dicionário de política norberto bobbio

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  • 1. Este Dicionrio de Poltica destinado ao leitor no-especialista, ao homem culto, aos estudantes de segundo grau e nvel superior, e a todos os que lem revistas e jornais polticos, aos que ouvem conferncias e discursos, aos que participam de comcios ou que assistem a debates na televiso, dirigidos por especialistas ou por polticos profissionais. Oferece uma explicao e uma interpretao simples e possivelmente exaustiva dos principais conceitos que fazem parte do universo do discurso poltico, expondo sua evoluo histrica, analisando sua utilizao atual e fazendo referncia aos conceitos afins ou contrastivamente antitticos, indicando autores e obras a eles diretamente ligados. So mais de 1.300 pginas, agrupadas em dois volumes para facilitar sua consulta, atravs de verbetes, ordenados alfabeticamente e esquematizados de modo a informar, conceituar e debater os principais aspectos de cada problema versado. Seus autores so cientistas polticos de conceito acadmico reconhecido mundialmente e que contaram com a colaborao de uma equipe de especialistas em questes polticas, sociolgicas, histricas, jurdicas e econmicas, oriundos das universidades de Turim, Florena, Bolonha, Pdua, Pavia e Roma. H tambm colaboradores de Bonn, Massachusetts-Amherst e Ohio.
  • 2. DICIONRIO DE POLTICA VOL. 1
  • 3. FUNDAO UNIVERSIDADE DE BRASLIA Reitor Lauro Morhy Vice-Reitor Timothy Martin Mulholland EDITORA UNIVERSIDADE DE BRASLIA Diretor Alexandre Lima CONSELHO EDITORIAL Presidente Emanuel Arajo Alexandre Lima lvaro Tamayo Aryon Dall'Igna Rodrigues Dourimar Nunes de Moura Emanuel Arajo Euridice Carvalho de Sardinha Ferro Lcio Benedito Reno Salomon Mareei Auguste Dardenne Sylvia Ficher Vilma de Mendona Figueiredo Volnei Garrafa
  • 4. VOL. I NORBERTO BOBBIO, NICOLA MATTEUCCI E GIANFRANCO PASQUINO 11 edio Traduo Carmen C. Varriale, Gaetano Lo Mnaco, Joo Ferreira, Lus Guerreiro Pinto Cacais e Renzo Dini Coordenao da traduo Joo Ferreira Reviso geral o Ferreira e Lus Guerreiro Pinto Cacais
  • 5. Direitos exclusivos para esta edio: EDITORA UNIVERSIDADE DE BRASLIA SCS Q.02 Bloco C Ne 78 Ed. OK 2 andar 70300-500 Braslia DF Tel.: (061) 226-6874 ramal 30 Fax: (061) 225-5611 Ttulo original: Dizionario di poltica Copyright 1983 by UTET (Unione Tipogrfico Editrice Torinese) Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicao poder ser armazenada ou reproduzida por qualquer meio sem a autorizao por escrito da Editora. Impresso no Brasil EDITORES CONTROLADORES DE TEXTO Lcio REINER WNIA ARAGO C. RIGUEIRA CLIA LADEIRA MARIA HELENA DE A. MIRANDA THELMA ROSANE P. DE SOUZA WILMA G. ROSAS SALTARELLI REVISORES FTIMA APARECIDA PEREIRA LURDES DO NASCIMENTO FTIMA DE CARVALHO RENATO A. COLOMBO JNIOR MARIA DEL PUY HELINCER REGINA COELI A. MARQUES FTIMA REJANE DE MENESES NDICE SUPERVISO GRFICA ELMANO RODRIGUES PINHEIRO CAPA MARCELO TERRAZA ISBN: OBRA COMPLETA: 85-230-0308-8 VOLUME 1: 85-230-0309-6 Dados de catalogao na publicao (CIP) internacional Cmara Brasileira do Livro - SP/Brasil Bobbio, Norberto, 1909Dicionrio de poltica I Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino; trad. Carmen C, Varriale et ai.; coord. trad. Joo Ferreira; rev. geral Joo Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais. - Braslia : Editora Universidade de Braslia, 1 la ed., 1998. Vol. 1: 674 p. (total: 1.330 p.) Vrios Colaboradores. Obra em 2v. 1. Poltica - Dicionrios 1. Matteucci, Nicola II. Pasquino, Gianfranco III. Ttulo. 91-0636 CDD 320.03 ndice para catlogo sistemtico: 1. Dicionrios: Poltica 320.03 2. Poltica: Dicionrios 320.03
  • 6. ELENCO DE AUTORES A. Maria Conti Odorisio, Universidade de Roma A. Maria Gentili, Universidade de Bolonha Alberto Marradi, Universidade de Bolonha Aldo Agosti, Universidade de Turim Aldo Maffey, Roma Alessandro Cavalli, Universidade de Pavia Alessandro Passerin D'Entreves, Universidade de Turim Alfio Mastropaolo, Universidade de Turim ngelo Panebianco, Universidade de Bolonha Anna Anfossi, Universidade de Turim Anna Oppo, Universidade de Cagliari Arturo C. Jemolo, outrora da Universidade de Roma Arturo Colombo, Universidade de Pavia Bruno Bongiovanni, Universidade de Turim Camillo Brezzi, Universidade de Arezzo Cario Baldi, Universidade de Bolonha Cario Guarnieri, Universidade de Bolonha Cario Leopoldo Ottino, Turim Cario Marletti, Universidade de Turim Carlos Barb, Universidade de Turim Cassio Ortegati, Pavia Cesare Pianciola, Turim Cludio Cesa, Universidade de Sena Cludio Zanghi, Universidade de Messina Cristina Marchiaro Cercho, Turim Danilo Zolo, Universidade de Sassari Domenico Barillaro, outrora da Universidade de Roma Domenico Fisichella, Universidade de Roma Domenico Settembrini, Universidade de Pisa Edda Saccomani Salvador, Universidade de Turim Edoardo Grendi, Universidade de Gnova Emanuele Marotta, Como Emile Poulat, Centro Nacional de Pesquisa Cientfica, Paris Enrica Collotti Pischel, Universidade de Bolonha Ernesto Molinari, Universidade de Bolonha Ettore Rotelli, Universidade'de Bolonha Fbio Roversi-Monaco, Universidade de Bolonha Fabrizio Bencini, Florena Felix E. Oppenheim, Universidade de Massachusetts/ Amherst Francesco Margiotta Broglio, Universidade de Florena Francesco Rossolillo, Universidade de Pavia Franco Garelli, Universidade de Turim Franco Mosconi, Universidade de Pavia Fulvio Attin, Universidade de Catnia Giacomo Sani, Universidade de Columbia, Ohio Giampaolo Zucchini, Universidade de Bolonha Gian Enrico Rusconi, Universidade de Turim Gian Mario Bravo, Universidade de Turim Gianfranco Pasquino, Universidade de Bolonha Gianni Baget Bozzo, Gnova Gianni Vattimo, Universidade de Turim Giorgio Bianchi, Turim Giorgio Freddi, Universidade de Bolonha Giorgio Pastori, Universidade Catlica de Milo Giovanna Zincone, Universidade de Turim Giuliano Martignetti, Turim Giuliano Pontara, Universidade de Estocolmo Giuliano Urbani, Universidade Bocconi de Milo Giuseppe Badeschi, Universidade de Roma Giuseppe De Vergottini, Universidade de Bolonha Giuseppe Ricuperati, Universidade de Turim Gladio Gemma, Universidade de Mdena Glria Regonini, Universidade de Milo Guido Fass, outrora da Universidade de Bolonha Guido Verrucci, Universidade de Salerno Gustavo Gozzi, Universidade de Bolonha Ida Regalia, Universidade de Milo talo de Sandre, Universidade de Pdua Jean Gaudemet, Universidade de Paris (II) Jean-Marie Mayer, Universidade de Sorbonne, Paris Karl D. Bracher, Universidade de Bonn Laura Conti, Milo Leonardo Morlino, Universidade de Florena Liliana Ferrari, Universidade de Trieste Lorenzo Bedeschi, Universidade de Turim Lorenzo Fischer, Universidade de Turim Lisa Foa, Roma Luciano Bonet, Universidade de Turim Lcio Levi, Universidade de Turim Ludovico Incisa, Roma Luigi Bonanate, Universidade de Turim Luigi Salvatorelli, outrora da Universidade de Turim Mabel Olivieri Barb, Universidade de Turim Marco Cammelli, Universidade de Mdena Marino Regini, Universidade de Milo Mrio Stoppino, Universidade de Pavia Massimo Follis, Universidade de Turim Massimo Jasonni, Universidade de Bolonha Marulio Guasco, Universidade de Verona Maurizio Cotta, Universidade de Sena Mauro Ambrosoli, Universidade de Turim Mirella Larizza, Universidade de Turim Nicola Matteucci, Universidade de Bolonha Nicola Tranfaglia, Universidade de Turim Nino Olivetti Rason, Universidade de Pdua Norberto Bobbio, Universidade de Turim Orazio M. Petracca, Universidade de Salerno Paolo Ceri, Universidade de Turim Paolo Colliva, Universidade de Bolonha Paolo Farneti, outrora da Universidade de Turim Paulo Menzozzi, Universidade de Bolonha Pier Paolo Giglioli, Universidade de Milo Pirangelo Schiera, Universidade de Trento Piero Ostellino, Milo Roberto Bonini, Universidade de Bolonha Roberto D'Alimonte, Universidade de Florena Saffo Testoni Binetti, Universidade de Bolonha Sandro.Ortona, Turim Srgio Bova, Universidade de Turim Srgio Pistone, Universidade de Turim Srgio Ricossa, Universidade de Turim Srgio Scamuzzi, Universidade de Turim Silvano Belligni, Universidade de Turim Silvio Ferrari, Universidade de Parma Siro Lombardini, Universidade de Turim Stefano Bartolini, Universidade de Florena Tiziano Bonazzi, Universidade de Bolonha Tiziano Treu, Universidade de Pavia Umberto Gori, Universidade de Florena Valrio Zanone, Roma Vincenzo Cesareo, Universidade Catlica de Milo Vincenzo Lippolis, Universidade de Roma
  • 7. INTRODUO A poltica notoriamente ambgua. A maior parte dos termos usados no discurso poltico tem significados diversos. Esta variedade depende, tanto do fato de muitos termos terem passado por longa srie de mutaes histricas alguns termos fundamentais, tais como "democracia", "aristocracia", "dspota" e "poltica", foram-nos legados por escritores gregos , como da circunstncia de no existir at hoje uma cincia poltica to rigorosa que tenha conseguido determinar e impor, de modo unvoco e universalmente aceito, o significado dos termos habitualmente mais utilizados. A maior parte destes termos derivada da linguagem comum e conserva a fluidez e a incerteza dos confins. Da mesma forma, os termos que adquiriram um significado tcnico atravs da elaborao daqueles que usam a linguagem poltica para fins tericos esto entrando continuamente na linguagem da luta poltica do dia-a-dia, que por sua vez combatida, no o esqueamos, em grande parte com a arma da palavra, e sofrem variaes e transposies de sentido, intencionais e no-intencionais, muitas vezes relevantes. Na linguagem da luta poltica quotidiana, palavras que so tcnicas desde a origem ou desde tempos imemoriais, como "oligarquia", "tirania", "ditadura" e "democracia", so usadas como termos da linguagem comum e por isso de modo nounvoco. Palavras com sentido mais propriamente tcnico, como so todos os "ismos" em que rica a linguagem poltica "socialismo", "comunismo", "facismo", peronismo", "marxismo", "leninismo", stalinismo", etc. , indicam fenmenos histricos to complexos e elaboraes doutrinais to controvertidas que no deixam de ser suscetveis das mais diferentes interpretaes. Pois bem: o escopo deste dicionrio o de oferecer a um leitor no-especialista, ao homem culto e aos estudantes de segundo grau e nvel superior, e a todos os que lem revistas e jornais polticos, aos que ouvem conferncias e discursos, aos que participam de comcios ou que assistem a debates na televiso, dirigidos por especialistas ou por polticos LINGUAGEM profissionais, uma explicao e uma interpretao simples e possivelmente exaustiva dos principais conceitos que fazem parte do universo do discurso poltico, expondo sua evoluo histrica, analisando sua utilizao atual e fazendo referncia aos conceitos afins ou contrastivamente antitticos, indicando autores e obras a eles diretamente ligados. Como o universo da linguagem poltica no um universo fechado e comunica com os universos contguos, como so o da economia, da sociologia e do direito, haver tambm neste dicionrio palavras do vocabulrio econmico, como "capitalismo", ou sociolgico, como "classe", ou jurdico, como "codificao". O leitor no deve procurar aqui, para esses termos, um tratamento completo como o que acharia em dicionrios de economia, de sociologia ou de direito, pela simples razo de haver apenas o intuito de as incluir e de as tratar no que tange aos aspectos polticos mais especficos do conceito. No mais, diferentemente de outras cincias que tm uma tradio mais longa e uma autonomia reconhecida e respeitada, a cincia poltica, apesar de antiga, no alcanou ainda uma autonomia completa. Por esse motivo, tanto os socilogos, como os juristas, os economistas e os historiadores sempre ofereceram a ela importantes contribuies, O leitor no dever surpreender-se, por conseguinte, que para a redao de alguns verbetes deste dicionrio tenham sido convidados, alm de cientistas polticos propriamente ditos, tambm socilogos, juristas, economistas e historiadores. possvel que a diferenciada provenincia dos autores de cada verbete repercuta numa certa desigualdade ou diferenciao de estilo e at de linguagem. Trata-se porm de um inconveniente inevitvel no estado atual do desenvolvimento dos estudos polticos. Nenhum termo da linguagem poltica ideologicamente neutro. Cada um deles pode ser usado como base na orientao poltica do usurio para gerar reaes emocionais, para obter aprovao ou desaprovao de um certo comportamento, para
  • 8. VI INTRODUO provocar, enfim, consenso ou dissenso. Apesar do esforo em se evitar o uso da linguagem prescritiva, a presuno do dever ser, e apesar de se haver preferido a descrio dos diversos significados ideolgicos em que um termo usado imposio de um deles, ou seja, apesar de se ter procurado falar da maneira mais neutral possvel de termos que em si mesmos nunca so neutros, no se pode excluir que os autores dos verbetes, sobretudo daqueles em cujo contedo mais se agitam e mais so agitadas as paixes partidrias, tenham deixado transparecer suas simpatias ou antipatias. A impassibilidade uma virtude difcil. E quando levada at suas extremas conseqncias do desapego ou da indiferena no nem sequer uma virtude. Como todos os dicionrios, tambm este, que teve de enfrentar matria acidentada e de contornos confusos, sem ter o respaldo de uma tradio consolidada de empresas anlogas, no pode deixar de ter suas lacunas. A ausncia de palavras da gria poltica quotidiana intencional. Algumas lacunas so aparentes, uma vez que, para no multiplicar inutilmente o nmero de verbetes, reuniram-se matrias afins dentro de um verbete idntico. Para identific-las, bastar que o leitor use o ndice analtico. Outras lacunas dependem certamente de esquecimento: e ao mesmo tempo que pedimos desculpa disso, desejaramos ter leitores to interessados que tomassem conscincia delas e nos transmitissem suas observaes.
  • 9. Absolutismo. I. O ABSOLUTISMO COMO FORMA ESPECFICA DE ORGANIZAO DO PODER. Surgido talvez no sculo XVIII, mas difundido na primeira metade do sculo XIX, para indicar nos crculos liberais os aspectos negativos do poder monrquico ilimitado e pleno, o termo-conceito Absolutismo espalhou-se desde esse tempo em todas as linguagens tcnicas europias para indicar, sob a aparncia de um fenmeno nico ou pelo menos unitrio, espcies de fatos ou categorias diversas da experincia poltica, ora (e em medida predominante) com explcita ou implcita condenao dos mtodos de Governo autoritrio em defesa dos princpios liberais, ora, e bem ao contrrio (com resultados qualitativa e at quantitativamente eficazes), com ares de demonstrao da inelutabilidade e da convenincia se no da necessidade do sistema monocrtico e centralizado para o bom funcionamento de uma unidade poltica moderna. A fora polmica do termo, presente desde sua apario e nunca abafado pela sua contraditria difuso, acelerou e acentuou por uma parte o sucesso, mas tambm proporcionou vrios equvocos sobre sua essncia, tornando de uma certa maneira problemtica a utilizao dentro de margens rigorosamente suficientes para garantir a cientifcidade requerida pela prpria pesquisa historiogrfica. A primeira generalizao a que inevitavelmente se chegou foi a de identificar o conceito de Absolutismo com o de "poder ilimitado e arbitrrio". Se esta era a provvel origem do significado do termo, tambm evidente que se tratava de uma acepo indubitavelmente til no plano do debate poltico e ideolgico mas inteiramente estril para fins de pesquisa histrico-poltica e constitucional, desde o momento em que nada acrescentava em termos de distino e especificao no seio de um fenmeno genrico em si e meta-histrico como o do poder. Daqui veio a dupla tendncia em ligar estritamente o conceito em questo com uma perspectiva eminentemente tipolgica e estrutural, confundindo-o ou assimilando-o com outro conceito, bem mais definido no plano lgico e dos contedos, que o de "tirano"; ou ento reduzi-lo a sinnimo da mais precisa especificao histrica do Governo arbitrrio que o "despotismo", com seus insubstituveis elementos mgico-sagrados e sua absoluta falta de referncias jurdicas, em sentido ocidental. Em ambos os casos, mas sobretudo no segundo (no qual mesmo no plano lingstico foi onde se criaram os maiores equvocos, com a utilizao, ainda no inteiramente superada, dos dois termos como sinnimos nas principais lnguas europias), houve uma conseqncia posterior: projetar o Absolutismo na dimenso, eminentemente contempornea, do "totalitarismo". evidente que se trata, em todo o caso, de um conceito artificial. Tanto nos seus significados polmicos como nos diferentes significados que lhe so atribudos, toda a definio de Absolutismo no pode deixar de parecer "externa", convencional e relativa, passvel, portanto, de ser avaliada s em funo do grau de clareza que pode introduzir na compreenso no plano histrico e, como conseqncia, tambm no categorial de um aspecto imprescindvel da experincia poltica, que o poder. No se pode prescindir, portanto, se quisermos aprofundar este aspecto, da sria tentativa de relacionar o Absolutismo com uma forma especfica de organizao do poder, caracterstica em relao a outras. Tal especificidade podemos verific-la particularmente no plano histrico, referida a uma determinada forma histrica de organizao do poder. A perspectiva que da resulta , portanto, em primeirssimo lugar, histrico-constitucional. Em sua essncia, os parmetros classificatrios mais bvios e rentveis parece serem os que esto ligados ao espao cultural do Ocidente europeu, no perodo histrico da Idade Moderna e na forma institucional do Estado moderno. A primeira limitao serve, antes de tudo, para manter as distncias da experincia oriental e eslava do despotismo cesaropapista. A segunda
  • 10. 2 ABSOLUTISMO serve para diferenciar a organizao "absolutista" do poder do sistema poltico feudal anterior e da antiga SOCIEDADE POR CAMADAS (V.). A terceira, finalmente, serve para lembrar os contornos concretos que o Absolutismo assumiu como "forma" histrica de poder. II. A SOBERANIA. De um ponto de vista descritivo, podemos partir da definio de Absolutismo como aquela forma de Governo em que o detentor do poder exerce este ltimo sem dependncia ou controle de outros poderes, superiores ou inferiores. Inteiramente diferente seria defini-lo como "sistema poltico em que a autoridade soberana no tem limites constitucionais", ou apenas "sistema poltico que se concretiza juridicamente atravs de uma forma de Estado em que toda a autoridade (poder legislativo e executivo) existe, sem limites nem controles, nas mos de uma nica pessoa". O problema decisivo o dos limites: a respeito dele, o Absolutismo se diferencia de forma clara da tirania, por uma parte, e do despotismo cesaropapista, por outra. Em primeiro lugar, na verdade, a reduo, vlida, embora elementar, do princpio de fundo do Absolutismo frmula legibus solutus, referida ao prncipe, implica autonomia apenas de qualquer limite legal externo, inclusive das normas postas pela lei natural ou pela lei divina; e tambm, a maior parte das vezes, das "leis fundamentais" do reino. Trata-se, portanto, mesmo em suas teorizaes mais radicais, de um Absolutismo relativo gesto do poder, o qual, por sua vez, gera limites internos, especialmente constitucionais, em relao aos valores e s crenas da poca. O Absolutismo no portanto uma tirania. Secundariamente, aqueles limites, em particular os dois primeiros, embora sejam de natureza religiosa ou sacra, so apenas limites: desempenham um papel negativo, mas no representam a substncia do Absolutismo ou o seu contedo. Representam apenas o imprescindvel termo de confronto, o limite que no possvel ultrapassar em relao tirania. Assim, o Absolutismo totalmente diferente do despotismo, o qual, ao contrrio, acha nos elementos mgicos, sagrados e religiosos a prpria identificao positiva, a prpria legitimao ltima. Trata-se ento de um regime poltico constitucional (no sentido de que seu funcionamento est sujeito a limites e regras preestabelecidas), no arbitrrio (enquanto a vontade do monarca no ilimitada) e sobretudo de tradies seculares e profanas. Com tais caractersticas, a colocao espacial e cultural, cronolgica e institucional do Absolutismo adquire maior crdito e significado. Dando convencionalmente por descontado o trmino final do Absolutismo na Revoluo Francesa (mesmo ficando de p o problema da sobrevivncia de elementos absolutistas em diversos pases da Europa continental), as opinies so necessariamente contrastantes quanto ao seu incio. Presente, em condies mais ou menos evoludas aps o estdio de desenvolvimento das diversas monarquias "nacionais" europias, j na fase de transio do sistema feudal para o Estado moderno, concomitante com a afirmao deste ltimo que o regime absolutista se afirma plena e conscientemente tanto no plano prtico quanto no plano terico. A parte, portanto, a necessidade de investigar as origens e as antecipaes at ao sculo XIII, podemos talvez razoavelmente atribuir-lhe como idade peculiar, se no exclusiva, a que vai do sculo XVI ao sculo XVIII. Entretanto, mais complicado seria tentar fixar, dentro destes limites, seu desenvolvimento homogneo nas diversas experincias polticas europias, onde, ao contrrio, ele se apresentou em tempos e modos diferenciados, dando lugar a no poucos e importantes problemas de recepo ou de influncias a partir de vrias experincias. Basta pensar nas enormes diferenas existentes entre o Absolutismo ingls, francs e alemo. Falta dizer, enfim, algo sobre o risco conexo com uma excessiva identificao do Absolutismo com a forma histrica ocidental moderna do Estado. Em primeiro lugar, porque sempre existiram ilustres exemplos de organizao estatal moderna no Ocidente inteiramente distantes da hiptese absolutista. Em segundo lugar, porque esta apenas uma hiptese que foi freqentemente realizada de uma maneira completa, mas nunca a ponto de excluir outras hipteses e orientaes, opostas ou contraditrias, de cuja dialtica derivou boa parte do posterior desenvolvimento constitucional. Se, portanto, na sua primeira fase, o Estado ocidental moderno foi, antes de mais nada, um Estado absoluto, ele no foi s isso e o Absolutismo foi apenas nele um componente essencial, juntamente com outros. Foi um elemento caracterstico mas no exclusivo das constituies ocidentais, podendo ser reduzido, em sua essncia, a dois princpios fundamentais, o da secularizao e o da racionalizao da poltica e do poder. De tal processo, o Absolutismo representou certamente, no plano terico e prtico, uma das contribuies mais eficazes do esprito europeu e merece ser estudado debaixo desta luz. III. ASPECTO JURDICO-INSTITUCIONAL. Se esta hiptese verdadeira, o Absolutismo apresenta-senos em sua forma plena como a concluso de uma longa evoluo, a qual, atravs da indis-
  • 11. ABSOLUTISMO pensvel mediao do cristianismo como doutrina e da Igreja romana como instituio poltica universal, conduz, desde as origens mgicas do poder, at a sua fundao em termos de racionabilidade e eficincia. Este fato perfeitamente testemunhado pela evoluo sofrida pelo princpio de legitimao monrquica da antiga investidura, transmitida monarquia de direito divino atravs da graa divina, e tambm o princpio monrquico constitucional do sculo XIX. Tal evoluo vai de uma justificao perfeitamente religiosa, embora cada vez menos mgica, do poder, at o tipo herico e classista, que podemos individualizar entre 1460-1470 e 1760-1770, caracterizada por uma feio ideolgica e propagandstica de tipo mitolgico em relao figura do prncipe, at alcanar uma postura eminentemente jurdica e racional em relao aos fins. A amplitude da parbola dentro da qual o Absolutismo se coloca permite atribuir um significado menos superficial sua raiz etimolgica. O conceito de legibus solutus denuncia imediatamente que o terreno sobre o qual se sediou desde o fim da Idade Mdia a obrigao poltica no Ocidente foi jurdico. Nesse mbito, todavia, em que dominava a tradio romana, tida como viva e interpretada pela Igreja, se verificou, no incio da Idade Moderna, uma brecha revolucionria, na medida em que a independncia das leis se torna bem depressa o emblema dos novos princpios territoriais que aspiravam conquista e consolidao de uma posio de autonomia, em contraste com as pretenses hegemnicas imperiais e papais de uma parte e com os senhores locais de outra. No fundo, este desencontro refletia porm uma mudana cultural importante, tornada possvel e incrementada pela descoberta do direito romano e pela imensa obra de modernizao e interpretao levada a cabo pelos juristas leigos e eclesisticos, pelas escolas e pelas orientaes que se sucederam em toda a Europa at o sculo XVII. Trata-se da progressiva contestao do "bom direito antigo", do simples e indemonstrado apelo a "Deus e ao direito", da concepo de natureza evidentemente sacra do direito "achado" pelo prncipe-sacerdote na grande massa das normas, consuetudinrias, naturais e divinas, existentes desde tempos imemoriais. Em seu lugar afirma-se a idia de um direito "criado" pelo prncipe, segundo as necessidades dos tempos e baseado em tcnicas mais modernas. Um direito concreto, adequado a seus fins, mas tambm mutvel, no vinculado, ao qual o prncipe que o criou pode subtrair-se em qualquer caso. na base deste direito que o prncipe proclama, ou faz proclamar por seus legistas, a independncia. Prova evidente de que esta nova tendncia se 3 move j conscientemente no sentido de racionalizar e intensificar o poder e a relao fundamental em que o mesmo se desdobra: a relao entre autoridade e sditos. A referida frmula se articula efetivamente, no plano lgico, em duas reivindicaes posteriores, tambm elas tomadas, embora em sentido inteiramente diverso, do antigo direito romano e que correspondem, em sua substncia, s linhas de fundo do processo de formao do Estado moderno, atravs da consolidao da autoridade para fora e tambm dentro do "territrio" no qual surge. Supremacia imperial e papal, de uma parte, e participao dos poderes locais (consilium), de outra, so os dois obstculos que se entrepem para definio do poder monocrtico do prncipe. Contra o primeiro obstculo, o poder monocrtico se proclama "superiorem non recognoscens" e "imperator in regno suo", negando qualquer forma de dependncia tanto em relao ao imperador quanto em relao ao Papa. Contra o segundo, em concomitncia com a substituio sempre mais convincente do direito "criado" pelo direito "achado" e com a crescente exigncia de estabelecer e manter a paz territorial, se afirma o princpio atravs do qual "quod principi placuit legis habet vigorem". Neste ponto, o Absolutismo do poder monrquico alcanado, ao menos em teoria, na medida em que o prncipe no encontra mais limites para o exerccio de seu poder nem dentro nem fora do Estado nascente. Ele no mais sdito de ningum e reduziu a sditos todos aqueles que esto debaixo de suas ordens. Delineou-se, na verdade, em seus traos essenciais, o novo e indiscutvel princpio de legitimidade do prncipe no Estado: o princpio de soberania, a "summa legibusque soluta potestas", da qual no ltimo quartel do sculo XVI Bodin deu a sistematizao terica definitiva. A reduo do Absolutismo aos seus referentes jurdicos, todavia, se esgota o aspecto semntico do problema e serve para descrever boa parte da sua histria, no basta para delinear completamente a mudana profunda a que, no mbito da experincia poltica ocidental, o Absolutismo corresponde. Passando tambm atravs do filtro jurdico, mas investindo problemticas e convices bem radicadas e envolventes, se completou, na verdade, entre os sculos XIII e XVI, uma das maiores revolues culturais que o Ocidente conheceu. IV. ASPECTO POLTICO-RACIONAL. Se secularizao significa perda progressiva de valores religiosos (cristos) da vida humana, em todos os
  • 12. 4 ABSOLUTISMO seus aspectos, o Absolutismo significa, tambm e sobretudo, separao da poltica da teologia e a conquista da autonomia daquela, dentro de esquemas de compreenso e de critrios de juzos independentemente de qualquer avaliao religiosa ou moral. Deste ponto de vista, entram certamente na histria do Absolutismo, como doutrina poltica, pensadores e movimentos que debaixo de um aspecto estritamente tcnico dele seriam excludos pela pouca ateno dada aos elementos jurdico-institucionais, que fazem do Absolutismo um fenmeno concretamente constitucional. Deixando de parte as passagens atravs das quais se realizou a "desmoralizao" da poltica e que contriburam para o surgimento do "esprito laico", dentro de um sistema prevalentemente antitomista, um dos pontos de chegada do processo representado, sem a menor sombra de dvida, pela obra de Niccol Machiavelli, apesar da posio equvoca que o mesmo mantm em relao aos dois extraordinrios fenmenos histrico-polticos que se estavam preparando e realizando em seu tempo: o surgimento da Reforma religiosa e a construo do moderno Estado institucional. Na verdade, a comparao de Maquiavel com o Absolutismo est ainda ligada essencialmente aos esquemas tradicionais; a ordem absoluta, comparada com a civil, para ele sinnimo de tirania, de ilimitado e incontrolado poder. Por outra parte, o seu prncipe corresponde, embora com toda a cautela e ajustamento das condies necessrias, quele modelo, em funo da nica coisa que no fundo lhe interessa: elevar o poder at o ponto central se no nico da experincia poltica e elaborar critrios e normas de comportamento poltico avaliados segundo estes fins, eliminando nele qualquer elemento que manche a pureza da relao que deriva da obrigao poltica rigorosamente formulada em seus termos terrenos, concretos, efetivos e reais. Se, na verdade, as frmulas de Maquiavel aparecem historicamente muito rgidas e circunscritas, isso devido unicamente ao pesado condicionamento dos meios polticos italianos do qual ele no pde libertar-se e, em parte, tambm, ao significado que ele, mais ou menos conscientemente, atribuiu sua obra principal Il Prncipe, que exatamente um tratado sobre o poder e no sobre o Estado. Para demonstrao da complexidade e da globalidade assumida pelo fenmeno de absolutizao da poltica, no qual se inclui o Absolutismo como realidade histrica, e do qual Maquiavel foi certamente o expoente mais importante, no se pode esquecer outro filo atravs do qual se concretizou a contribuio estritamente religiosa (crist) para a separao entre poltica e moral, mesmo que isso se verifique atravs de uma recuperao radical da outra dimenso, que 6 precisamente a religiosa e que representa a contestao ao tomismo dentro da Igreja. Trata-se, naturalmente, da Reforma Protestante, cuja contribuio para o reforo do poder monrquico em sua dimenso institucional inegvel, quer no plano terico, quer no plano prtico, no apenas nos territrios germnicos, onde intervieram tambm motivos histricos contingentes, mas tambm nos principais pases europeus, h muito tempo preparados para a concentrao e racionalizao monrquica, como o caso da Inglaterra e da Frana. De tal contribuio vale a pena lembrar no apenas o assunto da no-positividade da vida terrena para a vida do alm e a conseqente desvalorizao de todo o esforo inclusive poltico fora daquele eminentemente burocrtico, de servio do prncipe, mas tambm o conseqente e estreitssimo vnculo de obedincia do sdito autoridade e ainda, tambm, pela modernidade e repetido sucesso da justificao, a legitimao do poder absoluto em termos de mero "bonum commune", entendido este ltimo em sentido especificamente material, de segurana, paz, bemestar e ordem. Todos estes motivos, os de Maquiavel e os da Reforma Protestante, confluram facilmente para as doutrinas polticas do Absolutismo que se desenvolveram entre os sculos XVI e XVIII, tanto para as de contedo imediatamente operacional, coletadas e misturadas dentro do gnero literrio da chamada "razo de Estado", como para as de fundo mais abertamente terico e sistemtico dos grandes autores do Absolutismo, como Jean Bodin ou Thomas Hobbes. Os seis livros do Estado do primeiro representam certamente o projeto mais convincente sado do movimento dos polticos, no cenrio do sculo XVI, em resposta a uma situao interna da Frana gravemente deteriorada, se pensarmos que a longa caminhada realizada pela monarquia em direo a uma gesto centralizada e racional do territrio unificado tinha sofrido uma pausa e um regresso surpreendentes, em nome de uma contraproposta religiosa atrs da qual se escondia uma estranha mistura de antigos interesses feudais e de novos interesses burgueses, talvez ainda no conscientes, em luta com as prerrogativas preponderantes e as aspiraes da alta nobreza dos Grandes do Reino. Que a vitria tenha sorrido aos politiques, em nome do novo princpio, polemicamente atribudo a eles por seus adversrios, de "estat, estat; police, police", altamente significativo. Quem venceu, de forma aberta, foi na verdade o Estado e a poltica, encarnados, um e
  • 13. ABSOLUTISMO outra, na figura do prncipe, mas levados a uma unidade terica, graas a Bodin, no princpio de legitimao da soberania, "summa legibusque soluta potestas", desdobrada essencialmente no "no ... estar de nenhuma forma sujeito s ordens de outro e ... (no poder) dar leis aos sditos e cancelar ou anular as palavras inteis da lei, substituindo-as por outras, coisa que no pode fazer quem est sujeito s leis ou a pessoas que exeram poder sobre ele" (Os seis livros do Estado, Livro I, captulo VIII). Fica, certamente, o limite da "lei natural e divina", mas um limite, alm de dificilmente sancionvel, bastante abstrato para no atingir os problemas inerentes aos concretos negcios do Governo. Por outro lado, a sua inderrogabilidade serve a Bodin para defender a "derrogabilidade" das "leis ordinrias", apoiando-se numa passagem das "leis decretais". Permanece ainda a fronteira daquelas "leis que dizem respeito prpria estrutura do reino e sua ordem bsica", embora at ela encontre uma explicao totalmente convincente nos termos do Absolutismo que est mais dentro da lgica e da fora interna do Estado do que na figura pessoal do monarca, na medida em que "essas leis esto ligadas coroa e a elas inscindivelmente unidas" (ibidem). Na verdade, haveria ainda uma ltima fronteira que seria decisiva e poria em jogo o conceito de soberania se fosse verdadeiramente vinculante. aquela que deriva do juramento do prncipe no que toca ao respeito das "leis civis" e dos "pactos" estipulados entre ele e seus sditos (sobretudo, com as assemblias dos grupos representativos). um caso que Bodin encara com uma srie ilimitada de distines e de exemplos histricos, para em seguida resolv-lo definitivamente, recorrendo a um expediente final: a deciso no caso de exceo diz respeito ao prncipe "conforme as circunstncias, os tempos e as pessoas o exigirem". Fica assim estabelecido definitivamente "que o mais alto ponto da majestade soberana est em dar a lei aos sditos, tanto no seu aspecto geral como em seu aspecto particular, sem necessidade de seu consentimento" (ibidem). A questo do recurso ao expediente final foi recentemente retomada por Carl Schmitt como verdadeiro trao da soberania. Mais oportuna e clara ainda a argumentao apresentada por Hobbes, trs sculos mais tarde, em defesa do poder absoluto. Isso tornou-se mais inquietante pelo fato de a grande complexidade dos problemas o ter constrangido a deixar o caminho slido de Bodin e dos politiques que tinham essencialmente em mente a constituio funcional do poder, em termos de eficincia e de ordem, limitandose a recorrer apenas lgica 5 abstrata e instrumentalmente neutra do direito. Numa situao poltica certamente mais avanada, que j havia presenciado a afirmao do poder monrquico e que estava vivendo a spera contestao por parte de foras bem mais homogneas e consolidadas na defesa dos novos interesses econmicos, bem diferentemente daquilo que tinha acontecido na Frana durante o sculo anterior, Hobbes foi obrigado a percorrer o nico caminho disponvel para restabelecer a ligao entre soberania (reivindicada de maneira decisiva e tradicional pela monarquia Stuart) e direito (o direito dos centros de poder local, do Parlamento que os congregava, da gentry que comeava a exprimi-los em nvel de classe) e para fundar uma legitimidade real: o engajamento dentro de um sistema jurdico reconhecido universalmente. Isso existia no direito natural moderno que, depois de ter sido utilmente empregado no decurso do sculo XVI como instrumento racional para resolver questes importantes ou muito originais, encontrou aplicao, graas a Hobbes, na definio terica do poder, da soberania e do Estado. As questes especficas a que foi aplicado esse direito foram aquelas que derivaram de circunstncias prprias de novos pases ultramarinos e questes .de direito internacional. Aps o grande quadro traado por Bodin para o Estado, este foi reduzido em sua ltima essncia ao "animal artificial", ao "autmato", ou seja, a "um homem artificial, ainda que de maior fora e estatura do que o homem natural, concebido para proteo e defesa deste" (Leviat, Introduo). Desta forma, o Absolutismo que caracteriza o poder do Estado nada mais do que a projeo do Absolutismo natural da relao exclusiva existente de homem para homem e o refgio natural das conseqncias mortais do inevitvel conflito no qual os homens vivem em Estado de natureza. A legitimao que da resulta a mais radical jamais concebvel, pois que afunda suas razes na prpria natureza humana e na "analogia das paixes" prprias do homem individual. Dessa forma, finalmente, Hobbes complementa a revoluo de Maquiavel, fundamentando o Absolutismo da poltica no Absolutismo do homem e fundando a brutalidade necessria do poder no Estado na simples considerao de que este uma criao artificial do homem a quem ele recorre para moderar na histria a tragicidade do seu destino de lupus, que no pode ser seno a morte. O raciocnio elementar: as paixes humanas, naturais e prejudiciais, no so pecado seno a partir do momento em que uma lei as probe; mas a lei deve ser feita e para esse fim deve ser nomeada uma pessoa dotada de autoridade. Injustia, lei e
  • 14. 6 ABSOLUTISMO poder so trs anis da mesma cadeia lgica que procura permitir a sobrevivncia artificial do homem. Em concluso, tambm para Hobbes, a essncia da soberania est no Absolutismo e na unicidade do poder, de tal forma que as vontades humanas individuais estejam subordinadas a uma s vontade: "Isto mais do que um consenso ou um acordo: uma unificao de todas as vontades numa mesma pessoa, feita por meio de um pacto de cada homem com cada homem..." (ibidem, captulo XVII). O Estado, de homem artificial, se transforma em deus mortal, "... uma pessoa, de cujos atos cada indivduo de uma grande multido, com pactos recprocos, se fez autor, a fim de que possa usar a fora e os meios de todos eles, quando achar oportuno, para a paz e defesa comum" (ibidem). O fato de a expresso excelente da soberania residir no poder legislativo deriva das premissas do prprio texto de Hobbes. S o direito positivo sabe desalojar as paixes humanas e impedi-las positivamente atravs de sanes. Nesse sentido, o direito positivo no mais do que um mergulho necessrio, artificial e racional, dentro do direito natural, cujas leis eram continuamente violadas, no Estado de natureza pelas paixes. O Estado feito semelhana do homem, mas quase-deus, exprime fundamentalmente, para Hobbes, para alm do Absolutismo poltico, o prprio Absolutismo do homem, em suas paixes e em seu herosmo. A sua grande essncia inventiva, que reside na abstrao do poder numa vontade artificialmente unificada, o instrumento racional com que o homem salva a prpria concretude: a vida. No Estado, o homem se salva, no se perde. V. MODELO BIPOLAR: AUTORIDADE E SDITO. Paradoxalmente, este o resultado final a que conduz o Absolutismo poltico: a garantia da liberdade humana aquele tanto de liberdade que compatvel com a compreensiva necessidade da poltica , agora definitivamente reduzida esfera autnoma de relaes humanas, sem justificaes ou apelos de tipo transcendente. A partir de Hobbes, ser dentro da realidade do poder, especificamente dentro da figura abstrata mas poderosssima do Estado, que se desenvolver o processo de alargamento e de consolidao desta garantia. Os modelos posteriores, tanto os de tipo constitucional quanto os de tipo absolutista e iluminista, como ainda os mais modernos do Estado de direito e do Estado social, no sero capazes de sair da rgida relao-separao em que o Absolutismo, mediante o recurso soberania, havia fundado a prpria obrigao poltica: aque- la que existe entre autoridade e sdito. S no mbito desse dualismo e na delimitao precisa das respectivas competncias possvel, por um lado, conhecer as fronteiras exatas, por mais amplas e extensas que sejam para Hobbes, do poder e, portanto, limit-lo de alguma forma e, por outro, estabelecer e defender o mbito de independncia e autonomia individual, mesmo quando se trata apenas do espao interior apoltico de Hobbes. O Absolutismo poltico, na realidade, deu respostas bastante unilaterais a estes problemas no campo histrico-constitucional. Com isso dilatou exageradamente um plo do dualismo o plo autoritrio. Por outro lado, ele fixou o princpio da contraposio e a necessria premissa da sua possvel regulamentao. Isto permite-nos, finalmente, estabelecer uma distino indiscutvel de princpio entre Absolutismo e totalitarismo. Este ltimo consiste precisamente na identificao total de cada indivduo com todo o corpo poltico organizado e mais ainda com a prpria organizao desse corpo. Isso pode naturalmente acontecer nos dois sentidos implcitos do dualismo autoridade-sdito. Mediante a desmedida dimenso do plo autoritrio, que chega a compreender em si todo o aspecto e momento da vida individual, reduzindo o aspecto privado a simples elemento constitutivo da sua prpria estrutura organizacional ou, ento, atravs da absolutizao da presena individual, numa contnua e global participao do homem na poltica. Nos dois casos, dar-se-ia a absoluta politizao da vida individual, numa perspectiva dramaticamente alienante ou fascinosamente liberante, mas chegando, num ponto, ao mesmo resultado: a liberao dos limites da poltica, a sua totalizao, e, portanto, a perda de sua autonomia em nome de uma hegemonia absoluta em torno de qualquer aspecto da vida humana, que a subjugaria inevitavelmente de novo, com escolhas e opes prejudiciais de tipo transcendente. Trate-se de um totalitarismo autoritrio e tecnocrtico ou ento de um totalitarismo democrtico e humanstico, certamente os mdulos de organizao e sobretudo os culturais e existenciais em que ele concretizado seriam necessariamente diferentes daqueles a que a experincia constitucional ocidental moderna nos habituou. Em todo caso e por mais absurdo que parea tratar no plano conteudstico das duas possveis linhas desse totalitarismo, parece necessrio tomar conscincia das implicaes e das conseqncias que as duas comportam, dentro da convico, sempre provvel, de que a idade do totalitarismo j comeou.
  • 15. ABSOLUTISMO BIBLIOGRAFIA. P. ANDERSON, LO Stato assoluto. Origini ed evoluzione dell'A. occidertale e orientale. Mondadori, Milano 1980; F. HARTUNG e R. MOUSNIER, Quelques problmes concernants la monarchie absolue, in "Relazioni dd X. Congresso Internazionale di Scienze storiche". IV. Storia moderna, Sansoni. Firenze 1955; W. HUBATSCH, Das Zeitalter der Absolutismus 1600-1789, Westermann, Braunschweig 1965; K. KASER, L'et dell'assolutismo (1923), Vallecchi, Firenze 1926; R. MANDROU, L'Europe "absolutiste". Raison et raison d'tat, 16491775, Fayard, Paris 1977; F. MEINECKE, L'idea della ragione di Stato nella storia moderna (1924), Sansoni. Firenze 1967; A. NEGRI, voe. "A.", in Scienze Politiche. I. Stato e Poltica. Feltrinelli, Milano 1970; G. OESTREICH, Problemi di struttura dell'A. europeo, in Lo Stato moderno. I. Dal Medioevo all'et moderna, ao cuidado de E. ROTELLI e P. SCHIERA, Il Mulino, Bologna 1971; R. SCHNUR, Individualismo e A., Giuffr, Milano 1979; G. TARELLO, Storia della cultura giuridica moderna. I. A. e codificazione del diritto, Il Mulino, Bologna 1976; C. VIVANTI, Note per una discussione sull'A., in "Quaderni di rassegna sovitica", Atti del III Convegno degli storiei italiani e sovietici, Roma 1969; F. WALTER, Europa in Zeitalter des Absolutismus 1600-1789, Oldenburg, Mnchen 1959. [PIERANGELO SCHIERA] Abstencionismo. Este termo usado essencialmente para definir a no participao no ato de votar. Pode, todavia, compreender a no participao num conjunto de atividades polticas, conquanto, em suas formas mais acentuadas, a no participao possa ser definida como apatia, alienao, e por a alm. Como muitas das variveis ligadas participao eleitoral, o Abstencionismo de fcil avaliao quantitativa. , com efeito, calculado como percentual daqueles que, tendo direito, no se apresentam s urnas. diferente o caso dos que, apresentando-se, deixam a cdula eleitoral em branco ou, deliberadamente, a anulam de diversas maneiras. Embora tanto os que no se apresentam s urnas como os que se manifestam mediante voto no vlido pretendam expressar desafeio ou desconfiana, ambos os fenmenos so considerados como analiticamente distintos. Em geral, as variveis que influem na predisposio participao poltica de sentido amplo influem tambm positivamente na participao eleitoral. Pode-se dizer, ao contrrio, que os abstencionistas so, do ponto de vista sociolgico, com poucas diferenas de um pas para outro e salvo algumas excees (por exemplo, a de abstencionistas voluntrios e "resolutos" como os peronistas argentinos, sempre que se sentiam discriminados, ou 7 os radicais italianos nas eleies administrativas de 1980 e 1981), um grupo de indivduos com caractersticas relativamente definidas: antes de tudo, baixo nvel de instruo; em segundo lugar, de sexo feminino; em terceiro, de idade avanada ou ento muito jovem. De forma anloga de qualquer outra varivel, a instruo, ou, melhor, a carncia de um adequado nvel de instruo, influi negativamente na participao eleitoral. Contudo, tem sido observado que, se um indivduo comeou a participar nas eleies porque "mobilizado", por exemplo, por um partido ou por circunstncias excepcionais, a guerra, a depresso, provvel que continue "participante", no contando seu nvel de instruo. As taxas de Abstencionismo variam consideravelmente de pas para pas e de uma consulta eleitoral para outra. As mais elevadas se encontram, no que toca a regimes democrticos, nos Estados Unidos: nas eleies presidenciais, o Abstencionismo ultrapassou, na dcada de 70, 45%; nas eleies para o Congresso, vota atualmente menos da metade dos que teriam direito, embora haja acentuadas diferenas entre um Estado e outro e entre as diversas eleies. As taxas mais baixas se encontram, em ordem gradual, na Austrlia, Holanda, ustria, Itlia e Blgica, sendo, nas eleies polticas do segundo psguerra, inferiores a 10%. Em mdia, as taxas de Abstencionismo nos regimes democrticos giram em torno de 20%, mas h sintomas que indicam um ligeiro crescimento no percentual de eleitores que desertam voluntria e deliberadamente das urnas. As causas do Abstencionismo so mltiplas. Importantes, mas certamente no decisivas para a explicao das altas taxas que se registram em alguns pases, so as normas que regulam o exerccio do direito ao voto. A facilidade ou no de inscrio nas listas eleitorais automtica em alguns casos, deixada em outros ao potencial eleitor e a obrigatoriedade ou no de votar (na Austrlia, por exemplo, o voto obrigatrio; na Itlia existe uma sano de carter administrativo, a inscrio "no votou" no certificado de bom comportamento) influem, como bvio, no percentual de eleitores que se dirigem s urnas. Tem-se observado, alis, que nem mesmo a queda dos requisitos mais onerosos fez com que aumentasse o percentual de eleitores no contexto norte-americano. Mais: de um modo geral, nota-se que a expanso do corpo eleitoral, qualquer que seja a razo (sufrgio universal masculino, extenso do voto s mulheres, s minorias, diminuio do limite de idade), provoca uma queda nas taxas de participao, ao inserir no corpo eleitoral indivduos ainda no habituados a votar. Normalmente,
  • 16. 8 ABSTENCIONISMO porm, superada a fase de "aprendizagem", as taxas de Abstencionismo tendem a decrescer rapidamente. Mas tal no aconteceu nos Estados Unidos. Alguns autores buscaram por isso as causas do Abstencionismo em dois grupos de variveis: de um lado, em variveis individuais, psicolgicas; do outro, em variveis de grupo, polticas e sistemticas. Para que o Abstencionismo no cresa, preciso, atendendo ao primeiro conjunto de variveis, que os novos eleitores tenham interesse pela atividade poltica, possuam boa informao poltica e se mantenham "eficazes", ou seja, capazes de influir no resultado das competies eleitorais. Como os indivduos admitidos participao eleitoral esto muitas vezes escassamente interessados na poltica, esto pouco informados e so "ineficazes" (homens antes excludos por causa do seu analfabetismo, mulheres sem experincia poltica anterior, minorias subalternas uma exceo, os jovens da dcada de 70, j "automobilizados", mas talvez em fase de refluxo, e com alto nvel de instruo), a taxa de Abstencionismo crescer. Quem atende s variveis de grupo, tanto polticas como sistemticas, buscar uma explicao do eventual crescimento do Abstencionismo sobretudo em trs fenmenos: antes de mais, no tipo de consulta eleitoral; em segundo lugar, na competitividade das eleies (ou seja, na importncia do risco e na incerteza do xito); enfim, na natureza do sistema partidrio e das organizaes polticas (grau de presena e de assentamento social). Os dados so concordes em indicar um Abstencionismo seletivo do eleitor que vota, em percentuais mais elevados, nas eleies consideradas mais importantes, mais nas eleies polticas, portanto, que nas administrativas (nos Estados Unidos, maior a votao nas eleies presidenciais que nas do Congresso; na Frana, maior no segundo turno, ou seja, no da deciso, que no primeiro). o caso da Itlia; mas aqui preciso acrescentar uma participao em declnio, isto , um crescente Abstencionismo nas consultas por referendum (de 11,9%, em 1974, a 18,8%, em 1978, e 20,4%, em 1981, com aumento tambm de cdulas brancas e nulas). A outra causa sistemtica do Abstencionismo, a no competitividade das eleies, de mais difcil verificao. Muitas vezes, os eleitores podero aduzir a pouca diferena dos programas dos partidos ou das posies dos candidatos como causa da sua no participao (o que mais freqente nos sistemas bipartidrios). Ou tambm positivamente: a vitria de um ou de outro no influir negativamente nas suas preferncias. recursos e expectativas. Ao contrrio, porm, o elevado nvel do reecontro poltico e as fortes diferenas programticas podero fazer diminuir o Abstencionismo, mobilizando eleitores alis no disponveis. Os casos italiano e francs parecem seguir esta direo; o caso estadunidense, de que possumos uma massa de dados sem igual, caminha no outro sentido. Enfim, a explicao mais comumente apresentada e da maneira talvez mais convincente a de que, onde os partidos esto bem organizados, capilarmente presentes e muito ativos, a taxa de Abstencionismo mantm-se muito moderada; onde eles esto em crise, sua capacidade de mobilizao e conquista do eleitorado se esvai e o Abstencionismo cresce, crescendo ainda mais se, como ocorreu nos Estados Unidos nos anos 60, sua crise for contempornea expanso do eleitorado potencial. No inserido no circuito da poltica organizada, este eleitorado depressa se acolhe ao Abstencionismo e, se no recuperado com o andar do tempo, se perpetuar como um eleitorado abstencionista crnico. J que, em geral, parece ter de se contar com uma diminuio da atrao dos partidos de massa e das organizaes polticas que propendem participao eleitoral, a tendncia futura mais provvel a do crescimento do Abstencionismo. Que efeitos produz o Abstencionismo no funcionamento dos regimes democrticos? Em primeiro lugar, no so poucos os que pensam que altas taxas de Abstencionismo constituem uma deslegitimao, atual ou virtual, dos governantes, da classe poltica e at mesmo das prprias estruturas democrticas. Se democracia participao dos cidados, uma participao insuficiente debilita-a. Em segundo lugar, quem aceita uma viso mais desinteressada do problema da legitimidade dos regimes democrticos acentua, em vez disso, a necessidade de se levar em conta a "produo" do regime. Se os abstencionistas constituem um grupo, no s sociologicamente diverso de quem vota, mas tambm diverso em termos de preferncias polticas, sua absteno tornar difcil (e no essencial) s autoridades, aos governantes, serem sensveis s exigncias no expressas. Por isso a produo legislativa, a distribuio dos recursos, as opes globais do sistema premiaro os que participam em prejuzo dos que se abstm, o que pode assumir aspectos de particular gravidade, se os abstencionistas pertencerem a grupos sociologicamente "subprivilegiados". Em parte assim, em parte no: os abstencionistas s em parte so diferentes, particularmente nos Estados Unidos, daqueles que votam.
  • 17. ABSTENCIONISMO Mantm-se, todavia, em p o problema dos regimes democrticos onde um alto percentual de eleitores resolve no "se incomodar" por influir no resultado das competies eleitorais. Na realidade, s em escassa medida se pode pensar que o sistema, em seu conjunto, no fica com isso "deslegitimado". Alm disso, a grande massa dos abstencionistas e eleitores flutuantes fica merc dos apelos dos demagogos que prometem limpar a rea e criar um regime de autntica participao. A mobilizao dos abstencionistas desde o alto , em concluso, um perigo real em situaes onde a taxa de Abstencionismo cresce sem soluo de continuidade. BIBLIOGRAFIA. - K DITTRICH e L. N. JOHANSEN, La partecipazione elettorale in Europa (1945-1978): miti e realt in "Rivista Italiana di Scienza Poltica", X (agosto 1980); A. T. HADLEY, The Empty Polling Booth, Prentice Hall, Englewood Cliffs 1978; E. C. LADD JR., Where Have All the Voters Gone?. Norton, New York 1978; A. LANCELOT, L'abstentionnisme electoral en France, Colin, Paris 1968; Electoral Participation, ao cuidado de R. ROSE, Sage Publications, Beverly Hills-London 1980; R. E. WOLFINGER e S. J. ROSENSTONE, Who Votes! Yale University Press, New Haven-London 1980. (GIANFRANCO PASQUINO] Ao Catlica. O decreto do Concilio Vaticano Il "Apostolicam actuositatem" a propsito da Ao catlica, isto , das "vrias formas de atividades e de associaes que, mantendo uma mais estreita ligao com a hierarquia, se ocuparam e se ocupam com finalidades propriamente apostlicas", lembra a definio que mais comumente, no passado, era a elas atribuda: "colaborao dos leigos com o apostolado hierrquico" (cap. 20). Trata-se de uma frmula cujas origens remontam ao pontificado de Pio XI (19221939). Ela aparece, de fato, pela primeira vez, com palavras ligeiramente diferentes ("participao dos leigos na misso prpria da Igreja"), numa carta do ento secretrio de Estado cardeal Gasparri aos bispos italianos, de 2 de outubro de 1922. Inserida na sua forma definitiva nos estatutos de Ao catlica italiana de 1931, ser mantida tambm pelos sucessivos pontfices. Para captar seu significado preciso considerar o contexto doutrinai em que ela amadurece, focalizando, em primeiro lugar, a acepo que a tem o termo "apostolado". Este indica um projeto totalizante sobre o homem e a 9 sociedade: no somente reconduzir f cada indivduo que dela se tenha afastado, mas tambm recriar um organismo social baseado em todos os nveis, inclusive no nvel da organizao civil e econmica, na doutrina da Igreja catlica. No h distino, nessa perspectiva, entre "religioso" e "poltico": os dois planos convergem num modelo ideal de sociedade hierarquicamente estruturada em que a Igreja o Papa em primeiro lugar e os bispos dele dependentes reveste a funo de ordenadora ltima, como tal reconhecida pelo Estado que, em conseqncia disso, recebe dela a sua legitimao. Trata-se de uma concepo, largamente difundida nos ambientes catlicos europeus desde a primeira metade do sculo XIX, que teve origem na polmica ultra-montana e intransigente contra o liberalismo. O termo Ao catlica (ou "ao dos catlicos") comea a ser usado, juntamente com o de "movimento catlico", a propsito das organizaes de leigos militantes que se formaram em diversos pases da Europa (as primeiras foram as da Frana, da Blgica e as das regies de lngua alem), em aberta oposio ao Estado liberal. Na Itlia esse termo usado para indicar o variado conjunto de associaes e instituies chefiadas, desde 1874, pela Obra dos Congressos. J no incio da dcada de 60 a revista dos jesutas "La Civilt Cattolica" elabora uma precisa definio do papel que o laicato militante tem no Estado moderno: ele deve assegurar Igreja a tutela que os Governos liberais lhe negam, defend-la de seus ataques e influir, atravs de sua ao, para reconduzir a sociedade, em seus vrios nveis, sua imagem originria de "societas christiana". A interveno poltica um dos muitos instrumentos de que a Ao catlica tem o direito e o dever de servir-se, em obedincia s indicaes da hierarquia; um direito que somente na Itlia sofre limitaes no que diz respeito participao dos catlicos nas eleies polticas e isto com o intento de tornar mais eficaz o protesto contra a anexao dos Estados pontifcios, que se concluiu com a tomada de Roma em 1870. O termo de Ao catlica foi ,dado pelo Papa Pio X, na Itlia, a uma organizao particular, aps a dissoluo, por ele decretada, da "Opera del Congressi" (1903). A Ao catlica, que sucedeu a esta obra, no mais um movimento que nasce da iniciativa autnoma do laicado, mas uma organizao promovida pela hierarquia e por ela diretamente controlada. Inicia com Pio X uma srie de revises estatutrias que acentuam cada vez mais seu carter centralizador, tornando-a um instrumento dcil que a Igreja pode utilizar no mbito de sua estratgia geral de "recristianizao" da
  • 18. 10 AO CATLICA sociedade. A Ao catlica italiana adquire com isso uma fisionomia que a diferencia sensivelmente, sob o perfil organizativo. das existentes em outros pases, especialmente da francesa, articulada em movimentos de categoria dotados de ampla autonomia. Deve-se, tambm, considerar o carter de "modelo exemplar" que o papado atribuir cada vez mais organizao da ACI, como aquela que melhor realiza o ideal do empenho do laicado nos confrontos com a Igreja e a sociedade. Intervindo diretamente na organizao do laicado militante e dando um reconhecimento especial a uma associao especfica, a Santa S intende tambm controlar o surgimento, no mbito catlico, de movimentos que, como a democracia crist de Murri, coloquem, embora parcialmente, em discusso o seu projeto de sociedade e reivindiquem um espao autnomo de deciso para o laicado na rea poltica. A definio que Pio XI deu de Ao catlica sublinha a funo subalterna que ela tem em relao hierarquia, com cujo apostolado "colabora" em qualidade de mero executor. No quadro do acordo entre a Igreja e o fascismo sancionado pelos tratados de Latro, a Ao catlica ganha o espao de formao de um pessoal capaz de influir nos vrios nveis do Estado. Com a reconstituio da ordem democrtica, no fim da Segunda Guerra Mundial, a Ao catlica no se limitar a fornecer quadros ao partido catlico e a assegurar-lhe o seu mximo apoio eleitoral, mas exercer sobre este partido a funo de instrumento de presso. Durante o pontificado de Pio XII. no obstante se afirme a natureza puramente religiosa das funes da Ao catlica, no muda o quadro tradicional de referncia, isto , a perspectiva do retorno da sociedade imagem unitria da "societas christiana", para cuja atuao a Igreja privilegia o instrumento da gesto direta do poder poltico por parte dos catlicos. O pontificado de Joo XXIII e o Concilio Vaticano Il marcam, no que concerne s linhas do discurso pastoral, um decisivo momento de mudana. O tema da "opo religiosa", que se tornou central na Ao catlica do aps-conclio, representa um distanciamento da concepo do apostolado acima mencionada e embora parcialmente, um reconhecimento da autonomia da ao poltica em relao aos princpios que determinam a experincia do cristo. Como isto se concretizou, qual a relao entre a persistncia de formas de interveno e de presenas tpicas do passado e entre o surgimento de uma nova concepo de Ao catlica, fica ainda, em grande parte, um problema aberto. BIBLIOGRAFIA. AUT VAR.. La presenza sociale del PCI e della DC. Il Mulino. Bologna 1968: G. CANDILORO, Il movimento cattolico in Italia. Editori Riuniti. Roma 1972; G. oi ROSA. Storia del movimento cattolico in Italia dalla restaurazione ali et giolittiana. Laterza. Bari 1966; F. MAGRI, LA. Cattolica in Itlia. La Fiaccola. Roma 1953, 2 vols.; G. Micolli, Chiesa e societ in Itlia dal Concilio Vaticano I (1870) al Pontificam di Giovanni XXIII. in Storia d'Italia. vol. V, I documenti. tomo II, Einaudi. Torino 1973, pp. 1493-1548; G. POGGI. Il clero di riserva. Feltrinelli, Milano 1963. [LILIANA FERRARI] Administrao Pblica. I. AS ATIVIDADES ADMINISTRATIVAS. Em seu sentido mais abrangente, a expresso Administrao pblica designa o conjunto das atividades diretamente destinadas execuo concreta das tarefas ou incumbncias consideradas de interesse pblico ou comum, numa coletividade ou numa organizao estatal. Do ponto de vista da atividade, portanto, a noo de Administrao pblica corresponde a uma gama bastante ampla de aes que se reportam coletividade estatal, compreendendo, de um lado, as atividades de Governo, relacionadas com os poderes de deciso e de comando, e as de auxlio imediato ao exerccio do Governo mesmo e, de outra parte, os empreendimentos voltados para a consecuo dos objetivos pblicos, definidos por leis e por atos de Governo, seja atravs de normas jurdicas precisas, concernentes s atividades econmicas e sociais; seja por intermdio da interveno no mundo real (trabalhos, servios, etc.) ou de procedimentos tcnico-materiais; ou. finalmente, por meio do controle da realizao de tais finalidades (com exceo dos controles de carter poltico e jurisdicional). Na variedade das atividades administrativas (abstraindo-se o exame daquelas de Governo, que merecem considerao parte), dois atributos comuns devem ser destacados; em primeiro lugar, o fato de essas atividades serem dependentes ou subordinadas a outras (e controladas por essas), as quais determinam ou especificam os fins a atingir (atividades polticas ou soberanas e de Governo); em segundo lugar, o de serem executivas, no duplo sentido de que acatam uma escolha ou norma anterior, e de que do continuidade
  • 19. ADMINISTRAO PUBLICA norma, intervindo para a consecuo final de interesses e objetivos j fixados. Tais atributos conduziram a que a Administrao pblica fosse identificada, essencialmente, como uma funo, ou como uma atividade-fim (condicionada a um objetivo), e como organizao, isto , como uma atividade voltada para assegurar a distribuio e a coordenao do trabalho dentro de um escopo coletivo. II. AS ESTRUTURAS ADMINISTRATIVAS. No momento em que a exigncia da distribuio e coordenao do trabalho administrativo assumiu relevo e dimenses sempre crescentes no decorrer da experincia dos ordenamentos estatais modernos e contemporneos, de tal modo que deu origem ao aparecimento e ao desenvolvimento de estruturas especficas, o termo Administrao pblica, do ngulo de seus destinatrios, passou a indicar o complexo de estruturas que, conquanto se encontrem em posies de subordinao diferentes, em relao s estruturas polticas e de Governo, representam uma realidade organizativa distinta daquelas. Para a maioria dos estudiosos, as estruturas administrativas representam, mais do que tudo, o trao caracterstico dos Estados modernos e contemporneos, manifestando, quase fisicamente, sua presena no plano subjetivo. Constitui caracterstica normal dessas estruturas o fato de se lhe ter destinado um pessoal escolhido por sua competncia tcnica, contratado profissionalmente e em carter permanente (corpos burocrticos). Entretanto, faz-se mister esclarecer que a Administrao pblica no pode ser reduzida, como s vezes ocorre, ao perfil de suas estruturas; de fato, isso no permite explicar integralmente o fenmeno administrativo pblico, tal como ele se delineia, do ponto de vista histrico e comparado, mormente se se tem em mente que nem sempre existiram estruturas de tipo burocrtico destinadas execuo de atividades administrativas e que, muitas vezes, existe continuidade ou identidade parcial entre as estruturas governativas e administrativas. III. O PROBLEMA ADMINISTRATIVO E TIPOS DE ADMINISTRAO. A variedade das funes a que se pode enderear a ao administrativa' e a diversidade das atividades com que ela pode se manifestar aconselham que se assuma o ponto de vista mais abrangente de considerar a administrao como atividade ou funo necessria, semelhante da poltica e do Governo, em qualquer ordenamento geral ou especial. 11 Trata-se, mais propriamente, de considerar como dado constante de toda a coletividade estatal (como, alis, de todo o grupo social organizado) a existncia de um problema administrativo que tem ou pode ter solues diversas, mesmo no plano organizativo em relao variao dos trs componentes principais e individuantes de cada sistema e tendo em vista, tambm, as caractersticas diferentes de cada pas no plano social, econmico e cultural: tipo de instituies polticas e de Governo existentes; a relao entre estas e a Administrao pblica; e as finalidades tidas como metas ou objetivos de interesse pblico. O exame do modo como se tem encarado e procurado resolver positivamente o problema administrativo, onde quer que se faa, com base nas trs principais variveis j lembradas, que escondem, de certo modo, os elementos fundamentais do fenmeno administrativo pblico o elemento institucional, o organizativo e o funcional , permite individualizar diversos tipos de Administrao pblica, tanto no decurso da evoluo histrica como no confronto das diversas experincias nacionais. Poder aparecer, em particular, como os negcios da Administrao pblica seguem, pari passu, as formas de Estado e de Governo, tendo como manifestao especfica, e no menos essencial, a organizao e o equilbrio exigido pelas circunstncias. Ser igualmente possvel constatar, especialmente na poca atual, a co-presena de diversos tipos de Administrao pblica dentro da prpria coletividade estatal. Em relao a cada tipo de administrao tambm possvel elucidar como as instituies polticas e governamentais foram fortes e capazes de realizar ou mandar realizar os prprios objetivos. Por outro lado, deve destacar-se tambm quanto a Administrao pblica correspondeu, tanto no plano estrutural quanto no funcional, aos seus objetivos e como foi eficiente em atingi-los. Dentro desta relao que v, numa posio de recproca complementaridade e simultaneamente de contraposio, a funo poltica e governamental e a administrativa, coloca-se uma das problemticas vitais mais complexas e, parcialmente, insolveis do nosso tempo. Torna-se particularmente evidente que nela existem amplas estruturas burocrticas (como regra) , enquanto, na realidade efetiva, a relao institucional de dependncia que a caracteriza pode apresentar valores, se no opostos, pelo menos profundamente divergentes daqueles que foram previamente estabelecidos.
  • 20. 12 ADMINISTRAO PUBLICA O respectivo papel das estruturas polticas e administrativas tendem a uma troca recproca ou a uma configurao baseada num equilbrio substancialmente alterado. Daqui nasce outra temtica, tipicamente sociolgica, que caracteriza a Administrao pblica de hoje em diversos contextos institucionais dentro de uma variada tipologia: a do papel poltico desenvolvido de fato pelas estruturas burocrticas. IV. A ADMINISTRAO DA SOBERANIA. Para esquematizar sumariamente quais os tipos de administrao que adquiriram maior importncia nas formas de Estado e de Governo modernas e contemporneas, tendo em vista particularmente as experincias italiana e brasileira, e sem pretender ilustrar na sua singularidade histrica as vrias administraes nacionais dos dois pases, convir, antes de tudo, relembrar a formao das grandes monarquias da Europa continental. Com o surgimento e o desenvolvimento de tais instituies de Governo monocrtico e absoluto realiza-se, como conhecido, um tipo de administrao que representa, em certo sentido, a condio necessria para que os nossos poderes polticos possam afirmar-se, estabilizar-se e manterse. A ao administrativa essencialmente orientada, portanto, para a conquista dos meios indispensveis conservao e reforo do poder rgio constitudo. Pode pensar-se, dentro de tal perspectiva, que os primeiros setores administrativos a desenvolver-se so o setor militar e o financeiro e que, entretanto, se assiste ao progressivo monoplio da funo jurisdicional do chefe soberano. A organizao do Governo rgio tende, alm disso, a articular-se e a difundir-se de modo uniforme por todo o territrio, atravs da criao de estruturas de administrao perifrica, cujos responsveis esto vinculados, por delegao ou por representao do Governo central, enquanto as funes administrativas do Governo autnomo local, especialmente urbano, se vo degradando. No que diz respeito a tais finalidades de base e a tais modalidades de desenvolvimento, a ao administrativa se posiciona como com participao no exerccio da autoridade soberana ou como autoridade soberana delegada. Neste sentido, a Administrao pblica se confunde com a atividade e o poder do Governo. Esta caracterstica explicar notvel influncia sobre a sucessiva evoluo do fenmeno da Administrao pblica. No contexto, o elemento institucional tem prevalncia sobre o organizativo e o funcional. Estes se integram na frmula unitria do servio para o rei (ou para a Coroa). Tal frmula contradiz s aparentemente a colocao d administrao como soberania delegada. O duplo aspecto do comando (para fora) e do servio (para dentro) contribui tambm para lanar luzes sobre a posio especial do aspecto da organizao que a Administrao pblica assume em relao ao poder poltico do Governo e de toda a coletividade. Faz-se uma ntida distino, especialmente, entre as regras do ordenamento prprio da administrao e as do ordenamento em geral. Isto tem muito que ver com as experincias estatais da Europa continental. A experincia anglo-saxnica caracterizada por uma restrita rea de atividades soberanas em sentido prprio e por uma subordinao geral das atividades pblicas s normas do direito comum, sendo caracterizada tambm pelo respeito e pela utilizao dos poderes polticos locais para as metas da administrao. A organizao administrativa do Estado absolutista no tem, portanto, caractersticas estruturais autnomas em relao s da autoridade soberana. Todavia apresenta-se como um esquema de pessoas ligadas por vnculos de subordinao interna e privada ao soberano e, como j se disse, como organizao ou administrao privada da soberania. falta de caractersticas estruturais prprias tpicas e autnomas por outra parte, a um perodo em que existe uma indistino subjetiva das funes pblicas, corresponde uma centralizao que avaliada antes de tudo no plano poltico. O problema administrativo resolvido na homogeneidade institucional e poltica entre governantes e pessoal administrativo, com base na natureza das tarefas a executar, no modesto volume de recursos, na preparao tcnica especfica e na limitada necessidade de recorrer a estruturas burocrticas. V. A ADMINISTRAO EMPRESARIAL. da transformao destas premissas ligadas entre si que derivam, j antes do advento do Estado de direito constitucional, importantes modificaes que levam ao progressivo e impetuoso predomnio da organizao, mesmo no mbito da colocao que lhe foi dada originariamente. Com a ampliao das tarefas pblicas no campo das intervenes infra-estruturais, e dos servios sociais e ainda no das atividades econmicas de base fenmeno tpico de uma variante do Estado absoluto seria o Estado policial , emergem os traos de uma administrao diversa cujos fins esto voltados para interesses coletivos, o que requer estruturas prprias e estveis e ainda pessoal recrutado profissionalmente e tecnicamente
  • 21. ADMINISTRAO PUBLICA qualificado. E a partir daqui que nascem formas de organizao autnoma, regidas por normas prprias e critrios internos de ao (especialmente no campo da contabilidade e das finanas), predispostas a atingir determinados objetivos de carter produtivo: as empresas. A administrao que participa do Governo e emanao da autoridade soberana se justape a administrao empresarial, um mdulo organizativo de grande interesse para as perspectivas atuais da Administrao pblica, conforme j, oportunamente, acentuaram muitos estudiosos. Tal mdulo organizativo comportava de fato a ruptura da continuidade estrutural entre Governo e administrao e dava um relevo, parte s responsabilidades decisrias prprias do Governo e tambm s de atuao e de gesto organizativa das mesmas. Isso teria podido assegurar um notvel efeito classificador no momento em que o ato de administrar entrou, juntamente com outras funes pblicas, no sistema do Estado constitucional de Governo parlamentar. Bem ao contrrio, o modelo da administrao empresarial foi baseado na proclamada necessidade de submeter todo o funcionamento do aparelho estatal ao controle do Parlamento atravs da responsabilidade das instituies ministeriais. VI. A ADMINISTRAO. AUTORIDADE E A ORGANIZAO HIERRQUICA. Com o aparecimento dos regimes constitucionais, a administrao foi subordinada lei e inserida no chamado poder executivo estatal. Isto, porm, no fez seno dar uma roupagem formal mais atualizada ao que j era uma ordem conceituai e prtica preexistente. Os novos princpios e os novos dispositivos institucionais agiram no no sentido da transformao mas no da limitao e controle da ao administrativa em relao ao pblico. A ao administrativa foi regulamentada quanto aos interesses e metas a perseguir e tambm quanto ao mbito das suas possibilidades de interveno, particularmente as do tipo unilateral e autoritrio. Todavia, a interveno foi configurada igualmente como manifestao de autoridade (legislativamente circunscrita) para satisfao de interesses prprios do titular da soberania (no do prncipe, mas da entidade estatal). O momento de contato entre os dois campos separados da administrao e da sociedade traduzido atravs do ato administrativo, o qual fixa concreta e unilateralmente o interesse do Estado-pessoa, dentro dos limites do tato que a legislao permite e sem o qual, por outro lado, os remdios jurisdicionais aplicados no poderiam 13 oferecer corretivos eficazes e exaustivos para tutela do interesse pblico a defender. Desta maneira, o aspecto organizativo da administrao torna-se prevalente. Enquanto assume seu prprio perfil estrutural, a administrao conserva e refora seus laos de dependncia dos dirigentes polticos, de tal modo que, pode dizer-se, a administrao no mais do que o aparelho do Governo. As estruturas so ordenadas sobre o modelo ministerial e dentro de cada ministrio as mesmas so articuladas de maneira a favorecer a direo e o controle quotidiano das atividades administrativas pelos chefes polticos. E sabido que, dentro das estruturas centrais e perifricas dos ministrios, a distribuio das tarefas administrativas se realiza progressivamente mediante a formao de uma escala de competncia interna. Tal escala vai desde a competncia geral competncia especfica e comporta, no caso de competncia de nvel inferior (e dos titulares de cargos), a possibilidade de participao ou de substituio no exerccio da competncia de nvel inferior. Ao mesmo tempo, as diversas competncias so individualizadas de modo que a cada uma delas corresponda a realizao ou a preparao de uma ou mais atividades de execuo normativa. Neste contexto, h a supresso conseqente de qualquer responsabilidade direta por parte do pessoal administrativo que atua dentro das metas da organizao. Disciplinando de modo uniforme a atividade ou o segmento de atividade confiado a cada uma das unidades organizativas, garante-se, por outro lado, um controle fcil e uma possibilidade de rpida agilizao na transmisso das ordens e das diretrizes de cpula, sempre que isso for necessrio. VII. A CRISE DA ORGANIZAO HIERRQUICA. A organizao ministerial de tipo hierrquico voltada para a acentuao da unidade e regularidade formal da ao administrativa move-se, na verdade, dentro de uma relao de relativo equilbrio com os objetivos de ordem e disciplina inerentes administrao segundo a concepo dominante do Estado liberal. Por outro lado, essa organizao representa, tambm, a negao destas exigncias se se levar em conta a carga poltica implcita que ela supe. Enquanto se admite que a Administrao pblica deve atuar imparcialmente, cumprindo, de preferncia, o mandado na lei, verifica-se, por outro lado, estar ela organizada de tal maneira que se torna facilmente permevel interferncia de partes. Esta profunda contradio no tardar a vir ao de cima, colocando, em termos
  • 22. 14 ADMINISTRAO PBLICA dramticos, o problema da separao da esfera poltica da esfera administrativa. Entretanto, se se prescindir do aspecto da tutela jurisdicional, no sero alcanadas seno solues parciais e imprprias, tendo em vista as causas de fundo que originaram o problema. Quando se deveria dar um lugar distinto, respectivamente, s estruturas de Governo (e de seus rgos auxiliares) e s estruturas administrativas, atribuindo a estas ltimas uma configurao autnoma precisa (lembremo-nos dos rgos e agncias existentes no escalonamento hierrquico da Sucia e da Amrica do Norte), verifica-se apenas a concesso de garantias para o corpo burocrtico em contraste com a classe poltica dirigente, assim como a concesso de privilgios para a maioria dos servidores a ela subordinada, sem que as estruturas percam seu carter uniforme e hierrquico. A criao de garantias de Estado para os empregados, o crescimento numrico do corpo burocrtico e, de um modo geral, o poder alcanado por este em relao classe poltica (mesmo nos servios a ela prestados nos partidos e por ocasio de eleies) representam fatores que contribuem para agravar as condies de irresponsabilidade prtica de cada um e da organizao em seu conjunto. Essa disparidade concorrer, por seu turno, para enfraquecer mais o controle poltico at reduzi-lo a termos meramente fictcios, pouco ou nada ajudando na imparcialidade da ao administrativa. Acrescente-se a isto a considerao de que nem se constituram centros de governo autnomo regional e local (para uma distribuio vertical do poder poltico) nem se realizaram, a nvel local, aquelas formas de autogoverno ou de auto-administrao, prprias do sistema ingls de ordenao onde as funes estatais perifricas so entregues a rgos eletivos. Em um e outro caso poderiam ser retomadas as condies de um decisivo controle poltico e de uma relao de responsabilidade mais direta entre administradores e administrados. sabido, por outro lado, que se assiste a uma progressiva absoro, por parte da rbita estatal, das atividades administrativas de interesse local dos municpios, das provncias e at dos Estados, nos pases federados. Na Itlia constata-se a represso da autonomia poltica das provncias existentes no perodo fascista. A mudana sucessiva das tarefas administrativas conseqncia da consolidao do Estado social pressupe fundamentalmente os mesmos princpios que sustentavam a organizao hierrquica tradicional como exigncia de reforo das estruturas e das modalidades de ao relacionadas com os novos objetivos e com os fins da prestao dos servios sociais e da gesto das atividades econmicas, e relacionadas tambm com a soluo integrada dos problemas de desenvolvimento da sociedade e com a consecuo efetiva dos resultados econmico-sociais visados. Perante tais problemas, as estruturas atuais no possuem a capacidade de uma flexvel e tempestiva adaptao. Por seu lado, a ao administrativa, se continuar centrada sobre atos e competncias exatas, ir complicar-se para alm do que desejvel no ponto de vista comportamental e ter efeitos paralisantes sobre a vida do pas. Destarte, aquilo que deveria ser um tipo de organizao realista e de eficincia administrativa terminar por ser um mecanismo de funcionamento baseado em regras ultrapassadas no tempo e apoiado em critrios de autodefesa e de auto-perpetuao desligados do contexto vivo da ao e das diretrizes do Governo. VIII. A ADMINISTRAO PARA RGOS E EMPRESAS. A crise da organizao administrativa tradicional no se seguia, at agora, a criao de um modelo ou de um tipo alternativo de administrao. A tendncia atual, j iniciada tempos atrs, est voltada, de preferncia, para a ruptura da unidade do sistema administrativo e para a introduo, em seu lugar, de uma pluralidade de tipos de administrao, presentes no interior de uma mesma organizao. A primeira tendncia alternativa a assinalar, enriquecida por vasta gama de manifestaes concretas, estaria em evitar a organizao ministerial. Respeitando a unidade do poder polticogovernamental, dentro da rea da administrao, verifica-se, desde o incio do sculo, o recurso, cada vez mais generalizado, a rgos e a empresas autnomas, ao mesmo tempo que, o Governo, pouco a pouco, mediante interveno, anexa novos campos de ao e coloca novas exigncias de promoo operacional nos diversos setores econmico-sociais. A organizao interna de tais estruturas no se diferencia substancialmente da ministerial, da qual reproduz as principais disfunes sem assegurar as vantagens desejadas, seja em ordem a uma maior correspondncia poltica, seja em ordem a uma maior eficincia administrativa. O recurso a estruturas alternativas se amplia, pois (tornando-se com isto particularmente significativo). No emprego de formas organizativas prprias do mundo econmico e empresarial privado (em particular, as sociedades acionrias de
  • 23. ADMINISTRAO PUBLICA participao ou de direito pblico), primeiro para os grandes setores de economia de base e, depois, como aconteceu em tempos recentssimos, para as atividades tecnologicamente sofisticadas ou complexas do ponto de vista organizativo (informtica, tcnicas e participao de programao organizativa, territorial e econmica, etc.). Tudo isto vem determinar, num quadro dominado por uma organizao ministerial em ao, na forma acima descrita, juntamente com uma maior amplicidade e oportunidade da participao, ulteriores e no menos graves problemas sobre a organicidade da ao pblica em seu complexo, assim como no que diz respeito s possibilidades de real direo e controle da mesma, seja por parte do Governo, seja por parte do Parlamento, seja ainda por parte da coletividade em geral. IX. A ADMINISTRAO POLTICA E A PROGRAMAO. O processo de desenvolvimento da tendncia acima referida foi paulatinamente revelando a necessidade de enfrentar o problema administrativo dentro de uma perspectiva de carter global mais ampla. Uma perspectiva que levasse em conta no apenas o modo de ser das estruturas burocrticas, mas buscasse tambm as solues atravs da reviso do papel e da configurao de um lado, num confronto direto com as instituies polticas e governamentais, e; do outro, numa avaliao das instituies e das estruturas sociais como tais. Dada a variedade das atividades administrativas, que compreendem momentos funcionais diversos desde aqueles que so propriamente governamentais ou de rgos auxiliares do Governo at os que so de prestao de servios utilitrios ou especficos, ambos configurveis dentro de uma relao de complementaridade especfica, existe a perspectiva de que os novos tempos exigiro que seja dada uma expresso adequada aos diversos momentos funcionais, incluindo o plano organizativo que deve olhar as caractersticas e os requisitos peculiares de cada servidor num ordenamento democrtico. Isto comporta uma mudana radical no modo de conceber e de colocar a ao administrativa. A verdade que valorizando-se os diversos aspectos ou momentos funcionais, a ao administrativa dever ser colocada numa relao imediata com os objetivos a atingir e com as instituies polticas e sociais, num quadro constante de interdependncia entre escolhas e resultados. por este motivo que se assiste hoje a um processo de fragmentao que atinge a Administrao pblica. De uma parte, procura-se reconstruir as estruturas de Governo (tanto do centro 15 como da periferia) no mbito direto de responsabilidade das instituies polticas; de outra parte, procura-se vitalizar estruturas de gesto no mbito direto de responsabilidade das instituies e dos grupos sociais. Segundo essa tendncia, o conjunto das atividades administrativas deveria distribuir-se por todo o arco da organizao polticosocial. O problema administrativo parece que poderia resolver-se superando as estruturas burocrticas, na prefigurao de dois tipos distintos de administrao: a administrao poltica, inserida nas novas estruturas de Governo, e a administrao social, correspondente s estruturas de gesto, expresso do autogoverno das coletividades territoriais e pessoais que agem no seio da comunidade nacional. A fim de que tal coisa possa realizar-se, parece que o primeiro problema funcional a ser reavaliado e reestruturado o do Governo. Em dois sentidos: rompendo com o carter unitrio e centralizador que tradicionalmente arrasta consigo, e dot-lo de adequadas modalidades de desdobramento. No primeiro ponto de vista colocada em relevo a regionalizao como processo comum em voga, tanto na Itlia como na Europa. Tal regionalizao pode fazer-se atravs da distribuio dos poderes do Estado e tambm atravs da coordenao dos poderes locais ( um modo de se retomar, atualizada, a frmula dos Estados federados que tendem a assumir caractersticas afins aos Estados regionais). O segundo ponto de vista coloca em destaque o mtodo da programao. J que as leis tendem cada vez mais a fixar os objetivos ltimos e a deixar necessariamente amplo espao para a ao executiva, compete a esta substancialmente determinar as prprias modalidades de participao no espao e no tempo, fixando, ou melhor, projetando concretamente o programa a desenvolver. O ponto alto da ao do Governo est, portanto, na programao e no planejamento, os quais, embora no garantam mais, como acontecia na administrao tradicional, a discriminao entre autoridade e liberdade, na medida em que primazia aos interesses das pessoas e dos rgos pblicos em relao aos interesses privados, estabelecem, entretanto, critrios e instrumentos para o cumprimento de objetivos comuns de relevncia social, arbitrando e mediando entre uma pluralidade de interesses coletivos. Daqui nasce particularmente a exigncia (repetidamente presente na legislao) de dar amplo relevo ao processamento na fase de formao dos programas, na mira de favorecer a participao desses interesses e de obter uma ponderao conveniente por parte da administrao poltica.
  • 24. 16 ADMINISTRAO PUBLICA Os programas representam tambm o parmetro de comparao e de colocao dos vrios centros de Governo, respeitada a autonomia e a execuo de cada um nos vrios nveis e di