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DIÁLOGOS INTERCORRENTES ENTRE PEDAGOGIA, DIDÁTICA E EDUCAÇÃO SOCIAL: PERSPECTIVAS TEÓRICAS E FORMATIVAS O painel se estabelece na interlocução de trabalhos que convergem ao propósito de problematizar as relações entre a Pedagogia, como campo de conhecimento e área de formação/prática profissional, e questões sobre práticas educativas desenvolvidas em espaços sociais diversos. Tais espaços ampliam a perspectiva da educação como processo de formação humana, amplo e dinâmico. No painel, contempla-se a Didática como um saber-fazer mediador dessas práticas para além do marco da instrução formal. Os três trabalhos que configuram o painel buscam articular um debate em torno: a) das contribuições da Pedagogia Social ao fazer pedagógico em espaços não escolares; b) do panorama atual da formação de pedagogos para atuação nesses espaços, contemplando registros analíticos construídos a partir de um mapeamento curricular extensivo a 20 (vinte) cursos de Pedagogia de diferentes regiões do Brasil; c) das razões que justificam a necessidade de ampliação do diálogo entre a Didática e a Educação Social, tendo em vista as problemáticas sociais, culturais e institucionais implicadas em processos educativos na contemporaneidade. Contemplando dados resultantes de pesquisas bibliográficas e empíricas, as considerações expostas nos trabalhos baseiam-se no referencial comum que compreende a Pedagogia como Ciência da Educação e a Didática em seu sentido mediador constituído na tríade que integra o educador, o educando e o saber. Discute-se uma Didática situada em contextos concretos e concebida através de diferentes formas de significação. Ao propor o debate centrado nas contribuições alcançadas pelas conexões entre os trabalhos que formam o painel, pretende-se destacar elementos que colaboram com a discussão sobre o processo de profissionalização de educadores para o campo não escolar; o papel da Didática na formação e na prática desses atores, referenciando os aportes que a Pedagogia/Educação Social fornece à construção de ferramentas conceituais e operativas para o trabalho pedagógico desenvolvidos no marco da educação para além da escola. Palavras-chave: Pedagogia, Didática, Educação Social XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 10617 ISSN 2177-336X

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DIÁLOGOS INTERCORRENTES ENTRE PEDAGOGIA, DIDÁTICA E

EDUCAÇÃO SOCIAL: PERSPECTIVAS TEÓRICAS E FORMATIVAS

O painel se estabelece na interlocução de trabalhos que convergem ao propósito de

problematizar as relações entre a Pedagogia, como campo de conhecimento e área de

formação/prática profissional, e questões sobre práticas educativas desenvolvidas em

espaços sociais diversos. Tais espaços ampliam a perspectiva da educação como

processo de formação humana, amplo e dinâmico. No painel, contempla-se a Didática

como um saber-fazer mediador dessas práticas para além do marco da instrução formal.

Os três trabalhos que configuram o painel buscam articular um debate em torno: a) das

contribuições da Pedagogia Social ao fazer pedagógico em espaços não escolares; b) do

panorama atual da formação de pedagogos para atuação nesses espaços, contemplando

registros analíticos construídos a partir de um mapeamento curricular extensivo a 20

(vinte) cursos de Pedagogia de diferentes regiões do Brasil; c) das razões que justificam

a necessidade de ampliação do diálogo entre a Didática e a Educação Social, tendo em

vista as problemáticas sociais, culturais e institucionais implicadas em processos

educativos na contemporaneidade. Contemplando dados resultantes de pesquisas

bibliográficas e empíricas, as considerações expostas nos trabalhos baseiam-se no

referencial comum que compreende a Pedagogia como Ciência da Educação e a

Didática em seu sentido mediador constituído na tríade que integra o educador, o

educando e o saber. Discute-se uma Didática situada em contextos concretos e

concebida através de diferentes formas de significação. Ao propor o debate centrado nas

contribuições alcançadas pelas conexões entre os trabalhos que formam o painel,

pretende-se destacar elementos que colaboram com a discussão sobre o processo de

profissionalização de educadores para o campo não escolar; o papel da Didática na

formação e na prática desses atores, referenciando os aportes que a Pedagogia/Educação

Social fornece à construção de ferramentas conceituais e operativas para o trabalho

pedagógico desenvolvidos no marco da educação para além da escola.

Palavras-chave: Pedagogia, Didática, Educação Social

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10617ISSN 2177-336X

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INSERÇOES DA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR COMO OBJETO FORMATIVO

DO CURRÍCULO DO CURSO DE PEDAGOGIA NO BRASIL: INDICATIVOS

E PROBLEMATIZAÇÃO

José Leonardo Rolim de Lima Severo – UFPI

[email protected]

RESUMO: O texto apresenta considerações analíticas sobre a formação do pedagogo

para atuação em espaços de Educação Não Escolar (ENE) a partir de um mapeamento

curricular extensivo a 20 (vinte) cursos de Pedagogia no Brasil. A análise configurou-se

na perspectiva de reconhecer como a ENE se constitui em objeto de formação de

pedagogos de acordo com os modos pelos quais se encontra inserida em Projetos

Pedagógicos de cursos e estruturas curriculares. Seguindo, como metodologia analítica,

o fio condutor da análise categorial de conteúdo, agrupou-se unidades de registro de tipo

temático em torno das categorias “ENE e objetivos e finalidades dos cursos” e “ENE e

as dimensões formativas dos currículos”. O processo analítico permitiu problematizar

que é necessário ao currículo do curso de Pedagogia estabelecer eixos ou dimensões

formativas que contemplem a ENE de modo mais substancial, situando seus cenários e

modelos de intervenção. Indica, ainda, que a perspectiva da docência ampliada proposta

pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso não tem se constituído em um

princípio que permita concretizar o propósito de formar o pedagogo para campos

profissionais inscritos no universo da ENE, uma vez que, sob esse princípio, as ênfases

dispostas nos currículos recaem, quase que exclusivamente, na formação de

profissionais para o magistério escolar. Considera-se que a ausência de um significado

epistemológico da Pedagogia como Ciência da Educação, em seu sentido amplo, pode

servir como subsídio para ressignificar princípios e estratégias curriculares do curso

para impactar uma formação pedagógica mais plural e consistente em face dos desafios

que emergem na prática profissional escolar e não escolar.

Palavras-chave: Pedagogia; Educação Não Escolar; Currículo.

1 Introdução

O objetivo do texto é apresentar uma análise dos modos de inserção da Educação

Não Escolar como objeto formativo do curso de Pedagogia. A análise se pauta por um

mapeamento curricular extensivo a 20 (vinte) Projetos Pedagógicos de Cursos de

Pedagogia (PPCs), correspondentes aos cursos localizados nas maiores universidades

públicas de cada unidade federativa do Brasil.

Como parte constitutiva de uma pesquisa de abrangência maior acerca dos

discursos epistemológicos e formativos sobre a Pedagogia e a Educação Não Escolar

(ENE), os registros analíticos apresentados no texto são frutos de um processo de

reflexão orientado na perspectiva de reconhecer como a ENE se constitui em objeto de

formação de pedagogos, considerando a sua inserção na configuração formativa

expressa nos documentos curriculares e o modo pelo qual ele se manifesta na

construção das finalidades do currículo do curso de Pedagogia.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10618ISSN 2177-336X

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2 Anotações metodológicas

De acordo com o marco metodológico da pesquisa, foram incluídos PPCs de 20

cursos de Pedagogia no Brasil. Considera-se que essa amostra manifesta

representatividade por abranger cursos de Pedagogia distribuídos em todas as regiões do

Brasil e estarem localizados em instituições que se destacam por ofertarem o maior

quantitativo de vagas para ingresso no Ensino Superior em seus respectivos estados,

sendo detentoras do maior número de discentes matriculados.

A intenção inicial no planejamento desta pesquisa foi eleger os cursos de

Pedagogia com o maior número de egressos formados nos últimos 07 anos, período que

se estende desde 2006, ano em que as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para o

referido curso foram promulgadas, até 2013. Porém, não foi possível acessar esse dado

nas bases oficiais do Ministério da Educação, através do Instituto Nacional de Pesquisas

Educacionais (INEP), cabendo a eleição de outro critério de delimitação amostral.

Sendo assim, optou-se eleger o curso de Pedagogia do campus central das maiores

universidades dos estados e do Distrito Federal.

A busca pelos PPCs operacionalizou-se por meio do acesso aos sites das

universidades ou, nos casos em que essa estratégia não foi bem sucedida, através de

contato direto com órgãos de coordenação dos cursos. Assim, foram localizados e

analisados 20 PPCs, cujas especificações constam no quadro abaixo.

Quadro 1 – Instituições às quais pertencem os PPCs incluídos no corpus amostral.

UF* Instituição Sigla Cidade

AL Universidade Federal de Alagoas UFAL Maceió

AM Universidade Federal do Amazonas UFAM Manaus

AP Universidade Federal do Amapá UNIFAP Macapá

BA Universidade Federal da Bahia UFBA Salvador

CE Universidade Federal do Ceará UFC Fortaleza

ES Universidade Federal do Espírito Santo UFES Vitória

MS Universidade Federal do Mato Grosso do Sul UFMS Campo Grande

MT Universidade Federal do Mato Grosso UFMT Cuiabá

PA Universidade Federal do Pará UFPA Belém

PB Universidade Federal da Paraíba UFPB João Pessoa

PE Universidade Federal do Pernambuco UFPE Recife

PI Universidade Federal do Piauí UFPI Teresina

PR Universidade Federal do Paraná UFPR Curitiba

RJ Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ Rio de Janeiro

RO Universidade Federal de Rondônia UNIR Porto Velho

RR Universidade Federal de Roraima UFRR Boa Vista

RS Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Porto Alegre

SC Universidade Federal de Santa Catarina UFSC Florianópolis

SP Universidade de São Paulo USP São Paulo

TO Universidade Federal de Tocantins UFT Palmas

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* UF: Unidade Federativa

Fonte: Dados do autor (2014).

Outra informação preliminar sobre os PPCs é que sua vigência como documento

regulador do funcionamento dos cursos se situa entre os anos de 2007 e 2013, com

preponderância do ano de 2007 (45%). Possivelmente, alguns documentos estão em

processo de revisão e podem dar lugar a outras versões atualizadas pelas instituições.

Nesse sentido, a análise dos mesmos corresponde a esse contexto histórico.

O processo de análise dos PPCs seguiu a linha da análise de conteúdo a partir

das seguintes categorias previamente constituídas em consonância com os objetivos da

investigação: ENE e os objetivos e finalidades do curso de Pedagogia; ENE e saberes

curriculares no curso de Pedagogia; Significados epistemológicos da Pedagogia. De

acordo com o método de análise categorial (BARDIN, 2010), foi feita a leitura flutuante

dos PPCs e definição das unidades de análise, as quais foram de base não nominal

definida como “tema”, que consiste em “[...] una oración o proposición acerca de algo

[...]” (PÉREZ SERRANO, 2007, p. 147). De modo particular, nesse trabalho

apresentam-se considerações relativas a categoria “ENE e os objetivos e finalidades do

curso de Pedagogia”.

3 A perspectiva geral de formação de pedagogos para a ENE quanto aos objetivos

e finalidades dos cursos de Pedagogia

Os PPCs analisados apresentam um texto permeado pela referenciação direta e

indireta às Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia (DCNs)

(BRASIL, 2006), de modo que é possível observar, em diversos aspectos, uma

convergência de sentido relativo ao significado epistemológico da Pedagogia e ao

significado da profissão assumida pelo egresso do curso, inclusive com longas

transcrições literais em alguns tópicos do texto. Contudo, os PPCs, ao mesmo tempo em

que apresentam sinergias de sentido em seu conteúdo com o discurso das DCNs,

expressam também uma densidade de significados variados que, em alguns aspectos, se

mostram contraditórios ou ambivalentes.

Dos 20 projetos analisados, 11 explicitam e discorrem sobre a base conceitual

que fundamenta a proposta de funcionamento e organização dos cursos de Pedagogia.

Na estrutura dos projetos, os tópicos que comportam essa discussão têm denominações

variadas, como por exemplo: fundamentação teórica, fundamentação conceitual,

princípios norteadores, marco pedagógico, entre outras. O conteúdo referente à base

conceitual corresponde a perspectivas teórico-metodológicas relativas ao conceito de

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educação, escola, sociedade, educador/docente/professor/pedagogo e, em apenas 05

projetos, ao conceito de Pedagogia. Entre essas perspectivas, a ENE apareceu, na

maioria das vezes, em trechos citados originalmente pertencentes ao texto das DCNs,

nas passagens que se tratam dos objetivos do curso.

Nenhum projeto contemplou a definição conceitual de ENE e o próprio conceito

de educação como cenário de práticas profissionais do pedagogo, em um sentido amplo,

envolvendo diversos âmbitos e setores, tampouco é substancialmente evidenciado. Por

outro lado, a discussão sobre questões relacionadas à escola, à docência e à atividade do

professor, tendo como plano de fundo debates acerca da educação escolar brasileira, são

claramente recorrentes.

Desse modo, o principal elemento que sobressaiu na fundamentação conceitual

dos cursos intrínseca aos projetos foi a discussão sobre a docência como base de

formação dos profissionais da educação e de identificação do curso de Pedagogia. Em

11 projetos (UFAL, UFAM, UFES, UFMT, UFPA, UFPE, UFPI, UFRJ, UFSC), tal

discussão se situou em uma perspectiva de análise dos movimentos de crítica à

formação e prática docente, especialmente representados pela ANFOPE, que aparece

citada em todos os referidos projetos.

Em consonância com a definição contida nas DCNs, a docência é configurada

como

[...] ação educativa e processo pedagógico metódico e intencional, construído

em relações sociais, ético-raciais e produtivas, as quais influenciam

conceitos, princípios e objetivos da Pedagogia, desenvolvendo-se na

articulação entre conhecimentos científicos e culturais, valores éticos e

estéticos inerentes a processos de aprendizagem, de socialização e de

construção do conhecimento, no âmbito do diálogo entre diferentes visões de

mundo (BRASIL, 2006, p. 1).

O conceito de docência que atravessa os PPCs, na perspectiva já mencionada nas

DCNs, inclui atividades de ensino, gestão e pesquisa no campo da educação escolar e

não escolar, envolvendo, ainda, práticas especializadas de assessoramento educacional.

De modo geral, os PPCs traduzem esse conceito a partir da definição do pedagogo como

um profissional cujas ações compreendem um espectro variado de possibilidades de

intervenções ligadas à instrução, aos processos de gestão e investigação no campo da

educação. Assim, o conceito de docência que subsidia os PPCs, em conformidade com

o discurso formativo das DCNs, se associa à perspectiva do pedagogo como um

profissional que carrega um triplo caráter identitário articulado entre a dimensão do

ensino, da gestão e da pesquisa. O elemento dinamizador e articulador da base

identitária seria a docência.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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Ainda que, desde essa perspectiva conceitual ampliada, a docência esteja

associada a atividades pedagógicas de gestão e investigação em cenários educativos

diversos, percebe-se que, entretanto, nos PPCs, ela se associa diretamente ao trabalho do

professor em sala de aula. Em alguns projetos, as instituições explicitam uma posição

que, efetivamente, privilegia a opção exclusiva pelo magistério escolar. Conforme

discute Libâneo (2006), o uso da docência como perspectiva para basear um projeto de

formação de pedagogos e sintetizar práticas de ensino, gestão e pesquisa pedagógica se

mostrou categoricamente inadequada.

A opção preferencial explícita pela docência escolar pode ser exemplificada

através dos seguintes trechos retirados de PPCs analisados:

Nesse sentido, em sintonia com o que sempre defenderam as organizações

dos profissionais da educação, em atenção aos anseios da sociedade alagoana,

o/a pedagogo/a que pretendemos formar precisa atender prioritariamente às

necessidades da educação básica que se efetiva nos espaços escolares [...]

Com essa opção preferencial pela educação escolar, o curso de Pedagogia

aqui proposto busca responder às lutas historicamente travadas pelas

entidades nacionais como ANFOPE e FORUNDIR (UFAL, 2006, p. 22).

O curso de Pedagogia da UFSC toma como prioridade a sua inserção junto às

redes públicas de ensino e às unidades escolares, entendendo esse contexto

como foco de formação (UFSC, s/d, p. 16).

Missão do curso: formar, prioritariamente, profissionais para exercer funções

de magistério na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino

Fundamental com profundo conhecimento da dinâmica da sociedade [...]

(UFT, 2007, p. 13).

Os trechos acima transcritos exemplificam opções formativas preferencias

explícitas nos PPCs. Entretanto, ainda que não haja uma justificativa conceitual mais

substancial quanto ao fato do curso se destinar preferencialmente à formação de

professores, há elementos que demonstram uma clara tendência em centralizar o

magistério escolar na discussão sobre os princípios norteadores e a finalidade que

justifica o curso de Pedagogia.

Os PPCs da UFPI, UFPA, UFPR e UFPE foram os únicos documentos em que

se pôde encontrar algum registro explícito sobre o debate epistemológico envolvendo a

Pedagogia ou sobre sua identidade como Ciência da Educação. Não coincidentemente, é

possível encontrar também em alguns desses projetos, em maior ou em menor medida,

registros de crítica à concepção da docência como base de formação.

No PPC da UFPI encontrou-se um registro sobre a natureza epistemológica da

Pedagogia e que a mesma se configura como um princípio da formação do pedagogo. O

texto afirma que “[...] adotando este princípio quer-se assegurar, na formação do

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pedagogo, o estudo da Pedagogia como a ciência da Educação. Nesta concepção,

configura-se a Pedagogia como a ciência que tem como objeto de estudo a Educação

como prática social” (UFPI, s/d, 11). Em função desse pressuposto, afirmou-se que o

trabalho pedagógico “[...] não se limita à ação docente, nem ao ambiente escolar, pois se

mostra relevante e necessário em qualquer contexto, onde haja espaço para o

desenvolvimento de ações educativas” (UFPI, s/d, p. 15).

O PPC da UFPR contextualiza o desenvolvimento curricular do curso de

Pedagogia sob diversos pontos de vista a partir de uma avaliação diagnóstica

envolvendo as perspectivas de discentes e docentes. O texto mencionou que, na

perspectiva dos discentes, alguns aspectos de insatisfação dos alunos quanto às

tradições do curso de Pedagogia consistem na “ausência de concepções de pedagogo;

[...] ênfase no trabalho escolar em detrimento da discussão do papel do pedagogo em

outros espaços pedagógicos [...]” (UFPR, 2007, p. 12). O texto contempla uma

importante discussão que, com base na interlocução com autores que se dedicam ao

debate epistemológico da Pedagogia, a exemplo de Pimenta (2000), problematiza o

sentido do trabalho pedagógico como fundamento da concepção de pedagogo,

reconhecendo a Pedagogia como “[...] ciência que estuda o fenômeno educativo em suas

peculiaridades” (UFPR, 2007, p. 35).

No referido projeto, afirma-se que a base da formação do pedagogo é definida

em função da natureza do trabalho pedagógico, que permite a construção de um perfil

de pedagogo unitário, sob o propósito de romper com a tradição de fragmentação do

currículo e da profissão através das habilitações, “[...] bem como a oposição à proposta

contida nas DCNs, de circunscrição do campo de atuação do pedagogo à docência”

(UFPR, 2007, p. 36).

O PPC da UFPE também define que o significado da Pedagogia como Ciência

da Educação é um pressuposto da formação de pedagogos, entendendo que a

complexidade que a envolve se refere à “[...] relação de integralidade com seus aportes

teóricos sócio-filosóficos, histórico-político-culturais, psicológicos, estéticos [...],

envolvendo diversos campos [...]” (UFPE, 2007, p. 14).

Haja vista a complexidade e amplitude dos objetos e contextos de ação

pedagógica, afirmou-se que:

Em que pese o reconhecimento da centralidade da docência como base da

formação e do trabalho profissional do pedagogo, entende-se também a

necessidade de se conceber a pedagogia materializada em um trabalho

pedagógico mais amplo de interação formativa entre os sujeitos em espaços

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escolares e não escolares, ampliando os estudos e discussões sobre o que é

intencionado alcançar nesses espaços educativos (UFPE, 2007, p. 11).

De acordo com os trechos transcritos anteriormente que ilustram a tendência

encontrada em alguns PPCs quanto à associação entre o significado epistemológico da

Pedagogia e justificação da proposta curricular para formação dos pedagogos,

considera-se que a afirmação da Pedagogia como Ciência da Educação (PIMENTA,

2000; FRANCO, 2008) se constitui em uma razão que subsidia a construção de uma

perspectiva formativa que busca contemplar a dimensão da Educação Não Escolar,

ainda que, no conjunto dos PPCs analisados, inclusive naqueles em que é possível

perceber tal associação, a inserção de eixos, disciplinas e atividades curriculares

voltadas para essa dimensão seja vista de modo pouco substancial.

4 Educação Não Escolar nos objetivos e finalidades do curso de Pedagogia:

aspectos da organização curricular dos cursos

Os objetivos do curso de Pedagogia aparecem como finalidade, missão ou

propósito norteador do processo formativo que se busca desenvolver. Assim sendo,

necessitam traduzir a intencionalidade que fundamenta o curso de Pedagogia em ações

dirigidas ao desenvolvimento de características profissionais que identifiquem o ideal

que o currículo busca alcançar.

Em conformidade com as DCNs, os objetivos dos cursos se propõem, em maior

ou menor medida, a um processo de formação de pedagogos para o ensino, a gestão e a

pesquisa em espaços escolares e não escolares. Contudo, do ponto de vista discursivo,

os textos utilizados para traduzirem os objetivos do curso se revelam como um dado

híbrido em que há ênfases, sobreposições e articulações distintas dos aspectos que

configuram o propósito do curso de Pedagogia. O quadro abaixo apresenta as dimensões

formativas encontradas nos objetivos dos cursos contidos nos PPCs, que explicitam a

centralidade da formação para a escola e a diversidade de modos de inserção de objetos

da formação utilizados para expressar a perspectiva da docência como base de

formação.

Quadro 2: Dimensões formativas dos objetivos dos cursos de Pedagogia

Dimensões formativas PPCs correspondentes

Docência escolar, gestão e pesquisa UFAL, UFAM, UFC, UFES, UFMT, UFPE,

UFT, UNIFA, USP

Docência escolar, gestão e funções especializadas UFBA

Docência escolar e pesquisa UFAM

Docência e gestão escolar UFPA, UFRGS, UFRR

Docência e coordenação pedagógica UFSC

Docência e gestão educativa UFPI, UFRJ, UNIR

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Fonte: Dados do autor (2014).

A tendência geral encontrada no conteúdo dos PPCs é a ideia da docência como

atividade de ensino, o que contradiz a perspectiva de docência ampliada que configura a

base de formação no curso de Pedagogia no Brasil. Ao empregar o termo “docência”

distinto do de “gestão” e “pesquisa”, por exemplo, o texto expressa que, de fato,

reconhece-se que existem diferenças quanto a natureza dessas atividades que, embora

estejam associadas por princípios de base comum, consistem em manifestações distintas

do trabalho pedagógico. Essa observação assinala o caráter contraditório ou de confusão

conceitual que envolve o uso do termo e da respectiva noção, no sentido mais amplo, da

docência nos PPCs, a exemplo do objetivo retirado do PPC da UFBA.

O Licenciado em Pedagogia é um profissional capaz de desempenhar funções

de docência na Educação Infantil e nas Séries Iniciais do Ensino Fun-

damental, bem como de planejamento, gestão, coordenação pedagógica, as-

sessoramento, pesquisa, inspeção, avaliação em redes escolares, unidades es-

colares públicas e privadas, empresas, programas, projetos e quaisquer outras

instituições ou situações onde se realizem atividades de ensino-aprendizagem

(UFBA, 2012 p.14).

Esse caráter se deriva, possivelmente, do imbróglio conceitual que envolve a

perspectiva da docência ampliada. Essa perspectiva se construiu no interior de um

movimento político que defendia que a base da formação de educadores se assentava na

docência, vista aqui como ato de ensinar. Para estabelecer uma contraposição à divisão

técnica do trabalho pedagógico, especialmente na escola – já que pouco se explorou, no

contexto desses movimentos, o trabalho pedagógico não escolar -, argumentou-se que as

diferentes manifestações que constituem as práticas profissionais em Pedagogia detém

uma célula essencial de ensino-aprendizagem, sendo definidas, portanto, desde um

ponto de vista docente. O pedagogo seria, nessa lógica, um docente ou um professor,

que ensina em contextos diversos e que utiliza tecnologias de gestão e pesquisa

educativa em prol desse princípio básico do seu trabalho (LIBÂNEO, 2006).

Nesse sentido, a formação para a docência, de acordo com os objetivos contidos

nos PPCs, corresponde, na verdade, com a formação para o ensino, mais precisamente o

que se efetua no âmbito da Educação Infantil, dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental

e na Educação de Jovens e Adultos, havendo, ainda, algumas poucas referências ao

ensino nos cursos de Normal Nível Médio (Magistério) e outros cursos técnicos na área

de serviços educacionais.

O PPC da UFMT, por exemplo, serve para ilustrar a contradição no uso da

perspectiva da docência ampliada, pois considera que há atividades pedagógicas não

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docentes, inclusive escolares, e, portanto, delimita o campo de atuação do pedagogo

traçando fronteiras entre três setores: Pedagogia Escolar Docente, Pedagogia Escolar

Não-Docente e Pedagogia Não Escolar.

A associação entre Pedagogia e Educação Não Escolar muitas vezes conduz ao

equívoco de se pensar que a atuação pedagógica nesse cenário se refere a um trabalho

de ensino/instrução fora da escola. Por certo, o pedagogo poderá atuar como professor

em práticas educativas não escolares, mas o espectro de habilidades que se associam às

dinâmicas dessas práticas, especialmente as que acontecem no âmbito da ENF, se

estrutura a partir de um conjunto pluralizado de saberes e modos de ação mobilizados de

acordo com as especificidades e necessidades de cada cenário educativo (SEVERO,

2015). Nesse sentido, as habilidades profissionais do pedagogo para intervenções em

ENE incluem o ensino, a gestão e a pesquisa, assim como se exige para a prática

pedagógica escolar, mas envolvem saberes e modos de ação requeridos ao processo de

pensar e agir na educação que se pratica a partir de outras dinâmicas, com outros

sujeitos, objetivos, recursos e modelos metodológicos distintos daquilo que caracteriza

o trabalho na escola.

Com exceção da UFSC, todos os outros PPCs incluem a ENE como cenário de

aplicação dos processos de ensino, pesquisa e gestão, mas dão a entender que se trata de

algo inserido por determinação legal, como se fosse um “acidente curricular”. Utiliza-se

essa expressão, “acidente curricular”, para enfatizar a crítica relativa à tendência dos

PPCs, consoantes ao discurso das DCNs, de objetivar a formação do pedagogo na

preparação para o ensino, especialmente para o magistério nas modalidades da

Educação Infantil, Anos Iniciais da Educação Básica, e supor que desse modo estarão

proporcionando o desenvolvimento de características profissionais relacionadas a uma

concepção mais ampla de trabalho pedagógico para além da escola.

Para operacionalizar os objetivos do curso, os PPCs incluem eixos/dimensões

curriculares seguindo a orientação de classificação de disciplinas e atividades

formativas estabelecida pelas DCNs. Os eixos/dimensões se configuram como

estratégia que serve para articular unidades, disciplinas e atividades formativas que

formam blocos ou ciclos de desenvolvimento do currículo ao longo dos períodos

semestrais ou anuais do curso. Com eles, busca-se superar uma organização curricular

estática, dicotômica e desarticulada, pois possibilitam a configuração de percursos para

a articulação horizontal e vertical das aprendizagens e proporcionam maior organicidade

na relação entre as disciplinas e atividades formativas.

Os eixos/dimensões dos currículos, segundo os PPCs, enlaçam disciplinas e

atividades dos núcleos de estudos básicos, de aprofundamento e diversificação de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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estudos e de estudos integradores. De acordo com as DCNs, a ENE deveria ser inserida

em todos os eixos, seja como tema de estudos teóricos ou de práticas programadas no

curso de Pedagogia, incluindo estágios. Nos PPCs, ela aparece relacionada mais aos

dois primeiros núcleos e em alguns projetos há eixos que a especificam, o que

representa um avanço no sentido da organização curricular para a formação de

pedagogos para intervenções educativas não escolares. No quadro abaixo, apresentam-

se os eixos/dimensões que, de maneira específica, contemplam disciplinas e atividades

voltadas para a ENE, embora exista PPCs que não organizam os currículos utilizando

essa metodologia, mas que contemplam conteúdos relacionados a esse campo em

algumas disciplinas curriculares, como se discutirá no próximo tópico. Vale ressaltar

que nem todos os PPCs classificam as disciplinas e atividades curriculares de acordo

com eixos/dimensões, como no caso da UFES e UFRGS. Por esse motivo, optou-se por

não inserir no quadro essa informação.

Quadro 3 – Eixos/dimensões curriculares que tematizam a Educação Não Escolar no curso de Pedagogia

Instituição Título do eixo/dimensão curricular

UFPA Mundo do trabalho, trabalho docente e processos educativos na contemporaneidade.

UFPE Educação em Espaços Não Escolares.

UFPI Conhecimento relativo à gestão e à organização do trabalho pedagógico na Educação

Formal e Não Formal.

UFRR Fundamentos didático-pedagógicos – Gestão de espaços educativos escolares e não

escolares.

UFT Organização e gestão do trabalho pedagógico na Educação Escolar e Não Escolar

(Núcleo de Estudos Básicos);

Diversificação de estudos – educação e cultura afro-brasileira, educação especial e

educação não escolar (Núcleo de Aprofundamento e Diversificação de Estudos).

Fonte: Dados do autor (2014).

A tematização da ENE como objeto de formação nos currículos está, nessas

instituições, articuladas aos eixos/dimensões apresentados. Porém, há PPCs, que sem

apresentar eixos/dimensões específicas sobre ENE, objetivam que a formação do

pedagogo deve contemplar, a partir de dispositivos curriculares gerais, o estudo e a

prática dos processos educativos não escolares.

Exemplos desse modo de tematização da ENE no currículo são os PPCs da

UFRJ, da UFAM e da USP. Os mesmos não apresentam eixos/dimensões curriculares

para articular a ENE às disciplinas e atividades formativas, mas buscam instituir

percursos que a contemplem na formação do pedagogo. Partindo da consideração que o

curso de Pedagogia deve assimilar as demandas de “[...] b) aplicação de princípios de

gestão democrática em espaços educativos escolares e não escolares; c) observação,

análise e implementação de processos educativos e experiências educacionais em

ambientes escolares e não escolares” (UFRJ, 2007, p. 26), o PPC dessa Instituição prevê

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10627ISSN 2177-336X

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que as disciplinas ligadas a organização do trabalho pedagógico poderão suprir tais

demandas. O PPC da USP, ao utilizar de um sistema de Percursos Formativos que

oferecem disciplinas interdepartamentais fixas e outras variáveis em cada período do

curso de Pedagogia, estabelece que o percurso denominado de “Política e Gestão da

Educação” intenciona formar o pedagogo para “[...] coordenar trabalhos individuais e

coletivos na escola, participar de processos de avaliação de sistemas e unidades

escolares e atuar em órgãos de sistemas e redes de ensino e de outras instituições com

fins educacionais” (USP, 2012, p.25). Vale ressaltar que no ano de 2012, não havia

disciplinas fixas nem variáveis especificamente voltadas para a ENE.

5 Considerações conclusivas

Alguns aspectos de síntese sobressaem na análise da ENE quanto aos objetivos e

organização curricular do curso de Pedagogia. Percebeu-se que a maioria dos PPCs

contemplou a ENE associada a processos de ensino, gestão e pesquisa, dentro do que se

entende por paradigma de docência ampliada. Mas, essa perspectiva está fortemente

vinculada ao magistério e ao trabalho escolar, circunstância que se constitui num

aspecto problemático na medida em que centraliza a formação do pedagogo na questão

escolar e sugestiona que a abordagem e desenvolvimento de saberes para a ENE se dá

por desdobramento desse foco principal. Com isso, pode-se dizer que a ENE está

secundarizada e não se configura como parte fundamental do objeto de formação no

curso de Pedagogia, ou seja, não aparece como uma dimensão essencial do trabalho

pedagógico a partir do qual se estabelecem estudos sobre sentidos e metodologias da

prática do pedagogo em espaços educativos diversificados, visto que o trabalho

pedagógico é tido como trabalho docente e este é significado como trabalho de

magistério escolar.

A ênfase no ensino, na gestão e na pesquisa a partir do contexto escolar pôde ser

percebida nos objetivos dos cursos segundo os seus PPCs. Nos mesmos, trata-se de

priorizar, implícita ou explicitamente, a formação para a docência, no sentido de

formação para o magistério, e a ENE aparece como desdobramento dessa formação.

É legítimo pensar que o que se espera de um pedagogo em espaços de ENE

muitas vezes dialoga com as habilidades necessárias ao trabalho do pedagogo na escola

como professor. A prática do magistério, da gestão e da pesquisa em Pedagogia segue

orientações teleológicas que se associam a concepções de sujeito e sociedade que

transcendem o cenário em que as práticas educativas ocorrem, pois são intrínsecas ao

próprio sentido emancipador da educação. Desse modo, grande parte dos saberes e

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10628ISSN 2177-336X

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habilidades declaradas nas DCNs que são, em vários casos, reproduzidas nos PPCs,

pode ser sobreposta tanto no campo da ENE quanto no campo da Educação Escolar.

Entretanto, a dimensão técnico-operativa do trabalho pedagógico em cada um desses

contextos necessita ser melhor compreendida em termos de finalidades, objetivos e

saberes-fazeres que o curso de Pedagogia pode desenvolver.

É necessário ao currículo do curso de Pedagogia estabelecer eixos ou dimensões

formativas que contemplem a ENE de modo específico, tematizando seus cenários e

modelos de intervenção, a fim de que o pedagogo possa construir uma profissionalidade

que lhe permita atuar com competência em contextos diversos e romper com a lógica de

que a prática pedagógica não escolar pode ser desenvolvida sob a ausência de critérios

específicos, baseada apenas na experiência vivida do sujeito ou com a reprodução de

dinâmicas próprias da escola, como indica Severo (2015)

Referências

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2010.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes

Curriculares Nacionais para o curso de Graduação em Pedagogia. Resolução n°1 de 15

de maio de 2006. Brasília: MEC, 2006.

FRANCO, Maria Amélia Santoro. Pedagogia como ciência da educação. 2.ed. São

Paulo: Cortez, 2008.

LIBÂNEO, José Carlos. Diretrizes curriculares da pedagogia: imprecisões teóricas e

concepção estreita da formação profissional de educadores. Educação e Sociedade, v.

27, p. 843-876, 2006.

PÉREZ SERRANO, Gloria. Investigación cualitativa: retos e interrogantes. Madrid:

La Muralla, 2007.

PIMENTA, Selma Garrido. Para uma re-significação da didática – ciências da

educação, pedagogia e didática (uma revisão conceitual e uma síntese provisória). In:

PIMENTA, Selma Garrido (Org.). Didática e formação de professores: percursos e

perspectivas no Brasil e em Portugal. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2000.

SEVERO, José Leonardo R. de L. Educação não escolar como campo de práticas

pedagógicas. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v.96, n.244, p.561-

576, set./dez., 2015.

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10629ISSN 2177-336X

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CENAS DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: AS POSSIBILIDADES ENTRE A

DIDÁTICA E A EDUCAÇÃO SOCIAL – PEDAGOGIA SOCIAL

Érico Ribas Machado

[email protected]

UEPG/PARANÁ

Resumo: Este texto possui como objetivo apresentar algumas possíveis reflexões sobre

as aproximações entre o campo disciplinar da didática com o campo disciplinar da

pedagogia social, considerando diferentes lugares e sujeitos envolvidos em práticas

educativas sociais. A necessidade dessa aproximação entre áreas, a priori, distintas, faz

parte dos resultados obtidos em pesquisa de cunho teórico realizada em nível de

doutorado a partir da perspectiva da educação comparada em que se busca compreender

o estágio atual da pedagogia social na Espanha e também no Brasil. Por meio de

levantamento bibliográfico e documental foi possível a reconstituição histórica de uma

área considerada recente no cenário educacional brasileiro. A área da educação social –

pedagogia social pode ser entendida como campo em constituição, principalmente no

contexto brasileiro.

Palavras-chave: Educação Social; Pedagogia Social; Didática.

1 Introdução

Este texto possui como objetivo apresentar algumas possíveis reflexões sobre as

aproximações entre o campo disciplinar da didática com o campo disciplinar da

pedagogia social, considerando diferentes lugares e sujeitos envolvidos em práticas

educativas sociais.

A necessidade dessa aproximação entre áreas, a priori, distintas, faz parte dos

resultados obtidos em pesquisa de cunho teórico realizada em nível de doutorado

(RIBAS MACHADO, 2014) a partir da perspectiva da educação comparada em que se

busca compreender o estágio atual da pedagogia social na Espanha e também no Brasil.

Por meio de levantamento bibliográfico e documental foi possível a

reconstituição histórica de uma área considerada recente no cenário educacional

brasileiro. A área da educação social – pedagogia social pode ser entendida como

campos em constituição, conforme pesquisa realizada anteriormente (RIBAS

MACHADO, 2010).

Algumas conclusões foram obtidas na referida tese que ratificam a afirmação de

que é um movimento de construção: a) com os exemplos da Alemanha, Espanha e

Brasil, ficou demonstrado que a educação social - pedagogia social surge em momentos

de rupturas sociais, quando as abordagens tradicionais não são suficientes para

superação dos problemas gerados em tais circunstâncias; b) confirma-se a tendência da

internacionalização da pedagogia social, sempre mesclada com as tradições educativas

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10630ISSN 2177-336X

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locais para atender a especificidade de cada país; c) as infâncias e adolescências

constituem o berço das primeiras preocupações da educação social - pedagogia social,

que depois incorpora as demais faixas etárias, juntamente com as diversas temáticas que

lhes são próprias; d) a pedagogia social constitui-se como a disciplina científica da

educação social, o que ficou evidente na centralidade que a disciplina tem no curso de

formação de Educadores Sociais de dez universidades espanholas pesquisadas, defesa

encontrada também no movimento brasileiro; e) foi identificada a existência das

vertentes alemã, francófona e anglo-saxã da pedagogia social e suas influências sobre

diversos países, mas desenha-se uma vertente latino-americana que se inspira na

tradição da educação popular, especialmente a linha teórica inspirada em Paulo Freire;

f) a pedagogia social deriva das tendências de proporcionar abordagens educativas aos

problemas sociais; logo, é no campo do social onde são evidentes novas necessidades

que demandam tais abordagens educativas; g) são diversas as práticas educativas

existentes no cenário educacional brasileiro, desta maneira existe a demanda de

formação profissional do Educador Social, trabalhador formado no campo da pedagogia

social para atuação frente às práticas educativas sociais; h) existem divergências na

relação entre teoria e prática na formação e atuação do Educador Social que dificultam a

aplicação prática dos conhecimentos teóricos.

Os elementos descritos podem ser compreendidos como discussões

fundamentais do momento atual que se discute educação social – pedagogia social no

Brasil. Seriam as questões referentes: a) origens da educação social – pedagogia social;

b) a disseminação ou externalização da educação social – pedagogia social; c) âmbitos

de intervenção da educação social – pedagogia social; d) pedagogia social como

disciplina científica específica; e) relação da educação popular com a educação social –

pedagogia social; f) relação da assistência social com a educação social – pedagogia

social; g) formação do Educador Social; h) relação teoria – prática na formação e

atuação profissional do Educador Social.

A abordagem defendida no trabalho é a de que a atuação profissional do

Educador Social ocorre em diversos cenários práticos da educação social, o que

demanda uma formação a partir da pedagogia social, esta compreendida como uma

disciplina científica do campo da Pedagogia. Por mais diversos os âmbitos de

intervenção educativa em que trabalha o Educador Social, ele deve ser um trabalhador

constituído a partir do campo pedagógico e por isso a necessidade da didática dar

suporte na formação acadêmica como também na atuação profissional.

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10631ISSN 2177-336X

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Quando o tema abordado é educação logo o pensamento é direcionado às práticas

educativas escolares relacionadas à lógica docente. Por consequência, historicamente a

didática também é lembrada tradicionalmente as práticas docentes escolares. Seria

possível então pensar questões sobre diferentes lugares e sujeitos inseridos em práticas

educativas sob a ótica da didática?

2 Seria a educação social – pedagogia social um novo cenário educacional?

Para compreender as possibilidades entre os campos da didática e da educação

social – pedagogia social é necessário antes compreender a pedagogia social como uma

disciplina científica derivada da Pedagogia. Uma disciplina que busca compreender

teoricamente os elementos práticos expressos na educação social.

Heinz Sünker e Rita Braches – Chyrek (2009, p. 12) explicam que o contexto

social alemão que impulsionou o surgimento da pedagogia social estava vinculado ao

aumento de problemas sociais, gerando insatisfação com as condições econômicas e

políticas da época. Quintana Cabanas (1997, p. 77) esclarece que esses problemas eram

relacionados às imigrações, greves, aglomerações urbanas, bairros periféricos, questões

intensificadas no período da primeira guerra mundial, e com suas consequências no pós-

guerra. Em decorrência desse contexto, justifica-se a emergência da pedagogia social

como um conceito da teoria educacional, e enquanto campo de estudo, como aponta

Juha Hämäläinen (2003, p. 72), elabora uma crítica da educação focada no

desenvolvimento dos indivíduos sem considerar as dimensões sociais da existência

humana.

Paul Natorp, considerado um dos intelectuais precursores da área, é quem

publica em 1899 o primeiro livro em que se distingue a pedagogia social da pedagogia

individual, chamado Sozialpadagogik: theorie der Willenserziehung auf der Grundlage

der Gemeinschaft, que em 1913 foi publicado na versão em espanhol com o título de

Pedagogía Social: teoria de la educación de la voluntad. Neste livro, o autor explica

que quem educa não são os educadores concretos, mas, sim, a comunidade, e que essa

educação é a favor de uma coletividade e não apenas do indivíduo.

Já o responsável por impulsionar a pedagogia social como uma disciplina

específica, bem como uma área de atuação profissional foi Herman Nohl. Hämäläinem

(2003, p. 71) explica que após a Segunda Guerra Mundial, a linha da pedagogia Ssocial

profissional de Nohl encontrou novas modalidades de expressão, sendo influenciada

epistemologicamente pela hermenêutica crítica e pela teoria crítica, representadas

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10632ISSN 2177-336X

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principalmente por Klaus Mollenhauer e Hans Thiersch. Considerados precursores da

Pedagogia Social moderna, estes deram continuidade à iniciativa de Nohl de

desenvolver a área como uma disciplina autônoma que enfatiza a crítica e a

emancipação social. Sünker e Chyrek (2009, p. 26) incluem Hans-Owe Otto como

também precursor dessa perspectiva moderna.

No processo de desenvolvimento da pedagogia social como área de formação e

atuação profissional, surgiu o movimento do trabalho social que passou a se estruturar

também como área de atuação prática. Afinal pode surgir o questionamento se as

referidas áreas de atuação do Educador Social configuram ou não dentro do campo da

assistência social e não da educação.

Entre os pesquisadores das áreas, existem diversas conceituações e explicações

que divergem ou concordam, mas é importante ressaltar que atualmente as áreas em

questão aparecem de maneira profundamente interligada, aumentando o nível de

complexidade para definições e explicações do que são exatamente e para que serve

cada área. Hämäläinem (2003, p. 75) identifica na literatura três teorias principais sobre

essa questão: a) a pedagogia social e o trabalho social diferem-se completamente; b) a

pedagogia social e o trabalho social são idênticos; c) a pedagogia social e o trabalho

social complementam-se. Por mais incompreensões que essa questão possa gerar para as

análises, a afirmação de Bernd Fichtner (2009, p. 44) ajuda no entendimento inicial de

que existe algo que difere as áreas, pois o trabalho social se caracteriza por ajudar e

cuidar, já a Pedagogia Social se caracteriza por sua perspectiva pedagógica e educativa.

Essas relações entre trabalho social e pedagogia social são complexas, porém a

compreensão dessa questão torna-se fundamental já que existe uma tendência recente

em alguns países de trabalhar com o conceito de Social Work Education, que pode ser

considerada outra configuração do processo de internacionalização da pedagogia social.

Para contribuir com o pensamento da pedagogia social como sendo do campo

educacional, Perez Serrano apresenta a seguinte citação:

La Pedagogía Social o lo socioeducativo sería no tanto, auque también, la

descripción y explicación de la realidade social de la educación, sino el

problema de la educación, esto es, la intencionalidade, lo normativo para la

acción socializadora e integradora, mejorada, transformadora y optimizante

(ORTEGA apud PEREZ SERRANO, 2004, p. 94)

A autora destaca a lógica intervencionista que a pedagogia social possui,

seguindo modelos com valores estabelecidos a partir da própria área, é uma linha

especializada da pedagogia geral que não se limita a apenas descrever os fenômenos

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10633ISSN 2177-336X

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sociais e educativos, mas enquanto teoria quase normativa, com caráter empírico,

direcionará intervenções para guiar e melhorar o comportamento humano nas dimensões

individual e coletiva.

A respeito do caráter teórico prático da pedagogia social, Perez Serrano,

enaltece a importância da práxis como embasamento, chamando a atenção da tendência

de se desvalorizar a teoria em benefício das respostas práticas, mas o quanto isso seria

prejudicial, correndo o risco de perda da identidade da área. Por outro lado, enquanto

ciência prática, ela serve para elaborar a realidade socioeducativa.

Perez Serrano (2004, p. 97) defende que não se pode esquecer que a pedagogia

social, como tantos outros campos do saber, surgiu das necessidades sociais que

demandavam atenção específica em um momento histórico determinado. Sendo assim, a

prática social surge antes da formulação teórica, demandando a reflexão epistemológica

necessária, com a finalidade de “racionalizar a prática”. Citando Buj Gimeno, ela

explica que a pedagogia social desenvolve modelos teóricos que explicam em que

consiste a educação social, atuando na formação do indivíduo, compreendendo-o como

um ser social. Isso significa que o mesmo está dentro da sociedade e que suas relações

acontecem em diferentes espaços, por isso seu alcance atinge contextos também

sistematizados e formalizados da educação, como a própria escola.

Completando as questões já descritas, Caride Gomes (2002, p. 91) explica que

a pedagogia social deve estar comprometida com a elaboração de uma teoria de base

científica, em que o estatuto epistemológico requer a presença de três dimensões: a

explicativa, que se refere a proporcionar modelos interpretativos dos problemas e

realidades; a projetiva – normativa, por meio da qual torna-se válido o saber orientado a

organizar atuações pedagógicas que gerem processos de mudança e transformação; e a

prática, que contempla os três elementos, direcionando a ação – intervenção

socioeducativa na resolução de problemas concretos.

A respeito da definição do objeto e do conceito da pedagogia social, o autor

descreve os seguintes critérios ou princípios: deve compor o contexto dos paradigmas

das ciências da educação; ter como referência a práxis educativa; permitir reafirmá-la

como a disciplina científica que se ocupa da educação social, integrando diferentes

perspectivas advindas da pedagogia, psicologia, sociologia, antropologia, história,

direito, entre outras; se desenvolva em função dos seus próprios pressupostos, que por

uma parte significa a análise do seu objeto de estudo e dos diversos elementos que

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estruturam a ação socioeducativa, e por outro, na análise do método, que deverá

congregar aspectos relativos ao conhecimento e a ação concreta.

Os argumentos utilizados pelos autores confirmam a educação social –

pedagogia social como uma disciplina científica que emerge da Pedagogia. No caso

brasileiro pode ser considerado como um novo cenário educacional a questão referente a

defesa de uma formação delineada para um perfil profissional ainda não existente nas

leis do país, inclusive temática atual em debate no congresso nacional. É evidente que

nos cenários educacionais brasileiros não são novidades as práticas educativas nos mais

diversos espaços com os mais diferentes sujeitos.

3 As possibilidades entre a didática e a educação social – pedagogia social

A posição assumida no decorrer das pesquisas realizadas no estudo doutoral

concorda com as posições de que a Pedagogia constitui-se como a Ciência da Educação.

Defesa elaborada no contexto brasileiro por pesquisadores, entre outros, como Pimenta

(1996), Franco (2008) e Libâneo (2012). A didática é também entendida como uma

disciplina científica relacionada à Pedagogia, pois como explica Libâneo:

A didática, assim realiza objetivos e modos de intervenção pedagógicos em

situações específicas de ensino e aprendizagem. Tem como objeto de estudo

o processo de ensino – aprendizagem em sua globalidade, isto é, suas

finalidades sociais e pedagógicas, os princípios, as condições e os meios da

direção e organização do ensino e da aprendizagem, pelos quais se assegura a

mediação docente de objetivos, conteúdos, métodos, formas de gestão do

ensino, tendo em vista a apropriação das experiências humanas social e

historicamente desenvolvidas (LIBANEO, 2012, p.39).

Por mais que o autor utilize o direcionamento das reflexões para a mediação

docente, claro pensando o trabalho do professor, defende-se a ideia de que a didática

pode contribuir com elementos fundamentais na constituição profissional do Educador

Social. É possível defender que o processo de mediação que o futuro profissional da

educação social – pedagogia social é um processo de ensino – aprendizagem, pois

possuem intencionalidades específicas formuladas a partir de também conteúdos

elaborados culturalmente e historicamente.

Assim, se percebe e se entende o Educador Social brasileiro como um

protagonista capaz de propiciar que muitos sujeitos possam reescrever os roteiros de

suas vidas, tendo como fator fundamental e principal os processos educativos que

possibilitem condições de conscientização que, consequentemente, resultarão em

rompimentos com padrões opressivos, mediando a autoemancipação dos envolvidos na

atuação. Lutar contra o sistema é o que marca a atuação de sujeitos que receberam

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diversas nomenclaturas nos processos educativos sociais que permearam os

atendimentos e cuidados aos grupos humanos no passar dos anos. Recentemente, no

Brasil, passam a se autodenominar Educadores Sociais, mesmo que não sejam ainda

reconhecidos como profissionais que, por meio da experiência prática, acumulam

saberes significativos em relação ao seu trabalho. Esses trabalhadores cada vez mais se

articulam e buscam serem identificados como pertencentes a uma profissão regida

legalmente, que estabeleça direitos e efetive suas garantias, pois seus deveres já

executam faz tempo e em condições de extrema falta de estrutura. São questões de

precariedade e falta de identidade profissional que muitas vezes os tornam próximos dos

próprios grupos com quem direcionam seus labores.

É importante esclarecer que existem diversas definições que explicam ou

tentam definir quem é o Educador Social. Nos países que possuem certa estruturação da

área, esse profissional é aquele formado devidamente nos seus cursos que habilitam essa

titulação. No caso brasileiro, podemos considerar como Educadores Sociais

trabalhadores que atuam com processos educativos que possibilitem o desenvolvimento

de conscientizações dos sujeitos e possam gerar possíveis transformações sociais.

Com essa definição de quem é o trabalhador Educador Social no Brasil, é

possível refletir como que a didática pode então contribuir para a futura

profissionalização atrelada a educação social – pedagogia social.

Aran e Miravalles (2003, p.75) chamam a atenção para essa discussão afirmando

que é necessário que a didática enquanto disciplina específica seja capaz de desvincular-

se das questões exclusivas do trabalho docente escolar e que direcione o embasamento

para reflexões também a partir da educação social. Os autores elegem cinco aspectos

que deverão ser considerados a respeito: a) a existência de uma grande diversidade de

âmbitos de ação o que torna difícil a delimitação do campo onde ocorrerá a intervenção

educativa; b) relevância de processos educacionais com um grau de formalidade

diferenciado daqueles considerados tradicionais, superando as concepções de educação

não formal e informal; c) grande diversidade de necessidades e muitas delas

relacionadas com situações problemáticas ou potencialmente problemáticas; d) é

frequente a necessidade de preocupar-se mais com processos de ensino – aprendizagem

de atitudes e habilidades específicas; e) deve haver forte inter-relação dos profissionais

da educação social com outros profissionais.

Considerando os aspectos relacionados acima, o campo da didática pode articular-

se com o campo da pedagogia social o que permite gerar uma educação social com

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referências importantes que orientam a ação educativa. É importante esclarecer que nas

pesquisas realizadas na Espanha, nos planos de estudo das graduações em educação

social, a didática aparece como uma disciplina específica na formação profissional, mas

não é obrigatória. Também é importante esclarecer que o campo científico da didática

não pode ser entendido como apenas um campo técnico que inspire instruções de como

trabalhar com grupos, ou seja, a didática na formação do Educador Social não

corresponde a técnicas de animação ou dinâmicas de grupo, pois como esclarecem Aran

e Miravalles (2003, p.76) a didática é: a) necessária na educação social para definir os

pontos de referência para tomar as decisões educativas; b) para poder guiar a ação

educativa; c) para planejamento das tarefas; c) para elaboração de critérios de reflexão

sobre a prática para melhora-la, ou seja de diagnóstico e avaliação;

É importante esclarecer que no caso brasileiro ainda não temos a profissão

reconhecida legalmente, ou seja, não existe definição de como deve acontecer a

formação do Educador Social. Existem dois projetos de lei um na Câmara dos

Deputados 5346/2009 e outro no Senado Federal 328/2015 que pretendem estabelecer

os critérios de atuação e formação profissional. Também não existe consenso no meio

acadêmico a respeito de como deverá ocorrer a formação deste profissional. O que

existe de concreto é que a área da assistência social está contratando trabalhadores com

a denominação de Educador Social para atuarem nos estados e municípios a partir das

políticas da assistência. Outra questão concreta é a existência de associações de

educadores sociais em algumas partes do país que buscam e demandam debates sobre

esse campo.

Sobre a formação do Educador Social, está claro que o campo científico é a

pedagogia social, por consequência compete a Pedagogia. Mas o Curso de Licenciatura

em Pedagogia no país é direcionado a formação do docente para atuação na Educação

Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, como também para a Gestão Escolar.

Vale ressaltar que é uma conquista importante para a história da educação brasileira que

a formação de professores para os referidos níveis seja em uma graduação universitária.

A questão posta é que na configuração atual do curso de graduação em pedagogia

existem apenas disciplinas que discutem a atuação pedagógica em diferentes espaços

não – escolares como demonstra a pesquisa de doutorado de Severo (2015). No caso da

Espanha existem as Faculdades de Educação nas universidades e dentro delas existem

os cursos de graduação em Pedagogia e outros cursos de graduação em Educação

Social.

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10637ISSN 2177-336X

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O que é possível compreender é que as demandas postas pela sociedade no contexto

brasileiro expressam que a formação profissional do Educador Social é uma necessidade

e que essa formação exige peculiaridades complexas não cabendo a apenas disciplinas

isoladas e sim um conjunto de disciplinas que habilitarão esse trabalhador possuir o

domínio do fazer pedagógico com os mais diversos grupos humanos. A esse respeito a

didática passa a ter um papel central nessa formação.

4 Considerações Finais

É interessante refletir que essa perspectiva de considerar a didática como

elemento formativo do Educador Social ratifica e perspectiva de compreensão desse

profissional como um trabalhador da Educação, assim como o Professor e/ou Pedagogo.

Mas essa discussão torna-se mais complexa, pois se entende que mudanças no campo

educacional brasileiro exigem alterações nos entendimentos dos processos legais,

jurídicos e econômicos.

A Constituição Brasileira, apresenta no seu Art. 205 que “A educação, direito de

todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração

da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício

da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Essa descrição na Lei maior do país

contempla uma lógica ampliada da compreensão do Direito à Educação, o que também

é possível verificar na concepção descrita no artigo primeiro da Lei de Diretrizes e

Bases da Educação nº 9394/1996, que descreve que “A educação abrange os processos

formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho,

nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da

sociedade civil e nas manifestações culturais”. A questão é que, no parágrafo desse

primeiro artigo da LDB, já existe a delimitação do que a lei irá regulamentar, “Esta Lei

disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do

ensino, em instituições próprias”. Ou seja, o Brasil possui leis que regulamentam as

práticas educativas a partir da lógica do Ensino, o que não exclui a importância dessa

questão conquistada por meio de muita luta no decorrer dos anos, mas é importante

esclarecer que essa regulamentação oficial e jurídica não compreende a Educação

concebida pelos próprios documentos. Talvez seja essa a questão que o Curso de

Graduação em Pedagogia esteja sendo entendido com bases na Docência, daí sua

relação direta com o Ensino.

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10638ISSN 2177-336X

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Ainda a partir das questões referentes às possíveis reformulações, deve-se

considerar que, por mais que o Educador Social esteja atualmente como um profissional

contratado e mantido pela Assistência Social, cabe à área da Educação pensar os

processos de formação inicial e continuada. E isso é algo que terá como consequência

uma reorganização dos processos de gestão das políticas públicas. Na verdade, essa é

uma questão que já está compondo os debates das agendas das duas áreas.

Conclui-se por tanto que os elementos apresentados como reflexões resultantes da

tese, descritas na segunda página, constituem direcionamentos que podem contribuir para as

novas demandas emanadas pelos cenários educacionais no Brasil.

O direcionamento do ensinar e aprender sob o olhar elaborado do campo disciplinar

da didática para o campo disciplinar da pedagogia social requer o desenvolvimento de

pesquisas mais aprofundadas no contexto brasileiro. Essa questão é justificada porque a

defesa, até o momento verificado nos estudos é de que o conhecimento acumulado pela área

da Educação Popular deve ser considerado como base formativa e profissional do Educador

Social brasileiro. E aí surge outro ponto reflexivo, quais as possibilidades entre a didática e a

educação popular?

As cenas da educação são complexas e as possibilidades entre a didática e a educação

social – pedagogia social estão postas como processo de construção tanto em territórios

tradicionais da educação social – pedagogia social como também no contexto brasileiro.

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PEDAGOGIA SOCIAL E O FAZER PEDAGÓGICO ALÉM DO ESPAÇO

ESCOLAR

SuzeteTerezinha Orzechowski

[email protected]

UNICENTRO/PARANÁ

Resumo: Apresenta-se parte das análises realizadas no doutorado, finalizado em 2013,

o qual, demandou a continuidade das reflexões sobre a concepção da Pedagogia Social.

O processo de construção do conhecimento está ancorado na pesquisa-ação, que tem por

objetivo fundamentar a ação refletindo a formação do Pedagogo e sua prática frente às

novas demandas educacionais. Autores como Machado(2009), Silva (2009), Libâneo

(1999) e Franco (2008), sustentam a discussão teórica pretendida. As DCNs/2016

mobilizam a discussão sobre a formação do Pedagogo que amplia sua prática

pedagógica e, neste contexto, urge aproximar-se da práxis social inerente a articulação

entre a realidade escolar e não escolar.

Palavras-chave: Pedagogia; Pedagogia Social; Práticas pedagógicas

1 Pedagogia – a ciência da práxis educacional

A especificidade da formação em Pedagogia estaria na articulação escola-

sociedade fundamentada em uma dimensão socio-histórica. Sendo, no entanto, quase

sempre pragmática e utilitarista. Esse apontamento pragmático parece atender também à

demanda que surge, e se constrói socialmente exigindo o trabalho pedagógico em outros

espaços: hospitais, penitenciárias, museus, educandários, ONGs, empresas de educação

corporativa e não-corporativa, entre outros. Estes espaços abrem-se e caracterizam o

que Beillerot (1985) já identificava como uma “sociedade pedagógica” (LIBÂNEO,

1999; FRANCO, 2008). Diante desta realidade, ao pedagogo cabe, novamente,

explicitar sua função, seu domínio próprio de investigação para não se confundir com

outras especialidades profissionais, tomando novamente o caminho

utilitarista/pragmático difundido pelo pensamento positivista.

Importa atentar para que processo pedagógico encaminha-se o pedagogo, ao

abraçar a tal aplicabilidade da Pedagogia para além da escola. Chama-se

aplicabilidade da Pedagogia a alternativa de trabalho que a partir da formação

pedagógica escolar, transcende os muros escolares e atende a outros espaços,

demandados pela realidade socio-histórica. Diante dessa alternativa, há uma

possibilidade de se repensar as práticas que indubitavelmente terão por objetivo transpor

o processo de educação compensatória e ainda se desviar da função que adere a outros

interesses e outros campos profissionais. Por isso, há preocupação com o trabalho

pedagógico do pedagogo em outros espaços que carece de análise. Esse é o nosso

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caminho. É importante que se esclareça uma epistemologia para a Pedagogia, a qual é,

segundo Bernard Charlot, na Introdução do livro de Franco (2008), assim delineada:

A pedagogia é voltada para a práxis educativa e “para atender à

especificidade da práxis, há que ser uma ciência que se alimente da

práxis e sirva de alimento a ela”. “Terá por finalidade o esclarecimento

reflexivo e transformador da práxis educativa”. Evidentemente, nutrir-se-á

também dos saberes criados pelas demais ciências que pesquisam a educação.

Deve ainda ser uma ciência “crítico-emancipatória”, “de forma que a

educação consiga concretizar sua vocação histórica de humanizar a

humanidade, de diminuir as práticas excludentes e injustas”. Enfim, o

pedagogo “deverá ser pesquisador por excelência”. (CHARLOT apud

FRANCO, 2008, p. 16-17, grifo nosso).

A questão está posta e ainda divide as opiniões entre os pedagogos que se

dedicam a aplicar seus conhecimentos ao espaço escolar e além dele, numa perspectiva

sociocultural e socioeducativa. De um lado podemos destacar uma concepção tecnicista

da educação quando se pretende uma aplicação da Pedagogia em outros espaços

atendendo funções que não são pedagógicas. De outra ótica podem-se evidenciar

estudos dentro de uma visão crítica, na qual o pedagogo tem uma função pedagógica,

uma especificidade educativa que sustenta sua intervenção em quaisquer espaços sem

perder seu foco que é a ação educativa, ou seja, a prática pedagógica. Um trabalho que

promove o processo de educere no homem e entre os homens.

A ideia subjacente é a de que a educação ocorre em vários espaços, onde o

pedagogo pode conquistar e delinear seu lugar de atuação desde que compreendida sua

intervenção pedagógica. É a intervenção pedagógica que garante a identidade

profissional e um fazer dentro da variedade de atividades voltadas para o processo

educacional. Nesses espaços o pedagogo pode vir a atuar com um trabalho pedagógico

intencional, analisando, discutindo, colaborando, efetivando e instituindo uma

Pedagogia como campoi próprio de problematização de seu objeto, que é a educação. É

diante deste campo que o pedagogo tem seu espaço de contribuição e atuação. Porém,

ter o cuidado e uma atenção para a especificidade da prática pedagógica, sem perder-se

nas entranhas produzidas pelo mercado de trabalho (economia) que determina interesses

e intenções (política), é condição fundamental. Portanto, explicitar o domínio do campo

da Pedagogia é reconhecê-la como ciência da educação que trabalha o educativo e o

educacional, como escreveu Libâneo (1999, p. 47):

A identidade do pedagogo se reconhece, portanto, na identidade do campo de

investigação e na sua atuação dentro da variedade de atividades voltadas para

o educacional e para o educativo. O aspecto educacional diz respeito a

atividades de sistema educacional, da política educacional, da estrutura e

gestão da educação em suas várias modalidades, das finalidades mais amplas

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10643ISSN 2177-336X

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da educação e de suas relações com a totalidade da vida social. O aspecto

educativo diz respeito à atividade de educar propriamente dita, à relação

educativa entre os agentes, envolvendo objetivos e meios de educação e

instrução, em várias modalidades e instâncias.

O pedagogo então trabalha com o educativo e com o educacional. Tem seu

objeto de estudo, que é a educação, onde constrói seus processos, instrumentos e meios.

A Pedagogia caracteriza-se como ciência, nesse contexto de ter seu objeto e seu

processo teórico-metodológico, que é a ação pedagógica refletida, uma práxis que

caracteriza a função do Pedagogo. Portanto, “A base da identidade profissional do

educador é a ação pedagógica, não a ação docente” (LIBÂNEO, 1999, p. 47-48). Daí a

importância em se ter claro com o que se vai trabalhar nos espaços, escolares ou não

escolares, uma ação pedagógica que não se restringe à função docente, compreendida na

perspectiva reducionista de estar professor. Conferem Aguiar et al. (2006, p. 830),

quando escrevem (referindo-se as DCNs/2006) que “A docência nas DCNs-Pedagogia

não é entendida no sentido restrito do ato de ministrar aulas.” Articula-se com o

processo educacional que envolve as políticas, os sistemas, níveis e modalidades que

compõem a educação, bem como a gestão que promove e analisa os processos de

organização e democratização do campo educacional (DCNs/2015). Portanto, ser

professor não garante agir pedagogicamente. A ação pedagógica em síntese será sempre

o educacional e o educativo, em diferentes espaços, no escolar e além dele, portanto, a

partir do docente/professor, como meio e não como fim. Provêm desta Pedagogia, como

ciência e como campo, que contempla vários espaços de atuação onde se trabalha a

educação, a provocação que nos interessa profundamente, uma concepção de Pedagogia

Social que vem sendo difundida com o escolar e além dele. Segundo Aguiar et al.

(2006): “As perspectivas que se descortinam para a efetivação de uma política global de

formação dos educadores, no país, são promissoras.” As quais culminam agora com a

DCN/jul/2015.

2 Práxis da Pedagogia que se articula ao Social

É verdade que a Pedagogia no Brasil é uma pedagogia escolar. Também é

verdade que a Pedagogia Social vem se construindo a partir das práticas, nas

intervenções intuitivas, é no espaço prático que se estabelecem as discussões, portanto,

ainda cientificamente incipiente. Sobre isso já se refere Machado (2009, p. 11380):

Tais questões exigem reflexões sobre o espaço à margem da educação em

que ocorrem as intervenções socioeducativas no Brasil. Essas se consolidam

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10644ISSN 2177-336X

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paralelas a discussões acadêmicas e ao estabelecimento de políticas públicas

com vistas à melhoria da qualidade da oferta educativa, o que reduz as

perspectivas de superação da visão assistencialista predominante. Só neste

início de século é que a área começa a se organizar no país. Até os diversos

olhares e interesses só agora começam a se explicitar, tanto na teoria como

nas práticas. Estes evidenciam objetivos e ideologias diversificadas entre

projetos laicos e confessionais; entre o setor público e o privado, entre

profissionalismo e voluntariado e entre domínio de concepções

assistencialistas ou socioeducativas.

Diante destas demandas educacionais, o convite identificado é para se pensar um

espaço de educação mais amplo, com intencionalidades, com necessidades e com

possibilidades de atuação pedagógica. Além de que o objetivo é defender a Pedagogia

como ciência da e para a educação (LIBÂNEO, 1999; FRANCO, 2008). Então, para se

pensar uma Pedagogia que atenda aos espaços escolares e não-escolares importa refletir

sobre a ciência que se constrói e se consolida na prática educacional e educativa.

Libâneo (1999), aponta que:

Como se vê, por mais que se considere o progresso das ciências, não se

modificam, em essência, as categorias do pedagógico, não havendo razão

para inventar uma nova base comum de disciplinas para a formação

profissional. Trata-se, sim, de reconceituá-las, de submetê-las ao crivo de

seus determinantes sociais, econômicos, políticos, mediante a abordagem

crítica da realidade educativa em suas manifestações concretas. Em

outras palavras, a reflexão vai penetrando os campos da realidade educativa

historicamente constituídos, reconcebendo os objetivos, os conteúdos e as

categorias básicas da análise pedagógica, em função de necessidades

concretas da vida social (LIBÂNEO, 1999, p. 49. Grifo nosso).

Assim a política, a demanda no mercado de trabalho, as práticas e a pesquisa,

quebram o silêncio. Nesse mundo, permeado pela ideologia capitalista, escamoteiam-se

os processos de transformação e de análise crítica sobre o sistema social produzido pela

cultura, pela economia e pela política. É inegável o papel da educação para emancipar o

homem e, [...] “se o produto da ciência não puder ser apropriado pelo homem, a tarefa

científica passa a ser alienada e alienante e com isto perde as possibilidades de se

afirmar como produtora de transformações” (FRANCO, 2008, p. 141).

Ganha importância os aspectos: social, cultural e educacional. Estes formam a

tríade que embasa a prática, tornando-se práxis, ou seja, ação refletida criticamente,

conscientemente, e trabalhada pedagogicamente em diversos contextos: educação de

jovens e adultos, educação para pessoas com necessidades especiais, educadores de rua,

animadores e educadores sociais que trabalham com jovens em situação de risco, com a

terceira idade, nos movimentos sociais do campo e da cidade, entre outros. Importa um

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10645ISSN 2177-336X

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embasamento teórico da Pedagogia Social que imprima não só uma identidade à prática,

mas principalmente uma concepção pedagógica que atenda a realidade brasileira.

Vale apontar, no campo da pesquisa, Érico Ribas Machado (2010), que em sua

dissertação, concluiu um estado da arte sobre a produção científica no Brasil,

relacionada à temática da Pedagogia Social, até 2009. Ele tomou por base o GT-6 da

ANPED, os CIPS e o banco de teses e dissertações da CAPES. No banco da Capes,

utilizou-se dos descritores educação social e pedagogia social e encontrou os seguintes

temas: pedagogia social; pedagogia social de rua; formação de educadores sociais;

educador social; educação social; educação social de rua e educadores sociais de

rua. A temática da formação apareceu cinco vezes e está relacionada à formação do

Educador Social, como registra Machado (2010, p. 131), a seguir:

Nas análises realizadas, a partir dos resumos dos trabalhos, é possível

identificar que as pesquisas são destinadas em sua maioria a análises de

práticas diferenciadas de educação. Também é possível afirmar que muitos

trabalhos partem de realidades pessoais, tanto de experiências de vida como

profissionais, que passaram a ser refletidas teoricamente. Comparada com

outras áreas que discutem questões referentes à Educação, identifica-se um

número pequeno de publicações, mas que indicam uma crescente procura por

novas questões educativas.

Com base no GT6 da ANPED – o qual tinha por eixo a Educação Popular,

identificam-se as seguintes temáticas: conceitos/teorias; crianças e adolescentes;

cultura; educação; educação popular; escola; gênero; grupos culturais e etnias;

meio ambiente; movimentos sociais; pedagogia; políticas públicas; práticas

educativas; educação em presídios; tecnologias; trabalho e responsabilidade social.

Destas temáticas, as mais frequentes foram: educação e educação popular; dentro delas

os objetos mais frequentes, em ordem decrescente são: educação indígena, educação do

campo, educação popular e saúde e educação de crianças e jovens. No levantamento

realizado foram 175 trabalhos que identificam uma variedade temática, trazendo à luz

especificidades educacionais que emergem da realidade socioeducativa. “Essa variedade

de temas apresentados em um evento científico reforça o entendimento de que o meio

acadêmico de pesquisadores da área da Educação Popular passa a reconhecer a

educação como um campo que abrange diferentes perspectivas e atuações”

(MACHADO, 2010, p. 162). Pode-se afirmar que essa constatação do autor, pode

indicar a necessidade de uma ação pedagógica fundamentada em uma concepção

socioeducativa e sociocultural. Na tabela, apresentada pelo autor, sobre trabalhos nos

CIPS, apareceram os temas: conceitos/ teorias; crianças e adolescentes; cultura;

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10646ISSN 2177-336X

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educação; escola; grupos culturais e etnias; pedagogia; políticas públicas; educação

em presídios; trabalho e responsabilidade social. Caracterizando também uma

variação nas temáticas específicas da educação. A questão das especificidades

educacionais torna-se aparente e relevante, no estudo que faz o autor entre 2000 a 2009.

Estudos sobre a educação social e a educação popular são aprofundados. Evidencia-se e

afirma-se, portanto nesses congressos, a necessidade de embasamento teórico que

articule tais especificidades. E nesse contexto vai se construindo a práxis pedagógica,

uma ação refletida. Ou seja, ação que sofre a reflexão sobre a prática, buscando a análise

que aprofunde a prática e a transforme. A reflexão sobre a prática que contempla um movimento

constante, dinâmico e perene de aprofundamento da e na ação.

É nesse contexto que a Pedagogia Social vem se afirmando e se delineando

como uma concepção pedagógica que imprime ao processo educacional um olhar

distinto, e é nessa concepção que a educação social e a educação popular relacionam-

se, articulam-se, complementam-se e fortalecem-se, em uma base única da Pedagogia.

No Brasil, há uma denominação que vem identificando os profissionais que trabalham

com as questões sociais: a de educador social. Neste espaço, cabem todos aqueles

profissionais que atuam com o processo socioeducativo e sociocultural na escola e fora

dela, na maioria das vezes alicerçados no trabalho prático. O trabalho pedagógico com

as questões sociais é produzido empiricamente pelos educadores sociais, que

interessados numa educação que acontece também, além dos muros escolares, acreditam

e imprimem uma identidade pedagógica às suas intervenções. Tais profissionais

encontram espaço de publicação e socialização teórico-metodológica, porque trabalham

com as especificidades da educação.

3 Possibilidades teórico-metodológicas e políticas como fundamento da prática

pedagógica para além da escola

Neste amplo processo que é a educação, importa prestar atenção ao processo

educativo, que acontece também fora da escola, em uma educação assistemática e não

formalizada. É “Um processo sociopolítico, cultural e pedagógico de formação para a

cidadania, entendendo o político como formação do indivíduo para interagir com o

outro em sociedade” (GOHN, 2010, p. 33). Uma educação além do escolar, uma

educação não formal que nasce das demandas educacionais da sociedade é “[...] aquela

voltada para o ser humano como um todo, cidadão do mundo, homens e mulheres, numa

perspectiva da emancipação, numa pedagogia libertadora e não integradora a uma dada

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10647ISSN 2177-336X

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ordem social desigual” (GOHN, 2006, s/p.). Um processo onde a articulação entre teoria

e prática é fundamental e embasa a pedagogização do trabalho educativo em outros

espaços além da escola, porém não é adaptadora, nem impositiva.

Uma formação pedagógica para atender esses aspectos, dentre outros, carece de

aprofundamento e socialização das análises. Importa enfrentar o silêncio e provocar a

crítica sobre a institucionalização da Pedagogia para atender unicamente a educação em

contexto escolar, o qual deixou de olhar o processo educacional em seu todo,

percebendo a docência como ponto de partida e ponto de chegada, contrapondo a

formação de licenciatura à formação do bacharelado. Vem tecendo sua própria

armadilha e caindo no dilema constante do ser ou não ser. Retomando sempre, mais ou

menos, o pragmatismo de atendimento aos interesses neo-positivistas, ou seja, a

formação de pedagogos que atendam à prática docente de dentro da educação formal,

veio escamoteando uma possibilidade educacional mais sociocultural que se manifesta

“produtora de transformações” (FRANCO, 2008), no próprio campo científico.

No entanto, existem contradições que possibilitam olhar além do processo

produtivista, e na própria Diretriz de 2006, anunciam-se alternativas, que passam a ser

exploradas pelos pesquisadores interessados em dar continuidade à discussão, as quais

culminam nas DCNs, julho/2015:

4º Os profissionais do magistério da educação básica compreendem aqueles

que exercem atividades de docência e demais atividades pedagógicas,

incluindo a gestão educacional dos sistemas de ensino e das unidades

escolares de educação básica, nas diversas etapas e modalidades de educação

(educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, educação de jovens e

adultos, educação especial, educação profissional e técnica de nível médio,

educação escolar indígena, educação do campo, educação escolar quilombola

e educação a distância), e possuem a formação mínima exigida pela

legislação federal das Diretrizes e Bases da Educação Nacional. (DCNs –

MEC/CNE, Res.nº2, 1/jul/2015.)

Garantida a docência e a gestão retoma-se o foco escolar, entretanto chamando a

atenção para os diversos níveis e modalidades, incluindo a educação à distância. Neste

contexto as práticas a serem exploradas na formação compreendem outras modalidades

de educação, inclusive aquelas de formação técnica. Percebe-se que são vários os

contextos escolares, os quais, exigem o “domínio e manejo de conteúdos e

metodologias, diversas linguagens, tecnologias e inovações, contribuindo para ampliar a

visão e a atuação desse profissional.” (art.2º, parag. 2º, MEC/CNE Res. nº 2,

1/jul/2016). Daí a necessidade de uma práxis mais aprofundada porque agora mais

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10648ISSN 2177-336X

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ampla, mesmo que contemplando a educação escolar. E, ainda contempla outra questão

que perpassa o entendimento do campo educacional.

§ 1º Por educação entendem-se os processos formativos que se desenvolvem

na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de

ensino, pesquisa e extensão, nos movimentos sociais e organizações da

sociedade civil e nas relações criativas entre natureza e cultura. (MEC/CNE

Res.n.º2, 1/jul/2016).

Entretanto, a apropriação de conhecimentos para os contextos não escolares

estão subsumidos à condição do processo educativo, então a educação é condição a

priori de toda escolarização. Por isso, a importância da pesquisa. Art. 8º- XI - realizar

pesquisas que proporcionem conhecimento sobre os estudantes e sua realidade

sociocultural, sobre processos de ensinar e de aprender, em diferentes meios ambiental-

ecológicos, sobre propostas curriculares e sobre organização do trabalho educativo e

práticas pedagógicas, entre outros; (MEC/CNE Res.n.º2, 1/jul/2016).

Nos diferentes meios, ambiental-ecológicos ocorre a educação, por isso é objeto

da Pedagogia, a qual não se restringe a escola, mas a perpassa. Neste contexto os

processos teórico-metodológicos instrumentalizam professores e gestores para a práxis

educativa. É importante perceber-se contextualizado, aprofundar as análises desta

contextualização e encaminhar soluções e alternativas promovendo a qualidade social

do que implica tal transformação desejada. Estamos em um espaço aberto às análises e

sugestões. É aqui que se encontram algumas possibilidades, como as que se refere

Franco:

[...] o que pode e deve ser a pedagogia hoje? Acredito que ela deva ser,

certamente, a ciência que organiza as ações, reflexões e pesquisas na direção

das principais demandas educacionais brasileiras contemporâneas, com vistas

à: qualificação da formação de docentes como um projeto político-

emancipatório; organização do campo de conhecimentos sobre a educação,

na ótica do pedagógico; articulação científica da teoria educacional com a

prática educativa; transformação dos espaços potenciais educacionais em

espaços educativos/formadores; qualificação do exercício da prática

educativa na intencionalidade de diminuir práticas alienantes, injustas e

excludentes, encaminhando a sociedade para processos humanizatórios,

formativos e emancipatórios (FRANCO, 2008, p. 117).

Em outras palavras, a Pedagogia é social e deve ser. Não obstante, está a mercê

das ideologias produzidas socialmente, e por isso, também, se justifica a necessidade de

uma formação que enfrente essas e outras contradições. É imprescindível, portanto, o

aprofundamento na área de conhecimento da Pedagogia como campo de formação e

como prática social transformadora. A discussão perpassa tanto as questões sobre os

conteúdos quanto a questão metodológica que se manifesta como uma preocupação

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àqueles educadores desejosos de uma atuação pedagógica aplicada a todos os espaços

educacionais.

Esses aspectos revelam uma nova “situação didática”, como menciona Althaus

(2002), pois é diferente daquele analisado na sala de aula, dentro da escola e que

provoca uma necessária transformação. As relações entre aquele que ensina e aquele

que aprende são permeadas por aspectos imbuídos de novas intenções, novos objetivos

e novos interesses, que necessitam de interpretação, pois se interpenetram se articulam

e/ou se contradizem, como revelam os estudos de Gohn (2009, 2006, 2010). Assim, a

escola como reflexo da sociedade, trabalhará também a concepção da Pedagogia Social,

sem perder sua especificidade que se traduz nas metodologias utilizadas, na organização

dos conteúdos a serem trabalhados e nos critérios de avaliação a serem empreendidos.

Isso tudo tem seus desdobramentos, os quais caracterizam um trabalho especificamente

pedagógico.

Assim, o processo educativo que acontece dentro e fora da escola torna-se

objeto reflexivo que merece atenção, dado ao “campo de atuação”ii que pedagogos e

outros educadores acabam por inserir-se: um campo socioeducativo e sociocultural.

Segundo Caliman (2011), nesse campo se entrecruzam as dimensões “políticas,

pedagógicas e socioculturais”.

Daí por diante muitos outros aspectos terão relevância para complementar a

formação inicial, não como apêndice mas, como prática pedagógica do “protagonista de

um novo projeto emancipatório, construindo seus próprios saberes, em contínuo diálogo

com outros” (FRANCO, 2008, p. 121). Exercitar nossa reflexão para compreender que a

Pedagogia está para além do espaço escolar, incluindo-se no espaço educacional, é

perceber o aparecimento, inclusive, das novas demandas de espaço e tempo. Daí

também a necessidade de elaborações distintas dentro das metodologias e recursos

didáticos. A ação deixa de ser uma ação técnico-pedagógico e se amplia para uma ação

socioeducativa, que prescinde de uma formação, de uma reflexão sobre a prática, ou

seja, de um arcabouço teórico que ilumina a prática e vice-versa.

4 O movimento das demandas abrindo novos espaços para as práticas pedagógicas

Atualmente temos alguns exemplos de como a política busca atender as

demandas emergentes, mas não há preocupação em fomentar a formação. Se não,

vejamos: nos hospitais o pedagogo tem espaço para sua prática dentro das

brinquedotecas, que tornam-se espaços obrigatórios nas unidades de saúde que

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ofereçam internamento pediátrico, a partir da Lei 11.104 de 21 de Março de 2005. Além

disso, no Estado do Paraná existe o programa SAREH – Serviço à Rede de

Escolarização Hospitalar. Este programa atende à educação formal, ou seja, atende à

criança que está hospitalizada com os conteúdos formais da escola. Nesse contexto é

importante salientar que o processo, quase nunca é apenas educacional, mas também

socioeducativo, carregado de afetividade e incentivos. Portanto, é possível que se

manifestem concomitantemente, como no caso do espaço escolar, os dois processos: o

educacional e o socioeducativo.

Os educandários que vão sendo abertos e recebem jovens em situação de risco

com a justiça, necessitam organizar-se sobre as medidas socioeducativas dispostas no

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069/90. A internação que acontece

dentro dos educandários é gestada também por pedagogos, entre outros profissionais.

Além disso, nas penitenciárias profissionalizantes são implantadas salas regulares de

educação de jovens e adultos, nas quais atuam professores e pedagogos. Sem dúvidas

esse é um espaço novo, com um protocolo bem distinto do atendimento em espaço

escolar. O processo educacional vai além do socioeducativo, “a questão fundamental é a

qualidade da formação de quem faz a mediação entre os objetivos da Educação e os

objetivos da pena e da prisão e é esta a tarefa que se quer seja assumida pela Pedagogia

Social.” (SILVA et al. 2009, p. 299). Acrescenta-se a informação de que o Patronato

Penitenciário do Estado do Paraná possui a área de Pedagogia, para atuar na “orientação

educacional” e na “capacitação profissional” dos sentenciados e seus familiares.

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 4746/98 que regulariza a

atuação do pedagogo dentro da empresa. Nas ONGs e projetos desenvolvidos pelas

secretarias municipais e estaduais, a atuação pedagógica é de interesse, pois, organizam

o processo educativo, elaborando projetos pedagógicos que sustentam as solicitações de

recursos para manutenção dos seus serviços. As ONGs mantêm ainda os educadores

sociais, que realizam um trabalho intuitivo, de boas intenções e repleto de ações

socioeducativas; tudo se realiza, no entanto, pela vontade e pelo desejo de se ter uma

sociedade melhor. Não há nenhuma formação inicial voltada para esse trabalho, para

esses espaços diferentes da educação escolar regular.

A partir dessa ótica, pensar a Pedagogia Social dentro das dimensões

sociocultural e socioeducativa, é pensar em uma Pedagogia com qualidade social, é

analisar e interpretar contextos ainda não totalmente explorados. É importante refletir

ainda sobre as classes sociais que estão envolvidas nestes campos de atuação, onde a

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educação formal e não formal se constroem e requerem uma análise “do problema da

base do sistema como garantia vital à democratização e emancipação das amplas

maiorias excluídas” (NUNES, 2003). Portanto, atuar numa Pedagogia Social, é definir

uma concepção teórica a partir de parâmetros da educação crítica. É também uma

escolha política, com interesse social, com intenção delimitada, pelas necessidades dos

excluídos e marginalizados, não só os sujeitos pobres, os miseráveis, como escreveu,

Freire (1982): “É que, quase sempre, num primeiro momento deste descobrimento, os

oprimidos, em lugar de buscar a libertação, na luta e por ela, tendem a ser opressores

também, ou sub-opressores.” Metodologicamente, importa a flexibilidade. Essas ações,

comportamentos e atitudes são permeados de acontecimentos socioculturais, advindos

da realidade, da cotidianidade vivida pelos sujeitos envolvidos no processo educativo.

Guilhermetti (2007) escreve que:

[...] fazer uma discussão sobre a educação a partir de outro conceito, como o

da formação cultural, ou seja, da Bildung hegeliana e marxista que vê a

formação como mediação ou produto das relações entre os homens e a

natureza, que expressa criatividade ou a exteriorização da subjetividade

humana, é fundamental para resgatar o sentido de autonomia e de

humanidade no processo formativo (GUILHERMETTI, 2007, p. 28).

Fazer educação de cunho sociocultural, socioeducativo é rever conceitos e

práticas. Portanto, o processo educativo requer uma reflexão mais nobre sobre o social e

sobre a cultura ali produzida.

5 Considerações finais

Negar a importância do trabalho pedagógico intencional interpretando outros

espaços é desprezar o processo educativo que acontece fora do ambiente escolar. De

outro modo, interpretá-lo e intervir nele é função pedagógica que requer intensa

dedicação. Utilizando-se dos conhecimentos da ciência pedagógica amplia-se sua

efetivação sem desvio de seu objeto fundamental que é a educação e a ação pedagógica

empreendida para tal, além de não perder seu objetivo principal que é educar o homem,

e que não se confunda com outras ações: compensatórias, paternalistas ou

mercadológicas. Uma educação socioeducativa que ocorre fora da escola (empresas,

hospitais, ONGs, Penitenciárias etc...) não pode prescindir da análise crítica que (des)cobre as

mazelas socioculturais, nas quais todos estão inseridos, sob pena de contribuir para o processo

de alienação e minimizar o processo educativo à educação compensatória, e, por vezes,

assistencialista.

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BRASIL-CNE/CP-MEC. Res.nº 1, de 15 de maio de 2006. Institui DCNs curso de

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i Campo em Bourdieu: “lugar de relações dominadas por uma lógica específica.” (BOURDIEU, 2002,

p.11) É nesse lugar, denominado “campo” que se manifesta a capacidade de refratar ou re-traduzir

demandas externas de ordem política, econômica, cultural e intelectual. (…). Ver as obras: BOURDIEU.

Campo de Poder, Campo Intelectual: Itinerário de um concepto. Montressor: Buenos Aires, 2002. E,

BOURDIEU. Os usos sociais da ciência. Por uma sociologia clínica do campo científico. Trad. Denice B.

Catani. São Paulo: UNESP, 2004.

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