diÁlogo e memoria: experiÊncia compartilhada

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1 DIÁLOGO E MEMORIA: EXPERIÊNCIA COMPARTILHADA Adelbiane Conceição Campos 1 RESUMO A presente comunicação tem a finalidade de apresentar os resultados obtidos com a pesquisa realizada nos terreiros de Candomblé e Umbanda da Cidade de Goiás. O objetivo foi mapear os terreiros e barracões da Religião de Matriz Africana existentes na cidade de Goiás, para compreender a inserção destes grupos na sociedade Vilaboense. Foi necessário lançar mão da metodologia proposta por Bosi (1994), ao transmitir confiança aos recordadores para com sua oralidade, bem como compreender os relatos vividos pelos sacerdotes dos terreiros e barracões. Através do mapeamento, foram identificados sete terreiros de Candomblé e Umbanda, sendo um do Candomblé de Angola e seis barracões de Umbanda, bem como o papel desempenhado por estes espaços enquanto lugar de memória dos negros escravizados no passado e os elementos resultantes do sincretismo e da cultura popular brasileira. PALAVRAS-CHAVE: Candomblé. Umbanda. Memória. Sincretismo. Cultura popular. INTRODUÇÃO Este artigo visa apresentar, o resultado das pesquisas de levantamento dos terreiros de Umbanda e Candomblé da cidade de Goiás durante o ano de 2013. Tendo como análise as relações de grupos religiosos presentes na cidade com características da religião dos negros escravos/alforriados de Vila Boa de Goiás nos séculos XVIII e XIX. Para compreender os resultados obtidos, foi necessário estabelecer um diálogo constante com autores que realizaram pesquisas nessa temática. Dentre eles, destaco: Carneiro (1981), Silva (2005), Woodrow Wilson da Mata e Silva (1979). Ao analisá-los, propus uma discussão a respeito da origem das religiões de matriz africana no Brasil como Calundu, Candomblé e Umbanda, buscando uma relação dessas com as religiões de matriz africana pesquisadas na cidade de Goiás. Para relacionar a religião dos sacerdotes do Candomblé e Umbanda com o passado dos escravos/alforriados, foi preciso lançar mão da metodologia da História Oral buscando como diálogo as perspectivas de Eclea Bosi (1994) e Maurice Halbwachs (2006), tendo em vista um viés de análise do assunto entre memória e oralidade dos entrevistados. Esta relação se dá a partir do lugar de memória dos sacerdotes e das formas de expressão religiosa nos Terreiros, marcadas por meio da oralidade pelos grupos de escravizados e que até nos dias de hoje se perpetuam através dos sacerdotes da atualidade. 1 Licenciada em História pela Universidade Estadual de Goiás (UEG), Pós-Graduanda (UFG), Pesquisadora e colaboradora (NARQ/UEG). [email protected]

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Page 1: DIÁLOGO E MEMORIA: EXPERIÊNCIA COMPARTILHADA

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DIÁLOGO E MEMORIA: EXPERIÊNCIA COMPARTILHADA

Adelbiane Conceição Campos1

RESUMO

A presente comunicação tem a finalidade de apresentar os resultados obtidos com a

pesquisa realizada nos terreiros de Candomblé e Umbanda da Cidade de Goiás. O objetivo

foi mapear os terreiros e barracões da Religião de Matriz Africana existentes na cidade

de Goiás, para compreender a inserção destes grupos na sociedade Vilaboense. Foi

necessário lançar mão da metodologia proposta por Bosi (1994), ao transmitir confiança

aos recordadores para com sua oralidade, bem como compreender os relatos vividos pelos

sacerdotes dos terreiros e barracões. Através do mapeamento, foram identificados sete

terreiros de Candomblé e Umbanda, sendo um do Candomblé de Angola e seis barracões

de Umbanda, bem como o papel desempenhado por estes espaços enquanto lugar de

memória dos negros escravizados no passado e os elementos resultantes do sincretismo e

da cultura popular brasileira.

PALAVRAS-CHAVE: Candomblé. Umbanda. Memória. Sincretismo. Cultura popular.

INTRODUÇÃO

Este artigo visa apresentar, o resultado das pesquisas de levantamento dos

terreiros de Umbanda e Candomblé da cidade de Goiás durante o ano de 2013. Tendo

como análise as relações de grupos religiosos presentes na cidade com características da

religião dos negros escravos/alforriados de Vila Boa de Goiás nos séculos XVIII e XIX.

Para compreender os resultados obtidos, foi necessário estabelecer um

diálogo constante com autores que realizaram pesquisas nessa temática. Dentre eles,

destaco: Carneiro (1981), Silva (2005), Woodrow Wilson da Mata e Silva (1979). Ao

analisá-los, propus uma discussão a respeito da origem das religiões de matriz africana

no Brasil como Calundu, Candomblé e Umbanda, buscando uma relação dessas com as

religiões de matriz africana pesquisadas na cidade de Goiás.

Para relacionar a religião dos sacerdotes do Candomblé e Umbanda com o

passado dos escravos/alforriados, foi preciso lançar mão da metodologia da História Oral

buscando como diálogo as perspectivas de Eclea Bosi (1994) e Maurice Halbwachs

(2006), tendo em vista um viés de análise do assunto entre memória e oralidade dos

entrevistados. Esta relação se dá a partir do lugar de memória dos sacerdotes e das formas

de expressão religiosa nos Terreiros, marcadas por meio da oralidade pelos grupos de

escravizados e que até nos dias de hoje se perpetuam através dos sacerdotes da atualidade.

1Licenciada em História pela Universidade Estadual de Goiás (UEG), Pós-Graduanda (UFG), Pesquisadora e colaboradora (NARQ/UEG). [email protected]

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A partir desta discussão, este trabalho encontra-se dividido em três itens, o

primeiro apresenta as metodologias utilizadas para esta abordagem, assim como as

dificuldades encontradas para localizar os terreiros e líderes religiosos, e a satisfação dos

resultados encontrados; no segundo são conceituadas e caracterizadas as religiões de

matriz africana na cidade de Goiás; já o terceiro traz um mapeamento, indicando os locais

de concentração desses terreiros e casas, assim como os nomes dos líderes e sua religião.

Para esta escrita, algumas indagações foram essenciais: qual religião de

matriz africana está inserida na cidade de Goiás? Seriam os terreiros do Candomblé e

Umbanda parte da memória africana subterrânea da cidade de Goiás? Por quais motivos

os terreiros estão localizados na periferia da cidade?

1 – Metodologias do Levantamento dos Terreiros na Cidade de Goiás

Para realizar esta abordagem, foi preciso fazer um levantamento dos terreiros

de Umbanda e Candomblé na cidade de Goiás, bem como os sacerdotes e locais de

concentração das expressões religiosas de Matriz Africana. Para tanto, buscou-se um

diálogo com um dos representantes do Candomblé, Paulo Sérgio Gomes Ferreira, 35

anos, tendo em vista seu trânsito entre os diferentes líderes religiosos da cidade e seu

envolvimento com as pesquisas acadêmicas, motivo que justifica a solicitação de sua

colaboração para esta pesquisa.

Percebi que Paulo Sérgio, ao viabilizar a cultura afro na cidade de Goiás, com

o “Bloco Pilão de Prata”, poderia contribuir com esta pesquisa que está inserida na

abordagem da religião de matriz africana na cidade de Goiás. Na entrevista Paulo Sérgio

forneceu os primeiros dados para o presente levantamento, ao mencionar líderes e

possíveis localizações de residências ou terreiros.

Após a entrevista, foi possível identificar oito dos líderes religiosos; desses

oito, três praticam suas expressões religiosas dentro dos seus próprios terreiros e outros

cincos procuram promover suas reuniões juntamente com seus praticantes dentro de suas

casas. Aqui apenas serão discutidas as religiões encontradas com base nos depoimentos

orais dos entrevistados, sendo que foi possível entrevistar seis desses líderes

identificados.

Durante esta pesquisa, buscou-se uma aproximação com Bosi (1994), ao

trabalhar como metodologia a história oral, quando ela diz que é preciso explicar o sujeito

o objetivo da pesquisa e que os mesmos sempre terão autoridade sobre o registro de suas

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lembranças. Diante das leituras realizadas para escrita deste trabalho e o levantamento

dos terreiros foi possível perceber o quanto a temática da religião de matriz africana

merece mais atenção dentro da historiografia goiana, uma vez que se trata de uma herança

cultural da fé africana deixada para os brasileiros, e em especial aos praticantes da Cidade

de Goiás.

O principal esteio do meu método de abordagem foi a formação de um vínculo

de amizade e confiança com os recordadores. Esse vínculo não traduz apenas

uma simpatia espontânea que se foi desenvolvendo durante a pesquisa, mas

resulta de amadurecimento de quem deseja compreender a própria vida

revelada do sujeito (BOSI, 1994, p. 37-38).

Assim, busco uma reflexão para dar continuidade à minha pesquisa, pois se

tratando da narração oral, é preciso ter vínculos de confiança entre o entrevistado e o

pesquisador, pois o primeiro estará relatando toda sua história de vida e caminhos

percorridos até se tornar praticante das religiões de matriz africana.

A princípio me deparei com uma série de dificuldades; primeiramente por não

conhecer a cidade, por morar em Mozarlândia – GO e, depois pelas distâncias de um

terreiro ou residência para outro/a. Mas a dificuldade maior foi o estabelecimento de uma

relação de confiança entre mim e os entrevistados, por isso foi necessário, a princípio,

buscar apenas conversas informais, para assim deixá-los cientes do meu trabalho e dos

meus objetivos, para depois responderem ao questionário.

Nem sempre que batia às portas consegui construir laços de confiança com os

praticantes, pois para isso precisei ser pertinente e paciente, uma vez que certas vezes era

preciso remarcar as entrevistas já agendadas, pela falta de disponibilidade das fontes ou

por não quererem falar naquele momento.

Como se trata de um universo religioso complexo e carregado de muito

preconceito pela sociedade, os líderes religiosos demonstraram receio ao relatar suas

experiências religiosas, talvez por medo de minha interpretação. Porém, o processo de

estranhamento foi uma via de mão dupla, pois também nutri esse sentimento. Sabendo

que iria me deparar com lugares que pudessem fazer com que eu desistisse desta pesquisa,

procurei me aproximar ainda mais desse universo, a fim de entender as ações desses

indivíduos dentro dessas religiões, das quais a sociedade faz um juízo de valor que não

coincide com a realidade dos terreiros visitados. Assim tentei, através desta escrita,

mostrar à sociedade que o preconceito se torna alimento do desconhecido, pois é preciso

conhecer a cultura do outro.

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Ao realizar as visitas nos terreiros e casas dos líderes, fui recebida por alguns

com certo estranhamento, mas outros já demonstraram confiança no meu trabalho,

fazendo-me uma recepção positiva. De acordo com alguns deles, já estavam me

esperando, pois seus “guias” os avisaram da minha visita: “você será sempre bem-vinda

aqui, quantas vezes precisar pode vir que estou disposto a falar sobre a minha religião,

eles me autorizaram, e quando eles autorizam, nem preciso me preocupar” (Dalmy

Silveira Brito, 40 anos). Assim também foi com o senhor Antônio Marques da Silva, 43

anos, “olha só, eu conheço a energia positiva de uma pessoa só de olhar e você tem uma

energia positiva interior que diz tudo como você é.”

Com outros, como dona Telissa, o senhor Reinaldo e o senhor Marcilon,

houve resistência. A primeira foi irredutível, não se mostrou nem um pouco interessada

em relatar sua religião e menos ainda de me deixar explicar de que se tratava o meu

trabalho, logo já disse que não era mais praticante dessa religião e não queria falar sobre

o assunto. De acordo com seus vizinhos, ela realmente frequenta a igreja evangélica, mas

nunca deixou suas práticas religiosas de matriz africana. Seria uma estratégia de dona

Telissa para fugir do preconceito da sociedade, tornando-se “evangélica” e assim poder

continuar mantendo suas formas de cultos aos Orixás às escondidas? Assim como os

escravos/alforriados do século XVIII e XIX como sugere Palacin; et al (1995)?

E se tratando deste assunto, Palacin et al (1995), destaca que deve-se aos

africanos a introdução de cultos e crenças em Vila Boa de Goiás, pois no final do século

XVIII, já existia um grande número de africanos e seus descendentes na antiga Vila, os

quais manifestavam seus cultos às escondidas e por trás de aparência cristã.

O depoimento do senhor Reinaldo se tornou difícil pela falta de

disponibilidade do mesmo, pois sua casa e seu terreiro se encontram na Zona Rural da

cidade e por mais que marcássemos, sempre encontrávamos divergência nos horários e

dias. Já o senhor Marcilon demonstrou receio no início, mas aos poucos, como fui

tentando um diálogo acerca da construção de um elo de confiança estabelecida e ele sentir

seguro nos relatos da sua experiência religiosa.

Para relacionar sujeitos praticantes das religiões de matriz africana da cidade

de Goiás com o passado dos escravos/alforriados, elaborei um pequeno questionário

contendo o nome dos pais e dos avós maternos e paternos, bem como a religião que os

mesmos praticavam. Buscando um diálogo a respeito da memória individual na

perspectiva de Halbwachs (2006), esta não se encontra isolada e fechada, visto que, para

o indivíduo lembrar-se do seu passado, “precisa recorrer às lembranças de outras pessoas

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buscando os pontos de referência que existem fora de si, procurando instrumentos que o

identificam com as palavras e ideias (p. 72)”. Foi possível observar isso nos relatos dos

entrevistados, quando eles disseram, por exemplo, “meu pai e minha mãe não eram

praticantes da mesma religião que a minha, mas meus avós e bisavós eram, eu me lembro

deles falarem (Antônio Marques da Silva, 43 anos).”

1.1 – Expressões Religiosas de Matriz Africana na Cidade de Goiás

Antes de apresentar as localidades dos terreiros, é preciso abrir uma discussão

acerca das religiões de matriz africana encontradas na cidade de Goiás, que são o

Candomblé de Angola e Umbanda. Dalmy Silveira Brito, um dos sacerdotes que aqui será

relatado, identifica os elementos de sua religião com o antigo Calundu. Segundo João

José Reis (2008, 2010), Renato da Silveira (2007) e Vagner Gonçalves da Silva (2005) o

Calundu foi uma das primeiras expressões religiosas dos africanos no país durante o

período da escravatura onde cultuavam os Orixás e inkises, e sugere que após a inserção

dos escravos africanos ao universo religioso católico com o período de catequização e

batismo é que foram criadas através do sincretismo o Candomblé e Umbanda, unindo os

elementos da fé africana com o catolicismo e indígenas.

O Calundu faz parte de um passado marcante na história da religião dos

escravos africanos no Brasil, pois se trata de uma religião que, segundo Silva (2005), está

presente no país desde o século XVIII. Desta forma seus elementos são “os toques dos

atabaques, transe, jogos de búzios, sacrifícios de animais, banhos de ervas, etc., (p. 45-

46).” Ao visitar os terreiros da cidade, é possível encontrar alguns desses elementos, pois

são os que mantêm a tradição religiosa de matriz africana.

O autor João José Reis, em seu artigo “Magia Jeje na Bahia: a invasão do

Calundu do Pasto de Cachoeira, 1785”, discute a origem do Calundu em Cachoeira

(BA)2, apresentando indícios de que esta foi a primeira manifestação religiosa dos

africanos no Brasil; possivelmente, foi através dela que se deu a origem do Candomblé e

Umbanda. Seria o Calundu o princípio das manifestações religiosas africanas na Cidade

de Goiás?

O pensamento mágico é um dos elementos fundamentais da religião escrava,

como é da religião tradicional africana em geral, e mesmo do catolicismo

2 Este artigo está disponível na REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA, v. 8, n. 16, ANPUH-Brasil

– Associação Nacional de História, Copyright 2010.

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popular. Ele representava um elemento importante das relações sociais e de

poder na África. As pessoas não caíam doentes ou sofriam infortúnios só por

obra da natureza, do homem comum ou do destino. Elas eram “enfeitiçadas” e

haviam especialistas que enfeitiçavam e os que curavam, muitas vezes ambas

as especialidades incorporadas num só indivíduo (REIS, 2010, p. 74).

Ainda de acordo com Silva (2005), outro elemento do Calundu é a prática de

curar doenças. Este é um fator analisados na documentação de escravos do século XVIII,

nos Arquivos do Museu das Bandeiras em Goiás. Desta forma, a prática de curar doenças

neste período na antiga Vila Boa era cada vez comum, já que os escravos manipulavam

ervas para fabricação de remédios, já que quase não havia médicos na capitania e os

preços dos remédios eram abusivos. Isso pode ser observado neste documento de 23 de

junho de 1774, destinado a Martinho de Melo e Castro.

[...] Pertenseu esta Capitania a hum Xarlatão, que ainda no paiz da ignorancia

não podia fazer figura, por que Suposto em toda a capitania não haja hum Só

Medico, achão-senella muitos Cyrurgiões que tendonose exercitado no

Hospital Real da corte,[...] os mesmos que se considerão mais habeis tem muito

pouco em que Se empreguem, porque Sendo mayor parte dos habitantes e

Mineiros, ou Rosseiros, muito poucos aSistem nosArrayaes, e quazi todos

aonde aplicão os trabalhos dos Seus Escravos; As utelidades destes não

correspondem ádespeza de lhes chamar na doensa hum Professor, nem servise

para o Comum dos excecivos preços das Boticas; Seus donos mandão vir por

junto dos portosMaritimos Remediosordinarios, elles lhes ministrão, ou o

mandão fazer por algum Escravo a quem Sentem algumgeito de Infermeiro

[...]3.

A prática de curar doenças em Vila Boa de Goiás partia de escravos que

obtinham experiência em manipular ervas para a fabricação de remédios, e os próprios

donos de escravos delegavam essas práticas àqueles que tinham essa experiência. Diante

do citado documento, encontra-se indícios de que em Vila Boa de Goiás nos séculos

XVIII já havia traços do Calundu.

Para Renato da Silveira (2007), os calunduzeiros eram curandeiros e ainda

tinham o poder de adivinhações,

[...] isso significa que, além de oficiantes religiosos, esses personagens sabiam

preparar tisanas, cataplasmas e ungüentos que aliviavam os males corriqueiros

dos habitantes da colônia, eram também capazes de curar doenças mais graves

como a tuberculose, a varíola e a lepra, usando os recursos da farmacopéia

tradicional, participaram inclusive do combate às epidemias que assolaram a

Bahia em meados do século XIX; também sabiam curar distúrbios mentais ou

espirituais, usando tratamentos combinados e complexos (SILVEIRA, 2007,

p. 02).

3 Documento nº 2811, rolo 63, p. 453, cx. 49, Projeto Resgate de Documentação Histórica

Barão do Rio Branco. Transcrição da arquivista Milena Bastos Tavares. Cidade de Goiás: MDB, 2010.

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Ainda de acordo com Silveira (2007), calundu se originou de diversas nações

africanas como os bantos (Angola, Congo e Moçambique) e jeje, algumas dessas nações

aderiram ao catolicismo ou misturaram-se com os cultos ameríndios, e esse sincretismo

deu origem a Umbanda. Já o Candomblé recebeu apoio dos calunduzeiros bantos, pois

era neles que se encontrava a maior forma do saber fazer os rituais. Com o passar do

tempo, houve essa transição do calundu para candomblé, “o próximo passo, ousado na

trajetória da religião afro-brasileira neste período, seria o de organizar os cultos na cidade,

e oficializá-la como uma instituição. Foi em Salvador, no bairro da Barroquinha, que

houve esta transição (p. 02-03)”.

De acordo com Silva (2005), o Candomblé foi uma religião criada no Brasil

pelos africanos vindos para serem escravizados no período colonial. A África era dividida

por nação, cada nação cultuava seus deuses, mas ao chegar ao Brasil, as sociedades dessas

nações se misturaram dentro das fazendas, dos barracões e senzalas e, mesmo com tanta

opressão dos seus senhores e das elites dominadoras, os africanos não deixaram de

manifestar seus cultos e costumes.

[...] a escravidão separou famílias e etnias trazendo escravos de lugares

diferentes, com cultos e conhecimentos diferentes em relação aos segredos

rituais de sua religião. Somando a isso, o extremo rigor da perseguição aos

cultos africanos no Brasil não permitiu que os templos pudessem se multiplicar

ao ponto de se dedicar ao culto exclusivo de apenas um orixá [...] (2005, p. 62).

Hoje, é possível perceber na fala dos entrevistados que a resistência contra a

opressão e os detentores do poder, fez com que a cultura religiosa africana ultrapassasse

séculos, podendo os umbandistas e candomblecistas reviver e sentir através da fé os

Orixás e entidades em suas vidas, mesmo com características diferentes daquelas do início

da colonização, assim, “o culto aos deuses africanos somou-se ao dos santos católicos e

ao das divindades indígenas” (SILVA, 2005, p. 62; CARNEIRO,1981, p. 94). Dando

origem ao Candomblé e Umbanda.

O candomblé passa ser dividido por nações africanas. Dessa forma, segundo

Silva (2005), se deram dois modelos de cultos mais praticados no Brasil: o rito de jeje-

nagô e o angola, em que o primeiro dividiu-se em nações de Candomblé de Ketu, Ijexá,

Jeje-fon, Jeje-marrin, e o segundo, sendo Candomblé de Angola, que por sua vez foi

encontrado como uma religião de matriz africana na cidade de Goiás. O que se sabe é

que, no final do século XX, essa foi uma das expressões religiosas de origem africana,

marcante na História da Religião de Matriz Africana na cidade de Goiás.

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Até o final do século XX, havia dois terreiros do Candomblé de Angola na

cidade de Goiás liderada pelo Vô filho de João de Abuc e Cleuson Azevedo de Queiroz,

mas hoje encontra-se somente o de Cleusson. De acordo com seu depoimento, o terreiro

de Vô mudou-se para Goiânia – GO, levando o terreiro para a cidade. “Chamávamos ele

de Vô, Filho de João de Abuque, hoje é falecido, mas deixou seus descendentes à frente

do terreiro, que se encontra na cidade de Goiânia, no setor Pedro Ludovico”. A casa do

Candomblé de Angola liderada por Cleuson, funciona há 26 anos, desde quando veio de

Pernambuco, mas apesar da idade avançada ele já não recebe mais seu Orixá.

O candomblé de angola, pelo grande afluxo e dispersão dos bantos no Brasil,

difundiu-se por quase todo o país. Em alguns estados, em fins do século XIX,

o candomblé de angola, sempre aberto às influências católicas e ameríndias,

recebeu nomes próprios como cabula, no Espírito Santo, macumba, no Rio de

Janeiro, e candomblé de caboclo, na Bahia (SILVA, 2005, p. 67).

A Umbanda é a religião com maior quantidade de terreiros e sacerdotes

encontrada na cidade de Goiás. Para os autores, Edson Carneiro, Woodrow Wilson da

Mata e Silva, e Vagner Gonçalves da Silva, trata-se de uma religião fundamentada no

sincretismo religioso, em que se reúne a crença aos orixás, o espiritismo e o catolicismo.

As entidades da Umbanda são divididas entre as sete grandes falanges4, de

acordo com W. W. M e Silva (1979). Os chefes dessas falanges são os orixás e cada

falange dessas ainda se divide em outras sete falanges menores, tendo como líderes os

Guias, que são os espíritos dos caboclos, que se dividem em outras subfalanges, dos pretos

velhos, que têm como função incorporar-se aos pais, mães e filhos de santo que tenha a

sensibilidade espiritual de incorpora-los, com a finalidade de ajudar as sociedades com

cura de doenças ao manipular ervas, conselhos, etc. (p. 59-90).

[...] as divindades africanas e indígenas, e a depuração desse culto para que

elas pudessem “baixar” e trabalhar na umbanda, foi uma das mais marcantes

características dessa religião. Essas entidades, a princípio caboclos e preto-

velhos, representando os espíritos dos índios brasileiros e dos escravos

africanos, tornaram-se centrais na nova religião que se formava, proclamando

sua missão de irmanar todas as raças e classes sociais que formavam o povo

brasileiro (SILVA, 2005, p. 111)

De acordo com as entrevistas realizadas, há três sacerdotes e sacerdotisas que

deram início a religião, através do senhor Augusto, um senhor de idade avançada que não

possibilitou a visita em sua casa, pois sempre que marcávamos não havia disposição por

4 Ver: obra: cultura religiosa. UBRA. ed. São Paulo: Reproset Indústria Gráfica, 2008.

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parte do entrevistado. De acordo com Antônio Marques da Silva 42 anos, este terreiro

localizava-se na Rua Félix de Bulhões, próximo ao antigo “horto” na cidade de Goiás,

mas não se encontra mais em funcionamento devido à idade avançada e os problemas de

saúde de seu sacerdote. “Meu terreiro, o de Carlos Divino Santana e o de Tânia Nunes

da Silva Santos, se originaram do Terreiro do senhor Augusto. Todos firmavam seus

pontos lá, mas em razão da idade dele, separamos para ele descansar, e assim cada um

construiu o seu terreiro (idem).”

Mesmo tendo que fazer novas adaptações, os líderes religiosos tanto do

Candomblé como da Umbanda da cidade de Goiás buscam ainda nos dias de hoje manter

os elementos do antigo Calundu colonial, como o uso das ervas, o jogo de búzios, os

toques dos atabaques, a incorporação e uso dos elementos naturais como a mata e água.

Aqui foram apresentadas características que identificam as religiões de matriz

africana na cidade de Goiás da atualidade, evidenciando que há diferenças entre elas.

Portanto, foi preciso ater-se a essa discussão para abrirmos outra, a respeito da localização

e das características dos terreiros e líderes encontrados na cidade.

1.2 – Localidades e Formas de Expressões Religiosas: Terreiros e Líderes

O que se pretendeu neste item, foi apresentar o mapeamento dos terreiros e

das casas, de Candomblé e Umbanda e os líderes religiosos da cidade de Goiás,

analisando os motivos que os levaram para a periferia da cidade. Levando em conta que

as práticas de periferização levaram os sacerdotes se excluírem socialmente, devido a

intolerância religiosa dos detentores do poder. Ir para as encostas da cidade, seria uma

estratégia dos líderes religiosos, para fugir do preconceito da sociedade? Diante deste

indício, é preciso refletir sobre o que diz Bosi (1994):

[...] na fuga completa do modelo cultural, o indivíduo que procura escapar é

visto como um ser estrangeiro que não quer partilhar valores comuns. Sua

própria existência em alguma região torna-se um entrave para os outros

membros [...] pelo abandono de tais recursos, pela fuga total, o conflito é

eliminado; o sistema o condenará, enquanto aceita o inovador astucioso e ativo

que venceu [...] (p. 135-136).

Como já citado neste capitulo, as religiões de matriz africana identificadas na

cidade de Goiás foram o Candomblé de Angola e a Umbanda. De acordo com os

elementos apresentados no primeiro item, notou-se que há diferenças entre elas, e que

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essas diferenças poderão ser percebidas ao apresentarmos os nomes dos terreiros e as

formas de cultos que são praticados em cada um.

O Calundu, como já discutido neste artigo, é uma religião de matriz africana

da época da colonização do Brasil. Em meados do século XIX, ocorreu a junção de seus

elementos culturais com os dos indígenas e o do catolicismo popular, originando o

Candomblé e a Umbanda. De acordo com o documento apresentado e a discussão

anterior, a respeito das características destas religiões, observa-se que em Vila Boa de

Goiás não foi diferente.

De acordo com Dalmy Silveira Brito 40 anos, mesmo com o sincretismo

religioso suas práticas religiosas, continuam seguindo os rituais do antigo Calundu,

justificando que não há nenhum elemento e influência do catolicismo e espiritismo nos

seus costumes religiosos. Entretanto, desde o ano de 1942 Ramos já afirmava que só era

possível fazer essas distinções entre as religiões originariamente africanas no início da

colonização europeia.

Esta distinção que não existe mais hoje, a não ser certas tentativas contra

aculturações [...] na realidade as leis da evolução psicológica das religiões não

estão ligadas ao fator étnico racial, mas ao grau da intensidade ou de

importância das culturas religiosas em contatos (RAMOS, 1942, p. 08).

Dalmy Silveira Brito 40 anos, nasceu e foi criado na cidade de Goiás, afirma

que o Calundu é a sua religião, pois os elementos de suas características são mantidos

dentro de seus trabalhos e obrigações de casa, sem a mistura de elementos católicos.

Segundo o sacerdote, mesmo os seus pais não seguindo sua religião e apesar de a

sociedade carregar um grande preconceito em relação às suas práticas, para ele, trata-se

de sua identidade, por isso ele não se importa e comenta: “o povo vive falando que eu

pratico o mal, e que faço trabalhos pesados, mas isso é só preconceito, eu não faço mal

algum para as pessoas, elas é que fazem mal juízo da nossa religião.”

Dalmy é Zelador do terreiro, como ele mesmo prefere ser chamado, pois

acredita que não pode ser considerado “pai de santo”, uma vez que os santos possuem

maior poder que ele: “fui apenas escolhido pelo meu Orixá, para cumprir minhas

obrigações aqui”. A casa onde são feitos os trabalhos e obrigações de santos, bem como

ele o diz, tem o nome de “Casa de Exu” e fica localizada na Rua Djair Seixo de Brito, nº

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1, Vila Lunilda. Segundo Dalmy, ele foi iniciado aos 16 anos, contra a vontade de seus

pais, sendo eles evangélicos.

Em relação à Umbanda, foi possível identificar cinco terreiros/residências e

líderes, a saber: senhor Marcilon Francisco de Assis, 64 anos, que trabalha com as linhas

“dos Pretos Velhos e caboclos”; Tânia Nunes da Silva Santos, 44 anos, cujo terreiro é o

“Centro Espírita Mamãe Oxum: Senzala dos Pretos Velhos”; Antônio Marques da Silva,

43 anos, com seu terreiro “Terreirinho de Oxossi”; senhor Osvaldo Alexandrino de

Campos, 83 anos, que hoje já não faz reuniões com os praticantes em sua casa, apenas

faz algumas oferendas para o seu Orixá Oxossi, mas de acordo com o mesmo, quando a

casa dele era muito frequentada pelos praticantes, o nome de seu terreiro era “Terreiro

de Oxossi”; e senhor Carlos Divino Santana, 53 anos, que segue as linhas dos “Sete

Orixás”.

A primeira casa visitada foi a do senhor Marcilon Francisco de Assis 55 anos,

nascido e criado na cidade de Goiás. Assim como dona Telissa, Marcilon também não se

mostrou com tanto interesse na conversa, mas ele cedeu caminhos e aberturas para eu

discutir sobre o tema e aos poucos foi respondendo ao questionário que apresentei a ele.

O mesmo é filho de pai e mãe católicos, assim como os seus avós paternos e maternos.

Marcilon segue a religião da Umbanda desde os 16 anos e faz suas expressões

religiosas na sua própria residência. Segundo ele, geralmente se reúne com os praticantes

às quintas-feiras, e sua residência fica localizada na Rua A, n. 205, Setor Aeroporto. Mas

ao ouvir o seu relato, é possível perceber que os fundamentos de sua religião, encontra-

se próximo ao kardecismo. De acordo com ele, sua posição hierárquica em sua residência

é de médium vidente, “sem a caridade não há salvação, e eu sigo o caráter da humildade,

do amor e do respeito (Marcilon Francisco de Assis, 55 anos)”.

O senhor Osvaldo Alexandrino de Campos 83 anos, reconhece sua

sensibilidade espiritual religiosa mais próxima da origem indígena do que africana: “a

primeira vez que comecei a ver os espíritos foram os de índio, via uma índia e um índio

que falava comigo, e só depois eu fui desenvolvendo para ver e incorporar outros que já

morreram, daí comecei ver escravos também”. Ele nasceu e foi criado na cidade de Goiás,

além de ser ex-militar da cidade. O Sr. Osvaldo faz parte da religião da Umbanda, é

praticante há 45 anos, mas hoje já não se encontra mais como líder religioso, pois de

acordo com ele, por causa da sua idade, já não tem mais forças para receber as entidades

no corpo.

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Segundo o Sr. Osvaldo, tudo começou quando ele ainda era militar, em

meados da década de 1960, quando começou ter visões de índios mortos. Mesmo tendo

se passado 45 anos, o Sr. Osvaldo ainda guarda consigo recordações e lembranças de

como foi difícil manter suas manifestações religiosas, durante o período da ditadura

militar, quando a sociedade brasileira passou por momentos de opressão, sem direito de

expressão devendo seguir as regras ditadas pelo governo federal.

Quando eu comecei receber as entidades, os meu amigos da polícia se

afastaram de mim, os vizinhos falava mal, dizia que eu fazia maldade pras

pessoas, mas eu num fazia não fia, eu fazia era benzer as pessoas pra elas curar

alguma coisa. Porque cê acredita que muitas coisas que a gente sente é alguma

coisa da alma? Pois é, se sua alma não tá boa, com uma energia boa, você

também num vai ficar boa. (Osvaldo Alexandrino de Campos, 83 anos)

Os pais de seu Osvaldo eram católicos e evangélicos, bem como os seus avós

e bisavós maternos e paternos. A princípio ele sofreu muito preconceito por parte de sua

família. De acordo com o mesmo, sua posição hierárquica, dentro do terreiro do qual ele

era líder, era “cuidador” do terreiro, cujo nome era “Terreiro de Oxossi”. Sua residência

fica localizada na Rua 2, n. 1, Vila União.

Antônio Marques da Silva 43 anos, afirma ser bisneto de descendente de

escravas. De acordo com seu Antônio, sua bisavó nasceu no ano de ano de 1895, em Vila

Boa de Goiás. Antônio nasceu e foi criado na cidade de Goiás, é praticante da Umbanda

desde os 13 anos de idade, filho de pai e mãe católicos, mas sua avó e bisavó paternas

compartilhavam da mesma religião, realizando seus cultos e rezas aos Orixás na fazenda

onde moravam.

Para ele seu pai, Elson Marques da Silva, também era, ele só não admitia por

medo de sofrer preconceitos, pois também, assim como o sr. Osvaldo, era militar na época

da ditadura. Segundo Antônio, sua avó Ana Caetana da Silva e sua bisavó Ninica da Silva

eram descendentes de escravos em Vila Boa de Goiás:

Minha avó e bisavó eram da Umbanda, eu me lembro de quando eu era

pequenininho e elas falavam que os pais e avós delas, sofreram com a

escravidão, minha bisa Ninica não gostava de vir na cidade nem para comprar

as coisas, ela vinha, comprava e voltava logo pra fazenda e detestava branco

(Antônio Marques).

Antônio relata que o momento marcante em sua vida religiosa no terreiro, foi

quando “entraram no nosso terreiro e colocaram fogo em tudo lá, os que não queimou

eles quebraram e então, com isso, nós tivemos um prejuízo de mais de dez mil reais, só

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de imagem dos Orixás que tinha lá”. Este relato demonstra o quanto a sociedade ainda

sustenta o preconceito que se encontra enraizado, mantendo a ideia de que a religião que

leva aos céus é a cristã.

O nome do seu terreiro é “Terreirinho de Oxossi”, e sua posição hierárquica

é de zelador do terreiro. Assim, ele mesmo faz o cultivo das ervas que são manipuladas

durante a preparação dos ebós e banhos de ervas. Depois do incidente com seu terreiro,

ele passou expressar sua fé em sua residência, que fica localizada na Rua Ugo Ramos, n.

28, Setor Centro. Futuramente ele construirá um barracão no seu quintal.

Tânia Nunes da Silva Santos, 44 anos, é praticante da Umbanda, nasceu e foi

criada na cidade de Goiás, filha de José Nunes da Silva, católico, e Dionice Pereira da

Silva, que também era praticante da Umbanda. Tânia se iniciou na religião aos 12 anos

de idade, sua posição hierárquica no terreiro é a de zeladora. O nome de seu terreiro é

“Centro Espírita Mamãe Oxum Senzala dos Pretos Velhos” e fica localizado na Travessa

Cachoeira Grande, Qd. 20, Lt. 19, n. 7.

Carlos Divino Santana, 53 anos, é filho de Benedito Josias Santana e Maria

de Lurdes Rio Branco, que pertencem à religião Católica. Carlos é praticante da religião

da Umbanda há 30 anos e faz suas expressões religiosas e obrigações de terreiro em sua

própria residência, que fica localizada na Rua 2, Lt. 3, Qd. C, s/n, Setor Dom Bosco. Sua

posição no terreiro é de Zelador, pois, assim como Dalmy, o senhor Carlos, também

prefere ser chamado desta forma, “porque não acho certo eu ser pai de santo, já que é o

santo que designa poder a mim e não contrário.” Carlinhos destaca: “eu sigo as sete

linhas dos Orixás, primeiramente é Oxossi, Ogum, Xangô, Yemanjá e Oxum, depois os

Pretos Velhos, os Caboclos e os Erês”.

O Candomblé de Angola foi a única da nação encontrada na cidade de Goiás,

esta é liderada por Cleusson Azevedo de Queiroz, nascido na cidade de Recife (PE). Filho

de pai e mãe umbandistas, pai Cleusson, como assim ele pede para ser chamado, veio da

sua cidade de origem em meados da década de 1970. Nascido e criado dentro dessa

religião, devido seu histórico familiar compartilhar da mesma fé.

De acordo com o mesmo seus pais e avós eram da Umbanda, mas com o

passar do tempo todos passaram para o Candomblé em razão da perseguição que os

praticantes da Umbanda sofriam nesse período. Segundo pai Cleusson, já se passaram 50

anos desde a sua iniciação ao Candomblé de Angola. Sua posição hierárquica é

Babalorixá de Xangô e o nome do seu Terreiro é “Casa Ilê Axé Oni Obá Xangô”. Ele

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diz: “não, agora eu já estou parando, eu já não jogo mais os búzios, já não recebo mais o

meu Orixá, já estou muito velho e não consigo mais recebê-lo”.

Ao perguntar para esses líderes qual seria o motivo de seus terreiros estarem

localizados nas encostas da cidade, as respostas foram unânimes. De acordo com as

entrevistas, a preferência pelos locais, é devido os elementos e características da religião

de Matriz Africana estarem ligadas aos toques dos atabaques, músicas, danças e tudo o

que simbolizam o universo religioso da fé africana dentro dos terreiros. De acordo com o

Sr. Antônio, jamais a sociedade iria permitir barulhos dos toques dos tambores até altas

horas da madrugada, sem contar com os trabalhos de obrigação dos terreiros, que logo

seriam interpretados como rituais malignos e pesados. Portanto, para que esse tipo de

estereótipo não ocorra, é melhor que os terreiros se concentrem apenas em lugares mais

distantes do centro da cidade.

Ao entrevistar esses sacerdotes, foi possível perceber que os elementos, bem

como o processo de periferização dessas comunidades de terreiros, ocorrem, na sua maior

parte, em razão da perseguição da sociedade dita “culta” e que possui padrões de

“comportamentos” que não coincidem o que dizem ser os valores de “Deus”, pois de

acordo com o Sr. Antônio Marques, por diversas vezes tentou montar seus lugares de

“firmezas” e vê-los destruídos pela aqueles que buscam deter o poder, resultando na

desistência e migrando para matas.

No mapa a seguir, apresenta as localidades dos terreiros e líderes religiosos:

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Elaboração do mapa: Sálen Rodrigues, 2014.

Como se pode perceber, a religião da Umbanda é a que se encontra com maior

concentração na cidade de Goiás. Mas, é preciso ressaltar que não há somente na Cidade

de Goiás. Ainda observa-se que o terreiro de Candomblé de Angola não foi possível

identificar no mapa, pelo fato da não autorização do Pai Cleusson Azevedo de Queiroz,

assim respeitamos o direito de preservar seu local de culto.

Aqui foram evidenciados os terreiros mais antigos da cidade de Goiás; por

isso é preciso refletir que este trabalho ainda se encontra em infinitas pesquisas, pois há

o se pesquisar a respeito da origem dessas religiões na cidade estudada.

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CONSIDERAÇÕES

Ao analisar as relações entre os grupos religiosos de matriz africana existentes

na cidade de Goiás com as religiões dos escravos em Vila Boa de Goiás, nos séculos

XVIII e XIX, foi possível encontrar vários indícios da fé africana na cidade em questão,

desde o período da extração do ouro pelo trabalho dos negros escravizados até a

contemporaneidade.

Ao buscar a relação desses indivíduos do passado com as expressões dos

grupos religiosos da cidade de Goiás na contemporaneidade, no aspecto religioso, é

possível refletir à cerca da possibilidade da vida religiosa desses grupos estarem

relacionadas com a dos africanos de Vila Boa de Goiás durante os séculos XVII e XIX.

Hoje é possível perceber que os costumes e práticas religiosas perpetuaram dando lugar

à memória e construção da identidade desses grupos aqui entrevistados. Desta forma, não

é difícil perceber o quão ainda é forte a presença da religião de matriz africana na cidade,

bem como o sólido sentimento religioso dos sacerdotes.

De acordo com as visitas a esses terreiros, pude perceber que as pessoas

procuram os sacerdotes e entidades dos terreiros, com a fé de serem curadas por algum

mal da alma ou até mesmo do corpo. Tratamentos advindos por manipulação de ervas e

trabalhos e oferendas aos Orixás e entidades.

Diante da pesquisa e parte do trabalho realizado, possibilitará a inquietação de outras

pesquisas e trabalhos científicos na linha da História Cultural e Religiosa, pois este

trabalho traz pistas para dar continuidade a outras. No caso do sacerdote Antônio

Marques, ele afirma ser bisneto de descendentes de escravos e diz que sua bisavó nasceu

em 1896, sendo filha de escrava e senhor dono da fazenda onde ela morou por muito

tempo. Mas este ainda é um fato a ser pesquisado e analisado principalmente nos

documentos da época, analisando-os em arquivos da cidade.

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