DIDÁTICA MULTICULTURAL

SABERES CONSTRUÍDOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM

Elana Cristiana dos Santos Costa

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Programa de Pós-Graduação em Educação

RESUMO

O presente trabalho apresenta a perspectiva de uma didática multicultural crítica e a sua

relevância na prática de ensino, associando o campo do multiculturalismo ao campo da

didática. Com base na pesquisa: Currículo e Multiculturalismo – possibilidades na

prática pedagógica, desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em

Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), evidenciamos a

necessidade de conceber e ampliar o debate multicultural no espaço escolar, sobretudo

nos saberes construídos no processo ensino-aprendizagem. Refletimos assim, sobre a

necessidade de práticas pedagógicas emancipadoras, que pensem, discutam e abordem

as questões das diferenças, igualdade/desigualdade, preconceito, discriminação, tendo

como base as diversas identidades que compõe o grupo dos excluídos, discriminados e

postos à margem da sociedade. Neste fazer, sinalizamos a complexidade da docência

enquanto uma atividade historicamente situada e a necessidade da didática situar-se na

articulação entre diferentes dimensões, inclusive em uma dimensão cultural. A título de

finalização, compartilhamos algumas considerações que constituem análises parciais

desse estudo que tem como base a análise do Referencial Curricular de uma rede

municipal de ensino e o diálogo dos profissionais dessa rede com as perspectiva

multiculturais inseridas no documento.

Palavras-chave: Didática; Multiculturalismo; Prática de Ensino.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 301566

DIDÁTICA MULTICULTURAL

SABERES CONSTRUÍDOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM

1. INTRODUÇÃO

A afirmação de que a didática deve situar-se na articulação entre as dimensões:

humana, técnica e político-social (CANDAU, 2012), prontamente sustenta algumas

constatações tão veiculadas no senso comum e no meio acadêmico. Estamos assim,

admitindo a complexidade da docência e a dificuldade que envolve o ato de

ensinar/aprender, visto que não apreende apenas conhecimento, mas é marcado por

relações entre diferentes sujeitos.

Nossa intenção não é corroborar com um discurso vão que apenas descreve a

docência como uma atividade complexa e elenca múltiplos desafios enfrentados pelo

professor em sua ação profissional, discurso este desprovido de reflexão crítica e

acomodado, usando a complexidade para justificar as dificuldades, sem propor

alternativas. Ao contrário, pretendemos ao concordar ser a docência uma atividade

complexa, situar a importância do campo da didática na relação com o contexto situado

do ensino/aprendizado, as contingências presentes nesse processo e a relação entre

educação e sociedade, assumindo a multidimensionalidade do processo ensino-

aprendizagem reafirmado no âmbito da didática fundamentali. Nessa perspectiva,

acreditamos que

o ensino da didática não pode ser dissociado da problemática da

educação na sociedade e, mais especificamente, da questão das

relações entre escola e sociedade. Em suas relações com a sociedade,

a escola é mais determinada que determinante. Isso não significa

afirmar que não exista um âmbito próprio da atuação da escola e do

profissional da educação. Existe um espaço especificamente escolar

que deve ser trabalhado sempre de forma articulada com o contexto

histórico em que se situa. (CANDAU, 2012, p. 123)

Desse modo, assumindo a didática enquanto conhecimento, técnica e prática,

sinalizamos as possibilidades de uma didática multicultural crítica ao processo de

ensino-aprendizagem, construindo assim, saberes que propiciem reflexões referentes à

sociedade contemporânea e a instituição escolar nela inserida.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 301567

2. MULTICULTURALISMO: POSSIBILIDADES NA PRÁTICA

PEDAGÓGICA

Nossas reflexões estão inseridas a pesquisa Currículo e Multiculturalismo:

possibilidades na prática pedagógica, tal estudo em desenvolvimento, está vinculado ao

curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade

Federal do Rio de Janeiro. O trabalho citado pretende investigar como professores

dialogam (ou não) com as perspectivas multiculturais expressas no texto dos

Referenciais Curriculares de uma rede de ensinoii e de que forma tais perspectivas são

expressas na prática do professor. Desse modo, objetivamos dentre outras intenções,

identificar a partir do discurso dos professores como o multiculturalismo se insere ou

não a sua prática docente. A pesquisa se constitui em um estudo de caso que terá como

aporte metodológico a análise do documento, entrevistas com professores e um grupo

de discussão para fundamentar a triangulação dos dados.

Ciente de que o multiculturalismo não é um campo teórico limitado à educação e

tampouco é fenômeno recente na sociedade, percebemos, em pesquisas atuais, o termo

associado a diversos campos do conhecimento, inclusive ao campo da didática, tendo

em vista a constatação da multiplicidade de culturas circulantes na sociedade. Embora o

estudo esteja em andamento, percebemos contribuições significativas que o campo do

multiculturalismo pode promover a partir de uma tradução de suas relevantes propostas

e articulado ao domínio de conhecimento da didática.

Sendo assim, concebemos a necessidade de ampliar o debate multicultural nas

pesquisas, nos movimentos sociais, nos espaços escolares e na sociedade, pois, mesmo

diante das reformas educacionais e das novas propostas curriculares pensadas para a

realidade brasileira a partir da década de 90 a nossa vivência na escola, com um olhar

atento sobre a prática de ensino, demonstra o distanciamento de uma didática que pense

a multidimensionalidade do processo ensino-aprendizagem.

À vista disso, contemplamos uma didática multicultural crítica que relacione o

campo teórico, político e prático do multiculturalismo ao processo de ensino

aprendizagem, resignificando a prática de professores em um contexto atual, em uma

sociedade e em uma escola marcada por desigualdade, preconceito e discriminação.

Nessa construção destacamos o que propõe Candau (2012) quando afirma que

A educação interculturaliii não pode ser reduzida a algumas situações

e/ou atividades realizadas em momentos específicos, nem focalizar

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sua atenção exclusivamente em determinados grupos sociais. Trata-se

de um enfoque global que deve afetar todos os atores e a todas as

dimensões do processo educativo, assim como os diferentes âmbitos

que ele se desenvolve. No que diz respeito à escola, afeta a seleção

curricular, a organização escolar, as linguagens, as práticas didáticas,

as atividades extraclasse, o papel do professor, a relação com a

comunidade, etc. (CANDAU, 2012, p. 49)

Estamos refletindo sobre a necessidade de práticas pedagógicas emancipadoras,

que pensem, discutam e abordem as questões das diferenças, igualdade/desigualdade,

preconceito, discriminação tendo como base as diversas identidades que compõe o

grupo dos excluídos, discriminados e postos a margem da sociedade. Posicionamo-nos

na contramão de práticas de ensino alicerçadas apenas em concepções tradicionais,

tecnicistas e programadas. Acreditamos, como Pimenta (2010, p. 216) que o

“conhecimento deve estar ligado a uma visão crítica da realidade, buscando a verdadeira

causa das coisas, a essência dos processos, sejam naturais, sejam sociais, ...[sejam

culturais]iv, indo além das aparências.”

3. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

As análises iniciais do estudo em andamento nos faz considerar a relevância da

multidimensionalidade do processo ensino/aprendizagem, a preocupação com a

formação inicial e continuada de professores e o desenvolvimento da profissão docente.

Nossa intenção neste argumento não é atribuir apenas ao educador o compromisso de

mudanças na educação escolar, o que pretendemos com este apontamento é sinalizar

para a urgência de políticas públicas para a formação do professor, onde o profissional

tenha oportunidade de refletir sobre sua prática, as suas relações com essa prática e

acreditar que há alternativas para a escola e para a sociedade.

Tal apontamento se constitui das análises das entrevistas realizadas com

professores da rede municipal onde se configura o estudo. Temos observado neste fazer

que os profissionais entrevistados quando perguntados sobre a realização de atividades

onde há preocupação com a inclusão das diferentes identidades circulantes na escola,

citam propostas de âmbito coletivo, como projetos, feiras e festas culturais. Quando

indagados sobre a palavra multiculturalismo e o que entendem por ela, o discurso até

então apresentado informa que os professores se aproximam do termo sem se dar conta

da complexidade que o envolve, embora o embasamento teórico do currículo da rede

onde atuam proponha um trabalho alicerçado em bases multiculturais.

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EdUECE - Livro 301569

Em uma análise mais pormenorizada do documento, também percebemos a

ambivalência produzida a partir do seu texto, pois, ao confrontar o embasamento teórico

e as matrizes curriculares inseridos no Referencial Curricular citado, observamos que as

matrizes não se aproximam de forma significativa das perspectivas multiculturais

apresentadas no primeiro momento, ou seja, no embasamento teórico. A dimensão

cidadã, que segundo o texto dos Referenciais Curriculares (2010) é “voltada à

diversidade cultural e integradora de todos os eixos e ciclos...” (p. 20), não é

incorporada na mesma intencionalidade às matrizes, mesmo com algumas disciplinas

anunciando práticas cidadãs que incluam a discussão sobre cultura, essa integração não

parece se solidificar na articulação proposta no embasamento teórico do documento.

A título de finalização, partindo das referências aqui citadas, entendemos que as

análises parciais desse estudo sinalizam que o envolvimento com a prática multicultural

requer muitos fazeres e saberes orientados pelos processos de ensino-aprendizagem de

docentes e discente, acreditamos assim que uma didática multicultural de base crítica

precisa ser contemplada de forma significativa na formação de professores.

4. REFERÊNCIAS

CANDAU, Vera Maria. A didática em questão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

CANDAU, Vera Maria. Didática crítica intercultural: aproximações. Petrópolis, RJ:

Vozes, 2012.

NITERÓI. Fundação Municipal de Educação de Niterói (FME) / Secretaria Municipal

de Educação de Niterói (SME). Referenciais Curriculares para a Rede Municipal de

Ensino de Niterói: Ensino Fundamental, 2010.

PIMENTA, Selma Garrido e ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos. Docência no

ensino superior. São Paulo: Cortez, 2010.

i A Didática fundamental assume a multidimensionalidade do processo ensino aprendizagem, articulando

as três dimensões: humana, técnica e político-social. Ver: CANDAU, Vera Maria. A Didática em

Questão, Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. ii Referenciais Curriculares para o Ensino Fundamental. Documento curricular oficial de uma rede

municipal de ensino do Estado do Rio de Janeiro. iii O termo intercultural é visto por muitos autores como sinônimo do termo multicultural, nesse estudo,

estamos trabalhando nessa perspectiva. Entretanto, a autora citada destaca diferenças entre as concepções

intercultural e multicultural. iv Grifo nosso.

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EdUECE - Livro 301570