diálogos com a luz

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Departamento de Arquitectura da FCTUC 2008 / 2009 Elísio Costa Graça Arqº João Mendes Ribeiro Arqº Armando Rabaça Diálogos com a Luz: Le Corbusier, entre a matéria e o material

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o artigo fala sobre a visão de Le Corbusier sobre a luz

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  • Departamento de Arquitectura da FCTUC 2008 / 2009

    Elsio Costa GraaArq Joo Mendes RibeiroArq Armando Rabaa

    Dilogos com a Luz:Le Corbusier, entre a matria e o material

  • Dilogos com a LuzLe Corbusier, entre a matria e o material

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    ndice Introduo O percurso de Le Corbusier e a luz 2.1 As primeiras experincias 2.2 O Purismo e as preocupaes higienistas 2.3 A reviso dos princpios modernos 2.4 O ps-guerra e as novas experincias A luz no convento de La Tourette 3.1 O objecto e a paisagem 3.2 O volume 3.3 O vazio 4.1 Espao privado 4.2 Espao de estudo 4.3 Oratrio 4.5 Atrio central 4.6 Refeitrio O culto 5.1 Igreja 5.2 Servios do culto Tons de luz Concluso Bibliografia

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    Introduo Ao longo da histria da arquitectura, o homem criou e desenvolveu mecanismos e mtodos para se adaptar ao ambiente natural. Estes mecanismos, sob a forma de construes, reflectem a capacidade racional do homem na procura de uma adaptao, a mais equilibrada possvel, com a envolvente natural. Ao analisarmos a histria do desenvolvimento do homem apercebemo-nos que a sua relao com o ambiente no se assume como um dado adquirido pois manifesta-se to varivel quanto as caractersticas naturais e geogrficas. Embora cada caso seja especfico, possvel identificarmos elementos comuns praticamente em todos eles, tendo em conta as diversas componentes naturais que interferem directamente na vida do homem e nas suas vrias actividades relacionadas directamente com a envolvente natural. Podemos considerar que a luz natural, proveniente do Sol, se define como um elemento comum a todas elas. Este elemento comum, necessidade bsica do ser humano, tratado das mais variadas formas consoante as suas especificidades. O tratamento da luz nos pases Nrdicos desenvolvido em funo do seu clima, procurando aumentar os seus rendimentos energticos, uma vez que a sua geografia proporciona um reduzido ndice de iluminao natural. Em contrapartida, nos pases Equatoriais, o tratamento da luz natural nas construes desenvolvido no sentido de reduzir a abundante iluminao solar. Embora a luz natural se considere uma necessidade bsica para a vida, nem sempre o homem a identificou com tanta naturalidade, uma vez que esta luz intensa proporciona no s vida ao homem, como a toda a natureza que o envolve e por sua vez alimenta os novos desenvolvimentos. A luz transforma-se ento num elemento Divino e Superior,

    no qual o ser humano no possui qualquer tipo de controlo mas apenas o seu usufruto. Deste modo nasce a simbologia ideolgica da luz, a sua adorao. Com os desenvolvimentos tecnolgicos e cientficos, fruto do desenvolvimento racional do homem, a luz natural foi sendo entendida como um dado adquirido, como uma fonte inesgotvel escala do Homem e neste sentido foram-se desvanecendo as suas propriedades simblicas. Nos finais do sculo XIX, incios do sculo XX, a cincia atribui luz natural propriedades fsicas essenciais ao bom funcionamento do corpo humano, transformando assim a luz numa ferramenta essencial vida humana. Esta alterao conceptual acaba por transportar para segundo plano as caractersticas simblicas da relao do Homem com o grande astro substituindo os valores sentimentais e emocionais pelos valores fsicos e racionais. Le Corbusier, um dos principais impulsionadores do movimento moderno do sculo vinte, assume-se inicialmente nesta corrida pelos valores funcionais da luz e da sua influncia na vida humana defendendo questes essenciais para uma melhoria das condies de vida. A luz, como elemento essencial vida humana e por sua vez s suas actividades, surge enquanto elemento que estabelece a relao entre a obra humana e a natureza exterior e adquire um importante papel no desenvolvimento conceptual das obras e projectos. Tendo conscincia do muito que j foi escrito e dito sobre este autor, este trabalho procura atravs de uma anlise geral entender o percurso de Le Corbusier atravs da sua relao com a iluminao natural tendo como objectivo entender os mtodos utilizados e desenvolvidos ao longo da sua obra. Fazendo uma sntese dos principais projectos e obras atravs da evoluo dos

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    diferentes modos de iluminao natural e dos respectivos tipos de vo. No sentido de aprofundar o campo terico e prtico da relao entre construo e a sua luz natural, esta anlise tem como caso de estudo o Convento de La Tourette. Esta escolha deve-se no s s condies geogrficas e sociais em que o edifcio se insere mas tambm pela grande diversidade de dispositivos arquitectnicos de iluminao natural e da sua relao com as diversas funes programticas. A visita ao convento de La Tourette, no sendo nunca suficiente para uma anlise aprofundada, permitiu-me conhecer a obra com alguma profundidade, que, durante o curto perodo de permanncia (um dia), nos permite observar a relao entre o espao construdo e a sua luminosidade, varivel ao longo das horas solares.

  • Fig.1 - Convento de Ema, Galuzzo. Jeanneret, 1911

    Fig.5 - Desenho do vo do transepto, Catedral de Oran. A. Perret, 1908-12

    Fig.3 - Apartamentos 25 rue Franklin. A. Perret, 1903-04

    Fig.6 - Vista da construo, Catedral de Oran. A. Perret, 1908-12

    Fig.4 - Planta apartamentos 25 rue Franklin. A. Perret, 1903-04

    Fig.2 - Corte tipo. Convento de Ema. Jeanneret, 1911

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    Le Corbusier e a luz 2.1 As primeiras experincias Na primeira viagem que dedicou ao estudo arquitectnico, Jeanneret desloca-se ao norte de Itlia. Em Florena visita o convento de Ema, em Galuzzo (fig. 1), identificando a capacidade de adaptao de dois modos distintos de habitar o espao arquitectnico, o individual e o colectivo relacionados atravs de um edifcio nico. A relao do indivduo com a natureza e com a comunidade reflectida na ligao entre o claustro e a cela e por sua vez com um espao exterior privado (fig. 2). Despertada esta sede de novos conhecimento, Jeanneret em 1908, deixa La Chaux-de-Fonds na procura da nova verdade arquitectnica e parte em campanha em direco a Paris com o objectivo de enriquecer e actualizar a sua cultura arquitectnica, artstica e cultural. Em Paris Jeanneret recebido por August Perret, grande conhecedor das tcnicas construtivas do ainda recente beto armado. Trabalhando cinco horas dirias, Jeanneret preenche o restante tempo dirio estudando. Perret, apologista do estudo insiste para que Jeanneret estude matemticas e estruturas dedicando especial ateno aos escritos racionalistas de Eugne Viollet-le-Duc. Um dos primeiros trabalhos em que Jeanneret participa sob a alada de Perret foi a Catedral de Oran, um edifcio religioso ainda dentro de uma tradio vernacular mas sustentado por materiais e tcnicas modernas(fig. 6). Neste edifcio Perret desenvolve (pela primeira vez) uma tcnica inovadora, embora com antecedentes histricos identificados, que vai ser repetidamente aplicada noutras suas obras. Esta inovao consiste no preenchimento dos vos com elementos de beto aligeirados e prefabricados desenhados atravs da sobreposio de formas geomtricas

    criando cheios e vazios (fig. 5). A aplicao desta tcnica resulta num rendilhado que permite assim controlar a iluminao natural quer na sua qualidade quer na intensidade. Perret demonstra a Jeanneret o seu interesse pela iluminao natural associada as inovaes tecnolgicas e materiais manifestando a importncia do processo da investigao histrica constante. O edifcio habitacional de 1902 (fig. 3), com vrios pisos no nmero 25bis na Rue Franklin onde Jeanneret trabalha durante o seu perodo de estadia em Paris um dos primeiros reflexos do interesse de Perret por questes relacionadas com a iluminao natural e da sua relao directa com os diversos programas associados. Primeiramente Perret faz uma distino do programa em funo da sua relao como exterior. As zonas de servios com permanncia reduzida localizam-se no extremo oposto ao Alado principal. As zonas comuns e privadas, sala de estar, quartos, assumem-se numa relao franca com o exterior atravs de grandes vos. Ainda no sentido de proporcionar uma maior intensidade de luz natural, Perret recua parte do permetro da fachada, permitindo aumentar a incidncia da luz natural na profundidade do lote (fig.4). Neste bloco de habitaes urbanas, Perret desenvolve os primeiros princpios da cobertura acessvel, embora estes resultem possivelmente das normas urbansticas no que diz respeito relao com as construes contguas. A supresso da cobertura inclinada resulta no recuo sucessivo dos limites dos pisos superiores. Atravs de Perret, Jeanneret aprende tambm as tcnicas do beto armado associado ao conhecimento das estruturas modulares tendo por princpio os conhecimentos dos elementos arquitectnicos e das propores caractersticas da cultura clssica.

  • Fig. 9 - Edificio em Michaelerplatz, Viena. Adolf Loos, 1909-11.

    Fig. 10 - Fbrica de turbinas da AEG, Berlim. Peter Behrens,1910. Fig. 10.1 - Vista interior da fbrica AEG, Berlim. Peter Behrens,1910.

    Fig. 9.1 - Oficina de aprendizes no edificio em Michaelerplatz. Adolf Loos, 1910.

    Fig. 11.1 - Vista interior da fbrica Fagus, Berlim. Walter Gropius,1911.

    Fig. 8 - Desenho da comparao espacial entre a construo tradicional e a proposta por Le Corbusier. 1924Fig. 7 - Desenho de Le Corbusier, Palais de Bois. Paris. 1924.

    Fig. 11 - Fbrica Fagus, Alfeld an der Leine. Walter Gropius,1911.

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    Tomando conhecimento atravs de documentos cientficos protagonizados por um fotgrafo desconhecido, atravs da medio das diferentes intensidades de luz num espao interior, torna-se aficionado dos rasgos horizontais paralelos ao horizonte. Jeanneret afirma que a janela corrida (fig. 7), que precede o pano de vidro ilumina melhor que as janelas verticais: A tabela diz o seguinte: uma superfcie igual de vidro, uma sala iluminada por uma janela corrida que vence o vo entre duas paredes contguas () comporta duas zonas de iluminao: uma zona 1, muito iluminada; uma zona 2, bem iluminada. Por outro lado, uma sala bem iluminada por duas janelas verticais, entre as quais existe um vo, comporta 4 zonas de iluminao: a zona 1, muito iluminada (dois sectores bem pequenos); a zona 2, bem iluminada (um sector bem pequeno); a zona 3, mal iluminada (um sector grande); a zona 4, escura (sector grande). A tabela acrescenta: Expor quatro vezes menos a placa fotogrfica na primeira sala.1 (fig. 8) Numa clebre discusso com Perret, que defende a janela vertical por se aproximar da posio natural do homem, Jeanneret assume a sua preferncia pelo conforto visual do rasgo horizontal permitindo uma iluminao natural mais homognea e suave. Em 1910, j depois de ter sado de Paris para um retiro em La Chaux-de-Fonds, Jeanneret parte para a Alemanha com o objectivo de fazer um levantamento sobre as artes decorativas daqueles pases. Esta encomenda de L`Eplatenier oferece a Jeanneret a possibilidade de visitar edificios escolares, fbricas e oficinas com uma arquitectura contemporaea (fig. 9), permitindo-lhe conhecer os principais autores da

    1 Precisions, Le Corbusier, 2004. p. 66

    arquitectura alem assim como as novidades tecnolgicas e culturais (fig.11). A Alemanha encontrava-se num percurso de acentuada ascenso tecnolgica, tendo como principal objectivo a criao de modelos adaptveis aos usos quotidianos e aos processos produtivos modernos tendo em conta os ideais artsticos que preenchem as diversas disciplinas. Em Junho de1910 assiste ao congresso da Deutscher Werkbund em Berlim, e em Novembro comea a trabalhar no estdio de Peter Behrens (fig. 10). Nesta curta estadia pela Alemanha Jeanneret visualiza e experimenta a evoluo da tecnologia aplicada nos processos construtivos da arquitectura, nomeadamente atravs da aplicao de materiais recentemente desenvolvidos. O ferro e o vidro apresentam-se como os principais dinamizadores desta evoluo, atravs da possibilidade do preenchimento dos vos, cada vez maiores e com uma expresso material cada vez menor. O vidro apresenta-se com dimenses mais generosas e com caractersticas mais resistentes. Um dos tericos principais do movimento Werkbund, Herman Muthesius, escreveu: Muito mais elevado que o material o espiritual; muito mais alto que a funo, o material e a tcnica, ergue-se a Forma. Estes trs aspectos materiais podem estar impecavelmente resolvidos mas se a Forma no estiver viveramos ainda num mundo embrutecido2 Contudo a primeira observao consciente de Jeanneret acerca do fenmeno da iluminao natural efectuada aquando da sua viagem ao Oriente em 1911, na qual ele regista

    2 Cf. Ideias y Formas, Curtis, William. 1987. p. 31

  • Fig. 12, 13 - Santa Sofia, Istambul.Viagem ao Oriente.1911

    Fig.14 Vila de Adriano, Viagem ao Oriente.1911Fig.15,16 Mesquita verde, Viagem ao Oriente.1911

    Fig.17,18,19,20 Acrpole de Atenas, Viagem ao Oriente.1911

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    novas sensaes proporcionadas pela arquitectura tradicional caracterstica do clima mediterrnico. Nesta viagem ele observa com muita ateno os tipos de composio utilizados nas solues arquitectnicas dos edifcios, quer atravs dos jogos volumtricos (fig. 12) na relao entre eles ou simplesmente pelas caractersticas que a massa edificada atribui ao espao interior (fig.13). Nas runas da Vila de Adriano (fig. 14) em Itlia, Jeanneret observa e regista o modo como a luz natural e a sua sombra definem o contexto espacial proporcionado pelo inverso do volume (cavidade, segundo Rasmussen). Na mesquita verde em Istambul (fig. 15), associa o jogo dos sucessivos volumes a uma sequncia temporal no percurso do tempo, como cmaras de descompresso que nos preparam para a entrada sucessiva no templo. Esta sequncia sensorial transmitida atravs da altura determinada pelo vazio do volume (fig. 16) e por consequncia por um tipo de luz distinta entre cada um dos espaos. Jeanneret reconhece ento que a leitura do espao construdo efectuada atravs da relao entre matria e o seu vazio preenchido pela luz ou pela sua ausncia. 3 Na passagem por Atenas na sua viagem ao oriente Le Corbusier analisa cuidadosamente a composio espacial do expoente clssico, quer na relao entre os volumes construdos (fig. 17), quer na relao entre estes e a paisagem envolvente (fig. 18). A superfcie do Partenon determina o tipo de relao entre o construdo e o exterior (fig. 19). A planta estabelece a hierarquia entre elementos espaciais construdos ou o vazio entre eles4. Nos seus desenhos (fig. 20) ,

    3 El viage de Oriente, Jeanneret, Ch.-Edouard. 1993. p. 91. 4 Refiro-me implantao dos volumes, organizao do programa de cada um deles, ao condicionamento do percurso que determina os campos de viso.

    aponta o modo como a luz incide na colunata do Partenon desfragmentando a massa do volume e atribuindo-lhe um sentido de transparncia atravs da leitura da sobreposio dos planos. Esta transparncia determinada pela planta fruto de uma hierarquia de enquadramentos visuais5 aos quais se atribuem cargas sensoriais distintas e desse modo caracterizaes diferentes. Le Corbusier, identifica nos principios de Choisy a dupla possibilidade de observao da obra arquitectnica. O objecto, visto do exterior, enquadrado numa envolvente especifica. As suas superfcies permitem uma leitura da totalidade atravs dos jogos entre cheios e vazios, entre superfcies iluminadas e superfcies em sombra. Na acrpole de Atenas, os templos que se inclinam uns para os outros para constituir um ambiente que o envolve facilmente. O mar que compe com as arquitraves etc. 6 Do seu interior, inversamente, so-nos apresentados campos de viso especficos, atravs dos vos (intervalos entre colunas) entre elementos arquitectnicos que definem a superfcie exterior. A planta procede de dentro para fora; o exterior o interior resultado de um interior. Os elementos arquitectnicos so a luz e a sombra, a parede e o espao. O homem v os objectos da arquitectura com os seus olhos a 1,70m do solo. 7 Aps um processo de formao inicial, orientado por L`Eplatenier e com base na observao da natureza, Jeanneret entende que no processo de aprendizagem fundamental a

    5 Desenhos de Choisy do partenon p. 409 6 Por uma arquitectura, Le Corbusier. 1994. p.133 7 idem. p.127

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  • Fig.22 - Comparao entre a Villa Jeanneret e as casas patio Romanas.C. Jeanneret,1912.Fig.21 - Villa Jeanneret, La Chaux-de-Fonds. C. Jeanneret,1912.

    Fig.23 - Estudio de trabalho de C.Jeanneret,1912.

    Fig.27 - Maison Schwob, La Chaux-de-Fonds. C. Jeanneret,1916.Fig.28 - Vista interior da Maison Schwob. C. Jeanneret,1916.Fig.29 - Vista interior da Maison Schwob. C. Jeanneret,1916.

    Fig.24 - Sistema estrutural tipo Dom-Ino. C. Jeanneret,1914-15.Fig.25 - Esquisso da casa junto ao mar para Paul Poiret. 1916.Fig.26 - Desenho do interior da casa para Paul Poiret. 1916.

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    observao dos conhecimentos empricos. A Vila Jeanneret (fig. 21) projectada aps o regresso da viagem ao oriente de 1911, tendo como cliente a prpria famlia, o seu primeiro laboratrio, no qual so criadas as primeiras experincias arquitectnicas tendo como base os conhecimentos da sua formao terica e pratica associados aos conhecimentos recolhidos nas suas viagens. O tema da luz tem aqui especial destaque na composio do espao interior enquanto caracterizador principal do programa a que se destina. O tipo de iluminao explorada por Jeanneret, varivel em funo do programa espacial. As diversas salas comuns no piso de entrada, interligadas, so caracterizadas por uma luz homognea que varia segundo a orientao solar do espao e do tipo de vo (fig. 22). Esta variao de luminosidade provoca na leitura do espao interior uma noo de unidade atravs do contraste entre os planos que o definem, iluminados ou pouco iluminados (fig. 23). O incio da primeira Grande Guerra coincide com o incio da independncia da actividade profissional de Jeanneret. Em 1914, influenciado pelo ambiente de mudana cultural e geogrfico caracterstico de um perodo de guerra, pe em prtica os conhecimentos adquiridos nas anteriores experincias profissionais e desenvolve uma tipologia construtiva associada s novas tecnologias. Este modelo com o nome de Dom-In (fig. 24), representava a sistematizao do processo construtivo. A estrutura, assumida enquanto esqueleto composto por pilar e viga, suporta as vrias lajes que compem o programa. O entendimento do esqueleto enquanto elemento independente permite a libertao do compromisso directo entre a organizao interior do espao e a sua composio exterior.

    Neste perodo, associado as experiencia com os vrios elementos que compem o raciocnio projectual, Jeanneret experimenta novas noes espaciais, a sua maioria influenciadas por experiencias vivenciadas nas suas anteriores viagens. O jogo entre os vazios volumtricos que define cada um dos espaos do programa, influenciado pelas teorias de Raumplan de Adolf Loos, explorado em sintonia com a relao entre os diversos programas e o seu exterior. Nos esquissos da Vila para Paul Poiret (fig. 25) destaca-se uma sala comum com duplo p direito enquanto espao principal (fig. 26) do programa habitacional assumindo uma relao franca com o exterior atravs de vos envidraados tambm com altura dupla. A casa Schwob de 1916 (fig. 27) , em La Chaux-de-Fonds, ilustra bem o exemplo do carcter experimental que se cruzava no processo de desenvolvimento profissional de Jeanneret. A iluminao natural explorada atravs das diversas relaes entre interior e exterior acentua a caracterizao funcional que cada espao serve. Embora ainda muito prxima dos princpios construtivos tradicionais baseados na sobreposio de massa, este edifcio procura j explorar as vantagens de um mtodo construtivo no qual preenchido o vazio entre os diversos elementos estruturais. Este mtodo construtivo permite a Jeanneret criar diferentes tipos de vo consoante o maior ou menor preenchimento dos vazios estruturais (fig. 28). Podemos observar no vo com dupla altura da sala de estar comum o principio da parede de vidro climatizada (fig. 29) que Le Corbusier vai desenvolver posteriormente nos grande edifcios de escritrios. No incio de 1917 Jeanneret instala-se definitivamente em Paris. Com o contacto de Max Dubois inicia actividade como assessor de uma companhia dedicada a trabalhos

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  • Fig. 32 - Natureza morta. Ch. Jeanneret,1919.

    Fig. 30 - Cubo branco,1918 Ch. Jeanneret.

    Fig. 33 - Natureza morta. Ch. Jeanneret,1920.

    Fig. 31 - Composio, 1919 Ch. Jeanneret.

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    relacionados com o beto armado. Mantendo uma vida dupla entre o trabalho para subsistir, ocupa os perodos ps-laborais no estudo e desenvolvimento de projectos, pinturas e teorias. A guerra continuava ainda com um destino incerto influenciando assim os potenciais clientes a no arriscar em novas edificaes. Em 1918 Jeanneret pe em prtica um desejo que guardava desde os tempos de infncia, o sonho de ser pintor (fig. 30). Este sonho reavivado quando conhece o pintor Amde Ozenfant, um citadino de Paris bem relacionado no ambiente artstico e cultural. Este pintor, muito interessado nos vrios mtodos de expresso artstica e cultural, assume um particular interesse pela pintura moderna, nomeadamente pela crtica ao cubismo que se assumia como a primeira grande vertente anti-historicista no mundo das artes. Jeanneret atrado por este esprito crtico inicia uma srie de actividades em conjunto com o seu novo amigo e companheiro. Entre elas a escrita a que obtm maior destaque permitindo-lhes explorar teoricamente as controvrsias apresentadas pelos movimentos artsticos anteriores e por consequncia apresentar novas questes e at novas solues relacionadas com as novas tecnologias. Um dos principais trabalhos desta dupla de artistas consiste num conjunto de escritos, nos quais discutida a situao artstica da poca, nomeadamente, o movimento cubista. Nestes conjunto de escritos tericos, com o nome de Aprs le Cubism, apresentavam-se crticas ao processo criativo marcado pela sua alienao face ao conhecimento da histria das artes. Neste sentido procuravam atravs da reflexo apresentar novas solues artsticas que visavam valorizar os processos representativos da poca no menosprezando de modo algum os conhecimentos empricos que preenchem a cultura dos homens ao longo da histria humana.

    Da composio (fig. 31) escolha da cor, passando pela geometrizao dos elementos representados (fig.32), Jeanneret e Ozenfant propunham uma filtragem dos conhecimentos da histria associando-os aos novos elementos comuns, nomeadamente aos novos processos tecnolgicos e aos novos elementos sociais e culturais (fig. 33). . O purismo quer conceber claramente, executar lealmente, sem perdas; abandonar as concepes confusas, as execues someras, imprecisas () A arte est ante tudo na concepo. A tcnica no mais que uma ferramenta, modesta ao servio da concepo.8 Atravs da aplicao dos elementos primrios, da eleio dos objectos-tema seleccionados, atravs de uma sintaxe regulada pelas leis do espao pictrico, o purismo experimenta (tenta) uma arte feita de constantes plsticas que se afastam das convenes, que se dirige, perante tudo, propriedades universais dos sentidos e do esprito.9 Os elementos arquitectnicos, fruto de uma estilizao material e conceptual, apresentam um novo modo de entendimento do objecto arquitectnico. Contrastando com o mtodo tradicional, os novos modelos de construo propostas procuram resplandecer o rigor cientfico, quer atravs das suas superfcies planas que definem o volume, quer pelo rigor do detalhe construtivo que responde exactamente funo que cumpre. A cor, procurando responder com a mesma exactido cientfica, tomada por Le Corbusier como uma ferramenta auxiliar que complementa a leitura sensorial do objecto criado. 8 Acerca del purismo, A. Ozenfant; Jeanneret, Ch.. 1994. p. 47 9 Idem. p. 93

  • Fig. 35 - Casa Citrohan. Ch. Jeanneret,1920.Fig. 36 - Casa Citrohan. Ch. Jeanneret,1922.

    Fig. 34 - Perspectiva do primeiro modelo da casa Citrohan. Ch. Jeanneret,1920.

    Fig. 37 - Maquete da casa Citrohan. Le Corbusier,1922.

    Fig. 38 - Complexo habitacional Immueubles-Villas. Ch. Jeanneret,1922.Fig. 39 - Perspectiva do interior do Complexo Immueubles-Villas,1922.

    Fig. 41 - Casa para o pintor Ozenfant, Paris. Le Corbusier,1920.Fig. 40 - Corte transversal da casa para o pintor Ozenfant. Le Corbusier,1922.

    Fig. 42 - Vista interior da casa para Ozenfant, Paris. Ch. Jeanneret,1920.

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    2.2 O Purismo e as preocupaes higienistas Em 1920 lanado o primeiro nmero da revista LEspirit Nouveau composta por artigos de vrios intervenientes do ambiente cultural Parisiense procurando apresentar questes relacionadas com o contexto artstico associado envolvncia social. Numa pesquisa sequencial da sabedoria arquitectnica surge o heternimo Le Corbusier procurando reflectir os mais variados temas. Em 1922, j instalado em Paris com seu primo e scio Pierre Jeanneret, projecta e constri um grande nmero de vilas e casas nas quais desenvolve o repertrio de solues que anuncia e ao mesmo tempo divulga, enquanto premissas para as novas bases da arquitectura moderna sintetizadas mais tarde pelos cinco pontos para uma nova arquitectura. O primeiro esboo da casa Citrohan de 1920 (fig. 34), evidncia a vontade de Le Corbusier em sistematizar o processo construtivo. A articulao entre as potencialidades construtivas do beto armado e o programa da habitao explorada atravs do jogo de cheios e vazios (fig. 35). O vazio, ou espao principal, subdividido em altura atravs de um mezanino, enquanto os cheios se sobrepem em altura. O espao principal relaciona-se com o exterior atravs de um vo de dupla altura preenchida com vidro, que define por completo a face interior do volume. O invlucro da habitao, composto por um volume regular de dois pisos, assenta no solo e coroado por um terceiro piso recuado denominado de solarium. Este terceiro piso, permitindo a criao de um espao exterior na habitao, permite a indidencia directa da luz solar. Este modelo permite a Le Corbusier estudar novos problemas e deste modo criar novas solues. Sem se afastar dos princpios iniciais, Le Corbusier

    apresenta em 1922 uma reformulao do conceito Citrohan (fig. 37) atravs da elevao do volume da habitao. O volume, suportado por um embasamento composto por pilotis, liberta parte da superfcie de implantao, garantindo assim uma superfcie exterior protegida da intemprie mas iluminada pelo sol (fig. 36). O perodo ps guerra invoca novas condies sociais associadas aos novos desenvolvimentos tecnolgicos e culturais. Os princpios desenvolvidos anteriormente no modelo Citrohan e no sistema Dom-Ino do origem a um complexo habitacional colectivo. Como um aglomerado de habitaes com jardins prprios os Immeubles-Villas (fig. 38) assumem uma variao vertical na tipologia da cidade jardim. O espao exterior privado e iluminado pela luz solar (fig. 39), manifesta-se numa das principais incidncias de Le Corbusier na problemtica da habitao. Neste projecto explora no s a organizao do espao interior das habitaes individuais atravs das combinaes entre cheios e vazios mas tambm atravs da sua relao com um espao exterior, habitavel. Neste mesmo ano Le Corbusier inicia o projecto para o seu colega Ozenfant (fig. 40), voltando a explorar a tipologia dos atelis. A sua localizao permitia explorar os anteriores princpios aplicados na casa Citrohan, embora fosse necessrio ajusta-los a uma implantao com apenas duas fachadas livres. As orientaes Norte e Este permitiram a aplicao de grandes painis de vidro sem a preocupao da luminosidade demasiado intensa. O programa composto por uma zona de servios no piso trreo, uma zona de habitao no primeiro piso e por um espao de trabalho com dupla altura no segundo. Neste espao de criao, Le Corbusier

  • Fig. Tipologias de composio. Le Corbusier, 1953

    Fig.43.1 Planta da habitao tipo. Immueubles-Villas. Le Corbusier,1922.Fig.43 Pavilho de L`Esprit Nouveau. Le Corbusier,1925.

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    invoca as condies fsicas ideais para o acto da criao artstica, a luminosidade natural e o espao amplo (fig. 41). O espao de trabalho expande-se para o exterior atravs de duas grandes janelas com altura dupla evidenciando a esquina do edifcio. A cobertura composta por clarabias do tipo industrial permitem criar uma iluminao zenital homogeneizada atravs da aplicao de um filtro de vidro translcido. Esta tcnica tinha j sido estudada e aplicada no seu espao de trabalho na Villa Jeanneret (fig. 42). Em 1923 Le Corbusier rene uma srie de ensaios seus, anteriormente publicados na revista LEspirit Nouveau, e edita Vers Une Architecture. Num tom provocatrio apresenta as suas reflexes enquanto fruto de uma dedicada anlise da histria e da sua aplicao ao novo mtodo de sistematizao tipolgico10. Criticando a cultura arquitectnica e artstica, que se manteve na sombra da evoluo tecnolgica, afirma que a arquitectura assim como a engenharia, que adaptou os seus clculos cientficos aos novos mtodos construtivos, necessita de uma reformulao nos seus contedos no sentido de se adaptar aos novos conhecimentos cientficos, sociais, culturais e humanos: Pode-se ento colocar o problema da casa, da rua e da cidade e confrontar o arquitecto com o engenheiro. Para o arquitecto escrevemos trs lembretes: O volume que o elemento pelo qual os nossos sentidos entendem e dimensionam, sendo puramente afectados; A superfcie que o envelope do volume e que pode anular ou ampliar a sua sensao; A planta que a geradora do volume e da superfcie e que aquilo pelo qual tudo determinado irrevogavelmente 11

    10 Viver a arquitectura, Rasmussen, St.. 2007. p. 20 11 Por uma arquitectura, Le Corbusier. 1994. p. 9

    Deste modo, Le Corbusier justifica as suas reformulaes sobre os conceitos arquitectnicos tradicionais. Esta reformulao abrange todo o processo que implica a prtica arquitectnica, do projecto at ao habitante. Os conceitos relacionados com a luz natural e o contacto com o exterior, principios que regem as teorias higienistas, sofrem igualmente reformulaes. Transformando as noes de espao interior, caracterizada maioritariamente pela sombra nas construes tradicionais, em espaos com um nivel de luminosidade muito prxima da exterior. Este acrscimo proporcionado pelo aumento das superfcies permeveis luz natural (fig. 43). Inseridos no tecido urbano ou isolados, os vrios projectos e edificios que Le Corbusier desenvolve, com variao do programa ou das diferentes condicionantes, possvel identificar tipos de vos que evoluram directamente do seu modelo anterior (fig. 44). Flora Samuel afirma que esta vontade de reinveno constante inspirada em Jeanneret por Charles Blanc atravs do livro Grammaire ds arts du dessin de 1867, no qual descrito o processo necessrio para obter a beleza universal atravs de trs fases: Imitao do motivo, Reproduo do carcter essencial ou procura do geral e essencial e a Criao autnoma do tipo.12 Este princpio, permite que Le Corbusier desenvolva os seus modelos partindo de uma ideia inicial consecutivamente estudada e reestruturada. O exemplo do vo horizontal permite-nos observar directamente uma constante reinveno do conceito inicial. Esta constante, determinada pela entrada da luz natural mxima largura do espao interior, acentuada pela sua projeco nos planos

    12 Le Corbusier in detail. Samuel, Flora. 2007. p.

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  • Fig.45 O cinco pontos . Le Corbusier, 1927

    Fig.47 Casa Citrohan na Weissenhof de Stuttgart. Le Corbusier, 1927.Fig.48 Casa Dom-Ino na Weissenhof de Stuttgart. Le Corbusier, 1927.

    Fig.49 Vista interior da casa Planeix, Paris. Le Corbusier,1927.Fig.50 Casa Planeix, Paris. Le Corbusier, 1927

    Fig.46 Diagrama da intensidade da luz em funo do tipo de vo. Le Corbusier 1927.

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    verticais, criando assim diferentes tipos de intensidade de luminosidade. Le Corbusier, defendia este mtodo de trabalho enquanto princpio geral, sobre o qual se torna possvel desenvolver o conhecimento dos diversos elementos que compem a arquitectura. Sobre os princpios para a casa Citrohan, Le Corbusier afirma: A verdadeira estrutura formal destas casas est composta pelas salas de estar de p-direito duplo, o pavimento principal elevado do solo, a ocupao do terrao com jardins, as esquadrias alongadas.13 Nos anos que se seguiram Le Corbusier experimenta nas suas obras de arquitectura as mais variadas relaes espaciais entre o interior e o exterior. O vo destaca-se assim como um elemento caracterizador do espao gerado pela composio entre volumes proporcionada pela planta. Le Corbusier procura resolver atravs do desenho dos vos o problema da intensidade e do tipo de iluminao natural pretendida. Prosseguindo na sua procura pelo conhecimento arquitectnico repete os seus modelos anteriores acrescentando ou retirando elementos. Em 1926, Le Corbusier convidado a participar numa exposio de habitaes em Stuttgart. Nesta exposio de nome Weissenhofsiedlung, Le Corbusier apresenta dois modelos habitacionais partindo do esquema Citrohan e aplicando os princpios Dom-Ino. A primeira (fig.47), enquanto bloco individual de habitao e a segunda como um bloco duplo (fig.48), com duas unidades adossadas. Nesta apresentao, so explorados diversos princpios que Le Corbusier j tinha antes experimentado, os pilotis, as janelas horizontais, as coberturas ajardinadas e

    13 Le Corbusier. Obras e projectos , Monteys, Xavier. 2005. p. 19

    as diversas possibilidades de ocupao do espao interior. Neste conjunto de reflexes, Le Corbusier formaliza o princpio dos cinco pontos para uma nova arquitectura (fig.45) que tinham sido. Iniciado no sistema Dom-Ino, foi-se clarificando gradualmente nos projectos das vilas e habitaes do incio da dcada de vinte. A vo horizontal ento identificado enquanto modelo, que por sua vez est associado a um nvel de iluminao em abundncia. Na casa Planeix (fig.50) de 1927 em Paris Le Corbusier constri um edifcio composto por uma habitao, trs atelis e uma garagem. Do volume com trs pisos destacado um pequeno volume com um piso de altura e com uma abertura frontal subdimensionada. Nesse mesmo edifcio so aplicadas janelas com altura dupla nos espaos de trabalho com mezanino sobre a garagem e janelas em comprimento no espao habitacional. No ateli principal (fig.49), ocupado pelo piso superior, Le Corbusier reduz a relao visual com o exterior garantindo uma abundante iluminao zenital, atribuindo deste modo relaes com o exterior diferente14consoante o tipo de vo. Nos diagramas dos cinco pontos, Le Corbusier procura evidenciar o partido tirado entres os contrastes de salubridade, luminosidade e eficcia do seu sistema utilizando como contraponto as habitaes escuras e os stos hmidos que prevaleciam na maioria das construes tradicionais (fig.46): A tabela diz o seguinte: uma superfcie igual de vidro, uma sala bem iluminada por uma janela corrida, que encosta em duas paredes contguas() comporta duas zonas de iluminao: uma zona 1, muito

    14 Quero com isto dizer, que o vo vertical no procura garantir uma iluminao confortvel caracterstica de um espao de trabalho, contudo ela existe para materializar o espao atravs da legibilidade de outros planos.

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  • Fig.51 Villa Savoye, Poissy. Le Corbusier, 1929Fig.52 Entrada na Villa Savoye. Le Corbusier, 1929.

    Fig.56 Cozinha, Villa Savoye. Le Corbusier, 1929.

    Fig.53 Cobertura ajardinada, Villa Savoye. Le Corbusier, 1929

    Fig.54 Suite.Fig.55 Corredor de acesso aos quartos.

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    iluminada; uma zona 2, bem iluminada. Por outro lado, uma sala iluminada por duas janelas verticais, entre as quais existe um vo, comporta quatro zonas de iluminao: a zona 1, muito iluminada (dois sectores bem pequenos; a zona 2: bem iluminada (um sector pequeno); a zona 3: mal iluminada (um sector grande; a zona 4, escura (um sector grande). A tabela acrescenta: Expor 4 vezes menos a placa fotogrfica na 1 sala.15 Deste processo de autocrtica surge em 1929 a Ville Savoye (fig.51) como produto acabado fruto de um resumo das suas prticas e teorias. A soma dos vrios princpios assume uma rigorosa funo na definio do espao construdo e por consequncia determina o modo como a construo se relaciona com a envolvente natural. Esta obra determina por consequncia o resumo dos cinco pontos (fig.57), desenvolvidos por Le Corbusier e apresentado nos vrios nmeros da revista LEspirit Nouveau e posteriormente no livro Vers Une Architecture. Com o objectivo de determinar um padro tipo, aplicvel tanto na escala da habitao singular como na escala urbana, os cinco pontos definem as bases projectuais com as quais Le Corbusier trabalha ao longo da sua carreira. O primeiro dos pontos, que consiste na elevao do volume atravs de um embasamento de pilotis, permite um menor ndice de construtivo no piso trreo, criando em simultneo uma separao fsica e visual entre o construdo e o natural e garantindo iluminao natural no piso trreo, composto pelos servios. Como se de um prtico se tratasse, o piso trreo recuado em quase todo o seu permetro permitindo o acesso automvel at entrada principal protegida pelo volume da habitao (fig.52). Atravs deste elemento Le Corbusier materializa um

    15 Precisions. Le Corbusier. 2004. p. 66

    momento de passagem entre o exterior natural e o interior construdo, criando um espao exterior coberto: lembro-me das colunatas de So Pedro, em Roma, que sustentam nada e que alimenta a nossa retina com a forma adorvel do cilindro.16 O entendimento do sistema estrutural independente enquanto unidade, que d origem ao segundo ponto na medida em que liberta da fachada todas as funes estruturais. Definindo no exemplo da Vila Savoye a leitura de um paraleleppedo assente num conjunto de cilindros. Este sistema de pilotis, permite a le Corbusier justificar os prximos dois pontos: a fachada livre, independente nas funes estruturais permite o desenho de uma janela horizontal em toda a periferia do volume. Esta separao entre fachada e estrutura d por sua vez origem planta livre, deixando aos muros divisrios apenas as funes espaciais. O quinto ponto procura compensar a ocupao do construdo compensando-o na sua cobertura17, respondendo assim ao problema do espao exterior privado (fig.53). No interior a luz inunda o espao com intensidade, atravs de janelas horizontais nos diversos compartimentos perifricos, clarabias na cobertura nos espaos centrais e janelas de vo completo orientadas para o terrao interior. O tratamento do espao assim como a luz que o caracteriza varia consoante o tipo de ocupao. Enquanto a cozinha se assume como uma verdadeira mquina de cozinhar (fig.56), cheia de reflexos brancos monocromticos e metalizados, as zonas mais ntimas (fig.54) so caracterizadas por uma luminosidade igualmente 16 idem. p. 58 17 Este principio tem inicio no primeiro esboo da casa Citrohan, e possivelmente influncia de Perret no edifcio 25bis na Rue Fraklin.

  • Fig.57 Principios aplicados no projecto da Villa Savoye . Le Corbusier.Fig.58 Cores aplicadas na Villa Savoye . Le Corbusier, 1929

    Corte longitudinal. Le Corbusier, 1929Plantas Villa Savoye. Le Corbusier, 1929.

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    intensa. Procurando corrigir eventuais excessos ou deficincias de luminosidade que atravessam as fentre en longueu, ou as clarabias, Le Corbusier aplica cores de tons suaves, retiradas da segunda gama de cores do manifesto purista, pigmentando a luz natural (fig.58). No exemplo do estreito corredor de acesso aos quartos (fig.55), a cor aplicada num sentido inverso, expandindo a luz. Uma das paredes, pintada com um azul intenso e vibrante, projecta no observador a relao com o horizonte distante18. O corredor termina sob a clarabia que estende verticalmente o espao para que este no seja cortado abruptamente pela porta. Esta luz zenital projectada sobre este espao estreito, que se tinge inteiramente pelo reflexo da cor azul, desmultiplicando a dimenso do corredor, recuando ilusoriamente a parede azul transformando a leitura do espao de circulao num espao mais largo do que na realidade . Este princpio aplicado anteriormente na pequena casa que projecta e constri para os seus pais em 1923. A cor, associada aos diversos elementos arquitectnicos, assume na Villa Savoye uma importncia formal. Atravs da associao entre a cor, a luz e os rasgos horizontais, Le Corbusier desenvolve novos mecanismos que lhe permitem controlar a intensidade e a qualidade da iluminao contribuindo estas, enquanto conjunto, para a caracterizao sensorial do espao: Luz sobre as formas, intensidade luminosa especfica, volumes sucessivos, actuam sobre o nosso ser sensvel, provocam sensaes fsicas, fisiolgicas, que os sbios registaram, descreveram, clarificaram,

    18 Acerca del purismo, A. Ozenfant; Jeanneret, Ch.. 1994. p. 84

    especificaram. Esta horizontal ou esta vertical, esta linha com dentes de serra brutalmente quebrada, ou esta ondulao preguiosa, esta forma fechada e cntrica do crculo ou do quadrado, actuam profundamente sobre ns, qualificam as nossas criaes e determinam as nossas sensaes.19 Os diversos tipos de vo, utilizados por Le Corbusier ao longo dos anos vinte, correspondem a uma caracterizao especfica de um espao interior. Enquanto um espao oficinal, que exige uma iluminao abundante e difusa, caracterizado por um amplo vo zenital, um espao de habitao rasgado por um vo horizontal. O vo horizontal, de parede a parede, permite no s maximizar a incidncia da luz solar no plano horizontal, ao nvel do pavimento, como acrescentar planos verticais que aumentam a luminosidade difusa. Este acrscimo, das superfcies de reflexo associado s maximizaes das superfcies translcidas que perfuram os edifcios, provoca nos espaos interiores um aumento na intensidade da luz natural. Le Corbusier, associando as teorias sobre a cor, responde a esta problemtica criando relaes entre o programa e as sensaes pretendidas. O piso trreo da Villa Savoye, pintado num verde-escuro, procura responder a uma lgica de integrao com a envolvente natural. Esta camuflagem, permite-nos fcil a leitura do volume sobre os pilotis, ambos pintados de branco em contraste com o verde da envolvente e o azul do cu. A incidncia da luz natural na superfcie pintada de branco, gera um acentuado contraste atravs da leitura dos volumes e das suas protuberncias. Le Corbusier, considera a cor uma ferramenta importante, no sentido em que esta funciona como um correctivo visual, da leitura espacial pretendida,

    19 Precisions, Le Corbusier. 1930. p. 83

  • Fig.60 Ilustrao do mtodo de ventilao mecanizado. Le Corbusier, 1930.

    Fig.62 Rua urbana semi-coberta, Norte de frica.Fig.61 Rua urbana semi-coberta, Norte de frica.

    Fig.68 Loggias no convento Simon Petra no Monte Athos, Grcia.

    Fig.59 Palcio do Centrosoyus, Moscovo. Le Corbusier, 1929.

    Fig.63 O brise soleil, Torre para Argel. Le Corbusier, 1938.

    Fig.66 Perspectiva interior do Arranha-cu no bairro da Marina, Argel. Le Corbusier 1930-32.Fig.66 O brise soelil e o movimento do sol. Le Corbusier 1930-32.

    Fig.64 Projecto Ponsik, Argel. Le Corbusier 1930-32.Fig.65 Projecto Ponsik, Argel. Le Corbusier 1930-32.

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    acentuando ou difundindo a sua presena enriquecendo o conjunto dos elementos que caracterizam a obra de arquitectura. 2.3 Reviso dos princpios modernos Tendo j sido anteriormente classificado como inimigo o falso historicismo, agora era a vez da falsa modernidade. Le Corbusier tinha como principio a reafirmao dos valores que lhe tinham guiado desde o incio com L`Eplatenier, mas adequando as formas e os conceitos nova realidade do Ps-guerra. Na dcada de vinte, Le Corbusier desenvolveu pacientemente uma vasta gama de novas solues arquitectnicas, construtivas e conceptuais (fig. 59), que o tinham direcionado muito para alm do rigor purista (fig.60). Assim como Alvar Allto, no inicio dos anos trinta, Le Corbusier d inicio investigao sobre as coincidncias entre o rigor moderno e os conceitos arquitectnico-artsticos provenientes dos conhecimentos antigos. A procura das constantes, afirmada em Vers une Architecture, continuava agora com menos preocupao que nunca pela imagem formal de uma arquitectura industrial, fruto de uma relao directa com as evolues tecnolgicas. Em 1931 Le Corbusier visita Marrocos e a Arglia (fig.61), cativado pela harmonia existente entre as pessoas, os edifcios e a paisagem, assim como pelo engenho da tradio verncula no tratamento dos materiais locais e dos mtodos caractersticos dos climas quentes. As casas baixas misturavam-se com a envolvente natural utilizando ptios sombreados, orifcios de ventilao e iluminao, espessos muros de barro e uma cuidadosa orientao para evitar a luz intensa e o calor (fig.62). Nesta anlise Le Corbusier

    percebe que a evoluo do conhecimento se d quando se cruzam os conhecimentos empricos com as novas tecnologias. Era ento necessrio misturar o velho com o novo, o universal e o regional. Le Corbusier identifica na arquitectura tradicional as origens de um dos mtodos de Perret, o da parede perfurada. Composta atravs da organizao de elementos simples que formam um padro regular, assume-se como mtodo construtivo que combina duas funes distintas, a ventilao e o controlo da iluminao excessiva. O problema da iluminao em excesso j tinha sido identificado. A casa Baizea em Tnez revelava as possibilidades que o sistema Dom-Ino combinado com a planta livre proporcionava atravs da criao de uma galeria exterior que garante o sombreamento no permetro do edifcio20. Diluindo a luz intensa, os Brise-Soleil canalizavam as vistas, dando a todo o edifcio uma facha representativa (fig.63), marcada pela leitura da profundidade atravs da composio mutvel das sombras. Os apartamentos Ponsik de 1933 (fig.64), desenhados para a Arglia, mostravam como um edifcio alto podia combinar as fachadas de vidro (fig.65) com o painel de lminas protectoras, semelhante nos princpios da parede perfurada mas com uma escala sob dimensionada. A escala deste elemento, que filtra a luz solar, determinada em funo da sua localizao geogrfica (fig.67), permitindo assim responder um a excesso de incidncia da luz natural no interior do construdo. Nestas primeiras, Le Corbusier assume este novo elemento arquitectnico de controlo da luz enquanto elemento independente associado fachada livre destacando-se do volume principal (fig.66).

    20 Ideias y Formas, Curtis, William. 1987. p. 117

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    Fig.69 Pintura com formas biomrficas. Le Corbusier 1942.Fig.70, 70.1 Escultura de J. Savina projectada por Le Corbusier. 1943Fig.70.2 Le Corbusier com esculturas de J. Savina. 1943.

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    A torre para Argel, de forte textura, era a chave das fachadas com Brise-Solei do Ps-guerra construdas posteriormente em Marselha e Chandigarh. E assim, por esta simples diferena nas condies imperativas, como aparece um estilo arquitectnico norte africano. () Recordemos os vazios marroquinos, feitos de claustras21de tijolo dispostos em profundidade como maos de cartas: na mesma consequncia plstica e arquitectnica que se consegue aplicando as tcnicas modernas. Unidade, estilo regional22 (fig.68) A profundidade dos Brise-Solei era calculada para evitar o sol assim como o calor intenso do vero, mas deixando passar os raios de sol no inverno (fig.67). A composio resulta numa subtil mescla de opacidade e transparncia, de carcter massivo composto por planos flutuantes, conseguindo uma riqueza adicional atravs da aplicao de cores vivas nos planos verticais das varandas privadas. No desenvolvimento do elemento Brise Soleil, possivel identificar as vrias fases evolutivas, tanto a nvel tcnico como funcional. Este elemento, inicialmente proposto apenas para o controlo da luz solar, transforma-se num espao exterior coberto habitado. Podemos entender esta ambio de Le Corbusier, de garantir um contacto mnimo com a natureza exterior, como uma vontade de aproximao do habitante natureza envolvente. Respondendo ao rigor tcnico dos anos vinte, Le Corbusier procura ripostar com uma arquitectura palpvel aos nossos sentidos, com textura, cor e uma luminosidade repleta de contrastes. Ritmo, diversidade ou monotonia, coerncia ou incoerncia, surpresa 21 Refiro-me as paredes perfuradas compostas por composies geomtricas entre elementos construtivos simples como tijolos. 22 Precisions, Le Corbusier. 1930. p.

    encantadora ou decepcionante, o alegre gozo da luz ou o frio da escurido, quietude do quarto iluminado ou angustiado quarto repleto de zonas sombrias, entusiasmo ou depresso, () que afectam a nossa sensibilidade por meio de uma sequncia de impresses das quais no podemos escapar. 23 Luz sobre formas, intensidade luminosa especfica, volumes sucessivos, actuam sobre nosso ser sensvel, provocam sensaes fsicas, fisiolgicas, que os sbios registavam, descreveram, clarificaram, especificaram. Meam qual a importncia capital do lugar onde abriro uma janela. Vigiem o modo pelo qual esta luz recebida pelas paredes da diviso. Na verdade desenrola-se aqui um grande jogo arquitectnico, aqui adquirem apoio as impresses arquitectnicas decisivas. 2.4 O ps-guerra e as novas experincias Em 1944 comea uma colaborao com Josef Savina na criao de robustas esculturas de madeira policromada baseadas nas formas biomrficas das suas pinturas e desenhos (fig.69). As peas individuais eram talhadas toscamente deixando visveis as marcas do escopo. As vastas superfcies destas esculturas puseram em manifesto o valor das texturas rugosas, que encontrariam o seu equivalente nos acabamentos do beto vista e do tijolo tosco das ltimas obras24 . Esta transposio de formas em ideias, e de ideias em formas, pe de manifesto uma imaginao capaz de dar extraordinrios saltos analgicos entre 23 Precisions, Le Corbusier. 1930. p. 84 24 Ideias y Formas, Curtis, William. 1987. p. 16

  • Fig.74 Baslica de La Sainte-Baume, Marselha. Le Corbusier 1948.

    Fig.71 Fbricas Duval, Saint Die. Le Corbusier 1946-51.Fig.72 Brise Soleil. Le Corbusier 1946-51.Fig.73 Brise Soleil mecanizados. Le Corbusier 1946-51.

    Fig.78 Cobertura habitada, Unit d`Habitation, Marselha. Le Corbusier 1946-52.Fig.77 Corte de dois apartamentos contguos, Unit d`Habitation. Le Corbusier 1946-

    Fig.75 Unit d`Habitation, Marselha. Le Corbusier 1946-52.Fig.76 Ocupao do brise soleil, Unit d`Habitation. Le Corbusier 1946-52.

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    figuras e imagens. Segundo a autora Flora Samuel, Eduard Sekler mostrou como os perfis de Composition, Spirale logarithique de 1929, evoluram gradualmente, ao longo dos anos, para um tema completamente diferente num campo artstico distinto: a escultura de madeira Totem dos finais dos anos quarenta(fig.70). O artista descrevia assim esta maneira de utilizar e reutilizar as figuras. Le Corbusier leva em si e consigo ideias de natureza plstica que remontam a dez, quinze, vinte anos atrs, ou mais: trata-se de croquis, de esboos que preenchem os caixotes da sua casa, e dos quais leva alguns quando sai de viajem, de maneira que o contacto entre uma etapa nova e outra anterior se produz de forma instantnea. Este procedimento de misturar recordaes funcionava tambm nos seus edifcios, constituindo parte essencial do seu poder para transformar os precedentes numa ordem nova. Mais uma vez, podemos observar no percurso de Le Corbusier o processo de autocrtica aplicado aos elementos arquitectnicos desenvolvidos anteriormente. Por volta de 1946, Le Corbusier recebe um encargo por parte de um industrial de Saint-Di, para construir uma fbrica de chapus. A fbrica Duval (fig.71), uma simples caixa rectangular com uma torre de escadas e uma reticula estrutural interna. Os Brise-Soleil, estavam adossados s fachadas como uma espcie de gradeamento (fig.73). As superfcies de beto deixavam-se vista ou ento pintadas de cores vivas. Pela primeira vez Le Corbusier experimenta um novo sistema proporcional chamado de Modulor.

    Uma medida harmnica escala humana aplicvel universalmente arquitectura e mecnica.25 (fig.72) Mais uma vez assistimos procura de um equilbrio entre o conhecimento desenvolvido atravs da experiencia e a sua adaptao aos processos produtivos contemporneos, inspirada possivelmente pelos princpios dos templos gregos, objectos de tipificao em constante evoluo. O Modulor, enquanto escala padro, procurava atribuir uma inter-relao entre os diversos elementos arquitectnicos que constituem um espao construdo e o Homem que o habita. Le Corbusier gostava de citar Albert Einstein, que lhe disse que o sistema torna difcil o mau e fcil o bom. Em 1948, Le Corbusier desenvolve um projecto que consiste num lugar sagrado em Saint-Baume (fig.74), com um itinerrio atravs da paisagem natural que culminava numa gruta subterrnea iluminada zenitalmente atravs de fossos de luz. A baslica, projectada para ser esculpida dentro da rocha mais do que construda sobre ela. O esquema foi desenvolvido autonomamente das condies do exterior, anulando quaisquer vistas. O espao interior iluminado atravs de artrias de luz especialmente desenhadas remonta-nos para as influncias egpcias. uma Promenade Architectural percorrendo o interior da Rocha desde a sua entrada na caverna at ao seu final, abrindo-se de repente para uma luz ofuscante e para o distante mar. O movimento, contudo, oferece no apenas uma experincia espacial. Le Corbusier recria aqui a experincia sobre a qual tinha escrito antes, na sua viagem ao Oriente, imaginando o sacerdote emergindo do escuro adytum do Partenon no topo da

    25 Modulor II. Le Corbusier. 1983. p.120

  • Fig.79 Perspectiva Sul / Este, Capela de Notre-Dame-du-Haut, Ronchamp. Le Corbusier 1950-

    Fig.83 Parede Sul da Capela de Ronchamp vista do interior.Fig.84 Vista do Altar orientado a Oeste.

    Fig.85 Entrada de luz zenital da capela lateral Norte.Fig.86 Entrada de luz zenital da capela lateral Este.

    Fig.81 Planta e cortes, Capela de Notre-Dame-du-Haut, Ronchamp. Le Corbusier 1946-51.Fig.82 Implantao, Capela de Notre-Dame-du-Haut, Ronchamp. Le Corbusier 1946-51.

    Fig.80 Perspectiva Norte / Oeste, Capela de Notre-Dame-du-Haut, Ronchamp. Le Corbusier 1950-

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    Acrpolis, encarando o horizonte montanhoso de Attica: No interior mistrio e crepsculoe no exterior pessoas vivas.26 Em 1952, na Unit dHabitation em Marselha (fig.75), marcou com toda a sua fora tanto a filosofia urbanstica do arquitecto como os novos recursos tectnicos. Este bloco habitacional procura reunir os estudos sobre o funcionamento da vivncia em comunidade (fig.77), seguindo uma lgica rigorosa de meios e mtodos, protegendo o escasso e dispendioso terreno urbano, oferecendo a todos uma orientao solar favorvel e permitindo a todos os habitantes o benefcio do espao exterior privado (fig.76). No seu jogo entre formas, o arquitecto utiliza a luz como uma substncia real a qual ajuda a animar os edifcios com uma vida permanente. Se no exterior a luz atinge violentamente os pilares ou os Brise-Soleil, no interior manipulada com infinita subtileza. ().27 A preferncia de Le Corbusier pela utilizao do material construtivo na sua pureza de concepo, transforma o tosco ou natural, num valor esttico, atravs das marcas e dos veios das cofragens como se se tratassem das marcas de um formo, como nas esculturas de Savina. O beto Brut (fig.78), demonstrava-se extraordinariamente sensvel luz e sombra, e podia ser moldado conferindo a todo o edifcio uma fora herica como a do Templo de Paestum ou outra runa antiga. O beto em bruto era ento pensado enquanto material de origem natural, assim como a pedra28, mas com um mtodo construtivo prprio das

    26 Le Corbusier & the Architecture of Reinvention, Benton, Tim. 2003. p. 169 27 Le Corbusier, Choay, Franoise. 1960, p. 22 28 Ideias y Formas, Curtis, William. 1987. p. 172

    argilas, nas so decalcadas as impresses digitais do seu molde. Esta relao identificada por Le Corbusier na sua viagem ao Oriente, na qual observa com ateno as olarias tradicionais e os seus mtodos de fabrico.29 Estando a baslica de Saint-Baume, direccionada para o culto da natureza, da arquitectura da gruta cravada na montanha, Alexander Tzonis considera que Ronchamp est direccionada para a escultura, crescendo superfcie, submetendo a arquitectura envolvida pela paisagem. Assim como na Unit de Marselha, na concepo de Ronchamp, Le Corbusier recruta muitos dos precedentes que foram subsequentemente fundidos.30 A Capela de Ntre-Dame-du-Haut (fig.79), orientada segundo tradio ocidental, localiza-se no cume de um monte isolado na localidade de Ronchamp prximo da fronteira Sua, erguendo-se sobre a implantao de um antigo templo gtico dedicado ao culto da peregrinao e destrudo pela guerra. Le Corbusier responde do mesmo modo essa celestial funo. O seu acesso desenvolve-se atravs de um percurso fortemente marcado pela relao visual da paisagem envolvente com a Capela criando diferentes leituras da sua unidade ao longo do trajecto (fig.82). No acesso directo ao recinto da sua implantao, a vegetao natural encobre o complexo criando assim um efeito de surpresa que se dilui com o surgir de uma nova perspectiva da Capela de Ronchamp: Pintura, arquitectura, escultura so o fenmeno nico de natureza plstica ao servio da pesquisa potica na qual,

    29 El viage de Oriente, Jeanneret, Ch.-Edouard. 1993. p. 76 30 Le Corbusier, The Poetcis of Machine and Metaphor, Tzoni, Alexander. 2001. p. 26

  • Fig.88Alado e corte, composio das aberturas da parede Fig.87 Contacto entre a parede Sul, a parede Este e a cober-

    Fig.90 Vista a partir do AltarFig.89Parede Sul iluminada a partir do inte-

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    estas, so capazes de libertar o momento potico.31 O volume composto por um conjunto de paredes curvas brancas aparentemente espessas que suportam uma cobertura de beto vista tambm definida pela sua curvatura invertida (fig.81). Trs torres em forma de domes e direccionadas em anglos diferentes so erguidas sob a forma de periscpios captando diferentes tipos de luz (fig.85). Trs pequenas capelas, completamente separadas da nave, integram servios simultneos. Estas trs capelas tm uma iluminao natural muito especial; elas esto cobertas com meias cpulas (domes) chegando dos quinze aos vinte metros, recebendo luz de trs direces (fig.80). A luz que cai na vertical sobre os altares muito diferente daquela que ilumina a nave (que mais fraca em intensidade) e serve para acentuar as formas pouco ortodoxas. Uma figura da Nossa Senhora (fig.84), colocada num vo que rompe a parede Este, sobre o altar, surge em contra-luz, no nos permitindo entender mais do que uma simples silhueta, ilustrando possvel a tradicional noo da apario da Virgem Maria. As aberturas perfuradas na parede Sul (fig.83), assumem diferentes propores (fig.88), atravs da espessura da parede e das propores do vo, contribuindo para o efeito plstico geral, sendo providas com vidro, colorido e incolor. Na ligao entre a cobertura e as paredes Sul e Este existe um rasgo contnuo que preenchido por uma luz tangente que ilumina o tecto curvo de beto aparente, realando no s a sua materialidade como a leitura dos diferentes elementos arquitectnicos que determinam o espao. Enquanto no exterior Le Corbusier procura transmitir uma

    31 LOeuvre Complete, Le Corbusier.1952-57, p. 11

    sensao de gravidade num jogo de equilbrios entre massas pesadas, no interior procura evidenciar todo um conjunto de sensaes expressas atravs de uma luz dramtica que enfatiza as sensaes experimentadas no exterior. Do exterior, a cobertura curva invertida de beto aparente apoiada sobre os muros aparentemente irregulares transporta-nos para a velha questo do jogo entre os volumes e as suas sombras. Do seu interior (fig.90), possvel imaginar o interior de um templo primitivo composto por volumosas e pesadas rochas naturais por entre as quais, irregularmente esculpidas, penetram raios de luz hipnotizantes. John Alford estabelece em 1958 uma relao comparativa entre a capela de Ronchamp e os tmulos neolticos da ilha Britnica. Nesta comparao explora a noo espacial dos templos, que no caso de Ronchamp se distncia dos modelos provenientes da tradio clssica, pela sua imponncia e escala. Ao contrrio disso, Ronchamp enquadra-se quase na tipologia do espao residual proveniente da composio entre os vrios elementos arquitectnicos. As torres de iluminao, na sua forma curva, correspondem verdade espacial interior, albergando entre os seus contornos convexos a sacristia, o confessionrio e o baptistrio, cada um deles com uma luminosidade prpria que depende da orientao e da altura de cada uma delas. O jogo de sensaes explorado por Le Corbusier atravs da linguagem arquitectnica, muito prximo da escultura, assim como pela composio e controlo da luz interior conferindo leitura entre o exterior e o interior uma carga dramtica muito expressiva. Numa entrevista que deu em 1961, Le Corbusier explicou: Emoes vem daquilo que cada um v, isto , volumes dos quais o corpo sente atravs da impresso ou presso das

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    paredes nele prprio, e depois atravs da luminosidade proporcionada em termos de densidade ou em termos de delicadeza dependendo dos lugares isto est directamente relacionado. 32 Desta anlise, podemos concluir que Le Corbusier desenvolve as questes da arquitectura, durante os anos vinte, tendo sempre presente a relao directa entre o construdo e as condies naturais e geogrficas, nomeadamente a luz natural. A janela horizontal, que rasga o muro em duas folhas, composta pelos diversos elementos que constituem a funo do vo, do cortinado, elemento que permite o controlo da luz natural, ao balco, sob o vo e composto por elementos de carcter tcnico e funcional tais como radiadores e arrumos. No seu conjunto trata-se de um muro complexo, denso, que contm funes tradicionalmente sobrepostas. Substitui assim a robustez das construes tradicionais pela leveza dos planos optimizados, respondendo s diversas funcionalidades do muro atravs de uma inovao conceptual, o rasgo horizontal. Contudo neste modelo de abertura ainda possvel identificar resduos que subsistem da concepo tradicional, do vazio e do macio. Atento s inovaes tcnicas existentes ao seu dispor Le Corbusier responde falta do vazio exterior, afirmado nos Immeubles-Villas, compensando na relao visual entre o interior e o exterior. A remoo total do muro suscita um problema de natureza trmica justificado atravs de teorias de base cientficas aplicadas a conhecimentos tecnolgicos. A supresso da parede d lugar a um invlucro hermtico e transparente, o pan de verre, controlado por processos mecnicos.

    32 Cf. Le Corbusier - Choay, Franoise. 1960. p. 45

    Do mesmo modo que Le Corbusier responde a um problema, suscita uma nova questo. A diferena entre o conhecimento tecnolgico e a sua prtica encaminha Le Corbusier na procura de uma soluo para o problema criado. O pan de verre surge enquanto novo problema, causado quer pela excessiva exposio solar quer pela ineficincia dos sistemas mecnicos previstos, encaminha Le Corbusier na procura de uma soluo vivel, tanto a nvel econmico como tecnolgico. A soluo proposta, os Brise Soleil, resulta na utilizao de um elemento exterior que tem como funo principal reduzir a rea de incidncia directa da luz solar mantendo os anteriores princpios, fachada preenchida apenas por um pan de verre. Esta soluo, que resulta do somatrio entre o volume principal do edifcio e o seu quebra sol, resulta posteriormente numa soluo mista atravs da ocupao do Brise Soleil enquanto espao exterior. Le Corbusier, nos anos vinte, procura responder s deficincias da arquitectura criando correctivos sensoriais atravs da cor nas superfcies que compem o espao habitado reformulando os conceitos arquitectnicos provenientes do passado. A relao de Le Corbusier com a luz natural, nas obras desta dcada, procura responder ainda s exigncias ditas higienistas, tendo como ponto de partida a mxima salubridade possvel. Nos anos trinta, empenha-se em perceber a relao entre a evoluo tecnolgica, dos mtodos e materiais de construo utilizados, e as constantes arquitectnicas que se foram desenvolvendo ao longo da histria da arquitectura. Na referncia dos modelos tradicionais, maioritariamente dos pases quentes no Norte de frica, Le Corbusier identifica diversos modelos de relao entre o construdo (arquitectura) e a luz natural.

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    Durante a sua carreira, possvel identificarmos a procura de Le Corbusier por um conhecimento consistente baseado na experiencia. Esta pesquisa, inicialmente explorada atravs da relao entre a funo e a luz natural correspondente, reformulada aquando da problemtica da luz em excesso, implicada por uma consciencializao da relao fsica e psicolgica do indivduo com o espao construdo a habitar. Remetendo o tema da luz para o campo das sensaes fsicas e psicolgicas que a arquitectura provoca no observador, Le Corbusier constri a capela de Ronchamp. Tendo como base todo o seu conhecimento anterior, compem uma nova noo espacial sustentada pelos diversos mtodos construtivos assim como pela reinveno dos elementos que definem o construdo. Os diferentes mtodos utilizados na permeabilizao da luz natural no interior, so explorados por Le Corbusier no sentido de uma caracterizao dramtica do espao atravs da leitura dos diversos elementos arquitectnicos que o compem.

  • Fig.91 Implantao do Convento de Sainte-Marie-de-la-Tourette. Fig.92 Primeiro esquema do convento, implantao, orientao e contacto com o solo. 1953.Fig.93 Convento de Thoronet.

    Fig.94 Convento de Sainte-Marie-de-la-Tourette, Eveux-sur-l`Abresle. Le Corbusier, 1957-60.Fig.95 Vista Norte / Oeste do convento de Sainte-Marie-de-la-Tourette.Fig.96 Vista area do Convento de Sainte-Marie-de-la-Tourette.

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    A luz no convento de La Tourette 3.1 O objecto e a paisagem Le Corbusier, em Florena, recolhe material de modo casual e desordenado, como tinha j acontecido nas anteriores cidades que visitou na viagem de 1907. Esta viagem a Itlia, desperta em Jeanneret um particular interesse pelo relacionamento entre o grande claustro, o espao comum, e as celas individuais, enquanto espao individual. A Certosa de Ema em Galluzzo, perto de Florena, apresenta-se como a organizao ideal para uma comunidade: espaos comuns para os servios e para a vida social e alojamentos isolados, ntimos, dotados ,cada um, de um espao ajardinado aberto sobre um vale. Em 1911, durante a viagem ao Oriente, Charles douard Jeanneret atrado pelo encanto dos mosteiros pousados sobre o monte Athos balanando as suas arquitecturas. Estas duas iniciais experiencias so determinantes, na medida em que representam o inicio da associao de Le Corbusier, entre o indivduo e o espao fsico que este habita, assim como entre os programas necessrios e as funes que estes respondem. Poco prima di morire cos improvvisamente, il mio amico padre Coutourier mi aveva spiegato le profunde risonanze della regola dell`Ordine Domenicano, stabilite all`inizio del tredicesimo secolo. Il Convento della Tourette stato realizzato sulla base di questo programma essenzialmente umano: la rude vita dei frati predicatori. Come a Ronchamp si trattava di un programma del cuore e del corpo alla misura umana 33

    33 Un convento di Le Corbusier, Jean Petit, , 1961.

    Seguindo a recomendao do Padre Couturier, Le Corbusier visita em 1953 o mosteiro de Thoronet (fig.93), no sul de Frana, com o objectivo de analisar o complexo monstico. Embora pertencesse ordem dos Cistercienses, era o exemplo considerado em estado puro. Gresleri afirma que neste convento que Le Corbusier se inspira, transferiu para La Tourette, essencialmente a ateno dada a textura superficial dos materiais, cuja materialidade particularmente presente no convento assim como todo o uso da luz natural. Em 1956 Le Corbusier escreve no prefcio de um livro sobre a Abadia da Thoronet, testemunhando sobre a forte impresso recebida pelo mestre: Le immagini di questo libro sono dei testimoni di verit. Ogni elemento della construzione qui un valore creatore di architettura. Architettura in somma incessante di gesti positivi. L`insieme como el dettaglio sono uno. La pietra vi amica dell`uomo; la sua purezza assicurata dalla struttura racchiude dei piani con una pelle ruvida; questa rudezza dice: pietra, e molto pi bella. La sistemazione delle pietre tiene conto del minimo pezzo uscito dalla cava: economia e ingnosit; il suo disegno ovunque variato e sempre nuovo. (...) La luce el`ombra sono gli altoparlanti di questa architettura di verit, di calma e di forza. E niente di pi vi si aggiungerebbe (...)34 Na concepo do convento de La Tourette esto presentes pensamentos antigos de Le Corbusier. Assim como analisamos no convento de Ema e nos conventos do monte Athos, a impresso principal que o arquitecto afirma a recuperao da posio das celas, na parte mais alta do convento. altura do edifcio somada a da 34 Le Corbusier: il programma liturgico.Gresleri, Glauco. 1997. p. 126

  • Fig.97 Corte transversal Este / Oeste.

    Fig.100 Vista Este / Norte. Entrada de visitantes.Fig. 101 Vista Sul / Oeste. Entrada dos monges.

    Fig.99 Planta de cobertura. 1- Igreja; 2- Servios conventuais.Fig.98Axonometria pelo I. Xnakis. Claustro em cruz e rampa exterior.

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    montanha na qual pousado, portanto as habitaes dos monges esto a uma cota elevada que permite a percepo de uma paisagem longnqua, esfumada e incerta (fig.90). Esta localizao, do programa privado, nas cotas mais elevadas permite uma iluminao natural em abundncia, contrastando assim com as zonas inferiores composta por vrios tipos de luminosidade, respondendo s funes especficas do programa. 3.2 O volume O convento de La Tourette constitudo por trs braos dispostos em forma de U (fig.96), trs corpos geomtricos interligados contendo servios e delimitando um espao interno, o qual fechado no quarto lado pelo volume da igreja e habitado por vrios objectos. Os trs corpos do convento expem-se respectivamente a Este, a Sul e a oeste, contendo os dois nveis de celas nos nveis mais altos e os servios comuns (biblioteca, refeitrio, salas de estudo e reunio) nos nveis inferiores assentando no solo atravs de numerosos pilares com diferentes alturas, acompanhando as diferentes pendentes do terreno. O convento suspenso, assente numa multido de pilotis que se destacam do terreno permitindo conservar intacta a geometria ortogonal dos volumes sobre a inclinao natural. O conjunto de elementos que compem a igreja, inversamente, instala-se firmemente ao solo (fig.95). Composto por cheios, vazios e transparncias, o convento coloca os interiores em comunicao com o exterior, enquanto a igreja se assume como um bloco impenetrvel, compacto e inarticulado no qual, atravs dos diferentes rasgos, a luz natural invade interior permanecendo. No entanto, no exterior surgem subtilmente uns rasgos quase imperceptveis.

    A sacristia, um elemento com forma prismtica, pousa sobre o terreno encostado parede sul da igreja, acentuando a presena do objecto que se afirma no interior do claustro atravs de duas reentrncias nas paredes laterais que determinam uma zona de sombra distinta. O volume perfurado por sete clarabias, com planta pentagonal baptizados de mitraillettes di lumiere, e a cobertura plana revestida com terra vegetal. A cripta com os canhes de luz no lado norte o nico objecto que se encontra no exterior do quadriltero conventual e sobre o qual direccionada uma ateno particular. A sua forma, a mais complexa do conjunto, destaca-se de uma parede plana e quase cega, num enrgico jogo de valorizao de opostos. Trata-se de uma superfcie conoide regular que colide com o perfil do terreno ortogonal (obliqua em relao fachada da igreja) Este tipo de superfcie aplicado anteriormente no pavilho Philips na Exposio Universal de Bruxelas em 1958. A cripta o nico elemento desta arquitectura que responde aos contornos do horizonte aproximando-se linguagem de Ronchamp, no sentido em que se aproxima s referncias da escultura e da pintura mas mantendo uma postura arquitectnica. A cripta o nico elemento desta arquitectura que procura responder, pela aproximao expresso escultrica, a uma acstica visual35 que se aproxima da linguagem de Ronchamp.

    35 Le Corbusier, Ronchamp. 1955. p. 89

  • Fig.102 Vista da parede Sul da Igreja, interior do claustro.Fig.103 Vista do claustro, cobertura da Igreja.

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    3.3 O vazio A parede sul do volume da igreja (fig.102), que encerra o ptio do mosteiro, funciona como um cenrio no qual valorizada a dana dos objectos atravs das suas sombras. As condutas que constituem o claustro, sob a forma de uma cruz; o oratrio, com a sua cobertura piramidal; a escada circular, que faz a ligao entre o trio e as celas orientadas a oeste; a cobertura inclinada do trio, a sacristia, com os seus dispositivos de iluminao evidenciados na cobertura; o parlatrio com formas curvilneas situado na extremidade Norte do brao Este (fig.103). Esta parede tambm serve como cenrio de projeco para o desenrolar dirio do movimento dos claros-escuros, que se apresentam nas primeiras horas do dia recebendo a sombra projectada do brao Este, retirando-se pelo meio dia e voltando a afirmar-se pelo final do dia projectando deste modo a sombra do brao Sul e a sua ligao ao volume da igreja. possvel tambm, imaginarmos a parede da igreja funcionando como uma tela, na qual o pintor comunica as suas ideias. Le Corbusier representa na tela o ciclo dirio da luz sobre o edifcio. E em cada estao, em cada dia do ano, as sombras mudam as suas formas sendo que as dimenses projectadas pelo sol variam continuamente de inclinao. Uma pintura em constante mutao, em sintonia com as condies atmosfricas. Le Corbusier posicionou um terrao sobre um volume projectado da biblioteca, no interior do claustro e perpendicular ao pano de parede Sul da igreja, ao nvel do primeiro piso de celas correspondente altura media da igreja e muito prximo do ponto mdio do cenrio. Na opinio de Gresleri, este volume com terrao, para alm de ser o nico corpo balanado a interromper a continuidade da fachada interior do

    convento, no motivada por nenhuma particularidade funcional seno aquela da afirmao de um observatrio que constitui o ponto de vista preferencial para a viso de um grandioso espectculo csmico e arquitectnico. 36 Na tradio dos conventos o claustro assume uma forma de anel quadrado, criando desse modo diversos ambientes relacionados entre si como um todo, assim como todas as unidades de habitao individuais ou como no exemplo da Certoza di Pavia. Le Corbusier pensou inicialmente colocar o claustro na cobertura criando um amplo lugar de lazer e contemplao aberto para a paisagem envolvente (fig.98). Gresleri afirma que o prprio reconsiderou, pela possvel constituio de distraco para os frades.37 A opo de localizar as funes do claustro no piso trreo, resulta numa soluo que responde melhor funo de elemento comunicador dos variados programas conventuais assim como no sentido de uma depurao mxima dos elementos arquitectnicos. Explorando ao limite as capacidades comunicativas (a nvel sensorial) dos materiais de construo utilizados e do modo como a luz natural permite essa leitura. Em resposta ao tradicional anel de intercomunicao, reconhece-se aqui a deciso da realizao do claustro em forma de cruz ocupando o vazio, no aberto ao ar livre mas encerrado de modo a permitir uma melhor utilizao durante o inverno que, na rea montanhosa do Arbresle particularmente difcil. Os amplos e luminosos corredores que constituem o claustro, so em parte directamente apoiados sobre o terreno em parte apoiados sobre pilotis que adquirem aqui a forma de arcos oblquos, seguindo sempre a natureza do terreno, 36 Le Corbusier: il programma liturgico. Gresleri, Glauco. 1997. p. 130 37 Idem. p. 132

  • Fig.104 trio dos novios.

    Fig.109 Planta do piso das celas. 1- Celas; 2- corredores de servio.

    Fig.105 Entrada dos visitantes.Parlatrio.Fig.106 Corte transversal Este/ Oeste.

    Fig.108 Alado Este, interior do convento. Fig.107 Corredor de servio de acesso s Celas individuais.

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    deixando andar la terra e le acque dove andavano naturalmente. Particularmente orgnico todavia no se afasta de um profundo racionalismo, no qual individualizada a soluo mais funcional e menos dispendiosa. Tudo isto d origem a um interior de um amplo corredor cuja realidade espacial no corresponde intensidade de utilizao. Este invlucro, frequentemente escuro nos conventos antigos, rasgado por um pano de vidro e beto contnuo que permite no s inundar o espao interior com luz natural mas tambm estender o campo visual para o exterior. Trata-se na realidade de um ambiente arejado e luminoso, com grandes vos atravs dos quais perceptvel o perfil natural do terreno que subtilmente tratado criando a iluso de dilatao espacial e o surgimento da direccionalidade, como no ponto no qual o claustro, depois de uma ligeira mudana de cotas, ascende em direco igreja, quase uma sugesto do movimento colectivo por excelncia da ascenso da vida da comunidade. O piso da entrada dos visitantes, onde se localiza o parlatrio, constitudo pelos espaos de estudo composto por salas de aula e biblioteca. A entrada, atravs de um trio exterior coberto com altura dupla em relao cela, ocupado pelo volume do parlatrio, definido por uma superfcie curva e rugosa, perfurada por pequenas aberturas dispostas irregularmente (fig.105), no atingindo a altura total do espao ainda exterior mas coberto. A passagem para o interior do edifcio feita atravs de um vo, com a dimenso do perfil do corredor das celas. Nesta passagem (fig.104), surge o primeiro contacto sensorial com o interior da superficie que compe a fachada.

    Semelhante nos princpios de composio, a fachada composta por painis modulares, definidos por composies que exploram uma linguagem semelhante explorada pelo pintor Mondrian. Estes painis de preenchimento, assim como nos utilizado nos vos das celas , assumem diversas funes relacionadas com a funo especifica do vo. A diferena entre elas explorada atravs da sua relao com os materiais utilizados e com a escala espacial, determinada pela ordem estrutural assim como uma outra linguagem compsita. Compostos por preenchimentos transparentes com vidro e opacos nas lminas de beto vista e nos ventiladores em madeira pintada. O primeiro modelo deste tipo de vo apresentado em 1930, na casa Errzuriz, no Chile, na qual podemos identificar os diversos elementos que compem o vo, os elementos estruturais primrios, os painis transparentes, os planos opacos de atravessamento e os planos fixos de sombreamento. A materialidade, constituda pelo reboco rugoso, beto vista, pelo vidro sem caixilho, pelos painis de ventilao e vos de atravessamento coloridos e pelas condutas tcnicas, manifesta-se enquanto princpio construtivo e expressivo. Este espao de distribuio servido por uma escadaria que faz a ligao superior s celas dos frades e inferior aos corredores que determinam os ptios. tambm servido por um corredor, colocado na periferia exterior da ala Este e parte da Sul e iluminado por um vo horizontal semelhante aos dos corredores das celas que serve a biblioteca e as salas de aula.

  • Fig.111 Corte longitudinal da Cela. Fig.112 Corte longitudinal do corredor.

    Fig.114, 114.1 Perspectivas do interior das celas. 1956.

    Fig.115 Corredor.Fig.116, 117 Vistas do interior da cela.Fig.118Vista para o exterior da cela.

    Fig.110 Planta da Cela tipo.1-corredor; 2- lavatrio; 3-dormitrio; 4-estudo;5-vanranda

    Fig.113 Corte transversal da cela.

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    4.1 Espao privado O corredor de acesso s celas (fig.115), que faz a ligao horizontal entre as trs alas do convento, caracterizado por um estreito rasgo horizontal altura do olhar. Este vo horizontal contnuo(fig.112) interrompido pelos elementos estruturais, sobre-dimensionados no intervalo do vo e projectando-se para o exterior e interior na forma de um prisma rectangular regular. Estes elementos acentuam a ideia de um rasgo, de uma fresta, de um intervalo na continuidade entre o pavimento e a cobertura, suportado por estes elementos aparentemente independentes. O corredor, sobre-dimensionado em relao ao seu ndice de utilizao, preenchido por uma luminosidade maioritariamente difusa devido reduzida altura do vo, embora possibilitando uma iluminao directa nalgumas horas do dia nas alas Oeste e Este. Deste modo Le Corbusier cria um espao assumidamente de passagem at ao silncio privado das celas, garantido apenas nesse processo o usufruto da viso para o exterior. O topo de cada um dos corredores acentuado por um vo com um caixilho verde, distinto dos restantes e do mesmo modo, especfico na funo que cumpre. Embora se apresente com dimenses normalizadas e se direccione para o exterior do convento em simultneo obstrudo por um elemento escultrico de beto que no permite uma observao directa do exterior. Ao contrrio dos outros vos, que se dedicam ao processo de iluminao natural, este funciona apenas como elemento comunicativo entre o interior e o exterior tornando possvel o entendimento do limite perifrico do edifcio.

    As celas (fig.110), organizadas simetricamente em grupos de dois, surgem no corredor atravs dos vos de entrada e respectivos ventiladores naturais baptizados por Le Corbusier de arateurs. A distribuio funcional no interior da cela e os diversos tratamentos das superfcies, respondem a uma lgica que qualifica o espao em funo da luz: a zona de trabalho no ponto mais prximo da janela e por si s mais luminoso, acentuada por uma parede lisa existente em algumas celas; a zona de repouso intermdia; a zona de servio na parte mais escura. Esta qualificao espacial acentuada pela cor, nas portas, na janela e nos arateurs (fig.111). Em frente zona de trabalho (fig.116), abre-se um pequeno espao exterior com 1,47m de profundidade e com a largura da cela, que resulta da ocupao espacial do elemento brise soleil (fig.118). A profundidade desta loggia exterior, calculada respondendo funo de controlar a incidncia da luz solar e por sua vez a sua intensidade e. Deste modo resulta que no vero, quando o sol est mais alto no horizonte, a luz intensa no atinge directamente a cela, ocorrendo o inverso no Inverno, contribuindo para uma climatizao natural, embora esta seja garantida pelos radiadores subtilmente embutidos sob o vo. Este elemento, que surge como resposta problemtica do pano de vidro, resulta tambm na ocupao do elemento brise soleil enquanto espao exterior como acontece nas Unidades de Habitao dos anos cinquenta. A necessidade de ventilar o espao privado durante os meses quentes respeitando os ensinamentos de tranquilidade e de isolamento do espao exterior constitudo pelo corredor de passagem, resulta em apenas duas estreitas aberturas verticais dispostas

  • Fig.120, 120.1 Sala de estudo para os novios.

    Fig.121 Desenhos de pormenor dos panos de vidro das salas de estudo de estudo. Fig.122 Fig. Composio rtmica dos panos de vidro. Iannis Xenakis, 1955.

    Fig.119 Planta piso de entrada Este.1- Bibliotecas; 2-Salas de aula; 3-Oratrio; 4-Parlatrio

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    junto porta de entrada (fig.117) e porta de comunicao com a varanda. Deste modo Le Corbusier garante a possibilidade de um isolamento completo, no interior ou no exterior da cela, realizando todavia uma renovao do ar melhorando a climatizao e higiene do ambiente. Este sistema de ventilao em associao s diversas funes do vo apresentado por Le Corbusier como a Pan de verre. Esta composio, composta por planos de iluminao, planos de atravessamento e planos de ventilao organizada em funo do espao que serve e respeitando as dimenses do Modulor. O plano de iluminao, ocupando a maior superfcie do conjunto, colocado na parte superior do conjunto garantindo iluminao directa sobre a secretria. A metade inferior do conjunto opaca recebendo sob o vo de iluminao o sistema de aquecimento mecnico. A porta, com altura total do conjunto, composta por um plano de vidro na metade superior e opaco na inferior, aumentando a superfcie permevel luz. No lado oposto, tambm com altura total do conjunto, o ventilador natural com metade da largura do vo de atravessamento na sua totalidade opaco. A relao entre os ventiladores que comunicam com o corredor de acesso e os que comunicam com a loggia exterior assimtrica, garantindo assim um maior varrimento diagonal de circulao de ar. 4.2 Espaos de estudo A sala de estudo dos novios e a biblioteca (fig.120), orientadas para o interior do ptio, ocupam o vrtice sudeste interior, e so caracterizadas por uma iluminao maioritariamente difusa propicia aos longos perodos de leitura e ao processo de conservao dos manuais de estudo. Assim como no trio de

    entrada tambm a biblioteca e a sala dos novios estabelece uma relao com o exterior (interior do complexo) atravs dos painis de beto e vidro. Esta localizao, imediatamente inferior s celas, essencial para garantir um fcil acesso a partir das celas e tambm para garantir uma iluminao constante de norte. O acesso a estes espaos de estudo efectuado atravs de um corredor perifrico com diferentes larguras e iluminado atravs de um rasgo horizontal contnuo, semelhante ao aplicado no corredor das celas. Este corredor altera a sua localizao, do permetro exterior, contornando a biblioteca e a sala dos novios, para o interior, garantindo s salas de aula na ala Sul e Oeste uma maior incidncia da luz natural atravs da sua relao com o exterior do complexo. 4.3 Oratrio Sobre o lado Este, prximo da entrada e acessvel a partir da sala de estudo dos novios, encontra-se o oratrio (fig.123). Do exterior visualizamos uma pirmide irregular assente sobre um cubo, por sua vez apoiado em dois septos em beto armado e cruzados (fig.124). O interior do oratrio um espao simples: uma sala com um altar em frente porta de entrada (fig.126), coberto pelo vazio da pirmide e com um rasgo vertical, do pavimento ao tecto orientado a sul, fazendo a transio entre um espao comum com uma luminosidade abundante e este, com um carcter mais reservado e com uma luz concentrada. Um espao geomtrico simples enriquecido pela luz natural que rasga a penumbra do vazio da pirmide concentrando a luz na parede em frente ao altar, iluminando de cima a imagem de Cristo enquanto o resto do espao iluminado por reflexo uma vez que a

  • Fig.130 Planta piso de entrada dos monges. 1-trio; 2-Sala do Captulo