didática do ensino superior - apostila - paauí - excelente

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ CENTRO DE EDUCAÇÃO ABERTA E A DISTÂNCIA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DOCÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR Didática do Ensino Superior Didática do Ensino Superior Didática do Ensino Superior Didática do Ensino Superior Profª. Dra. Antonia Edna Brito

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ CENTRO DE EDUCAÇÃO ABERTA E A DISTÂNCIA

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DOCÊNCIA DO ENSINO SUPER IOR

Didática do Ensino SuperiorDidática do Ensino SuperiorDidática do Ensino SuperiorDidática do Ensino Superior

Profª. Dra. Antonia Edna Brito

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PRESIDENTE DA REPÚBLICA Luiz Inácio Lula da Silva MINISTRO DA EDUCAÇÃO Fernando Haddad GOVERNADOR DO ESTADO Wellington Dias REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ Luiz de Sousa Santos Júnior SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA DO MEC Carlos Eduardo Bielschowsky COORDENADORIA GERAL DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASI L Celso Costa SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DO PIAUÍ Antonio José Medeiros COORDENADOR GERAL DO CENTRO DE EDUCAÇÃO ABERTA A DI STÂNCIA DA UFPI Gildásio Guedes Fernandes SUPERITENDÊNTE DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NO ESTADO Eliane Mendonça COORDENADORA DO CURSO DE ESPE. EM DOCÊNCIA DO ENSIN O SUPERIOR

Ana Beatriz Sousa Gomes

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SumárioSumárioSumárioSumário

APRESENTAÇÃOAPRESENTAÇÃOAPRESENTAÇÃOAPRESENTAÇÃO

UNIDADE 1: FORMAÇÃO DO PROFESSOR UNIVERSITÁRIO E OS DESAFIOS DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

1.1 Formação do professor universitário: discutindo o conhecimento profissional 05050505

1.2 Sobre o desenvolvimento da profissionalidade docente 11117777

1.3 A constituição da identidade profissional do professor universitário 11119999

UNIDADE 2: A DIDÁTICA E O CONTEXTO DO ENSINO SUPERIOR

2.1 Didática: discutindo alguns conceitos 22221111

2.2 O ensino universitário e sua especificidade 23232323

UNIDADE 3: CONHECIMENTOS E HABILIDADES PEDAGÓGICAS

3.1 O professor universitário e o conhecimento pedagógico 25252525

3.2 O professor universitário e as habilidades de ensino 26262626

3.3 O professor universitário: requisitos básicos 29292929

UNIDADE 4: PLANEJAMENTO DE ENSINO

4.1 Planejamento: alguns conceitos 37373737

4.2 O Planejamento: superando a racionalidade técnica 38383838

4.3 Do planejamento à prática pedagógica 53535353

Referencias 57575757

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4444

ApresApresApresApresentaçãoentaçãoentaçãoentação

A formação de professores para a docência na universidade tem avultado no

atual contexto sócio-educacional como uma tarefa complexa e desafiante. Essa

formação configura-se como um processo que requer reflexão crítica acerca do

significa ser professor na contemporaneidade. Ao longo dos anos, as mudanças

sociais, culturais e econômicas têm provocado o aumento de desafios e de

exigências à profissão docente. Tais exigências e desafios intensificaram-se,

principalmente, em face da complexificação da atual sociedade, cada vez mais

competitiva e contraditória.

Diante dessas circunstâncias, a formação de professores, necessita pautar-se

em conhecimentos profissionais que sirvam de base ao competente exercício

docente. Na formação do professor, seja para a educação básica, seja para a

universidade, portanto, é imprescindível que os profissionais da educação produzam

saberes que os tornem cada vez mais competentes e ativos no processo de ensino-

aprendizagem. Em face ao exposto, a disciplina Didática no Ensino Superior está

organizada, conforme delineamento das unidades de ensino a seguir:

• Unidade 1Unidade 1Unidade 1Unidade 1: formação do professor universitário e os desafios da sociedade contemporânea;

• Unidade Unidade Unidade Unidade 2222: a didática e o contexto do ensino superior;

• Unidade Unidade Unidade Unidade 3333: conhecimentos e habilidades pedagógicas;

• Unidade Unidade Unidade Unidade 4444: planejamento de ensino.

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Unidade IUnidade IUnidade IUnidade I

Formação do professor como intelectual e os desafio s da sociedade contemporânea

1.1 Formação do professor universitário: discutindo o conhecimento profissional

Os debates sobre formação do professor

universitário apontam aspectos importantes referentes às

necessidades formativas dos professores, tomando como

referência a cotidianidade da prática pedagógica e, mais

precisamente, da aula. Além disso, nas discussões atuais

sobre essa questão é consensual o reconhecimento de

que a formação inicial não é o único espaço onde os

docentes aprendem sobre a profissão, contudo essa

formação representa um momento singular de um longo

aprendizado profissional.

De fato, a formação inicial representa um espaço no qual o professor vivencia

questões preliminares do exercício profissional e, desse modo, sua fertilidade como

locus de aprendizagens docentes deve de ser reconhecida. Considerar esse aspecto

significa, por um lado, avançar na busca de superação das propostas formativas

centradas na racionalidade instrumental ou tecnocrática e, por outro lado, implica

ResumoResumoResumoResumo

A formação do professor universitário tem sido bastante questionada no âmbito da sociedade contemporânea, realçando a complexidade do trabalho docente, bem como indicando que essa formação deve fundamentar-se em uma sólida base de conhecimentos referentes ao saber ensinar. A partir do exposto, destacamos que o objetivo central desta unidade é aprofundar estudos acerca da formação do professor universitário, situando-o como intelectual, diante das exigências e dos desafios da sociedade contemporânea. Nesta perspectiva, apresentamos reflexões sobre a formação profissional docente, discutindo.o desenvolvimento da profissionalidade como aspecto essencial na qualificação da prática docente. As análises empreendidas nesta parte do estudo realçam a formação na interface com o conhecimento profissional docente; o desenvolvimento da profissionalidade e a constituição da identidade profissional do professor universitário.

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valorizar a articulação teoria/prática como possibilidade de se efetivar a formação de

docentes críticos e, sobretudo, criativos.

No âmbito das reflexões sobre os processos formativos de professores, o

conhecimento profissional é amplamente discutido como componente essencial para

aprender a ensinar, ou seja, como potencializador de reflexões sobre a vivência das

práticas de ensinar e de retradução do saber, do saber fazer e do saber ser. Desse

modo, neste estudo, analisamos a formação do professor universitário, destacando o

conhecimento profissional docente, considerando o processo ensino-aprendizagem

a partir de sua multidimensionalidade.

A formação do professor, neste sentido, deve contemplar o conhecimento

pedagógico, articulando-o aos conhecimentos da formação pré-profissional, da

formação inicial/continuada e da experiência. Pensar a especificidade do

conhecimento profissional docente remete a reflexões sobre a essência do trabalho

docente. Isto posto, realçamos que o professor necessita dominar os conteúdos a

serem ensinados, ter conhecimento didático-pedagógico, ou seja, necessita ter um

conhecimento especifico ao ensino para assegurar uma ação docente mais efetiva e

criadora, para tornar

ensináveis os conteúdos.

Ser professor na

universidade, a exemplo de

ser professor em outros

níveis de ensino, pressupõe

aprendizagens e

conhecimentos docentes

construídos em diferentes

contextos e situações.

Para Para Para Para PensarPensarPensarPensar

A legislação educacional não faz referência à formação pedagógica do professor universitário.

Apesar da discussão em torno da necessidade de

formação pedagógica do professor universitário ter

se ampliado, percebe-se que ainda restam parcelas

da comunidade acadêmica e indivíduos

responsáveis pelas políticas educacionais nacionais

que entendem o preparo pedagógico para o

exercício da docência como algo supérfluo. É válido

mencionar que nossa legislação educacional é

omissa em relação à formação pedagógica do

professor universitário (PACHANE, 2009, p. 4).

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Acesse: http://www.anped.org.br/reunioes/27/gt11/t116.pdf

Leia o texto : Políticas de formação pedagógica do professor universitário: reflexões a partir de uma experiência, da autora: PACHANE, Graziela Giusti. Após a leitura do texto, analise os seguintes aspectos, socializando suas reflexões no Fórum: �Como tem se delineado, no contexto brasileiro, a formação do professor universitário; �A formação pedagógica do professor universitário e suas implicações no saber ensinar.

Além dos aspectos mencionados, comporta destacar que a

formação do professor universitário, na sociedade contemporânea,

requer situar esse profissional como intelectual, ou seja,

compreendendo que sua prática pedagógica transcende à mera

transmissão de conhecimentos.

Isso significa reconhecer o professor como alguém que produz

conhecimentos no contexto de sua ação. Essa ação, portanto, é

sustentada por concepções teóricas advindas da formação inicial e do processo

pessoal e profissional, que dão conta de sua percepção sobre educação, ensino,

aprendizagem, bem como sobre o papel do professor no processo ensino-

aprendizagem.

Saiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba mais

LEITURA BÁSICALEITURA BÁSICALEITURA BÁSICALEITURA BÁSICA POLÍTICAS DE FORMAÇÃO PEDAGÓGICA DO PROFESSOR UNIVERSITÁRIO: REFLEXÕES A PARTIR DE UMA EXPERIÊNCI A PACHANE, Graziela Giusti - UNIT GT: Política de Educação Superior /n.11 Agência Financiadora: não contou com financiamento INTRODUÇÃO A formação exigida para docência no ensino superior tem se concentrado no conhecimento aprofundado de determinado conteúdo, seja ele prático (decorrente do exercício profissional) ou teórico/epistemológico (decorrente do exercício acadêmico). Pouco, ou nada, tem sido exigido em termos pedagógicos. A pós-graduação, locus privilegiado dessa formação, tende a priorizar a condução de pesquisas, tornando-se responsável, mesmo

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que não intencionalmente, por perpetuar a crença de que para ser professor basta conhecer a fundo determinado conteúdo ou, no caso do ensino superior, ser um bom pesquisador. Iniciativas no sentido de oferecer ao (futuro) professor universitário maior preparo em relação à atividade docente, embora existentes, são ainda esparsas e carecem, a nosso ver, de maior aprofundamento teórico, bem como de estudos que procurem conhecer, de modo mais sistematizado, seus resultados. Num momento em que o Brasil se propõe a discutir os rumos da Universidade por meio da Reforma Universitária, consideramos de suma importância abordar esta temática e alertar para a necessidade de que – em meio a discussões sobre financiamento, cotas, relação público-privado e autonomia universitária – maior atenção seja dada à formação desse que é, talvez, o principal ator na construção do fazer universitário: o PROFESSOR. Assim, o objetivo deste trabalho é refletir sobre a formação pedagógica do professor universitário, buscando oferecer alguns subsídios para o planejamento e avaliação de programas dessa natureza, bem como para a discussão sobre a viabilidade (ou não) de sua obrigatoriedade para o ingresso (e permanência) no magistério superior. Para tanto, apoiamo-nos na literatura nacional e internacional que discute a importância da formação pedagógica do professor universitário, e nos resultados do Programa de Estágio e Capacitação Docente (PECD), realizado na UNICAMP entre 1993 e 2000, um programa que se destaca por seu caráter inovador, sua estrutura e organização, bem como pelos resultados obtidos, tendo sido tema de tese de doutorado. Num primeiro momento apresentamos, sinteticamente, as razões pelas quais a formação pedagógica do professor universitário tem sido negligenciada ao longo da história e os aspectos que apontam para a necessidade desta formação ser tomada de modo mais sistemático. A seguir, passamos à análise do PECD, ressaltando aspectos que, esperamos, possibilitem aprofundar a discussão sobre a importância da formação pedagógica para os professores universitários e sobre a maneira como tais programas poderiam ser conduzidos. Por fim, apresentamos alguns questionamentos, possíveis fontes para novas reflexões, novos estudos e/ou desdobramentos do presente texto. BREVE HISTÓRICO DA FORMAÇÃO DO DOCENTE UNIVERSITÁRI O A análise do histórico da docência nos leva a acreditar que possam existir ao menos três fatores contribuindo para que, na cultura universitária, a tarefa de ensinar – e a formação pedagógica dos professores – sejam relegadas a segundo plano. Em primeiro lugar, a formação para a docência constituiu-se historicamente como atividade menor. Inicialmente, havia a preocupação com o bom desempenho profissional. Neste contexto, ensinar significava ministrar grandes aulas expositivas sobre determinado assunto ou “mostrar na prática como se faz”. Acreditava-se (como alguns ainda hoje) que “quem soubesse, saberia automaticamente ensinar”, não havendo preocupações com o preparo pedagógico do professor ou com a qualidade didática de seu trabalho (Masetto, 1998, p. 11). Posteriormente, com a aproximação das universidades do modelo humboldtiano, a preocupação centrou-se na preparação para a condução de pesquisas e, da mesma maneira, o pedagógico continuou a ser negligenciado, como se as atividades realizadas com os graduandos não se configurassem como produção de conhecimento. Em segundo lugar, decorrência dessa ênfase na condução de pesquisas, os critérios de avaliação da qualidade docente concentram-se, hoje, na produção acadêmica. Ou seja, ensino e pesquisa passam a ser atividades concorrentes, e como os critérios de avaliação premiam apenas a segunda, uma cultura de desprestígio à docência acaba sendo alimentada no meio acadêmico, comprometendo a almejada indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão (Pimentel, 1993). Como observa Fernandes (1998, p. 95-96), a exigência legal para o ingresso do professor na carreira docente restringe-se à formação no nível de graduação ou pós-graduação na área específica profissional em que o docente vai atuar, conforme a categoria funcional em que se dá seu ingresso. Chegamos, assim, ao terceiro fator, qual seja, a inexistência de amparo legal em âmbito nacional que estimule a formação pedagógica dos professores universitários, situação que, ao mesmo tempo,

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reflete e regulamenta a crença na não necessidade de que esta formação seja oferecida. Vale ressaltar que a ênfase na produção acadêmica – bem como o maior estímulo à pesquisa – não ocorre apenas no Brasil, podendo ser observada no contexto internacional através do trabalho de Benedito, Ferrer e Ferreres (1995), Kennedy (1997), Marcelo García (1999) e Serow (2000), que enfatizam a necessidade de que esta situação, como também a falta de formação para o magistério superior, seja revertida. FORMAÇÃO PEDAGÓGICA DO PROFESSOR UNIVERSITÁRIO: UMA OMISSÃO CONSENTIDA? Embora muitos sejam os autores que buscaram, e buscam, atentar para a necessidade de que a formação pedagógica fosse oferecida aos docentes universitários de modo mais sistemático, tal situação permanece praticamente inalterada até hoje. Já Rui Barbosa, num balanço da educação imperial, criticava a situação em que se encontrava o ensino superior brasileiro, especialmente no Direito. Em seu parecer, de 1882, mencionava que havia necessidade de “uma reforma completa dos métodos e dos mestres” (Ribeiro Júnior, 2001, p. 29). Referências à necessidade de formação em nível de pós-graduação podem ser encontradas em documentos da década de 1930, embora tenha sido somente a partir da década de 1950 que tais programas começaram a ser ofertados de modo mais sistemático, obedecendo a padrões mais rigorosos (Berbel, 1994; Marafon, 2001). Embora o incentivo à pós-graduação solucionasse a carência de mão-de-obra especializada para as universidades – e diferentes setores da sociedade – a docência continuava a ser negligenciada. Como ressalta Berbel (1994, p. 21), a partir da década de 1970, observou-se grande avanço quantitativo nas ações voltadas para a formação de professores universitários. No entanto, este processo também não pode ser considerado satisfatório em termos de formação pedagógica. Segundo Marafon (2001, p. 72), a formação de professores universitários é uma preocupação presente desde o I Plano Nacional de Pós-Graudação (PNG), elaborado em 1974, porém, foi somente o Plano Nacional de Graduação, aprovado em 1999 no XII Fórum Nacional de Pró-Reitores de Graduação das Universidades Brasileiras (FORGRAD), que se expressou a qualidade da formação desejada: “A pós-graduação precisa integrar à sua missão básica de formar o pesquisador a responsabilidade de formação do professor de graduação, integrando, expressamente, questões pedagógicas às que dizem respeito ao rigor dos métodos específicos de produção do saber, em perspectiva epistêmica” . Apesar da discussão em torno da necessidade de formação pedagógica do professor universitário ter se ampliado, percebe-se que ainda restam parcelas da comunidade acadêmica e indivíduos responsáveis pelas políticas educacionais nacionais que entendem o preparo pedagógico para o exercício da docência como algo supérfluo. É válido mencionar que nossa legislação educacional é omissa em relação à formação pedagógica do professor universitário. O primeiro projeto da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) apresentado por Octávio Elísio à Câmara dos Deputados em Brasília, em 1988, estabelecia, em seu artigo 54, que as condições para o exercício do magistério no ensino superior seriam “regulamentadas nos Estatutos e Regimentos das respectivas instituições de educação de 3º grau” (SAVIANI, 1998, p. 49). Já no primeiro substitutivo, apresentado por Jorge Hage, o texto foi modificado, estabelecendo a preferência de que essa formação se desse em programas de mestrado e doutorado. Ao mesmo tempo em que este projeto circulava pela Câmara, o então senador Darcy Ribeiro apresentou novo projeto integral da LDB em que propunha: Art. 74 – A preparação para o exercício do magistério superior se faz, em nível de pós-graduação, em programas de mestrado e doutorado, acompanhados da respectiva formação didático-pedagógica, inclusive de modo a capacitar o uso das modernas tecnologias do ensino” (SAVIANI, 1998, p. 144). Ficava evidente a preocupação com a formação pedagógica do professor universitário, diferenciando-se das propostas anteriores, chegando à minúcia de detalhar a necessidade

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de capacitação para o uso de modernas tecnologias de ensino. O parágrafo único assegurava o direito ao exercício do magistério a pessoas de “notório saber”.Embora defendesse a necessidade de preparação pedagógica para os futuros professores, sua proposta descartava a necessidade de que esta formação fosse complementada por atividades práticas: Art. 73 – a formação docente, exceto para o ensino superior, inclui prática de ensino de, no mínimo, trezentas horas (SAVIANI, 1998, p. 144, grifos nossos). A explicitação de todo o processo de consolidação da LDB mereceria um estudo aprofundando, o que não nos é possível, dada a necessidade de delimitação. Cabe- nos, entretanto, mencionar que uma das críticas dirigidas aos diversos projetos e substitutivos da LDB ressaltava que, para uma legislação de sua abrangência, o texto continha muitos detalhes, alguns dos quais irrelevantes, e que poderiam ser omitidos, deixando para as instâncias competentes a sua regulamentação. Assim, num processo de “enxugamento” – além das possíveis pressões feitas por diversos setores da sociedade – entre os cortes de “detalhes desnecessários”, omitiu-se do texto final da LDB a necessidade de formação pedagógica do professor universitário: Art. 66 – “A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado”. Como observam Pimenta e Anastasiou (2002, p 40), a Lei não concebe o processo de formação para a docência no ensino superior como tal, mas apenas como preparação para o exercício do magistério, preparação esta que – resumida à titulação acadêmica ou notório saber – reflete, e termina por sedimentar, a “antiga” crença de que para ser professor basta o conhecimento aprofundado de determinado conteúdo, desconsiderando pesquisas nacionais e internacionais sobre a importância da formação para a docência na educação superior (p. 154). Sem amparo legal, a formação pedagógica dos professores universitários fica, pois, a cargo dos regimentos de cada instituição responsável pelo oferecimento de programas de pós-graduação. ARGUMENTOS PELA FORMAÇÃO PEDAGÓGICA DO DOCENTE UNIV ERSITÁRIO Acreditamos que se nos propomos a defender a importância da formação pedagógica dos professores universitários, torna-se necessário apresentarmos argumentos que justifiquem nosso posicionamento. Marcelo García (1999), a partir do resultado de diversas investigações, conclui que a correlação entre a produção científica dos professores e a avaliação que seus alunos fazem deles tem sido muito baixa, sendo a relação entre produtividade científica e eficácia docente escassa, ou essencialmente independente uma da outra. A esse respeito, Pimenta e Anastasiou (2002) observam que os elementos-chave do processo de pesquisa não são os mesmos do ensino. Considerando tais diferenças, concluem que ser um renomado pesquisador não é garantia de excelência pedagógica, pois, quando nos programas de pós-graduação, os estudantes sistematizam e desenvolvem habilidades próprias ao método de pesquisa, deixando de lado o desenvolvimento das características necessárias para o ensino. Merece destaque, também, o fato de que os doutorados acadêmicos são produzidos em universidades, mas, como observa Kennedy (1997), grande parte dos professores nelas titulados irá lecionar em instituições diferentes daquelas onde foram formados, muitas vezes se dedicando somente ao ensino. Tal discrepância torna-se mais preocupante se tomarmos por base as recentes políticas de expansão e flexibilização do sistema de ensino superior, com a conseqüente ampliação da diferenciação entre instituições dedicadas ao ensino ou à pesquisa. O sistema educacional tem vivido um processo de democratização do acesso ao ensino superior, proporcionando maior heterogeneidade do corpo discente, o que leva os professores à necessidade de saber lidar com uma diversidade cultural antes não tão acentuada e com turmas cada vez mais numerosas, pois a baixa correlação aluno/professor, antes indicador de qualidade, hoje representa “ineficiência do sistema”. O ensino superior, por muito tempo considerado ponto terminal da escolarização, tem hoje

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outras funções e, dependendo da perspectiva adotada, configura-se apenas como o primeiro passo de um processo de “lifelong learning”. A educação superior é afetada, também, por mudanças mais amplas, ocorridas no mundo contemporâneo e nas diversas ciências, inclusive na Educação (Goergen, 2000; Moraes, 1997), e que levam à necessidade de se repensar a formação oferecida aos graduandos. Os aspectos até aqui mencionados – entre outros – alteram profundamente o perfil necessário ao professor universitário e chamam a atenção para a necessidade de que esteja preparado para este novo contexto, e, primordialmente, consciente dos processos nos quais se acha envolvido. Em outra perspectiva, as tarefas dos professores não se restringem a ensino e pesquisa, englobando uma série de outras atividades, tampouco contempladas em sua formação (Kennedy, 1997). É possível concluir, pois, que as características necessárias aos professores universitários extrapolam – e muito – os limites do conhecimento aprofundado da matéria e a aquisição de habilidades necessárias à pesquisa, levando-nos a argumentar em favor da formação pedagógica do professor universitário. Com a devida cautela, podemos até sugerir que, em permanecendo o processo de mudanças na educação superior na mesma intensidade com que vem se apresentando nas últimas décadas, a formação pedagógica dos professores universitários poderá, muito brevemente, constituir-se como critério obrigatório para o ingresso no magistério superior, seguindo-se ao que ocorreu historicamente com a formação dos professores para o ensino fundamental e médio (Marcelo García, 1999). A esse respeito merece ser lembrada a exigência da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) de que seus bolsistas realizem ao menos um semestre de prática docente, sob supervisão de seus orientadores, durante a pós-graduação. ORIENTAÇÕES TEÓRICAS À FORMAÇÃO PEDAGÓGICA DE PROFE SSORES UNIVERSITÁRIOS Quando pensamos em fornecer ao professor universitário uma formação específica para o exercício da docência, precisamos ter em mente que este processo não pode se realizar de qualquer maneira, sob o risco de perder de vista seus objetivos ou de constituir-se em um “apêndice”, desvinculado das demais atividades realizadas na pósgraduação. Assim, sem a intenção de oferecer modelos, julgamos importante apresentar algumas orientações, decorrentes da análise da literatura da área, que possam contribuir para a realização de programas dessa natureza. Apesar de algumas divergências, os autores estudados, de modo geral, buscam enfatizar a necessidade de que a formação de professores seja entendida como um processo contínuo, na medida do possível particularizado e pautados por dois elementos centrais: pensamento e ação. Por um processo contínuo, compreende-se que a formação dos professores não se encerra na sua preparação inicial, oferecida predominantemente nos cursos de pós-graduação, porém começa antes mesmo do início de sua carreira, já nos bancos escolares – quando, ainda como aluno, toma contato com seus primeiros exemplos de conduta docente –, estendendo-se ao longo de toda sua carreira, num processo de constante aperfeiçoamento (Marcelo García, 1999; Benedito, Ferrer e Ferreres, 1995; Pimenta e Anastasiou, 2002). Por um processo particularizado, entende-se a importância de que os programas sejam organizados buscando atender às diferentes necessidades expressas por cada professor (dimensão individual), por um grupo de professores (dimensão grupal), ou por toda uma instituição (dimensão institucional). Diz respeito, também, ao entendimento de que o processo de formação dos professores, assim como sua prática, estão diretamente atrelados à trajetória formativa de cada professor e a sua construção subjetiva como profissional docente (Benedito, Ferrer e Ferreres, 1995; Marcelo García, 1999). Pensamento e ação relacionam-se à abordagem reflexiva (Gimeno Sacristán e Pérez Gómez, 1998; Pimenta e Anastasiou, 2002), que se destaca como a orientação conceitual predominante na maioria dos programas de formação de professores propostos na atualidade e que busca, entre outros aspectos, a superação da visão da formação de

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professores como uma atividade meramente técnica. A partir destes elementos, enfatiza-se que a formação pedagógica do professor deve ser compreendida a partir da concepção de práxis educativa, concebendo o ensino como uma atividade complexa que demanda dos professores uma formação que supere o desenvolvimento de habilidades técnicas, ou o conhecimento aprofundado de um conteúdo específico. Dessa maneira, a formação pedagógica não se limita ao desenvolvimento dos aspectos práticos (didáticos ou metodológicos) do fazer docente, porém, engloba dimensões relativas a questões éticas, afetivas e político-sociais envolvidas na docência. REFLEXÕES DE UMA EXPERIÊNCIA: O PECD O PECD foi um programa institucional, implantado em 1993 na Unicamp, voltado à formação pedagógica de seus doutorandos, preferencialmente aqueles sem experiência anterior de docência. Era de caráter voluntário e tinha a duração de um semestre, podendo excepcionalmente ser prorrogado por mais um. Os aprovados em processo seletivo tinham direito a bolsa. O número de participantes era limitado (máximo de 5 estagiários por unidade), num total de 60 estagiários por semestre. Ao longo de sua duração, 607 doutorandos participaram do PECD em suas 15 turmas. O Programa refletia as concepções de universidade, pós-graduação e graduação de seus organizadores e, conseqüentemente, do papel que estas instâncias têm a desempenhar, inclusive no sentido de promoção da integração entre os diversos elementos que compõem a estrutura e o fazer universitário. A análise do Programa e seus resultados, temática de tese de doutorado, foi elaborada a partir de três fontes principais (levantamento documental, participação direta do pesquisador no programa e entrevistas com membros da Comissão Supervisora do PECD, (ex-) orientadores e (ex-)estagiários do PECD), sendo os dados foram analisados segundo as técnicas da Análise de Conteúdo (Bardin, 1977), seguindo os procedimentos propostos por Bogdan e Biklen (1994) e Lüdke e André (1986). O PECD era organizado, conduzido e monitorado por uma Comissão Supervisora, composta por professores-doutores de diferentes institutos da Unicamp, e cujo trabalho foi sempre considerado de extrema relevância pelos estagiários. Na literatura da área não se encontram referências a este tipo de organização em programas de formação de professores universitários, tendo em vista, entre outros fatores, que estes tendem a ser descentralizados e realizados isoladamente em cada departamento. Os estagiários eram incentivados a assumir a docência plena de uma disciplina regular de graduação, relacionada a sua área de especialização, e responsabilizar-se por sua condução integral, sendo suas atividades supervisionadas por um orientador, a quem cabia, de maneira geral, auxiliar nos diversos momentos da condução da disciplina (do planejamento à avaliação), oferecendo ao estagiário o devido suporte tanto nos aspectos relativos ao conteúdo da disciplina como na condução da mesma. O engajamento na docência plena foi, segundo os estagiários, um dos pontos mais importantes do Programa. Em sua opinião, programas que não envolvem a docência poderiam oferecer ao pós-graduando uma formação que o “alertasse” para alguns pontos relativos à educação superior, no entanto, sua contribuição seria limitada. Os resultados da análise mostraram que somente a participação integral na organização e execução da disciplina poderia oferecer a dimensão do processo educacional em sua totalidade. Assim, era importante que o estagiário assumisse, na medida do possível, a carga horária total da disciplina e participasse de todos os seus momentos de decisão, desde o planejamento até a avaliação final: “O aproveitamento do estágio é maior quando aumenta a carga didática assumida pelo doutorando. A participação mais intensa nas atividades de avaliação é importante para o aprendizado por parte do estagiário.” (orientador). Alguns estagiários e orientadores expressavam preocupação quanto ao fato de o aluno de graduação ter sua formação prejudicada devido à inexperiência docente do estagiário. No entanto, as avaliações realizadas no decorrer das aulas, bem como as avaliações promovidas pela própria unidade ao final de cada semestre letivo, mostraram que o aluno

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de graduação não se sentia prejudicado, sendo os estagiários bastante elogiados. Dentre os pontos positivos de seu trabalho destacavam-se: 1) experiência profissional; 2) domínio de conteúdo das disciplinas; 3) dedicação à docência; 4) contribuições ao curso (planejamento, material didático, referências atualizadas, entre outros) e 5) relacionamento com os alunos de graduação. No PECD eram também realizados workshops – encontros mensais com todos seus participantes e conduzidos pela Comissão Supervisora – para discussão de temas pedagógicos e reflexão sobre a prática realizada. Além de esclarecimentos e troca de idéias e experiências, eram abordados temas como planejamento, avaliação, perfil do aluno universitário e (auto)-avaliação do trabalho docente, entre outros. De acordo com os estagiários, os encontros eram muito produtivos, destacando-se a relevância dos tópicos abordados para o trabalho em sala de aula e para o esclarecimento de dúvidas sobre o processo educativo: “A participação nestas atividades contribuiu imensamente para a qualidade das atividades didáticas que desempenhei. [...] foram particularmente importantes as discussões sobre o relacionamento com a comunidade heterogênea de alunos e as questões relacionadas à dinâmica das aulas. As opiniões dos membros da Comissão, associadas aos relatos de experiências e dificuldades semelhantes às minhas por parte de colegas estagiários, permitiram que eu buscasse soluções mais gerais para os problemas de dinâmica de aula, e o efeito foi sentido através de um maior interesse e participação dos diversos grupos de alunos.” Poucas foram as críticas aos temas dos encontros, e, na maioria das vezes, estas diziam respeito à necessidade de ampliação dos tópicos estudados, em especial dos relativos à prática em sala de aula (avaliação, técnicas de ensino, relação professor/aluno, motivação, etc.). Houve, ainda, sugestões para introdução de atividades anteriores ao início do semestre letivo, a fim de preparar o estagiário para seu primeirodia de aula. O PECD inovou ao propor uma organização interdisciplinar, integrando estagiários e professores das diversas unidades da universidade em um só programa. Este aspecto foi considerado de extrema relevância por possibilitar a superação do modo cindido em que a prática acadêmica, tanto de docência quanto de pesquisa, geralmente ocorre nas universidades. Tendo mostrado resultados bastante positivos, a experiência interdisciplinar do PECD leva a questionar a centralização dos programas de formação docente no âmbito de um mesmo curso/departamento, como sugerido por Benedito, Ferrer e Ferreres (1995), bem como as perspectivas prioritariamente – quando não exclusivamente – voltadas ao desenvolvimento do conhecimento didático do conteúdo, termo empregado por Marcelo García (1999). Nos semestres finais do PECD, foi instituída a lista de discussões pela internet (e-mail), possibilitando a troca de idéias, experiências e o esclarecimento de dúvidas quase ao mesmo tempo em que surgiam, acrescentando, na opinião dos estagiários, mais dinâmica e mais qualidade à interação. A lista propiciava, também, maior proximidade entre os estagiários, maior acompanhamento de suas atividades e espaço de participação aos que não tivessem oportunidade de se manifestar nas reuniões. Auxiliava, também, os que não tivessem participado dos encontros presenciais a se manterem atualizados sobre as discussões realizadas. No que diz respeito às concepções acerca do processo de formação de professores, o PECD foi gradativamente incorporando características da orientação conceitual prática reflexiva (Gimeno Sacristán e Pérez Gómez, 1998; Pimenta e Anastasiou, 2002), tendo em vista que sua organização pautava-se pela união entre a prática docente realizada pelo estagiário e os momentos de reflexão sobre esta prática. Tal união parece ter se constituído em uma das maiores virtudes do PECD, uma vez que, ao compreender a docência como uma atividade complexa, permeada pela imprevisibilidade e pela heterogeneidade, permitiu ao estagiário superar a compreensão do ensino, e da didática, como um conjunto de técnicas ou estratégias a serem aplicadas indistintamente para a transmissão de determinado conteúdo. Observou-se, assim, que a abordagem prática-reflexiva era capaz de propiciar uma formação que correspondesse aos anseios dos professores e, ao mesmo tempo, permitisse uma compreensão mais ampla

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dos aspectos pedagógicos envolvidos no fazer docente. No que diz respeito aos resultados do Programa, especificamente à formação pedagógica dos estagiários, os depoimentos permitem-nos afirmar que o objetivo de promover o aperfeiçoamento para o exercício da docência no ensino superior tenha sido atingido: “É na formação do docente que notamos os maiores benefícios [do PECD], tanto do ponto de vista da experiência docente como na formação de um profissional preocupado com a educação (e nesse aspecto as discussões dos encontros são muito importantes)” (Física). Foi possível concluir que o estágio possibilitou, em primeiro lugar, a aquisição ou o desenvolvimento de habilidades e conhecimentos essenciais a um bom desenvolvimento da prática docente e auxiliou a despertar nos estagiários o comprometimento com a realização de uma docência mais engajada e inovadora, quebrando tabus, preconceitos e idéias pré-concebidas trazidas por alguns ou ainda, confirmando hipóteses, dando respaldo e motivando outros. A partir dos depoimentos, foi possível identificar aprimoramento na concepção de educação e ensino dos estagiários e um novo modo de olhar para o próprio processo de formação de professores. Acreditamos que o PECD tenha conseguido despertar nos estagiários a consciência da importância do trabalho coletivo e a desmitificação dos papéis, e hierarquias, tradicionalmente atribuídos a professores e alunos. Os estagiários enfatizaram a importância do PECD para terem certeza de sua opção profissional, como também para sua posterior contratação como professores universitários. Acreditavam que como elemento do “currículo” e como vivência, a oportunidade proporcionada pelo estágio contribuía para sua aprovação em concursos de contratação de professores. Também o fato de o PECD ter sido voluntário foi considerado positivo por diversos estagiários: alguns ponderaram que se fossem realizar a contratação de um professor, certamente o fato de ter se envolvido em um programa não obrigatório voltado à docência pesaria favoravelmente no momento da seleção. Outros destacaram que a não obrigatoriedade proporcionava maior qualidade ao programa, pois envolvia aqueles realmente interessados na melhoraria da docência. Estagiários, orientadores e membros da Comissão Supervisora foram todos favoráveis à realização de programas da natureza do PECD, não vendo nele uma forma de se evitar a contratação de novos professores ou de aliviar a carga didática dos professores efetivos. Para tanto, salientavam a necessidade de que todos os envolvidos estivessem plenamente conscientes de sua filosofia e engajados em sua realização. Ao longo da análise, foi possível concluir que a qualidade da experiência do estagiário estava fundamentalmente ligada ao (bom) desempenho do orientador, sua familiaridade com a proposta do programa e seu envolvimento com o mesmo: “O sucesso [do PECD] depende do real engajamento do orientador no espírito do programa e de o estagiário assumir efetivamente toda a responsabilidade da disciplina” (orientador). O sucesso do programa estava vinculado, também, à necessidade de o estagiário ser visto/recebido pelos alunos de graduação, demais professores do instituto e sua direção, efetivamente como professor, tendo acesso às mesmas facilidades e detendo as mesmas obrigações, no que diz respeito à atividade de ensino, dos professores efetivos: “o fato do orientador ter me apresentado aos alunos como professor da disciplina (e não como aluno estagiário), facilitou a condução dos trabalhos.” (Química). Poucas foram as manifestações negativas relativas ao PECD e estas diziam respeito, em especial, a problemas isolados, como a avaliação de algumas palestras ou workshops realizados pela Comissão Supervisora ou a dificuldades surgidas no decorrer da prática (problemas na relação orientador-estagiário, dificuldades na condução de alguma disciplina devido ao número excessivo de alunos, alunos, desmotivados, etc.). A impossibilidade de atingir a totalidade dos pós-graduandos da Unicamp foi um dos limites do PECD. Tal limite, entretanto, dadas as características do programa, a maneira como foi estruturado e seus objetivos, foi um dos fatores primordiais para garantir sua qualidade, o que nos leva a indagar sobre maneiras alternativas de se atingir a um número maior de pós-graduandos, assim como nos alerta para as possíveis conseqüências de um projeto em

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que a totalidade dos pós-graduandos de uma instituição tenha que ministrar aulas na graduação. Foram percebidas, também, limitações no que diz respeito à formação pedagógica dos estagiários. A participação no PECD pôde propiciar melhorias significativas nos aspectos relativos à didática, no entanto, questões mais amplas relativas ao ensino superior (sócio-políticas) não apresentaram resultados tão evidentes. Talvez, um programa mais longo permitisse ampliar estas discussões, em decorrência da maior maturidade dos estagiários na solução dos problemas práticos encontrados no cotidiano e da conseqüente alteração no foco central de suas preocupações. As limitações relativas ao tempo talvez tenham sido as mais significativas para o PECD. O estágio tinha duração aproximada de cinco meses, período em que eram realizados em torno de quatro workshops. Além do número considerado insuficiente, o tempo destinado aos encontros também foi considerado curto, limitando a participação mais individualizada e o atendimento a todas as dúvidas levantadas. Foram também relatadas dificuldades em conciliar todas as obrigações do doutorado com as atividades requeridas pelo Programa, pois a atividade docente requeria muita dedicação. No entanto, a participação do PECD não foi percebida como fator prejudicial ao andamento do programa de doutorado, podendo, ao contrário, até contribuir para uma formação mais completa do pós-graduando. Vale ressaltar que a participação no PECD efetivamente não se configurou como fator responsável por atrasos na elaboração da tese, o que pôde ser constatado não apenas pelos depoimentos dos estagiários, mas também, pela comparação do tempo de doutoramento de pós-graduandos participantes e não-participantes do PECD. CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise da literatura da área, o conjunto das aprendizagens possibilitadas pelo PECD, assim como o reconhecimento do bom trabalho desenvolvido pelos estagiários, permitem-nos afirmar que mais que necessários, programas voltados à formação pedagógica do professor universitário são possíveis de serem realizados e capazes de despertar naqueles que o realizam, o comprometimento com as questões educacionais. Porém, esta formação não pode se dar de qualquer maneira, nem se limitar aos aspectos práticos (didáticos ou metodológicos) do fazer docente, devendo englobar dimensões relativas às questões éticas, afetivas e político-sociais envolvidas na docência. Deve, portanto, fundamentar-se numa concepção de práxis educativa e do ensino como uma atividade complexa, que demanda dos professores uma formação que supere o mero desenvolvimento de habilidades técnicas ou, simplesmente, o conhecimento aprofundado de um conteúdo específico de uma área do saber. A experiência do PECD leva-nos, ainda, a concluir que programas voltados à formação pedagógica do professor universitário poderiam ter na pós-graduação um momento oportuno para acontecer, permitindo ao pós-graduando assimilar gradativamente, desde sua formação inicial, o trabalho com as questões pedagógicas e promover a integração entre ensino e pesquisa em suas atividades. Porém, a busca de uma formação integral, ou o mais integral possível, dos futuros professores universitários, promovendo já em nível de pós-graduação a indissociabilidade ensino-pesquisa e a valorização da docência seria um dos passos fundamentais rumo à concretização de um projeto, a longo prazo, de maior qualidade para o ensino de graduação. Porém, nunca o único. Acreditamos que a superação da cultura de negação da necessidade de formação pedagógica para a atuação docente no ensino superior passaria necessariamente por mudanças na concepção dos professores já atuantes em nossas universidades, pois é através do corpo docente atualmente em exercício que as novas gerações de professores são formadas e as políticas educativas elaboradas e concretizadas. Por fim, a análise realizada nos abre a possibilidade de novos questionamentos, entre os quais podemos destacar:

• Tendo em vista a relevância do papel do orientador, de que maneira poderia ser feita sua preparação para assumir o acompanhamento da formação

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pedagógica dos futuros professores? • É possível que a avaliação da qualidade docente do professor universitário

em âmbito nacional possa ser realizada de modo a envolver critérios que não digam respeito apenas a elementos quantitativos de sua produção acadêmica?

• Os programas obrigatórios de preparo para a docência universitária têm conseguido atingir os objetivos a que se propõem?

• Haveria necessidade de alteração no modo como é feita a seleção de novos • docentes?

Esperamos que os resultados do presente trabalho podem dar pistas iniciais para responder a tais indagações, que permanecem em aberto, como convite à continuidade das discussões aqui apresentadas. REFERÊNCIAS BARDIN, L. Análise do conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições Setenta. 1977. BENEDITO, A. V, FERRER, V e FERRERES, V. La Formación universitária a debate. Barcelona: Publicaciones Universitat de Barcelona, 1995. BERBEL, Neusi A. Navas. Metodologia do ensino superior - realidade e significado. Campinas, SP: Papirus, 1994. BOGDAN, R., BIKLEN, S. Investigação Qualitativa em educação – uma introdução à teoria e aos métodos, Porto: Porto Ed, 1994. CUNHA, Maria Isabel da. O bom professor e sua prática. Campinas, SP: Papirus, 1989. ________. O professor universitário na transição de paradigmas. Araraquara: J.M. Editora, 1998. FERNANDES, Cleoni M. Barboza. Formação do professor universitário: tarefa de quem? In: MASETTO, Marcos (org.). Docência na Universidade. Campinas, SP: Papirus, 1998. p. 95-112. GIMENO SACRISTÁN, J. Conciencia e Acción sobre la Práctica como Liberación Profesional de los Profesores. In IMBERNÓN, F. (coord.), La Formación Permanente del Profesorado en los Países de la CEE. Barcelona: ICE/Horsori, 1993, p. 53-92. GIMENO SACRISTÁN, J., PÉREZ GÓMEZ, A. I. Compreender e Transformar o Ensino. 4ª ed. Porto Alegre: ArtMed, 1998. 16 GOERGEN, P. A crise de identidade da universidade moderna. In: SANTOS FILHO, C., MORAES, S. (org.) Escola e universidade na pós modernidade. Campinas: Mercado de Letras; São Paulo: Fapesp, 2000, p. 101-162. KENNEDY, D. Academic Duty. Cambridge, EUA, Londres, Inglaterra: Harvard University Press, 1997. LÜDKE, M., ANDRÉ, M. E. D. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. MARAFON, Maria Rosa Cavalheiro. Articulação Pós-Graduação e Graduação: desafio para a educação superior. 2001. 208 p. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação, Unicamp. MARCELO GARCÍA, C. Formação de Professores: para uma mudança educativa. Porto: Porto Ed, 1999. ______. Pesquisa sobre a formação de professores: o conhecimento sobre aprender a ensinar. Revista Brasileira de Educação. n. 9. São Paulo: Anped, 1998. p. 51-75. MASETTO, M. (org.). Docência na Universidade. Campinas, SP: Papirus, 1998. MORAES, M. C. O Paradigma Educacional Emergente. Campinas, SP: Papirus, 1997. PIMENTA, S.G, ANASTASIOU, L. G. C. Docência no Ensino Superior. São Paulo: Cortez, 2002. PIMENTEL, M. G. O professor em construção. Campinas, SP: Papirus, 1993. RIBEIRO JÚNIOR, João. A Formação Pedagógica do Professor de Direito.

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Parada obrigaParada obrigaParada obrigaParada obrigatóriatóriatóriatória

Para Garcia (2000), o conceito de desenvolvimento profissional sofreu mudanças nas últimas décadas devido aos diferentes processos de aprender e de ensinar. Vale destacar que esse desenvolvimento não é repentino, e sim um processo a longo prazo, englobando as experiências do professor na busca por aquisição de novos conhecimentos e embora alguns fatores como a política e o ambiente de trabalho influenciem nesse desenvolvimento o que mais conta é a disponibilidade para aprender e ensinar, ou seja, é o próprio compromisso pessoal do professor, aliado aos investimentos institucionais.

Campinas-SP: Papirus, 2001. SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação: trajetória, limites e perspectivas. 4ª ed. Campinas-SP: Autores Associados, 1998. SEROW, R. C. Research and teaching at a research university. Higher Education. v. 40. n. 4. Dec. Reino Unido: Klwer Academic Publishers, 2000, p. 449-463. VASCONCELOS, M. L. M. C. Contribuindo para a formação de professores universitários: relatos de experiências. In: MASETTO, M. (org.). Docência na Universidade. Campinas, SP: Papirus, 1998, p. 77-94.

1.2 Sobre o Desenvolvimento da profissionalidade do cente

As análises sobre a profissão docente postulam que a formação caracteriza-

se como um processo contínuo, prolongando-se ao longo da trajetória profissional

do professor e configura-se como etapa inicial do desenvolvimento da

profissionalidade docente. A partir desse entendimento, percebemos ser importante

o desenvolvimento de estudos tendo como centralidade o desenvolvimento

profissional docente, compreendido, conforme refere Imbernón (2000, p.44), “[...]

como o conjunto de fatores que possibilitam ou impedem que o professor progrida

em sua vida profissional”. Nas análises do autor, o desenvolvimento profissional não

se confunde ou se limita à formação, pois essa formação não constitui o único meio

para que esse desenvolvimento ocorra.

Segundo o autor, aceitar a relação unívoca entre formação e desenvolvimento

profissional, restringe a concepção de desenvolvimento profissional docente.

Portanto, entendemos que o desenvolvimento profissional docente refere-se às

aprendizagens dos professores, as suas trajetórias, às oportunidades para melhorar

a prática, à formação (inicial e continuada), entre outros (GARCIA, 1999).

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Saiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba mais

Para saber mais sobre desenvolvimento profissional docente leia o excerto do texto

de Carlos Marcelo: Desenvolvimento profissional docente: passado e fut uro.

sísifo / revista de ciências da educação · n.º 8 · jan/abr 09 issn 1646-4990

Desenvolvimento Profissional Docente: passado e futuro Carlos Marcelo [email protected]

Universidade de Sevilha (Espanha)

DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE: A QUE NOS REFERIMOS?

Neste artigo optamos pelo conceito de desenvolvimento profissional de professores. No nosso contexto podemos fazer referência a outras noções: formação permanente, formação contínua, formação em serviço, desenvolvimento de recursos humanos, aprendizagem ao longo da vida, cursos de reciclagem ou capacitação (Bolam & McMahon, 2004; Terigi, 2007). No entanto, pensamos que a denominação desenvolvimento profissional se adequa melhor à concepção do professor enquanto profissional do ensino. Por outro lado, o conceito “desenvolvimento” tem uma conotação de evolução e continuidade que, em nosso entender, supera a tradicional justaposição entre formação inicial e formação contínua dos professores.

Rudduck referia-se ao desenvolvimento profissional do professor como “a capacidade do professor em manter a curiosidade acerca da sua turma; identificar interesses significativos nos processos de ensino e aprendizagem; valorizar e procurar o diálogo com colegas experientes como apoio na análise de situações” (Rudduck, 1991, p. 129). Deste ponto de vista, o desenvolvimento profissional docente pode ser entendido como uma atitude permanente de indagação, de formulação de questões e procura de soluções.

De seguida apresentamos algumas das mais recentes definições do conceito desenvolvimento profissional de professores, formuladas por autores de relevo:

· “O desenvolvimento profissional dos professores vai para além de uma etapa meramente informativa; implica adaptação à mudança com o fim de modificar as actividades de ensino-aprendizagem, alterar as atitudes dos professores e melhorar os resultados escola-res dos alunos. O desenvolvimento profissional de professores preocupa-se com as neces-sidades individuais, profissionais e organizativas” (Heideman, 1990, p. 4);

“O desenvolvimento profissional de professores constitui-se com uma área ampla ao incluir qualquer actividade ou processo que tenta melhorar destrezas, atitudes, compreensão ou actuação em papéis actuais ou futuros” (Fullan, 1990, p. 3);

· “Define-se como todo aquele processo que melhora o conhecimento, destrezas ou ati-tudes dos professores” (Sparks & Loucks-Horsley, 1990, pp. 234-235);

· “Implica a melhoria da capacidade de controlo sobre as próprias condições de trabalho, uma progressão de status profissional e na carreira docente” (Oldroyd & Hall, 1991, p. 3);

· “O desenvolvimento profissional docente inclui todas as experiências de aprendizagem natural e aquelas que, planificadas e conscientes, tentam, directa ou indirectamente,

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beneficiar os indivíduos, grupos ou escolas e que contribuem para a melhoria da qualidade da educação nas salas de aula. É o processo mediante o qual os professores, sós ou acompanhados, revêem, renovam e desenvolvem o seu compromisso como agentes de mudança, com os propósitos morais do ensino e adquirem e desenvolvem conhecimentos, competências e inteligência emocional, essenciais ao pensamento profissional, à planificação e à prática com as crianças, com os jovens e com os seus colegas, ao longo de cada uma das etapas das suas vidas enquanto docentes” (Day, 1999, p. 4);

· “Oportunidades de trabalho que promovam nos educadores capacidades criativas e re-flexivas, que lhes permitam melhorar as suas práticas” (Bredeson, 2002, p. 663);

· “O desenvolvimento profissional docente é o crescimento profissional que o professor adquire como resultado da sua experiência e da análise sistemática da sua própria prática” (Villegas-Reimers, 2003).

Como podemos verificar, as definições, tanto as mais recentes como as mais antigas, entendem o desenvolvimento profissional docente como um processo, que pode ser individual ou colectivo, mas que se deve contextualizar no local de trabalho do docente — a escola — e que contribui para o desenvolvimento das suas competências profissionais através de experiências de diferente índole, tanto formais como informais.

O conceito de desenvolvimento profissional docente tem vindo a modificar-se na última década, motivado pela evolução da compreensão de como se produzem os processos de aprender a ensinar. Na revisão da investigação que se tem feito em torno do desenvolvimento profissional docente, Villegas-Reimers (2003) mostra que nos últimos tempos se tem vindo a considerar que este é um processo a longo prazo, que integra diferentes tipos de oportunidades e de experiências, planificadas sistematicamente, de forma a promover o crescimento e desenvolvimento profissional dos professores.

1.3 A constituição da identidade profissional do pr ofessor universitário

A identidade profissional docente não é inata, é uma construção social e

histórica, consolidando-se de forma dinâmica. A identidade, portanto, não é estática.

Pelo contrário, modifica-se a partir da re-significação dos saberes, das crenças, da

experiência profissional do professor. Podemos dizer que o professor como sujeito

histórico-social: “[...] assume identidades diferentes em diferentes momentos [...].

Dentro de nós há identidades contraditórias [...]” (HALL, 2006, p. 13).

Em relação ao professor universitário, a exemplo do que ocorre com os

professores dos demais níveis de ensino, a identidade profissional se constrói nas

relações com componentes históricos e culturais que permeiam as histórias

singulares dos professores, resultando na identificação com o conhecimento

profissional, com a cultura docente. No processo de constituição da identidade

devemos considerar as dimensão individual e coletiva, conforme postula Grillo

(2006,p. 79):

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Veja o filme: O espelho tem duas faces O filme tem como personagens centrais dois professores, cada um com seu jeito de ser e de ensinar. Atividade 01 Considerando os estudos desenvolvidos na disciplina, analise os seguintes aspectos: � Os modos de ser dos professores e como foram re-significando suas identidades; �Aspectos demarcadores de mudanças na identidade pessoal e profissional dos professores; � Aspectos que contribuíram para mudanças nas identidades dos professores; � A identificação dos professores com a profissão Atenção : Deposite no fórum os resultados de seu trabalho.

A identidade profissional docente, conforme as

análises empreendidas neste estudo, articula as

características da pessoa e do professor e envolve a

significação e a re-significação, individual e coletiva, do ser

professor de profissão. Significa que devemos analisar a

identidade profissional numa dupla dimensão: individual e

coletiva. A identidade individual refere-se à construção

pessoal do sujeito professor. A identidade coletiva implica

considerar a identidade social do professor, considerando o

seu pertencimento a uma categoria profissional.

Dessa forma, constatamos que as identidades de professores são

produzidas nos processos de vivência da profissão professor, nas experiências

profissionais, nas interações com os alunos e com os pares de profissão e, ainda,

decorre das reflexões tecidas na atuação profissional. A identidade profissional,

portanto, resulta, dentre outras coisas, dos constantes investimentos no

desenvolvimento da profissionalidade e das experiências partilhadas na profissão, a

partir da re-significação dos modos de ser professor.

Saiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba mais

[...] A identidade do professor, conseqüentemente, define-se num equilíbrio

entre as características pessoais e profissionais, do que se conclui que suas

ações traduzem a plenitude de sua pessoa, da mesma forma que a

compreensão da humanidade do docente ajuda a compreender a prática

profissional.

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Unidade IUnidade IUnidade IUnidade IIIII A didática e o contexto do ensino superior

2.1 Didática: discutindo alguns conceitos

A trajetória da Didática revela as diferentes nuances de sua identidade e as

diversas conceituações delineadas ao longo do tempo. Assim, é apontada como

técnica, área de estudos e disciplina, indicando uma identidade em construção. A

didática pode ser compreendida no âmbito das diferentes tendências pedagógicas,

assumido contornos diferenciados quanto aos vários componentes da pratica

pedagógica. Qual, então, o objeto de estudo da Didática? Segundo Libâneo (1991),

a Didática tem como objeto o processo ensino-aprendizagem. Neste sentido,

focaliza o saber ensinar, discutindo suas exigências e peculiaridades.

Saiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba mais

Leia o texto

LIBÂNEO, José Carlos. A didática e as tendências pedagógicas. Revista Idéias .

São Paulo, 11. 1991: 28-38.

A partir da leitura, produza um quadro comparativo, explicitando: o conceito de

Didática e os diferentes componentes pedagógicos.

ResumoResumoResumoResumo

A formação requerida para o exercício da docência no ensino superior explicita como atributo essencial o domínio dos conteúdos a serem ensinados, ou seja, exige-se do professor o conhecimento aprofundado de determinado conteúdo, em detrimento do conhecimento pedagógico. Em relação à formação pedagógica pouco, ou quase nada, se exige do professor. Neste contexto, a Didática do Ensino Superior emerge como uma disciplina que contempla as peculiaridades do saber ensinar, correspondendo, em muitos casos, a iniciativa de oferecer ao professor a preparação necessária para a vivência do magistério. Desse modo, na perspectiva de analisar as peculiaridades do saber ensinar, focalizamos nesta parte do estudo os seguintes aspectos: Diferentes conceitos de Didática e a importância da disciplina na formação do professor; O ensino na universidade e sua especificidade e Características básicas do professor universitário.

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A leitura do texto recomendado vai mostrar que a Didática assume diferentes

contornos, seja de caráter instrumental, seja de natureza fundamental, conforme

propõe Candau (1991). A Didática Instrumental compreende como:

As reflexões sobre a Didática fazem aflorar a compreensão da

multidimensionalidade do processo ensino-aprendizagem (articulação entre as

dimensões: técnica, política e humana), extrapolando os aspectos técnicos da

disciplina, bem como ampliando seu papel na formação e prática docente. É, pois,

neste âmbito que se insere a Didática Fundamental.

A Didática do Ensino Superior, no entorno dessas reflexões, é concebida

como uma disciplina que propicia ao professor universitário conhecimentos

especializados sobre educação, sobre o ensino e, de modo especial, sobre o

ensinar/aprender, contribuindo com seu desenvolvimento profissional. Por essa

razão, a Didática no Ensino Superior emerge na perspectiva de qualificar a aula

universitária. Seu desenvolvimento, portanto, precisa ocorrer articulando reflexão e

colaboração, visando uma prática pedagógica bem sucedida.

Para Para Para Para PensarPensarPensarPensar

Você Sabia? Didática do Ensino Superior envolve não apenas conteúdos que se

pretendem verdadeiros em função das evidências científicas, mas também

componentes intuitivos e valorativos (GIL, 1997, p. 22).

[...] um conjunto de conhecimentos técnicos sobre o como fazer pedagógico,

conhecimentos estes apresentados na forma universal e, conseqüentemente,

desvinculados de problemas relativos ao sentido e aos fins da educação, dos

conteúdos específicos, assim como do contexto sociocultural concreto em que

foram gerados.

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23232323

Saiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba mais

Acesse:

http://sisifo.fpce.ul.pt/pdfs/Revista%207%20PT%20D.pdf

Para ler o texto

Formação ético-deontológica de professores do ensino superior: Subsídios para um debate

2.2 O ensino universitário e sua especificidade

Ser professor na universidade pressupõe aprendizagens e conhecimentos

pedagógicos, construídos em diferentes contextos e situações, seja na formação

inicial ou continuada, seja nas experiências profissionais. “Um professor não nasce

nem se vincula pela mística do sacerdócio ou pela ideia do artístico, daí que seu

percurso formativo inclua processos de aprendizagem contínua, de caráter formal e

não formal” (PACHECO e FLORES, 1999, p. 45).

A docência na universidade constitui atividade complexa, tem uma

intencionalidade. Por isso, indica a necessidade de que o professor possua sólida

formação, fundada em diferentes conhecimentos, de uma cultura geral e da cultura

específica da profissão. A prática pedagógica deve fundamentar-se, não somente

nos conhecimentos dos conteúdos a serem ensinados, mas deve apoiar-se,

também, nos conhecimentos pedagógicos sobre o ensinar. A formação profissional

dos professores universitários, inclusive a pedagógica, qualifica o exercício da

docência na educação superior (ZABALZA, 2004).

Parada Obrigatória

Veja o filme: Escritores da liberdade

Observe os seguintes aspectos:

� Complexidade do trabalho docente;

� O trabalho docente e as múltiplas exigências postas ao professor;

� As potencialidades da educação na formação para o exercício da cidadania.

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Segundo Lima (2008, p. 4), “[...] o trabalho docente na educação superior na

contemporaneidade apresenta-se como um cenário que tem sua complexidade

ampliada cotidianamente em razão das alterações que se operam, também

cotidianamente, no mundo do trabalho, um contexto de mudanças céleres e de

exigências docentes inesperadas, a exemplo do conhecimento e do domínio das

novas tecnologias de ensinar e aprender, que estão a exigir um novo re-

ordenamento pedagógico no ensino superior, notadamente na prática pedagógica”.

Corroborando as reflexões sobre a complexidade do trabalho na docência

universitária, Enricone (2005) elenca alguns pressupostos sobre a docência neste

nível de ensino que devem ser considerados tanto pelos professores, quanto no

contexto educacional mais amplo, a saber:

• Conhecimento do contexto histórico, o que implica na a compreensão

acerca do panorama sociopolítico, econômico e administrativo relativo aos

sistemas educacionais;

• Atuação relacionada às funções da universidade, relaciona-se a produção

e difusão do conhecimento, promoção da cultura nos aspectos pessoal e

profissional, bem como para a cidadania;

• Reconhecimento dos valores formativos da educação universitária, como a

necessidade de desenvolvimento profissional para a implementação de

competências transversais enquanto mecanismos reforçadores da

formação geral, seja no campo pessoal, seja no campo profissional,

atendendo as exigências formativas postas pelo mundo do trabalho.

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Unidade IUnidade IUnidade IUnidade IIIIIIIII

Conhecimentos e habilidades pedagógicasConhecimentos e habilidades pedagógicasConhecimentos e habilidades pedagógicasConhecimentos e habilidades pedagógicas

3.1 O professor universitário e o conhecimento peda gógico

O que o professor universitário precisa saber para ensinar? Que

conhecimentos são necessários na prática pedagógica do professor universitário? O

ensino tem como um dos suportes os vários conhecimentos/saberes provenientes

da formação dos professores, aliados aos saberes da experiência pessoal e

profissional. Assim, o processo de formação inicial do professor deve fundamentar-

se nas diferentes teorias relativas ao ensinar e ao aprender, mas, sobretudo, deve

oportunizar o conhecimento e, também, a vivência de situações concretas de sala de

aula, provendo a integração da teoria com a prática.

Neste cenário destacamos os componentes formativos que inserem professor

na realidade concreta da universidade, da sala de aula e do exercício da profissão

docente e de suas peculiaridades, favorecendo a reflexão na e sobre a própria

prática de modo a explicitar as peculiaridades do trabalho docente.

ResumoResumoResumoResumo

Na sociedade contemporânea a escola e os professores são desafiados constantemente, haja vista a celeridade do conhecimento e a complexidade do ensinar. Diante disso, compreendemos que a formação do professor deve assegurar uma base de conhecimentos teórico-prático como subsidio de sua ação profissional, de modo que possa dar conta das exigências do processo ensino-aprendizagem. Comporta reconhecer que ser professor requer uma gama de conhecimentos, de competências e de habilidades especializadas em virtude das peculiaridades do trabalho docente. Essa base de conhecimentos, de competências e de habilidades é de fundamental importância, tanto para o desempenho prático do professor, quanto para seu desenvolvimento profissional, uma vez que com uma formação qualificada o profissional docente parte para uma sala de aula apto a desenvolver uma ação que contribua para a aprendizagem de seus alunos e para responder desafios e questionamentos na interação com os alunos. Deste modo, nesta unidade, analisamos os conhecimentos e habilidades pedagógicas necessários na prática pedagógica do professor universitário.

Revisando

Sobre os saberes docentes podemos afirmar:

Abarcam os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões), as atitudes docentes, isto é, compreendem o saber, o saber-fazer e o saber-ser.

O saber do professor é marcado e influenciado por outros saberes e conhecimentos diversificados, mediatizado pela experiência e pela prática profissional.

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Ampliando conhecimentos

Acesse o site:

http://www.facape.br/textos/2008_002_A_DOCENCIA_NO_ENSINO_SUPERIOR_UMA_REFLEXAO.pdf

Leia o texto: A DOCÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR: UMA REFLEXÃO SOBRE A RELAÇÃO PEDAGÓGICA, de autoria de: Marilúcia Correia Vasconcelos e Delza Cristina Guedes Amorim. Elabore uma síntese, analisando a importância da formação pedagógica na atividade docente.

Saiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba mais

3.2 O professor universitário e as habilidades de e nsino

Os estudos de Carvalho (1989) acerca da atividade docente apontam

diferentes habilidades de ensino. Essas habilidades referem-se a comportamentos

do professor no cotidiano das práticas de ensinar, na relação com os estudantes.

Neste estudo, focalizamos algumas dessas habilidades de ensino, caracterizando-as

como importantes ferramentas nas atividades de ensino. Neste sentido,

caracterizamos as seguintes habilidades: de introdução, de variação, de

questionamento, de reforço e de ilustrar com exemplos. Vale ressaltar que discutir

as habilidades de ensino não significa enfatizar apenas a dimensão técnica, mas

compreender a necessidade de articular as dimensões técnica, política e humana na

atividade docente.

• Habilidade de Olhar para os Alunos

A aula configura-se como espaço de interação e de diferentes relações.

Assim, é importante que o professor, inclusive o universitário, observe a habilidade

de olhar para o aluno. Essa habilidade nem sempre é valorizada, comprometendo as

relações que se estabelecem na socialização do saber. Lembramos que o professor

deve ter cuidado para não ficar preso ao conteúdo da aula.

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Olhar para o aluno possibilita ao professor o acompanhamento do

desempenho de seus alunos na sala, podendo perceber quem está entendendo,

quem não consegue entender o conteúdo. O olhar do professor pode encorajar a

participação dos estudantes e oferece um feedback na atividade docente.

• Habilidade de Introdução

O trabalho com o conteúdo na sala de aula exige uma organização, uma

abordagem lógica ou psicológica. É importante, então, refletir sobre como introduzir

o estudo dos conteúdos na aula. A habilidade de introdução diz respeito a iniciação

da aula, ao modo como o professor introduz um conteúdo ou uma unidade de ensino

dentro da aula. A forma como o professor introduz o conteúdo ou unidade de ensino,

pode figurar como atributo para chamar a atenção dos estudantes, motivando-os na

relação com o saber.

• Habilidade de Variação

Segundo Carvalho (1989) a habilidade de variação refere-se à capacidade

do professor de variar os estímulos oferecidos aos estudantes no desenvolvimento

da aula, notadamente nos espaços/tempos de relação com o saber. Refere-se,

também, à dinamização das situações de ensino/aprendizagem.

Falar da habilidade de variação implica refletir tanto sobre a pessoa do professor,

quanto nas diferentes possibilidades de incrementar as situações didático-

pedagógicas vivenciadas na sala de aula durante a abordagem dos conteúdos e

unidades de ensino.

• Habilidade de Questionar

A abordagem dos conteúdos demanda ao professor a habilidade de formular

perguntas. Parece fácil? Nas análises de Carvalho (1989), a habilidade de

questionar é complexa, pois muitas vezes os professores fazem perguntas sem

sentido, sem aprofundar o desenvolvimento intelectual dos estudantes. As perguntas

da aula devem ser planejadas para promover o desenvolvimento do pensamento

crítico e do raciocínio.

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• Habilidade de Reforço

No decorrer da aula o professor objetiva que a aprendizagem ocorra de

forma interessante e significativa. Para tanto, é necessário pensar nas habilidades

de reforçar como mecanismos de mobilização dos estudantes na escola e,

particularmente, nas aulas. Você já deve ter ouvido falar em reforço positivo e

negativo. De fato, essas modalidades de reforço estão presentes no cotidiano das

práticas pedagógicas e podem ter diferentes repercussões.

• Habilidade de Ilustrar com Exemplos

Na transposição didática a habilidade de ilustrar com exemplos é essencial

para contextualizar o conteúdo trabalhado e para se despertar o interesse do

estudante e produzir uma aprendizagem mais eficiente. Essa habilidade, de acordo

com Carvalho (1989), relaciona-se a habilidade de fazer perguntas, pois tanto uma

Ampliando conhecimentos

Pesquise sobre as habilidades de ensino, discutindo os seguintes

aspectos:

- Importância das habilidades de ensino na prática pedagógica do

professor universitário;

- Peculiaridades dos reforços positivos e negativos;

- Caracterização da habilidade de questionar para que ocorra o

desenvolvimento crítico e intelectual do estudante;

- Importância da habilidade variação na dinâmica da sala de aula;

Bom trabalho

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habilidade, quanto a outra podem explicitar a relação de estudante com o saber,

revelando se entenderam o que foi explorado na aula.

Saiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba mais

Leia sobre o tema em: CARVALHO, Anna Maria Pessoa de. Prática de Ensino : os

Estagiários na Formação do Professor. São Paulo: Pioneira, 1989. p. 49–60).

3.3 O professor universitário: requisitos básicos

Gil (1997) ao discorrer a respeito da formação do professor universitário

reconhece que este necessita de uma formação pedagógica, embora não seja fácil

assegurar essa formação, pois não há tradição em investimentos nesta modalidade

de formação e os professores, muitas vezes, recusam-se a participar de eventos

formativos neste entorno em face do não reconhecimento da importância dos

conhecimentos pedagógicos. Em seu estudo destaca seguintes requisitos como

basilares na prática pedagógica do professor universitário: legais, pessoais e

técnicos.

• Requisitos legais: referem-se aos critérios estabelecidos pela legislação

nacional para exercício da docência na universidade;

• Requisitos pessoais: trata de características físicas e fisiológicas,

psicotemperamentais e intelectuais.

• Requisitos técnicos: diz respeito aos conhecimentos, competências e

habilidades inerentes ao ser professor universitário. Corresponde a: cultura

geral, conhecimentos e habilidades pedagógicas.

Saiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba mais

Leitura básica

Para a excelência pedagógica do ensino superior Manuela Esteves [email protected] Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa

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Resumo: Neste artigo, a pedagogia do ensino superior é contextualizada nos domínios mais gerais das finalidades a atingir, das políticas educativas empreendidas e das exigências sociais que são feitas a este nível da educação. É dada especial atenção ao papel do ensino supe-rior na construção da sociedade do conhecimento. Algumas questões críticas são apresentadas e brevemente discutidas a respeito do ensino centrado no aluno, dado que a autora acredita que esta é a primeira condição (ainda que não a única) para se alcançar a excelência pedagógica no ensino superior. Se se quiser alcançar esse patamar, é necessário um investimento na formação pedagógica formal dos professores universitários. Palavras-chave: Pedagogia do ensino superior, Ensino centrado no aluno, Aprendentes adultos, Formação dos docentes universitários. A pedagogia de excelência que advogamos para o ensino superior será aquela que não se demite de: (i) questionar os fins desse próprio ensino, antes de questionar os meios; (ii) questionar as políticas globais, regionais, nacionais de ensino superior e ciência, antes de questionar o modo como as comunidades de aprendizagem se organizam em cada instituição, em cada curso e em cada unidade curricular; (iii) questionar a sociedade e o que ela espera (e não espera) do ensino superior, antes de avaliar se tal encomenda está a ser satisfeita ou não. Não sustentamos, pois, uma concepção estreita da pedagogia que se satisfizesse em focar os processos de ensino-aprendizagem-formação como se eles se desenvolvessem em vaso fechado. De facto, interrogar a pedagogia do ensino superior exige que se considere este último como um espaço complexo e multidimensional em que incidem e se entrecruzam expectativas e influências de sentido muito diverso, tal como Zabalza (2002. pp. 13-15) sugeriu, ao propor quatro eixos a considerar na análise e na definição de perspectivas de desenvolvimento: o eixo da política universitária; o eixo das matérias curriculares/ciência e tecnologia; o eixo dos professores e do seu mundo profissional; o eixo dos estudantes e do mundo do emprego a que aspiram. ENSINO SUPERIOR PARA A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO É fora de dúvida que, sob os ventos da globalização e na perspectiva da construção de sociedades do conhecimento (da sociedade do conhecimento?), a educação, o ensino e a formação, especialmente a nível superior, têm sido objecto de um interesse sem precedentes por cima das fronteiras nacionais. As três concepções de universidade geralmente admitidas − a Universidade Liberal, a Universidade de Investigação e a Universidade de Serviços − afrontam-se em novos moldes: sem que nenhuma delas domine absolutamente o cenário, procuram-se soluções de compromisso entre perspectivas inspiradas por cada uma delas, fazendo emergir contradições mais visíveis e agudas do que, porventura, em outros momentos do passado.

• Alavanca mais importante para sustentar o desenvolvimento presente e futuro das sociedades

• Sustentáculo de projectos pessoais de sobrevivência e/ou de afirmação • Guardião do património científico e cultural da humanidade • Matéria de negócio − o conhecimento / mercadoria que se vende e se compra e

que, portanto, alguns pensam que deveria ser regulado no âmbito da Organização Mundial do Comércio

• Contribuição essencial para a humanização dos seres humanos São algumas das imagens (e das realidades) de que se vai tecendo a rede em que o ensino superior está presentemente colocado. Diferentes protagonistas darão diferente importância e prioridade a cada um destes traços. Parte dos protagonistas − políticos, representantes de forças económicas, académicos com elevadas responsabilidades pela condução das suas instituições − mesmo quando momentaneamente parecem convergir, cedo se contradizem, e vice-versa. Outra parte dos protagonistas − essencial − os

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estudantes, parece actualmente alheada ou perplexa perante as propostas de formação que lhe são feitas: discutem sobretudo condições materiais de acesso à formação e muito pouco ou nada o perfil científico e pedagógico da formação que lhes é proporcionada. Não admira, pois, que face a um cenário onde os conflitos entre perspectivas abundam, o ensino superior se defina e evolua com dificuldades e hesitações. Ninguém parece muito certo dos alvos a atingir nem dos melhores caminhos para lá chegar. O LUGAR DA PEDAGOGIA DO ENSINO SUPERIOR A investigação focada na pedagogia do ensino superior tardou em desenvolver-se. Goodlad (1995, citado por Zabalza, 2002), ao tentar sintetizar os tipos de estudos que tinham sido mais frequentes até essa data, destacou quatro domínios:

• Estudos históricos, centrados na natureza variável das instituições ao longo do tempo;

• Estudos fenomenológicos sobre o contributo concreto (reprodutor ou modificador) das universidades para a construção das sociedades a que pertencem;

• Estudos com orientação economicista destinados a averiguar a relação custo-benefício do ensino superior, seja para os Estados, seja para os indivíduos;

• Estudos de impacto que visaram averiguar as mudanças de conhecimentos e de atitudes que a experiência universitária proporcionava.

Não deixa de ser curioso verificar que os estudos pedagógicos, centrados nos processos de ensino e de aprendizagem, talvez pela sua raridade, não mereceram ao autor a consagração como domínio de investigação digno de ser mencionado a par dos restantes. De facto, foi só a partir da década de 90 que os estudos sobre a pedagogia do ensino supe-rior se começaram a afirmar pela quantidade e pela crescente qualidade. O interesse pela universidade como “espaço de tomada de decisões formativas”, usando a expressão de Zabalza (2002), é, portanto, muito recente. QUESTIONAR OS CONTEÚDOS DE ENSINO Falar de pedagogia do ensino superior é, para nós, falar de ciência a ensinar e aprender, e de ciência sobre o ensinar e o aprender. Ocupemo-nos então brevemente do primeiro destes traços na convicção de que o primeiro esteio de uma pedagogia universitária é necessariamente o saber disponível para ser ensinado e para ser aprendido. Com excessiva frequência, segundo múltiplos relatórios de avaliação vão pondo em evidência, o saber disponibilizado aos estudantes é sobretudo quando não exclusivamente o saber feito, consagrado, contido nos manuais, bem mais do que o saber a fazer em função de perguntas pertinentes e da procura de respostas válidas por parte de verdadeiras comunidades de aprendizagem constituídas por docentes e estudantes que, em bom rigor, todas as instituições de ensino superior deveriam ser. Contudo, é forçoso reconhecer que a sociedade parece reclamar dois tipos de produtos bem diferenciados: a formação de quadros meramente executivos que actuam de acordo com conhecimentos consagrados (e que inexoravelmente se desactualizarão em prazos cada vez mais curtos) e a formação de quadros criativos, capazes de inventar soluções novas para problemas existentes ou que venham a existir. A massificação do ensino superior que se verificou já num certo número de sociedades fez avultar a primeira destas tendências, ao mesmo tempo que sistemas cada vez mais sofisticados e pressionantes de avaliação vão identificando como centros de excelência, aqueles que respondem à se-gunda das exigências acima mencionadas. Dir-se-á que há lugar, nas sociedades actuais, para os dois tipos de formação e que há que conviver, dentro do

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ensino superior, com o que antigamente se chamaria “ensino médio” a par com um “ensino superior” inspirado nas melhores tradições do antigo ensino universitário. Apesar do xadrez complexo em que actualmente o ensino superior está colocado quanto às finalidades primordiais a atingir, e sem ignorarmos o peso das envolventes externas e das pressões que sobre ele são feitas, pensamos que as instituições de ensino superior não podem capitular e assumir um papel passivo ou meramente reactivo nesta matéria. Devem assumir-se como parte importante e pró-activa da construção do futuro. É nesta perspectiva que situamos também a responsabilidade das instituições pelo aumento da qualidade pedagógica. Urge agir para melhorar os currículos e os processos que docentes e discentes protagonizam visando a aprendizagem e a formação, a partir do interior do sistema e sem esperar que sejam constrangimentos políticos e sociais gerais a determiná-los. No que se refere às questões pedagógicas, o poder político pouco tem passado do discurso (aliás, pouco consequente) sobre elas. Veja-se, a título de exemplo, o exame sobretudo burocrático que o MCTES fez dos processos de registo dos novos cursos de licenciatura e mestrado criados no âmbito do Processo de Bolonha — mais do que o conteúdo científico e pedagógico das propostas, ou das condições existentes para a sua concretização, o que tem interessado é que os formulários estejam preenchidos de acordo com critérios (discutíveis) da Administração Central. Triunfou uma norma implícita e apriorística de que todas as formações iniciais seriam bi-etápicas (licenciatura+mestrado), só se excepcionando casos em que tal imposição causaria alarme social. Por critérios que tememos que tenham sido exclusivamente economicistas. CENTRAR A APRENDIZAGEM/FORMAÇÃO NO ESTUDANTE/FORMANDO Trata-se, a nosso ver, de uma finalidade que está longe de ser nova: numerosos exemplos deste desiderato e da sua concretização podem ser encontrados em diversos momentos e situações mais e menos distantes de nós no tempo. Donde, a reacção de perplexidade de muitas pessoas quando este foi apresentado como o grande desígnio para o presente e o futuro da pedagogia do ensino superior. Consideramos, apesar do que acabamos de dizer, que é importante que tal desígnio tenha sido estabelecido, por três ordens de razões:

• Porque são muito numerosas ainda as situações em que a pedagogia do ensino superior se centra no professor e na matéria;

• Porque o contexto em que tal desígnio hoje se coloca é mais difícil e exigente do que o foi em situações do passado, mesmo quando bem sucedidas;

• Porque este desígnio dá força a todos os que se preocupam em aumentar e melhorar os recursos de que o ensino superior carece e que como sabemos têm vindo a tornar-se cada vez mais escassos.

Relativamente ao segundo destes aspectos, é forçoso ter presente que a massificação do ensino superior, que já ocorreu num certo número de países, fez afluir a este grau de ensino grupos de estudantes crescentemente heterogéneos, quanto às suas origens sócio-económicas e sócio-culturais, quanto aos seus trajectos de vida pessoal e académica e quanto aos seus projectos para o futuro. Por isso, hoje, quando se fala em centrar os processos de ensino-aprendizagem-formação nos estudantes, está-se a falar de um objectivo que só nos termos usados se confunde com o que aconteceu em algumas situa-ções passadas: ainda que nominalmente o mesmo, ele é actualmente mais complexo na sua concretização, mais difícil de alcançar e fonte de contradições que devem ser explicitadas, discutidas e superadas. É fácil reconhecer obstáculos de diversa ordem à consecução deste objectivo, entre os quais destacamos:

• A cultura académica dominante e as concepções dos docentes e dos estudantes sobre o que é ensinar e aprender no ensino superior;

• O trabalho de cada docente com grupos excessivamente numerosos de estudantes.

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Referiremos em seguida, brevemente, um conjunto de questões que consideramos que merecem aprofundamento e investigação para que a centração da aprendizagem nos alunos possa verificar-se efectivamente e significar a pedagogia de excelência a que se aspira — ou seja, para que tal centração no aluno seja realizada numa perspectiva crítica e não omissa quanto às contradições que também podem emergir de um objectivo à primeira vista completamente defensável. 1ª Questão — Como aprendem e se formam os jovens adultos e os adultos? Sendo estes os públicos do ensino superior, convém não generalizar apressadamente a todos certas características que habitualmente se atribuem aos adultos, nomeadamente: · Saberem o que querem da escola; · Terem um background cultural e experiencial relativamente alargado e rico; · Saberem orientar-se na vida e terem um projecto pessoal definido; · Terem domínio total da capacidade de decisão própria; · Terem clareza quanto aos seus interesses profissionais específicos. A heterogeneidade crescente dos estudantes universitários a que acima aludimos também se traduz em graus muito diferenciados de aproximação daqueles aos traços que acabámos de referir. Entwistle (2001, p. 8) referindo-se aos estudos empíricos de Saljo (1979) e de Marton e Saljo (1997) acerca das concepções de aprendizagem sustentadas pelos estudantes, assinala a grande diversidade de concepções que persiste entre eles e que pode ser sintetizada em duas categorias maiores: a dos que entendem a aprendizagem como memorização e reprodução, e a dos que vêem a aprendizagem como transformação do seu conhecimento e experiência em função da informação e das ideias novas que lhes são apresentadas. Em função disso, Entwistle sugere três cenários possíveis de abordagem da aprendizagem e do estudo pelos estudantes que designa como abordagem superficial (reprodução passiva), abordagem aprofundada (transformação activa) e abordagem estratégica (organização reflexiva) do conhecimento. Cenários que, entendidos como sucessivos, demoram tempo a construir ao longo de um percurso académico, mesmo quando os docentes investem na consecução de aprendizagens mais aprofundadas e reflectidas por parte dos seus alunos. Saber como são e como aprendem os jovens adultos e os adultos e saber qual o papel que o ensino (enquanto acção do professor) pode ter nisso constituem, segundo Zabalza (2002, p. 105), os aspectos de maior novidade para a maioria dos docentes do ensino superior. O mesmo autor pensa que a maior parte dos docentes do ensino superior tem adoptado uma postura defensiva, considerando que “ensinar” (a sua tarefa) é somente uma questão de compromisso com o conhecimento científico válido na sua área, e que “aprender” é problema exclusivo do aluno/formando, associado à sua determinação, às suas motivações, capacidades, conhecimentos e competências anteriormente adquiridos. Garrison e Archer (2002, p. 3) insistem em que as situações ideais de aprendizagem no ensino superior serão aquelas em que se verifique que:

• Todos os aprendentes têm uma experiência de vida relevante para a tarefa de aprender com que se defrontam e, por isso, estão capazes de se envolver num empreendimento construtivista do conhecimento;

• O grupo constitui o que se pode chamar uma comunidade colaborativa de aprendizagem;

• Os aprendentes são todos capazes de assumir responsabilidade pela sua própria aprendizagem;

• Os aprendentes têm ou podem adquirir competências de pensamento crítico; • A orientação do controle na situação de aprendizagem é congruente com as

metas educacionais e com as capacidades do aprendente; • A situação de aprendizagem inclui um propósito que dá aos estudantes

motivação substancial para governarem e gerirem a sua aprendizagem — isto é, eles têm incentivos para se auto-determinarem.

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Os autores sublinham que nas situações reais apenas encontraremos graus de aproximação mais ou menos intensos a estes traços caracterizadores das situações tidas por ideais. A perspectiva transaccional do ensino-aprendizagem que Garrison e Archer defendem representa a relação entre os seis traços mencionados, tem como fundamentos o construtivismo e a colaboração, envolve como principais questões a responsabilidade e o controle, e concretiza-se mediante processos de estimulação / emergência do pensamento crítico dos estudantes e da aprendizagem auto-dirigida. Para os autores citados, aprender é, então, um processo de construção de significado a partir da informação em bruto que é disponibilizada e de um conhecimento pessoal a confirmar, o que envolve um processo duplo de: i. Construção de significado pessoal por aquele que aprende; ii. Validação social desse significado. O significado é/deve ser, ao mesmo tempo, pessoal, e socialmente partilhado e validado. Isto para que a simples atribuição pessoal de significado não conduza a crenças, teorias implícitas ou representações erróneas. 2ª Questão — O que passa a significar “ensinar”? É consensual, pelo menos a nível dos discursos, que a simples comunicação de informação não é a tarefa principal dos docentes. Shavelson (1992, pp. 33-34), referindo-se ao papel do professor na sociedade do conhecimento, considera que ele muda de “um distribuidor de informação para o de um orquestrador de tarefas que possibilitem uma construção criteriosa de conhecimento”. Facilitar e sustentar a emergência de capacidades dos estudantes para pensarem criticamente, para serem capazes de se auto-determinarem e continuarem a aprender ao longo da vida têm vindo a ser apontadas como as tarefas centrais da acção docente. A dificuldade (e a controvérsia) estará em como proceder para concretizar tais intenções. São, por vezes, adoptadas perspectivas simples de inovação, de inspiração técnica, que por não atenderem à complexidade global do processo formativo, nem aos contextos de formação e aos constrangimentos que sobre eles impendem, acabam por ficar muito aquém dos resultados pretendidos. Recorrer de modo isolado à introdução de técnicas tidas por inovadoras (o uso de portfolios, por exemplo), ou a novos dispositivos (espaços de formação tutorial, e-learning), se for desligado ou não suficientemente ancorado numa nova visão de conjunto da formação, em concepções claras acerca das metas de aprendizagem dos estudantes e acerca do papel e da influência do professor (estas sim, questões desafiadoras e difíceis) pode não trazer significativas melhorias da qualidade da formação realizada. A congruência entre intenções/actividades/resultados — aspectos que se devem perspectivar em interacção dinâmica — parece mais importante do que a aplicação de uma ou outra técnica específica considerada inovadora. Ora, é exactamente neste último sentido que temos constatado que muitos professores de ensino superior preocupados em melhorar o ensino que proporcionam, se manifestam. Diríamos então que as encomendas de formação feitas nestes termos deveriam ser objecto de uma negociação por parte dos formadores, para que não se continuem a alimentar perspectivas simplistas sobre a profundidade das mudanças que é necessário fazer nem ilusões sobre a facilidade em realizá-las. O que nos conduzirá a interrogar obrigatoriamente os currículos de ensino superior, desde a concepção geral de um curso até às concepções específicas presentes em cada unidade curricular do mesmo, às formas como se concretizam as actividades e como se realiza a avaliação. 3ª Questão — Os currículos: quais as consequências de aprendizagens por competências? Há autores que sustentam que a subordinação das aprendizagens à aquisição e desenvolvimento de competências representa uma perspectiva flagrante de atrelagem da formação superior à esfera económica e às exigências da nova ordem capitalista típica da globalização. Temos para nós que tal consideração pode pecar por excessiva, tudo dependendo da concepção de “competências” que se adopte. Estas tanto podem definir-se como saberes-em-uso exclusivamente úteis para a produção económica, como podem em alternativa, definir-se simultaneamente nas dimensões cultural, humanística e económica

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do uso dos saberes. Nesta última acepção, cremos que não haverá que banir mas antes concretizar percursos académicos orientados para / por competências a manifestar desejavelmente pelos estudantes. Quando Leclercq (2001, pp. 31-32) sugere que se definam como competências de saída dos estudantes de ensino superior, (i) competências específicas disciplinares, (ii) competências desmultiplicadoras ou instrumentais, (iii) competências estratégicas ou metacognitivas e (iv) competências dinâmicas ou motivacionais, julgamos que exemplifica o segundo dos cenários que mencionámos. António Moreira (2005, p. 6) que tem longamente trabalhado sobre questões curriculares sugere “que se conceba o currículo como um território contestado, como um campo de conflitos no qual diferentes grupos e agentes lutam pela oficialização e pelo prestígio dos seus conhecimentos, significados, habilidades, métodos, crenças e valores”. Co-erentemente com esta concepção, Moreira sugere então que o processo curricular no ensino superior envolva tanto a análise das ideias componentes do campo do currículo, como das ideias que disputam espaço e prestígio no âmbito do currículo da área específica de um dado curso.

• Como é que na universidade se tem estabelecido o que considerar como currículo?

• Que formas têm sido consideradas apropriadas para discuti-lo e construi-lo? • Que elemento(s) do currículo — objectivos, conteúdos, métodos, avaliação,

relações sociais — é (são) privilegiado(s) na concepção seleccionada e que efeitos essa ênfase provoca no processo de renovação curricular?

• Que influências (nacionais e internacionais) os princípios e critérios adoptados reflectem e que interesses estão em jogo?

• Como é que as discussões entre especialistas do currículo se têm processado e como é que elas podem vir a ser incorporadas nas decisões sobre os currículos do ensino superior?

São apenas cinco conjuntos de questões, que, a par de outras, Moreira coloca e que aqui respigámos a título de exemplo do debate que nas comunidades académicas já se trava ou se virá a travar no sentido de sustentar propostas pedagógicas mais bem fundamentadas e coerentes. É num cenário de pensamento crítico acerca da pedagogia, que questões como estas ajudam a estimular nas comunidades académicas, que julgamos oportuno situar também a tensão entre contextualização e universalização da formação. O movimento de uma pedagogia por competências parece frequentemente induzir uma contextualização porventura excessiva do currículo: contextualização no presente e nas suas exigências imediatas, impedindo sequer uma visão do futuro próximo; contextualização nas necessidades sociais imediatas; contextualização nas condições actuais das instituições, sem procura de mudança de condições tidas por insuficientes ou deficientes; contextualização face ao ponto de partida dos estudantes, sem colocar a questão de modificar e melhorar esse ponto de partida. Entendida assim, a contextualização pode ser sobretudo indutora de processos pedagógicos pouco ambiciosos e conformistas. Importa, pois, questionar o conceito de “contextualização do currículo” com que se opera, as virtudes que ele pode encerrar mas, também, os riscos e os erros a que pode, até insensivelmente, conduzir. Mais: se há um tempo em que a construção de saberes e competências universalmente válidos é necessária, esse é o tempo de agora e será, segundo cremos, crescentemente, o tempo futuro. Paralelamente, em nome de um outro conceito, o de “flexibilização curricular”, tem-se dado lugar a escolhas cada vez mais importantes por parte dos estudantes sobre quais os conteúdos ou unidades curriculares de que o seu currículo de facto se constitui. Também aí urge discutir se não haverá que salvaguardar, a par de um saudável arbítrio do estudante que lhe permite expandir os seus interesses, um core curriculum que identifica uma dada formação e a distingue de outras, sob risco de algumas formações perderem inteiramente o sentido de especialização e não passarem de um somatório de unidades de crédito avulsas

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e, no limite, sem sentido científico nem formativo. SISTEMATIZAR A FORMAÇÃO PEDAGÓGICA DOS DOCENTES Em Portugal, e naquilo em que a excelência pedagógica do ensino superior depender de uma formação especializada dos docentes, há ainda um longo caminho a percorrer. Desde que se desenvolveram as avaliações do ensino superior, sob a égide da Fundação das Universidades Portuguesas, o insucesso escolar passou a ser melhor identificado e tem-se ouvido um número crescente de vozes que reclamam a atenção, a acção inovadora e o estudo científico para os fenómenos da pedagogia. Surgiram algumas experiências de intervenção pedagógica inovadora e alguns estudos, mas ainda longe de envolverem todo o universo de instituições e de pessoas. A sistematização da formação pedagógica dos docentes que sugerimos, parece-nos um imperativo no que ela deva significar de consagração institucional, dever profissional e generalização da formação à totalidade do corpo docente. Isto dito, estamos em crer que o ponto de partida da formação a desenvolver deveriam ser os problemas com que a aprendizagem e a formação dos estudantes em cada curso ou programa se defrontam e não a criação de acções genéricas de formação inspiradas num paradigma defectológico da formação dos docentes. Em lugar de cursos padronizados para o todo, visando o aumento de conhecimentos educacionais dos docentes, defendemos programas contextualizados de intervenção / formação, visando a resolução de problemas pedagógicos emergentes em cada situação concreta. O desenvolvimento de programas de acção / formação pedagógica, envolvendo docentes de cursos iguais ou afins, de diversas instituições (nacionais e, eventualmente, estrangeiras), o desenvolvimento de projectos institucionais e inter-institucionais de investigação-acção, e a consolidação de pós-graduações no campo da pedagogia do ensino superior poderiam ser estímulos importantes para a construção da excelência pedagógica do ensino superior. Notas 1. Comunicação apresentada no IX Congresso da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação (Funchal, Abril de 2007). Referências bibliográficas Entwistle, N. (2001). Promoting deep learning through teaching and assessment. In R. B. Sousa; E. Sousa; F. Lemos & C. Januário (orgs.), III Simpósio — Pedagogia na Universidade. Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa, pp. 7-24. Garrison, D. R. & Archer, W. (2000). A transactional perspective on teaching and learning. A framework for adult and higher education. Oxford: Pergamon & EARLI. Leclercq, D. (2001). Desafios actuais à pedagogia universitária. In C. Reimão (org.), A formação pedagógica dos professores do ensino superior. Lisboa: Colibri, pp. 29-54. Moreira, A. F. B. (2005). O processo curricular do ensino superior no contexto actual. In I. P. A. Veiga & M. L. P. Naves (orgs.), Currículo e avaliação na educação superior. Araraquara, S.P.: JM Editora, pp. 1-24. Shavelson, R. J. (1992). New roles for teachers and students. In F. K. Oser; A. Dick & J. Patry (eds.), Effective and Responsible Teaching: The New Synthesis. San Francisco: Jossey-Bass. Zabalza, M. A. (2002). La enseñanza universitaria. El escenario y sus protagonistas. Madrid: Nancea. Você encontra o texto no site: http://sisifo.fpce.u l.pt/pdfs/sisifo7D9PT.pdf

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Unidade IUnidade IUnidade IUnidade IVVVV Planejamento de ensino

4.1 Planejamento de ensino: alguns conceitos

O que significa planejar? Há, de fato, necessidade de planejar a atividade docente

na universidade? O planejamento está presente em diferentes situações da vida

cotidiana, bem como tem presença marcante nas rotinas da universidade e do

professor. Podemos, então, afirmar que planejar:

ResumoResumoResumoResumo O trabalho docente em face de sua natureza sistemática e intencional exige uma organização a fim de garantir que a atividade docente alcance os seus objetivos. O planejamento é imprescindível na prática pedagógica, vincula-se a busca de qualidade do ensino e o delineamento de um ensino contextualizado. Entretanto, devemos pensar o planejamento para além da dimensão técnica. Deve ser pensado e efetivado como espaço de análise, de reflexão e de colaboração, voltado para a qualificação e o refinamento do trabalho do professor. Planejar significa, portanto, analisar a atividade docente para repensá-la criticamente, focalizando as exigências e os desafios do fazer docente. Assim, organizamos esta unidade de estudo contemplando o planejamento como espaço de reflexão e de produção do ser professor.

O ato de planejar é sempre processo de reflexão, de tomada de decisão sobre a

ação; processo de previsão de necessidades e racionalização de emprego de

meios (materiais) e recursos (humanos) disponíveis, visando à concretização de

objetivos, em prazos determinados e etapas definidas, a partir dos resultados das

avaliações (PADILHA, 2001, p. 30).

Planejamento Escolar é o planejamento global da escola, envolvendo o processo

de reflexão, de decisões sobre a organização, o funcionamento e a proposta

pedagógica da instituição. "É um processo de racionalização, organização e

coordenação da ação docente, articulando a atividade escolar e a problemática do

contexto social (LIBÂNEO, 1992, p. 221).

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Saiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba mais

Acesse o site para saber mais sobre o planejamento: http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/fundam02.htm 4.2 O Planejamento: superando a racionalidade técni ca

Não resta dúvida: o planejamento é importante e produtivo na prática

pedagógica na universidade, mas, de forma reiterada, é vivenciado como um mero

ritual burocrático. Neste caso, é elaborado apenas para cumprir exigências

institucionais, sem possibilitar análise e reflexão na/sobre a prática pedagógica.

Contribuindo com as reflexões sobre planejamento da ação didática Lima e Ibiapiana

(), propõe o redimensionamento do ato de planejar, indicando o potencial crítico,

participativo e colaborativo no processo de organização do trabalho pedagógico.

Razão por que, inserimos nesta unidade de estudo o texto produzido pelas autoras.

Esperamos uma leitura profícua do texto.

Saiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba mais

O planejamento como atitude

Ivana Maria Lopes de MeIo Ibiapina

Maria da Glória Soares Barbosa Lima

O mais importante neste mundo não é tanto onde estamos,

mas em que direção estamos indo.

Oliver Wendell Holmes

Um plano de ensino, portanto, é a apresentação, sob forma organizada, do

conjunto de decisões tomadas pelo professor em relação à disciplina que se

propõe a lecionar (MASETTO, 1990, p. 16).

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Nos contextos de atuação, em qualquer nível organizacional, somos constantemente

desafiados a tomar decisões. Certamente, dependendo da posição que ocupamos,

exercemos o poder de diferentes formas, nas diversas funções que desenvolvemos, ou seja,

ao planejar, organizar, coordenar, orientar, executar e controlar as atividades que

realizamos. Essas atividades são imprescindíveis, mas é a capacidade de planejar, de

projetar o futuro que, segundo Marx (1977), nos diferencia de outros animais, já que ao

planejar atribuímos às atividades realizadas certa ordem, possibilitando a continuidade entre

as intenções e ações.

Fica, portanto, claro, que o planejamento é inerente à própria atividade humana, muitas

vezes, entretanto, não tomamos decisões fazendo uso de uma reflexão sistemática e crítica

sobre as intenções de ação. Por vezes, realizamos práticas baseando-nos em costumes,

tradições e crenças, incorporados ao conjunto do saber e saber-fazer construído com base

na ideologia do senso comum que, geralmente, são práticas não justificáveis. Ocorre, no

entanto, que os resultados das ações consolidadas por meio dessa prática nem sempre

correspondem às necessidades das pessoas e instituições. Por essa razão, faz-se

necessário elaborar, executar e avaliar constantemente o que fazemos, isto é, planejar as

ações, baseando-nos em procedimentos científicos, e não na causalidade e na

improvisação. Apreendemos a realidade por meio dos conhecimentos espontâneos

adquiridos no convívio social e, principalmente, nos processos formais de educação, espaço

de contato com o conhecimento sistematizado e historicamente construído.

A unidade entre essas formas de conhecer conduz ao processo de desenvolvimento em que

teoria e prática assumem importância substancial na condução de atividades. Nessa

perspectiva, o ato de planejar assume importância substancial, visto que oferece elementos

que sustentam escolhas feitas no dia-a-dia da ação docente, abrir espaços para a

reconstrução dessa ação, implica, pois, compreender que, por meio dele, obtemos

consciência dos limites e das possibilidades, sabendo exatamente o que, como e o porquê

de realizar determinadas ações e não outras, isto é ao planejar fundamentamos a prática em

conceitos e procedimentos científicos, e não na causalidade e na improvisação. Tendo como

parâmetro essas reflexões iniciais, neste texto, discutimos sobre a relevância de uma ação

sistemática, em que a base de sua construção está no assumir o planejamento como atitude

necessária à condução de mudanças que tenham a teoria como orientação de práticas

transformadoras, guiadas pela reflexão e pela crítica sobre saber e o fazer docente.

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Planejar: uma atitude imprescindível

Para conhecer com mais profundidade a evolução dos significados de conceitos

imprescindíveis a nossa atuação profissional, é preciso recorrer a instrumentos mediadores,

a exemplo do presente texto, no sentido de adquirir informações historicamente construídas

que nos levem a problematizar e a estabelecer níveis de compreensão cada vez mais

complexos sobre esses conceitos. Mais precisamente levando-nos à construção de sentidos

com base em uma lógica reflexiva que proporciona a ampliação do nível de consciência

sobre o que, como e por que fazemos determinadas opções ao realizar atividades práticas.

Nessa acepção, entendemos oportuno evocar Saint-Exupéry (1996) autor do clássico

"Pequeno Príncipe", ao conceber que as palavras são fontes de confusão, já que aglutinam

muitos sentidos. A palavra planejamento, por exemplo, comporta várias acepções, podendo

significar, em termos abstratos e formais, coisas bem diferentes. Em termos práticos, no

cotidiano de nossas ações, sempre estamos planejando, o que nos leva a empregar o

significado de planejamento como prática de atuar voluntariamente sob proposições

explícitas para futuro. Essa idéia, preconizada pelo senso comum, torna incompletude do

conceito de planejamento, reduzindo-o no que concerne a sua complexidade.

Nas definições do termo planejar explicitadas nos dicionários de língua portuguesa e na

etimologia desse vocábulo, encontramos essa palavra relacionada com a idéia de fazer

planos, projetar. A noção de planejamento proveniente dessas definições resume-se ao

significado que atribui a essa atividade apenas a função de estabelecer metas e objetivos.

Essa visão está associada à idéia de planejamento como regra ou norma orientadora do

comportamento racional dos indivíduos ou de grupos sociais, tendo em vista atividades

intencionais futuras (CARVALHO 1970).

Planejar pode significar também a verificação do nível atingido no passado, saber como nos

encontramos no presente e para onde queremos ir no futuro (MIRANDA, 2002), ou organizar

adequadamente um conjunto de ações, interdependentes, em busca de um fim

(5cHMrrz,1993), ou ainda preparar bem cada uma das ações, para que elas permitam

alcançar um objetivo preestabelecido (PINTO, 1995); pode também ser expresso

simplesmente como a racionalização da ação (SACRlSTÁN1998).

Planejar e planejamento possuem características distintas, definições e práticas bem

diversificadas e, conseqüentemente, dependendo dos interesses particulares, podem ser

utilizadas de formas diferenciadas. Para Schútz (1993), planejar significa prever

sistematicamente, organicamente, dinamicamente e unificadamente ações futuras, enquanto

planejamento é a intervenção na realidade concreta com a possibilidade de alteração ou de

adaptação dessa realidade. Enfatiza que o planejamento deve ser auto corretivo, pois,

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quando os desvios são detectados, já devem ter sido previstas maneiras de corrigí-Ios.

O planejamento, como tarefa natural do ser humano, é o processo de previsão de ações

futuras, exigindo organização de um conjunto de idéias que antecipam o futuro desejado e a

possibilidade de transformar as idéias em ação É, assim, o processo de intervir na realidade

existente, retirando, incluindo, enfraquecendo ou reforçando

idéias e transformando estruturas (GANDIN; GANDIN,1999).

Na visão de Gandin e Gandin (1999), planejamento é o processo científico de intervenção

na realidade que permite o entendimento da relação existente entre as ações e os

resultados alcançados. Nesse sentido, o planejamento é essencial para a atividade docente,

é ferramenta de transformação da prática pedagógica, auxiliando na organização das

situações, dos convívios, partilhas e colaborações necessários ao desenvolvimento do

trabalho docente.

Para Miranda (2002),devemos conceituar planejamento como atitude, o que envolve a

mudança de postura pessoal, filosófica e política do ato de planejar. Essa compreensão

contribui para transformar a escola e a sociedade em espaços mais flexíveis, abertos à

cultura da diversidade e da mudança. Entretanto, no âmbito educacional, nem sempre o

planejamento foi utilizado com essa finalidade. De acordo com os referenciais que

passaremos a apresentar, percebemos os avanços que o conceito de planejamento passou

no contexto educativo.

Conceitos de planejamento educativo

Em todos os tipos de prática social, o planejamento é utiliza de como forma de dirigir,

racionalizar e guiar ações; economizar recursos e tempo e alcançar resultados de acordo

com fins estabelecidos previamente. Esse raciocínio é também aplicável na educação,

reforçando o entendimento de que os professores não trabalham no vazio. Suas práticas

são organizadas segundo critérios e planos curriculares e sua autonomia é construída nos

espaços de resistência ante as imposições institucionais.

Dessa maneira, segundo Gimeno Sacristán (1998), os professores podem se acomodar aos

marcos politicamente estabelecidos, ou explorar suas fissuras; podem reproduzir culturas

herdadas, bem como trabalhar para transformar as condições histórico-sociais encontradas

nos contextos em que atuam.

No âmbito da educação, o processo de tomada de decisão e

geralmente caracterizado pela concentração e pelo exercício do poder autoritário e

normativo, pela imposição de objetivos e regulamentos e pelo escasso empenho por parte

dos gestores, no que concerne a incentivo à participação dos professores nos

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planejamentos educacionais.

Durante muito tempo, particularmente no meio educacional. vigorou a crença de que a

prática de planejamento era uma tarefa de especialistas, de técnicos. Hoje, no entanto,

parece consensual admitir que os professores sejam possuidores da capacidade de

descobrir e propor caminhos, projetar ações futuras e realizá-Ias com sucesso, isto é, que

possuem a capacidade de extrapolar a realidade organizada, construindo novos caminhos

para transformá-Ia.

Pesquisas recentes têm ressaltado o papel ativo dos docentes na aplicação de idéias e

propostas educacionais (GIMENO SÁCRiSITAN; PEREZ-GÓMEZ, 1998; FERNANDEZ,

1998; GANDIN, 1999; PERRENOUD, 2000; FELDMAN, 2000, entre outros), assim como

têm destacado a importância do planejamento como ferramenta de projeção e organização

da ação docente futura. Nessa perspectiva, na condição de prática social intencional, o

ensino é responsável pela produção de idéias. Essas idéias são transformadas em ações. O

que implica afirmar que o planejamento é uma das ferramentas de transformação das idéias

em ações. A prática de planejar, porém, vai depender do equilíbrio dialético entre o

condicionamento e a iniciativa e vontade dos professores de mudarem a realidade instituída

historicamente para o saber-fazer, de modo que essa prática pode variar de acordo com o

nível de formação adquirido por esses profissionais, a variabilidade de material e

referenciais disponíveis e conforme disponibilidade de tempo para poder desenvolver

projetos e planos e refletir sobre as práticas educativas.

A despeito dessa discussão e desse entendimento, parece ainda coexistir na prática escolar

grande dificuldade em compreender a necessidade dessa dimensionalidade do ato de

planejar. Para Gandin e Gandin (1999),vários motivos contribuem para que o planejamento

tenha, de certa forma, pouca presença nos processos pedagógicos das escolas, havendo,

por vezes, verdadeira resistência por parte dos professores no uso dessa ferramenta, tanto

pela maneira como foi e é utilizado nas escolas, baseando-se em práticas marcadas pela

dimensão técnica, quanto na compreensão limitada de que os especialistas são os únicos

responsáveis pela elaboração de propostas, programas e projetos voltados para a área

educacional.

Planejamentos quando compreendidos dessa forma reduzem a atividade de planejar as

ações de distribuir ou de alocar racionalmente recursos escassos, de acordo com a

definição de prioridades determinadas por necessidades objetivamente identificadas via

diagnósticos. Dessa maneira, planejamento é ação burocrática, formal, é ferramenta de

legitimação da ideologia dominante. Essa visão separa as ações de prever e realizar, como

se pudéssemos desenvolver uma prática e atingir certos resultados de forma precisamente.

A crítica feita, por Gandin e Gandin (1999), ao planejamento realizado segundo esses

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princípios refere-se à valorização da dimensão excessivamente técnica e a restrita

participação dos parceiros no processo de reflexão que antecede o plano de ação

propriamente dito. No Brasil, durante os anos 1960 e 1970, no âmbito escolar em geral,

essa compreensão esteve amparada pelo referencial behaviorista, especificamente pela

abordagem sistêmica que defende o modelo de organização em que a modelagem do

comportamento é conduzida por meio de técnicas específicas.

Com base nessa compreensão, planejamento de ensino define-se como ação de elaborar

planos que contenham objetivos redigidos em termos comportamentais, de fazer previsões

de ações mecânicas e comportamentos externos passíveis de mensuração, de controlar a

eficiência dos recursos e de monitorar comportamentos a ser apresentados no final do

processo de ensino-aprendizagem.

Em resumo, planejar é elaborar planos mecânicos desconsiderando a idéia de que a

realidade é dinâmica. Na concepção de Gandin e Gandin (1999), é justamente esse tipo de

prática que, de certa forma, afastou os professores da atividade de planejar, retirando-lhes a

possibilidade de colaborarem no pensamento e elaboração de programas e projetos

educacionais.

Apoiada nesse conceito, a atividade de planejar restringe-se à seleção e aplicação de

técnicas que possam assegurar a transmissão-recepção dos conteúdos e o controle desse

processo, no sentido de evitar desvios em relação aos resultados pretendidos. Avaliar,

nessa perspectiva, é verificar resultados, é mensurar os objetivos atingidos pelos alunos, é

sinônimo de medida. Esse modelo avaliativo restringe-se a medir erros e acertos e a

classificar sucessos e fracassos dos alunos.

Para Gimeno Sacristán (1998, p. 197), o ato de planejar é muitas vezes confundido com o

de elaborar planos. Nesse sentido, esclarece que "[...] plano indica a confecção de um

apontamento, rascunho, croqui, esboço ou esquema que representa uma idéia, um objeto,

uma ação ou sucessão de ações, uma aspiração ou projeto que serve como guia para

ordenar a atividade de produzi-Io efetivamente", enquanto

que planejamento é anúncio futuro, guia de práticas que só se manifestarão concretamente

no decorrer de uma determinada intervenção. Observando práticas de planejamento de

professores, Gimeno Sacristán e Peréz Gómez (1998) apontam que a maioria das decisões

tomadas pelos professores está baseada nesta visão. Assim, o professor ao planejar não

reflete sobre a intervenção que quer realizar, conseqüentemente, age com base em rotinas

previamente ensaiadas ou copiadas de outros. Por essa razão não são considerados

planejadores, e sim, executores daquilo que lhes é indicado, isto é, desenvolvem um

currículo oficial sem questioná-Io.

Outro conceito que guia os planejamentos de ensino é o de que planejar é "ver, julgar e

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agir", visando à tomada de decisões e à busca de soluções a curto ou em longo prazo. O

planejamento baseado no método do ver-julgar-agir surgiu, no Brasil, nos anos 1940,na

Igreja católica. Nessa perspectiva, planejar envolve a ação de transformar posturas, pontos

de vistas, maneiras de pensar e agir valendo-se de três ações: observar, julgar e agir. A

primeira refere-se à observação dos fatos. Ao observar realidade (ver), levam-se em conta

as pessoas e as relações, centrando-se no ato de ver o contexto social, a escola e a

interação professor-aluno como unidades inseparáveis. Nessa visão não existe uma

verdade abstrata e perene, mas verdades embutidas em contextos dinâmicos.

A segunda relaciona-se com a atitude de julgar. Nesta etapa o

professor recorre ao que foi observado, aos registros obtidos a partir dos acontecimentos,

das dúvidas, preocupações, conquistas e descobertas registradas na prática. Tais registros

são referências para as decisões que serão tomadas na terceira etapa: o agir. Essa

intervenção é respaldada na observação e no julgamento e visa a provocar mudanças

qualitativas nas práticas desses profissionais.

Destacamos também outro conceito de planejamento de ensino, aquele que privilegia a

função gerencial dessa atividade. Nessa direção, planejar significa, segundo Miranda

(2002), indicar possíveis caminhos a ser percorridos pelos professores. Com base nessa

compreensão, existem três tendências que orientam os planejamentos: a participação, a

missão estratégica e o gerenciamento da qualidade total.

Essas tendências possuem como ponto comum a idéia de que, necessariamente, a

participação, a qualidade e a missão representam o foco do planejamento. Na atualidade,

essas idéias são de tal maneira consensuais que não se pode falar em planejamento sem

mencioná-Ias. Entretanto, ao planejarem, os gestores privilegiam ora uma, ora outra dessas

tendências. Assim, é que no planejamento voltado para o gerenciamento da qualidade, a

ênfase é posta na ação de solucionar problemas no sentido de satisfazer o cliente; no

planejamento estratégico é de descobrir os pontos fracos e fortes, selecionando estratégias

que façam as instituições se firmarem no mercado; no planejamento participativo, o

destaque está na construção de projetos políticos e pedagógicos que possam contribuir para

transformar a sociedade, a escola, a sala de aula (GANDIN; GANDIN, 1999).

Para Miranda (2002), planejar de forma participativa requer novas maneiras de

gerenciamento, em que se estabeleçam relações entre a teoria e a prática e sejam criadas

parcerias produtivas que envolvam cooperação entre pares e se reafirme o compromisso

com a instituição. Ações que exigem distribuição de poderes. Nessa perspectiva, inclui-se a

possibilidade das decisões serem tomadas de forma cooperativa e de que se obtenham

respostas para questões tais como: o que e como fazer? Para que servem nossas ações? A

serviço de quem está nosso trabalho? Os processos de planejamento participativo utilizam o

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diagnóstico e a problematização para definir metas e objetivos e para escolher os conteúdos

e as formas de organização e seleção das estratégias mais apropriadas para a promoção da

aprendizagem. Essa forma de planejar é resultante do conceito de planejamento como um

processo contínuo e sistemático de tomada de decisões, previsão e retroalimentação, ou

seja, como ferramenta responsável pela previsão das principais decisões norteadoras de

ações futuras.

Na verdade, o surgimento desse conceito é recente, e somente no final da década de 1980

passou a ser utilizado na prática do planejamento educacional. Com base nessa

perspectiva, Cabral Neta (1997, p. 96) conceitua planejamento de ensino como:

Um processo crítico e participativo que requer uma permanente reflexão sobre as condições

concretas da escola e da clientela com a qual se trabalha a fim de prever decisões

sobre: as metas a serem atingidas (objetivos), o que deve ser

ensinado (conteúdo), como deve ser ensinado (metodologia)

e como avaliar de forma a atender os interesses e necessidades dos atores implicados no

ato de ensinar e aprender.

Esse conceito consegue sintetizar o significado de planejamento de ensino, considerando-o

como um processo, e não como produto, além de levar em consideração que a participação

e a crítica são imprescindíveis para concretização de metas e para mudar a escola.

Entretanto, nas teorias sobre a mudança educacional, constatamos que o atributo da

colaboração surge como elemento primordial para que esse processo conquiste espaço na

construção de um novo modelo para planejar.

Assim, a incorporação do atributo da colaboração, com base nos conceitos propostos por

Vigotski (2001) de Mediação e de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), faz com que o

planejamento passe a ter novo significado, exigindo dos professores a aprendizagem de

novas atitudes, como a capacidade de colaborar com seus pares na construção de modelos

educativos que levem à mudança dos padrões já estruturados, estáticos e resistentes às

ações coletivas. Na verdade, conceber planejamento à luz dessas categorias supõe adotar

nova compreensão, conforme passamos a discutir.

Um novo olhar sobre o planejamento o item colaboração é considerado um dos aspectos

básicos, portanto indispensáveis a planejamentos sólidos, produtivos e voltados à mudança,

pois para planejar colaborativamente, criar e manter relações que incluam interesses

pessoais e sociais comuns entre os parceiros envolvidos, compondo uma densa teia de

conexões interpessoais.

Em Vigotski (2001)encontramos a colaboração como uma espécie de catalisador do

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processo de desenvolvimento e da capacidade de pensar. As interações colaborativas entre

pares contribuem para que os processos de planejamento sejam efetuados de forma mais

interativa e colaborativa, já que fazendo negociações, compartilhando materiais, produtos,

observações e conhecimentos, os professores desenvolvem idéias e possibilidades de

mudanças dos contextos instituídos.

No planejamento colaborativo, a comunicação que se instala entre parceiros permite que as

construções pessoais sejam enriquecidas por meio de contribuições dos demais parceiros,

transformando-se em espaço compartilhado, em instância que certificará melhorias no

processo reflexivo e na construção de saberes e competências, uma vez que todos os

participes são importantes na tomada de decisão, já que cada um traz valores,

competências e habilidades próprias que contribuirão para o funcionamento eficaz do grupo.

Nessa perspectiva, definem-se papéis e responsabilidades, de modo que cada parceiro, ao

saber exatamente qual é o seu papel e qual é a sua responsabilidade, possa contribuir de

forma mais efetiva para a concretização das idéias e para o desenvolvimento de

conhecimentos, habilidades e atitudes e, conseqüentemente, de práticas mais democráticas.

Assim, comporta ressaltar que a abordagem sócio-histórica, tendo como base o princípio da

colaboração, destaca o planejamento como um dos três componentes essenciais ao

desenvolvimento de uma atividade. Planejar, executar e avaliar representam ações bem

definidas para a concretização de determinada meta, em que o motivo da ação

o e o seu objetivo coincidem (LEONTIEV19,78). Podemos, dessa forma, pensar o

planejamento corno base fundamental para a concretização das ações docentes, visto que

os professores, ao realizarem seu trabalho, devem pensar antecipadamente em objetivos,

associando-os aos motivos das ações projetadas.

Para Perreira (2001), as ações planejadas com a finalidade de promover o aprendizado dos

alunos passam por três momentos: o motivador, o de sistematização e o avaliativo. No

primeiro momento, o professor deve fazer previsões de situações que propiciem as

condições impulsionadoras do agir volitivo do aluno, isto é, de um agir consciente e

orientado por determinados fins. O segundo momento inclui a organização das situações

desencadeadoras do processo de

intemalização do aprendizado. O terceiro envolve a previsão de situações que indiquem o

estágio em que cada estudante se encontra no seu processo de organização conceptual. No

final desse estágio o processo deve ser retroalirnentado, a partir da organização e

reorganização de ações que possam transformar a realidade encontrada inicialmente.

Nesse sentido, planejamento educacional é a atitude de gerir o processo de ensino

tomando-se por base a reflexão sistemática sobre as relações e os problemas inerentes ao

processo de aprendizagem. Esse processo concretiza-se,segundo Perreira (2001,p.

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12),pelos seguintes elementos: [...] os sujeitos da atuação, quem realiza a ação, nesse caso,

o aluno; o objeto da atuação, para onde a ação se dirige; o motivo da atuação, a

necessidade que determina e direciona o comportamento, move o sujeito para agir; os

objetivos, a representação prévia dos resultados a alcançar, orientando as ações em direção

às metas e os procedimentos e as operações necessárias para realizar as ações.

Encaminhando essa discussão, Jonnaert e Borght (2002) referem acerca do planejamento

colaborativo, destacando que esse possui três fases, a pré-ativa, a interativa e a pós-ativa.

Na primeira, o professor precisa identificar o objeto de aprendizagem, descrevê-Io,

considerar os tipos de conteúdo a ser trabalhados, formular os objetivos de aprendizagem,

selecionar situações e ferramentas mediadoras da aprendizagem. Na segunda fase, o

professor precisa diagnosticar os conhecimentos prévios dos alunos, conhecer o modelo

mental utilizado na sua formação conceptual e motivá-Ios para a aprendizagem, ou seja,

mediar, regular e avaliar as situações de aprendizagem, adaptando-as às necessidades dos

alunos. A terceira fase envolve momentos de reflexões críticas, no sentido de analisar o que

passou, compreender os resultados e tomar decisões necessárias visando a assegurar a

dialética do processo: pré-ativo, interativo e pós-ativo.

Ressaltamos que os dados coletados e organizados durante as fases pré-ativa e interativa

servem de base para a análise e compreensão dos resultados obtidos, assim como para a

tomada de decisões futuras. Dessa maneira é preciso considerar não só a análise do

processo de aprendizagem, mas também do processo de ensino, isto é, há necessidade de

se avaliar tanto o processo de construção de conhecimento do aluno quanto o do professor.

Inspirando-nos nesse novo sentido de planejar e baseando-nos na proposição de Kemmis

(1987), de que devemos intervir criticamente na realidade, para poder mudá-Ia, propomos

um modelo de planejamento que considere esse processo como uma ação sistemática e

intencionalmente direcionada à mudança educacional, que não pode ser conduzida por

parceiros isolados, e sim em colaboração.

Na consideração desse pressuposto, apresentamos a espiral autoreflexiva de Kemmis

(1987), que inclui: planejamento de uma mudança; ação e observação do processo e das

conseqüências dessa mudança; reflexão sobre esses processos e suas conseqüências, e

replanejamento de ações futuras, bem como organização de ações sucessivas que possam

retroalimentar esse processo, recomendamos a utilização desta espiral nos planejamentos

educacionais (IBIAPINA, 2004). Essas etapas estão ilustradas na FIG. 1.

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Na realidade, esse processo não é, necessariamente, tão organizado como na "[...] espiral

de ciclos autocontidos de planejamento, ação, observação e reflexão". (IBIAPINA20, 04, p.

36). Na verdade, tal processo é fluido, aberto e sensível aos novos aprendizados. O critério

de avaliação do sucesso da ação não se fixa em observar se os participantes seguiram ou

não esses passos fielmente, mas se eles têm um senso definido e autêntico do

desenvolvimento e da evolução de suas práticas, de seu entendimento acerca das próprias

ações e das situações e relações subjacentes ao seu fazer didático.

Os planejamentos realizados com base nessa espiral (FIG. 1) são utilizados como meios de

favorecer mudanças intencionais na realidade.

Os parceiros intervêm no processo com a finalidade de promover mudanças nas estruturas

existentes, propondo modelos alternativos de práticas sociais (IBIAPINA20,04).

A esse respeito, Carr e Kemmis (1986) sugerem que se deve considerar cinco exigências

para a realização de processos de intervenção na realidade educacional:

1. Rejeitar as noções positivistas de racionalidade, de objetividade e de verdade;

2. Levar em consideração o poder interpretativo dos docentes e dos demais

participantes no processo educativo;

3. Encontrar os meios de distinguir as idéias e as interpretações deformadas pela

ideologia, avaliando o desvio em relação às que não o são, questionado-nos acerca

de corno a distorção pode ser superada;

4. Empenhar-se em identificar o que, na ordem social existente, bloqueia a mudança e

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propor interpretações teóricas de situações (theoreticalaccounts), permitindo que os

docentes e qualquer outro participante tomem consciência em relação ao que podem

fazer para ajudar na superação dos bloqueios que impedem a mudança;

5. Assumir uma postura que considere os conhecimentos espontâneos, mas reconheça

que esses são insuficientes para conduzir mudanças; portanto, os processos de

mudança implicam a formação de conhecimentos científicos, o avanço qualitativo do

nível de consciência sobre o que fazemos, além de considerarmos que teoria e

prática são indissociáveis.

Ao planejar, pois, devemos levar em conta que essa atividade pressupõe considerar, entre

outros aspectos, a participação colaborativade todos os envolvidos no processo de ensino;

em priorizar a busca da unidade entre teoria e prática; partir da realidade concreta e do

diagnóstico do que está bloqueando a mudança; direcionar nossas metas a fim de

conseguirmos o objetivo mais amplo da educação: mediar a aprendizagem dos alunos,

contribuindo para uma formação cidadã (IBIAPINA20,04).

Nessa perspectiva, é recomendável retroalimentar constantemente esse processo, visto que

as aprendizagens vão nos tomando cada vez mais capazes de resolver os problemas que

surgem no contexto de atuação. Para tanto, o caminho que propomos é o de assumir o

planejamento das ações docentes como atitude, e não como obrigação.

Ou seja, a compreensão que emerge é que, ao planejar, devemos levar em conta que essa

atitude implica colaboração, o que requer adesão, e não obrigação. Assumir o planejamento

como uma atitude é considerá-Io como a práxis que nos liberta das imposições e dos

hábitos, dos costumes e da sistematização burocrática. Essa atitude nos faz assumir uma

prática transformadora que emancipa e faz romper com os hábitos burocráticos e de

coerção.

Jeito de planejar

Ao tratarmos acerca de planejamento, algumas questões surgem de imediato: o que fazer?

Como fazer? Com que fazer? Para que fazer? Para quem estamos fazendo? A resposta à

primeira indagação apóia-se na seleção de objetivos, conteúdos e atividades de

aprendizagem que explorem conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias à atuação

na vida prática. Para responder à segunda pergunta, devemos pensar sobre como o

aprendiz apreenderá o conhecimento e quais as atividades necessárias para estimular o

grupo a refletir e a reestruturar seus conceitos.

Várias atividades são encontradas em diferentes manuais destinados à orientação de

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educadores, mas a seleção dessas atividades como objeto de conhecimento é uma questão

de opção pessoal. Dessa maneira, precisamos possuir um embasamento teórico-crítico

aliado a algum tempo de prática, a fim de garantir a qualidade que postulamos para o nosso

trabalho.

Nesse processo, entendemos imprescindível buscar respostas para algumas questões,

entre as quais destacamos as seguintes: o que posso fazer para lidar de modo mais

eficiente com cada situação de apreensão de conhecimento? Quais atividades receberão

maior investimento de minha parte? Como decidir o que fazer a cada nova situação? Como

decidir quais os procedimentos e tarefas a ser propostos? Como levar em consideração as

idéias de outros colegas e dos próprios alunos? Outras perguntas poderão surgir a partir

dessas, desencadeando a reflexividade e propiciando condições efetivas para que o

planejamento se torne mais eficaz e eficiente.

Na perspectiva de Ibiapina (2004), ao planejar, devemos dedicar tempo e espaço para

incentivar os alunos à adoção de conduta investigativa, planejando atividades que os levem

a produzir seus próprios conhecimentos, bem como difundi-los. Assim, é importante

selecionar objetivos, conteúdos e procedimentos que favoreçam a produção e a crítica dos

conhecimentos construídos socialmente que, igualmente, viabilizem a utilização de recursos

variados, partindo da compreensão de que o grupo precisa de tempo para construir ou

mesmo apropriar-se desse conhecimento, da mesma forma precisa sentir-se confiante a fim

de realizar determinadas atividades. Vale lembrar que quem apresenta dificuldades de

aprendizagem merece atenção especial.

Diante dessa realidade, é recomendável que o planejamento vislumbre um ritmo que seja

adequado à capacidade do grupo, cabendo ao professor criar esquemas de

acompanhamento, sem dar a impressão de estar vigiando, regulando os passos do alunado.

A propósito, na visão de Ibiapina (2004), o sucesso do planejamento reflete-se no

desenvolvimento dos educandos. Por essa razão, façamos com que esse (cada aluno) seja

o elemento principal do contexto do nosso planejamento.

Implica dizer que não precisamos necessariamente lutar pela perfeição, mas estabelecer um

padrão de qualidade e definir prazos para alcançar os objetivos estabelecidos. Nesse

sentido, fica evidente que trabalhar em colaboração é uma via que tem se mostrado positiva,

notadamente porque essa atitude ajuda a superar obstáculos, a vencer medos e incertezas,

que, a rigor, permeiam o cotidiano docente e discente.

Diante da discussão empreendida, a recomendação é que cada um descubra seu JEITO

próprio de planejar (sem esquecer de socializá-lo), fazendo revisões sistemáticas dos

resultados para apoiar seus novos planejamentos, identificando falhas e atividades

inadequadas, de modo a fazer modificações e alterações antes de fechar o cumprimento

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das metas.

Assumir, pois, o planejamento como uma atitude é considerá-Io como a ciência da práxis, o

objeto da intervenção e de reelaboração dialética da ação, um processo único de

reconstrução da realidade. É realizar um movimento no sentido de nos libertarmos das

imposições e dos hábitos, dos costumes e da sistematização burocrática. Por essa razão,

concluímos, reiterando que consideramos a atitude de planejar colaborativamente como

ação libertadora, pois, a partir do momento que nos responsabilizamos por assumir essa

prática transformadora, estamos nos emancipando, rompendo com hábitos irracionais e

burocráticos de coerção.

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VIGOTSKI, L.S. Pensamento e linguagem. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 200l.

VIGOTSKI,L.S.Aformação social da mente.São Paulo: Martins Fontes, 2000.

QuestõesQuestõesQuestõesQuestões ( ( ( (Socialize suas reflexões no chat))))

Como você avalia o planejamento frente às exigências e demandas necessárias ao ser professor e ao saber ensinar?

• Em sua opinião e, ainda, considerando a discussão empreendida, onde e como os professores aprendem a planejar?

• Como você analisa os componentes que estão na base da organização do trabalho pedagógico?

• De que forma o planejamento pode ser re-significado no cotidiano de trabalho docente?

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4.3 Do planejamento à prática pedagógica

Falar de prática pedagógica requer, inicialmente, uma definição desse termo.

Podemos, então, indagar: O que é prática pedagógica? Como se caracteriza? Para

ampliar as reflexões sobre a temática, recorremos ao pensamento de Machado

(2010, p. 127) por apresentar questionamentos sobre a complexidade de definição

de prática pedagógica:

Definir prática pedagógica tornou-se quase um tormento, pois poucos haviam se dedicado

a tal zelo, uma vez que para muitos, prática não se teoriza, prática se pratica. Colocava-se

a descoberto a filosofia da educação que fundamenta a prática de cada um. Ficava claro

que a divergência nas definições era de cunho filosófico. Os comportamentalistas

(MOREIRA, 2004) entendem a prática pedagógica como a atividade exclusivamente

observável e que gere uma atividade concreta, cujos resultados possam ser registrados,

comprovados. Os cognitivistas entendem a prática pedagógica como a atividade que

desenvolva o raciocínio do educando e que o leve a resolver problemas. Os humanistas

validam todo o processo de ensino-aprendizagem, priorizando as relações humanas. Qual

fundamentação deveria ser prioridade para a prática pedagógica? Arriscaria dizer que todas

são importantes se combinadas. Novak (1984) organiza os níveis de aprendizagem em

cognitivo, afetivo e psicomotor. A filosofia cognitivista vai contribuir para o desenvolvimento

da cognição do estudante, ativando seus modelos mentais para então apresentar novos

significados. A filosofia humanista tem o objetivo de despertar os sentimentos de liberdade

e interação social, considerando a integração da moral e afetividade. A filosofia

comportamentalista dará ênfase às aprendizagens psicomotoras, pois depende de uma

atitude do aluno para conferir se ocorreu a aprendizagem estimulada. Esta atitude é

observada no seu comportamento. Juntas contribuem para a formação do sujeito integrado.

Em verdade o que não se consegue definir com clareza é sobre a natureza dessa atividade.

Esta prática diz respeito à atividade do professor ou à atividade do aluno e sobre a

qualidade desta atividade? Considerando-se que a atividade crítica e criativa do aluno é

fundamental para a ocorrência de aprendizagem significativa, a prática pedagógica precisa

incluir a atividade deste agente, sem a qual não poderá ser entendida como prática

pedagógica (MACHADO, 2010 p. 127)

Site: http://www.redisis.furg.br/edicoes/vol1/art010.PDF

Podemos inferir, a partir da leitura do texto de Machado (2010) que, no

contexto específico do trabalho docente, emergem diferentes e inusitados desafios

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vivenciados pelo professor no cotidiano dessa prática, bem como a natureza

idiossincrática do ensino revelam que o planejamento deve pautar-se na relação

teoria/prática e em um repertório de conhecimentos gerais sobre educação, bem

como em saberes específicos sobre os processos de ensinar e de aprender. O ato

de planejar, portanto, tem como desafio possibilitar ao professor a análise crítica da

realidade escolar e da sala de aula, explicitando suas exigências, sua natureza e

seus meandros.

Reconhecemos, pois, a necessidade de pensar o

planejamento fundado numa racionalidade que valorize o

cotidiano da sala de aula como espaço de produção do

conhecimento e perceba o professor como sujeito crítico e

criativo, com potencial para transformar sua própria prática

diante das exigências que esta lhe faz. Planejar deve ter

como referência a prática pedagógica e suas peculiaridades,

seus desafios e exigências. Isso implica criar espaços,

através do ato de planejar, para a socialização profissional, para a colaboração.

Desse modo, o planejamento estará pautado na reflexão sobre a prática,

respondendo os desafios do fazer pedagógico.

Ratificamos que o exercício da docência requer uma pluralidade de saberes

uma vez que a tarefa de ensinar implica em múltiplas ações em decorrência dos

diferentes objetivos a atingir. O saber planejar insere-se nas exigências da prática

pedagógica por constituir-se ferramenta de organização do trabalho docente. O ato

de planejar, portanto, caracteriza-se por possibilitar o desenvolvimento de ações

situadas, no interior das quais o professor, na medida em que participa de processo

de transmissão/socialização de saberes, é solicitado a resolver problemas, a

organizar e desenvolver as situações de ensino-aprendizagem, bem como é

desafiado produzir criativamente os saberes que consolidam suas práticas na sala

de aula.

Saiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba mais

Para saber mais leia sobre Ser professor, leia:

ENRICONE, Délcia (Org.). Ser professor. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.

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• Você leu sobre planejamento e prática pedagógica. Para ampliar seus

conhecimentos sobre a docência no ensino superior consideramos relevante

analisar as peculiaridades da docência universitária, focalizando a

aprendizagem e a aula no ensino superior. No desenvolvimento de nosso

estudo recorremos a Masetto (2005). O autor discute a docência

universitária, caracterizando a aula universitária na interface com as várias

possibilidades metodológicas que permeia o cotidiano do trabalho docente.

• Sobre a aprendizagem no ensino universitário

Masetto (2005) discorre acerca das características da

aprendizagem no ensino universitário, realçando que essa

aprendizagem objetiva:

- a aquisição e domínio de conhecimentos, visando o

desenvolvimento do pensamento crítico-reflexivo e da autonomia;

- o envolvimento de professores e estudantes em atividades de

pesquisa como forma de mobilizá-los a uma participação ativa e autônoma na

produção do saber;

- a percepção dos estudantes como pessoas, o que implica considerar suas idéias,

cultura, pensamento, linguagem, entre outros.

• Sobre a aula universitária

“[...] a sala de aula é espaço e tempo durante o qual os sujeitos de um processo de

aprendizagem (professor e alunos) se encontram para, juntos, realizarem uma série

de ações (na verdade interações), como estudar, ler, discutir e debater, ouvir o

professor, consultar e trabalhar na biblioteca, redigir trabalhos [...]” (MASETTO,

2005, p. 89).

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Saiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba mais

Leitura básica : MASETTO, M. T. Docência universitária: repensando a aula. In: TEODORO, Antonio; VASCONCELOS, M. L. (Org.). Ensinar e aprender no ensino superior: por uma epistemologia da curiosidade na formação universitária. São Paulo: MacKenzie, 2005).

Questões

Ampliando conhecimentos :

Após a leitura do texto, analise as seguintes questões:

1- Características da aprendizagem na aula universitária;

2- Demandas da aprendizagem significativa na aula universitária;

3- Conceito de sala de aula universitária;

4- Técnicas para trabalhar a aula universitária.

Acesse os sites

http://www.anped.org.br/reunioes/30ra/trabalhos/GT04-3505--Int.pdf

http://www.unirevista.unisinos.br/_pdf/UNIrev_Enricone_e_Chagas.pdf

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MASETTO, M. T. Docência universitária : repensando a aula. In: TEODORO,

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http://www.serprofessoruniversitario.pro.br/ler.php?modulo=12&texto=725

http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v11n32/a05v11n32.pdf

http://www.scielo.br/pdf/cp/n118/16829.pdf

Sobre a autora Sobre a autora Sobre a autora Sobre a autora

Antonia Edna Brito, possui LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA pela Universidade Federal do Piauí (1983), mestrado em Educação pela Universidade Federal do Piauí (1997) e doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2003). Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal do Piauí, ministrando aulas nas áreas de Didática, Prática de Ensino, Alfabetização e Prática de Pesquisa. Tem experiência na área de Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: alfabetização, formação de professores, prática pedagógica e saberes docentes.