

Vinte anos depois, fomos conversar com a mãe Stella (Maria Stella de

Azevedo Santos). Na véspera da lavagem de escadaria da Igreja do Bonfim, em

2013, perguntávamos a ela, o que ela pensava sobre o acontecimento levando em

conta os vinte anos do manifesto. Ela respondeu: “A voz do povo é a voz de Deus".

Continuando com as perguntas, queríamos saber por que razão ela era contra o

sincretismo. Ela nos disse que o camdomblé e o catolicismo são duas coisas

diferentes. Quando você mistura, não faz nem uma coisa melhor nem outra.

Esta posição de mãe Stella, embora esteja longe da realidade para a maioria do

povo de santo, é compartilhada por muitos outros líderes das religiões tradicionais

africanas como por exemplo ialorixá Sandra que disse: “fazer o sincretismo é como

se fosse misturar óleo e água. Um não serve mais para fritar e outra nem para lavar”.

Considerações

Diante dessa herança cultural e religiosa que se quer um universo

extremamente complexo que deixa mais interrogações do que conclusões,

queremos apontar caminhos.

O sincretismo, como fusão de diferentes cultos ou como combinação

harmoniosa de práticas religiosas provenientes de religiões diferentes, passa pelo

crivo do fiel e age no seu ser religioso, fazendo uso de elementos de outras

religiões, sem que isso lhe cause conflito de fé. Isto é praticar a fé sincrética de

maneira harmoniosa, sem ver nisso algo errado45. Realidade vivida por muitas

45 PERIERA, José Carlos. Idem. p. 120.

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pessoas nas nossas comunidades. "Quando um membro do candomblé afirma o seu

catolicismo, ele não mente, ele é ao mesmo tempo católico e feiticista, como citado

anteriormente. As duas coisas não são opostas, mas separadas46". O sincretismo,

nestes modos, tem conseguido muitas raízes a ponto de ser um fato social na

cidade como Salvador, Bahia e outras. Por isso não pode ser ignorado.

Nina Rodrigues disse que o que torna possível o sincretismo é o mesmo

sentimento religioso com que os fiéis se dirigem aos santos católicos e aos orixás.

O sincretismo como fusão de crenças pode causar crise de fé sim. Mas isto

no âmbito do catolicismo oficial e na vivência da fé comunitária. Por este fato, muitos

que têm a consciência da unicidade e da indivisibilidade da sua fé podem ser fiéis e

não praticar o sincretismo a exemplo do casal que tem gêmeos e não oferece o

caruru.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

46 BASTIDE, Roger. O princípio de corte e o comportamento afro-brasileiro. p. 5

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CARNEIRO, Edson. Candomblé da Bahia. Rio de Janeiro: Tecno Print Gráfica S. A,

1967.

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MEDEIROS, Sandra. Epega: A volta à África: na contramão. In: CAROSO, Carlos;

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Sincretismo, Anti-sincretismo, Reafricanização, Práticas Terapêuticas, Etnobotanica

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FAUSTO, Pólo Jean David. Catalogue des Ibeji. African Art since, 1975.

Missal Romano de Paulo VI. São Paulo: Paulus. 1992.

PEREIRA, José Carlos. Sincretismo religioso e ritos sacrificais. Influências das

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2009.

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Referência eletrônica:

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Blog de SOUZA JR, Vilson Caetano sobre Ibeji, orixá kolobô.

Imagem um vem do site: encarnada.blogspot.com,

Imagem dois brasilcomartes.blogspot.com,

Imagem três: The art of Africa. museum.hamptonu.edu,

Imagem quatro é Ibeji figures. www.spiritualtools.org,

Imagem cinco é www.lendas.orixas.nom.br,

Imagem seis é de olokunseniade.com,

Imagem sete é de www.masque-africain.com,

Imagem oito é de www.randafricanart.com,

Imagem nove é de povodoaxe.com.br, este site é de Umbanda.,

As Imagens dez, onze e doze são site recados online.,

Imagem treze é imagensbahias.com

ANEXOS

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Imagens de Ibeji e são Cosme e Damião

Imagem 1: uma representação dos Ibeji.

Imagem 2: Uma representação dos Ibeji adotado no Brasil. Esta representação vem

provavelmente de um país africano.

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Imagem 3: Uma representação ioruba dos Ibeji.

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Imagem 4: Uma representação, provavelmente ioruba, dos Ibeji.

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Imagem 5: três estatuetas representando os dois gêmeos e o seu irmão mais novo

que é Doú.

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Imagem 6: A representação dos Ibeji, esta vez vestidos com panos africanos.

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Imagem 7: Uma representação ioruba dos Ibeji.

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Imagem 8: Uma representação africana de Ibeji.

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Imagem 9:Uma representação dos Ibeji já com as suas estatuetas. Esta imagem é

de site de Umbanda chamado Povo do Axé.

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Imagem 10: Imagem representativa dos santos Cosme e Damiao.

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Imagem 11: Uma imagem representativo dos Santos Cosme e Damião do

catolicismo oriental.

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Imagem 12: Uma Imagem do candomblé representando são Cosme e Damião mais

Doú, no sincretismo, no dia da festa.

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Imagem 13: Uma imagem baiana do são Cosme e Damião sincretizados.

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