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Diagnóstico preliminar do Povo Guarani no Brasil Foto 104 INRC-Coral no Sitio. Foto Daniele Pires Coordenação Geral de Identificação e Registro/DPI/IPHAN Brasília, Setembro de 2012.

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Diagnóstico preliminar do Povo Guarani no Brasil

Foto 104 INRC-Coral no Sitio. Foto Daniele Pires

Coordenação Geral de Identificação e Registro/DPI/IPHAN

Brasília, Setembro de 2012.

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Equipe CGIR/DPI/IPHAN responsável pelo Diagnóstico

Mônia Silvestrin

Coordenadora/CGIR

Ivana Medeiros Cavalcante

Técnica/CGIR

Damiana Bregalda Jaenisch

Consultora/Antropologia

Francimário Vito dos Santos

Consultor/Antropologia

Thiago Costa Chacon

Consultor/Linguística

Anna Paula da Silva

Estagiária/CGIR

Carlos Wendel Xavier de Miranda

Estagiário/CGIR

Isabela Gomes Parucker

Estagiária/DPI

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Índice

Apresentação _________________________________________________ 3

1. Resenha Histórica do povo Guarani no Brasil ______________________ 5

2. Informações censitárias e demográficas dos grupos Guarani no território brasileiro _____________________________________________________

22

3. Cosmovisão dos povos Guarani no Brasil _________________________ 24

4. A língua Guarani: Mudanças e permanências _____________________ 43

5. Os Guarani e as formas institucionais ou organizacionais_____________ 45

6. Formas de decisão entre os Guarani _____________________________ 117

7. Manifestações culturais guarani _________________________________ 127

8. Outros elementos de análise: migrações, problemas sociais atuais, lutas pelo território __________________________________________________

150

9. Conclusões _________________________________________________ 154

10. Levantamento de bibliografia do tema guarani no país ______________ 156

Anexos ______________________________________________________ 157

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Apresentação

O presente texto visa atender à demanda apresentada pela convocatória realizada pelo

CRESPIAL por meio do Termo de Referência para contração de consultoria visando a

elaboração de diagnósticos nacionais dos povos Guarani de Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai

e Uruguai, no âmbito do Projeto Multinacional Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial

das Comunidades da Nação Guarani.1

Gostaríamos, entretanto, de esclarecer que este trabalho não se trata de produção

autoral, uma vez que não foram apresentadas candidaturas brasileiras válidas ao referido

Edital. Ao chamamento realizado pelo Crespial houve apenas uma candidatura, que não se

enquadrou no perfil pretendido. Diante disso, o Núcleo Focal brasileiro realizou a divulgação

do chamamento através do site do IPHAN, e também do correio eletrônico enviando o convite

aos núcleos de pesquisa e pesquisadores brasileiros que estudam temáticas ligadas aos

Guarani. Foram mais de cem e-mails enviados, aos quais obtivemos respostas críticas e

negativas em função do escopo de trabalho proposto, em relação ao tempo de realização

pretendido e ao valor de pro-labore ofertado.

Muitas críticas também foram realizadas aos itens solicitados para compor o

diagnóstico, pois alguns requerem uma extensa pesquisa etnográfica, sem a qual há o risco de

cair em generalizações e estereótipos contrários aos pressupostos da antropologia como

campo científico de produção de conhecimento. Por este motivo, as duas candidaturas

apresentadas, de profissionais que não tinham formação na área requerida e nem experiência

curricular suficiente, conforme o exigido pelo edital, não foram aceitas. Sendo assim, o Núcleo

Focal brasileiro assumiu a demanda apresentada pelo Crespial e reuniu as informações

expostas nesse texto. Trata-se, portanto, de trabalho institucional, sem autoria pessoal, e com

um caráter diverso daquele solicitado.

Embora se mantenham os tópicos originários, o que fizemos foi apenas o levantamento

de bibliografia e trechos de trabalhos já realizados por outros pesquisadores, assim como a

reunião de algumas informações objetivas sobre políticas públicas e instituições da sociedade

civil que, direta ou indiretamente, têm relação com os Guarani.

Nesse sentido, as informações que se seguem têm várias procedências: são resultantes

da 1ª etapa de desenvolvimento do Projeto Valorização do Universo Cultural Guarani no Brasil,

realizada entre os anos de 2009 e 2011; do levantamento de informação, via internet, em

outras instituições do Governo Brasileiro e da sociedade sivil ligadas à temática; e de consulta

bibliográfica realizada por equipe técnica da Coordenação de Identificação do Departamento

de Patrimônio Imaterial – DPI, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico nacional –

IPHAN. Portanto, boa parte das informações são compilações ou adaptações de textos não

produzidas com a finalidade desse diagnóstico e de divulgação restrita.

1 Essa nomenclatura deu-se na V Reunião do Projeto, realizada em Assunção, Paraguai, em outubro de 2011. O nome inicial do projeto era Salvaguarda do Universo Cultural Guarani.

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Em relação aos itens propostos no termo de Referência do Crespial para compor o

Diagnóstico, gostaríamos de fazer algumas observações como subsídio para a reflexão. Além

da complexidade e extensão dos itens, já mencionadoa anteriormente, consideramos que não

foi levado em conta experiência e resultados dos países no desenvolvimento do projeto nos

territórios nacionais, fato que, do ponto de vista brasileiro, coloca algumas questões que

podem invalidar as informações obtidas com este diagnóstico em relação à sua aplicabilidade

para o desenvolvimento de políticas públicas de patrimônio, principalmente em relação ao

item “d” – Manifestações culturais Guarani.

Acerca deste aspecto, o inventário que está sendo desenvolvido pelo Brasil aponta que

os bens culturais Guarani, para efeito de uma política de patrimônio, só poderão ser

identificados mediante a realização de uma pesquisa de campo extensiva, que dê condições,

aos Guarani, de se apropriarem dos conceitos e objetivos que fundamentam a própria idéia de

patrimônio - seja para o governo brasileiro, pelo Decreto 3.551, de 2000, seja para a UNESCO,

conforme trata a Convenção de 2003. Somente assim eles conseguirão objetivar, na

perspectiva patrimonial, a compreensão que têm das suas próprias práticas culturais e os

sentidos dados às várias instâncias/elementos da sua vida social, de modo que, de fato, elas

possam ser pensadas como patrimônio cultural.

Outro ponto relevante na proposta de diagnóstico é que ele contempla de modo muito

tangencial a perspectiva patrimonial – ele poderia ser o dignóstico da situação guarani para

qualquer projeto, de qualquer área. Por mais que a salvaguarda do patrimônio imaterial

dependa de contextos sociais mais amplos e de dinâmicas locais específicas nas quais os

grupos sociais encontram-se inseridos, o patrimônio cultural deve ser o foco para pautar a

relação com essas outras dimensões.

Considerando as questões citadas, o núcleo focal brasileiro assumiu a realização do

presente diagnóstico como tarefa, em virtude da avaliação de que ele poderia ser profícuo no

levantamento de informações sobre os grupos Guarani Kaiowá e Nhandeva, uma vez que o

recorte da etapa implentada e em implentação do projeto brasileiro é com o grupo Mbyá.

Ressaltamos, entretanto, que esse objetivo foi atendido apenas em parte nesse diagnóstico, e

que deverá ser retomado, como item de uma nova ação no âmbito do projeto Guarani, no

próximo ano. Por fim, reiteramos que esta é uma versão preliminar do diagnóstico.

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1. RESENHA HISTÓRICA DO POVO GUARANI NO BRASIL

O texto abaixo foi integralmente retirado do item 5: “Formação Histórica” da

Ficha de Identificação: Sítio “Yvyrupa” (p.34-46) apresentada pelo Centro de Trabalho

Indigenista/CTI, instituição encarregada da aplicação do INRC, conforme projeto “Valorização

do Mundo Cultural Guarani Mbya”, resultante do convênio com o DPI/IPHAN e executado

entre os anos de 2009 e 2011. O texto apresenta, a partir de referências a textos clássicos da

literatura histórica sobre os Guarani e de documentos acessados pela equipe de pesquisa do

CTI, um panorama geral da ocupação do Território Guarani desde os primeiros contatos com

os colonizadores, perpassando a política indigenista instaurada até a criação da Fundação

Nacional do Índio, em 1967. São descritos eventos como o da exploração da mão-de-obra

Guarani para sustento dos europeus, o aliciamento de indígenas para acessar o interior do

continente a partir do litoral, a relação dos Guarani com as reduções jesuíticas e as iniciativas

do Estado de concentração territorial e assimilacionismo cultural deste povo. Mas também

ficam evidentes as estratégias de resistência dos Guarani diante das diferentes formas de

contato, na busca pela manutenção de suas lógicas, tais como a de ocupação e circulação

de/em seus territórios tradicionais. Ao final do texto é apresentado um quadro com cronologia

dos principais marcos históricos do período em questão.

TEXTO DE REFERÊNCIA

Território Guarani à Época da Conquista

Estudos clássicos, como o célebre A Terra Sem Mal, de Helène Clastres, apontam

em linhas gerais como se configuraria a ocupação dos grupos falantes de línguas da família

tupi-guarani ao longo da costa no momento da Conquista. A partir da heterogênia

documentação colonial existente sobre o período percebe-se claramente, através dos termos

empregados pelos diversos coletivos indígenas com os quais os “cronistas” mantiveram

contato, que toda a costa brasileira era então ocupada por grupos falantes de línguas da

família tupi-guarani, muito próximas entre si, compartilhando ademais uma série de atributos

culturais e sociais e vinculando-se todos por intensas redes de trocas (de pessoas e de bens

materiais e imateriais) além de relações de inimizade, calcadas em complexos sistemas de

guerra e vingança.

Entretanto, é difícil identificar com segurança os grupos étnicos atualmente

existentes no cenário indígena do país aos coletivos que figuram nessa literatura quinhentista

e seiscentista, uma vez que os termos usados para identificar esses últimos são extremamente

móveis (no Sul e Sudeste temos Tupi, Carijó, Tememino, Guainás, Mbayas, Tapuia, Timbues,

Itatin, Caracarás, Curumias, etc...) e não representavam etnônimos, mas sim palavras

descontextualizadas, que indicavam as relações mútuas de aproximação e distanciamento

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entre esses grupos. Como apontaram vários autores grande parte dos etnônimos consagrados

na literatura são inclusive termos pejorativos utilizados por grupos que informaram os

cronistas para depreciar outros grupos, não se configurando de maneira nenhuma como auto-

identificações. De todo modo, essa enorme distribuição dos grupos tupi-guarani, ao longo de

toda costa, além de partes consideráveis do interior do Sul e Sudeste do Continente, foi

facilmente percebida pelos colonizadores, e muito em documentada na literatura. À grande

complexidade étnica que apresentava o vasto território colonial em formação, os europeus

responderam com uma redução simplória entre duas categorias antagônicas e genéricas, quais

sejam, Tupi e Tapuia. Se de um lado o termo Tupi se justificava em parte, por denotar um

contingente vasto de grupos tupi-guarani falantes, o termo Tapuia, não passava de uma

antítese do primeiro:

“Para enfrentar estes problemas, os europeus do século XVI

procuraram reduzir o vasto panorama etnográfico a duas categorias

genéricas: Tupi e Tapuia. A parte tupi desta dicotomia englobava

basicamente as sociedades litorâneas em contato direto com os

portugueses, franceses e castelhanos, desde o Maranhão até Santa

Catarina, incluindo os Guarani. Se é verdade que estes grupos

exibiam semelhanças nas suas tradições e padrões culturais, o

mesmo não se pode afirmar dos chamados Tapuia. De fato, a

denominação “Tapuia” aplicava-se freqüentemente a grupos que –

além de diferenciados socialmente do padrão tupi – eram pouco

conhecidos dos europeus”. (MONTEIRO, John, 1994: 19. grifo nosso)

Conforme apontado pelo autor, essa categoria genérica de Tupi, empregada na

literatura colonial, sobretudo quinhentista, incluía os grupos Guarani. O mesmo autor destaca

ainda a dificuldade de uma síntese etnográfica desse grande universo Tupi da época da

Conquista, devido, sobretudo, às características da própria organização social indígena:

“Ao chegarem ao Brasil, os invasores europeus logo descobriram que

grande parte do litoral bem como as partes do interior às quais se

tinha mais acesso encontravam-se ocupadas por sociedades que

compartilhavam certas características básicas, comuns à chamada

cultura tupi-guarani. Contudo, a despeito das aparências de

homogeneidade, qualquer tentativa de síntese da situação

etnográfica do Brasil quinhentista esbarra imediatamente em dois

problemas. Em primeiro lugar, a sociedade tupi permanecia

radicalmente segmentada, sendo que as relações entre segmentos

ou mesmo entre unidades locais freqüentemente resumiam-se a

ações bélicas. [...] Em segundo, grande parte do Brasil também era

habitada por sociedades não tupi, representando dezenas de famílias

lingüísticas distintas”. (Monteiro, John: 1994, 19. grifo nosso)

Essa característica dita segmentária da organização social tupi-guarani já foi

bastante explorada pela literatura. Embora os cronistas se referissem aos povoados indígenas

como nações, não havia unidades sociais maiores que as aldeias, ou os chefes locais, fato que

os colonizadores europeus se queixavam muito, por dificultar as alianças com os nativos.

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Pedro Correia se queixava de como tal característica dificultava o trabalho de conversão:

“porque não têm Rei, antes em cada Aldeia e casa há seu Principal” (apud MONTEIRO, John,

1994: 23). Dessa maneira, as características da organização social tupi, trazem novo fator de

dificuldade na reconstrução histórica do território indígena à época da conquista. Ao mesmo

tempo em que não haviam unidades políticas maiores que a aldeia, os grupos tupi-guarani

mantinham estreitas relações de troca, aliança e inimizade, fatores esses que culminavam na

constante recomposição das unidades políticas.

Não obstante, a literatura tem identificado entre esses grupos tupi-guarani do

período da Conquista uma grande divisão entre os Guarani, associados segundo a literatura

aos grupos identificados como Carijós, e os Tupi. Helène Clastres (1978[1975]: 8) propõe uma

hipótese sobre a distribuição desses grandes grupos, Tupi e Guarani, ao longo do território sul-

americano:

“No século XVI, os tupis-guaranis distribuíam-se por uma área

geográfica muito vasta. Os tupis ocupavam a parte média e inferior

da bacia do Amazonas e dos principais afluentes da margem direita.

Dominavam uma grande extensão do litoral atlântico, da

embocadura do Amazonas até Cananéia. Os guaranis ocupavam a

porção do litoral compreendida entre Cananéia e o Rio Grande do

Sul; a partir daí, estendiam-se para o interior até os rios Paraná,

Uruguai e Paraguai. Da confluência entre o Paraguai e o Paraná, as

aldeias indígenas distribuíam-se ao longo de toda a margem oriental

do Paraguai e pelas duas margens do Paraná. Seu território era

limitado ao norte pelo Tietê, a oeste pelo rio Paraguai. Mais adiante,

separado deste bloco pelo Chaco, vivia outro povo guarani, os

chiriguanos, junto às fronteiras do império Inca”.

Essa grande repartição do território dos grupos tupi-guarani no período

quinhentista é também confirmada por hipóteses baseadas na arqueologia, notadamente as

desenvolvidas por Brochado (1984) e Noelli (2000), segundo as quais os grupos tupi-guarani,

que teriam uma origem comum na Amazônia central, teriam se diferenciado e seguido rotas

migratórias distintas até se encontrarem novamente às vésperas da Conquista na região sul do

litoral paulista.

Essas hipóteses são todas formuladas a partir de análises comparativas de sub-

tradições de cerâmica, encontradas nos sítios arqueológicos pesquisados. Segundo Noelli, os

elementos cerâmicos:

“Apresentam dados que mostram a continuidade entre os Guarani

históricos e os registros arqueológicos de seus ascendentes,

ressaltando-se a uniformidade lingüística e sua clara relação com a

cultura material. (...) A cerâmica Guarani possui características

materiais constantes e variáveis formais estabelecidas dentro de um

padrão estilístico rigidamente normatizado, submetido a regras

tecnológicas reproduzidas na longa duração” (NOELLI, 2000:256).

Também se leva em conta as tradições agrícolas dos dois grandes grupos Tupi e

Guarani, sendo o principal cultivo dos primeiros a mandioca e dos segundos o milho, como se

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verifica ainda hoje. Mais recentemente, com o desenvolvimento das pesquisas em

arqueologia, conforme apontam Neves, Heckenberger e Petersen (1998) em artigo publicado

na Revista de Antropologia, começam a ser revistas algumas das premissas de Noelli e

Brochado que fundamentam suas hipóteses a respeito das migrações tupi-guarani pré-

colombianas. Embora as pesquisas em arqueologia sejam ainda incipientes para as terras

baixas da América do Sul, conforme admitem todos esses autores citados, e as hipóteses sobre

as origens e a dispersão dos grupos tupi-guarani estejam abertas para debate, não se coloca

em dúvida a enorme dispersão desses grupos pelo território da América do Sul. Também não

se questiona a existência de duas grandes tradições, Tupi e Guarani, que foram verificadas nos

tempos da Conquista e muito menos a enorme amplitude do território Guarani nesse período,

o que é o nosso foco de discussão aqui. No Rio Grande do Sul, onde as pesquisas arqueológicas

focadas na ocupação Guarani tiveram mais avanços estima-se que essa ocupação remonte a

aproximadamente 200 d.c. Nos atuais Estados do Paraná e Santa Catarina, da mesma forma, as

pesquisas arqueológicas apontam datações igualmente antigas para a ocupação Guarani.

De todo modo, onde as pesquisas arqueológicas não se aprofundaram e portanto

nos escapa uma perspectiva de tão longa duração, continuamos a contar com uma literatura

colonial relativamente rica, que dá uma imagem dos possíveis contornos da ocupação guarani

à época da conquista européia.

John Monteiro, com base na pesquisa da documentação a respeito do papel dos

indígenas nas origens de São Paulo, indica como o território Guarani tinha seu limite superior

no sul da Capitania de São Vicente:

“A quarta região principal [De São Paulo “colonial‟], localizada ao sul

da Capitania de São Vicente, era ocupada por várias nações Guarani.

Os Carijós, provavelmente o maior subgrupo desses Guarani

habitavam a parte meridional da capitania e vastas regiões mais para

o sul”. (MONTEIRO, John, 1984: 25)

No entanto, Neves, Heckenberger e Petersen (1998) atentam para o fato de que

não se deve pensar em qualquer rigidez no estabelecimento de uma fronteira entre os

territórios Tupi e Guarani, uma vez que as possíveis diferenças entre tradições de cerâmica

devem ser relativizadas à luz do fato indiscutível de que os grupos tupi-guarani formavam,

como mencionado, grandes redes de troca de bens, técnicas (nesses dois casos enfatizamos os

objetos de cerâmica e os conhecimentos a eles relacionados), pessoas, etc. Da mesma forma,

como apontamos, no que concerne à análise da documentação quinhentista, os termos usados

para identificação dos grupos tupi-guarani com os quais os colonizadores mantiveram contato

são extremamente fluidos, não permitindo nenhuma segurança na afirmação de Helène

Clastres de que Cananéia constituía-se como a fronteira norte do Território Guarani. A grande

mobilidade espacial conhecida dos grupos tupi-guarani, por sua vez, impossibilita ainda mais a

atribuição de qualquer fronteira rígida. Além disso, continua-se verificando enorme

semelhança entre as línguas tupi-guarani atuais, a despeito de sua espantosa distribuição

geográfica, independente da mencionada divisão entre grupos Tupi e Guarani, indicando,

segundo os lingüistas, a recente diferenciação entre esses povos (RODRIGUES, A.D.,

1984/1985). Além das convergências lingüísticas, encontra-se grandes semelhanças culturais

entre os Guarani e grupos Tupi amazônicos atuais, a despeito das enormes diferenças em

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relação à história de contato, como demonstrou o estudo comparativo já clássico de Eduardo

Viveiros de Castro (1986), Araweté: Os Deuses Canibais.

A literatura clássica associa os Guarani aos grupos que figuram na documentação

como Carijós ou Cariós, a exemplo do que fez Helène Clastres e John Monteiro. Há uma vasta

literatura colonial a respeito da história guarani pós-conquista, que vai desde relatos de

viagem de mercadores como Gonneville (1504), passando pelos célebres relatos de Hans

Staden (1548), pelas crônicas do protestante francês Jean de Léry sobre as memórias do

intento fracassado de colonização francesa na baía de Guanabara, e chegando nas fontes

espanholas como a de Félix de Azara (1742-1821), que participou das expedições de

reconhecimento de fronteira, operadas pela coroa no período pós Tratado de Madrid. Por ora

destacamos, porém, os relatos de Cabeza de Vaca (1999 [1542]) e Ulrich Schmidel (1838

[1553]) , por trazerem informações relevantes para compreensão das práticas territoriais

contemporâneas dos Guarani. Ulrich Schmidel, o primeiro a apontar o termo Carió na

literatura quinhentista alega que o território da “nação dos Tupis” coincide com a jurisdição do

Rei de Portugal (Viage Al Rio de La Plata, Cap LII)2, mas que sua língua difere muito pouco da

dos Cariós, que estabeleciam alianças com o Rei da Espanha. Como notado por diversos

autores, uma suposta rigidez na fronteira entre os territórios Tupi e Guarani reflete muito mais

a partilha e as pretensões territoriais dos Impérios Coloniais de Portugal e Espanha que a

qualquer realidade etnográfica verificável.

A grande importância da documentação de Schmidel e Cabeza da Vaca,

entretanto, está no fato de terem sido os primeiros a registrar os percursos de ligação entre o

litoral e o interior, consagrados sob o nome de Peabiru. Quanto à Schmidel, ainda, seu relato é

particularmente importante por ter sido percorrido na companhia de 20 Guarani desde o

interior, Assunção, até o litoral, em sentido contrário ao dos demais colonizadores. Conforme

registrado por Reinhard Maack (1959), em suas pesquisas nos manuscritos de Schmidel, o

viajante recebeu em Assunção, depois de uma permanência de 18 anos em terras americanas,

uma carta da Alemanha redigida por seu irmão enfermo. Na mesma época, recebe a

informação de que havia um navio português parado no porto de São Vicente, preparando

viagem de retorno à Europa. Planeja dessa maneira, viagem por terra para chegar à São

Vicente, em companhia dos índios Cariós, identificados aos Guarani, para alcançar o navio e

chegar à Europa para ver seu irmão. Justifica seu plano, revelando que esses Guarani são o

“povo [que] viaja mais longe do que qualquer outra nação na região do Rio della Plata”,

migrando freqüentemente para o litoral e conhecendo os caminhos no interior das matas

(Schmidel apud Maack, 1959: 9). Tal exemplo é o mais emblemático no sentido de mostrar

como os Guarani conheciam muito bem, antes da chegada dos europeus, percursos que

ligavam a região da bacia do Rio da Prata, que formava parte do território Carijó, ao litoral da

antiga Capitania de São Vicente, fronteira norte de seu território à época da Conquista. É

notável que esse percurso empreendido pelo viajante quinhentista seja semelhante ao

realizado por grupos Guarani através das migrações de inspiração mística (retratadas na

2 Schmidel empreendeu viagem acompanhado de 20 Cariós, desde Assunção até São Vicente, enre 1552 – 1553. Ver a versão eletrônica da tradução espanhola de Viaje al Rio de La Plata, realizada em 1838. Buenos Ayres. Impresa Del Estado. http://www.gutenberg.org/etext/20401. Ver também a obra de Reinhard Maack, a respeito da viagem, Sobre o Itinerário de Ulrich Schmidel através do Sul do Brasil, publicada pelo Boletim de Geografia Física no 1, da Universidade do Paraná. Também disponível on-line: <http://www.historiaambiental.org/index.php?option=com_content&view=article&id=171:itinerario-de-ulrich-schmidel-atraves-do-sul-do-brasil-&catid=96:nacionais&Itemid=293>

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literatura antropológica desde Metraúx, passando por Nimuendaju, Cadogan e Clastres),

motivadas por profetas xamânicos que anunciavam a possibilidade de ascensão à chamada

Terra Sem Mal. Da mesma forma, o caminho do Peabiru foi utilizado também pelos

Bandeirantes Paulistas, que se serviam dos guias Guarani e ingressavam no interior do

continente, no sentido oposto, para o aprisionamento de escravos Carijós, trazidos para a

Capitania de São Vicente como mão-de-obra agrícola. Cabe notar como os relatos de Cabeza

de Vaca e Schmidel tem como grande mérito no que concerne a essa discussão o fato de

terem documentado o trânsito dos Guarani entre o interior e o litoral desde os primeiros

momentos da Conquista, revelando a intensa conexão desse território no período pré-colonial.

No Guarani Antigo, segundo o célebre Tesoro de La Lengua Guarani, de Montoya, identificava-

se dois principais referenciais do espaço terrestre: ibiapira (equivalente ao termo atual yvy

apy), o fim da terra, e ibiapite (equivalente à yvy mbyte), centro da terra (MONTOYA, 1876:

167). Já o termo para a totalidade do mundo terrestre, registrado por Montoya, é ibiya ou

ibiopacatu, sendo ibiopapa, o momento do fim do mundo (Pg. 168). Esses termos guardam

grandes consonâncias com os utilizados atualmente nos dialetos Guarani e tem grande

rendimento na caracterização das elaborações cosmológicas dos Guarani atuais a respeito da

formação e funcionamento do mundo terrestre.

Reduções e Bandeiras

Conforme abordado anteriormente, a ocupação Guarani se estendia à época da

Conquista, por toda a bacia do Rio da Prata, passando pelas regiões Sul do atual território

brasileiro, e encontrando seus limites (móveis) de ocupação no litoral do atual Estado de São

Paulo. A maioria desses grupos foi inicialmente chamada de Carijós. Como dito, mesmo que os

contornos gerais desse território de ocupação Guarani possam ter sido relativamente estáveis

por um período longo, como indica a arqueologia, o próprio modo de ocupação indígena do

espaço não permite a suposição de fronteiras rígidas para esse território, que se recompunha

de acordo com as dinâmicas históricas de ocupação dos índios, sobre as quais pouco sabemos

no que concerne ao período pré-colonial. Sabemos, no entanto, como o avanço do processo

de colonização foi influenciando cada vez mais intensamente a composição étnica do território

nacional em formação.

Nesse sentido, cabe destacar o processo através do qual os Guarani se tornaram o

grupo étnico mais procurado pelos colonizadores paulistas (tanto os chamados bandeirantes,

como os jesuítas) para a exploração de sua mão-de-obra, acarretando isso no deslocamento

forçado de contingentes expressivos da população Guarani, e alterando significativamente a

distribuição da população Guarani ao longo de seu território tradicional de ocupação.

Conforme ressaltado por Monteiro (1984: 27), a empresa colonizatória dos paulistas logo

sentiu a necessidade do uso da mão-de-obra escrava dos indígenas para suprir as próprias

necessidades de subsistência dos colonos, que dependiam no início da Conquista do escambo

com as populações indígenas aliadas no âmbito de uma “economia do dom”. A lógica

inconstante do dom, não garantia as necessidades de subsistência e mão-de-obra da qual

dependiam os europeus para seu intento colonizatório:

“No Sul, na mesma época, os Guarani ficaram conhecidos pela

abundância de comestíveis que forneciam aos europeus. „Muitas

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vezes vinham muitos índios com grandes presentes de veados e

galinhas, peixes, cera e mel”, escreveu o jesuíta Leonardo Nunes ao

descrever sumariamente os Carijó.

Para o desagrado dos colonizadores, no entanto, os índios forneciam provisões

apenas esporadicamente e de maneira limitada, ao passo que os portugueses começaram a

depender mais e mais da produção e mão-de-obra indígena para seu próprio sustento. É

verdade que, em meados do século XVI, as relações de troca chegaram a florescer, mas cada

parte atribuía-lhe um sentido radicalmente distinto. [...] tanto a aquisição quanto a oferta de

„mercadorias‟ devem ser compreendidas mais em termos de sua carga simbólica do que seu

significado comercial”.

A essa “abertura para o exterior” (Lévi-Strauss, 1993[1991]) com a qual os Guarani

e as outras populações tupi-guarani do litoral receberam os colonizadores fazendo-os

participar das suas redes de intercâmbio, os paulistas responderam com o aprisionamento de

contingentes consideráveis de indígenas para a exploração do trabalho escravo nas lavouras,

além da introdução de doenças até então desconhecidas, que acarretavam na mortandade em

massa dos indígenas, fato bastante conhecido. Nesse cenário, como dito, os Guarani tanto do

litoral como do interior, se afiguraram como o principal foco das entradas dos Bandeirantes na

busca de mão-de-obra, por sua grande aptidão agrícola pré-colonial. Inicialmente, os

portugueses que se aliaram com os Tupiniquim, supriam a necessidade de mão-de-obra com

os cativos de guerra Tupinambá, tradicional inimigo dos Tupiniquim nas suas “guerras

intestinas”. O conflito dos Tamoios, entretanto, fez com que se passasse a privilegiar os

Carijós, outro inimigo tradicional dos Tupiniquim. A partir daí, o aprisionamento dos Carijós

tornou-se inclusive o principal motivo do estabelecimento tanto dos Jesuítas como dos colonos

no planalto paulista, e a disputa por esses cativos resultou na própria necessidade de

estabelecimento dos Jesuítas no Pátio do Colégio, construindo ambiente fortificado para

defesa contra os colonos, episódio que culminou na própria fundação da cidade (Monteiro,

1994: 36-38).

Episódios subseqüentes da história da colonização do espaço que corresponde ao

território brasileiro, resultaram no aprisionamento e deslocamento de contingentes massivos

da população Guarani para a Capitania de São Vicente, de modo que no segundo quartel do

século XVII a população Carijó era a maioria esmagadora da população indígena do atual

Estado de São Paulo3:

“Embora inventários e testamentos do início do século XVII registrem

uma ampla diversidade de grupos indígenas, a partir da segunda

década esta cedeu lugar à predominância de cativos guarani nos

plantéis paulistas. Isto sugere que os paulistas se ocuparam, nos

primeiros anos do século, em preparar o terreno para os assaltos de

maior envergadura contra os Guarani, que caracterizaram o período

1610-1640” (Monteiro, 1994: 62).

3 Some-se a isso a dizimação trazida pelas epidemias importadas da qual foi vítima a população Tupiniquim, Tupinambá e Tapuia da região. Mesmo tendo convalescido em proporção até maior, ao se considerar a mortandade durante as próprias expedições de aprisionamento, a população da Capitania nesse período era freqüentemente “recomposta” por Guarani trazidos das campanhas de escravização, de modo que manteve-se majoritária a partir de então.

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Nesse sentido, destacam-se 3 episódios mais importantes no que tange ao

sequestro da população Guarani para o atual Estado de São Paulo. Em primeiro lugar, cabe

notar que desde o século XVI, o chamado “Porto dos Patos”, atual Estado de Santa Catarina,

foi utilizado como uma espécie de entreposto no circuito dos cativos guarani. Em segundo

lugar, a região de Guairá (região fronteiriça atualmente entre Paraguai e PR) tornou-se

posteriormente o principal ponto de captura de mão-de-obra escrava Guarani. Inicialmente,

destaca-se a bandeira autorizada por Diogo de Quadros, em 1615 que conta com um

documento de matrícula dos Carijós que conseguiram chegar com vida à São Paulo, e foram

contabilizados em 628, conforme relata Monteiro (op. Cit). A partir de então e já no fim da

década de 1620, o caminho terrestre de Guairá passou a ser preferido pelos colonizadores em

relação à rota marítima ao Porto dos Patos. Nesse período, o caminho do Peabiru, de

conhecimento dos Guarani que eram utilizados como guias através do uso da violência, passou

a ser utilizado como a principal rota de aprisionamento dos cativos, culminando na completa

destruição do Guairá, com a famosa Bandeira de Raposo Tavares, em 1628. Em reação ao

estabelecimento das reduções por parte dos jesuítas como forma de conter o genocídio

empreendido pelas bandeiras na região do Guairá, os colonos responderam com expedições

sanguinárias que culminaram na escravização de toda a população guarani que compunha as

missões recém-formadas (1628-32)4, e na destruição do empreendimento jesuítico. Em

terceiro lugar, depois da destruição do Guairá, os colonos se concentraram novamente em

território Guarani, e passaram a atacar as missões do Tape (1633-4), também recém

constituídas quando da destruição pelos portugueses (1635-41) (Monteiro, 1994: 68-76). Esse

expressivo deslocamento forçado da população guarani para a capitania de São Vicente,

trouxe enormes oscilações demográficas na região que corresponde aos atuais Estados de Rio

Grande do Sul (Tape), Santa Catarina (Porto dos Patos) e Paraná (Guairá). Posteriormente a

essas experiências de redução, rapidamente devastadas pelos Bandeirantes, há na região

fronteiriça entre o Rio Grande do Sul, Argentina e Paraguai atuais, a célebre construção

missioneira dos “Sete Povos das Missões”, que teve um maior fôlego, marcando

profundamente o imaginário a respeito da colonização. Cabe destacar que boa parte da

experiência missioneira desse período ocorreu, entretanto, sob égide da coroa espanhola, uma

vez que apenas os limites do império luso-brasileiro só foram adquirir seus contornos atuais

após a Guerra do Paraguai (1864 -1870), tendo sido anteriormente delineado pelo Tratado de

Madrid (1750).

Aldeamentos Coloniais e Aldeamentos do Império

Há uma vasta literatura histórica a respeito da experiência das missões, que,

como é sabido, marcou inclusive o imaginário tanto do Rio Grande do Sul, como do próprio

Paraguai (Ver Ficha de Localidade do Rio Grande do Sul). Da mesma maneira, no âmbito da

historiografia guarani, discute-se muito se os subgrupos Guarani atuais (Mbya, Nhandeva e

Kaiova), que a literatura identifica aos que aparecem na documentação do período como

Cainguá (gente da mata), teriam ou não sido reduzidos pelo empreendimento missioneiro.

Segundo a hipótese de Helène Clastres, mencionada acima, os Cainguá teriam permanecido

4 Uma vez que nas reduções é onde os Bandeirantes encontravam a maior parte da mão-de-obra Guarani então concentrada.

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nas matas alheios às reduções. Outros consideram que os Cainguá seriam grupos guarani

aldeados, que reestabeleceram uma vida autônoma nas matas após a expulsão dos jesuítas.

De nossa parte, acreditamos que esse questionamento é pouco produtivo, uma vez que

independente do grau de inserção que os grupos atuais possam ter tido na experiência

missioneira é inegável que continuam apresentando características pautadas pelo seu próprio

modo de agenciamento dos eventos oriundos da história de colonização. Nesse sentido, cabe

destacar que os Guarani atuais apresentam, de um lado, uma série de características na sua

cosmologia (e na sua forma de pensamento, organização social, territorialidade, etc) que

guardam enormes consonâncias com o cenário tupi-guarani amazônico. Por outro lado, é

inegável que nenhum grupo indígena da região onde os Guarani estão inseridos ficou

completamente alheio à experiência missioneira. O exemplo dos aldeamentos mais recentes,

cuja documentação pode ser contrastada com outras fontes etnográficas, mostra como há

toda uma história de intercâmbio constante entre famílias que fugiam de estabelecimentos

oficiais e famílias que se submetiam a eles, de modo que a hipótese de uma completa

impermeabilidade dos Guarani atuais à experiência missioneira é tão pouco plausível como a

de uma suposta submissão desses grupos aos propósitos da catequese. Desenvolveremos esse

argumento de modo a pautar a discussão numa história mais recente, de maior relevância

para o projeto.

Em contraste com a rica documentação a respeito dos índios no período da

Conquista, quando se produziram grandes tratados a respeito dos Guarani e Tupi da Costa, e

também sobre os Guarani da região de Assunção, além de uma série de outros tipos de

documentos, de gêneros discursivos diversos e autorias e propósitos os mais variados5, os

períodos que se seguiram até a Independência foram marcados por um desinteresse

progressivo a respeito dos índios. Dos grandes tratados, dos dicionários e gramáticas

detalhados a respeito das línguas indígenas, passa-se para uma documentação alusiva, quase

sem conteúdo etnográfico6. Durante o período imperial, a documentação existente é

exclusivamente de caráter administrativo, contendo sensos e informações mínimas sobre o

trabalho nos aldeamentos oficiais. É apenas com o advento da República Velha, que coincide

parcialmente com o desenvolvimento da Antropologia Moderna e do método etnográfico, que

se passou a produzir uma documentação comparável à quinhentista.

Os excessos cometidos pelos Bandeirantes culminaram como é sabido, na

expulsão definitiva da ordem dos Jesuítas, em 1767, o que vem a trazer grandes modificações

na política indigenista implementada pelos aldeamentos da Colônia. É nesse contexto que se

insere a constatação de John Monteiro (1984: 34) de que esse processo culminou já no início

do Século XVIII, na conversão do Carijó como um nome genérico para a população indígena,

em especial, para a população aldeada, submetida a um regime de trabalho escravo. Esse fato

dificulta enormemente a identificação da filiação étnica e lingüística das populações

mencionadas na documentação desse período. Por essas razões, não será o propósito aqui

retratar o regime de escravidão indígena da Colônia que se instaurou na época que vai do auge

5 Cabe especial destaque aqui à toda a documentação produzida pelos Jesuítas durante o período colonial. Para uma interessante análise dos discursos das lideranças Guarani durante o processo de resistência ao projeto reducional das missões ver especialmente Melià (1988). 6 Talvez a única exceção importante nesse período seja a obra do naturalista Félix de Azara que foi comandante da comissão espanhola de limites no Paraguay entre 1789 à 1801.

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ao declínio das Bandeiras, uma vez que poucas informações pode nos fornecer com segurança

a respeito da dinâmica dos Guarani.

É mais central nesse sentido, embora lacunar, a documentação do período do

Império, que antecede a criação do SPI republicano, trazendo algumas informações a respeito

dos aldeamentos existentes, passando na maioria dos casos uma imagem desoladora de falta

de recursos e abandono por parte das organizações eclesiásticas responsáveis, e indicando um

êxodo progressivo da população aldeada novamente para as matas. Ao mesmo tempo, a

documentação a respeito das expedições de desbravamento e colonização, mais precisamente

das Comissões Geográficas e Geológicas, traz uma série de notícias a respeito de vários grupos

de índios não aldeados, muitas vezes tratados como mansos e outras como arredios. Nesse

sentido - e é essa a dificuldade – o mais importante em relação a essa época é tentar entender

não os índios aldeados que foram minoritários, mas sim os que não se aldearam e que

mantiveram apenas uma relação de troca com esses estabelecimentos, embora muito intensa.

Deve-se destacar, entretanto, que ainda no período colonial muitos dos

aldeamentos foram praticamente abandonados desde fins do século do XVIII, a partir da

política instaurada por José Arouche de Toledo Rendon, diretor-geral dos índios da então

Província de São Paulo. Instaurada algumas décadas depois da expulsão dos Jesuítas e em

pleno contexto de implementação das reformas pombalinas em toda colônia, a política de

Rendon visava expressamente a transformação forçada e progressiva dos aldeamentos de

índios em freguesias e vilas. Simplesmente através de uma mudança de estatuto desses

estabelecimentos oficiais, imaginava-se que os índios se integrariam progressivamente à

sociedade colonial. Essa política foi formalizada, a partir de um documento encontrado por

Rendon, e denominado “Regimento para todas as aldeias das Missões”, estabelecido por um

Capítulo Provincial dos Franciscanos, celebrado no Convento de Santo Antônio do Rio de

Janeiro, em 13 de agosto de 1745. Em carta de 1798 ao então governador, capitão-general

Antônio Manuel de Melo Castro e Mendonça, Rendon (1842 [1798]: 309) celebra o documento

como diretriz geral a ser seguida pela Governo Provincial e essa passa a ser a tônica da política

indigenista em todo o país.

Posteriormente, já no Império, se restabelece o cargo de Diretor de Índios em

1846, poucas décadas depois do estabelecimento da figura dos Presidentes de Província do

regime imperial, em 1823, que substituíam as antigas Juntas Provisórias. A partir desse

período, as frentes de colonização, que avançavam abrindo estradas e criando núcleos

coloniais, esbarraram novamente com a ocupação indígena, especialmente com os grupos que

mantinham sua autonomia estabelecendo suas aldeias nas florestas ainda abundantes no Sul e

Sudeste. Se a ocupação indígena era organizada pelas bacias fluviais, a colonização seguiu

lógica semelhante, usando os rios principais como vias de acesso ao interior. Cabe destaque

aqui a população Guarani e Kaingang, que passava a ser atingida por essas novas frentes de

colonização, tanto no RS, como SC, PR e SP. É nesse período que reaparece uma

documentação um pouco mais descritiva a respeito da presença indígena no Sul e Sudeste,

tendo especial destaque as correspondências entre os Diretores de Índios, os Presidentes de

Províncias.

Durante essa fase de levantamento preliminar, foi possível realizar uma varredura

geral a respeito desta documentação histórica sobre os Guarani, presente nos acervos de

instituições sediadas nos seis Estados brasileiros onde se focou a pesquisa, além de algumas

das principais instituições espanholas onde se encontra material a respeito dos índios. Tal

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varredura inicial que serviu de base para a elaboração desse texto, está sistematizada em um

Banco de Dados on-line, e disponibilizada também na ficha de “Bibliografia” do INRC (Ver

Anexo 1). Evidentemente, esse vasto corpus documental só pôde ser acessado de maneira

parcial durante esse curto período de pesquisa. O avanço da sistematização documental no

Banco de Dados pode ainda contribuir muito para uma compreensão melhor da dinâmica

territorial guarani que vise subsidiar as políticas públicas para esse povo, assim como

aprofundar o conhecimento acadêmico a respeito da história guarani.

Voltando à caracterização da ocupação guarani no período pré-republicano, é

importante ressaltar o quanto a dinâmica da ocupação entre índios aldeados e não aldeados é

extremamente relacionada durante esse período. A documentação a partir da metade do

século dá destaque aos aldeamentos Guarani, cuja ocupação coincide em grande parte com os

grupos cuja trajetória foi descrita por Nimuendaju. De um lado, a trajetória dos Guarani nesse

período difere bastante da dos Kaingang, uma vez que os primeiros eram descritos como

índios mansos e se estabeleceram em alguns momentos nos aldeamentos oficiais já no

período imperial e os segundos, para o caso do Estado de São Paulo, só foram “pacificados” no

período Republicano mediante a atuação do SPI. Por outro lado, a reconstituição da trajetória

desses grupos empreendida por Nimuendaju evidencia como o estabelecimento nos

aldeamentos era apenas uma parte da estratégia e da prática dos Guarani como forma de

sobreviver à pressão das frentes de colonização (ataques de bugreiros, aberturas de estradas,

estabelecimento de fazendas, trabalho escravo, etc...), de modo que a alcunho de “índios

mansos” não vestia tão bem os Guarani como poderia aparentar. Não obstante, os Guarani

mantinham sua dinâmica territorial ampla com especial importância para a formação das suas

aldeias junto ao Mar, de onde procuravam através da orientação de seus líderes espirituais a

ascensão à Terra Sem Mal.

Durante o período imperial aparecem na documentação os seguintes

estabelecimentos oficiais: no atual Rio Grande do Sul, da segunda metade do século XVIII em

diante, os registros sobre os Guarani passam a restringir-se aos aldeamentos de São Vicente,

São Nicolau e Nossa Senhora dos Anjos, formados pelos agentes coloniais para absorver as

populações outrora constituintes do complexo missioneiro. Em relação à Santa Catarina, não

conseguimos sistematizar nessa fase preliminar informações a respeito da política de

aldeamentos pré-republicanos. Já a respeito da Província do Paraná, podemos citar alguns,

dentre eles: São Pedro de Alcântara; Nossa Senhora do Loreto de Pirapó; São Jerônimo; Santo

Inácio do Paranapanema. Vale lembrar, que no século XIX, a documentação está atenta para

uma circulação muito forte por parte dos Guarani, descrevendo sua movimentação entre os

aldeamentos acima citados e os de São João Baptista do Rio Verde e Itariri, ambos situados já

na Província de São Paulo, sendo o primeiro na região da atual TI Itaporanga e o segundo, na

região da atual TI Serra do Itatins. Além desses, a documentação dá notícia na província de São

Paulo dos aldeamentos de São Sebastião do Piraju, na região de Botucatu e Tijuco Preto,

também de ocupação Guarani. Em relação ao Rio de Janeiro e Espírito Santo, focamos a

pesquisa histórica em períodos mais recentes por trazerem mais notícias a respeito da

ocupação guarani.

O estabelecimento desses aldeamentos se insere numa nova fase da política

indigenista que difunde para todo o império algum dos preceitos estabelecidos pela política de

Rendon, como mencionado acima. Essa política envolvia um processo mais amplo de

colonização das “fronteiras desconhecidas do império”, que por sua vez, segue uma política

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paralela de povoamento da nação. Essa política culmina na edição em 1850 da chamada “Lei

de Terras”, que ao instaurar o modelo ocidental de propriedade privada no Brasil, termina por

operar silenciosamente o esbulho das terras indígenas através da emancipação forçada dos

aldeamentos. Dessa maneira, no período entre a edição da “Lei de Terras” e a criação do

Serviço de Proteção dos Índios (já em 1910 durante o período republicano), boa parte desses

aldeamentos foram considerados extintos e a população indígena ficou exposta à sorte de

bugreiros e outros agentes do aparato colonizador.

O Serviço de Proteção dos Índios, os ‘Postos’ e ‘Colônias’ Indígenas e as ‘Aldeias Livres do

Litoral’

É notável como a complexa trajetória dos grupos Guarani que retomavam o litoral

desde o início do XIX descrita por Nimuendaju contraste com as referências lacunares aos

aldeamentos estabelecidos no período imperial. A pobreza das informações contidas nas

fontes imperiais deriva do fato de que a política indigenista praticada na época visava tão

somente a redução dos índios que mantinham sua autonomia, com o objetivo de promover

um processo de assimilação forçado, conforme os princípios estabelecidos por Rendon,

liberando as terras para a colonização. Esse processo foi repetido pela atuação do SPI com

outros contornos.

Embora o Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores

Nacionais, tenha sido criado, através do Decreto no 8072 de 1910, com o fito de prestar

assistência à população indígena do país, ressalvando-se que para isso devia-se “fazer respeitar

a organização interna das diversas tribos, sua independência, seus hábitos e instituições, não

intervindo para alterá-los, senão com brandura e consultando sempre a vontade dos

respectivos chefes (Art 2º) [grifos nossos]”, a atuação do Serviço foi sempre marcada pelo

intuito de subordiná-los, concentrá-los em terras de extensão arbitrárias, liberando suas terras

tradicionais para a colonização e buscando a assimilação dos índios à população nacional.

Esse intuito era expressamente admitido pelos funcionários do SPI, figurando na

documentação atualmente disponível no acervo do Museu do Índio, no Rio de Janeiro.

Consultamos toda a parcela dessa documentação que se encontra atualmente microfilmada,

nela nos baseando para a escritura dessa secção7. Luis Horta Barboza, uma das figuras centrais

do SPI, então responsável pela 5ª Inspetoria, escreve relatório em 1928 no qual expõe as bases

da política praticada pelo SPI ao fundamentar a intenção inicial de concentrar os Guarani que

habitavam o Estado de São Paulo em uma só “Povoação” no interior, liberando as terras do

litoral, onde os Guarani buscavam se fixar seguindo os intentos de seus líderes religiosos.

Nota-se que, pelo decreto de criação do SPI, mencionado acima, todos os antigos aldeamentos

deveriam ser convertidos em “Povoações”, indicando esse novo termo simplesmente uma

mudança na política de gestão dessas localidades, que passaria para o Estado Nacional. No

entanto, o processo de implementação da referida Povoação de Araribá, atualizou uma política

que ia em sentido oposto, buscando desativar todos os antigos aldeamentos do Estado e

concentrar no Araribá todos os Guarani dispersos por outros Aldeamentos e demais

7 Agradecemos a atenção dispensada pelo responsável pelo acervo, Sr. Carlos Augusto da Rocha Freire, a quem devemos também a indicação de que parte da documentação disponível referente à 5ª Inspetoria não foi microfilmada, e não está ainda disponível para consulta.

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localidades autônomas, liberando as terras para colonização, o que também foi a tônica para

os demais Estados. Fica também evidente, em toda a documentação, a relutância dos Guarani

em aceitar essas ações no sentido de concentrar sua população. Um primeiro trecho desse

relatório de Horta Barboza, mostra como o intuito do SPI era promover a integração dos

Guarani à população nacional, transformando-os em trabalhadores rurais:

“no Decreto da reserva não há a declaração de que as terras eram só

e exclusivamente para moradia de índios; nem o Serviço tomou

nenhum compromisso com o Estado de seguir esta ou aquella

directriz no desempenho da sua missão junto aos índios, missão que

é complexa, pois que partindo inicialmente da protecção pura e

simples, e sempre dominada pelo sentimento e pela intenção de

pratica-la, encaminha-se ciente e intecionalmente para o

entrelaçamento do dois ramos da população brasileira

[trabalhadores nacionais e índios], aspirando alcançar a fusão de

ambas num tipo único” (HORTA BARBOZA, 1928: ft 955-956)

Outro trecho do mesmo relatório evidencia como os Guarani nunca aceitaram as

tentativas de concentrá-los em Araribá (interior) e sobretudo, nunca aceitaram a intenção

expressa do SPI de privá-los de ocuparem suas terras tradicionais no Litoral:

“Assim, pois, desde fins de 1910 que se sabe ser a população

indígena de São Paulo contituída de grupos originários de duas únicas

nações, a dos guaranys e a dos caingangs. Da primeira, subexistem

alguns escassos remanescentes na região litorânea cortada

actualemente pela estrada de ferro de Santos a Juquiá; grosso,

porém, das duas populações encontra-se localizada no interior e ao

sul do Estado, próximo aos confins do Estado do Paraná, de onde

procede o entrelaçamento dos grupos habitantes dos dois territórios.

Para attender ao serviço de protecção de todos esses grupos, a

Inspectoria fundou e mantem no território de São Paulo quatro

estabelecimentos: Uma Povoação Indígena e três Postos - , a primeira

e um destes, em proveito dos guaranys; os dois restates, em proveito

dos caigangs.

Tal multiplicidade de estabelecimentos não corresponde a

necessidades reais da protecção; esta podia attingir plenamente ao

seu escopo, mediante dois estabelecimentos apenas, um para a

totalidade da população guarany, e outro para a totalidade dos

caigangs. Mas baldados foram os esforços da Inspectoria no sentido

de concentrar na Povoação Indígena do Araribá, os guaranys, tanto

do interior como do litoral. Estes últimos resistiram a todos os meios

de que se utilisou a Repartição para indusil-os a installarem as suas

residências naquelle estabelecimento, e acabaram obtendo do Snr.

General Rondon a promessa da Inspectoria dar-lhes assitencia no

próprio lugar donde elles não queriam sahir, e onde afinal, a tiveram

effectivamente, pela creação do Posto do Bananal.” (HORTA

BARBOZA, 1928: Ft 950-951. grifos nossos.)

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Esse contraste entre o intuito do SPI em proceder a proteção dos Guarani por

meio da concentração da sua população nos espaços diminutos de terra que correspondiam

aos “postos” oficiais, e a relutância dos Guarani em se submeter a essa política é a grande

tônica de toda a documentação depositada no Museu do Índio. Da mesma forma, na grande

maioria dos postos onde a população guarani era obrigada a conviver com outras etnias

tradicionalmente inimigas, como os Kaingang, fica patente a resistência dos Guarani à

imposição de um regime de trabalho forçado na lavoura, que resultou na fuga de uma série de

famílias que saíam desses estabelecimentos oficias buscando estabelecer aldeias autônomas,

sobretudo do litoral, onde a presença do Estado era diminuta.

Essa dinâmica, entretanto, só pode ser constituída adequadamente através da

história oral e do relato dos mais velhos, que guardam hoje a recordação nítida de maus tratos

sofridos pelos funcionários do SPI. No acervo do Centro de Trabalho Indigenista, organizado

por ocasião desse levantamento preliminar, há uma série de depoimentos dos índios que

descrevem práticas de trabalho escravo e até de tortura, que se iniciaram no período de

atuação do SPI e perduraram depois da criação da FUNAI (1967), cessando provavelmente

apenas com a promulgação da Constituição de 1988. Esses fatores certamente impulsionaram

as práticas de mobilidade territorial dos Guarani, que da mesma forma, passam ao largo da

documentação do SPI, onde tudo o que se pode entrever são as queixas dos funcionários a

respeito da “teimosia” dos Guarani em ceder aos projetos de concentração territorial de sua

população.

A resposta do SPI e dos governos estaduais a essa “teimosia” dos Guarani em

persistirem na sua dinâmica territorial própria foi distinta em cada Estado. Em São Paulo, cabe

destacar como o próprio SPI acaba por ceder aos índios e reconhecer progressivamente

diferentes localidades no litoral, iniciando pelo Bananal em Peruíbe, passando pelo Rio Branco

de Itanhaém e terminando no Itariri, que mesmo sendo aldeamento reconhecido desde

República Velha, só foi reconhecido pelo SPI na década de 1950. No Rio Grande do Sul temos

um exemplo oposto, que foi o da instauração pelo SPI apenas de postos onde se inseriu uma

população majoritária Kaingang, como Guarita e Nonoai. A resistência dos Guarani em

permanecerem aldeados junto à população Kaingang foi inicialmente respaldada por política

do Governo Estadual que desapropriou terras para a criação entre (as décadas de 1910 e 1930)

de aldeamentos para uso exclusivo dos Guarani, sejam eles os chamados Toldos Lagoão

Soledad, Santo Christo, Guarani Paiol Grande, Santa Rosa e Guarany Rio Liso. No entanto, essas

áreas foram loteadas nas décadas subsequentes com a expulsão dos Guarani, que tiveram

outra vez que ficar jogados à própria sorte, buscando sozinhos lugares para estabelecerem

suas aldeias.

Todas essas turbulências sofridas pelos Guarani durante o processo de

colonização resultaram em interferências visíveis na sua dinâmica territorial, que, entretanto,

seguiu se realizando segundo o agenciamento próprio dos índios. A história de vida das

famílias que hoje habitam cerca de 150 Terras Indígenas (somadas às cerca de 140 aldeias

antigas levantadas através da memória dos mais velhos8), entre o litoral e o interior do Sul e

Sudeste do país, é extremamente rica nesse sentido evidenciando toda uma dinâmica que

poderá ser vislumbrada de maneira mais detida na fase de aplicação do INRC. A dinâmica de

8 Ver Localização.

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formação de parentelas, as migrações impulsionadas pelos chefes religiosos, a fuga dos maus

tratos do SPI e FUNAI, todos esses eventos contribuíram para a busca dos Guarani de

formarem suas aldeias livres, nas quais pudessem viver segundo seus próprios usos, costumes

e tradições e que compõem o território Guarani atual, no qual persistem toda uma sorte de

problemas fundiários e ambientais que se apresentam como grande desafio para que eles

continuem transmitindo seus conhecimentos às novas gerações.

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CRONOLOGIA DATA EVENTO 1524 Saída de Aleixo Garcia do Porto dos Patos rumo ao Peru via Peabiru 1540-1542 Viagem de Cabeza de Vaca entre Santa Catarina e as Cataratas do Iguaçu

através do Peabiru 1552-1553 Viagem de Schimdel com os Guarani desde Assunção à São Vicente

através do Peabiru 1556- 1567 Guerra dos Tamoios 1615 Bandeira de Diogo de Quadros trazendo cativos Guarani desde o Guairá

até o planalto paulista 1628 Bandeira de Raposo Tavares que culminou na destruição do Guairá 1633-1634 Instauração das Missões do Tape 1635-1641 Destruição das Missões do Tape 1687-1750 Fortalecimento do empreendimento Jesuítico a partir da experiência dos

Sete Povos das Missões 1750 Tratado de Madrid 1767 Expulsão Definitiva dos Jesuítas 1781 Viagem de Félix de Azara para reconhecimento das fronteiras do Império

Espanhol 1798 Rendon formaliza sua proposta diretriz geral da política indigenista 1810 Início da migração do grupo denominado Tañyguá, de acordo com

Nimuendaju (1974 [1914]) 1820 O próximo grupo a migrar da região do Iguatemi foram os Oguauíva, que,

segundo Nimuendaju, seguiram os passos dos Tanýgua, que ficaram um tempo entre eles.

1823 Instauração do cargo de Presidentes de Província no Império luso-brasileiro

1846 Instauração do cargo de Diretor de Índios 1850 Lei de Terras 1867-1870 Guerra do Paraguai 1870 Migração do Apapokuva, desde a mesma região do Rio Iguatemi 1910 Chega à Itariri parte um grande grupo, Mbya falante, saído da região

fronteiriça entre Brasil, Paraguai e Argentina, que coincide com a referência de Nimuendaju a respeito de parte de um grande grupo que ele interceptou em maio de 1912 a “13 km a oeste de São Paulo, num pântano às margens do Rio Tietê” (1974: 105)

1910 Criação do Serviço de Proteção dos Índios e dos Trabalhadores Nacionais 1924 Chegada de grupo Mbya no litoral paulista, partindo da região fronteiriça

entre Paraguai e a província Argentina de Misiones, depois de terem alcançado o Espírito Santo, segundo Schaden (1974)

1934 Chegada de novo grupo Mbya no litoral paulista, partindo da região fronteiriça entre Paraguai e a província Argentina de Misiones, depois de terem também alcançado o Espírito Santo, segundo Schaden (1974)

1946 Chegada de outro grupo Mbya no litoral paulista, vindo da região da região fronteiriça entre Paraguai e a província Argentina de Misiones, segundo Schaden (1974)

1967 Criação da Funai (Ficha de Identificação: Sítio Yvyrupa, Ficha F10:p.46. CTI/DPI/IPHAN).

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2. INFORMAÇÕES CENSITÁRIAS E DEMOGRÁFICAS DOS GRUPOS GUARANI NO TERRITÓRIO BRASILEIRO

Conforme dados em Ficha de Localização: Sítio Yvyrupa, 6.1, p.47:

“Considerando-se os números da FUNASA, em janeiro de 2010, os Guarani eram

55,5 mil no Brasil (33 mil Kaiova e 12 mil Nhandeva no Mato Grosso do Sul e 10.500 entre

Mbya e Nhandeva nas regiões Sul e Sudeste). Segundo a publicação Guarani Retã (GRUMBERG

e MELIÀ. CTI, 2008), os Guarani (Kaiova, Mbya e Nhandeva) totalizavam em 2008

aproximadamente 100 mil indivíduos, dispersos entre Brasil (51 mil – 7 mil Mbya; 13 mil

Nhandeva; 31 mil Kaiova); Paraguai (42.400 – 15 mil Mbya; 13.200 Nhandeva; 13 mil kaiova) e

Argentina (6.500 Mbya). Os Guarani9, sobretudo os Mbya que vivem entre as regiões sul e

sudeste do país, formam uma grande rede de parentesco, trocas de bens, xamanismo e, mais

recentemente, de articulações políticas ligadas a reivindicações de políticas públicas e ações

do Estado em geral10. Segundo o levantamento do "Mapa Yvyrupa" realizado pelo Centro de

Trabalho Indigenista no âmbito do "Projeto Valorização do Mundo Cultural Guarani", os

Guarani do sul e sudeste distribuem-se atualmente em cerca de 150 localidades nos Estados

de RS, SC, PR, SC, RJ e ES. Além dessas, foram mapeadas outras 140 localidades apontadas

pelos Guarani como desocupadas recentemente por força das circunstâncias fundiárias e que

compõem, não obstante, o horizonte territorial das famílias indígenas que habitam essas

regiões. O total das localidades ocupadas durante esse século apenas no Sul e Sudeste do

Brasil é, portanto, de cerca de 290. No Mato Grosso do Sul, segundo a publicação Guarani

Retã, supracitada, existem cerca de 60 localidades, em sua maioria Nhandeva e Kaiova. Na

Argentina seriam cerca de 150 localidades, na grande maioria falantes do dialeto Mbya. E no

Paraguai, segundo a publicação Atlas de las Comunidades Indígenas 2002, são cerca de 309

“assentamientos” (138 Mbya, 55 Pãi Tavyterã ou Kaiova, 4 Nhandeva e 112 Ava-Guarani).”

Bibliografia Citada

Centro de Trabalho Indigenista. Mapa Yvyrupa (O Território Guarani). No prelo.

Mapa Guarani Retã. CTI (coordenação), 2008.

Centro de Trabalho Indigenista. Terras Guarani no Litoral. 2004.

Atlas de las Comunidades Indígenas en el Paraguay. II Censo Nacional Indígena 2002.

9 A contagem da Funasa discrimina entre 2,5 mil Mbya e 8 mil Nhandeva, mas não há método claro e homogêneo para essa discriminação, que é frequentemente dada pelo funcionário da fundação e não pela própria pessoa entrevistada. Os números recortados por aldeia dão uma idéia das discrepâncias. Por isso, preferimos considerar apenas o conjunto de 10,5 mil pessoas, sem determinar essa divisão – a contagem total, em si, nos parece confiável. Vale notar que há, ainda, uma pequena população Mbya no Pará (TI Nova Jacundá, entre Jacundá e Rondon do Pará) e em Xambioá (Tocantins). 10 A esse respeito, cabe especial destaque para a Comissão Guarani Yvyrupa(CGY), organização criada pelos Guarani do Sul e Sudeste em 2006 para a articulação das lideranças na luta pelos seus direitos territoriais.

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Ficha de Sítio, 7. Mapas, Plantas e Croquis, p.55.

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3. COSMOVISÃO DOS POVOS GUARANI NO BRASIL

Apesar das diferenças nas formas lingüísticas, políticas, sociais e mesmo relativas

ao histórico de contato com a sociedade envolvente, as parcialidades ou subgrupos Guarani

(Nhandeva, Kaiowa e Mbya) compartilham características centrais que definem o “modo de

ser guarani” e sua cosmologia. Conforme definição em site do Instituto Socioambiental, apud

Susnik (1980), três principais aspectos definem o “modo de ser Guarani”:

a) o ava ñe'ë (ava: homem, pessoa guarani; ñe'ë: palavra que se

confunde com "alma") ou fala, linguagem, que define identidade na

comunicação verbal;

b) o tamõi (avô) ou ancestrais míticos comuns e

c) o ava reko (teko: "ser, estado de vida, condição, estar, costume,

lei, hábito") ou comportamento em sociedade, sustentado em

arsenal mítico e ideológico.

(Instituto Socioambiental apud Susnik, 1980: 12)11.

Tais aspectos são recorrentes nos estudos sobre os Guarani e especialmente nos

estudos clássicos, a mitologia Guarani é bastante explorada. Com vistas a adentrar um pouco

mais nesses aspectos centrais ao modo de ser guarani, apresentamos abaixo um texto síntese,

elaborado pelo CTI e apresentado em relatório técnico do Projeto de Valorização do Mundo

Cultural Guarani (2011, p.111-139), que compila uma série de estudos clássicos, apontando

inclusive para algumas comparações das narrativas míticas das diferentes parcialidades

Guarani.

TEXTO DE REFERÊNCIA

Apontamentos sobre a Discussão de Narrativas Míticas nos Estudos Guarani

Iniciamos estes comentários com a discussão de alguns estudos realizados por

Léon Cadogan (1948, 1949, 1950, 1955, 1960, 1967/68). Lembramos, ainda, que essas notas

introdutórias não pretendem abranger a totalidade das referências indicadas, mas somente

apresentar algumas considerações iniciais. Trataremos, sobretudo, de textos já considerados

clássicos, expondo apenas algumas notas breves sobre as abordagens mais recentes, que estão

atualmente em circulação e instigam debates muito interessantes e revisões das formas de

análise das tradições orais guarani. (...)

Cadogan baseia grande parte da sua análise nas ñe’é porã tenondé (traduzidas

por ele como “primeiras belas palavras”), que são as rezas e os cantos que se referem ao

surgimento do primeiro Criador, à criação da linguagem humana, à comunicação de Ñande ru

11 http://pib.socioambiental.org/pt/povo/guarani-kaiowa

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com os pais das almas. Estes cantos e rezas, segundo Cadogan, são de grande valor poético e

filosófico, e, consideradas sagradas, são divulgadas apenas aos membros do grupo (1948:135).

No texto “Aves y almas de difuntos en la mitología guaraní y guajakí” Léon

Cadogan (1955) procura tratar de algumas figuras pouco conhecidas dos mitos guarani e

guayaki, mesmo reconhecendo o risco de empreender uma aproximação precipitada entre

sistemas distintos. É interessante observar que suas informações sobre a mitologia guayaki

oriundam de correspondência com Federico Mayntzhusen em 1927. Nesta cartas, havia

explicações a respeito de almas, palavra e alguns animais, tais como as aves. Para os Guayaki,

as almas estariam nas nuvens e se manifestariam através do ruído que vem antes de uma

grande tempestade. Seriam acompanhadas de uma ave. Cadogan compara o termo ayvu com

aïbu, explicitando que este significa “ruído secreto”, aquele que se liberta de dentro da árvore

quando esta está próxima a cair (1955:149-150). Cadagon também teve oportunidade de

conversar com um índio Guayaki que tinha contato com os Guarani. Nesta ocasião, ele

perguntou sobre uma nuvem grande e ouviu como resposta que lá viviam os mortos junto com

uma ave. O mesmo interlocutor revela para Cadogan diferentes divindades que viveriam nessa

nuvem e que apenas certas pessoas, como o cacique, teriam condições de se comunicar com

os seres que lá habitam, mas que também se movimentam entre esse lugar e a terra. Ele

também destaca que outras pessoas além do cacique seriam capazes de visualizar, por

exemplo, a ave que acompanha esses seres, embora não pudessem com eles se comunicar.

Cadogan pergunta a esse mesmo interlocutor se criaturas semelhantes habitam a selva, e

recebe como resposta que lá existiria um ser denominado Jakarendy, um homem muito

pequeno com pele branca, que possui arco e flechas e que faria as pessoas perderem o

caminho pela selva. Cadogan associa este ser ao Saci dos Mbya e explica que as palavras mbya

aka e jaka significam castigar ou repreender com violência e seriam constitutivas do nome do

deus da primavera, Jakaira Endy (hendy, rendy), que significaria “arder como uma chama”.

Cadogan, então, associa isso às informações de que dispunha para especular que em guayaki

significasse “queimar-se”.

Neste mesmo texto, Cadogan transcreve um mito sobre o urutaú ou cacuy, no

qual um homem, prestes a atingir aguyjé (traduzido como a perfeição) pediu à sua família

(todas mulheres) que fôsse ao campo recolher milho e porotos, mas que voltasse antes do sol

alcançar a zênite. A filha mais nova voltou a tempo, porém a mais velha ficou passeando pelas

fileiras de milho e porotos e se transformou em pássaro: Piri-taú (traduzida como enfeitiçada).

Ela se arrependeu da sua transformação e gritou: ‘morte desgraçada, morte desgraçada’,

conseguindo, com isto, acompanhar sua família, mas na forma do pássaro piri taú jú, - eterno e

indestrutível. Por isso, o piri taú que existe na terra seria apenas uma representação ou

imagem daquele que reside no paraíso. A esposa, que ficara de observar o sol e chamar as

outras na hora de regressar, dormiu sob uma árvore e se transformou em uru taú (traduzida

como ave enfeitiçada). Em guarani, essa ave se chama guaimingué (referindo-se a uma anciã

ou pessoa mais velha). Até hoje, essa ave observa o sol até se pôr e emite um canto, do sol

poente até o amanhecer. A irmã do homem, com um bebê de colo, foi colher porotos

roubados numa terra vizinha e foi transformada em veado. Como seu filho não tivera culpa,

ele foi transformado em Guachu Ja Eté, o verdadeiro dono dos veados. O pouco de impureza

que este continha tomou a forma de Andyra (nome dado ao Saci Mbyá) ou Guachu Ja Eté

Pyrongá, o ajudante do verdadeiro dono dos veados (1955:152).

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Ainda no que se refere ao papel de aves, na mitologia guarani mbya, Cadogan

destaca que a única ave associada aos difuntos seria a urukure’á (coruja), que, seria a mais

importante na sua mitologia, existindo desde os primeiros tempos. Cadogan lembra que numa

versão mbyá do mito dos gêmeos, um deus vem à Terra em forma de coruja e é preso numa

armadilha por uma moça, com quem concebe o pai dos Mbyá: Pa’i Reté Kuaray (traduzido pelo

autor como sacerdote de corpo brilhante) (idem:153).

Para enfatizar a relação entre essa ave e os mortos, nos textos míticos, Cadogan

reconta o relato de um rapaz que fez uma viagem longa e faleceu. Nisso, uma coruja foi até a

mãe dele e esta lhe perguntou a respeito do seu filho ausente. À noite, o filho morto apareceu

à mãe advertindo-a a não interrogar mais a coruja a seu respeito. Na próxima vez que a ave

apareceu, a mãe voltou a lhe perguntar, sendo advertida em sonho, mais uma vez, a não

interrogar a coruja, mas ela interrogou pela terceira vez e caiu morta.

O mesmo autor nota que nas narrativas míticas apapokuva, compiladas por Curt

Nimuendaju em Religión de los Apapokuva-guaraní, as almas das crianças a caminho da “Terra

sem Mal” teriam que passar com muito cuidado pela morada de Añay para não despertá-lo,

caso contrário ele as devoraria. Em seguida, precisariam passar pela coruja que, sendo

crianças, permitiria sua passagem. No caso das almas dos adultos, entretanto, caso

conseguissem passar pela morada de Añay, a coruja gritaria para chamar todas as almas dos

outros defuntos que rodeariam a alma recém-chegada como parente ou amiga e não a

deixaria passar.

Em “Chonó Kybwyrá: Aves y almas en la mitologia guaraní”, texto apresentado

por Cadogan (1967/68) como aprofundamento do texto acima mencionado (1955), Cadogan

identifica os Guayaki como primitivos Guarani e faz referência a estudos publicados por Susnik,

na década de 1960, sobre os Guayaki. Susnik trata de Chonó – traduzido como deus dos raios e

trovões –, assim como dos seus pássaros acompanhantes, como é o caso do beija-flor,

apontado como agente de atos de vingança. Para Cadogan, haveria uma relação entre Chonó,

o beija-flor e a alma humana.

É neste ponto que Cadogan apresenta uma “teoria das almas”, sugerindo que os

Guarani conceberiam cada ser humano como portador de duas almas: uma espiritual e outra

telúrica. Cadogan assinala uma dualidade da alma, tanto para os Guayaki, como para os

Guarani. Para os Guayaki a alma telúrica é iãvé, para os Guarani, angué, que tem em sua raiz o

atributo de estar ou erguer-se. Essa alma, após a morte, pode se transformar num espírito

perigoso que forçaria a população a se retirar de um local após a morte de um parente adulto,

ao passo que a alma espiritual ascende para o paraíso celeste, se tornando barendy, traduzido

pelo autor como um “ser iluminado” (1967/58:141).

Para o mesmo autor, enquanto a alma espiritual dos Guarani (Mbyá, Chiripá e

Kaiova) faz referência à linguagem, para os Guayaki, a alma se refere a ové ou ovwé. Cadogan

explixa que vé é um sufixo que indica passado ou conseqüência de, assim como o sufixo

Guarani kué. Nesse sentido, Cadogan, assinala o significado do termo ové como o resultado ou

a conseqüência de se ter existido (1967/68:141-2). Apesar de reconhecer a noção bíblica de

que “no princípio era o Verbo”, Cadogan enfatiza que a relação entre palavra e “alma

espiritual” é uma noção propriamente ameríndia e não deriva do contato com os

conquistadores europeus.

No seguinte trecho, Cadagon resume as analogias e diferenças entre as “teorias

de almas” guarani e guayaki:

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Em síntesis, podemos decir que hablar y alma espiritual son

sinónimos em Guaraní, y la palabra empleada para expresar ambas

ideas es um derivado de la misma raíz de la que se derivan los

vocablos empleados tanto em Guayakí como em Guaraní para

designar al nombre personal de um ser humano. Pero, aunque el

común origen de nombre personal em Guayakí y em Guaraní es

evidente, existiendo además em ambas lenguas estrecha relación

entre nombre personal y salud, y siendo evidente también la relación

entre el cambio de nombre del Guaraní enfermo y la ‘carencia de

cuerpo-nombre’ del Guayakí, evidente también el común origen de

iãvé y angué, el alma telúrica de Guayakí y de Guaraní

respectivamente, aquí terminam las analogías: los vocablos

empleados por el Guaraní para designar el ‘alma espiritual’ y

‘lenguaje humano’ son idénticas; pero em Guayakí la palabra o-vé

empleada com el mismo significado de alma espiritual, encierra el

concepto de resultado de haber existido. (1967/68:142-3).

Para Cadogan essas aproximações e diferenças entre as duas línguas se devem à

possibilidade de que quando desmembraram os dois grupos, já havia a consciência entre eles

de uma condição semelhante aos animais na emissão de ruídos, o que contribuiria para a

elaboração de categorias próximas e, também, havia uma relação entre o nome pessoal e a

saúde. No entanto, ele acredita que os Guayaki, ao contrário dos outros grupos guarani, não

continuaram sua “evolução” e processo de semisedentarização, que permitiu a esses outros

grupos a formação de classes especializadas, como a dos sacerdotes, que dada a abundância

de alimento, teriam tempo para se dedicarem à reflexão e à elaboração de um sofisticado

sistema mítico-religioso com um vocabulário específico correspondente. Cadogan associa o

desenvolvimento do pensamento mítico-religioso guarani às reflexões metafísicas dos

sacerdotes e lhes reserva um lugar entre os filósofos de outras culturas.

Na tentativa de ampliar as possibilidades de comparação entre os diferentes

grupos identificados como Guarani, Cadogan procura entender o lugar do “trovão-raio” nessas

mitologias, a começar pelas narrativas kaiova, segundo informações apresentadas nos cantos

recolhidos pelo General Marcial Samaniego em 1956.

Nestes cantos, o “Grande Avô” teria criado o universo utilizando-se dos trovões e

rodeado pela luz estrondosa dos raios. O Grande Avô pensava na sua futura morada e

procurava um lugar radiante para se sentar e fazer seu trono “para sentarse con su propia ley,

con su propia luz, con sus propios truenos” (Samaniego apud Cadogan, 1967/68:134). Cadogan

menciona que um homem Kaiova teria dito que o beija-flor seria um mensageiro desse Grande

Avô, acompanhando-o desde a criação do mundo e, atualmente, trazendo mensagens que os

xamãs seriam capazes de interpretar.

Haveria, aqui, segundo Cadogan, uma analogia com as narrativas míticas dos

Chiripá. Neste caso, o mainó (beija-flor) seria companheiro e conselheiro dos xamãs. A mesma

ave cuidaria das “palavras-almas das crianças”, atenta para que elas não se extraviassem

quando os pais se ausentassem do lar, pois, corre-se o risco de que as “palavras-almas” das

crianças acompanhassem os pais e se perdessem pelo caminho. Cadogan faz referência ao

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costume de colocar uma rama ou flores numa bifurcação, para que o beija-flor possa seguir o

casal que deixa uma criança pequena.

O mesmo autor lembra que, entre os paraguaios não indígenas, o beija-flor é

identificado como ave que traria notícias sobre as almas das crianças que morreram antes de

completarem doze anos de vida. Neste caso, além de estar associado às almas de crianças, o

beija-flor também permitiria a comunicação entre os vivos e os mortos, apontada, no texto

anterior (1955), como atributo específico da coruja nas narrativas míticas mbya.

Cadogan (1967/68) chama a atenção para o fato de que em Guayaki minó significa

também neto, podendo indicar alguma relação com o beija-flor (mainó). Em Mbya, minó

também é usado para designar o neto. Cadogan lembra que nos mitos kaiova referentes à

criação do universo o “Grande Avô” estava acompanhado do beija-flor e especula se isso não

remeteria a uma relação de parentesco entre avô e neto.

Na tentativa de explorar as possibilidades de comparação, Cadogan remete à

figura do beija-flor na mitologia bororo, tratada nas Mitológicas de Lévi-Strauss e entre os

Aztecas, para quem essa criatura repousaria anos no paraíso dourado para depois assumir a

forma de beija-flor. Na mitologia de povos indígenas norte-americanos, o trono celeste

também seria habitado por aves.

No texto “En torno de la aculturación de los Mbyá-Guarani del Guairá” (1960),

centrado no problema da aculturação, como parte considerável dos estudos guarani desse

período, Cadogan faz várias alusões à mitologia guarani, na tentativa de traçar relações entre

mito, história e relações interétnicas. Aqui nos interessam apenas as reflexões que este autor

elabora em torno da mitologia e não suas considerações sobre as relações interétnicas.

Cadogan conta que seus interlocutores explicavam que no princípio da

humanidade havia três grupos: os Guayaki, os Guarani e yvypó amboa’é (os estrangeiros

europeus). Estes três grupos são também conhecidos como ñarukã ypy (costelas originárias);

ñarukã mbyté (costelas do meio) e ñarukã kyryu (costelas moles), o que, segundo Cadogan,

remeteria ao mito bíblico de gênesis.

Neste texto, é identificado como lugar de surgimento dos Mbyá Yvy Mbyté (o

centro da Terra), reconhecido como parte do Departamento de Guairá. Foi neste lugar que

Kuaray, o irmão mais velho do ciclo dos gêmeos míticos e pai dos Guarani, foi engendrado por

Nhanderu e uma mulher (ñande jaryi). Cadogan afirma que os rezadores guarani conseguiriam

ver as pegadas desta mulher nas areias de onde a água brota no centro da Terra. Para

Cadogan, este é o “Jardim de Éden Guarani”, onde encontra-se a palmeira eterna onde moram

os progenitores dos Guarani (1960: 133-4).

Uma das narrativas mbya, coletada por Cadogan, conta que quando os

estrangeiros chegaram, havia dois grandes caciques: Guairá e Paraguá. Guairá se negou a se

misturar com os estrangeiros, mas Paraguá fez um acordo com eles e desta união surgiram os

juruá (paraguaios). Cadogan afirma que os Chiripá e os Paí também contam versões deste

mito.

A certa altura do texto, Cadogan transcreve a narrativa de um informante que ele

descreve como “un mbyá mui aparaguayado” (1960:143), segundo o qual havia uma moça

muito bonita que tinha vários pretendentes, mas que não lhes prestava atenção, dedicando-se

com fervor à dança e à reza. Na véspera de adquirir aguyjé (traduzida em vários textos por

Cadogan como “plenitude”), ela aceitou dormir com um dos pretendentes e amanheceu

transformada em Cedrela fissilis, árvore que é muito cobiçada pelas madereiras, assim como a

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moça era pelos rapazes. Esta narrativa sobre a origem da árvore, que pelos mais antigos é

chamada de yvyrá ñamandú, árvore criada por Ñamandu (uma das divindades guarani), é

interpretada por Cadogan como uma espécie de sacrilégio, que seria uma transformação

resultante do contato dos Mbya com os paraguayos.

Cadogan afirma não haver grandes diferenças entre a religião guarani e a religião

dos campesinos paraguaios. A grande diferença estaria na crença cristã de um ñande jara

(nosso dono), pois para os Guarani, todas as coisas teriam seu dono, menos os homens e os

deuses. Outra diferença estaria no lugar reservado aos sacerdotes, pois o cristão precisaria de

um sacerdote como intermediário para chegar ao céu, enquanto o Guarani não precisaria de

ninguém para chegar à Terra sem Mal. Cadogan também destaca que a filosofia ocidentalizada

do paraguaio se diferencia da filosofia guarani, cujo centro de referência estaria no além

(1960:149-150).

Num texto anterior, “La encarnación y la concepción; la muerte y la resurrección

en la poesía sagrada “esotérica” de los Jeguaka-va Tenondé Porã-gue (Mbyá-Guarani) del

Guaíra Paraguay”, Cadogan (1950) expõe algumas considerações a respeito do etnônimo:

Mbyá, explicando que é usado pelos Guarani para designar aqueles que são índios, porém não

pertencem ao mesmo grupo. No mesmo sentido, ele aponta que o termo Ka’y gua, também

empregado para designar os Guarani, é entendido por eles como depreciativo e faz referência

aos habitantes da selva, no que diz respeito ao adentramento deste grupo no mato, quando

fugiam do contato com os espanhóis. Portanto, Cadogan se refere a esse grupo guarani como

Jeguaká-va Tenondé Porã Güé í, entendendo esta como uma forma de autodenominação.

Cadogan defende que a religião dos Jeguaká-va Tenondé Porã Güé í

contemporâneos é, em termos gerais, idêntica aos dos antigos Guarani antes da Conquista, e

centra o texto no papel dos heróis divinizados na concepção (envio à Terra) de “palavras-

almas” (nhe’eng), conforme sua análise das narrativas míticas guarani. Cadogan explica que

tais heróis são aqueles que conseguiram alcançar o paraíso sem passar pela prova da morte.

Um destes heróis, Karaí Ru Ete Mirĩ, envia almas para encarnarem na terra, mas os demais

heróis, segundo os relatos colhidos por Cadogan, embora também pudessem fazê-lo, não o

fazem.

No texto “Las creencias religiosas de los Mbyá-Guaraniés”, Cadogan (1949)

também falou desses heróis divinizados na mitologia mbya, num exercício comparativo com

outras mitologias de povos ameríndios. Para este autor, o culto a esses heróis evidencia uma

das principais diferenças entre os Mbya e os Apapokuva, e, ainda:

Existen, sin embargo, diferencias de fundamental importancia entre

las versiones de los dos mitos si se los analiza a la luz de lo expuesto

por el Dr. Canals Frau en ‘Prehistoria de América’: el Creador

apapokuva se retira a una aparente inactividad después de haber

creado la tierra, hecho su chacra y engendrado a los gemelos quienes

ha de proseguir su obra. El Creador mbyá-guaraní, en cambio, crea

primeramente el fundamento del lenguaje humano - Ayvú Rapytá -;

los cuatro grandes dioses: el del sol simultáneamente con el astro; el

dueño del fuego; el dueño de la neblina vivificante; y el dueño de las

aguas. Luego crea la Primera Tierra - Yvy Tenondé -; un insecto, un

ave, una serpiente y un animal; imparte instrucciones minuciosas a

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sus lugartenientes y desaparece. Reaparece posteriormente para

encargar la creación de una nueva tierra - Yvy Pyaú - en reemplazo

del mundo que ha desaparecido, destruído por el Diluvio. (...) De lo

expuesto, a mi entender, puede inferir-se que en los mitos mbyá

debe buscarse la confirmación de la hipótesis de Nimuendaju según

la cual el Culto Solar sería la piedra angular de la religión apapokuva

(...) Creo que demuestran también que la definición del Dr. Canals

Frau de la religión de las altas culturas americanas - aplicable

también a las religiones de las clásicas culturas del Antiguo Oriente -

podría emplearse para definir la religión profesada en la actualidad

por los Mbyá-guaraníes del Guairá; v.g., que la figura central de su

teogonia es una divindad solar íntimamente ligada al politeísmo

(1949:681-2).

Sobre Ñanderu Papa Tenondé e Ñamandu Ru Ete, Cadogan (1960) sugere que

sejam a mesma divindade, relacionada ao sol, e figura central na teogonia guarani. Para o

mesmo autor. No verso: “Se da asiento al ser que alegrará a los bien amados, O ñe-mbo-apyka

porã güé í rembi-rerovy’á rã í”, Cadogan sugere que as almas sejam enviadas à Terra para

alegrarem os humanos.

Em texto anterior (1948), Cadogan conta que Ñande Ru Papa criou quatro grandes

seres: Karaí - deus do fogo e sua esposa Kerechú; Jakairá - deus da primavera com sua esposa

Ysapy; Ñamandú - deus do sol com sua esposa Jachuká; Tupã deus da chuva, do trovão e do

raio e sua esposa Para. Estes quatro seres e suas esposas têm o nome de “i puru’ã ey va’e”

(traduzido pelo autor como: os que carecem de umbigo, o que significa que foram criados e

não engendrados). Seus numerosos filhos, porém foram engendrados e possuem umbigo.

Estes quatro seres são encarregados de enviar almas masculinas e femininas à Terra para que

se encarnem nos corpos das criaturas que nascerão, por isso são conhecidos como Ñe’é Ru Eté

e Ñe‘é Chy Eté, “os verdadeiros pais e mães das palavras-almas” (1948: 133-34).

Assim sendo, nos Avyu Rapyta, cantos recolhidos e traduzidos por Cadogan,

Ñanderu Papa diz aos verdadeiros pais das almas (ne’eng ru ete) que enviem à Terra uma alma

para encarnar-se e tornar alegres os portadores das insígnias masculinas e femininas, Jeguaká-

va porã güe í e Jachuká-va porã güé í. Os “verdadeiros pais das almas” falam à alma (que será

enviada) que vá à Terra, mas não se esqueça de sua origem, da morada dos deuses. Ela é

advertida dos males da terra, diante dos quais deverá demonstrar coragem, força e

perseverança.

Cadogan descreve que, desde constatada a gravidez, são cantados versos

específicos que falam da relação da “palavra-alma” com os deuses e dos deveres dos pais.

Após o nascimento e um período de reclusão inicial, a criança é levada para ter seu nome

revelado. Cadogan diz que não há um prazo específico para que isto ocorra, podendo ser nos

primeiros meses de vida ou quando a criança já anda. Nesse caso, a mãe leva a criança para

aquele que lhe revelará o nome e diz: “Mi hijito ya está entre la gente; porque quiero escuchar

su nombre lo traigo (I katú py ma oikó memby í; e-ry a endú ché ma vy a ru)”. O Karaí (xamã),

então, responde: “Hemos de escuchar su nombre (E-ry ña endú va’erã)”, e fuma o cachimbo

na opy (casa de rezas), reza e canta para se comunicar com os deuses e averiguar a

procedência da palavra-alma que se encarnou na criança. Após relatar como os deuses

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procederam e falaram durante a concepção dessa palavra-alma, pois os deuses se envolveriam

numa discussão para decidir qual deles enviaria uma palavra-alma à Terra, o Karaí (xamã)

sopra fumaça sobre a cabeça da criança e diz à mãe o nome, que lhe fora revelado. Cadogan

conta que isso tudo pode levar vários dias (1950:238-39).

Em texto anterior (1948), Cadogan relata uma narrativa que descreve a destruição

do primeiro mundo e a criação do segundo mundo. Ele escreve que a primeira terra, yvy

tenondé, foi destruída por um dilúvio e todos os humanos virtuosos, livres de tekó achy,

ascenderam ao céu, enquanto os que haviam errado foram transformados em insetos, aves,

répteis e outros animais e também ascenderam ao paraíso celeste (1948:134).

Um filho do deus Jakairá (identificado por Cadogan como o deus da primavera),

Ysaup-í, refez a terra e a povoou com imagens (ta’angá) dos habitantes das regiões celestes. Os

Mbyá seriam descendentes diretos de uma mulher que vivia no centro da terra, yvy mbyté

(Guairá) e de Ysaup-í, filho de Jakairá.

Neste mesmo texto, Cadogan fala de uma versão mbya do mito dos gêmeos, mas

enfatiza que, embora Pa’í Reté Kuaray e Jachy-rã sejam irmãos, eles não são gêmeos, e o

segundo foi criado pelo primeiro para acompanhá-lo em suas tarefas: a criação de abelhas

melíferas, livrar a nova terra de espíritos maus e deixar aos Mbya um código para reger sua

vida. Cadogan acredita que estes irmãos não se encaixam perfeitamente no mito dos gêmeos,

pois os gêmeos representariam para os Mbya a encarnação de duas almas más (ñe’e ngaí o-

mo-pyrõ va’e kue Mba’é Pochy) enviadas por Mba’é Pochy (traduzido por Cadogan como

“demonio”) com permissão dos deuses para castigar uma relação que não lhes agrada

(1948:138).

O texto “Apontamentos sobre os Guarani” escrito por Nimuendaju na primeira

década do século XX, originalmente em alemão, só foi traduzido e publicado após a morte do

autor. Ele traz informações não-sistematizadas, mas parece ter servido de esboço ao texto

“Die Sagen von der Erschaffung und Vernichtung der Welt als Grundlagen der Religion der

Apapocúva-Guarani” publiado em 1914 na revista Zeitschrift für Etnologie.

A tradução, a organização e notas do texto foram feitas por Egon Schaden em

1950. A edição consultada é de 1954. Conforme sua introdução esclarece, Schaden dividiu o

texto em quatro partes: iniciando-se com as migrações empreendidas pelos Apapokuva entre

1830 e 1904, descritas por Nimuendaju em 1908; a segunda parte, “Acontecimentos vários”,

relata episódios de relações entre pessoas indígenas e não-indígenas e descreve o nimongarai

no qual Nimuendaju foi “adotado” pela comunidade; a terceira parte conta sobre práticas

xamanísticas; a última seção é “Mitologia e crenças religiosas”, seguida por apêndices que

contém uma genealogia e um mapa de migrações dos Guarani pelo território paulista, além

das notas do próprio autor e notas de Schaden. É esta quarta seção que mais nos interessa

para a discussão das narrativas míticas guarani.

Nimuendaju inicia o capítulo dedicado às narrativas míticas, relatando algumas

versões do mito dos gêmeos, contados pelos Guarani. Ele diz que nesse tempo mítico, o

mundo era como o céu, e tudo que se plantava crescia sem o menor esforço. U’a (Yva) morava

com três homens, mas, um dia, dois foram embora e ela ficou apenas com um, que era

Nianderu. Ela ficou grávida de gêmeos. Nianderu foi plantar milho e mandou a mulher colhê-lo

no dia seguinte, mas ela não acreditou que já haveria milho, então ele, aborrecido, foi embora

para não voltar mais. Na encruzilhada ele fechou o caminho, deixando algumas penas de arara.

Quando a mulher foi atrás dele, vendo que o milho de fato crescera, ela chegou à encruzilhada

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e perguntou para o filho, na sua barriga, qual caminho deveria seguir. O filho indicou o

caminho certo e, mais adiante, pediu para a mãe apanhar umas flores. Assim aconteceu outras

vezes, até que a mulher foi picada por uma vespa e brigou com o filho, dizendo que ele nem

havia nascido ainda, então não tinha motivo para recolher flores. Quando perguntou o

caminho de novo para o filho, ele lhe indicou o caminho errado, onde havia Jaguá (uma onça),

que a devorou, mas levou os gêmeos para casa

para prepará-los de modo especial. No entanto, ela não conseguia prepará-los

para o consumo, então, ela resolveu criá-los e chamou o gambá Mbycu para amamentá-los.

No início o gambá achava que não daria certo, porque era muito fedida, mas se lavou e

amamentou os gêmeos, que lhe deram a capacidade de parir sem sentir dores, ao contrário

dos outros animais.

Nianderequey (nosso irmão mais velho) cresceu rápido e esperto, mas Chyvyi (o

irmão mais novo) era pequeno e não parava de reclamar pela mãe. Eles aprenderam a caçar e

caçavam aves para a onça, mas sempre obedeciam ao seu conselho de não se aproximarem de

determinado lugar. Ao se aproximarem desse lugar, encontraram um jacu que Nianderequey

acertou com uma flecha. A ave sugeriu que ele fosse falar com o papagaio que lhe contaria

uma história, mas ela não falou mais nada, porque jacu não pode falar muito e tem voz como

gente papuda. Nianderequey curou o jacu, mas até hoje ele tem uma mancha vermelha no

pescoço. Ao encontrar o papagaio, este começou a falar logo, pois é um grande falador e

perguntou por que os gêmeos matavam as aves para levar à onça que matou sua mãe,

deixando seus ossos expostos no caminho (caminho este que a onça os proibira de percorrer).

Os gêmeos encontraram os ossos e começaram a chorar. Nianderequey conseguiu reunir os

ossos e formar o corpo com terra, mas Chyvyi atrapalhou quando impacientemente lançou-se

sobre a mãe para mamar.

Nimuendaju conta que em outra versão, Nianderequey conseguiu terminar e

ressuscitar a mãe, mas Chyvyi atrapalhou, impedindo-o de terminar um dos seios, por isso até

hoje os seios das mulheres seriam desiguais.

Em seguida, os irmãos recolheram bastante pitanga e Nianderequey fez uma

ponte que pudesse ser virada com facilidade. No rio, sob a ponte, Chyvyi jogou muitas folhas e

galhos; as folhas se transformaram em peixes e os galhos em jacarés e sucuris. Eles

convenceram Jaguá a ir até o lugar buscar mais pitangas e ela chamou todos seus parentes. Os

gêmeos conseguiram derrubar quase todas as onças no rio, menos a jaguatirica que ficou

desconfiada e escapou, junto com os dois filhotes que carregava na barriga.

Nimuendaju também registrou uma narrativa que conta de um velho gigante, às

custas de quem os gêmeos se divertem muito com a ajuda dos cuatis que Nianderequey criou

para este fim. Ele morreu quando os gêmeos, pintados de urucum, convenceram-no a se

submeter a uma operação para conseguir se adornar. Eles tiraram toda sua pele e esfregaram

um pó ardido nas feridas, de modo que ele morreu de tanta dor. Em outra versão, o gigante

costumava lavar os órgãos sexuais numa lagoa e, quando Nianderequey espalhou um pó

ardido na água, o gigante morreu de tanta dor. O gigante tinha duas filhas que os gêmeos

tomaram como mulheres. Para manter relações com elas, Nianderequey usou um pênis

talhado em madeira, mas Chyvyi não teve o mesmo cuidado e ficou doente, por isso até hoje

existem as doenças venéreas.

Depois, os gêmeos resolveram procurar o pai e andaram muito até chegarem ao

primeiro céu onde estava Nianderu. Chyvyi quis ficar, mas Nianderequey disse que talvez

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aquele não fosse o pai deles. No segundo céu, encontraram Cheruvuçu. Chyvyi ficou lá, mas

Nianderequey continuou e, como ele não retornou, acredita-se que ele tenha ficado no

terceiro céu.

Nimuendaju afirma que o senhor do terceiro céu é pouco mencionado pelos

Guarani e ele só ouviu seu nome uma vez, não lembrando se seria Cherumbaecuái. Schaden

afirma em nota que numa versão mais completa do texto, Nimuendajú só faz referência a dois

céus com seus respectivos senhores: Nanderuvuçú (nosso pai grande) e Nanderú mbaecuá

(nosso pai conhecedor das coisas). Schaden acrescenta que a concepção de vários céus

sobrepostos é comum entre muitos grupos guarani.

No relato de outra narrativa mítica, identificada como “As manchas da lua”,

Numuendaju escreve que havia um grupo de moças e moços que não se conheciam e, quando

resolveram que dormiriam juntos pela primeira vez, tiveram medo. As meninas se deitaram no

rancho enquanto os rapazes ficaram do lado de fora cantando e batendo o pé, tentando criar

coragem. Depois, cada um se juntou à sua companheira, sem reconhecê-la, mas um homem

quis saber quem era a moça com quem se deitara e várias vezes perguntou seu nome, sem

receber reposta, então ele deixou uma mancha de barro no rosto dela. Antes de amanhecer,

os homens voltaram para a fogueira, do lado de fora e conversaram, comentando que não

teriam como reconhecer suas companheiras. Apenas um afirmou ter certeza de que a

reconheceria, mas, quando as moças saíram, todos perceberam que ele tinha dormido com a

própria irmã. Assim, Nianderu e Jacy (irmão e irmã) andam juntos pelo céu, mas Nianderu

desaparece quando aparece o rosto manchado da irmã.

Em nota, Schaden conta que versões deste mito são conhecidas entre várias

populações indígenas e caboclas e que ele mesmo conheceu uma versão muito diferente do

mito com Poydjú (Capitão Maneco) do P.I. Curt Nimuendaju. Nesta versão, o Djasy era um

homem a quem cabe a tarefa de mandar a chuva e que ele não é irmão do sol (Nhanderu). Na

versão que o capitão Maneco conta, Djasy tinha uma irmã com quem ele dormiu. Mas a irmã

não sabendo quem era, passou a tinta de uma fruta no rosto do irmão para reconhecê-lo no

dia seguinte. A fruta seria genipapo (nhandypá). Schaden cita uma versão relatada por

Nimuendaju em trabalho posterior em que este afirma que a lua e o sol são irmãos, filhos de

Nianderú Mbaecuá. Ele conta que a lua “levada por impulso homosexual” visita o irmão onde

ele dorme, mas este não o reconhece. Na noite seguinte, mancha o rosto do visitante

misterioso para reconhecê-lo e descobre que é seu irmão mais novo. Então, Nianderuvuçú

mandou ambos para o firmamento, colocando a lua para iluminar o dia e o sol a noite, mas a

lua era muito quente e queimou tudo, então trocaram de lugar.

No livro Aspectos fundamentais da cultura Guarani, publicado por Egon Schaden

em 1962, existe a preocupação constante com as relações interétnicas, no que ele identifica

como pertinente aos processos de aculturação. São poucas as referências à mitologia e esta,

por sua vez, também é interpretada de acordo com o que o autor percebe como influências do

“contato”: “A posição atual do mito no conjunto da concepção do mundo guarani está, pois,

estreitamente ligada às transformações culturais e sociais decorrentes do contato com a

civilização.”(1962:175).

Neste sentido, Schaden afirma que os Guarani imaginam a “Terra sem Males”

como uma terra ideal em que se realizam os desejos que neste mundo não são satisfeitos.

Segundo o autor, os Guarani contemporâneos identificariam esta terra ao restabelecimento

dos seus costumes e modo de vida anteriores à chegada dos europeus, atitude análoga, para

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Schaden, à dos profetas da Ghost Dance Religion norte americana. “Este traço revela que a

situação de penúria cultural decorrente dos contatos culturais já se firmou como problema na

consciência coletiva”(1962:161).

Mais adiante, seguindo a mesma orientação teórica, Schaden conta que a

situação de contato teria alterado a função social dos mitos: “Assim, nos últimos anos, a

penetração de colonos civilizados, brasileiros e europeus, nas matas pertencentes aos Kayová,

provocando ou exacerbando um estado de penúria cultural, transformou o mito numa força

de expressão social. Cabe-lhe a função de auxiliar os índios a superarem psiquicamente a

insegurança e a situação de crise.”(idem: 174). Nisso, o autor entende que a tentativa de

imediata realização do ‘sonho mítico’ (ativação do mito) se associa a situações de crise,

resultando em possíveis transformações e inversões de determinados aspectos dos mitos.

No texto “Educação indígena”, publicado pelo mesmo autor em 1974, Schaden

afirma que os “valores morais, doutrina religiosa, crenças mágicas e idéias míticas” se

transmitem em grande parte pela convivência entre gerações. Em alguns grupos há o que ele

define como um ensino formal nos ritos de iniciação ou na preparação de xamãs ou chefes de

aldeias, mas em geral, Schaden afirma que a aprendizagem se dá através da participação na

vida dos adultos. No caso dos Guarani, Schaden conta que as crianças aprendem os cantos e

danças pela participação nos rituais. “Sem esforço nenhum, aprendem assim os textos e as

melodias. E muitas vezes ouvem a narração dos mitos tribais, cujos episódios conhecem em

todos os pormenores”(1974:12).

Na mesma década de 1970, Hélène Clastres (1978[1975]) contesta a preocupação

dos estudiosos da aculturação em tentar estabelecer a “pureza” ou a influência do contato

sobre diferentes aspectos da “cultura guarani”, afirmando a necessidade de se conhecer os

significados e a importância dos diferentes aspectos da vida dos Guarani e sua história. Para

tanto, ela propõe um estudo da história guarani, retomando a leitura dos cronistas, para

explicitar o que podem nos dizer dos antigos Tupi e Guarani, e o estudo dos discursos dos

atuais Guarani para entender o significado que atribuem à Terra sem Males, tema que acredita

representar um elo entre os Guarani atuais e antigos. Em vez de partir dos atuais Guarani para

reconstruir sua história, tentando identificar mudanças e perdas, ela procura entender o

significado dos discursos sobre a Terra sem Mal no contexto histórico descrito pelos cronistas

para rever os discursos atuais sobre este tema, e, a partir disso, analisar em que medida os

significados e a importância deste tema mudaram. Sua abordagem não a impede de perceber

uma diferença nítida entre a condição dos Guarani antigos e os atuais, imaginando os

primeiros como livres e fortes, enquanto os atuais estariam morrendo, e refletiriam isso nos

seus discursos. Mesmo assim, Clastres percebe uma continuidade entre os Guarani antigos e

os atuais. A autora não fala em transformação, mas sim em deslocamento, pois o discurso

sobre a Terra sem Mal continuaria sendo um discurso crítico sobre a sociedade, dando

continuidade a uma preocupação tradicional, mas revelando uma atualidade afetada pelas

profundas mudanças que as sociedades guarani viveram. Haveria, portanto, um deslocamento

de foco.

Cronistas do século XVI, como Léry e Thevet afirmaram a inexistência de religião

entre os Tupi, percebendo a associação de Tupã a algo divino, como uma invenção européia,

pois o trovão, quando associado ao divino, era entendido como deus dos brancos, que

beneficiava a estes exclusivamente. Montoya, no entanto, suspeitou que tivessem mais a

conhecer da religiosidade guarani, ao descobrir que os índios faziam culto velado aos ossos de

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grandes xamãs numa casa escondida e distante onde os xamãs se comunicavam com os

espíritos. Tema que seria retomado por Cadogan na comparação entre os Guayaki e Guarani.

Quanto a interpretação dos cronistas de que os antigos tupi não tivessem religião,

Clastres considera que:

(...) negligenciou-se, simplesmente, de prestar alguma atenção às

crenças e à mitologia indígenas. Quando muito, são referidas como

curiosidades ou anedotas divertidas (Thevet); ou então, contenta-se

(Montoya) em advinhar nelas a obra do demônio, ou ainda em

perceber, mais ou menos deformada, a idéia de Deus: é necessário

que a pregação encontre um ponto para ancorar. A primeira razão

prende-se, pois, - como era de se esperar - a uma atitude

etnocentrista: a recusa de levar a sério as crenças indígenas. Mas isso

não é tudo, uma outra explicação acrescenta-se a esta: o próprio

caráter da religião tupi-guarani, apropriado a dissimulá-la para um

olhar ocidental. (1978: 20-21).

Convém lembrar que para Clastres, uma religião é “um conjunto de crenças” que

pode se expressar de múltiplas maneiras: expressão verbal (mitos, rezas, cantos); expressão

gestual (ritos, atitudes, comportamentos); expressão material (templos, objetos de culto,

representações figuradas das divindades). O que teria levado os cronistas a ignorarem a

existência de religião entre os grupos tupi-guarani seria a dificuldade de encontrar esses sinais

tangíveis nos quadros, ou lugares, em que esperavam encontrá-los.

Clastres afirma que os cronistas pareciam ignorar que a originalidade da religião

guarani estaria em não colocar uma ruptura irredutível entre deuses de um lado e homens do

outro, ou seja, não se tratava de uma teologia – um conjunto de saberes sobre os deuses.

Considerando a Terra sem Mal como lugar acessível aos vivos, situada, inclusive, em lugar

geográfico preciso, Clastres afirma que as práticas religiosas guarani visariam aproximar os

homens dos deuses, tornando-os semelhantes na sua condição de imortalidade. Assim, reduzir

a religião guarani a um discurso ou saber sobre os deuses seria, segundo a mesma autora,

distorcê-la pela imposição de uma lógica alheia que ressaltaria um aspecto aparentemente

secundário. Clastres chega a sugerir que os Guarani tivessem criado uma religião atéia.

A mesma autora mostra que os cronistas Fernão Cardim, Léry, Claude d’Abbeville

e Yves d’Evreux não procuraram assimilar suas informações sobre a Terra sem Mal a crenças

cristãs, ao contrário do que se fazia com Tupã, Aña, etc. Para estes cronistas, tratava-se de um

paraíso pagão. Talvez porque mais parecesse uma vida dionisíaca e por ser situada pelos

Guarani num local geográfico preciso, evitava-se esse tipo de comparação com a noção cristã

de paraíso.

A autora observa que o herói mítico não foi o único a haver chegado à Terra sem

Mal sem passar pela prova da morte e que vários personagens históricos também desfrutaram

desse poder. Ela concorda com Cadogan na suspeita de que seria assim que as tradições

guarani contariam a história de líderes religiosos que conduziram grandes migrações em busca

da Terra sem Mal.

Segundo a análise desta autora, o tema da Terra sem Mal continuaria central para

os Guarani contemporâneos, embora o sentido do discurso tenha se deslocado. Impedidos de

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empreender migrações em busca desse lugar, os profetas deixaram de ser homens de ação

para se tornarem homens de pensamento. Isto é, enquanto a mesma leitura filosófica ainda

fosse possível, a leitura sociológica teria alterado-se bastante. Pois, depois da violência com

que as grandes migrações foram recebidas, no começo do século vinte, apenas pequenos

grupos se puseram à procura da Terra sem Mal. E estes, reprimidos pelas autoridades públicas

paraguaias, que, a contragosto, se resignavam com índios sedentários, consideravam-nos

insuportáveis e incontroláveis quando em movimento pelo território. Neste sentido, Clastres

observa que:

Se o discurso religioso dos guaranis se modificou, é que nele reflete-se a

consciência do fim do seu mundo. Assim, vai consagrar-se a pensar na desgraça do seu destino

histórico. E é por recusarem um destino, que, contudo, sabem inelutável, que os mbiás

atribuem tanto valor à sua religião: ela permanece, assim como sua língua, o veículo pelo qual

podem ainda afirmar sua diferença, e isso explica que seja mantida secreta e ocupe um lugar

privilegiado na vida cotidiana. (1978:86).

Todas as fontes analisadas por Clastres atribuem aos Guarani e Tupi

conhecimento do “dilúvio universal”. A autora relata algumas versões desse mito, assim como

ele foi registrado por cronistas, e observa que à primeira destruição da terra se seguiu a

construção de uma diversidade natural ou geográfica: num ambiente uniforme, se instaurou a

diferenciação, com relevos e elementos físicos que se sobrepõem e se articulam. Quanto à

segunda destruição, se seguiu a constituição da diversidade entre as sociedades humanas. “A

ordem dos mitos sugere que a diversidade das culturas só podia surgir como conseqüência da

diversidade dos meios naturais. A primeira humanidade, tão achatada e uniforme quanto a

própria terra, só comparece como penhor do advento da única humanidade real, que se define

pela multiplicidade das sociedades.”(1978:25-6).

Cabe notar a ênfase e a interpretação que Clastres atribui aos discursos religiosos

e míticos dos Guarani, destacando, sobretudo, suas características e o papel da ayvu porä, por

ela traduzida como “bela linguagem” e ñe’ë porá, traduzida como “belas palavras” ou

“palavras enfeitadas”, com inúmeras implicações e desdobramentos. Transcrevemos o longo

trecho dos seus comentários a este respeito, lembrando que ela se baseia também em estudos

empreendidos por Léon Cadogan.

As belas palavras são as palavras sagradas e verdadeiras que só os profetas sabem

proferir; são a linguagem comum a homens e deuses; palavras que o profeta diz aos deuses

ou, o que dá no mesmo, que os deuses dirigem a quem sabe ouvi-los. Ayvu porã, a bela

linguagem (é assim que os mbiás designam o conjunto das suas tradições sagradas), é com

efeito a que falam os deuses, a única também que apreciam ouvir. Sua especificidade é

marcada por um vocabulário que lhe é próprio: certo número de termos que encontramos nos

ayvu porä e que traduzem noções abstratas (saber-poder criador; completude; força espiritual;

e outros) nunca são empregados na linguagem corrente e não possuem equivalente nesta; seu

sentido e uso são exclusivamente religiosos. Além disso, para nomear certo número de

objetos, a bela linguagem utiliza sempre metáforas e não os termos que designam

correntemente estes objetos. Assim, a fumaça do tabaco é a ‘bruma mortal’; ‘esqueleto da

bruma’ é o cachimbo; ‘florzinha do arco’, a flecha; ‘o que os vossos dedos afloram’ é a

expressão adotada pelos deuses para o trabalho de plantação. Diferente do registro cotidiano,

que se limita a designar as coisas, só a bela linguagem as nomeia.

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Ñe‘ë porä. Em guarani, o adjetivo porä qualifica o enfeite, a beleza do que é

enfeitado; não se diz belo um arranjo natural. As belas palavras: palavras enfeitadas. O que

são, efetivamente, de várias maneiras: a forma poética da composição; o arranjo sonoro das

palavras, já que a voz que as pronuncia redobra as vogais, como para acentuar sua

musicalidade; as metáforas de que se enfeita a linguagem. Ora, assim como o adorno é, para

os homens que o portam, o que revela sua condição verdadeira, da mesma forma o

ornamento da linguagem é necessário se quisermos falar com justeza. Aqui a metáfora não é

uma maneira de dizer que mascare o sentido das coisas; ela é a única maneira de dizer o que,

em verdade, são as coisas.

Dádiva dos deuses, as belas palavras nem designam nem comunicam só podem

servir para celebrar sua própria divindade. Pelo menos é o que o ‘mito’ mbiá dá a entender.

Nhamandu, o Pai Verdadeiro, o Primeiro, concebeu o fundamento da linguagem a partir de

uma parcela da sua divindade. (...) A linguagem destina-se ao canto, não ao conhecimento, e é

bela a palavra cuja destinação primordial é comemorar o sagrado.

Ñe’ë (= palavra, voz, eloqüência) significa também alma: ao mesmo tempo o que

anima e o que, no homem, é divino e imorredouro. Duas significações que o mito acautela-se

em não separar, pois esclarece que Nhamandu ergueu-se e concebeu a linguagem. A palavra, a

alma, é justamente o que mantém de pé, ereto, como está manifesto na idéia de que a palavra

circula no esqueleto. A ligação entre palavra, ser animado e verticalidade também é visível em

várias expressões em cuja composição entre o radical e (= dizer). Assim é que os espíritos

invocados pelo xamã, quando tenta restituir a vida a um moribundo, são chamados de eepya:

os que restituem o dizer. A expressão e-ry mo’ä, que no vocabulário religioso designa o nome,

significa ‘o que mantém ereto o fluxo do dizer’; e é somente quando a criança consegue ficar

de pé e começa a andar que lhe é atribuído um nome, mais exatamente, o nome que é seu e

marca a proveniência (leste, oeste ou zênite) da alma-palavra que se encarnou nela. Quando

Nhamandu Ru Ete concebeu as demais divindades - Caraí Ru Ete (leste), Jacaíra Ru Ete (zênite)

e Tupã Ru Ete (oeste) - conferiu-lhes o encargo das almas-palavras dos futuros homens; são

essas divindades, por essa razão, chamadas de Ñe’eng Ru Ete (pais verdadeiros das almas-

palavras) que o xamã invoca para saber de onde vem a alma da criança e qual é seu nome. Se

acontece que o xamã não descobre o nome da criança, é sinal de que nenhuma palavra se

encarnou nela e de que não sobreviverá. A morte é a perda da palavra; a alma, o princípio

vital, é e, o dizer. Essa idéia não deixa de evocar um costume dos antigos tupis relatado por

Gabriel Soares de Sousa: consideravam um doente como já falecido, e o enterravam, quando

não conseguia mais falar. Alma no sentido de princípio vital, sopro que anima e mantém ereto,

a palavra também é aquilo pelo que o homem participa da divindade, ele que foi enviado à

terra para ser seu depositário. (1978: 86-8).

A partir do fim da década de 1980, os estudos guarani se voltam com maior

ênfase para a questão da territorialidade (Melià, 1989; Ladeira, 1992 e 2001). Neste momento,

há a tentativa de associar a cosmologia guarani à territorialidade e derrubar a ideia difundida

de que se trata de um povo nômade sem vínculo com os espaços por eles habitados e

percorridos, algo que serviu de justificativa para a falta de uma política fundiária séria. É neste

sentido que Bartomeu Melià articula cosmologia, territorialidade e economia:

A busca da ‘terra sem mal’ e de uma ‘terra nova’ estrutura marcantemente seu

pensamento e suas vivências; a ‘terra sem mal’ é a síntese histórica e prática de uma economia

vivida profeticamente e de uma profecia realista, com os pés no chão. Animicamente, o

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Guarani é um povo em êxodo, embora não desenraizado, pois a terra que procura é a que lhe

servirá de base ecológica, amanhã como em tempos passados. Durante os últimos 1500 anos -

período em que as tribos Guarani podem se considerar formadas com suas características

próprias - os Guarani se mostraram fiéis à sua ecologia tradicional, não por inércia, mas pelo

trabalho ativo que supõe a recriação e a busca das condições ambientais mais adequadas para

o desenvolvimento de seu modo de ser. A tradição, neste caso, é profecia viva. A busca da

‘terra sem mal’, como estrutura do modo de pensar do Guarani, dá forma ao dinamismo

econômico e à vivência religiosa, que lhe são tão próprios. (1989: 293).

Maria Inês Ladeira (1992 e 2001) aborda a cosmologia e a territorialidade guarani

e as associa aos saberes e práticas que articulam essas duas dimensões. Ela percebe a força e o

sentidos que têm as narrativas míticas nas experiências e relações cotidianas dos Guarani

Mbya, e, neste sentido, a autora observa que:

A história mbya é resgatada cotidianamente. Sociedade oral por

excelência onde a retórica tem lugar de destaque, o conhecimento

das ‘belas palavras’, base dos ensinamentos, é o atributo mais

desejado. A conservação do saber e das tradições é valorizada

justamente pelo seu componente de oralidade. O desenvolvimento

ou aprimoramento do ser humano, do ser Mbya, passa pelo

aperfeiçoamento de seu discurso oral, pela penetração que este

pode alcançar no seio da comunidade. Leva-se ainda em

consideração (e neste caso se descartaria a necessidade da escrita)

que a sabedoria advém das revelações contidas nos sonhos, da

iluminação obtida por aqueles que, através da obediência às regras

ditadas pelos mitos, estão mais próximos de Nhanderu e do

conhecimento. (1992:66).

Ladeira destaca que um dos preceitos míticos contido na narrativa de Yvy

Tenondé (a primeira terra) é a manutenção do intercâmbio de informações entre os vários

grupos familiares, a despeito da grande extensão territorial onde estão localizadas as aldeias

mbya. E essa circulação de saberes se realiza de diversos modos, nas artes verbais, nos sonhos

(na atenção para suas mensagens, no seu relato e interpretação) e nas andanças. A mesma

autora lembra que estas formas de circulação de saberes estão prescritas nos mitos (idem: 66).

Quanto aos esforços empreendidos na busca por alcançar yvy mara ẽy, Ladeira

observa que, embora se trate de uma realização individual e sejam conhecidos casos de

pessoas que, tendo acessado as condições necessárias para alcançá-la, tiveram seu êxito

frustrado por tentarem levar consigo parentes que não estivessem nas mesmas condições, a

realização só é possível através do investimento coletivo na construção de tais vias de acesso.

Celeste Ciccarone (2001) associa as narrativas míticas guarani à corporalidade,

entendendo a linguagem mítica como metáforas da corporalidade (ou vice-versa). Estas

imagens são importantes para a proposta dela de entender o papel dos sentidos na percepção

e na circulação de saberes, assim como para pensar as relações entre as práticas

contemporâneas de mobilidade guarani e a importância do movimento (com diferentes

significações) nas narrativas míticas. A autora olha para o cotidiano dos Guarani e procura

articular as narrativas pessoais dos seus interlocutores à temática mais ampla do xamanismo e

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das migrações guarani, prestando atenção aos contextos e relações de produção dessas artes

verbais.

Deise Montardo (2004 e 2009) aborda as narrativas míticas guarani para entender

diferentes sentidos e práticas relacionadas à música, ao xamanismo e à produção de corpos e

pessoas guarani, lembrando que esses aspectos são complementares. Ela trata dos caminhos

guarani como espacialidade que permite a comunicação com as divindades, através de uma

mobilidade produzida na música que percorreria os eixos verticais e horizontais, que ligam as

aldeias divinas e as aldeias terrestres. A autora chama a atenção para as formas como a música

está presente nas narrativas míticas guarani, especialmente, nas narrativas referentes à

criação, aos gêmeos e ao dilúvio.

No texto “Uma antropologia da música Guarani”, Montardo (2004) observa que

através da condução de um(a) xamã, os participantes dos rituais cotidianos percorrem, com a

música executada em instrumentos recebidos do herói criador, caminhos que os levam ao

encontro dos ancestrais míticos. Ela lembra que:

O papel central da música já está colocado num mito guarani, no qual

a diferença entre índios e civilizados se dá diante do oferecimento,

por parte do herói criador, para ambos, do mbaraká (instrumento

musical) e do kuatia jehairä (papel para escrever), e pela opção do

índio pelo mundo sonoro e musical, quando escolheu para tomar

como seu o mbaraká, e do branco pelo mundo da palavra escrita,

quando escolheu o papel. Estas escolhas são recorrentes nas

mitologias das Terras Baixas, e na maioria dos grupos recaem sobre a

distribuição das armas, ficando os índios com o arco e flecha, e o

branco com a espingarda. (2004:79).

Montardo nota, todavia, que, embora nesta versão do mito a diferenciação esteja

atrelada à música, é importante observar que a escrita é entendida como recurso importante

na reivindicação por direitos. Ela destaca, no entanto, que a participação de um(a) xamã

nestes processos de reivindicação é considerada fundamental para dar eficácia e garantir o

êxito do trabalho.

No texto “Os filhos do sol: mitos e práticas dos índios Mbyá-Guarani do litoral

brasileiro”, Aldo Litaiff afirma que os jesuítas foram incorporados à cosmologia guarani como

xamãs:

Em outras palavras, estes missionários eram considrados pelos

Guarani como sendo poderosos xamãs, que haviam trazido uma nova

tecnologia, dentre outras vantagens. É interessante assinalarmos

aqui que, curiosamente, estes índios acreditavam nos poderes

sobrenaturais desses novos xamãs, assim como os próprios Jesuítas

acreditavam ter esses poderes. (2004:19).

Litaiff entende que os Mbya chamam de Kesuita ou Nhanderu Mirim esses antigos

Jesuítas por associação a Kuaray-Ru-Ete, divindade solar e o irmão mais velho que está

presente na versão mbya do mito dos gêmeos. De acordo com seus interlocutores, o Kesuita

era guarani, mas os não indígenas, por ciúme, contariam que eram padres não indígenas.

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Segundo Litaiff, o Kesuita é um personagem “mítico-histórico” que conseguiu atingir yvy mara

ẽy.

O mesmo autor observa, em consonância com outros autores que se ocupam das

relações entre cosmologia e territorialidade, que os lugares habitados pelos Guarani no

Paraguai, Argentina e Brasil são considerados referênicas históricas e mitológicas importantes,

vistos como espaços criados e nomeados pelos heróis míticos para serem ocupados por seus

filhos. Ele lembra que esses lugares estão dentro dos limites geográficos registrados pelos

primeiros cronistas. O autor chama atenção, não apenas para as aldeias, como também para

os pontos de parada e caminhos, destacados por Maria Inês Ladeira (2001) como

fundamentais para a noção de territorialidade guarani.

Como essa mesma autora, Litaiff comenta os processos de restrição e circulação

de saberes, principalmente, no que concerne a informações divulgadas a interlocutores não

indígenas. E, para estes dois autores (Ladeira, 1992 e 2001; Litaiff, 2004), os mitos são tidos e

vividos como referências para orientar as experiências e relações cotidianas, na convivência

entre parentes e também com os não indígenas.

Considerações Finais:

O objetivo deste texto foi apresentar alguns textos que trataram das narrativas

míticas guarani. Embora não constitua um conjunto exaustivo ou, tampouco, uma análise

aprofundada, trata-se de um retrato dessa produção bibliográfica, que permite, entre outras,

entrever as diferenças e aproximações de abordagens, em termos de período de produção,

condições de análise, ferramentas teóricas e metodológicas, assim como, uma transição de

foco e interesses. Este material, assim como as referências reunidas na lista que acompanha

este texto, convida análises mais detidas e pode instigar novas discussões e pesquisas

etnográficas, voltadas para as tradições orais guarani.

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4. A LÍNGUA GUARANI: MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS

A língua Guarani pertence à família linguística Tupi-Guarani, amplamente

distribuída nas terras baixas da América do Sul. As línguas Tupi-Guarani, como o próprio

Guarani e o Tupinambá, tiveram destaque no processo inicial de contato com os colonizadores

europeus, contribuindo para a formação das chamadas “Línguas Gerais” sul-americanas, bem

como do Português e do Espanhol regional.

Além do Brasil, o Guarani está presente no Paraguai, onde é uma das línguas

oficiais, Argentina, Bolívia e Uruguai. No Brasil, o Guarani se divide em três variedades

principais: o Nhadeva, o Mbya e o Kaiowá, as quais por sua vez também possuem sub-

variedades, cujas fronteiras, porém, não estão bem definidas seja para os próprios falantes,

seja para os linguistas. As variedades do Guarani são frutos de processos complexos de

identificação e diferenciação que são ora socioculturais ora linguísticos, ancorados na

concepção de que as variedades sempre existiram desde os tempos de criação da

humanidade.

O histórico do contato e as intensas lutas atuais por direitos nos estados nacionais

da América do Sul, por mais brutais que sejam, encontram como resposta dos Guarani uma

forte coesão social e valorização de seu patrimônio cultural e linguístico.De fato, um dos

elementos fundamentais da concepção Guarani sobre sua identidade é a visão de que o modo

de ser Guarani passa pela materialidade de conceitos e formas linguísticas que somente a

língua Guarani disponibiliza.

O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) aponta que até 2009 havia um total de

50 mil falantes no território brasileiro. Atualmente há ainda falantes monolíngues em Guarani,

mas o plurilinguismo tem predominância nos lares e comunidades, onde além de diferentes

variedades da língua Guarani são falados o Português, o Espanhol, e outras línguas indígenas,

como Kaingang. Segundo o projeto piloto Inventário da Língua Guarani Mbya, organizado pelo

Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística (IPOL) no âmbito da

política patrimonial do IPHAN para o reconhecimento da diversidade linguística do Brasil, a

língua Guarani Mbya é falada e retransmitida por 98% de sua população.

Vê-se que a língua é um elemento de resistência, integração social e

fortalecimento da identidade para os Guarani. Há, no entanto, diversos desafios que os

Guarani enfrentam para perpetuar sua língua e cultura na sociedade. Destacam-se,

principalmente, a necessidade de expandir o letramento e as práticas de escrita e leitura na

língua Guarani e as buscas de novos domínios culturais para a expansão da língua –

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especialmente aqueles de maior interesse para os jovens, como as novas mídias virtuais e

músicas modernas, como o rap.

Outras frentes importantes para o fortalecimento da língua Guarani são as ações

de valorização e proteção nos campos jurídico e patrimonial. No campo jurídico no Brasil, o

Guarani é considerada língua oficial para o trabalho no Mercado Comum Sul (MERCOSUL) e co-

oficial do Município de Tacuru no Mato Grosso do Sul e em Paranhos/MS está em tramitação o

processo de co-oficialização.

No campo patrimonial, criou-se no Brasil em 2010 com o decreto 7.387 o

Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL) com objetivo de identificar, documentar,

valorizar e promover as línguas faladas por populações formadoras da nação. O Guarani foi

uma das línguas contempladas por um projeto piloto que mostrou elementos importantes

para a política patrimonial linguística ao relacionar a realização de diagnósticos

sociolinguísticos com propostas de medidas de salvaguarda para a língua.

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5. OS GUARANI E AS FORMAS INSTITUCIONAIS OU ORGANIZACIONAIS

É sabido que desde a década que antecede a Constituição de 1988 a sociedade

civil no Brasil passa por período intenso de mobilização e organização demandando inclusive

direitos das chamadas minorias, dentre elas os povos indígenas. A partir de então, e

especialmente na década de 1980, foram criadas muitas instituições e associações não

vinculadas ao estado, tanto constituídas pelos próprios indígenas quanto por não-indígenas

que se propuseram a atuar junto a esses povos.

Este tópico buscou pois, indicar algumas destas organizações indígenas e

indigenistas que atuam junto aos Guarani no Brasil. Levando em conta porém, o número

crescente destas instituições e também as dinâmicas específicas de organização dos Guarani

no Brasil que não seria possível abordar aqui em sua merecida complexidade, a relação

apresentada é apenas um mapeamento inicial destas instituições.

a) Organizações nacionais, regionais dos Guarani no país.

Como mencionado anteriormente, não seria possível dar conta aqui das formas

de organização social Guarani em termos da constituição e mapeamento das suas associações.

Tanto porque não foi possível localizar algum mapeamento já realizado dessas associações,

quanto porque, especialmente as associações locais, surgem e se desfazem com certa

freqüência.

Mas primeiramente é preciso apontar que não há no Brasil uma organização ou

associação indígena que represente as diferentes parcialidades Guarani (Mbyá, Kaiowá e

Nhandeva) na sua totalidade.

Sabe-se que recentemente foi criado o Conselho Intercontinental do Povo

Guarani, que se propõe a articular lideranças Guarani dos diferentes países que se sobrepõem

ao território Guarani, entretanto, não é possível afirmar que, pela trajetória bastante recente

de constituição desta organização, ela se constitua em referência aos Guarani em termos de

representação.

De modo geral, seria possível indicar duas principais organizações de caráter

nacional dos Guarani no Brasil. Uma delas é a Aty Guasu, conselho ou assembléia

representativa do povo Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul, e a outra, a Comissão de

Terras Guarani Yvy rupa, que agrega por sua vez, associações regionais Guarani dos estados do

Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. As

organizações regionais, por sua vez são constituídas de uma série de associações locais, que

seria inviável mapear neste momento.

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Grande Assembléia Guarani Kaiowá Aty Guasu

O antropólogo Tonico Benites, indígena Kaiowá, narra em site do Pontão de

Cultura Guaicuru o processo de criação e organização da grande assembléia guarani e kaiowá

Aty Guasu. Nas suas palavras:

Como reação a esses atos truculentos dos fazendeiros e seus

capangas, emergiu na década 80 um movimento político pouco

conhecido no restante do país, a grande assembléia guarani e

kaiowá, Aty Guasu. O objetivo foi o de fazer frente ao processo

sistemático de etnocídio, a expulsão e dispersão forçada das famílias

extensas indígenas do seu território tradicional. Das Aty Guasu

participam hoje centenas de lideranças Guarani-Kaiowá. Durante

esses eventos, ao mesmo tempo em que ocorrem discussões

políticas, se realizam também rituais para o fortalecimento da luta. É

das Aty Guasu que partiram nas últimas décadas as reivindicações de

demarcação de terras, além de denúncias e sugestões sobre possíveis

soluções para o problema dos Guarani-Kaiowá.

Apesar das dificuldades, muitas das reivindicações, aos poucos, vêm

sendo atendidas pelos poderes públicos. Além de organizar as Aty

Guasu, os Guarani-Kaiowá passaram a reocupar partes de seu

território que já se encontravam identificadas, mas ainda

permaneciam na posse de fazendeiros. Depois da retomada desse

pedaço da terra, os indígenas mudavam definitivamente para essas

áreas, saindo das reservas do SPI ou das margens de rodovias onde se

encontravam assentados depois de terem sido expulsos pelos

fazendeiros.12

Comissão de Terras Guarani Yvy rupa

A Comissão Yvy Rupa foi formada no ano de 2006 com o intuito de articular

nacionalmente a luta do povo guarani na região sul e sudeste do Brasil pela recuperação de

seu território tradicional, usurpado paulatinamente desde a Invasão Européia. Na assembléia

de criação da Comissão estavam reunidas aproximadamente 300 lideranças políticas e

espirituais guarani. A propósito das ações seguintes e do reconhecimento da Comissão, consta

em site do Centro de Trabalho Indigenista:

Logo em seguida, no dia 29 de março de 2007, Comissão Guarani Yvy

Rupa (CGY), formalizaria o início de suas atividades em cerimônia

realizada junto à 6ª Câmara do Ministério Publico Federal em Brasília.

12 http://www.pontaodeculturaguaicuru.org.br/artigos/index/id/18

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Desde então a CGY vem se consolidando como importante

protagonista político do movimento indígena nacional, e garantindo,

pouco a pouco, vitórias importantes na longa luta pelo

reconhecimento dos direitos territoriais de seu povo.

Hoje a CGY tem escritório móvel localizado na Terra Indígena

Tenondé Porã, aldeia Barragem, no município de São Paulo. Embora

não se constitua como entidade jurídica registrada no Cadastro

Nacional de Pessoas Jurídicas, a CGY cada vez mais é uma instância

política reconhecida pelos órgãos competentes (MPF, MJ, FUNAI,

etc...)13.

b) Instituições do Estado, ONGs e iniciativas (sociais, educacionais, programas de governo, e políticas relativas aos povos originários) relacionadas com os Guarani.

ONGS/OSCIPs/Instituições não vinculadas ao Estado que realizaram ou realizam ações, projetos ou programas junto aos Guarani no Brasil

Abaixo consta uma relação de ONGs, OSCIPs, entre outras instituições que atuam

junto aos Guarani no Brasil. Trata-se, como foi apontado anteriormente, de um levantamento

inicial que não compreende a totalidade destas organizações.

Dentre as que puderam ser mapeadas poderiam ser destacadas aqui a

“Organização social e etno-cultural Teko Ñemoingo – Oscip Guarany”, única organização

formal constituída por membros Guarani, o “Centro de Trabalho Indigenista/CTI”, que vem

executando atualmente em parceria com o IPHAN o projeto de Valorização do Universo

Cultural Guarani e o “Projeto de Apoio ao Fortalecimento das Políticas Públicas entre os Índios

Guarani na Região Transfronteiriça: Brasil, Paraguai e Argentina”. Este último vem sendo

desenvolvido em parceria com a Agência de Cooperação Espanhola (Aecid), Centro de Apoio a

Pesquisa Indigenista (Capi), Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Núcleo de Estudos de

População da Universidade Estadual de Campinas (Nepo/Unicamp), Ministério Público Federal

(MPF), Assessoria de Cooperação Jurídica Internacional (PGR), Secretaria Municipal de

Educação de Caarapó (Semed) e Escola ÑandejaraPól14. Pela experiência que vem agregando

de ações junto aos Guarani que extrapolam as fronteiras de alguns países onde há presença

deste povo, o Projeto poderá tornar-se uma referência ao Projeto de Valorização do Universo

Cultural Guarani no âmbito do CRESPIAL, fornecendo subsídios para a implementação da

política de patrimônio imaterial no âmbito dos diversos países que integram o Projeto.

1) CTI (Centro de Trabalho Indigenista)

13 http://www.trabalhoindigenista.org.br/pagina.php?p=yvy-rupa.php 14 http://www.neppi.org/projetos/guarani_kaiowa_projetos_detalhes.php?id=337

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A ONG tem como um de seus grandes projetos o Programa Guarani, proposto

desde sua fundação, em 1979. Dentre as ações prioritárias do Programa estão: o apoio à luta

pela regularização fundiária, às atividades produtivas tradicionais, à recuperação de áreas

degradadas e enriquecimento de espécies de uso alimentar e ao fortalecimento cultural e

afirmação étnica15.

Projetos Em Andamento

Nome do projeto: Valorização do Universo Cultural Guarani

Vigência: 2012-2013

Parceiro financiador: IPHAN

Descrição: Trata-se da aplicação da segunda fase do INRC Comunidade Mbyá Guarani a ser

realizado junto a aldeias Guarani em São Paulo e Paraná. Será realizado durante e para a

aplicação do INRC curso de formação de pesquisadores Guarani.

Nome do Projeto: Suporte à consolidação das aldeias Guarani nas regiões Sul e Sudeste do

Brasil no processo de reconhecimento de direitos territoriais

Vigência: 2011-2013 (Trienal)

Parceiro Financiador: Embaixada da Noruega

Descrição: O projeto pretende: 1) contribuir, a partir da experiência de atuação direta do CTI

nas TIs guarani do sul e sudeste, com subsídios técnicos aos órgãos competentes para os

processos de regularização fundiária de terras Guarani; 2) dar condições para efetivar a

permanência das comunidades guarani nas TIs em processo de regularização a partir do

suporte à realização de atividades tradicionais de agricultura e manejo e apoio a realização de

rituais e 3) subsidiar e assessorar as lideranças guarani na luta pelos seus direitos, visando

fortalecer seus pleitos junto aos órgãos governamentais e sobretudo dando apoio à autonomia

e ao fortalecimento institucional de suas organizações, especialmente à Comissão Guarani

Yvyrupa (CGY). Uma primeira fase desse projeto já foi realizada entre 2008-2010, tendo trazido

grandes resultados para as comunidades guarani.

Nome do Projeto: Revitalizando as Matas Nativas

Vigência: 2011-Indefinido

15http://www.trabalhoindigenista.org.br/pagina.php?p=aa-aoes-prioritaarios.php, Acesso em: 03/09/2012

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Descrição: Nesse projeto estão sendo realizadas ações de restauração florestal em aldeias

guarani no Rio Grande do Sul e no Vale do Ribeira, além do acompanhamento e manutenção

de pomares e plantios realizados anteriormente nessa última região.

Nome do Projeto: Ponto Indigenista de Cultura na TI Guarani do Ribeirão Silveira

Vigência: 2008-2011

Parceiro Financiador: Ministério da Cultura

Descrição: O projeto realizou a implantação de um “Ponto Indigenista de Cultura” na Terra

Indígena Guarani do Ribeirão Silveira, no qual tem sido ministradas oficinas de formação para

jovens e adultos guarani (do Ribeirão Silveira e de outras TIs do Estado de São Paulo) em

filmagem, edição de vídeos e fotografia. O projeto visa dar instrumentos para que os Guarani

tornem-se autônomos na produção de imagens sobre si mesmos, visando iniciativas de

afirmação étnica e de fortalecimento cultural.

Projetos Finalizados Recentemente

Nome do Projeto: Valorização do Mundo Cultural Guarani

Vigência: 2009-2010

Parceiro Financiador: IPHAN

Descrição: O projeto realizou a aplicação da fase preliminar do Inventário Nacional de

Referências Culturais Guarani-Mbya junto aos Guarani nos estados do Rio Grande do Sul, Santa

Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo e executou ações de salvaguarda

em 4 aldeias do Rio Grande do Sul.

Nome do Projeto: Valorização do Mundo Cultural Guarani

Vigência: 2009-2010

Parceiro Financiador: AECID

Descrição: Através desse projeto realizaram-se uma série de ações de salvaguarda em diversas

aldeias guarani do Sul e Sudeste voltadas para oficinas de saberes tradicionais, apoio a rituais,

apoio à reforma de casas de rezas, entre outras atividades.

Nome do Projeto: Apoio Às Atividades Tradicionais Guarani

Vigência: 2006-2009

Parceiro Financiador: Apoio da Igreja da Noruega (AIN)

Descrição: O projeto buscou subsidiar atividades tradicionais de plantio, enriquecimento de

plantas nativas e pomares nas aldeias Guarani do Vale do Ribeira.

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Nome do Projeto: Kunumῖgue Ka’aguy re Onhangareko

Vigência: 2008-2010

Descrição: O projeto buscou subsidiar atividades tradicionais de plantio, enriquecimento de

plantas nativas e pomares nas aldeias Guarani do Vale do Ribeira.

Nome do Projeto: Suporte à consolidação das aldeias Guarani nas regiões Sul e Sudeste do

Brasil no processo de reconhecimento de direitos territoriais

Vigência: 2008-2010 (Trienal)

Parceiro Financiador: Embaixada da Noruega

Descrição: Trata-se da primeira fase de realização de projeto ainda em andamento. Ver

descrição acima.

2) IECAM - O Instituto de Estudos Culturais e Ambientais - IECAM é uma organização da

sociedade civil, sem fins lucrativos, fundada em 1991, voltada para o estudo e

desenvolvimento de ações socioambientais sustentáveis, através da revitalização dos saberes

tradicionais e da biodiversidade16.

Projeto em Desenvolvimento

Ar, Água e Terra: Vida e Cultura Guarani - ações de recuperação e conservação ambiental e

etnodesenvolvimento em oito aldeias guarani do Rio Grande do Sul.

Ações / Projetos Desenvolvidos

- Artesanato Mbyá-Guarani: Um Programa de Índio – visa garantir a geração de trabalho e

renda nas aldeias através da única forma tradicionalmente inserida na cultura deste povo, a

comercialização de seu artesanato. (Petrobrás / 2007-2008 / http://www.guarani.art.br/);

- II Encontro Nacional Patrimônio Cultural e Povos Indígenas: Os Mbyá-Guarani e As Missões”

(2007);

- Ações para Estímulo da Produção e Comercialização do Artesanato Mbyá-Guarani. (Carteira

Indígena de Projetos Fome Zero e Desenvolvimento Sustentável em Comunidades Indígenas

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e Ministério do Meio Ambiente /

2005-2006);

16 http://www.iecam.org.br/

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- Intervenção Indígena para a Prevenção e Redução dos Danos Causados pelo Uso de Bebidas

Alcoólicas entre os índios MBYÁ-GUARANI no Rio Grande de Sul. (UNESCO E Vigisus II-FUNASA

/ 2005-2006);

3) Comissão Pró-Índio de São Paulo - tem atuado junto com índios e quilombolas para garantir

seus direitos territoriais, culturais e políticos, procurando contribuir com o fortalecimento da

democracia e o reconhecimento dos direitos das minorias étnicas.

Projetos/ Ações

Divulgação de informações sobredos Guarani

Através de site eletrônicosão divulgadas informações para “que a sociedade conheça melhor

quem são, como vivem e o que reivindicam os Guarani localizados na região Sul e Sudeste do

País.” As informações “são resultado de pesquisas junto aos órgãos públicos (Funai, Funasa,

Ministério Público Federal e Estadual), pesquisadores, organizações indígenas e indigenistas,

bem como levantamento em sítios-eletrônicos e no Diário Oficial da União”17.

Projeto de etnodesenvolvimento na aldeia Guarani Boa Vista em Ubatuba, no Estado de São

Paulo

O projeto foi realizado entre os anos de 2004 e 2007 e contou com o apoio do Fundo Nacional

do Meio Ambiente do Ministério do Meio Ambiente (Edital 06/2001) e da Ação dos Três Reis

Magos, agência de cooperação do Movimento de Crianças e Jovens Católicos (DKA – Áustria)18.

4) ORGANIZAÇÃO SOCIAL E ETNO-CULTURAL TEKO ÑEMOINGO – Oscip GUARANY é a única

organização genuinamente indígena, criada dentro da Aldeia Ocoy, com participantes e

lideranças exclusivamente indígenas.

Reconhecida, através de publicação em Diário Oficial no dia 31 de outubro de

2008, a OSCIP GUARANY é uma Organização da Sociedade Civil, de Interesse Público, que tem

por finalidade principal a representatividade legal da Comunidade Avá Guarani e outros povos

afins.

A Oscip tem por objetivos revitalizar, valorizar e fazer respeitar a dignidade dos

Avá Guarani do Oeste do Paraná através de projetos voltados à sustentabilidade, à educação, à

17 http://www.cpisp.org.br/indios/ 18 http://www.cpisp.org.br/etnodesenvolvimento/-

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saúde e ao resgate cultural dos Guarany, defendendo e conservando o patrimônio artístico e

histórico, material e imaterial.19

Projetos

Projeto Kyvu Kyvu – Revitalização da Cultura Indígena Ava Guarani

Projeto DicionarioÁudiovisual da Língua Guarani

A Táva Guasu Guarani Retã, através da sua Organização Oscip GUARANY, inicia uma nova

caminhada: Programa de Revitalização do Mundo Guarani, com o lançamento do Dicionário

Audiovisual da Língua Guarani do Mercosul - A Ortografia Guarani Unificada20.

5) Amigo do Índio (AMI) é uma associação civil sem fins lucrativos, comprometida em apoiar e

desenvolver ações feitas para a defesa, elevação e manutenção da qualidade de vida do índio

e do seu meio ambiente, por meio de atividades e educação profissional, especial e ambiental.

Seu objetivo principal é promover, colaborar, coordenar, executar ou sugerir ações e projetos

que visem o desenvolvimento econômico e social, combate à pobreza, melhorar as condições

de saúde, de profissionalização e sociabilização das comunidades Guarani-nändeva, Guarani-

Kaiowá e Terena da Região Grande Dourado, MS.

6) Centro de Apoio e Pesquisas Indigenistas – CAPI

Projetos em parceria com o Programa Kaiowá Guarani:

Projeto de Apoio ao Fortalecimento das Políticas Públicas entre os Índios Guarani na Região

Transfronteiriça: Brasil, Paraguai e Argentina

O projeto tem por objetivos avançar na localização geográfica da população

guarani nas regiões fronteiriças do Mercosul e sua plotagem em base cartográfica, conforme

trabalho já em andamento; iniciar a pesquisa sobre demografia guarani, reunindo e analisando

os dados existentes e buscando eventuais complementações, em especial no Brasil e

Argentina; fazer uma pesquisa por amostragem de movimentos migratórios, aqui entendidos

como qualquer deslocamento de famílias ou de indivíduos para outras aldeias ou terras

indígenas que estejam no PY ou AR, por qualquer período de tempo, devido a quaisquer

motivos, sendo que pode a família ou indivíduo já ter voltado ou não; caracterizar os

movimentos migratórios através de critérios que serão construídos em conjunto com os

participantes da pesquisa, buscando para tanto as concepções próprias dos Guarani sobre

19 http://www.guarany.org.br/ 20 http://dicionarioguarani.com.br/

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deslocamentos espaciais, critérios de moradia, residência, acampamentos, visitas etc...;

construir um banco de dados sobre esses deslocamentos espaciais no NEPPI/UCDB, que possa

ser relacionado com o banco de dados da pesquisa sobre o Mapa, que se está levando a efeito

em cooperação com os dois países vizinhos; favorecer o intercâmbio entre os Guarani de

ambos os lados da fronteira, tendo em vista a discussão da temática relativa ao projeto; fazer a

edição da Antologia Guarani.

O projeto é desenvolvido em parceria com a Agência de Cooperação Espanhola

(Aecid), Centro de Apoio a Pesquisa Indigenista (Capi), Universidade Católica Dom Bosco

(UCDB), Núcleo de Estudos de População da Universidade Estadual de Campinas

(Nepo/Unicamp), Ministério Público Federal (MPF), Assessoria de Cooperação Jurídica

Internacional (PGR), Secretaria Municipal de Educação de Caarapó (Semed) e Escola

ÑandejaraPólo21.

7) Instituto Cultural – GATI – Grupo de Apoio as Tribos Indígenas - O GATI tem como objetivo

prestar assistência social aos indígenas, desenvolvendo trabalhos junto aos que estão

localizados no estado de Mato Grosso do Sul, especialmente na região de Dourados22.

8) ONGUARANI - organização não governamental amigos de guarani (sem referência de site

ou telefone)

9) Operação Amazônia Nativa/OPAN

A Operação Amazônia Nativa (OPAN) foi fundada em 1969 e desde então

desenvolve projetos junto aos povos indígenas nas regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil.

Conforme site da instituição, “seu objetivo é apoiar os povos indígenas, colaborando para a

valorização e o fortalecimento de seus modos de organização social e expressão cultural, das

formas de proteção de suas terras e patrimônios, favorecendo a autonomia e o controle social.

Atua visando a consolidação dos direitos constitucionalmente reconhecidos à essas

populações”23. A Organização desenvolve projetos junto aos povos indígenas Deni, Paumari,

Katukina, Manoky, Enawene Nawe, Guarani, entre outros.

Com relação à atuação da OPAN junto aos Guarani, a OPAN aderiu a partir de

2006 a campanha “Guarani: Um grande povo”, apoiando a luta pela terra e pelos direitos dos

povos indígenas, favorecendo a articulação entre os Guarani e destes com outros parceiros.

21 http://www.neppi.org/projetos/guarani_kaiowa_projetos_detalhes.php?id=337 22 http://www.gati.org.br/home1.asp 23 http://www.amazonianativa.org.br/opan-historico.php

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No que refere às ações junto aos Guarani, a organização vem atuando

especialmente nas regiões de Guairá, Terra Roxa e Santa Helena, no oeste do Paraná. O

programa junto aos Guarani tem dois principais objetivos: construir diálogo entre as lideranças

indígenas Guarani por meio de viagens e pequenos encontros e articular o movimento

indígena com aliados não-índios para dar visibilidade e fortalecer a luta desses povos.24

10) Vídeo nas Aldeias

O Vídeo nas Aldeias nasce em 1986 como um projeto junto ao CTI/Centro de

Trabalho Indigenista, voltado à produção audiovisual indígena. Em 2000 se constitui enquanto

ONG independente, tendo realizado mais de 70 filmes, muitos premiados nacional e

internacionalmente e transformando-se em referência na área.25 Dentre os vídeos realizados

pelos Guarani a partir das oficinas de formação de realizadores/cinegrafistas indígenas estão:

- Índios no Brasil 4. Quando Deus visita a aldeia, (Guarani Kaiowá), 2000

- Mokoi Tekoá Petei Jeguatá – Duas aldeias, uma caminhada, (Guarani Mbya), 2008

- Nós e a cidade (Guarani Mbya), 2009

- Bicicletas de Nhanderu, (Guarani Mbya) 2011

- Desterro Guarani, (Guarani Mbya) 2011

11) CIMI O Conselho Indigenista Missionário/CIMI é um organismo vinculado à Conferência

Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) criado em 1972. O Cimi está estruturado em 11 regionais

(Amazônia Ocidental, GO/TO, Leste, Maranhão, Mato Grosso, mato Grosso do Sul, Nordeste,

Norte I, Norte II, Rondônia e Sul) e um Secretariado Nacional, em Brasília. Cada regional tem

uma estrutura básica que dá apoio, orienta e coordena o trabalho das equipes nas áreas

indígenas.26

O trabalho do CIMI é organizado atualmente a partir de diferentes frentes de

atuação que atuam em âmbito nacional: ANS (Articulação Nacional de Saúde), ANE

(Articulação Nacional de Educação), ANAS (Articulação Nacional de Auto-Sustentação), ANF

(Articulação Nacional de Formação) e ANDRI (Articulação Nacional de Diálogo Inter-Religioso e

Inculturação).

Não foi possível localizar ações ou projetos específicos ou a atuação dos projetos

nacionais do CIMI junto aos Guarani. Há notícias de apoio deste organismo, por exemplo, para

organização do evento do lançamento da Campanha “Povo Guarani, Grande Povo”, que

24http://www.amazonianativa.org.br/projeto.php?id=12 25 http://www.videonasaldeias.org.br/2009/vna.php?p=1 26http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=paginas&action=read&id=5686

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aconteceu na aldeia Tey Kue, no município de Caarapó (MS) e que contou com a presença de

representantes do Brasil, Argentina, Bolívia e Paraguai27.

12) COMIN

Conforme site da organização28, o Conselho de Missão entre Índios (Comin) é um

órgão da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) criado em 1982, com a

finalidade de assessorar e coordenar o trabalho da IECLB com os povos indígenas em todo

Brasil. Apóia projetos principalmente nas áreas da educação, saúde, terra, organização e auto-

sustentação. Junto aos guarani, desenvolve ações na região Sul, nos estados do Rio Grande do

Sul e Santa Catarina.

13) Núcleo de Estudos e Pesquisas das populações indígenas/NEPPI

(Núcleo de Estudos e Pesquisa)

Conforme site do NEPPI29, este “é um órgão de natureza executiva que tem por

finalidade coordenar os vários Programas e Projetos de pesquisa e extensão voltados para as

sociedades indígenas, bem como participar das discussões e encaminhamentos pertinentes a

outras questões relacionadas à população indígena do Estado. Foi criado em 1995,

congregando atividades de pesquisa e extensão direcionadas às populações indígenas, em

especial, as que habitam o Mato Grosso do Sul, estado com o segundo maior contingente

populacional indígena do Brasil, no âmbito estadual”.

O NEPPI organiza seus projetos e ações a partir de dois Programas: Programa

Guarani/Kaiowá e Programa Terena, ambos desenvolvidos em aldeias no Mato Grosso do Sul.

O Projeto Guarani/Kaiowá está em andamento desde 2001 com os seguintes

projetos:

- Projeto Criança Kaiowá e Guarani em Mato Grosso do Sul- A realidade na visão dos índios

(concluido);

- Projeto de Apoio ao Fortalecimento das Políticas Públicas entre os Índios Guarani na Região

Transfronteiriça: Brasil, Paraguai e Argentina (em andamento);

- Plano de Gestão Ambiental da Reserva de Caarapó (em andamento);

- Unidades de pesquisa, produção de alimentos e artesanato (concluido);

- Recuperação da Microbacia Hidrográfica do Jakaira (concluido);

27http://www.guarani-campaign.eu/landen/portugal/lancamento.htm 28http://www.comin.org.br/quem-somos.php 29http://www.neppi.org/oque.php

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- Ponto de Cultura Teko Arandu- Centro de Pesquisa, Documentação, Cultura e Arte dos índios

Guarani Kaiowá (em andamento)30.

Instituições do Estado e iniciativas junto aos Guarani

Tendo em vista o escopo demasiado amplo deste item, optou-se por realizar

levantamento das ações do Estado em nível Federal voltadas aos povos indígenas. Neste

sentido, foram levantados os Programas e Projetos de diferentes Ministérios e órgãos

vinculados,voltados aos povos indígenas, buscando localizar os programas, projetos e ações

voltados aos Guarani, sempre que possível.

b.1) Ministério da Cultura

O Ministério da Cultura foi criado em 15 de março de 1985 pelo decreto 91.144 e

especialmente a partir de 2003 vem ampliando sua atenção aos povos indígenas, com políticas

culturais voltadas ao patrimônio imaterial (de responsabilidade do IPHAN, autarquia vinculada

ao MinC), dentre outras políticas culturais coordenadas principalmente pela Secretaria de

Cidadania e Diversidade Cultural, a exemplo dos pontos de cultura indígenas.

Com relação às políticas de patrimônio imaterial, foi assinado o decreto 3.551 de

04/08/2000, que institui o Registro de bens culturais de natureza imaterial e cria o Programa

Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI), executado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional (IPHAN) com apoio e Organizações da sociedade civil. As ações relativas a

esta política coordenada pelo Departamento de Patrimonio Imaterial que estão sendo

desenvolvidas junto aos Guarni serão listadas em seguida das ações da Secretaria da Cidadania

e da Diversidade Cultural/MINC.

Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural/MINC

Em 2005 foi criado o Grupo de Trabalho para as Culturas Indígenas, com a

participação da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB;

Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas e Espírito Santo – APOINME; Articulação

dos Povos Indígenas da Região Sul ARPINSUL; Articulação dos Povos Indígenas do Pantanal –

ARPIN-PAN; Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste – ARPIN-SUDESTE; Associação

Brasileira de Antropologia – ABA; Associação Terras Indígenas do Xingu – ATIX; Conselho

Estadual dos Povos Indígenas de São Paulo – CEPISP; Instituto das Tradições Indígenas – IDETI;

30http://www.neppi.org/projetos/guarani_kaiowa_projetos.php

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Museu Magüta; Museu Nacional – UFRJ; Museu Rondon – UFMT; Conselho Indigenista

Missionário (CIMI); e FUNAI; com o objetivo de discutir e indicar políticas para o setor.

Por meio da Lei de Incentivo a Cultura, conhecida como Lei Rouanet, foi criado o

Fundo Nacional de Cultura e com apoio da Petrobrás são realizadas ações dentro desse novo

contexto de valorização do patrimônio cultural, a exemplo dos prêmios de cultura indígena.

Em 2006 a edição Ângelo Cretã deu início a essas premiações e beneficiou cerca de 50 mil

indígenas. Já em 2007 a segunda edição Xicão Xucurú acabou por beneficiar 100 mil pessoas

em comunidades espalhadas por todo o Brasil. Em 2010 na terceira edição foi homenageado

Marçal Tupã-y lider indígena Guarani assassinado em 25 de novembro de 1983, no Mato

Grosso do Sul, em decorrência da sua luta pela demarcação das terras indígenas. O Edital,

lançado em 2010, selecionou 92 iniciativas em 23 estados brasileiros, representando 104

povos indígenas. Cada projeto selecionado recebe um prêmio de R$ 20 mil reais que deverá

ser investido em ações que contribuam para a preservação das tradições e das identidades

culturais indígenas. O MinC investiu um total de R$ 2,3 milhões nesta edição, segundo

informações contidas no site do MinC.

Neste ano já foi feita a cerimônia de lançamento da quarta edição, que

homenageará Raoni Metuktire, da etnia Caiapó, líder que tem se destacado por sua luta em

defesa dos direitos e dos modos de vida indígenas e pela preservação da Amazônia.

O Ministério da Cultura também lançou nos principais veículos de comunicação

um filme publicitário produzido com o objetivo de divulgar a diversidade cultural dos povos

indígenas, hoje, invisíveis para a maioria da sociedade brasileira. O vídeo mostra vários

indivíduos de diversas etnias afirmando sua identidade brasileira perante o restante dos

brasileiros, demonstrando preocupação do MinC e do governo federal pelo reconhecimento

dos povos indígenas como participantes da unidade nacional.

Desde 2004 o MinC através de suas secretarias vem planejando e coordenando a

política de implementação dos chamados “Pontos de Cultura”, que apesar de não serem

projetos voltados especificamente para realidade destas comunidades naquele momento,

beneficiam expressões culturais de diversas matrizes com incentivo financeiro para construção

e manutenção de espaços próprios para atividades. Em 2010 surgem os Pontos de Cultura

Indígena (PCI) gerenciados pela Secretaria de Identificação e Diversidade Cultural SID/MINC.

Os Pontos de Cultura Indígena integram o Programa Mais Cultura e tem como

objetivo preservar, valorizar e fortalecer a identidade cultural das comunidades indígenas, por

meio de ações com o protagonismo indígena, utilizando, dentre outras ferramentas, as novas

tecnologias da comunicação digital.

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Em 2010 estava prevista a instalação de 150 PCIs com investimento total de R$ 27

milhões. Os PCIs recebem um kit multimídia, capacitação em cultura digital e produção

audiovisual. A configuração dos equipamentos reforça a tradição oral, a produção de

conteúdo, o acesso à internet e participação na Rede Povos da Floresta e Rede dos Pontos de

Cultura.

Em Campo Grande/MS o Ponto de Cultura Teko Arandu funciona uma escola e

atende mais de mil indígenas. Dentre as ações resultantes da mobilidação a partir deste ponto

de cultura destaca-se a realização de um site, disponibilizado em português e guarani. Os

alunos atendidos pelos projetos tem acesso à internet, aulas de música e teatro para

enriquecimento de suas expressões.

Em Dourados/MS funciona a Casa de Cultura Nandeterã que atende a pessoas de

descendência Guarani Kaiowa e Terena. Além da integração entre as algumas aldeias da região

o projeto prevê a inserção dos indígenas na sociedade com a realização de cursos de

informática, educação de jovens e adultos, alfabetização e artesanato, além de aulas de violão.

Em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), a comunidade recebe

também cursos na área agrícola.

Não foi possível realizar para este momento um levantamento exaustivo de todos

os pontos indígenas Guarani localizados nos diferentes estados em que os Nhandeva, Mbyá e

Kaiowa se fazem presentes. Mas tal relação poderá ser apresentada em momento posterior.

Como outra ação do MinC em apoio à diversidade cultural dos povos indígenas,

foi realizado em fevereiro de 2010 o Encontro dos Povos Guarani da América do Sul na aldeia

Tekoha Añetete, localizada no município de Diamante D’Oeste, no Paraná. Cerca de 800

indígenas do Brasil, Bolívia, Paraguai e Argentina estiveram presentes e finalizaram as

propostas e reivindicações que foram apresentadas às autoridades presentes no

encerramento do evento. Estiveram no evento, os Ministros da Cultura do Brasil e Paraguai e

discutiu-se a criação de um fórum permanente cultural no Mercosul; a criação de uma

secretaria especial guarani vinculada ao Mercosul; um mapeamento da etnia; a realização de

seminários culturais; a abertura da fronteira dos países do Mercosul para os guarani e ainda o

reconhecimento do uso de ervas medicinais entre os não-índios.

Departamento de Patrimônio Imaterial DPI/IPHAN (órgão vinculado ao MinC)

O Departamento de Patrimônio Imaterial DPI/IPHAN, juntamente com as

Superintendências Estaduais do IPHAN e o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular são

os responsáveis pela coordenação, execução e acompanhamento da política de patrimônio

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cultural imaterial que passa a ser regulamentada no país com o Decreto 3.551 de agosto de

2000.

O DPI está estruturado atualmente a partir de duas Coordenações Gerais:

Coordenação Geral de Identificação e Registro, e Coordenação Geral de Salvaguarda.

À primeira compete, de modo geral, a execução da política no escopo da

coordenação do instrumento de Registro de bens culturais e da Identificação de bens e

referências culturais,considerando que esta última é realizada através de metodologia

elaborada pelo IPHAN, denominada Inventário Nacional de Referências Culturais/INRC.

A coordenação Geral de Salvaguarda vem executando, por sua vez, Planos de

Ação, projetos e ações voltadas aos bens culturais registrados, na tentativa de efetivar

demandas trazidas pelos grupos nos processos de reconhecimento de seus bens culturais.

Também é preciso enfatizar que ações de salvaguarda vem sendo desenvolvidas

para além dos grupos que possuem bens registrados. O caso do Projeto de Valorização do

Mundo Cultural Guarani, assim como outras ações de apoio e fomento ao patrimônio imaterial

de responsabilidade do DPI e do CNFCP são alguns exemplos.

No âmbito das ações de apoio e fomento ao patrimônio cultural imaterial

destacam-se os editais públicos do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial/PNPI, lançado

desde 2005 e o Edital de Apoio a Documentários Etnográficos sobre Patrimônio Cultural

Imaterial/ETNODOC, lançado desde 2007.

A partir do Decreto 7.387 de 2010 foi instituído o Inventário Nacional de

Diversidade Linguistica, que é gerido pelo Ministério da Cultura, mas cujos projetos piloto para

implementação da política vem sendo acompanhados diretamente pelo IPHAN. Neste sentido,

tal ação é mencionada aqui, no âmbito das ações desenvolvidas pelo DPI/IPHAN.

Considerando tais instrumentos e ações do DPI, abaixo segue uma relação do que

foi desenvolvido pelo Departamento junto aos Guarani:

Inventário Nacional de Referências Culturais/INRC

INRC Comunidade Mbyá-Guarani em São Miguel Arcanjo

• Sítio Inventariado: Comunidade Mbyá-Guarani em São Miguel Arcanjo

• Período de realização do Inventário: 2004-2006

• UF: RS

• Execução: Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul/FAURGS com

participação de indígenas Mbyá-Guarani.

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• Superintendência do IPHAN responsável: 12ª SR (Rio Grande do Sul). Coordenação e

Supervisão: Beatriz Muniz Freire.

• Localidades indígenas Inventariadas:Caaró, São Miguel das Missões, Reserva Indígena

Inhacapetum (no sítio); Reserva Mbyá-Guarani Lomba do Pinheiro (Porto Alegre), Terra

Indígena Capivari (Palmares do Sul), Terra Indígena Salto do Jacuí (Salto do Jacuí) (no entorno).

• Povos indígenas abrangidos pelo inventário: Mbyá-Guarani

• Bens culturais inventariados: Tawa, Mata São Lourenço, Parque Arqueológico São Miguel

Arcanjo, Jerojy (Música e dança Mbyá Guarani), Artesanato, Parque da Fonte Missioneira, Oó

(Moradia tradicional Mbyá Guarani), Opy (casa de rezas), Pira Rúpia (pesca), caça, coleta,

Acampamento do rio Urucuá, Santuário do Caaró, Tekoá Porá, Ayvu (fala dançada), Tekoá

Anhetenguá, Nhemongaraí (ritual de nominação), Tekoá Yryapu, Tekoá Koenju.

• Descrição do sítio:

“Comunidade Mbyá-Guarani em São Miguel Arcanjo integra os Mbyá-Guarani

enquanto coletividade junto aos remanescentes físicos da antiga Reducción de San Miguel

Arcanjel. Ela sintetiza a relação entre jesuítas e índios Guarani do passado com a atual

ocupação Mbyá no sítio reconhecido como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. A

presença dos Mbyá no Museu das Missões provoca impacto no visitante, vendo neles apenas o

“resto do Povo Guarani”. Comunidade Mbyá antecede o núcleo conceitual do “sítio”, tornado

Patrimônio da Humanidade desde a perspectiva clássica de monumento. O conceito

Comunidade Mbyá foi integrado para produzir ruptura no paradigma materialista de

Patrimônio, dando visibilidade às motivações dos Mbyá.

A Constituição Federal de 1988 estabelece o respeito ao patrimônio imaterial,

sempre como estratégia ao reconhecimento dos grupos formadores da sociedade nacional,

valorizando sua diferença cultural para reconhecer sua autodeterminação e o inventário de

referências culturais deve ser instrumento para alcançar esse objetivo. Por isso, a idéia

comunidade Mbyá produz contra-senso à perspectiva etnocêntrica que enaltece as Missões

Jesuítica, introduzindo a variável étnica implicada nos níveis intangível e imaterial da cultura.O

conceito Comunidade Mbyá desfaz a rigidez de marcos físicos para demarcar o Patrimônio

Imaterial, porque produz um deslocamento em direção ao exterior do Parque Arqueológico de

São Miguel Arcanjo, para considerar que os Mbyá nunca foram integrados de maneira

participativa na sua gestão.

A Comunidade Mbyá em São Miguel faz parte dessa rede étnica continental,

sendo referência importante como assentamento aos Mbyá que almejam ir do interior do

Continente em direção ao litoral ou vice-versa, posição estratégia de Tape (caminho) que

interliga a Yvy Mbyté (Centro do Mundo, leste e sul do Paraguai) e a Para Miri (norte da

Argentina) com a Para Guaçu (litoral atlântico). Assim, a Comunidade Mbyá em São Miguel faz

parte de uma rota de circulação e compõe parte de uma ampla territorialidade étnica, que

precisa ser salvaguardada enquanto patrimônio do Mercosul, porque ultrapassa as fronteiras

dos países e porque coloca como centro de seu mundo geográfico o que se fez divisa

internacional entre eles (os rios Paraná, Paraguai e Uruguai).

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Em termos objetivos, O INRC desdobra o sítio Comunidade Mbyá em São Miguel

pelo registro de diversas Localidades afastadas, para enfatizar essa identidade caminante dos

Mbyá que circulam pelo Jeguatá Tape Porã, pelo Belo Caminho de sua tradição, do qual São

Miguel faz parte. No centro do sítio estão as Localidades da Cidade de São Miguel e a Reserva

Mbyá do Inhacapetum, sendo inventariadas duas outras Localidades, ambas fazendo parte das

referências geográficas dos Mbyá na região das Missões, mas atualmente abandonadas. O

inventário do Caaró e o registro da Mata São Lourenço servem para resgatar essas referências

culturais da territorialidade Mbyá na região.(...)”. (Texto extraído da Ficha de Identificação F

10, 4.1, Sítio: “Comunidade Mbyá-Guarani em São Miguel Arcanjo”).

INRC Comunidade Mbyá Guarani

• Sítio Inventariado: Yvyrupa

• Período de execução: Desde 2009

• UF: RS, SC, PR, SP, RJ, ES

• Execução: Centro de Trabalho Indigenista/CTI

• Apoio ao Projeto: AECID

• Superintendências do IPHAN responsáveis pelo acompanhamento: SRs RS, SC, PR, SP, RJ,

ES

• Localidades indígenas Inventariadas: Conjunto das Aldeias Guarani localizadas no Estado

do Espírito Santo; Conjunto das Aldeias Guarani localizadas no Estado do Rio de Janeiro;

Conjunto das Aldeias Guarani localizadas no Estado de São Paulo; Conjunto das Aldeias

Guarani localizadas no Estado do Paraná; Conjunto das Aldeias Guarani localizadas no Estado

de Santa Catarina; Conjunto das Aldeias Guarani localizadas no Estado do Rio Grande do Sul.

• Povos indígenas abrangidos pelo inventário: Mbyá-Guarani

• Bens culturais inventariados: Nhemongarai (Celebração), Nhemongueta, Porai hae’gui

Xondaro (Formas de Expressão), Yvyrupa (Lugar).

• Descrição do sítio:

Conforme descrição em Ficha de Sítio “Yvyrupa”, 4.1:

“A configuração que o território Guarani apresenta atualmente e que pode ser

visualizada pela distribuição das suas aldeias e assentamentos ao longo do espaço coincide em

grande parte com a sua configuração histórica quinhentista, que pode ser recuperada através

dos relatos dos cronistas e das pesquisas em arquelogia e linguística. Atualmente, no território

brasileiro, os Guarani possuem cerca de 150 Terras Indígenas ocupadas num território que vai

desde o litoral do Espírito Santo e Rio de Janeiro, passando pelo litoral e interior dos Estados

de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Além dessas, devem ser

contabilizadas as cerca de 140 outras localidades apontadas pelos Guarani como tendo sido

desocupadas recentemente por força da pressão fundiária e demais circunstâncias, uma vez

que compõem ainda o horizonte territorial desse povo. (...)

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Dessas 150 Terras Indígenas ocupadas hoje e mais 140 outras desocupadas,

apenas 98 são contabilizadas pelo sistema da FUNAI uma vez que apenas estão inseridas neste

as áreas para as quais já foi iniciada alguma providência administrativa para a regularização.

(...)

Apesar de um relativo avanço desde os últimos 4 anos na regularização das TIs

Guarani, a situação fundiária global no âmbito desse território amplo de ocupação continua

calamitosa. Uma comparação da cifra de 98 áreas registradas pela FUNAI com as cerca de 150

localidades ocupadas atualmente pelos Guarani somadas às cerca de 140 das quais os Guarani

foram forçados ou induzidos a retirarem-se num período recente,4 levantadas pelo Centro de

Trabalho Indigenista, indica o quanto ainda falta para ser feito. Ademais, a grande morosidade

dos processos administrativos de regularização somada à enorme incidência de conflitos

judiciais que envolvem esses processos no Sul e Sudeste contribuem para aumentar a

insegurança da população Guarani no âmbito de seu território e acaba por se traduzir na

deterioração da qualidade ambiental das áreas de ocupação Guarani resultante do processo

de colonização.

Mesmo com todas essas dificuldades, todo esse território é percebido, concebido

e vivido pelos Guarani como um espaço único, essa plataforma terrestre onde os Guarani

estabelecem suas aldeias, e que é compartilhado com os diversos outros povos e pessoas que

habitam esse território, entrecortado atualmente por um sem número de estradas, cidades,

fazendas, empreendimentos, países, em suma, com a sociedade nacional. Conforme bastante

explorado na literatura antropológica, os Guarani não concebem fronteiras rígidas na

utilização desse espaço, preservando enormes redes de troca de bens (materiais e imateriais)

e pessoas, ao longo de todo esse território que inclusive ultrapassa as fronteiras nacionais. Em

outras palavras, os Guarani circulam em aldeias presentes em toda extensão desse território

para realizar casamentos, rituais e intercâmbios de diversas naturezas. É freqüente verificar

através da genealogia famílias cujos integrantes encontram-se dispersos desde o Espírito Santo

até o Paraguai, evidenciando o quão intensa e estreita é essa rede de parentesco. Sobretudo

através dessas redes de parentesco também se fazem intensas outras redes de troca de bens,

sementes e demais cultivos, remédios, rituais, conhecimentos e etc.

O fato de que o território total de ocupação Guarani, onde se realiza o universo

mais amplo de sua vivência tradicional, nunca coincidirá com o a extensão de suas terras

tradicionais, efetivamente reconhecidas e protegidas pelo Estado, implica em algumas

peculiaridades no uso desse território por parte dos Guarani decorrentes do contexto histórico

ao qual foram submetidos, o que, no entanto, não impossibilita o andamento do processo de

regularização fundiária de suas terras através das regras comuns, determinadas pela legislação

brasileira. Implica apenas no fato de que a caracterização antropológica da ocupação

tradicional Guarani de uma determinada TI deve levar em conta esse universo mais amplo de

ocupação, onde localizam-se as demais TIs Guarani.

Deve-se notar, entretanto, que as características da ocupação territorial guarani,

ou em outras palavras sua territorialidade, guardam enormes semelhanças com as dos demais

grupos tupi-guarani, a despeito da enorme diferença na relação com a sociedade envolvente e

na história de contato. Deve-se ressaltar que a dinâmica Guarani de formação de

assentamentos é semelhante à de grupos tupi-guarani amazônicos (como os Zo‟é, Wajãpi,

Araweté, Parakanã, Asurini , contatados a partir nas décadas de 1970 e 1980, entre outros),

decorrendo da disparidade de contextos históricos vivenciados por esses povos as principais

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diferenças nessa dinâmica. Dito de outro modo, a dinâmica de ocupação territorial dos

Guarani ao longo de toda a extensão desse grande território, chamado por eles de Yvyrupa, é

muito semelhante à dinâmica de ocupação de um grupo como os Zo‟é no interior de sua terra

tradicionalmente ocupada, reconhecida pela União com 668.565 hectares. Considere-se, além

disso, que em 2007 os Zo‟é contabilizavam 239 indivíduos nesse território. Já para os Guarani

do Sul e Sudeste brasileiro, temos uma população de cerca de 10.500 pessoas (Ver 6.1 -

População), sendo que a extensão total das suas terras cujo processo de regularização foi

concluído pelo Estado não ultrapassa 22.000 hectares. Esse cenário revela como apenas parte

ínfima do território real de ocupação tradicional dos Guarani apresenta-se regularizada e

desimpedida para o uso dos índios.

No entanto, por conta do contexto histórico nunca será possível e também não é

de pretensão dos Guarani o reconhecimento de todo o seu território tradicional de ocupação,

no Brasil espaço que coincide em grande parte com a parcela mais ocupada e urbanizada do

território nacional, onde concentram-se os pólos econômicos mais importantes do país. É

imprescindível, no entanto, que os Guarani tenham suas terras tradicionalmente ocupadas

reconhecidas pelo Estado para que possam ter condições para preservação de seus usos,

costumes e tradições e possam garantir sua reprodução física e cultural, conforme determina o

texto magno do país.”

Bens em processo de Registro

Pedido/proposta já julgado pertinente pela Câmara do Patrimônio Imaterial e cuja instrução está em andamento.

• Bem cultural:: Sítio de São Miguel Arcanjo – Tava Miri dos povos indígenas Mbyá-Guarani

• Data de abertura do processo: 27/9/2007

• UF: RS

• Proponente: Povo Mbyá-Guarani

• Observações: Pedido de registro decorrente da realização do INRC “Comunidade Mbyá-

Guarani em São Miguel Arcanjo”.

Editais PNPI

2005

• Projeto: Patrimônio Cultural do Mato Grosso do Sul: mapeamento documental

• Proponente: Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS (Não exclusivamente

indígena)

• Entre os bens indígenas mapeados: cerâmicas guató e kadiwéu, cestaria terena etc.

• Etnia/Povo: Guarani, Kaiowá, Terena, Kadiwéu, Kinikinau, Guató e Atykum

• UF: MS

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• Área indígena: Diversas

• Objetivo do projeto: identificar o patrimônio cultural imaterial do Mato Grosso do Sul

através de pesquisa documental e subsequente registro das suas referências. Pretendeu-

se também que ele se torne um fornecedor de orientações em relação a necessidades

futuras de pesquisas contextualizadas do patrimônio sul-matogrossense.

• Tipologia das ações de salvaguarda: Pesquisas, mapeamentos, inventários participativos;

Constituição, conservação e disponibilização de acervos.

• Produto gerado: Mapeamento Documental

2006

• Projeto: Diagnóstico Documental do Patrimônio Cultural Imaterial do Estado de Santa

Catarina (Não exclusivamente indígena)

• Entre os bens indígenas mapeados: território Guarani

• Proponente: Instituto Superior e Centro Educacional Luterano Bom Jesus - IELUSC

• Etnia/Povo: Guarani

• UF: SC

• Área indígena: Diversas

• Objetivo do projeto: mapear o Patrimônio Imaterial Catarinense verificando, inclusive, o

estado de conservação dos acervos documentais, e organizar um banco de dados com o

inventário dos registros encontrados.

• Tipologia das ações de salvaguarda: Pesquisas, mapeamentos, inventários participativos;

Constituição, conservação e disponibilização de acervos.

• Produto gerado:Mapeamento documental

2007

• Projeto: Yvy Rupa - A Descoberta do Brasil (que ainda não houve). Visões Guarani da

História do Brasil

• Proponente: Associação de Pais e Mestres EMEF Desembargador Amorim Lima

• Etnia/Povo: Guarani-Mbya.

• UF: SP, PR, SC e RS

• Área indígena: (SP): Tenonde-Porã, Krukutu, Jaraguá, Boa Vista, Rio Silveira, Rio Branco.

(PR): Ilha do Cardoso, Palmeirinha, Mangueirinha. (SC): Morro dos Cavalos. (RS): Tekua

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Koenju. (Argentina): Yryapu, Fortim Borore, Pindopoty, Kunha Piru, Katupiru. (Paraguai):

Kyrito Nuevo.

• Objetivo do projeto:produzir uma pesquisa baseada na história oral Guarani, em parceria

com brasileiros e indígenas Guarani-Mbya.

• Tipologia das ações de salvaguarda: Transmissão de saberes; Capacitação de quadros

técnicos para gestão; Ações educativas

• Produto gerado: DVD

• Projeto: Salvaguarda do Patrimônio Musical Indígena: Registro etnográfico multimídia da

cultura musical em comunidades Mvyá-Guarani da Grande Porto Alegre (RS)

• Proponente: Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS

• Etnia/Povo: Guarani-Mbya

• UF: RS

• Área indígena: Terra Indígena Cantagalo, Estiva, Itapuã e Lomba do Pinheiro

• Objetivo do projeto:estabelecer um processo de salvaguarda mediante o registro

etnográfico multimídia de quatro comunidades Mbyá-Guarani da Grande Porto Alegre/RS.

Partiu-se da pesquisa musical inserida em suas práticas, no dia a dia e na cosmologia

Mbyá-Guarani, de modo a destacar a importância das concepções sonoras e das dinâmicas

das apresentações.

• Tipologia das ações de salvaguarda: Transmissão de saberes; Edições, publicações e

difusão de resultados.

• Produto gerado: CD de áudio e Livro

2010 (Projeto em andamento)

• Projeto: Culturas de Fibra (Não exclusivamente indígena)

• Entre os bens indígenas mapeados: Modo de fazer artesanato Guarani

• Proponente: Associação Artístico Cultural Nhandeva

• Etnia/Povo: Guarani

• UF: RJ

• Município: Paraty

• Objetivo do projeto: levantar e registrar os modos de fazer artesanato, inclusive

elencando seus insumos (recursos naturais tais como fibras, sementes, etc). O

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levantamento estará focado em quatro grupos de espécies vegetais: cipós, taquaras,

capins e palmeiras, abordando tanto as técnicas de utilização aplicadas por cada grupo

social – suas formas de extração e manejo. Propõe também valorizar os conhecimentos

detidos pelos anciãos das comunidades e revitalizar as tradições culturais locais,

remunerando os anciãos e aumentando a participação dos jovens na apropriação desses

conhecimentos e tradições.

• Tipologia das ações de salvaguarda:Transmissão de saberes; Atenção à propriedade

intelectual e direitos coletivos.

• Produto gerado:DVD e Livro

2011(Projeto conveniado)

• Projeto: Carijo: Herança do Conhecimento Ancestral na Fabricação Artesanal da Erva-

Mate. (Não exclusivamente indígena)

• Bem indígena mapeado: modo artesanal de fazer Erva Mate

• Proponente: Cooperativa Catarse Coletivo de Comunicação

• Etnia/Povo: Guarani

• UF: RS

• Área indígena: Não se aplica

• Objetivo do projeto: registrar a tradição de fabricar erva-mate de forma artesanal,

divulgando e fomentando-a, visto ser parte da cultura sul-americana e que guarda um

arcabouço de conhecimentos ligados à cultura camponesa e ao manejo de espécies

florestais.

• Tipologia das ações de salvaguarda: Pesquisas, mapeamentos, inventários participativos;

Edições, publicações e difusão de resultados.

• Produto gerado: DVD (com filme e extras), 1 cartilha e 1 livro.

Etnodoc

Edital 2009

Mbaraká – a palavra que age

A partir de entrevistas com os xamãs nhanderu, e de registros dos seus cantos,

danças e cerimônias, o filme aborda o universo dos cantos xamânicos por meio dos aspectos

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performáticos da palavra, da sonoridade, do gesto, da dimensão onírica e de volição

mobilizada pelo canto. Se a palavra pode ser história, mito e narrativa, entre os Guarani-

Kaiowá ela também é poesia e profecia: um canto de esperança em um futuro melhor.31

Referências

DE PAULA, Luís Roberto e VIANNA, Fernando de Luiz Brito. Mapeando Políticas Públicas para Povos Indígenas: Guia de pesquisa de ações federais. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria; LACED/Museu Nacional/UFRJ, 2011. http://www.cultura.gov.br/site/2010/01/05/culturas-indigenas-8/ http://blogs.cultura.gov.br/encontroguarani/ http://www.cultura.gov.br/site/2011/01/17/identidade-e-diversidade-4/ http://www.tekoarandu.org/ http://www.pontaodeculturaguaicuru.org.br/pontos-casas-brasil/index/regiao/centro-oeste http://www.cultura.gov.br/site/2010/12/16/premio-culturas-indigenas-3/

b.2) Ministério da Justiça

Órgão vinculado – Fundação Nacional do Índio/FUNAI

Ao Ministério da Justiça está vinculado o principal órgão indigenista do Estado: A

Fundação Nacional do Índio/FUNAI. A FUNAI foi criada em 1967, em substituição ao Serviço de

Proteção ao Índio, que era vinculado ao Ministério da Agricultura. A propósito do contexto de

sua criação, consta em site oficial do órgão:

A Funai e o Estatuto do Índio foram criados num momento histórico

em que predominavam, ainda, as antigas e equivocadas idéias

evolucionistas sobre a humanidade e seu desenvolvimento através

de estágios. Uma ideologia fortemente etnocêntrica. Por isso, a

Constituição do Brasil da época estabelecia a figura jurídica da tutela

e considerava os índios como "relativamente incapazes".

Mesmo reconhecendo a diversidade cultural entre as muitas

sociedades indígenas, a Funai tinha o papel de integrá-las, de

maneira harmoniosa, na sociedade nacional. Considerava-se que

essas sociedades precisavam "evoluir" rapidamente, até serem

integradas na sociedade nacional, o que equivale, na prática, a negar

a diversidade.

31http://www.etnodoc.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=42&Itemid=44

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Com a nova constituição de 1988 e a recente onda democrática no Brasil surge

uma nova proposta de estruturação da FUNAI a partir de 1990, quando a instituição tornou-se

subordinada ao Ministério da Justiça e assim começou um processo de descentralização na

execução de políticas públicas voltadas a essas comunidades. A FUNAI vem passando por

renovações nas suas formas e lugares de atuação, e atualmente é cada vez mais abrangente

seu papel de mediadora no diálogo entre indígenas e demais entes governamentais.

Organograma FUNAI

(Fonte: De Paula e Vianna, 2011, p.43)

Uma das principais atribuições do órgão é coordenar ações de demarcação de

terras indígenas, orientando os processos a serem tramitados primeiramente na Coordenação

Geral de Identificação e Delimitação (CGID). Após ser identificada por um Grupo de Trabalho

interministerial nomeado pelo presidente da Funai e coordenado por um antropólogo, o

processo deve chegar à Diretoria de Proteção Territorial que, dando parecer favorável, volta

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ao presidente para assinatura da portaria. Esta, por sua vez é publicada no diário oficial da

união e na sede das Prefeituras Municipais. Não havendo manifestações contrárias, o processo

tramita para o Ministério da Justiça, que declara os limites territoriais, e em seguida o

Presidente da República homologa para que seja registrada em cartório e no Serviço de

Patrimônio da União (SPU). É basicamente esse o caminho da regularização fundiária, porém

perpassado por diversos interesses políticos e sociais. Cabe a FUNAI cada vez mais colocar-se

como protetora dessas áreas.

O presidente da Funai também é responsável pela presidência da Comissão

Nacional de Política Indigenista (CNPI). Esta comissão está relacionada a articulações e

monitoramento das políticas no território nacional, está envolvida também com a criação de

um novo Estatuto do Índio e é crucial nesta nova estruturação da FUNAI.

A Comissão Nacional de Política Indigenista foi instituída em caráter paritário

através de Decreto de 22 de março de 2006, sendo composta por 20 representantes indígenas,

2 representantes de organizações indigenistas não governamentais e 13 membros de órgãos

governamentais, além de 3 convidados permanentes – o Ministério Público Federal, a

Advocacia Geral da União e a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

(conforme Informativo CNPI, 2008).

A partir do ano de 2006/2007, a CNPI passa a atuar no âmbito do Ministério da

Justiça - ao qual também está vinculado órgão federal que estabelece e executa a política

indigenista brasileira, a FUNAI – responsabilizando-se pela proposição de instrumentos,

normas e prioridades da política nacional e pelo acompanhamento, monitoramento e

avaliação das ações desenvolvidas pelos órgãos da administração pública federal relacionadas

com a área indigenista (conforme Artigo 2º, Parágrafo III do Decreto), contanto de modo

inovador com a participação de representantes indígenas. A CNPI nasce, pois, conforme Artigo

2º, Parágrafo VI com a competência de incentivar a participação dos povos indígenas na

formulação e execução da política indigenista do Governo Federal.

No âmbito das ações realizadas junto aos Guarani que estão em curso junto à

FUNAI foram encaminhadas ao IPHAN as seguintes, conforme respectivas Coordenações:

Coordenação Geral de Licenciamento Ambiental

- Programa de Apoio às Comunidades Indígenas Guarani – PACIG. O Programa é realizado em

cooperação entre o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (DNIT) e a

FUNAIjunto às comunidades Guarani residentes na área de influência da BR-101 trecho

Florianópolis/SC – Osório/RS. O valor do convênio é de onze milhões de reais e a meta é

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reduzir os impactos advindos da duplicação da rodovia. Nos dados encaminhados pelaFUNAI

consta que os espaços ocupados pelos grupos ainda não possuem regulamentação fundiária e

o comércio destinado aos turistas realizado na beira da estrada vai sofrer grandes impactos.

São contemplados pelo Programa 9 projetos que abarcam as cidades de Campo

Bonito/RS, Riozinho/RS, Massiambu/SC, Varzinha/RS, Cambirela/SC, Cachoeira dos Inácios/SC,

Morro dos Cavalos/SC, Barra do Ouro/RS, Praia de Fora/SC. São ações semelhantes ao longo da

BR101.

O subprograma de infra-estrutura visa construção de casas de alvenaria e/ou

madeira com instalação de fornecimento de água e eliminação de esgoto, energia elétrica

solar. Também está prevista construção de escola, posto médico, casa de artesanato e

paisagismo, estufa e galpão com as redes de esgoto, água e energia. O subprograma sócio-

econômico-ambiental propõe a aquisição de animais e equipamentos, pomar, benfeitorias

rurais e consultoria técnica para apoiar na implantação das ações. O subprograma fundiário

busca também aquisição de terras e de área para loja de artesanato.

- Ações de mitigação junto aos Guarani de São Paulo devido a construção do Rodoanel trecho

sul.

Coordenação Geral de Promoção dos Direitos Sociais/CGPDS

- Construção de 30 unidades habitacionais na Comunidade de Estiva, município de Viamão/RS.

- Implantação de energia elétrica convencional, por meio do Programa Luz para Todos na

Comunidade de Estiva, município de Viamão/RS.

- Construção de moradias provisórias/removíveis para a Comunidade Indígena Guarani que

estava localizada no acampamento do Arenal, Município de Santa Maria/RS.

- Implantação de energia elétrica alternativa (solar), por meio do Programa Luz para Todos na

Comunidade Indígena Guarani que estava localizada no acampamento do Arenal, Município de

Santa Maria/RS.

- Implantação de energia elétrica alternativa (solar), por meio do Programa Luz para Todos em

06 domicílios da Comunidade Indígena da Ilha de Continga localizada no Paraná.

- Implantação de energia elétrica convencional por meio do Programa Luz para Todos em 11

domicílios da Comunidade Indígena do Salto Grande do Jacuí localizada no Rio Grande do Sul.

- Implantação de Subprograma de Infraestrutura (casas, postos de saúde, escolas, centros

comunitários e casas de artesanato) do Programa de Apoio às Comunidades Indígenas Guarani

– PACIG.

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71

Além dessas ações, a CGPDS também apóia as Coordenações Regionais da Funai

para desenvolvimento de trabalho no escopo do Programa de Proteção e Promoção dos Povos

Indígenas.

A CGPDS também atua com o Programa Bolsa Família junto com outras

instituições vinculadas ao Governo Federal. Nas terras Kaiowá em Mato Grosso do Sul foram

atendidas 5.987 famílias em 2011 e entre Mbya e Ñandeva foram atendidas 4.687 famílias nos

Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Espírito Santo, Pará e

Tocatins, segundo dados do MDS.

A CGPDS também integra o Grupo de Trabalho da Ação de Distribuição de

Alimentos a Grupos Populacionais Específicos, coordenado pelo MDS. Houve distribuição de

cestas básicas para famílias em situação de insegurança alimentar e nutricional nos Estados do

Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Ainda neste âmbito, na região de Dourados

(MS), a CGPDS participa do Programa Conjunto de Segurança Alimentar e Nutricional das

Crianças e Mulheres Indígenas do Brasil junto as Agências das Nações Unidas.

Coordenação de Proteção Social/COPS

Desenvolve ações de acessibilidade e benefícios sociais e previdenciários, acesso

a documentação civil, acompanhamento das ações de saúde e segurança alimentar. Nas

regiões de Campo Grande e Dourados a FUNAI participou em conjunto com o Conselho

Nacional de Justiça (CNJ) do Mutirão “Cidadania: um direito de todos”, atendendo a sete mil

indígenas das aldeias Bororós e Jaguapirú, com emissão de Registro Administrativo de

Nascimento Indígena (RANI), Registro Civil de Nascimento (RCN), Registro Geral (RG) e Carteira

de Trabalho e Previdência Social (CTPS)

O Governo Federal criou um grupo envolvendo Funai, Secretaria Especial de

Direitos Humanos (SEDH-MJ) e Secretaria Geral da Presidência da República visando

intensificar o diálogo com o governo do Mato Grosso do Sul em relação à segurança das terras

indígenas devido aos numeroso conflitos na região.

Coordenação de Gênero e Assuntos Geracionais

Qualificou em Dourados/MS a rede de atendimento à infância (Conselho Tutelar e

Secretaria de Assistência Social do Município, CRAS). Trabalhou na prevenção da violência

contra mulher por meio de seminários sobre a Lei Maria da Penha junto a mulheres indígenas.

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Coordenações Regionais

Projetos de Etnodesenvolvimento

Na região de Dourados foram empenhados e liquidados 640.485 mil em ações, no

Litoral Leste 189.581,50, no Litoral Sul 108.823,95 e em Ponta Porã 259.911,51. As atividades

envolvem técnicas de agricultura para produção alimentar em aldeias Guarani Kaiowa,

Ñandeva e Mbya. Os projetos visam construção de sistemas agroflorestais para fortalecimento

da agricultura familiar e apoio às atividades de subsistência.

Referências: DE PAULA, Luís Roberto e VIANNA, Fernando de Luiz Brito. Mapeando Políticas Públicas para Povos Indígenas: Guia de pesquisa de ações federais. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria; LACED/Museu Nacional/UFRJ, 2011. INFORMATIVO CNPI/ Comissão Nacional de Política Indigenista. Brasília, 2008. In: site FUNAI www.funai.gov.br.

Site Funai: http://www.funai.gov.br/quem/historia/politica.htm Documentação encaminhada da Funai ao IPHAN acerca das ações junto aos Guarani.

Museu do Índio (vinculado à FUNAI)

O Museu do Índio, órgão ligado à FUNAI, foi criado em 1953 e desde esta data

tem sua sede na cidade do Rio de Janeiro. Trata-se de um órgão científico-cultural dedicado

exclusivamente às culturas indígenas, tendo por missão conservar, pesquisar e comunicar o

seu acervo, agregando pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento e realizando

projetos e eventos em parceria com indígenas, conforme informações contidas em site deste

órgão.

A propósito dos programas e projetos desenvolvidos pelo Museu do Índio, consta

no site da instituição:

“O Museu do Índio coordena, desde 2009, um esforço nacional de

registro e documentação para proteger, reforçar e revitalizar as

muitas línguas e culturas indígenas existentes no território brasileiro.

O trabalho é divido em quatro áreas de atuação – Prodoclin,

Prodocult, Prodocerv e Prodoc Som – e desenvolvido em conjunto

com o Instituto Max Planck, da Alemanha, e várias universidades e

centros de pesquisa do País, com o apoio da Fundação Banco do

Brasil e da Unesco.

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O Programa de Documentação de Línguas e Culturas Indígenas –

PROGDOC atua em 105 aldeias de norte a sul do Brasil com a

participação e intervenção direta dos índios, possibilitando o registro

de aspectos específicos de 39 culturas e beneficiando uma população

superior a 27 mil índios”32.

Dentre os povos junto aos quais o Museu do Índio desenvolve o Programa de

Documentação de Línguas e Culturas Indígenas – PROGDOC estão os Mbyá Guarani. Conforme

informações em site do Museu, o projeto desenvolvido junto aos Mbyá Guarani do Rio de

Janeiro (Prodocult) teve como objetivo em sua primeira fase capacitar jovens das cinco aldeias

Mbya do litoral sul fluminense, no processo de inventário e registro escrito de aspectos de seu

universo social que considerem relevantes. Integram, ainda, o projeto duas outras etapas,

compostas por uma oficina de introdução à micro-informática e outra oficina de fotografia33.

b.3) Ministério da Educação/MEC

A responsabilidade pela gestão da Educação Escolar Indígena é transferida, no

início da década de 1990 da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) ao Ministério da Educação

(Decreto 26/1991). Desde então, este Ministério vem definindo e coordenando ações voltadas

à Educação Escolar Indígena em regime de colaboração com as Secretarias Estaduais e

Municipais de Educação, com apoio de outras Secretarias do Ministério da Educação e da

FUNAI.

No que diz respeito à estrutura administrativa do MEC voltada à Educação Escolar

Indígena destaca-se a criação, em 2003, da Coordenação Geral de Educação Escolar

Indígena/CGEEI, vinculada à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e

Inclusão (SECADI), criada em 2004; a criação da Comissão Nacional de Professores Indígenas

em 2001; a criação de vaga/representação indígena no Conselho Nacional de Educação em

2002, a criação da Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena em 2003 e sua ampliação

em 2010 que a transforma em majoritária para a representação indígena.

Dentre as leis e normativas criadas a partir da gestão da Educação Escolar

Indígena pelo Ministério da Educação destacam-se a Lei das Diretrizes e Bases da Educação

Nacional/96, que trata da Educação Indígena em seus Artigos 3234, 7835 e 7936. Destacam-se

32http://doc.museudoindio.gov.br/progdoc/geral.php?ID_S=46 33http://doc.museudoindio.gov.br/prodocult/guarani-mbya/interna.php?ID_S=16 34 Art. 32 § 3º. O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. 35 O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa,

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ainda, no escopo da legislação referente à Educação Escolar Indígena o Parecer 14/CNE-

CEB/99, que apresenta asDiretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena e a

Resolução CEB/99 que fixa as Diretrizes Nacionais para o funcionamento das escolas indígenas

e dá outras providências; o Capítulo 9 do Plano Nacional de Educação/2001, que trata da

Educação Indígena e finalmente, o Decreto 6.861/2009, que estabelece a gestão da Educação

Escolar Indígena por meio de Territórios Etnoeducacionais.

A propósito da política dos Territórios Etnoeducacionais, conforme texto

elaborado pela CGEEI para divulgação37, “essa política propõe construir um novo modelo de

planejamento e gestão da educação escolar indígena tendo como principal referência a forma

como os povos indígenas se organizam, as suas especificidades sociolingüísticas, políticas,

históricas, geográficas e suas relações intersocietárias.”

Dentre as propostas da política dos TEEs está a participação efetiva dos povos

indígenas em todas as etapas da gestão da educação escolar e o diálogo e articulação entre

diferentes instituições responsáveis pela educação escolar indígena. Neste sentido, são

propostos instrumentos que buscam viabilizar a implantação e gestão dos TEEs: realização de

diagnóstico, elaboração de um Plano de Ações e criação da Comissão Gestora.

Até o mês de agosto de 2012 foram pactuados 22 Territórios Etnoeducacionais,

sendo que um deles, o TEE Cone Sul, abrange os povos Guarani Kaiowa e Guarani Nhandeva

(no estado de Mato Grosso do Sul). Também está em processo de consulta para pactuação o

Território Litoral Sul, que agregará os Guarani-Mbya dos estados do Rio Grande do Sul, Santa

Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo.

para oferta de educação escolar bilingüe e intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos: I - proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências; II - garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-índias. 36 A União apoiará técnica e financeiramente os sistemas de ensino no provimento da educação intercultural às comunidades indígenas, desenvolvendo programas integrados de ensino e pesquisa. § 1º. Os programas serão planejados com audiência das comunidades indígenas. § 2º. Os programas a que se refere este artigo, incluídos nos Planos Nacionais de Educação, terão os seguintes objetivos: I - fortalecer as práticas sócio-culturais e a língua materna de cada comunidade indígena; II - manter programas de formação de pessoal especializado, destinado à educação escolar nas comunidades indígenas; III - desenvolver currículos e programas específicos, neles incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades; IV - elaborar e publicar sistematicamente material didático específico e diferenciado. 37 No prelo.

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Abaixo seguem informações relativas ao TEE Cone Sul e ao processo de pactuação

do TEE Litoral Sul.

O TEE Cone Sul

Mapa: ANDRADE, Adriana Carvalho. Consultora CGEEI-MEC. Brasília, 09/2010

O TEE Cone Sul foi pactuado em 10 de novembro de 2009. Os debates sobre a

implantação dos Territórios Etnoeducacionais foram realizados durante a I Conferência

Regional de Educação Escolar Indígena de Dourados, no período de 31 de março a 03 de abril

de 2009 e em 27 de agosto de 2009 foi realizada Reunião Técnica – Plano de Ação do TEE Cone

Sul em Dourados/MS.

O TEE Cone Sul agrega em território descontínuo três grupos indígenas, sendo

dois deles pertencentes ao Tronco Linguístico Tupi (Guarani Nhandéva e Guarani Kaiowá) e um

pertencente à família lingüística Aruák (Terena). Estes grupos habitam 37 Terras Indígenas e

estão sobrepostos ao TEE 18 municípios, todos no Estado de Mato Grosso do Sul.

Com base no número de escolas indígenas por município cadastradas em Censo

Escolar INEP/MEC 2010, estima-se um número de 31 escolas indígenas no TEE Cone Sul que

atendem aproximadamente 12.158 estudantes.

Além dos Programas gerais do Ministério da Educação, que prevê o repasse de

verbas para a Educação básica, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar/PNAE (que

prevê valor diferenciado aos povos indígenas), o Plano de Ações Articuladas/PAR, o Fundo de

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Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da

Educação/FUNDEB, o Programa Dinheiro Direto na Escola/PDDE, os Programas Caminho da

Escola e o Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar/PNATE, o Ministério da

Educação conta com dois programas voltados especificamente ao apoio à formação de

professores indígenas em nível superior - o PROLIND e à produção e publicação de materiais

didáticos indígenas – a CAPEMA, ambos funcionando através de editais de convocação e

criados em 2005. Abaixo consta levantamento acerca dos materiais didáticos e da formação de

professores indígenas no TEE Cone Sul:

Levantamento de materiais didáticos dos povos que compõem o TEE Cone Sul:

Material Didático TEE Cone Sul

Título Dados da publicação

Cartilha Ne’enga Atykue (7 volumes) Aprovado no Edital nº. 19 da CAPEMA, de 15 de julho de 2009. Material no prelo.SEEMS, MEC, UFMG.

Cartilha Ne’enga Atykue Mbohapyha Aprovado no Edital nº. 19 da CAPEMA, de 15 de julho de 2009. Material no prelo.SEEMS, MEC, UFMG.

Cartilha Ne’enga Atykue Peteiha Aprovado no Edital nº. 19 da CAPEMA, de 15 de julho de 2009. Material no prelo.SEEMS, MEC, UFMG.

Livro Nande Ypykuéra ñe’ engue Aprovado no Edital nº. 19 da CAPEMA, de 15 de julho de 2009. Material no prelo.CAPI, MEC, UFMG.

Ñe’ Poty Kuemi Produzido pela primeira turma do Curso Ara Vera em 2002.Guarani e Kaiowá.

Ñane mba’eteéva Atykue Produzido pela primeira turma do Curso Ara Vera em 2002.Guarani e Kaiowá.

Ñamombe’u je’upy rehegua Produzido pela primeira turma do Curso Ara Vera em 2002.Guarani e Kaiowá.

Te’ýi rembiapo Produzido pela primeira turma do Curso Ara Vera em 2002.Guarani e Kaiowá.

Ñembohoky ñe’e tesaĩ rehehápe Produzido pela primeira turma do Curso Ara Vera em 2002.Guarani e Kaiowá.

Ñemborari

Produzido pela segunda turma do Curso Ara Vera em 2006.Guarani e Kaiowá.

Expressão Corporal Guarani/Kaiowá

Repasse financeiro do MEC à Secretaria Estadual de Educação do Mato Grosso do Sul para apoio à publicação através do convênio 806005/2007.

Etnomatemática para populações indígenas Repasse financeiro do MEC à Secretaria Estadual de Educação do Mato Grosso do Sul para apoio à publicação através do convênio 806005/2007.

Língua indígena bilíngue – português e populações indígenas.

Repasse financeiro do MEC à Secretaria Estadual de Educação do Mato Grosso do Sul para apoio à

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publicação através do convênio 806005/2007.

TEKOPOTYRYAKUÃ

Secretaria de Estado da Educação de Mato Grosso do Sul e Universidade Católica Dom Bosco.

Fonte de informações: Produto 3 Tonico Benites, 2011, Catálogo de “Materiais didáticos e Paradidáticos em Línguas indígenas” organizado por Nilze Figueiredo e Susana Grillo Guimarães (2008), materiais e catálogos junto à CGEEI.

Bregalda-Jaenisch, Produto 3. MEC/OEI, 2012, p.57,58.

Formação de professores indígenas no TEE Cone Sul

a) Magistério Intercultural

Conforme dados do consultor Tonico Benites (2012), responsável pelo

acompanhamento do TEE Cone Sul no período de 2010/2011, o Curso Específico “Ara Vera” em

nível Médio habilita os professores indígenas para atuar em nível de educação infantil e anos

iniciais do Ensino Fundamental. O Curso Ara Vera se encontra em pleno desenvolvimento

desde 1999, já formou 220 professores Guarani e Kaiowá. Além disso, este Curso produziu e

publicou diversos materiais didáticos em língua guarani kaiowá que estão sendo utilizados nas

escolas indígenas.

Ainda segundo o consultor: o curso Ara Vera foi organizado pela Secretaria

Estadual de Educação do Mato Grosso do Sul, em parceria com os municípios, a Universidade

Católica Dom Bosco – UCDB e a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS. (…) O

primeiro curso terminou em 2002, formando 80 profissionais indígenas guarani e kaiowá. A

segunda turma do Curso Ara Vera iniciou em 2003, formando 70 professores guarani e kaiowá

em 2006. A terceira turma começou em 2007, formando 60 professores indígenas em 2010. Em

2011 já começou a quarta turma do Curso Ara Vera que pretende formar 40 professores

guarani e kaiowá em 2014.

b) Licenciatura Intercultural

A Universidade Federal da Grande Dourados participou de dois editais do

PROLIND para implementação e desenvolvimento de curso de Licenciatura Intercultural

atendendo aos povos Guarani Kaiowá e Guarani Nhandéva em três turmas ingressas, sendo

que a quarta iniciará neste ano de 2012. Conforme dados da tabela abaixo, ingressaram desde

2006 um total de 175 indígenas dos povos Guarani Kaiowá e Guarani Nhandéva no curso de

Licenciatura Intercultural.

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Edital Nº 5 de 29 de junho de 2005

Eixo I : Implantação e Desenvolvimento de Cursos de Licenciatura interculturais para formação de Professores Indígenas em Nível Superior

TEE Título projeto Instituição Proponente

Povos Indígenas Nº matrículas e ano

Término/ número de formados

Cone Sul Licenciaturas Interculturais das áreas: Ciências Sociais, Educação Matemática, Ciências da Linguagem e Ciências da Natureza

UFGD Guarani Kaiowá

Guarani Nhandéva

60 2006

54 2011

Edital Nº 3 de 24 de junho de 2008

Eixo II: Desenvolvimento de Cursos de Licenciatura Interculturais para Formação de Professores Indígenas em Nível Superior.

TEE Título projeto Instituição Proponente

Povos Indígenas Nº matrículas e

ano

Término

Cone Sul Curso de Licenciaturas Indígenas no Contexto dos Guarani e Kaiowá - Projeto Teko Arandu

UFGD - Universidade

Federal da Grande

Dourados

Guarani Kaiowá

Guarani Nhandéva

45 2008

70

2011

4ª turma 2012

2011

2014

2015

Bregalda-Jaenisch, Produto 3. MEC/OEI, 2012, p.56.

O TEE Litoral Sul

Com relação à política dos Territórios Etnoeducacionais, os Mbyá Guarani ainda

não oficializaram a criação de seu Território, que está em fase de consulta e tem pactuação

prevista para o ano de 2012. O TEE Litoral Sul, como a princípio vem sendo denominado o TEE

formado pelo Mbyá Guarani abrangeria seis estados brasileiros onde há presença deste povo:

Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo.

Neste contexto específico, a política dos TEEs vem ao encontro de um projeto que

já vinha sendo executado desde 2004, o Protocolo Guarani, que já se propunha a articular os

seis estados em ações voltadas especialmente à formação de professores indígenas.

O Protocolo Guarani foi resultado da solicitação de lideranças e representantes

Guarani de aldeias da região sul do país, presentes no I Encontro de Educação Escolar Indígena

da Região do Litoral Sul, realizado em Florianópolis-SC, de 27 a 31 de agosto de 2001.

Conforme dados fornecido pela coordenação da CGEEI, “a intenção de conjugar esforços para

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promover o desenvolvimento de programas educacionais, projetos de formação, extensão,

pesquisas e estudos junto às comunidades do Povo Guarani, culminou na celebração de um

PROTOCOLO DE INTENÇÕES pelos Secretários dos estados de SP, ES, RJ, PR, SC e RS, durante

reunião do CONSED – Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação, em 30 de

setembro de 2004”.

Em mapa abaixo é possível visualizar a área de abrangência do TEE Litoral Sul, que

abrange uma série de Terras Indígenas e aldeias descontínuas nas regiões Sul e Sudeste do

Brasil.

ANDRADE, Adriana Carvalho. Consultora CGEEI-MEC. Brasília, 2012.

Perspectivas atuais

A responsabilidade pela Educação Escolar Indígena no Brasil, como foi apontado,

foi transferida no início da década de 1990 da FUNAI ao Ministério da Educação. A instituição

indigenista oficial não havia deixado, até então, de apoiar ações voltadas à Educação Escolar

Indígena, seja em nível superior , através do apoio financeiro a estudantes indígenas, seja na

educação básica, através do apoio à política dos Territórios Etnoeducacionais, a partir de

Termo de Cooperação firmado com a CGEEI/SECADI/MEC. Este apoio era viabilizado pela

Coordenação Geral de Educação/CGE/FUNAI, que, em 2012, foi extinta pela então presidente

da FUNAI Marta Azevedo.

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Até o mês de agosto de 2012 o Termo de Cooperação que viabiliza a execução da

agenda política dos Territórios Etnoeducacionais não foi assinado pela FUNAI, estando a

Política, que já passava por dificuldades resultantes especialmente da carência de recursos

humanos e estrutura da CGEEI para atendimento às demandas da Educação Escolar Indígena,

estagnada.

Referências

BREGALDA-JAENISCH. Produto 1.Documento analítico dos dados históricos sobre a criação dos TEEs, Mapas do TEEs, Povos e Terras Indígenas na sua abrangência, dados educacionais, Estado/s e Municípios participantes, Planos de Ação, Instituições que assinaram o Plano de Ação, Comissões Gestoras dos TEEs, Atas das reuniões das Comissões Gestoras, subsidiando a criação do Portal dos Territórios Etnoeducacionais, no sítio do Ministério da Educação. OEI/MEC. Brasília, Dezembro de 2011.

BREGALDA-JAENISCH. Produto 3. Documento avaliativo dos indicadores educacionais nos TEEs, com foco na ampliação da educação básica (anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio), formação inicial e continuada de professores indígenas - magistério e licenciaturas interculturais, materiais didáticos, infraestrutura escolar nos TEEs pactuados com recorte por povo.OEI/MEC. Brasília, Abril de 2012.

BREGALDA-JAENISCH. Produto 4. Documento técnico analítico dos dados e informações sobre o impacto do Decreto 6.861/2009 nos indicadores da Educação Escolar Indígena nos TEEs pactuados e no controle social indígena, para subsidiar o Documento de Avaliação de Implementação dos TEEs no período de 2009 a 2011.OEI/MEC. Brasília, Maio de 2012.

CGEEI. Texto para folder de divulgação da política dos Territórios Etnoeducacionais (no prelo). Arquivos CGEEI

FIGUEIREDO, Nilze Maria Garcia. GUIMARÃES. Susana Grillo. Materiais didáticos e Paradidáticos em Línguas indígenas. CGEEI/MEC, 2008.

BENITES, Tonico. Produto 3: Documento analítico para subsidiar o trabalho das Comissões Gestoras dos Territórios Etnoeducacionais (TEEs), com informações sistematizadas sobre as ações executadas pelas instituições integrantes dos Planos de Ação nas áreas de construção, reforma e ampliação de escolas; formação inicial e continuada de professores; produção de material didático diferenciado no âmbito dos Territórios Etnoeducacionais. Brasília, Setembro de 2011. Arquivos CGEEI.

ANDRADE, Adriana Carvalho de. Produto 1: Documento técnico com análise quantitativa e espacial dos aspectos geopolíticos, físicos e demográficos dos Territórios Etnoeducacionais Rio Negro, Baixo Amazonas, Cone Sul e Povos do Pantanal. Brasília, setembro de 2010. Arquivos CGEEI

b.4) Ministério da Saúde/ MS

As conquistas do movimento indígena com relação à saúde começam a ser

significativas a partir de 1986 com a I Conferência Nacional de Saúde Indígena onde vieram ao

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debate as demandas específicas das comunidades. Até 1991 os tratamentos de saúde dos

povos indígenas eram de competência da FUNAI, mas por decreto foi transferida para a

FUNASA, órgão executivo do Ministério da Saúde. O Ministério Público garantiu ao MS o papel

de gestor desta agenda em 1997. Em setembro de 1999, a Lei nº 9.836 instituiu, como parte

estrutural do Sistema Único de Saúde (SuS), o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI-

SuS).

A estrutura atual do sistema de saúde indígena conta com os postos de

atendimento específicos do SASI-SuS e do SuS, temos também os Pólos-Base, as Casas de

Saúde Indígenas (CASAI) e no ano de 1993 entrou em pauta a criação dos Distritos Sanitários

Especiais Indígenas (DSEI) na II Conferência Nacional de Saúde Indígena. A proposta deste

sistema de saúde específico é atender a mais de 200 povos, 630 terras indígenas, 180 línguas,

600.000 mil pessoas (BERTOLANI, 2008).

Após a portaria n° 852, de 30 de setembro de 1999, ficou estabelecida a criação

de 34 Distritos Sanitários, sendo que quatro destes atendem as diferentes parcialidades

Guarani no Brasil, conforme dados a seguir:

O DSEI 19 - Mato Grosso do Sul fica localizado na região pantaneira no Mato Grosso do Sul,

próximo a divisa com o Paraguai e a Bolívia. Este Distrito é responsável pela saúde de 60.860

índios e atende uma população em que 40% dos indivíduos são de origem Guarani,

contabilizando 42.900 pessoas distribuídas em 81 aldeias. A maioria destes Guarani são da

parcialidade kaiowá.

Fonte: site FUNASA.

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82

O DSEI 20- Minas Gerais e Espírito Santo atende 14.461 índios dos dois estados do sudeste. A

população indígena está concentrada na região nordeste de Minas Gerais e no norte do

Espírito Santo. Nesse distrito, a etnia mais populosa é a Xakriaba, porém temos um

contingente Guarani de 6,52% com 268 pessoas divididas em 9 aldeamentos.

Fonte: site FUNASA.

O DSEI 22 - Interior Sul localiza-se em regiões fronteiriças com Paraguai e Argentina e atende a

40.486 indivíduos. Destes, aproximadamente 28% são Guarani que estão distribuídos em 83

aldeias, contabilizando uma população Guarani de 4.506 pessoas.

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Fonte: site FUNASA.

ODSEI 29– Litoral Sul atende a 9.347 indígenas sendo entre estes, 5.590 Guarani, segundo

dados disponíveis no site da SESAI no Portal da Saúde do Governo Federal, contabilizando

aproximadamente 30% dos indígenas atendidos neste Distrito. A população Guarani neste

Distrito está distribuída em 105 aldeias.

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Fonte: site FUNASA.

Conforme informações disponíveis em Portal da Saúde do Governo Federal, os

DSEIs devem prestar atenção básica à população indígena aldeada, mediante atuação de

Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI), nos moldes do Programa Saúde da

Família (PSF), compostas por médicos, enfermeiros, odontólogos, auxiliares de enfermagem e

Agentes Indígenas de Saúde.

Com a criação do Plano Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI)

pela Portaria n° 254/2002 do MS formaliza-se a proposta de humanização no tratamento de

saúde desses povos. Todavia, as reclamações e desafios a serem enfrentados tanto pelas

lideranças indígenas quanto pelos órgãos estatais são diversos. Os serviços são considerados

por vezes precários e os indicadores mostram que os índios tem tido piores condições de

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sobrevivência que o restante da população brasileira, mesmo após as ações previstas no

PNASPI. Para os Guarani, as preocupações com saúde e doença, suas possíveis causas e curas

vão além do corpo físico e individual, dependem também de aspectos coletivos, da relação do

sujeito com o meio, com sua espiritualidade e boa conduta dentro dos padrões sociais.

De acordo com Marlon Bertolani (2008), é necessário melhor investimento dos

recursos públicos para a saúde destes povos, maior participação dos indígenas na gestão e

execução das políticas, é preciso formar mais profissionais indígenas para atender as

necessidades de suas próprias comunidades visto a desconfiança quanto à presença dos não-

índios no atendimento, além da necessidade de ampliação do diálogo intercultural.

Visando a melhoria da execução das políticas de saúde indígena foi criada em 2010

a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI). Esta Secretaria tem como objetivo tornar mais

eficiente o atendimento que vinha sendo falho, mesmo após a criação do PNASPI. Buscou-se

com a criação desta Secretaria centralizar as demandas em um órgão específico, o que vinha

se apresentando como necessário a partir das experiências anteriores.

Referências

BERTOLANI, Marlon Neves. Representações Sociais da saúde e políticas de saúde voltadas a populações indígenas: uma análise da relação entre o Sistema de Saúde Guarani e a Biomedicina. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Espírito Santo. UFES/Vitória, 2008.

Informações sobre os Distritos Sanitários.

http://portal.saude.gov.br/portal/saude/Gestor/area.cfm?id_area=1708

OLIVEIRA, Solange C., GOLDSCHMIDT, Irene L. Política Nacional de Saúde Indígena. Formação de Agentes Indígenas de Saúde no Estado do Rio de Janeiro.http://urutau.proderj.rj.gov.br/intranet_rj_imagens/arquivos/uploads/Politica%20Nac.pdf

Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. FUNASA, 2002.

http://dab.saude.gov.br/saude_indigena.php

b.5) Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome/ MDS

Em 2004 o Governo Federal criou a Comissão Nacional de Desenvolvimento

Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais presidida pelo Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS) e secretariada pelo Ministério do Meio

Ambiente (MMA) e em 2007 foi implementada, a partir do Decreto 6.040/07, a Política

Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. A propósito

desta Comissão e Política consta em site do MDS:

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A Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e

Comunidades Tradicionais (CNPCT) tem como missão pactuar a

atuação conjunta de representantes da Administração Pública direta

e membros do setor não governamental pelo fortalecimento social,

econômico, cultural e ambiental dos povos e comunidades

tradicionais.

Entre suas principais atribuições estão coordenar e acompanhar a

implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável

dos Povos e Comunidades Tradicionais, instituída pelo Decreto nº

6.040/07. A CNPCT também propõe princípios e diretrizes para

políticas relevantes ao desenvolvimento sustentável dos povos e

comunidades tradicionais no âmbito do Governo Federal. (...)

Como resultado direto de atuação da instância, a Política Nacional de

Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais

foi elaborada tendo como principal objetivo a promoção do

desenvolvimento sustentável desses grupos com ênfase no

reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos

territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, respeitando e

valorizando suas identidades, formas de organização e instituições.

A CNPCT realizou, ainda, a criação de instâncias que buscam propor e

monitorar ações voltadas ao alcance dos objetivos específicos dessa

política pública. São as Câmaras Técnicas Permanentes de

Infraestrutura, Fomento e Produção Sustentável, Inclusão Social e

Acesso aos Territórios e aos Recursos Naturais.

Dentre as políticas do MDS voltadas aos povos indígenas destaca-se a Carteira de

Projetos Fome Zero e Desenvolvimento Sustentável em Comunidades Indígenas, chamado

genericamente de Carteira Indígena. Conforme informações em site do MDS:

Carteira Indígena (CI) – é uma ação do governo federal, estabelecida

pela parceria entre o Ministério do Meio Ambiente - MMA e o

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS, com

o objetivo de apoiar e promover a segurança alimentar e nutricional

e o desenvolvimento sustentável de comunidades indígenas, em todo

o Brasil. Esta ação se concretiza através do fomento a projetos

elaborados pelas comunidades, de acordo com suas demandas, para

execução de atividades de produção sustentável (de alimentos, do

artesanato, do agroextrativismo), de gestão ambiental e territorial de

Terras Indígenas e de realização e difusão de práticas e saberes

tradicionais ligados à auto-sustentação econômica desses povos. Os

projetos são definidos pelas comunidades.

As ações contempladas pelos projetos envolvem desde compra de sementes,

ferramentas, plantio de alimentos básicos como mandioca, banana, batata-doce, etc.,

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implantação de sistema de irrigação e pasto, obtenção de animais e também capacitação dos

indivíduos para o trabalho rural e doméstico.

Nos seus três primeiros anos de existência, a CI já havia aprovado 235 projetos, a

proposta é investir até R$ 12,6 milhões em ações beneficiando mais de 11 mil famílias

indígenas de 55 etnias diferentes, em 17 estados do país até 2010. Segundo dados do MDS,

80% dos projetos foram de demanda espontânea dos grupos e existem demandas para

continuidade e expansão da carteira. A seleção dos projetos se dá com prioridade às

populações em estado de emergência de carência de alimentos segundo dados dispostos em

publicação que registra ações de desenvolvimento sintetizadas por Loureiro e Pereira (2008, p.

21).

Em site do MDS há notícias sobre os beneficiários dos projetos e dentre os

projetos Guarani beneficiados está um em Barra do Ribeiro (RS) na aldeia Tekoa Porã. Através

deste projeto, a Carteira previa a transferência de cestas básicas para as famílias que antes

viviam à beira da estrada, a construção de um forno artesanal comunitário para produzir pão,

sete fogões à lenha, uma centrífuga para a extração do mel, auxílio para manejar a piscicultura

e a criação de aves.

Em 2010 foi lançada a Carteira Indígena para mulheres e, segundo dados

disponíveis em site do Ministério do Meio Ambiente, foram aprovadas demandas de

associações Guarani em Mato Grosso do Sul e Santa Catarina, que somam cerca de 280 mil

reais em investimento para a geração de renda e aprimoramento das produções agrícolas e

artesanais das comunidades.

Dentre as ações do MDS voltadas a indígenas destacam-se ainda as ações de

extensão do Bolsa Família aos povos indígenas a partir de 2006 e do atendimento desta

população no âmbito do “Programa de Atenção Integral à Família (PAIF)”. Conforme

informações de De Paula e Vianna (2011, p. 101), “o PAIF apoia famílias socialmente

vulneráveis, enredadas, por exemplo, em situações de trabalho informal, infantil ou mesmo

escravo. O Programa envolve articulações entre órgãos das três instâncias do Poder Executivo

(federal, estadual e municipal) e o oferecimento de serviços às famílias em unidades

denominadas Centros de Referência da Assistência Social (Cras)”. No âmbito do PAIF foram

construídos “Cras indígenas”, que contam com a atuação do MDS, Funai e também Ministério

Público do Trabalho (MPT).

Referências

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DE PAULA, Luís Roberto e VIANNA, Fernando de Luiz Brito. Mapeando Políticas Públicas para Povos Indígenas: Guia de pesquisa de ações federais. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria; LACED/Museu Nacional/UFRJ, 2011. PUBLICAÇÃO TÉCNICA: Povos indígenas um registro das ações de desenvolvimento social. Brasília, 2008. Disponível em: www.mds.gov.br//povos-indigenas-um-registro-social/ CNPCT http://www.mds.gov.br/acesso-a-informacao/orgaoscolegiados/orgaos-em-destaque/cnpct Relatório da II Oficina Nacional de Trabalho da Carteira Indígena, Brasília, 2008. Disponível em: http://www.mds.gov.br/search/search?SearchableText=ind%C3%ADgenas&search_portal_type=News%20Item NOTÍCIA CARTEIRA INDÍGENA http://www.mds.gov.br/noticias/projeto-carteira-indigena-melhoria-na-qualidade-de-vida-em-barra-do-ribeiro-rj/ CARTEIRA INDÍGENA PARA MULHERES http://www.mma.gov.br/estruturas/sds_carteira_indigena/_arquivos/projetos_selecionados_para_apoio___chamada_mulheres_98_98.pdf CARTEIRA INDÍGENA http://www.mma.gov.br/apoio-a-projetos/carteira-indigena

b.6) Ministério do Meio Ambiente/MMA

Desde o início da década de 90 no Brasil, o órgão responsável pela preservação

ambiental em terras indígenas é o MMA. Suas atribuições vão desde a fiscalização contra

atividades predatórias até o licenciamento de grandes obras que possam causar impacto na

distribuição dos recursos naturais para as comunidades indígenas.

Junto ao MMA foi desenvolvida nos últimos 10 anos uma iniciativa-piloto de apoio

a pequenos projetos indígenas: o PDPI - Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas.

Conforme De Paula e Vianna (2011, p.92):

“Esta iniciativa veio compor o grande programa de proteção às

florestas tropicais brasileiras que o grupo dos sete países mais ricos

do mundo ajudou a desenvolver, o PPG7. O PDPI foi uma ação de

cooperação internacional, planejada para ter começo e fim. Já

praticamente encerrada, depois de 10 anos de funcionamento, abriu

as portas para que outro mecanismo de aprovação e apoio ao

desenvolvimento de projetos indígenas se estruturasse de modo

mais consistente e permanente no interior do MMA: a chamada

“Carteira Indígena””.

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Por terem se voltado especialmente às populações da Amazônia Legal, as ações

do PDPI não tiveram impacto entre os Guarani. Entretanto foi iniciativa que, tal como

apontaram os autores acima, abriram as portas para outro mecanismo de viabilização de

projetos que então passa a contemplar maior número de populações indígenas, incluindo os

Guarani.

A Carteira Indígena, tal como apresentada em texto referente ao MDS, foi lançada

em 2004, é resultado da parceria entre o MDS e o MMA e visa melhorar as condições

alimentares das comunidades indígenas dentro de um espaço auto-sustentável. Através da

Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável (SEDR) são lançados editais

públicos para seleção de projetos que “associem autossustentação à revitalização de práticas e

saberes tradicionais, sobretudo os que focalizam a produção de alimentos, o agroextrativismo

e a produção de artesanato” (De Paula e Vianna, 2011, p.92).

Os recursos repassados aos projetos vão de 50.000,00 à 300.000,00 reais,

classificados entre A, B e C dependendo do grau de emergência da comunidade. Os projetos

tem duração máxima de trinta e seis meses e devem ser prioritariamente de iniciativa das

associações indígenas.

O Comitê Gestor da CI é composto por oito integrantes indígenas e oito do

governo federal e é a instância máxima de deliberação dos projetos. Foram realizadas duas

Oficinas Nacionais de Trabalho para definir o andamento dos projetos, uma em 2004, outra em

2008. O Comitê reúne-se, para além destas oficinas, quando achar necessário e deve também

ter representantes em oficinas regionais da carteira. Segundo o site do MMA, a propósito das

“instâncias de participação e controle social” da CI: as oficinas são instâncias de avaliação

coletiva da Carteira, na qual são pactuadas as Diretrizes e Normas de Acesso aos Recursos e

são avaliadas as ações e estratégias de implementação.

Através da Carteira Indígena foram apoiados projetos que atendem as diferentes

parcialidades Guarani nos estado do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e

Mato Grosso do Sul. Dentre as ações desenvolvidas pelos projetos estão: implantação de horta

comunitária; agricultura de subsistência; piscicultura; apicultura; fruticultura; preparação do

solo; plantio de mudas; implantação de sistema de irrigação; plantação de mandioca, milho,

batata-doce; recuperação da Mata Ciliar; roças de cultivos diversos; criação de aves; aquisição

de equipamentos, sementes, matrizes, reprodutores, insumos; construção de estufa;

instalação de tanque de água; criação de suínos e aves; confecção e comercialização de

artesanato; construção de abrigo para artesanato; capacitação etc.

A propósito dos projetos desenvolvidos entre os Guarani em mato Grosso do Sul,

em relatório elaborado por Rubem F. Thomaz, antropólogo consultor da CI, foram realizadas

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na região de Dourados reuniões regionais de acompanhamento dos projetos entre 20 a 28 de

novembro de 2007. Nestasforam abordados pontos importantes para continuidade e

aperfeiçoamento das ações que já estavam em curso. Os indígenas ressaltaram a importância

da ampliação dos projetos ao considerarem os impactos positivos, mas também apontaram

para as dificuldades encontradas na execução dos mesmos. Dentre as dificuldades estão:

ausência de técnicos no desenvolvimento das atividades e o maior envolvimento dos próprios

Guarani em atividades coletivas, pois estes muitas vezes priorizam os trabalhos remunerados

fora das aldeias, que garantem remuneração mais imediata.

Os conflitos por posse de terra envolvendo fazendeiros e indígenas no Mato

Grosso do Sul também marcam o contexto do desenvolvimento desta política entre os Kaiowa.

As dificuldades vão desde a abordagem de problemas que remetem à relação dos Kaiowa com

os fazendeiros envolvendo, por exemplo, a poluição decorrente do uso excessivo de

agrotóxicos nas fazendas, até casos mais graves de violência, como assassinatos de lideranças

indígenas pelos fazendeiros. Estes casos de violência extrema e os conflitos de terra sinalizam

a frágil e morosa atuação do Estado na região, o que dificulta a realização de políticas como a

que está em questão, inclusive porque estas dependem do acesso dos indígenas aos territórios

e recursos naturais.

Mas apesar das grandes dificuldades enfrentadas na região de Dourados, a

Carteira Indígena foi aprovada por grande parte das comunidades, sendo unanimidade entre

os indivíduos beneficiários o desejo de que haja continuidade das ações. As questões

relevantes para o aperfeiçoamento da CI provem da melhor aplicação dos recursos

repassados, fiscalização, capacitação de técnicos indígenas, maior integração entre os

indivíduos para que as roças, pomares e criadouros de animais não fiquem abandonados.

Em 2010 houve uma chamada pública de projetos da CI para as mulheres

indígenas e algumas aldeias guarani foram beneficiadas, sobretudo com projetos voltados ao

artesanato, floricultura e construção de pomares, etc.

Os relatórios da CI apontam ainda para melhora na auto-estima das comunidades

após a inserção da Carteira, algumas passando a reconhecer a tentativa do poder público em

observar seus problemas e necessidades.

Referências

DE PAULA, Luís Roberto e VIANNA, Fernando de Luiz Brito. Mapeando Políticas Públicas para Povos Indígenas: Guia de pesquisa de ações federais. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria; LACED/Museu Nacional/UFRJ, 2011.

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Carteira Indígena: Relatório das Reuniões Realizadas em Terras Guaranis do Cone Sul do Mato Grosso do Sul, MMA/PNUD, Brasília, 2008. Rubem F. Thomaz de Almeida http://homolog-w.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=98 http://www.mma.gov.br/estruturas/sds_carteira_indigena/_arquivos/projetos_selecionados_para_apoio___chamada_mulheres_98_98.pdf http://www.mma.gov.br/apoio-a-projetos/carteira-indigena/instancias-de-participacao-e-controle-social

b.7) Ministério do Desenvolvimento Agrário

A relação deste Ministério com os povos originários é iniciada em tom de

hostilidade. O Serviço de Proteção ao Índio, criado em 1910, era subordinado ao Ministério da

Agricultura e tinha como meta a incorporação dos indígenas ao trabalho rural, com vistas a

aumentar a mão-de-obra explorável.

Em 1999 o Ministério da Agricultura se desdobra em dois: o Ministério do

Desenvolvimento Agrário, responsável pela regularização fundiária e pela pequena agricultura,

e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, ocupado por representantes do

agronegócio e que dialogam muito mal com os povos do campo – em especial, com os sem-

terra, mas também com os índios e os quilombolas. (De Paulo e Vianna, 2011, p. 94).

Apesar de a legislação do MDA não mencionar explicitamente os indígenas, este

Ministério é levado em conta como um dos parceiros especialmente no processo de

regularização fundiária. Conforme De Paula e Vianna (2011, p. 95):

um papel relevante naquele processo é exercido pelo Instituto

Nacional de Reforma Agrária (Incra), autarquia do Poder Executivo

Federal vinculada ao MDA. Compete ao Incra normatizar o

reassentamento de ocupantes não índios em terras indígenas,

cooperando para tanto com a Funai, e participar de uma das etapas

que compõem o procedimento demarcatório: o levantamento

fundiário.

Além disso, o Decreto nº 25, de 1991 dá competências ao antigo Ministério da

Agricultura e Reforma Agrária para incluir os indígenas em ações de assistência técnica e

extensão rural (Ater) elaboradas atualmente pelo Departamento de Assistência Técnica e

Extensão Rural (Dater), subordinado à Secretaria de Agricultura Familiar (SAF).

A chamada “Ater Indígena” propõe o desenvolvimento de atividades de produção

visando o etnodesenvolvimento das comunidades e a segurança alimentar, de acordo com as

diretrizes do Plano Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER), instituído pela

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Lei nº 12.188, de 11/01/2010. O objetivo é atender as demandas específicas dos povos

indígenas, segundo suas tradições. No âmbito destas ações, os Guarani mereceram atenção

especial especialmente pela situação de vulnerabilidade social em que se encontram. Devido a

suas noções de territorialidade e grande mobilidade entre territórios, haja vista que as

comunidades ultrapassam barreiras internacionais, constatou-se que a antiga política

indigenista de integração considerava muitas famílias como estrangeiras, não as contemplando

em suas políticas.

Com relação aos Guarani que habitam aldeias no sul do Brasil, foram realizadas

entre 2004 e 2007 ações da EMATER/RS beneficiando aproximadamente 324 famílias e 1.751

Guarani no Rio Grande do Sul. Este e outros dados constam no Portal da Cidadania do MDA em

uma publicação chamada experiências de assistência técnica e extensão rural junto aos povos

indígenas: O desafio da interculturalidade.

A EMATER/RS trouxe como ferramenta metodológica as unidades didáticas (UDs)

e três eixos pedagógicos principais sobre: segurança alimentar, geração de renda e valorização

cultural, além de incorporar demandas das comunidades sobre conservação do meio ambiente

e saneamento básico. Para implantação das medidas são realizadas reuniões entre as

lideranças das aldeias e os técnicos, prevalecendo o diálogo e entendimento. As ações

incluem: aquisição de materiais para fazer e comercializar artesanato, oficinas, criação de

roças, pomares, criação de diversos animais e até curso de panificação. Dentro do aspecto de

valorização das tradições temos: construção de casas de rezas e apoio aos grupos tradicionais

de canto e dança Guarani.

Os mais antigos das aldeias reclamam da falta de incentivo ao cultivo, visto que o

grande número de cestas básicas que entram nas comunidades e os produtos oferecidos pela

economia de mercado fazem com que o trabalho nas roças seja cada vez mais visto como algo

sacrificante. Neste sentido, a valorização do conhecimento e das técnicas de produção

alimentar, modernas ou tradicionais se revela fundamental.

Os resultados dessas ações em desenvolvimento alimentar vão além do bem-estar

físico e perpassam o universo coletivo deste povo. O cacique Alcindo Moreira, líder espiritual

dos Guarani Yynn Moroti Wherá, relata o fortalecimento dos lados sociais que envolvem toda

essa dinâmica, considerando que a alimentação para os Guarani tem o papel de equilibrar

também o corpo espiritual além do físico.

Referências

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Contribuições a uma Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) Indigenista, MDA,Brasília, 2010. André Luis de Oliveira Araújoin Experiências de Assistências Técnica e Rural junto aos povos indígenas: o desafio da interculturalidade.

DE PAULA, Luís Roberto e VIANNA, Fernando de Luiz Brito. Mapeando Políticas Públicas para Povos Indígenas: Guia de pesquisa de ações federais. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria; LACED/Museu Nacional/UFRJ, 2011.

Limites e Possibilidades de Articulação das Políticas Públicas de Agricultura com o Sistema Agrícola Guarani, MDA, Brasília, 2010 LedsonKurtz de Almeida e Jean Carlos de Andrade Medeirosin Experiências de Assistências Técnica e Rural junto aos povos indígenas: o desafio da interculturalidade.

É Possível Construir uma Ater Indígena Diferenciada? - O Caso dos Guarani no Estado do Rio Grande do Sul, MDA, Brasília, 2010. Mariana de Andrade Soaresin Experiências de Assistências Técnica e Rural junto aos povos indígenas: o desafio da interculturalidade.

Fortalecimento dos Laços de Coesão Social como Efeito da Produção de Alimento na Aldeia Indígena Guarani YynnMorotiWherá, MDA, Brasília, 2010. Wagner Fernandes de Aquinoin Experiências de Assistências Técnica e Rural junto aos povos indígenas: o desafio da interculturalidade.

Sites utilizados: http://comunidades.mda.gov.br/dotlrn/clubs/redestematicasdeater/aterparapovosindgenas2/one-community?page_num=0

c) Legislação do país que é relevante ao povo Guarani.

Breve histórico da legislação relativa aos povos indígenas no Brasil

Desde a colonização européia, os povos indígenas no Brasil só passaram a ser

efetivamente tratados pela lei do Estado em 1910, com a criação do Serviço de Proteção ao

Índio (SPI), órgão vinculado ao Ministério da Agricultura e que visava principalmente a

realocação das aldeias para expansão econômica do país e integração dos indivíduos ao

trabalho agrário.

Diante de protestos de delegados indígenas de diversos países americanos

durante o 1º Congresso Indigenista Interamericano, realizado em abril de 1940 no México, foi

aprovada recomendação que propunha o estabelecimento do Dia do Índio, com vistas a voltar

a atenção dos Estados às realidades indígenas. No Brasil a recomendação foi acatada em 1943

durante o governo de Getúlio Vargas, e em 1944 a data de 19 de abril foi celebrada com

solenidades, atividades educacionais e divulgação das culturas indígenas38.

38<http://www.blog.saude.gov.br>

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Em 1967 foi criada a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em substituição ao

então extinto Serviço de Proteção ao Índio. Mas em que pese a extinção do antigo órgão e a

criação de um novo, a política do Estado para os povos indígenas no país seguiu sendo em

grande medida de integracionismo no campo econômico e assimilacionismo no campo

cultural. Diante deste contexto, a década de 1970 no Brasil foi marcada pela constituição de

movimentos indígenas que passam a demandar ao Estado o direito a seus modos específicos

de viver (crenças, práticas etc) e as garantia de espaços onde estas formas específicas de estar

no mundo pudessem ser vivenciadas. Esses movimentos e demandas resultarão, pois em

conquistas na nova Constituição Federal de 1988, que aponta para novas formas de relação

em o Estado e os indígenas, que passam a ser tratados como sujeitos de direito. As principais

conquistas são expressas nos artigos 231, 232, 215 e 216 da Constituição Federal. Estes artigos

tratam principalmente dos direitos à terra, cidadania e reconhecimento das crenças e práticas

culturais indígenas como integrantes do patrimônio nacional. Em outros artigos as garantias

individuais e coletivas destes grupos estão expressas na forma de direitos universais.

Conquistas internacionais também marcam a trajetória domovimentoindígena.

Destaca-se aqui a elaboração de propostas feitas pela Organização Internacional do Trabalho

(OIT) sobre povos indígenas e tribais, adotada em Genebra, em 27 de junho de 1989 da qual o

Brasil é signatário. Outro marco na legislação internacional para os povos indígenas foi a

aprovação da Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas pela Assembléia Geral da

Organização das Nações Unidas (ONU) em 2006. Conforme site do Instituto Socioambiental,

“o texto, extremamente avançado, reflete o conjunto das reivindicações atuais dos povos

indígenas em todo o mundo acerca da melhoria de suas relações com os Estados nacionais e

serve para estabelecer parâmetros mínimos para outros instrumentos internacionais e leis

nacionais. Na declaração constam princípios como a igualdade de direitos e a proibição de

discriminação, o direito à autodeterminação e a necessidade de fazer do consentimento e do

acordo de vontades o referencial de todo o relacionamento entre povos indígenas e Estados.

“39

Atualmente a legislação brasileira concernente às populações indígenas é

abrangente, tratando de aspectos como saúde, meio-ambiente, território, educação, relações

de trabalho, etnodesenvolvimento, patrimônio cultural, cidadania, seguridade social, etc. A

Fundação Nacional do Índio, vem organizando nos últimos anos publicações com a compilação

da legislação indigenista no Brasil. Tomando como base a edição de 2008, de autoria de Luiz

39 http://pib.socioambiental.org/pt/c/direitos/internacional/declaracao-da-onu-sobre-direitos-dos-povos-indigenas

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Fernando Villares e Silva, apresentamos abaixo as leis brasileira que afetam os povos indígenas

por temática proposta na coletânea organizada pela FUNAI:

LEGISLAÇÃO FUNDAMENTAL

- Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

- Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Principais artigos:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes

da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações

culturais.

§ 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras,

e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

§ 2º - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os

diferentes segmentos étnicos nacionais.

§ 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao

desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à:

I - defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;

II - produção, promoção e difusão de bens culturais;

III - formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões;

IV - democratização do acesso aos bens de cultura;

V - valorização da diversidade étnica e regional.

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,

tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à

memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações

artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,

paleontológico, ecológico e científico.

§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o

patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e

desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e

tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à

União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1.º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter

permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação

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dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e

cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2.º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente,

cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 3.º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e

a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do

Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação

nos resultados da lavra, na forma da lei.

§ 4.º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas

são imprescritíveis.

§ 5.º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do

Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou

no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em

qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

§ 6.º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a

ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das

riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse

público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a

extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às

benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.

§ 7.º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, §§ 3.º e 4.º.

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em

juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos

do processo.

- Estatuto do Índio.

Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio.

- Convenção 169 da OIT.

Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004. Promulga a Convenção nº 169 da Organização

Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais.

- Pacto Internacional Direitos Civis e Políticos – ONU.

Decreto no 592, de 6 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos

Civis e Políticos. Promulgação.

- Pacto Internacional Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – ONU.Decreto nº 591, de 06

de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais. Promulgação.

- Convenção Americana sobre Direitos Humanos (OEA) - Pacto de São José da Costa Rica.

Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos

Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969.

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- Código Penal.

Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

- Código de Processo Penal.

Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941.

CIDADANIA

- Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação social.

Decreto nº 65.810, de 8 de dezembro de 1969. Promulga a Convenção Internacional sobre a

Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.

- Convenção abolição penal de trabalhadores indígenas.

Decreto nº 58.821, de 14 de julho de 1966. Promulga a Convenção nº 104 concernente à

abolição das sanções penais.

- Institui o Dia do Índio.

Decreto-lei nº 5.540 - de 2 de junho de 1943. Considera “Dia do Índio” a data de 19 de abril.

- Institui o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas.

Lei nº 11.696, de 12 de junho de 2008.

- Código Civil.

Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

- Estatuto da Criança e do Adolescente.

Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá

outras providências.

- Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial.

Decreto nº 4.886, de 20 de novembro de 2003. Institui a Política Nacional de Promoção da

Igualdade Racial - PNPIR e dá outras providências.

- Programa Nacional de Direitos Humanos.

Decreto nº 4.229, de 13 de maio de 2002. Dispõe sobre o Programa Nacional de Direitos

Humanos - PNDH, instituído pelo Decreto nº 1.904, de 13 de maio de 1996, e dá outras

providências.

- Crimes resultantes de preconceito de raça e cor.

Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou

de cor.

- Inclui entre as contravenções penais a prática de atos de preconceito de raça, cor, sexo ou

estado civil.

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Lei nº 7.437, de 20 de dezembro de 1985. Vide Decreto-Lei nº 3.688, de 3.10.1941. Inclui entre

as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceito de raça, de cor, de sexo

ou de estado civil, dando nova redação à Lei nº 1.390, de 3 de julho de 1951 - Lei Afonso

Arinos.

- Discriminação no acesso ou manutenção à relação de emprego.

Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995. Proíbe a exigência de atestados de gravidez e

esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência

da relação jurídica de trabalho, e dá outras providências.

- Plano Nacional de Políticas para as Mulheres.

Decreto nº 5.390 de 8 de março de 2005. Aprova o Plano Nacional de Políticas para as

Mulheres - PNPM, institui o Comitê de Articulação e Monitoramento e dá outras providências.

- Crime de genocídio.

Lei nº 2.889, de 1 de outubro de 1956. Define e pune o crime de genocídio.

- Lei de crimes hediondos.

Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º,

inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências.

- Fundo de direitos difusos.

Decreto nº 1.306, de 9 de novembro de 1994.

- Regulamenta o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, de que tratam os arts. 13 e 20 da Lei nº

7.347, de 24 de julho de 1985, seu conselho gestor e dá outras providências.

- Defesa dos direitos indígenas em juízo.

Lei da Ação Civil Pública.

Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por

danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico,

estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e dá outras providências.

- Código de Defesa do Consumidor

Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras

providências.

CULTURA

- Convenção sobre a diversidade de expressões culturais

Decreto nº 6.177, de 1º de agosto de 2007.

Promulga a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais,

assinada em Paris, em 20 de outubro de 2005.

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- Proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937.

Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.

- Monumentos arqueológicos e pré-históricos

lei nº 3.924, de 26 de julho de 1961.

Dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos.

- Registro de bens culturais de natureza imaterial

decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000.

Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural

brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências.

- Propriedade intelectual Direito autoral e de imagem

lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.

Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências.

- Portaria FUNAI - entrada em terra indígena em relação ao direito autoral e de imagem

portaria nº 177/pres, de 16 de fevereiro de 2006.

O PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI, no uso das atribuições que lhe

são conferidas pelo Estatuto, aprovado pelo Decreto nº 4.645, de 25 de março de 2003, e

visando o respeito aos povos indígenas, a proteção de seu patrimônio material e imaterial

relacionados à imagem, criações artísticas e culturais.

- Programa Nacional de Apoio à Cultura - PRONAC

lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991.

Restabelece princípios da Lei n° 7.505, de 2 de julho de 1986, institui o Programa Nacional de

Apoio à Cultura (Pronac) e dá outras providências.

- Regulamentação do PRONAC

Decreto nº 5.761, de 27 de abril de 2006.

Regulamenta a Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, estabelece sistemática de execução

do Programa Nacional de Apoio à Cultura - PRONAC

e dá outras providências.

DEFESA

- Defesa nacional e faixa de fronteira

Lei nº 6.634 de 02 de maio de 1979.

Dispõe sobre a Faixa de Fronteira, altera o Decreto-lei nº 1.135, de 3 de dezembro de 1970, e

dá outras providências.

- Lei nº 8.183 de 11 de abril de 1991

Dispõe sobre a organização e o funcionamento do Conselho de Defesa Nacional e dá outras

providências.

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100

- Decreto nº 893 de 12 de agosto de 1993.

Aprova o Regulamento do Conselho de Defesa Nacional.

- Decreto nº 4801 de 06 de agosto de 2003

Cria a Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional, do Conselho de Governo.

- Forças armadas

Lei complementar nº 97 de 09 de junho de 1999.

Dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas.

- Decreto nº 4.412 de 07 de outubro de 2002

Dispõe sobre a atuação das Forças Armadas e daPolícia Federal nas terras indígenas e dá

outras providências.

- Portaria MD/SPEAI/DPE nº 983 de 17 de outubro de 2003.

Aprova a Diretriz para o relacionamento das Forças Armadas com as comunidades indígenas.

- Portaria MD/EME nº 020 de 02 de abril de 2003

Aprova a Diretriz para o relacionamento do Exército Brasileiro com as comunidades indígenas.

- Portaria md/ca nº 537/cg3, de 07 de maio de 2004.

Aprova a Diretriz para o relacionamento do Comando da Aeronáutica com as comunidades

indígenas.

ETNODESENVOLVIMENTO

- Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas

Decreto nº 3.108, de 30 de junho de 1999.

Promulga o Acordo Constitutivo do Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da

América Latina e do Caribe, concluído em Madri, em 24 de julho de 1992.

- Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades tradicionais

Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007.

Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades

Tradicionais.

- Resolução CONDRAF nº 44 de 13 de julho de 2004.

Cria o Comitê Permanente de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia do Conselho de

Desenvolvimento Rural Sustentável - CONDRAF, do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

- Diretrizes para a Política Nacional da Agricultura Familiar

Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006.

Estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e

Empreendimentos Familiares Rurais.

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- Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

Decreto nº 3.991, de 30 de outubro de 2001.

Dispõe sobre o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF,e dá

outras providências.

- Política agrícola

Lei nº 8.171, de 17 de janeiro de 1991.

Dispõe sobre a política agrícola.

- Sistema Nacional de Sementes e Mudas

Lei nº 10.711, de 5 de agosto de 2003.

Dispõe sobre o Sistema Nacional de Sementes e Mudas e dá outras providências.

- Regulamentação do Sistema Nacional de Sementes e Mudas

Decreto nº 5.153, de 23 de julho de 2004.

Aprova o Regulamento da Lei nº 10.711, de 5 de agosto de 2003, que dispõe sobre o Sistema

Nacional de Sementes e Mudas - SNSM, e dá outras providências.

- ESTATUTO DO ÍNDIO

Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973

Dispõe sobre o Estatuto do Índio

ORDENAMENTO TERRITORIAL

- Demarcação de Terras Indígenas

decreto nº 1.775, de 8 de janeiro de 1996.

Dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas e

dá outras providências.

- Portaria mj nº 14, de 09 de janeiro de 1996.

Estabelece regras sobre a elaboração do Relatório circunstanciado de Identificação e

Delimitação de Terras Indígenas a que se refere o parágrafo 6º do artigo 2º, do Decreto nº

1.775, de 8 de janeiro de 1996.

- Contratação de servidores temporários para FUNAI

lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993.

Dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de

excepcional interesse público, nos termos do inciso IX do art. 37

da Constituição Federal, e dá outras providências.

- Lei Estadual do Rio Grande do Sul que autoriza a instituição do FUNTERRAS

lei nº 7.916, de 16 de julho de 1984.

Autoriza a instituição do Fundo de Terras do Estado do Rio Grande do Sul - FUNTERRA-RS.

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- Código de Mineração

decreto-lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967.

Dá nova redação ao Decreto-lei nº 1.985, de 29 de janeiro de 1940. (Código de Minas)

- Regulamentação da exploração de riquezas minerais em terras indígenas

decreto nº 88.985, de 10 de novembro de 1983

Regulamenta os artigos 44 e 45 da Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, e dá outras

providências.

- Regime de permissão de lavra garimpeira

Lei nº 7.805, de 18 de julho de 1989.

Altera o Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967, cria o regime de permissão de lavra

garimpeira,extingue o regime de matrícula, e dá outras providências.

- Regulamentação do regime de permissão de lavra garimpeira

Decreto nº 98.812, de 9 de janeiro de 1990

Regulamenta a Lei nº 7.805, de 18 de julho de 1989, e dá outras providências.

- Lei da Reforma Agrária

Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993.

Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária,

previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal.

- Regulamentação do CONDRA F

Decreto nº 4.854, de 8 de outubro de 2003.

Dispõe sobre a composição, estruturação, competências e funcionamento do Conselho

Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável - CONDRAF, e

dá outras providências.

- Regulamentação do Fundo de Terras e Reforma Agrária

Decreto nº 4.892, de 25 de novembro de 2003.

Regulamenta a Lei Complementar nº 93, de 4 de fevereiro de 1998, que criou o Fundo de

Terras e da Reforma Agrária, e dá outras providências.

- Demarcação de terras Quilombolas

Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003.

- Bens móveis da União

Decreto-lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946.

Dispõe sobre os bens imóveis da União e dá outras providências.

- Lei de Registros públicos

lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973.

Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências.

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103

- Terras de aldeamentos indígenas extintos

Medida provisória nº 2.180-35, de 24 de agosto de 2001.

- Administração dos bens imóveis de domínio da União

Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998.

Dispõe sobre a regularização, administração,aforamento e alienação de bens imóveis de

domínio da União, altera dispositivos dos Decretos-Leis nos 9.760, de 5 de setembro de 1946,

e 2.398, de 21 de dezembro de 1987, regulamenta o § 2º do art. 49 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias, e dá outras providências.

- Imposto Territorial Rural

lei nº 9.393, de 19 de dezembro de 1996.

Dispõe sobre o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, sobre pagamento da dívida

representada por Títulos da Dívida Agrária e dá outras providências.

- Regulamentação da administração dos bens imóveis da União

decreto nº 3.725, de 10 de janeiro de 2001.

Regulamenta a Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998, que dispõe sobre a regularização,

administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio

da União, e dá outras providências.

- Usucapião especial de imóveis rurais

lei nº 6.969, de 10 de dezembro de 1981.

Dispõe sobre a aquisição, por usucapião especial, de imóveis rurais, altera a redação do § 2º do

art. 589 do Código Civil e dá outras providências.

MEIO-AMBIENTE

- Política Nacional do Meio Ambiente

lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981

Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e

aplicação, e dá outras providências.

- Lei de crimes ambientais

lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.

Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao

meio ambiente, e dá outras providências.

- Regulamentação das sanções administrativas e penais ambientais

Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008

Dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo

administrativo federal para apuração destas infrações,

e dá outras providências.

- Licenciamento ambiental

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104

Diretrizes para a avaliação de impacto ambiental

Resolução CONAMA nº 001, de 23 de janeiro de 1986

- Preservação da flora e fauna

Lei de florestas públicas

Lei nº 11.284, de 2 de março de 2006.

Dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável; institui, na estrutura

do Ministério do Meio Ambiente, o Serviço Florestal

Brasileiro - SFB; cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal – FNDF, e outras

providências.

- Regulamentação da Lei de Florestas Públicas

Decreto nº 6.063, de 20 de março de 2007.

Regulamenta, no âmbito federal, dispositivos da Lei nº 11.284, de 2 de março de 2006, que

dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção

sustentável, e dá outras providências.

- Código Florestal

Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965.

Institui o novo Código Florestal.

- Lei de proteção a florestas em nascente de rios

Lei nº 7.754, de 14 de abril de 1989.

Estabelece medidas para proteção das florestas existentes nas nascentes dos rios e dá outras

providências.

- Plano Nacional de Áreas Protegidas

Decreto nº 5.758, de 13 de abril de 2006.

Institui o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas - PNAP, seus princípios, diretrizes,

objetivos e estratégias, e dá outras providências.

- Zoneamento Econômico Ecológico

Decreto nº 4.297, de 10 de julho de 2002.

Regulamenta o art. 9º, inciso II, da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, estabelecendo

critérios para o Zoneamento Ecológico-Econômico do Brasil - ZEE, e dá outras providências.

- Programa Nacional de Florestas

decreto nº 3.420, de 20 de abril de 2000.

Dispõe sobre a criação do Programa Nacional de Florestas - PNF, e dá outras providências.

- Programa piloto para proteção de florestas tropicais

decreto nº 2.119, de 13 de janeiro de 1997

Dispõe sobre o Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil e sobre a sua

Comissão de Coordenação, e dá outras providências.

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105

- Exploração da Mata Atlântica

decreto nº 750, de 10 de fevereiro de 1993.

Dispõe sobre o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios

avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica,

e dá outras providências.

- Sistema Nacional de Unidades de Conservação

lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000.

Regulamenta o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema

Nacional de Unidades de Conservação da Natureza

e dá outras providências.

- Organismos Geneticamente Modificados em Terras Indígenas

Lei nº 11.460, de 21 de março de 2007.

Dispõe sobre o plantio de organismos geneticamente modificados em unidades de

conservação, e dá outras providências.

- Regulamentação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação

decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002

Regulamenta artigos da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que dispõe sobre o Sistema

Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC,

e dá outras providências.

- Serviço voluntário em unidades de conservação

decreto nº 4.519, de 13 de dezembro de 2002.

Dispõe sobre o serviço voluntário em unidades de conservação federais, e dá outras

providências.

- Convenção sobre diversidade biológica

decreto nº 2.519, de 16 de março de 1998.

Promulga a Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro, em 05 de

junho de 1992.

- Acesso ao patrimônio genético

medida provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001.

Regulamenta o inciso II do § 1º e o § 4º do art. 225 da

Constituição, os arts. 1º, 8º, alínea “j”, 10, alínea “c”, 15 e 16, alíneas 3 e 4 da Convenção sobre

Diversidade Biológica, dispõe sobre o acesso ao patrimônio

genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição de

benefícios e o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para sua conservação e

utilização, e dá outras providências.

- Política Nacional de Biodiversidade

decreto nº 4.339, de 22 de agosto de 2002

Institui princípios e diretrizes para a implementação

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106

da Política Nacional da Biodiversidade.

- Programa Nacional da Diversidade Biológica

decreto nº 4.703, de 21 de maio de 2003.

Dispõe sobre o Programa Nacional da Diversidade Biológica - PRONABIO e a Comissão Nacional

da Biodiversidade, e dá outras providências.

Regulamentação das sanções lesivas ao patrimônio genético

decreto nº 5.459, de 7 de junho de 2005.

Regulamenta o art. 30 da Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001,

disciplinando as sanções aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao

patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado e dá outras providências.

Política Nacional de Recursos Hídricos

lei nº 9.433, de 8 de janeiro 1997.

Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de

Recursos Hídricos e dá outras providências.

- Compensação ambiental em projetos e obras federais

decreto nº 95.733, de 12 de fevereiro de 1988.

Dispõe sobre a inclusão, no orçamento dos projetos e obras federais, de recursos destinados a

prevenir ou corrigir os prejuízos de natureza ambiental, cultural e social decorrente da

execução desses projetos e obras.

EDUCAÇÃO

- Diretrizes e bases da educação nacional – LDB

lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

- Plano Nacional de Educação

lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001.

Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências.

- Convenção relativa à luta contra discriminação no ensino

decreto nº 63.223, de 6 de setembro de 1968.

Promulga a convenção relativa à luta contra a discriminação no campo do ensino.

- Diretrizes curriculares nacionais para a formação de docentes

resolução ceb nº 2, de 19 de abril de 1999.

Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Docentes da Educação Infantil e

dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em nível médio,

na modalidade Normal.

- Resolução cne/ceb nº 002, de 07 de abril de 1998.

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107

Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental.

- Resolução cne/ceb nº 003, de 26 de junho de 1998.

Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

- Diretrizes operacionais para educação básica nas escolas do campo

resolução cne/ceb 1, de 3 de abril de 2002.

Institui Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo.

- Diretrizes curriculares nacionais para educação das relações étnico-raciais e o ensino de

história e cultura afrobrasileira e africana

resolução nº 1, de 17 de junho de 2004.

Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o

Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

- Educação escolar indígena no Governo Federal

decreto nº 26, de 4 de fevereiro de 1991.

Dispõe sobre a Educação Indígena no Brasil.

- Portaria interministerial sobre educação escolar indígena

portaria interministerial mj/mec n. 559, de 16 de abri de 1991.

Cria a Coordenação Nacional de Educação Indígena e dá providências correlatas.

- Diretrizes nacionais para o funcionamento das escolas indígenas

resolução ceb nº 3, de 14 de dezembro de 1999.

Fixa Diretrizes Nacionais para o funcionamento das escolas indígenas e dá outras providências.

- Critérios para o repasse de recursos financeiros à conta do PNAE

resolução/fnde/cd/nº 045 de 31 de outubro de 2003.

Estabelecer critérios para o repasse de recursos financeiros, à conta do PNAE, previstos na

Medida Provisória nº 2.178-36, de 24 de agosto de 2001, para

o atendimento dos alunos da educação infantil e ensino fundamental matriculados em escolas

de educação indígena.

- Programa Diversidade na Universidade

lei nº 10.558, de 13 de novembro de 2002.

Cria o Programa Diversidade na Universidade, e dá outras providências.

- Regulamentação do Programa Diversidade na Universidade

decreto nº 4.876, de 12 de novembro de 2003.

Dispõe sobre a análise, seleção e aprovação dos Projetos Inovadores de Cursos, financiamento

e transferência de recursos, e concessão de bolsas de

manutenção e de prêmios de que trata a Lei nº 10.558, de 13 de novembro de 2002, que

instituiu o Programa Diversidade na Universidade.

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108

- Regulamentação do PROUNI

decreto nº 5.493, de 18 de julho de 2005.

Regulamenta o disposto na Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005.

SEGURIDADE SOCIAL

- Lei orgânica da Seguridade Social

lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.

Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá outras

providências.

- Sistema Único de Saúde

Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990.

Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização

e o funcionamento dos serviços correspondentes

e dá outras providências.

- Participação da comunidade no Sistema Único de Saúde

lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990.

Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e

sobre as transferências intergovernamentais de recursos

financeiros na área da saúde e dá outras providências.

- Assistência à saúde dos povos indígenas no âmbito do SUS

decreto nº 3.156, de 27 de agosto de 1999.

Dispõe sobre as condições para a prestação de assistência à saúde dos povos indígenas, no

âmbito do Sistema Único de Saúde, pelo Ministério da

Saúde, altera dispositivos dos Decretos nºs 564, de 8 de junho de 1992, e 1.141, de 19 de maio

de 1994, e dá outras providências.

- Política Nacional sobre o Álcool

decreto nº 6.117, de 22 de maio de 2007.

Aprova a Política Nacional sobre o Álcool, dispõe sobreas medidas para redução do uso

indevido de álcool e sua associação com a violência e criminalidade, e dá outras providências.

- Plano Nacional de Saúde

portaria MS nº 2.607, de 10 de dezembro de 2004

Aprova o Plano Nacional de Saúde/PNS - Um Pacto pela Saúde no Brasil.

- Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas

Portaria MS nº 254, de 31 de janeiro de 2002

- Diretrizes da gestão da Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena

Portaria MS nº 70/gm em 20 de janeiro de 2004.

Aprova as Diretrizes da Gestão da Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena.

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109

- Responsabilidades na prestação de assistência à saúde dos povos indígenas

Portaria MS nº 2.656, de 17 de outubro de 2007.

Dispõe sobre as responsabilidades na prestação da atenção à saúde dos povos indígenas no

Ministério da Saúde e regulamentação dos Incentivos de Atenção Básica e Especializada aos

Povos Indígenas.

- Programa de Promoção da Alimentação Saudável em Comunidades Indígenas

portaria nº 2405/gm em 27 de dezembro de 2002.

- Composição e organização das equipes de atenção à saúde indígena

portaria gm nº 1.088, de 4 de julho de 2005.

Dispõe sobre a definição dos valores do incentivo financeiro de atenção básica de saúde aos

povos indígenas e sobre a composição e organização das

equipes multidisciplinares de atenção à saúde indígena.

- Distritos Sanitários Especiais

portaria n° 852, de 30 de setembro de 1999.

- Alterações nos Distritos Sanitários Especiais

portaria ms nº 1.810, de 3 de agosto de 2006.

Define as transformações dos Distritos Sanitários Especiais Indígena (DSEI).

- Composição da Comissão Intersetorial de Saúde do Índio

CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE

Resolução nº 293, de 08 de julho de 1999.

- Certificado Hospital Amigo do Índio

Portaria gm nº 645, de 27 de março de 2006.

Institui o Certificado Hospital Amigo do Índio, a ser oferecido aos estabelecimentos de saúde

que fazem

parte da rede do Sistema Único de Saúde (SUS).

- Organização da Assistência Social

lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993.

Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências.

- Bolsa Família

Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004.

Conversão da MPv nº 132, de 2003. Cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências.

- Regulamentação do Bolsa Família

decreto nº 5.209 de 17 de setembro de 2004.

Regulamenta a Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004, que cria o Programa Bolsa Família, e dá

outras providências.

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110

- Programa de Atenção Integral à Família - PAIF

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME

portaria nº 78, de 8 de abril de 2004.

Estabelece diretrizes e normas para a implementação do “Programa de Atenção Integral à

Família - PAIF” e dá outras providências.

- Planos de benefícios da Previdência Social

lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.

Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências.

PESQUISA

- Política de desenvolvimento dabiotecnologia

decreto nº 6.041, de 8 de fevereiro de 2007.

Institui a Política de Desenvolvimento da Biotecnologia, cria o Comitê Nacional de tecnologia e

dá outras providências.

- Pesquisa científica por estrangeiros

decreto nº 98.830, de 15 de janeiro de 1990.

Dispõe sobre a coleta, por estrangeiros,de dados e materiais científicos no Brasil, e dá outras

providências.

- Portaria MCT nº 55, de 14 de março de 1990.

Aprova o Regulamento sobre coleta, por estrangeiros, de dados e materiais científicos no

Brasil.

- Pesquisa envolvendo seres humanos – área povos indígenas

resolução ms/cns nº 304, de 9 de agosto de 2000.

- Ingresso em terras indígenas com finalidade científica

instrução normativa nº 01/95, de 29/11/1995.

- Conselho de Gestão do Patrimônio Genético - CGEN-MMA

Resolução nº 3, de 30 de outubro de 2002.

- Resolução nº 5, de 26 de junho de 2003.

Estabelece diretrizes para a obtenção de Anuência Prévia para o acesso a conhecimento

tradicional associado ao patrimônio genético, para fins de

pesquisa científica sem potencial ou perspectiva de uso comercial.

- Resolução nº 6, de 26 de junho de 2003.

Estabelece diretrizes para a obtenção de anuência prévia para o acesso ao conhecimento

tradicional associado ao patrimônio genético, com potencial ou

perspectiva de uso comercial.

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111

- Resolução nº 9, de 18 de dezembro de 2003.

Estabelece diretrizes para a obtenção de Anuência Prévia para o acesso a componente do

patrimônio genético situado em terras indígenas, em áreas

privadas, de posse ou propriedade de comunidades locais e em Unidades de Conservação de

Uso Sustentável para fins de pesquisa científica sem

potencial ou perspectiva de uso comercial.

- Resolução nº 11, de 25 de março de 2004

Estabelece diretrizes para a elaboração e análise dos Contratos de Utilização do Patrimônio

Genético e de Repartição de Benefícios que envolvam

acesso a componente do patrimônio genético ou a conhecimento tradicional associado

providos por comunidades indígenas ou locais.

- Resolução nº 12, de 25 de março de 2004

Estabelece diretrizes para a obtenção de anuência prévia para acesso a componente do

patrimônio genético com finalidade de bioprospecção ou

desenvolvimento tecnológico.

- Resolução nº 19, de 22 de setembro de 2005.

Altera o art. 4º da Resolução nº 5, de 26 de junho de 2003, e o art. 6º da Resolução nº 9, de 18

de dezembro de 2003.

TRABALHO

- Decreto Nº 5.051, de 19 de abril de 2004

Promulga a Convenção no 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos

Indígenas e Tribais

ORGANIZAÇÃO DA UNIÃO

- Ministério da Justiça

Estrutura Regimental

decreto nº 6.061, de 15 de março de 2007.

Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das

Funções Gratificadas do Ministério da Justiça, e dá outras providências.

- Regimento interno do Conselho Nacional de Política Indigenista

portaria mj nº 1.396, de 15 de agosto de 2007.

- Fundo de Direitos Difusos

decreto nº 1.306, de 9 de novembro de 1994.

Regulamenta o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, de que tratam os arts. 13 e 20 da Lei nº

7.347, de 24 de julho de 1985, seu conselho gestor e dá outras providências.

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112

- Fundação nacional do índio - FUNAI

Lei nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967.

Autoriza a instituição da Fundação Nacional do Índio e dá outras providências.

- Estatuto da FUNAI

decreto nº 4.645, de 25 de março de 2003.

Aprova o Estatuto e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções

Gratificadas da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, e dá outras providências.

- Regimento Interno da FUNAI

portaria nº 542, de 21 de dezembro de 1993.

- Diretrizes para atuação da funai junto aos índios isolados

Portaria nº 281/pres, de 20 de abril de 2000.

- Regimento interno do Conselho Indigenista

portaria mj nº 1.098, de 23 de setembro de 2002.

- Polícia Federal

decreto nº 73.332, de 19 de dezembro de 1973.

Define a estrutura do Departamento de Polícia Federal e dá outras providências.

- Organização do Ministério Público da União

lei complementar nº 75, de 20 de maio de 1993

Dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União.

- Organização da Presidência da República

lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003.

Conversão da MPv nº 103, de 2003. Dispõe sobre a organização da Presidência da República e

dos Ministérios, e dá outras providências.

- Secretaria Especial dos Direitos Humanos - SEDH

decreto nº 5.174 de 9 de agosto de 2004.

Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão da

Secretaria Especial dos Direitos Humanos, órgão integrante da

Presidência da República, e dá outras providências.

- Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR

Lei de criação: Lei nº 10.678, de 23 de maio de 2003.

Cria a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da

República, e dá outras providências.

- Decreto nº 5.197 de 27 de agosto de 2004.

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113

Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão da

Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República -

SEPPIR, e dá outras providências.

- Conselho Nacional de Combate à Discriminação - CNCD

Decreto nº 5.397 de 22 de março de 2005.

Dispõe sobre a composição, competência e funcionamento do Conselho Nacional de Combate

à Discriminação - CNCD.

- Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial

decreto nº 4.885, de 20 de novembro de 2003.

Dispõe sobre a composição, estruturação, competências e funcionamento do Conselho

Nacional de Promoção da Igualdade Racial - CNPIR, e dá outras providências.

- Plano Nacional de Políticas para as Mulheres

decreto nº 5.390 de 8 de março de 2005.

Aprova o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres - PNPM, institui o Comitê de Articulação

e Monitoramento e dá outras providências.

- Advocacia-Geral da União

Atribuições da Procuradoria da FUNAI

medida provisória nº 2.180-35, de 24 de agosto de 2001.

- Procuradoria-Geral Federal

lei nº 10.480, de 2 de julho de 2002.

Dispõe sobre o Quadro de Pessoal da Advocacia-Geral da União, a criação da Gratificação de

Desempenho de Atividade de Apoio Técnico-Administrativo na

AGU – GDAA, cria a Procuradoria-Geral Federal, e dá outras providências.

- Ministério da Cultura

decreto nº 5.711, de 24 de fevereiro de 2006.

Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das

FunçõesGratificadas do Ministério da Cultura, e dá outras providências.

- Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN

decreto nº 5.040, de 7 de abril de 2004.

Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das

Funções Gratificadas do Instituto do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional - IPHAN, e dá outras providências.

- Ministério do Desenvolvimento Agrário

decreto nº 5.033, de 5 de abril de 2004.

Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das

Funções Gratificadas do Ministério do Desenvolvimento

Agrário, e dá outras providências.

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- Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA

decreto nº 5.735, de 27 de março de 2006.

Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das

Funções Gratificadas do Instituto Nacional de Colonização e

Reforma Agrária - INCRA, e dá outras providências.

- Ministério do Desenvolvimento Social Estrutura

decreto nº 5.550, de 22 de setembro de 2005.

Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das

Funções Gratificadas do Ministério do Desenvolvimento Social

e Combate à Fome, e dá outras providências.

- Ministério da Educação

decreto nº 5.159 de 28 de julho de 2004.

Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das

Funções Gratificadas do Ministério da Educação,

e dá outras providências.

- Ministério do Meio Ambiente

decreto nº 6.101, de 26 de abril de 2007.

Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das

Funções Gratificadas do Ministério do Meio Ambiente,

e dá outras providências.

- Instituto brasileiro do meio ambiente e dos recursos naturais renováveis - IBAMA

decreto nº 6.099, de 26 de abril de 2007.

Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão do

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis - IBAMA, e dá outras providências.

- Instituto Chico Mendes

Lei de Criação: lei nº 11.516, de 28 de agosto de 2007.

decreto nº 6.100, de 26 de abril de 2007.

Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das

Funções Gratificadas do Instituto Chico Mendes de

Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes, e dá outras providências.

- Ministério das Relações Exteriores

decreto nº 5.979 de 6 de dezembro de 2006.

Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das

Funções Gratificadas do Ministério das Relações Exteriores,

e dá outras providências.

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115

- Ministério da Saúde

decreto nº 5.974 de 29 de novembro de 2006.

Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das

Funções Gratificadas do Ministério da Saúde,

e dá outras providências.

- Fundação Nacional de Saúde - FUNASA

decreto nº 4.727, de 9 de junho de 2003.

Aprova o Estatuto e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções

Gratificadas da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA,

e dá outras providências.

- Regimento Interno

portaria n° 1.776, de 08 de setembro de 2003.

Aprova o Regimento Interno da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA.

- Alterações do Regimento da FUNASA

portaria nº 1.810, de 3 de agosto de 2006

Define as transformações dos Distritos Sanitários Especial Indígena (DSEI).

Distritos Sanitários Especiais

FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE

portaria n° 852, de 30 de setembro de 1999

Perspectivas atuais

O cenário atual relativo aos direitos dos povos indígenas no Brasil, apesar dos

avanços conquistados desde a Constituição Federal de 1988, vem mostrando retrocessos.

Prova disso é a recente publicação da Portaria 303 de 16 de julho de 2012 pela Advocacia

Geral da União. Diante dos protestos contrários a sua validação, a entrada em vigor da referida

portaria está suspensa até 24 de setembro de 2012.

A Portaria 303 da AGU retrocede claramente em termos de garantias de direitos

por romper com protocolos em vigência no Brasil, tais como a Convenção 169/OIT – Decreto

5051/04 e com a própria CFB, artigo 231.

Conforme notícia publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos, da Universidade

do Vale dos Sinos, podem ser assim sistematizados os principais pontos prejudiciais aos povos

indígenas e inconstitucionalidade da Portaria:

“Principais pontos da Portaria que trazem grandes prejuízos aos povos indígenas

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1. Afirma que as terras indígenas podem ser ocupadas por unidades, postos e demais intervenções militares, malhas viárias, empreendimentos hidrelétricos e minerais de cunho estratégico, sem consulta aos povos e comunidades indígenas; 2. Determina a revisão das demarcações em curso ou já demarcadas que não estiverem de acordo com o que o STF decidiu para o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol; 3. Ataca a autonomia dos povos indígenas sobre os seus territórios. Limita e relativiza o direito dos povos indígenas sobre o usufruto exclusivo das riquezas naturais existentes nas terras indígenas; 4. Transfere para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) o controle de terras indígenas, sobre as quais indevida e ilegalmente foram sobrepostas Unidades de Conservação; 5. Cria problemas para a revisão de limites de terras indígenas demarcadas que não observaram integralmente o direito indígena sobre a ocupação tradicional.

Por que a Portaria é inconstitucional e afronta os direitos indígenas?

1. A decisão do STF na Petição 3388 só vale para a Terra Indígena Raposa Serra do Sol em Roraima. Recentemente três Ministros do STF reafirmaram esse entendimento; 2. Essa decisão do STF pode ainda sofrer alterações, pois as comunidades indígenas da Terra Indígena Raposa Serra do Sol estão questionando judicialmente a decisão do STF, por meio de Embargos de Declaração ainda não julgados; 3. O Advogado Geral da União não tem poderes para fazer leis que afetem os povos indígenas, o que compete ao Congresso Nacional; 4. Coloca condicionantes para usufruto exclusivo pelos povos indígenas das riquezas naturais existentes em suas terras em visível desrespeito ao artigo 231 da Constituição Federal; 5. Desrespeita o direito que os povos indígenas têm de serem consultados sobre medidas ou projetos governamentais que podem afetá-los, como determina a Convenção 169 da OIT”40.

40<http://www.ihu.unisinos.br/noticias/512205-organizacoes-lancam-manifesto-contra-portaria-303-da-agu-e-denunciam-cruzada-de-governo-dilma-contra-os-povos-indigenas>

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117

6. FORMAS DE DECISÃO ENTRE OS GUARANI

a) Organização social e política Guarani41

Compreender as formas de decisão e liderança entre os Guarani implica levar em

conta as formas como se organizam social e politicamente nos tekoa - lugares onde os Guarani

formam seus assentamentos familiares, onde é possível exercer o “modo de ser” guarani.

Neste contexto, o parentesco também assume papel central. Todavia, tal como nos demais

aspectos da vida Guarani aqui abordados, não será possível levar em conta uma série de

questões que envolvem o parentesco, a mobilidade e constituição de novas lideranças e tokoa

entre os Guarani. Serão abordados apenas aspectos superficiais da organização deste povo,

especialmente no que diz respeito às lideranças políticas, e em tópico seguinte, às lideranças

espirituais.

Conforme informações em site do Instituto Socioambiental a propósito da

organização social Guarani:

Os Guarani têm como base de sua organização social, econômica e

política, a família extensa, isto é, grupos macro familiares que detêm

formas de organização da ocupação espacial dentro dos tekoha

determinada por relações de afinidade e consangüinidade. É

composta pelo casal, filhos, genros, netos, irmãos e constitui uma

unidade de produção e consumo.

A cada família extensa corresponderá, como condição para sua

existência, uma liderança, em geral um homem que denominam

Tamõi (avô), não sendo raro, contudo, a existência de líder de família

extensa mulher, que denominam Jari (avó) – neste caso, a incidência

é maior entre os Ñandeva. O líder familiar aglutina parentes e os

orienta política e religiosamente42.

Em muitos casos, como é indicado em tópico abaixo, que aborda a questão do

xamanismo, uma liderança espiritual nem sempre desenvolve na mesma proporção uma

postura de liderança política. E a propósito da liderança política denominada “cacique”, é

importante considerar que a estes geralmente “estão subordinadas jovens lideranças para

intermediar nas relações entre a comunidade indígena e os representantes do Estado e vários

setores da sociedade civil. Até meados da década de 1990 era comum, entre os Mbya, o líder

41 Optou-se por unir neste tópico que denominamos “organização política e social Guarani” os que foram propostos como “Caciques e dirigentes” e “Formas coletivas de decisão, em caso de apresentarem-se”. 42 http://pib.socioambiental.org/pt/povo/guarani-kaiowa/555

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espiritual e religioso exercer também a chefia política na comunidade. Em períodos de muitas

atribulações decorrentes do contato, como ocorre atualmente, esta prática é impossível pois o

líder espiritual precisa ser preservado”, conforme informações em site do Instituto

Socioambiental.43

De modo geral, os grupos familiares tem bastante autonomia na esfera política,

sendo a atuação do cacique acionada apenas diante de problemas que atingem a todos ou que

envolve a relação com o Estado ou outros setores da sociedade civil. Além disso, é preciso

indicar que não há modelos únicos de organização política entre os Guarani, mas se pode

observar que, conforme informações do ISA, “variadas composições políticas, próprias a cada

localidade, se estabelecem, na medida em que os agentes se inter-relacionam com forças

políticas locais, como grupos familiares, líderes, pessoas de prestígio etc”44.

b) Xamanismo entre os Guarani

Tendo em vista a inviabilidade de apresentar uma relação de nomes de xamãs e

feiticeiros Guarani no Brasil45, tal como sugerido em tópico “6 b)” do Termo de Referência para

o presente trabalho46, optou-se por trazer aqui alguns elementos que possibilitem indicar o

lugar do xamanismo e da pessoa do xamã entre os Guarani, indicando possíveis semelhanças e

diferenças entre as parcialidades Guarani no Brasil – Kaiowá, Ñandeva ou Chiripá e Mbyá – no

que tange a esta temática.

Este texto não pretende dar conta da complexidade do tema entre os Guarani

nem foi possível realizar uma densa revisão bibliográfica do que já foi produzido a respeito.

Para elaboração do presente texto foram tomados como referências principais, os trabalhos de

duas pesquisadoras brasileiras – Deise L.O. Montardo (2002) e Elizabeth Pissolato (2006) – que

em suas teses de doutorado abordam sob diferentes perspectivas, o xamanismo Guarani.

Enquanto Montardo trata do xamanismo principalmente pelo viés de sua relação

com os rituais cotidianos e da ênfase na música e dança Guarani, buscando uma aproximação

43 http://pib.socioambiental.org/pt/povo/guarani-mbya/1293 44 http://pib.socioambiental.org/pt/povo/guarani-kaiowa/555 45 Tal tarefa seria inviável por pelo menos três razões: a primeira é que não foram localizados estudos onde pudesse ser encontrada uma relação atual de xamãs Guarani no Brasil, a segunda porque um levantamento de campo neste sentido demandaria tempo e profissionais não disponíveis no âmbito deste trabalho e terceiro, que a apresentação de nomes do que se poderiam denominar “feiticeiros” entre os Guarani seria atitude no mínimo delicada, uma vez que uma acusação como esta, conforme sertã indicado na sequência do texto, teria conseqüências graves para os referidos xamãs. 46 Conforme Termo mencionado, o subtítulo para o presente texto seria “Relação de xamãs, curandeiros e bruxos, em caso de apresentarem-se nestas populações”, mas pelas razões acima expostas optou-se por alterá-lo.

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entre os ritos Kaiowá, Ñandeva ou Chiripá e Mbyá, apesar de sua etnografia se debruçar em

maior medida entre os Kaiowá, Pissolato traz sua contribuição à temática do xamanismo

buscando explicitar a relação daquele com o parentesco, localizar o que denomina de “ciência

xamânica” no complexo da construção do conhecimento, sabedoria entre os Mbyá. Apesar de

sua etnografia ser realizada entre os Mbyá, a autora também traz contribuições importantes

para se pensar o xamanismo entre os Guarani no Brasil como um todo, na medida em que

evoca outros autores para tecer algumas comparações.

O lugar do xamanismo entre os Guarani

Langdon apud Montardo (2002) sintetiza uma série de características que, a

despeito das particularidades que o xamanismo pode tomar em diferentes povos, podem ser

visualizadas em grande parte deles e, neste sentido, pode contribuir para uma primeira

descrição do xamanismo entre os Guarani.

A primeira característica diz respeito à idéia de um universo de múltiplos níveis,

onde a realidade visível supõe outra invisível. Aqui se poderia localizar o papel do xamanismo

Guarani na relação com a verticalidade de seu universo, especialmente o fato de ele envolver a

comunicação direta com os deuses, que se dá especialmente através dos rituais de canto-

dança-reza, realizados nas opy.

A segunda das características diz respeito a um “conceito nativo de poder

xamânico, ligado ao sistema de energia global”. Independente das relações e formas que esse

poder tome em cada cultura, Langdon defende que é através do poder que o domínio extra-

humano exerce suas energias sobre o domínio humano e através do poder de mediação do

xamã que os humanos poderão exercer suas forças no domínio extra-humano (Langdon apud

Montardo 2002, p.31). Trata-se, pois de considerar as qualidades de mediação, ou de relação

direta dos xamãs Guarani com os deuses e através da orientação destes últimos, conduzir

processos de cura, por exemplo. Nesta direção, desdobra-se a terceira característica apontada

por Langdon, que é a de o xamã “agir principalmente em benefício de seu povo”, apesar de ele

ter capacidade de agir contra os seus, o que poderia ser definido como “feitiçaria”.

Outra das características apontadas por Langdon é o princípio da transformação,

da possibilidade das entidades do universo se transformarem em outras. Entre os Mbyá,

conforme relatos de Pissolato (2006), ao se abordar o tema da feitiçaria vinham à tona

narrativas de xamãs que haviam se transformado em onça, histórias estas sempre vinculadas a

um passado remoto, mas cuja preocupação com a possibilidade de transformação dos homens

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em animais se faz presente entre este povo. Mas além das transformações em nível

horizontal, da transformação de homens em animais ou plantas, a mitologia Guarani traz

exemplos de seres que habitavam a terra e que ao dançar e cantar para os deuses alcançaram

a perfeição – aguyjé. É pois, essa perfeição divina que aspiram os Guarani, e os rituais de

cantos-danças-rezas realizados na opy contribuem para tornar os corpos pesados dos humanos

mais leves, trazendo alegria e vigor aos homens na medida em que se aproximam e seguem o

caminho indicado pelos deuses por meio das rezas proferidas pelo xamã.

Finalmente, Langdon traz um último aspecto destacado por Montardo e que

contribui para pensar o xamanismo entre os Guarani: as “experiências extáticas como base do

poder xamânico, possibilitando seu papel de mediação” (2002, p. 31). No caso dos Guarani,

destaca-se aqui o uso do tabaco nos rituais realizados na opy, fundamental nos processos de

cura e cujo uso abundante do petÿgua é característico dos xamãs, mas também dos já

mencionados cantos-danças-rezas.

Voltando-se a aspectos mais singulares ao xamanismo e ao lugar do xamã entre os

Guarani, é possível indicar que esta pessoa pode assumir níveis variados de atuação que

abrangem em maior ou menor grau os papéis de liderança de uma família extensa, de rezador

nos rituais cotidianos na opy, de curador e conselheiro, de modo mais amplo de garantidor da

continuidade da vida dos Guarani (pelo caráter profilático dos rituais e aconselhamentos e dos

trabalhos que garantam boa colheita), de nomeador das crianças durante o ritual do

nheemongarai. Neste sentido, o xamanismo entre os Guarani atravessa diversos aspectos da

vida deste grupo, atribuindo sentido a um grande número de experiências.

Abaixo são explorados alguns aspectos do xamanismo Guarani, com ênfase na sua

relação com o parentesco e liderança, são trazidas contribuições de Pissolato a respeito da

feitiçaria entre os Guarani e finalmente, é descrito o papel do xamã na vida ritual desse povo.

Feitiçaria

A literatura etnológica acerca do xamanismo traz elementos que permitem apontar

para a ambiguidade do poder que exercem os xamãs em termos da relação entre saúde e

doença. Essa pessoa, que tem importante papel social de prevenir, prever e curar doenças

também pode fazer uso de seu poder para causar doenças e outros males, especialmente a

seus afins. Neste contexto, o termo “feiticeiro” é empregado para designar os xamãs que

fazem uso de seu poder de modo inadequado, para prejudicar outros. A respeito das atitudes

ambíguas dos xamãs e do tratamento da questão da feitiçaria entre os Kaiowá, Pissolato

descreve:

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“A feitiçaria aparece na literatura etnológica sobre grupos guarani

principalmente como tema da atividade de especialistas xamãs, isto

é, enquanto prática a que teriam acesso alguns destes indivíduos,

capazes de introduzir objetos malignos no corpo daqueles que

querem prejudicar, causando-lhes doença e a morte subsequente.

Melià e Grünberg e Grünberg apontam-na como um dos crimes mais

graves entre os Paï-Tavyterã , sendo objeto de discussão nas

reuniões coletivas (aty guasu) convocadas para a resolução de

problemas que extrapolariam o âmbito das famílias extensas. Ainda

observam ser ela matéria merecedora de tratamento severo, com

castigo correspondente à expulsão ou morte daquele que é

detectado como “ paje vai”, “mau pajé” (Melià, Grünberg e Grünberg

1976: 221-222; 249-251)” (Pissolato, 2006, p.166).

Bartolomé, apud Pissolato (2006) também aponta para o mesmo tratamento da

feitiçaria entre os Nhandeva:

“Para os Ava-Katu ou Chiripá, igualmente o tema da feitiçaria é

tratado nos termos de uma ambivalência do poder xamânico, que

pode manifestar-se de forma negativa, através do uso de rezas ou

ervas nocivas utilizadas com o intuito de produzir mal a “inimigos

pessoais” do especialista ou a outros indivíduos, vítimas de vinganças

realizadas por intermédio de xamãs pagos para fazê-lo (Bartolomé

1991: 135-136) (...) Novamente aqui a feitiçaria é um tema da

coletividade, e, conforme os informantes de Chase-Sardi (1992: 94-

97), mais que assunto de um tekoaruvicha , um chefe local, sua

resolução compete ao aty guasu , à reunião maior dos oporaíva

(xamãs ou especialistas na reza ou poraéi , “cantos”), implicando

sempre na morte do feiticeiro, queimado geralmente pelos próprios

parentes de sua vítima” .(Pissolato, 2006, p.167).

Em seu trabalho de campo junto aos Mbyá, Pissolato observou que o tema da

feitiçaria tornava-se interessante principalmente em dois contextos: “na narrativa de histórias

que são contadas com certa frequência e remetem a um tempo dito “antigo”, que inclui, entre

outros casos, aqueles de antigos xamãs e seus poderes extraordinários, e também, na

investigação sobre as doenças e as interpretações sobre suas origens nos relatos de histórias

de vida”. (Pissolato, 2006, p.168). Segundo a autora, quando se tratava de relatos dos tempos

antigos, as descrições se assemelhavam bastante com as mencionadas acima para os Kaiowá e

Nhandeva, tanto pela associação da feitiçaria aos maus xamãs, como pelo castigo a eles

atribuído.

Ao abordar a relação entre feitiçaria e doença nas trajetórias pessoais dos Mbyá,

Pissolato notou que a primeira é recorrentemente associada como causa de mal-estares,

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também denominados de doenças “de guarani” ou “espirituais” (2006, p. 169). Nestes

contextos, a feitiçaria passa a ser abordada como um risco a que todos estão sujeitos e que

tem como precedente o ciúme ou antipatia de alguém. Para estes casos, a interferência dos

xamãs, denominados opita’i va’e, karai (xamã homem), kunhã karai (xamã mulher) é medida

fundamental para a cura, conforme descreve Pissolato:

Grande parte das sessões de cura nas opy realizadas pelos opita’i va’e

e seus auxiliares correspondem à retirada de objetos causadores de

aflição de partes do corpo daquele que se submete ao tratamento,

objetos que foram introduzidos ou enviados na sua direção por ação

direta de uma outra pessoa que “fez aquilo para ele (ela) mesmo”,

isto é, com a intenção de prejudicar sua vítima, ou, mais

precisamente, de produzir sua morte. (2006, p.170)

Ao analisar os temas do xamanismo e da feitiçaria entre os Mbyá, Pissolato notou

o estreito vínculo destes com o do parentesco. No caso da feitiçaria, por exemplo, a autora

ressalta que o contexto privilegiado para a sua atualização não é outro que o da relação

possível entre afins (2006, p.173). A propósito da relação entre xamanismo, parentesco e

liderança, esta será explicitada em tópico seguinte.

Xamanismo, parentesco e liderança

A partir da leitura de Pissolato (2006) é possível afirmar que o xamã Guarani é um

indivíduo que assume posição central na constituição de uma coletividade tanto por seu poder

de comunicação com o mundo sobrenatural quanto por sua conseqüente capacidade de

orientação das pessoas, prevenção e cura de doenças. Conforme definição da autora:

Nas aldeias mbya são chamados pajés ou opita’i va’e os que

disponibilizam regularmente um conhecimento especializado para o

tratamento de processos que afligem as pessoas, mais precisamente

aqueles que são capazes de “ver a doença” ou “saber o que

acontece” com alguém que sente algum incômodo, podendo estar ou

não estes xamãs homens ou mulheres na prática ligados diretamente

às atividades da reza e cura na opy (...). Tal qual Schaden observou

entre os Nhandeva (Schaden [1954]1962: 99-100), para os Mbya cura

e reza não são necessariamente habilidades reunidas numa só

pessoa. Há especialistas curadores que não são rezadores e

rezadores que não operam diretamente curas. (2006, p.286 e 293).

Já Montardo (2002) enfatiza o papel dos xamãs a partir dos rituais Guarani, ao

buscar definir a responsabilidade desta pessoa diante da coletividade. Conforme a autora, a

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responsabilidade dos xamãs é de “conduzir o grupo, de promover a manutenção dos cantos,

das danças e da sonoridade dos instrumentos musicais”, sem os quais a Terra poderia ser

destruída (2002, p. 38). Os rituais Guarani que têm o xamã como figura central serão

abordados em tópico seguinte, de modo que será enfatizado aqui, além da definição do lugar

dessa pessoa entre as coletividades Guarani, a relação entre o xamã, parentesco e liderança.

Mas antes de adentrar nessa questão, cabe breve consideração a respeito do processo de

construção da pessoa do xamã.

A propósito do tornar-se xamã, Pissolato notou que há diferenças nesses

processos entre os Mbyá, Kaiowá e Ñandéva. Conforme estudos de Schaden, a autora indica

que entre os Kaiowa e Ñandeva são realizadas espécies de “cursos para candidatos a pajelança

(Schaden 1954, apud Pissolato, 2006, p. 290). Já entre os Mbyá Guarani, a autora evidencia

que, mesmo considerando “certo grau de aprendizagem na experiência dos yvyra’ija, auxiliares

mais ou menos eventuais dos xamãs nas opy (...), oque todos os opita’i va’e enfatizam é que

não se aprende com outro xamã o ofício, mas é Nhanderu que “mandou” ou “deu” isto a

ele(a).” (2006, p. 289, 290). Ou seja, entre os Mbyá, ninguém torna-se xamã por iniciativa

própria e nem o investimento com as maiores autoridades no assunto surtiria efeito se a

pessoa não recebeu inspiração das divindades (2006, p.289).

O papel do xamã no fortalecimento de cada indivíduo e da coletividade a partir

das forças disponibilizadas pelos deuses evidencia também o vínculo estreito do xamanismo

com o parentesco, uma vez que o primeiro, conforme termos de Pissolato (2006, p. 281)

“traduz-se nos cuidados rotineiros entre quem efetivamente vive junto”. Nesse contexto

destaca-se por exemplo, o aconselhamento ou as conversas como centrais para acessar

conhecimento e sabedoria entre os Guarani, e a relação com os sonhos, central a este povo, é

permeada muitas vezes pela sabedoria do xamã. É esta pessoa que é procurada quando não se

pode acessar ou interpretar a mensagem de um sonho. E neste, como em outros momentos,

conforme palavras de Pissolato, “ouvir o xamã é importante principalmente para alcançar

certo grau de consciência que por si só não poderia obter, e que o xamã traduz para ele em

geral pela indicação de prováveis acontecimentos futuros – ou já em andamento – e das

precauções que deve tomar” (2006, p.269).

Pela sabedoria dos xamãs posta em prática em situações como o

aconselhamento, pela capacidade desta pessoa de prever e curar doenças e neste sentido, de

proteger os que lhe são próximos e lhes indicar muitas vezes os caminhos a seguir, o

conhecimento xamânico é colocado no centro das relações de parentesco. Conforme

Pissolato:

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(...) não é por acaso que o xamã é idealmente o chefe de uma família

extensa, aquele que assume plenamente a função de proteção do

parentesco. É por isso que sua figura surge nas análises clássicas

sobre liderança entre os Guarani, encarnando o que seria a forma

“genuína” ou tradicional de governo, ou a única modalidade aceitável

pelos Guarani de liderança (Nimuendaju [1914]1987: 75-76; Schaden

[1954]1962: 99). (2006, p.283).

Esta associação entre poder xamânico e liderança de um coletivo não se dá

porém, de forma automática. Pissolato ressalta que nem sempre um xamã prestigiado em seu

poder de cura procura desenvolver suas capacidades de liderança, assim como nem todos que

encabeçam um grupo de parentes, procurando aprimorar sua capacidade de liderança,

assumem a condição de xamãs. Na prática as configurações em questão são bastante diversas.

Conforme descreve a autora:

O parentesco confere a base para a construção de uma liderança,

ainda que não a garanta, pois é preciso que o “pessoal” de um(a)

líder permaneça com ele para que se delineie um coletivo ([nome do

líder]- kuery ) ligado ao mesmo. Igualmente, a prática xamânica

eficaz também não garante uma posição de liderança. Mesmo um

xamã que seja bastante acreditado em sua prática de ver a doença,

em saber contar o que Nhanderu transmite na reza ou antever o que

os sonhos contam etc, se não reunir em torno de si um grupo de

descendentes vivendo junto e colocando-se sob a sua orientação não

se torna efetivamente um líder. (Pissolato 2006, p. 285).

Xamanismo e rituais

A realização de rituais que agregam cantos-rezas-danças é bastante freqüente e

difundida entre os Guarani das diferentes parcialidades, apesar das particularidades que estes

podem assumir entre os kaiowá, Ñandeva e Mbyá e mesmo nas localidades onde ocorrem. As

práticas rituais, que geralmente são conduzidas pelos xamãs Guarani, responsáveis pela

condução dos cantos e danças (Montardo, 2002), dependendo da localidade são realizadas

cotidianamente “iniciando-se ao cair da noite e prolongando-se por várias horas” (site ISA).

Em estudo sobre a música Guarani e sua centralidade na vida espiritual desse

povo, Montardo constata junto aos Kaiowá que o fato de os rituais serem realizados à noite

obedece a sentidos mitocosmológicos entre os Guarani, que os vinculam à continuidade da

vida na Terra. Conforme a autora (2002, p. 11), “o sol, o Pa’i Kuara, é um xamã, e ele canta e

toca seus instrumentos durante o dia. Durante a noite os homens são os responsáveis por

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tocar, cantar e dançar, o que têm que fazer para manter o mundo, a vida na Terra”. Daí

decorre a responsabilidade dos xamãs Guarani de conduzir os cantos-rezas-danças realizados

em sua maior parte nas casas de reza – opy, durante a noite.

No rol das práticas rituais que tem o xamã como personagem importante em sua

realização, estão os rituais cotidianos, a que Montardo (2002) denominou de “sessões

xamanísticas cotidianas” e rituais mais específicos, voltados à nomeação das crianças e

vinculados ao período de colheita do milho. A propósito da realização dos primeiros e do papel

do xamanismo entre os Guarani, Montardo ressalta que, ao contrário da imagem comumente

associada ao xamanismo, de um homem realizando uma cura, entre os Guarani essa imagem

não corresponderia à ênfase atribuída ao xamanismo. Segundo a autora, a ênfase do

xamanismo Guarani recai, antes, no ritual coletivo, cotidiano, “de caráter mais profilático ou

de uma cura ampla, que abrange a própria Terra” (2002, p.30).

Conforme Montardo (2002, p.30) o ritual do milho é o mais importante do

calendário Guarani. Conhecido como Nhemongarai, Mitãmongarai, avati kyry, entre outros

nomes, esse ritual se destaca no âmbito do xamanismo deste povo, entre outras razões, por

ser ocasião de nomeação das crianças Guarani. Segundo literatura acerca da nomeação, os

nomes das crianças são enviados pelos deuses e recebidos pelos xamãs por inspiração. Nestes

rituais, conforme Cadogan (1950, p.238) apud CTI (Anexo 3, INRC), o xamã faz uso de tabaco

nestes rituais “e se dedica a cantos e rezas, numa comunicação com os deuses que pode durar

vários dias, até que ele descubra a “procedência da palavra-alma que se encarnou na

criança””.

Além disso, os cantos deste ritual se diferenciam dos cantos dos rituais

cotidianos. Em site do Instituto Socioambiental o avati kyry, como é denominado entre os

Kaiowá, é assim descrito:

A cerimônia em si, dirigida por um líder religioso, tem início ao cair

do sol e finda na aurora do dia seguinte. Este xamã deve conhecer o

mborahéi puku ou “canto comprido”, cujos versos, que não se

repetem, não podem ser interrompidos depois de iniciada a

cerimônia. A cada verso entoado pelo ñanderu a comunidade o

repete, sempre acompanhados pelos mbaraka confeccionado e

usado por homens e os takuapu usados por mulheres. Ao

amanhecer, terminado o mborahéi puku (canto comprido), há o

batismo da colheita (mandioca, cana, abóbora, batata doce, milho

etc.), que permaneceu depositada no altar. Na noite seguinte a

cerimônia do avati kyry continua com cantos e danças mais profanos,

os kotyhu e os guahu, por toda a comunidade e por muitas visitas

que participam da cerimônia.

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Com relação ao ritual em questão, que será melhor descrito em tópico específico,

ainda cabe ressaltar que trata-se de ocasião de extensa sociabilidade entre os Guarani.

Conforme dados em Anexo 3 do INRC Yvyrupa, este ritual reúne “não apenas a coletividade

das comunidades mais próximas, como também parentes e lideranças espirituais que se

deslocam de partes distantes do amplo, embora fragmentado território Guarani”.

Referências

MONTARDO, Deise Lucy Oliveira. Através do Mbaraka - Musica , Dança e Xamanismo Guarani. Tese de Doutorado. USP, 2002. PISSOLATO, Elizabeth de Paula.A Duração da Pessoa; mobilidade, parentesco e xamanismo mbya (guarani). Tese de Doutorado, Museu Nacional, UFRJ, 2006. INRC Yvyrupa. Anexo 3: Bens Culturais. Centro de Trabalho Indigenista. Site Instituto Socioambiental: http://pib.socioambiental.org/pt/povo/guarani-kaiowa/

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7. MANIFESTAÇÕES CULTURAIS GUARANI

Conforme apontado pelo Centro de Trabalho Indigenista em Relatório Técnico de

Valorização do Mundo Cultural Guarani (2011), não faria sentido propor uma listagem

exaustiva do universo de referências culturais guarani uma vez que as práticas e saberes deste

povo “estão inseridos em processos dinâmicos de criação e circulação de saberes, experiências

e relações” e que “a eleição e a definição de alguns aspectos dessa vivência como referências

culturais implicam processos de seleção, exclusão e objetivação, que envolvem escolhas

conscientes e interessadas dos sujeitos produtores e mantedores desses processos, que são os

próprios Guarani” (Relatório técnico CTI, 2011, p.57).

Considerando pois, que a metodologia de documentação proposta pelo IPHAN, o

INRC, integra uma política que vem sendo construída na relação entre o IPHAN, instituições

executoras e neste caso as comunidades indígenas, e que as seleções das referências e bens

culturais são ações políticas que devem ser levadas em conta no contexto da política de

patrimônio imaterial, optou-se aqui por trazer como indicativos das manifestações culturais

Guarani o resultado do que foi negociado/objetivado durante as duas experiências de

realização do INRC junto aos Mbyá Guarani.

Neste sentido, boa parte dos bens inventariados, especialmente no caso do INRC

Comunidade Mbyá-Guarani em São Miguel Arcanjo remetem a uma rede de relações mais

restrita, que pode não dar conta do que seria um bem cultural representantivo dos Mbyá

Guarani como um todo, a exemplo da identificação de algumas aldeias na categoria de

“lugares”, da Mata São Lourenço, do Parque da Fonte Missioneira. Mas também são

inventariados em ambos os INRCs bens que poderiam ser tomados, salvas as particularidades e

variações relativas às redes de relações e localidades, como referências dos Mbyá Guarani ou

mesmo das diferentes parcialidades Guarani, a exemplo do ritual do Nhemongaraí, da Jerojy e

especialmente, do Yvy rupa enquanto território/lugar Guarani.

Tendo em vista a opção de indicar os bens inventariados nos INRC, optou-se

ainda, ao invés de categorizar conforme roteiro proposto pelo CRESPIAL47, por utilizar as

categorias trabalhadas na política do IPHAN de identificação das referências e bens culturais:

lugares, formas de expressão, edificações, celebrações e ofícios e modos de fazer.

E, de modo a preencher minimamente o vácuo de informações acerca das

parcialidades guarani Kaiowá e Nhandéva, que não estão contempladas nos Inventários em

47 Rituales del ciclo vital (de nacimiento, adolescencia, casamiento o matrimonio, fúnebres, y otros); Danzas, música y expresiones afines; Tradición oral guaraní; Artesanías.

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questão, são indicadas ao fim deste tópico algumas obras que poderiam ser um passo inicial

no levantamento de informações sobre as manifestações culturais destas parcialidades.

INRC Comunidade Mbyá-Guarani em São Miguel Arcanjo

Bem cultural identificado (Lugares): Mata São Lourenço

Conforme ficha de IndentificaçãoF50, 4.1 trata-se a Mata São Lourenço de “Área

de mata preservada em meio a campos nativos tendo aproximadamente mil hectares de

floresta em duas grandes manchas de concentração de espécies nativas maduras, localizada

entre as coordenadas 28º27’30’’ e 28º31’30’’ de latitude Sul e 54º33’45’’ e 54º39’15’’

longitude Oeste, nas nascentes de córregos formadores do arroio Santa Bárbara (para sul),

próximo ao divisor de águas com os formadores do arroio Urucuá (para norte), sendo

trespassada pela estrada que faz a ligação interior e mais curta entre a cidade de São Miguel e

o povoado de São Lourenço, distando poucos quilômetros desta cidade no caminho que unia

estes que foram dois dos Sete Povos das Missões. A designação Mata São Lourenço advém de

sua proximidade geográfica com o local deste antigo povoado. (...)

Mata São Lourenço é o nome atual de Kaaguy Miri, da “Mata Pequena”, lugar

onde houve a tekoá de Carlito Poku, índio Mbyá-Guarani que veio da Argentina na década de

1940 e que manteve assentamento no local até a década de 1970. A Tekoá Kaaguy Miri existiu

durante décadas na Mata São Lourenço e ainda existem pessoas vivas que habitaram o local

com o referido patriarca. Ali eles construíram Oó (casas tradicionais) e Opy (casas de reza),

fizeram kokué (roçado) e mundé (armadilhas de caça) e pari.

A presença dos Mbyá em Mata São Lourenço não deve ser entendida como

aleatória ou casual. A referida área fazia parte do espaço ocupacional dos antigos Guarani,

principalmente durante a vigência das Missões Jesuíticas. Esta afirmação é fundamentada em

evidências materiais, pois os arqueólogos já fizeram o registro como Sítio Arqueológico do

local contendo vestígios e fundações de uma antiga capela missioneira e de estruturas

correlatas dentro da referida mata, ocorrência que precisa da salvaguarda por estabelecer

ligação inconteste com as Referências Culturais dos Mbyá-Guarani. Assim, Mata São Lourenço

é unidade que fazia parte da rota de circulação dos Guarani entre São Miguel, São Lourenço,

Caaró e em direção a norte pelo vale do rio Urucuá até o rio Ijuí. Essa referência territorial

permaneceu e foi retomada por Carlito Poku no século XX, talvez mesmo porque ela nunca

tendo deixado de existir.

Na metade da década de 1990, negociações estabelecidas entre a então direção

do Museu das Missões e o proprietário da área em questão viabilizaram o acesso eventual dos

Mbyá ao interior da Mata São Lourenço, onde puderam recolher matérias-primas (taquara,

cipó-guembé, cerne de guajuvira etc.) e lenha para abastecer sua aldeia localizada no Parque

da Fonte Jesuítica, na cidade de São Miguel. Desta forma, eles re-estabeleceram vínculo com a

referida área, algo interrompido depois que eles foram assentados na Reserva Indígena do

Inhacapetum em 2001.”

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Bem cultural identificado (Edificações): Tawa- Ita (pedra) + Avá (gente, humanidade) (ou

ruínas da antiga aldeia)

Conforme ficha de Identificação F30, 4.1, “Tawa é a palavra usada pelos Mbyá-

Guarani para designar as ruínas de cada um dos Trinta Povos das Missões Jesuíticas, locais

considerados muito importantes do ponto de vista espiritual, por serem grandes aldeias dos

antigos Guarani, sítios tratados com respeito frente à obra e acúmulo de esforço e de

sofrimento dedicados pelos indígenas na construção dos monumentos hoje arruinados.

Tawa é formada pela junção das palavras ita (pedra) e Avá (Gente, humanidade) e

traduz a idéia da ação humana sobre as pedras e nas marcas deixadas nas construções

edificadas em São Miguel Arcanjo pelos antigos Guarani. A idéia de Tawa tem uma importância

mitológica para os Mbyá, pois as narrativas coletadas reiteram a interpretação de que os

jesuítas chegaram depois que os Guarani já haviam iniciado a construir as Missões, recebendo

os missionários como hóspedes de seus povoados em desenvolvimento.

Tawa designa o conjunto de remanescentes arqueológicos e arquitetônicos do

antigo povoado de São Miguel Arcanjo, distribuídos na paisagem do Sítio em meio à vegetação

tratada e emparelhada, surgindo enquanto blocos de pedra e outros artefatos aflorando do

subsolo, milhares de vestígios do trabalho Gurarani mal-compreendidos pelo senso comum

como parte apenas da “obra jesuítica”.

É preciso descrever a ambiência das edificações em ruínas de uma cidade inteira,

da primeira São Miguel, tendo em conta a perspectiva dos Mbyá que freqüentam o Parque,

que circulam entre os blocos de pedra daquela que foi uma aldeia dos antigos Guarani. A idéia

de Tawa resgata existência do imaginário atual dos Mbyá em torno às Missões Jesuíticas,

relacionando a história com o capítulo descrito em sua mitologia sobre a importância dos

heróis civilizadores Kesuit, seres dotados de poderes especiais que auxiliaram aos antigos

Guarani em suas andanças pelo mundo, enfrentando as adversidades trazidas pela Teko axy,

pelo mal-viver e pela aproximação do advento do fim desta terra imperfeita (...)”.

Bem cultural identificado (Lugares): Parque Arqueológico de São Miguel Arcanjo

Conforme ficha de IndentificaçãoF50, 4.1, “O Parque Arqueológico de São Miguel

Arcanjo é composto de uma área de proteção Federal com 28 hectares cercados por tela,

rondada por outra periférica de uso controlado, contendo remanescentes físicos sob o solo e

nas estruturas arquitetônicas da antiga Redução Jesuítico-Guarani fundada no lugar em 1687 e

tornada Patrimônio Cultural da Humanidade em 1983 pela UNESCO. O Parque abriga a

paisagem em que se distribuem o verde da vegetação e as paredes de pedra das antigas

estruturas principais do povoado que compunham a igreja, o colégio, o cemitério, as oficinas e

o cotiguaçu (moradia das viúvas e órfãos).

Em frente à igreja, do outro lado da antiga praça, existe um prédio construído

mais recentemente a partir do projeto do arquiteto Lúcio Costa, que abriga as dependências

do Museu das Missões e sua exposição de arte sacra. Este prédio é todo circundado por

alpendre ao estilo da casa dos índios do antigo povoado, situado a meio caminho entre a

entrada de visitantes ao Sítio e as ruínas da igreja. O Parque recebe manutenção continuada,

com equipe de trabalhadores dedicados ao controle da vegetação e especializados nas tarefas

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de restauração e proteção dos remanescentes físicos missioneiros, incluindo atuação em

outros sítios e centros de restauro.

O local foi construído e habitado pelos Guarani até a segunda metade do século

XVIII, sendo abandonado depois que os portugueses conquistaram a região na aurora do

século XIX. As ruínas foram tomadas de mato e ficaram à margem do latifúndio, até que se

iniciaram os trabalhos de preservação e de seu reconhecimento como patrimônio pelo Estado

do Rio Grande do Sul na década 1930. Em 1938 os remanescentes do antigo povoado de São

Miguel é tombado pelo IPHAN como patrimônio nacional com inscrição de número 063 no

Livro de Belas Artes .Depois da década de 1960 o IPHAN estabeleceu sede local e se realizaram

projetos de documentação, proteção e valorização deste legado missioneiro em São Miguel.

Há um grande acúmulo de trabalho técnico especializado investido, o que explica sua

transformação e reconhecimento enquanto Patrimônio da Humanidade.

O Parque de São Miguel recebe milhares de visitantes por ano, que chegam na

cidade e circulam pelo sítio reconhecendo os vestígios do passado missioneiro, até que se

deparam com a presença dos artesãos Mbyá-Guarani expondo suas peças para venda no chão

do alpendre do Museu. Aos visitantes ilustres e em datas especiais o grupo de canto e de

dança dos Mbyá faz apresentação de suas músicas e pousam para fotografias junto às ruínas.

A circulação dos Mbyá dentro da área do parque é tolerada pela segurança,

inclusive deixando livre dois vãos abertos na tela da cerca que circunda o sítio, permitindo que

eles entrem e saiam a qualquer hora. Em 2005, foi construído um prédio no canto extremo da

área cercada, ao fundo do sítio, que hoje serve de casa de passagem às famílias Mbyá que

ficam na cidade.”

Bem cultural identificado (Formas de expressão): Jerojy - Música e dança Mbyá-Guarani

Conforme ficha de IndentificaçãoF40, 5, “A jerojy pode ser compreendida como a

música Mbyá, mas seu sentido transpõe esta simples definição, pois a jerojy é uma forma de

oração. Este termo engloba o complexo dança-música dos Mbyá-Guarani, de coral ou ritual e,

ainda, designa os rituais que ocorrem na Opy, que pode ser diferenciado da noção de jerojy

enquanto expressão musical e coreográfica através da denominação Jerojy Nhembo’e

(nhembo’e = reza).

A jerojy executada na Opy (casa de reza) é evocada em momentos rituais pelo

karaí, que conduz o ritual, acompanhado pelos membros da tekoá. O canto do karaí é a

principal expressão musical destes rituais, de modo que ele é considerado um solista, tal como

exemplificado na aldeia. As mulheres participam tocando o takuapu (bastão rítmico); os

homens tocam o popyguá (varetas feitas do cerne da guajuvira). No centro da opy toca-se

mbaepu (violão Mbyá) e ravé (rabeca). A jerojy é uma forma de comunicação com os deuses e

o toque dos instrumentos musicais chama a sua atenção. A Jerojy nhembo’e inicia com o

Tangará, ou dança do Xondaro, em frente à Opy. Antes de entrarem na Opy os participantes

cumprimentam o Opygua. Às vezes, o ritual dura toda a noite, até o amanhecer e poucas são

as pessoas que acompanham a reza/ canto/ dança do karaí até o final. O karaí conduz o ritual

da Jerojy e os demais participantes são considerados acompanhantes. É preciso que haja

bastante fumaça, do tabaco queimado no petygua. A fumaça é importante porque “protege da

maldade”, conforme Floriano e Hugo. O karai sopra a fumaça nas pessoas. Algumas vezes,

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durante o processo curativo, o karaí extrai uma pedra. O karaí inicia seu trabalho com o

petyngua, sendo apenas acompanhado pela música produzida por outros Mbyá. Quando se

trata de um ritual de cura, após o trabalho com o doente, o karaí toca Mbaepu. O canto do

karaí está relacionado às belas palavras.

Desde o lançamento do cd Ňande Rekó Arandu, gravado por uma comunidade

Mbyá-Guarani do Estado de São Paulo, em 2000, várias aldeias Mbyá vêm formando grupos de

canto e dança, destinada ao público não-índio. Em 2002, foi criado o Coral da Tekoá Koenju, o

Coral Jerojy Guarani, constituído por meninos e meninas, que cantam e dançam, e homens

jovens e adultos que executam ravé (rabeca), mbaepu miri, mbaepu, angu apu e mbaepu ouá.

São produzidos tipos de jerojy “estilizadas”, com a incorporação de novos instrumentos

musicais e a partir de cantos antigos e da criação de novos versos. Tal variação da jerojy

sensibilizam os espectadores do “exótico” quanto à história dos Mbyá e sua situação presente,

caracterizando-se assim, como um importante instrumento para divulgação e valorização da

cultura identidade Mbyá-Guarani.(...)”.

Bem cultural identificado (Ofícios e modos de fazer): Artesanato –

Conforme ficha de IndentificaçãoF60, 5, “O artesanato produzido pela

comunidade Mbyá-Guarani em São Miguel das Missões é, atualmente, uma de suas principais

formas de subsistência, sendo confeccionado cotidianamente pela maior parte do grupo. São

confeccionados instrumentos musicais, arcos e flechas, adornos corporais (colares, brincos e

pulseiras), chocalhos e figuras zoomórficas (retratando animais da fauna subtropical das matas

onde circulam os Guarani), ou antropomórficas esculpidas em madeira (imagens em miniatura

de índios Guarani realizando diversas atividades como a pesca e a caça com arco e flecha). Há

os que fabricam os petyngua (cachimbos sagrados), em cerâmica ou madeira, objetos que não

são comercializados, apenas utilizados pelos próprios Mbyá em momentos rituais na Opy e

também à beira do fogo. Os Mbyá esculpem ainda esculturas da cruz missioneira (chamada de

cruz de Lorena, de quatro braços) e presépios (principalmente na época do Natal), alem da

produção de cestaria

A técnica tradicional deste ofício é passada de geração em geração, dos mais

velhos aos mais jovens, constituindo-se numa das principais atividades de socialização e

aprendizagem da criança ou do jovem sobre a tradição Mbyá. Desde muito cedo as crianças

passam a ter contato com as ferramentas utilizadas na confecção das peças (pequenas facas e

canivetes para talhar a madeira, barras de ferro finas e compridas utilizadas para queimar a

madeira) por seus pais e avós. As peças artesanais são produzidas quase exclusivamente

dentro do espaço da aldeia e comercializadas principalmente no alpendre do Museu das

Missões, localizados dentro do Sítio Arqueológico São Miguel Arcanjo, no município de São

Miguel, mas também em outros centros urbanos da região. Por ser produzido na aldeia, esse

ofício está diluído no cotidiano da comunidade, sendo constantes as cenas de mulheres

trançando cestos e amamentando seus bebês, adolescentes elaborando arcos e flechas e

homens talhando ou queimando a madeira enquanto conversam tomando chimarrão.(...)

O artesanato é motivo de trabalho coletivo, desde a coleta, o preparo das fibras e

a confecção das peças. A venda de artesanato é a mais segura fonte de renda das famílias,

embora os Mbyá não demonstrem inclinações como comerciantes ou negociantes.(...)”

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Bem cultural identificado (Lugares): Parque da Fonte Missioneira

Conforme ficha de IndentificaçãoF50, 4.1, “O Parque da Fonte Missioneira,

situado na cidade de São Miguel das Missões, constitui-se enquanto importante marco da

atual ocupação Mbyá no município, pois foi o local da primeira Tekoá (aldeia), antecedente da

atual Tekoá Koenju. O Parque caracteriza-se pela riqueza de recursos hídricos com lençol

freático superficial, formando várias nascentes, sendo que uma delas, canalizada, rega o

tanque jesuítico-Guarani missioneiro que motivou a criação do parque pelo IPHAN, a fim de

preservá-la. Outra vertente próxima origina outro tanque, maior e utilizado para banhos. Além

disso, na área, permanecem porções de mata nativa (ciliar) que envolvem as vertentes, nas

quais ocorrem diversas espécies vegetais utilizadas pelos Mbyá, além de algumas espécies

representantes da fauna nativa, entre mamíferos e aves, ancestralmente consumidos pelos

Mbyá.

A área de aproximadamente três hectares apresenta alguns recursos naturais

necessários à subsistência dos Mbyá, o que contribuiu para a instalação dos Mbyá ali.

Dispunham de taquara, curupi e sementes para a realização de trabalhos artesanais, água

potável, caça, além de estarem no centro da cidade de onde obtinham víveres e serviços,

efetuavam a venda do artesanato, e em pouco tempo, passaram a ser atrativo turístico.

Etnograficamente constatou-se a re-ocupação da área pelos Mbyá-Guarani,

quando em 1994 chegaram ao local duas importantes lideranças Mbyá com suas respectivas

famílias: Carlito Poku e José Acosta. Eles construíram suas moradias nos taquarais próximos à

fonte. (...)

A partir de 1995, José Acosta passou a residir no Parque da Fonte, onde construiu

a primeira oó (casa tradicional) Mbyá na região. Suas belíssimas esculturas em guajuvira e

curupi sensibilizaram os gestores do Parque Arqueológico permitindo a ele comercializar suas

peças no alpendre do Museu das Missões. Com isso, outras famílias passaram a freqüentar a

região e fixar moradia no Parque da Fonte. Em pouco tempo, constituíram uma aldeia com

casas no interior e encosta da mata, roças de milho e campo de futebol.”

Bem cultural identificado (Edificações):Oó – Moradia tradicional Mbyá-Guarani

Conforme ficha de IndentificaçãoF30.2, 4.2, “A oó é a moradia tradicional Mbyá-

Guarani, construída com troncos, barro e taquara. Sua estrutura é feita em madeira e suas

paredes são levantadas através de um esqueleto de taquara revestido com barro, produzido

dentro da própria aldeia .

O processo de construção das oó segue estas etapas:

Primeiro coletam a taquara na mata ciliar do rio Inhacapetum, armando em

seguida a estrutura de troncos, que são fixados no chão de terra previamente varrido e

preparado. O telhado é o primeiro a ser concluído, quando só então se faz o revestimento das

paredes e sua posterior cobertura com barro.

As casas tradicionais Mbyá seguem o padrão construtivo e formal desenvolvido

pela etnia para adaptação às condicionantes físicas do entorno e principalmente às

necessidades culturais, como o uso do fogo, o hábito de não permanência na edificação

(utilizada somente durante a noite e dias de chuva), entre outros.

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A casa é pequena, tendo aproximadamente 3x4m (12m²), podendo ser maior de

acordo com o tamanho da família. Algumas determinantes para a dimensão da casa são: o uso

(somente à noite); o hábito da família de dormir reunida; o condicionamento térmico (o uso do

fogo, que é mais eficiente em ambientes menores e o próprio calor humano). (...)”.

Bem cultural identificado (Edificações):Opy (casa de rezas)

Conforme ficha de IndentificaçãoF30.2, 4.2:

“Assim como a oó (habitação tradicional Mbyá; casa tradicional), o padrão de

construção da Opy caracteriza-se por paredes feitas de taquara revestidas de barro - sem

janelas - e teto de taquara, capim santa-fé (capi’i), ou folha do coqueiro (pindó), possuindo um

formato retangular.

As características arquitetônicas da Opy apresentam algumas variações de acordo

com o lugar, a tekoá e a comunidade na qual é construída. Na Argentina, vimos Opy com dois

acessos, um frontal (por onde se entra) e outro lateral (por onde se sai). No Brasil, as Opy têm

apenas uma porta frontal. Porém, todas as portas das Opy (Brasil e Argentina) são baixas,

fazendo com que as pessoas tenham que abaixar-se para entrar e sair, sinal de respeito às

divindades.

Algumas variações de construção da Opy dependem da disponibilidade de

matéria-prima, as espécies de taquara, de madeira. A dimensão da Opy varia dependendo,

principalmente, do tamanho da comunidade, para ter condições de abrigar todos os Mbyá da

aldeia.”

Ainda conforme ficha F30.2, 6.4,

“A Opy (casa de reza) é o espaço sagrado Mbyá-Guarani e tem lugar central na

vida e no ňande rekó (modo de ser) Mbyá. Na Opy são realizados, sob a liderança do Opyguá

ou Karaí (líder religioso Mbyá/rezador) uma série de rituais sagrados que expressam e

atualizam a concepção de mundo Mbyá.

Na Opy, os Mbyá realizam, guiados pelo Opygua, rezas, cantos e danças

destinados à regulação das atividades de cultivo e também à vida social, além dos rituais

religiosos, como por exemplo o batismo e outros de cura. Esses rituais são realizados através

dos poraí (cantos) da jerojy (dança) e da absorção do tabaco no pety’ guá (cachimbo sagrado).

A Opy tem grande importância para o sistema médico tradicional, uma vez que

este espaço sagrado é o local, por excelência, da realização dos processos terapêuticos que

garantem não só a cura dos pacientes Mbyá como também a prevenção das doenças do

espírito. É na Opÿ que acontece a ligação do Karaí com Ňanderu (Deus). Desta forma, a Opy

articula um conjunto considerável de símbolos e ações simbólicas, pois ao falarem da

importância da Opy para o juruá (homem branco), os Mbyá estão referindo-se a todo um

sistema simbólico e cosmológico próprios deste grupo étnico.

Para os Mbyá, a imagem da Opy está associada à idéia de força e proteção, pois é

neste local sagrado que podem se proteger e buscar força para seus espíritos.

A existência da Opy é considerada fundamental pelos Mbyá-Guarani para a

completude de uma comunidade, para a existência da Tekoá e à realização do modo de ser

Guarani.”

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Bem cultural identificado (Lugares): Tekoá Koenju

Conforme ficha de IndentificaçãoF50.1, 4.1:

“A Tekoá Koenju (Aldeia Alvorecer), está localizada dentro da Reserva Indígena

Inhacapetum. A área demarcada da Reserva Indígena Inhacapetum conta com 236, 33

hectares. (...)

A Tekoá Koenju (Aldeia Alvorecer) situa-se a margem direita do rio Inhacapetum,

a uma distância de 17,9 km em direção a sudeste em linha reta da zona urbana do município

de São Miguel das Missões ou aproximadamente 26 km da única estrada que dá acesso à área

a partir de S. Miguel.

A aldeia possui 17 casas de madeira com telhas industrializadas, construídas pelo

governo do Estado do Rio Grande do Sul . Ao lado destas casas os Mbyá constroem suas casas

tradicionais de taquara, barro e o teto de taquara ou da palmeira pindó. Na aldeia há uma Opy

(casa de reza), fundamental para a formação da Tekoá. Todas as casas possuem varanda, lugar

onde o grupo se reúne e cozinha em fogueiras. Observa-se também que as casas estão

construídas no entorno da mata ciliar do rio Inhacapetum, fato que demonstra a relação

intensa dos Mbyá com a mata, além de protegê-los do vento.

Pode constatar-se na dimensão da aldeia a intensa sociabilidade do grupo, estes

circulando constantemente entre as casas, reforçando seus laços de parentesco e

estabelecendo alianças. Destaca-se um imenso pátio ao lado do campo de futebol, onde o

grupo se reúne tanto para a comensalidade e o lazer, como para reuniões entre eles ou com os

Juruá (não índios). A aldeia possui um posto de saúde onde periodicamente um grupo da

FUNASA atende o grupo.

(...) O campo aberto da Tekoá Koenju que ocupa a área central da aldeia é

utilizado para a plantação de grandes hortas de avati (milho), amendoim, feijão, mandioca,

melancia e criação de abelhas em caixas cedidas pela EMATER. A criação de animais é pequena

restringindo-se a galinhas criadas soltas, identificadas com fitas coloridas nas patas para saber

a que família pertencem, além de algum animal silvestre que apareça como capivaras ou

quatis. Importante destacar que os Mbyá caçam na mata, mas estes animais silvestres criados

não são consumidos, são animais de estimação, assim como os cachorros que abundam na

aldeia. Observa-se que a sociabilidade na Tekoá Koenju, ocorre principalmente ao redor das

fogueiras, local onde o grupo se reúne para conversar, confeccionar artesanato, tomar

chimarrão, fumar pety, debulhar milho, amamentar as crianças, cozinhar ou fazer tudo isso ao

mesmo tempo, enfatizando a não separação do mundo do trabalho, com o mundo do lazer, a

forma holística Mbyá-Guarani de estar no mundo.”

Bem cultural identificado (Ofícios e modos de fazer):Pirá Rupiá (Pesca)

Conforme ficha de IndentificaçãoF60.2, 5:

“A prática da pesca (fluvial) na aldeia Tekohá Koenju realiza-se no rio

Inhacapetum, rio este que circunda a aldeia. A pesca efetua-se de dois modos considerados

tradicionais pelo grupo Mbyá-Guarani etnografado, quais sejam: o método individual com

caniço em taquara, linha de nylon e anzol, tradicionalmente a linha era elaborada com

gueimbé ou fibras da palmeira pindó, mas atualmente essas matérias primas são reservadas

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para o artesanato devido à escassez das mesmas na área. A isca era amarrada em uma ponta

utilizando-se grãos de avati (milho), minhoca ou peixes menores como o ipiau (piava). Este tipo

de pesca, segundo o grupo pesquisado, hoje é consagrado apenas como ensino às crianças ou

como uma prática lúdica.

A outra forma consiste na construção de um Pari (palavra também utilizada por

populações locais não indígenas), que o grupo chama na língua Mbyá-Guaranide pira rupiá,

este tipo de obra é montada em uma parte do rio que coadune forte correnteza, pouca

profundidade e quantidade elevada de itá (pedras). Esta prática é de importância econômica

para o grupo e realiza-se sazonalmente no período de chuvas na região, que ocorre entre o fim

do verão e o início de outono (março ou abril), época de chuvas, provocando o aumento do

volume das águas, trazendo mais quantidade de peixes descendo para os rios de maior caudal.

O pari é armado com dois grandes troncos de madeira pesada, guavirá

(guabiroba), que atravessam o rio transversalmente e paralelamente um com o outro a uma

distância aproximada de um metro entre eles. Estes são escorados por troncos menores, da

mesma madeira, presos firmemente ao fundo pedregoso do rio. Após a montagem da

estrutura, coloca-se uma cerca de bambu ou taquara, represando levemente o rio, deixando

pequena abertura entre elas para a passagem de peixes menores que não serão capturados

pela armadilha. Em uma parte da cerca deixa-se uma boca aberta por onde flui o maior volume

de água, esta boca é o inicio de um grande ajacá (cesto) de taquara amarrado com cipó a uma

armação também de guabiroba, o cesto inicia-se debaixo da água e conforme vai afunilando

sobe até terminar fora dela. Os peixes entram com a forte correnteza e ficam presos no ajacá

sendo pegos com as mãos pelos Mbyá.

A construção do pari é realizada por homens, geralmente um grupo pequeno de

três a quatro homens, utilizando poucas ferramentas que consistem basicamente em facão,

machado e facas menores. Durante o período das cheias o pari é “vistoriado” todas as manhãs

para a verificação da quantidade de peixes capturados na madrugada anterior. Os tipos de

peixes que são apanhados na armadilha colocada no rio Inhacapetum, segundo os informantes

entrevistados, são os seguintes: piraju (dourado), ñundi-a (pintado), pikypé (lambari), pirajay

(pacu), ñundia-y (bagre), pirape (carpa), ipiau (piava), tare-y (traira) e jacarepito ou picyrai

(cascudo), havendo também o pikyrai que ninguém soube explicar-me sua tradução para o

português.

Embora tudo na vida Mbyá seja transpassado pela religiosidade, a pesca não o é

de forma tão intensa, porém não deixam de rezar para Tupã antes de ir até o rio conferir a

pesca. Também o karaí (líder espiritual Mbyá-Guarani), reza todo dia para que nunca falte a

caça e a pesca. Os peixes na concepção cosmológica Mbyá não são considerados carne, sendo

muito apreciados pelo grupo, sobretudo pelos karaí que o consideram como uma alimentação

leve e limpa. (...)”

Bem cultural identificado (Ofícios e modos de fazer):Caça

Conforme ficha de IndentificaçãoF60.3, 5:

“(...) Tanto como a pesca e a coleta, a caça não é abundante na reserva

pesquisada, embora a diversidade não seja pequena, a quantidade o é.

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A caça na Reserva Indígena Inhacapetum ocorre principalmente dentro da mata

ciliar que circunda o rio Inhacapetum, esta atividade é exclusividade dos homens Mbyá,

segundo relato do grupo entrevistado. A caça com arco e flecha não é mais utilizada nesta

aldeia, porém há outras reservas indígenas onde a mata é mais abundante, consequentemente

a diversidade de animais torna-se maior, assim, nessas aldeias, o arco e a flecha ainda são

utilizados amplamente. Na Tekoá Koenju, os principais animais caçados são: tatú, preá, xi´y

(quati), jaixa (paca), akuxi (cutia), guaxu (veado), kapi´iua (capivara), tapii (lebre), kuii (ouriço),

araku (saracura), ka´i (macaco), perdiz, jacaré e mymmba´i(porco do mato). Todos estes

animais são capturados com armadilhas, não havendo, como já citado, a utilização do arco e

flecha. (...)

A forma de caça mais utilizada na Reserva Indígena Inhacapetum ocorre através

das armadilhas, este grupo étnico desenvolve vários tipos de armadilhas, não somente para a

caça, mas para a pesca também. Para aves e mamíferos menores são chamadas de mundeú e

mundepí, para mamíferos maiores são chamadas de ñuá. As armadilhas menores, mundeú e

mondepí são similares, ambas são feitas no solo da mata, construindo-se um pequeno cercado

de taquaras dimensionado nas proporções do animal que se pretende caçar. Dentro da cerca

são colocados alimentos, como grãos de avati (milho), funcionando como iscas. O animal ao

entrar no cercado para comer a isca, aciona um tronco de madeira ou galho flexionado, que cai

sobre sua nuca, quebrando-lhe o pescoço.

Já as mundeú são as de proporções maiores para caça de mamíferos de grande

porte como capivaras, porco do mato e veados, nesta, o animal é atingido por um tronco

pesado de qualquer madeira. Outro tipo de armadilha para animais de grande porte usada na

aldeia, é a de “laçar”, que como já citamos chama-se ñuá, o animal que morde a isca é laçado

em uma das patas ou pelo pescoço, se o animal é atrapado pela pata, este apenas fica

pendurado e é morto depois, diferentemente do caso de ser laçado pelo pescoço, onde a

morte por asfixia é imediata. (...)

Enfatiza-se que os Mbyá-Guaranitem profunda consciência da necessidade de

preservar os animais silvestres que lhe servem de alimento, havendo determinadas épocas do

ano onde a prática da caça não é realizada, este período é o da reprodução dos animais, que

ocorre entre os meses de agosto a novembro. Não se encontra nessa época do ano nenhuma

armadilha armada na aldeia. Esta consciência pela preservação da natureza parte de sua

cosmovisão, do mundo onde cada ser, animal, vegetal e mineral possuem espírito e tem

caráter divino, havendo deuses e espíritos protegendo a natureza. Sua cosmo-ecologia permite

a não deterioração das matas, observa-se assim, que onde há Mbyá-Guarani, há mata

preservada. (...)”

Bem cultural identificado (Ofícios e modos de fazer):Coleta

Conforme ficha de IndentificaçãoF60.4, 5:

“A coleta é uma atividade que complementa a alimentação, possibilita a

elaboração do artesanato e as construções de casas tradicionais e armadilhas do grupo

pesquisado. Sua origem é milenar nos Mbyá-Guaranie na Reserva Indígena Inhacapetum

ocorre desde a homologação da área para esta etnia. A coleta se dá de forma manual, no caso

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dos frutos e das ervas, e com machados, facões, facas e enxadas, no caso do mel e das

matérias-primas para o artesanato e construções em geral. No caso de coleta alimentar, esta

atividade complementa a agricultura e a pesca, no caso da coleta de matérias-primas, a

atividade é de vital importância econômica, pois o artesanato somente pode efetuar-se se

houver a busca de matérias-primas na mata ciliar da aldeia, ou nas adjacências da reserva

quando a sensibilidade de alguns fazendeiros o permite.

Os principais frutos silvestres coletados na Tekoá Koenju são o araticu (araticum),

yvyra japiro (cereja), guavirá (guaviroba), mguapyta (coquinho), yvaporaity (guaporati) narã

(laranja), yva pytã (pitanga), araxa guaçu (araça), yvaviju (guabiju) e o fruto do guembé

(coletado fora da aldeia e utilizado no ñemongaraí, ritual de nominação Mbyá), há na aldeia

outras frutas silvestres mas segundo a cosmologia Mbyá uns frutos são para eles, outros para

os animais e ainda há outros que nem os Mbyá nem os animais podem comer. O grupo

reclama ainda da falta de outros frutos como a jabuticaba, o pêssego, a ameixa e a manga que

não existem na área que ocupam. Em termos de matéria-prima, são coletadas na reserva o

takua pekuru(taquaruçu), o kuruika´y (curupi), o guajayvy (guajuvira), o louro, o porongo e o

cipó do guembé para a realização do artesanato. Também se coletam madeiras como o ygary

(cedro), a canela, a guajuvira, o kurupa´y (anjico), o pessegueiro, a pitangueira, entre muitas

outras espécies nativas, todas utilizadas para a queima nas fogueiras das casas, como para

construções tradicionais, quais sejam: opy (casa de reza), oó (casa tradicional) e para a

fabricação de armadilhas de caça e pesca.

O pindó (palmeira), sagrado para o grupo, é utilizado para a construção dos

telhados das casas tradicionais (as folhas), assim como para alimentação (o palmito). Entre os

produtos coletados, o mais apreciado, é o mel. Depois de localizar a colméia eles esfregam a

folha de uma árvore (o grupo não informou que tipo de árvore era) como repelente contra as

abelhas e pegam a colméia inteira consumindo tanto o mel como as favas. Quando a colméia

encontra-se dentro das árvores utiliza-se o facão ou o machado para fazer um buraco na

árvore e colher a colméia junto com o mel. Há também a coleta de catiguá (casca de árvore

para tintura), e de tipó (folha utilizada para a mesma função). As ervas medicinais são de difícil

acesso à pesquisa dado que o grupo não fornece informações sobre sua medicina tradicional,

colocando-se esta atividade dentro da dimensão do mistério, respeitando o direito Mbyá a

preservação e velamento de sua cultura. Porém, algumas mais comuns nos foram desveladas

como a camomila, a cidreira, o boldo, o kurupay (erva para a cura da gripe, tomada misturada

com o kaá, (erva mate), o pipi (guiné), excelente para rinite, resfriados e sinusite, as outras

como já citado resguardam-se na dimensão do mistério. O aspecto cosmológico da coleta é

similar ao da caça e da pesca já que para os Mbyá tudo tem espírito, todo dia o grupo reza e

agradece, principalmente a Tupã (deus das chuvas), pelo crescimento das plantas e como no

caso da caça além da reza do grupo que sai para a coleta, o karaí também reza para abrir os

caminhos da mata e evitar o ataque de animais como o jaguareté (onça), além de muitas das

ervas medicinais coletadas passarem por um ritual, dentro da opy, onde é utilizada a fumaça

do pety (tabaco) para a purificação das mesmas.”

Bem cultural inventariado e identificado (Lugares): Acampamento do rio Urucuá

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Conforme ficha de IndentificaçãoF50, 4.1:

“(...) O rio Urucuá tem seu nome emprestado de uma expressão Guarani que

significa concha, molusco em referência a grande quantidade desta fauna do ambiente

conhecido pelos primordiais Tupi-Guarani do começo da Era Cristã. Desde aquela época, o

curso do rio transformou-se em eixo de deslocamento entre a bacia do rio Ijuí e a do rio

Piratini, trespassando território compartilhado por outras etnias originárias.

A bacia do Urucuá constituiu-se como rota Guarani parte do Tape, província

colonial que se estendia pelo interflúvio Uruguai-Jacuí em direção ao baixo vale deste segundo

rio. Embora parte do Tape, o Urucuá tinha posição de fronteira com relação à província de

Ibiaçá, onde dominavam os temidos grupos de fala Je dos quais os Guarani eram, geralmente,

inimigos. Foi nesta fronteira, em meio à disputa pelo controle de ervais nativos, que se fez à

presença dos missionários jesuítas que foram inicialmente “martirizados” no Caaró.

No inicio da década de 1970, o local foi re-ocupado por famílias Mbyá em

deslocamento oriundos de Misiones, Argentina. Isto motivou outros acampamentos às

margens do Urucuá que a época era a principal referência territorial na região. Para a

aplicação do Inventário nossa equipe esteve no local do acampamento acompanhado por dois

Mbyá, sendo que um deles, Osvaldo Paredes, viveu ali por quase um ano em 1978. Na época,

estavam em duas famílias nucleares e seu sustento estava calcado na venda do artesanato

realizado na BR 285. Além disso, dispunham de pesca no rio, espalhavam armadilhas de caça

na mata, onde também coletavam frutos e a matéria-prima para confecção do artesanato,

incluindo a takuá (taquara), importante elemento representativo de permanência espacial. O

abandono do local foi marcado pela morte de um menino Mbyá de dezessete anos que às

margens do rio Urucuá foi sepultado, tornando-a uma referência espiritual.”

Bem cultural inventariado e identificado (Lugares):Santuário do Caaró

Conforme ficha de IndentificaçãoF50, 4.1:

“O Caaró é um povoado de Caibaté município onde está erguida a capela que

originou o Santuário do Caaró, o qual é reconhecido como o suposto local de “martírio” dos

padres jesuítas Roque González e Afonso Rodriguez (homenageando também o beato Pe João

Del Castela morto próximo dali, no Pirapó, Redução de Assunção do Ijuí). Situado a 14 km da

cidade de Caibaté e a 25 km do Sítio Arqueológico de São Miguel Arcanjo (Município de São

Miguel das Missões), tem acesso asfaltado com 2 Km de extensão desde o trevo de acesso a

Caibaté, no km 416 da BR 285.

O Santuário do Caaró ocupa um papel de centralidade na comunidade,

constituído por dezoito famílias e aproximadamente oitenta pessoas vivendo no entorno do

santuário. Elevado recentemente à categoria de paróquia, passará a agregar fiéis cristãos de

doze localidades próximas, pertencentes aos municípios limítrofes ao distrito de Caaró, quais

sejam: São Luis Gonzaga, São Miguel das Missões e o próprio município de Caibaté. As

principais atividades econômicas da região são a monocultura de soja, as roças familiares de

milho, batata e feijão, a pecuária e o turismo religioso em torno ao Santuário.

Esta região historicamente foi ocupada pelos Guarani, o próprio nome Caaró é

Guarani (caa = erva e iro = amarga) indicando local de ervais, os quais eram disputados com os

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índios da Província de Ibiaçá. Há, inclusive, no Santuário no monumento em homenagem aos

mártires, referência também aos índios Guarani mortos na luta por sua terra. No entanto, não

há Guarani residindo e, tão pouco, circulando, com freqüência, na região.”

Bem cultural inventariado (Lugares): Tekoá Porá

Conforme Ficha A3, Anexo 3, Localidade “Terra Indígena Salto Grande do Jacuí”:

“A Tekoá Porá possui uma população de 146 pessoas e 39 famílias. Ela fica situada

no Município de Salto do Jacuí, que faz parte da Mesorregião do Noroeste Riograndense, na

Microrregião de Cruz Alta.

A comunidade Mbyá-Guarani da Tekoá Porá possui um ritmo cotidiano distinto

daquele que vigora na rotina rural e urbana do município, embora tenham que se adequar aos

horários das aulas das crianças que estudam. Lá os Mbyá vivem o nhande rekó (modo de ser

Mbyá), bastante diferente do juruá (não-indígena).

A Tekoá está situada em local de privilegiada beleza natural, com encostas

íngremes e completamente forrada de floresta densa, no meio das quais fica o curso

pedregoso do rio Jacuí. No entanto, Tekoá Porã está a apenas três quilômetros do centro da

cidade do Salto do Jacuí, sendo visitada, em todo momento, por curiosos, turistas ou banhistas

que procuram o balneário próximo nos meses de calor.

Embora tendo formalmente reconhecida como Terra Indígena a pequena área de

234 hectares, Tekoá Porã é compreendida pelos Mbyá envolvendo toda a grande área de mata

preservada na grande ferradura que faz o curso do rio Jacuí abaixo da Hidrelétrica Maia Filho,

local transformado em área de proteção ambiental em contrapartida ao impacto provocado

pelos empreendimentos hidrelétricos no Jacuí.

Dentro da Tekoá os Mbyá possuem suas oó ao lado de poucas casas construídas

segundo o modelo adotado inicialmente pelo Programa RS Rural (como é hoje a casa de

passagem dos Mbyá no Parque Arqueológico de São Miguel, por exemplo). Lá eles também

fazem roças tradicionais, preparam armadilhas e pescam no rio, conseguindo um

abastecimento alimentar destas fontes em maior proporção do que ocorre em médias nas

demais áreas Mbyá. Mesmo assim, a comunidade tem recebido cestas-básicas repassadas pelo

Governo do Estado ou da União.”

Bem cultural inventariado (Formas de Expressão): Ayvu (fala dançada)

Conforme Ficha A3, Anexo 3, Localidade “Reserva Mbyá-Guarani Lomba do

Pinheiro”:

“Ayvu designa uma forma de expressão oral muito característica dos Mbyá, que

ocorre enquanto discurso ritmado, acompanhado de uma performance corporal de quem

professa as palavras (caminhando) e que provoca reações verbais do público (Mbyá), sentado

em volta. A ayvu torna-se manifesta em toda vez que ocorre uma reunião de representantes

Mbyá, organizada de maneira ritual com uma sessão de abertura, onde cada um que chega

deve, em fila, passar por um círculo formado pelos anfitriões e cumprimenta-los de forma

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tradicional proferindo o termo guarani “aguyjevete”. Muitas vezes essa abertura é

acompanhada pelo som de instrumentos musicais compassados.

Ayvu, enquanto fala e performance é uma das qualidades mais valorizadas no

prestígio político de um Mbyá, na medida em que ela é a representação secular das nhe’e porã

(belas palavras ou palavras divinas), sustentáculo da cosmo-ecologia Mbyá. O efeito positivo

da ayvu pode ser medido pela reação da assistência, emocionando a platéia, que expressa

palavras a cada intervalo da fala, constituindo uma espécie de diálogo simbólico e

performático.

A ayvu, como as nhe’e porá possui centralidade na cosmologia Mbyá porque ela

remete à noção de alma-palavra, melhor definição êmica da pessoa Mbyá-Guarani.”

Bem cultural inventariado (Lugares): Tekoá Anhetenguá

Conforme Ficha A3, Anexo 3, Localidade “Reserva Mbyá-Guarani Lomba do

Pinheiro”:

“Tekoá Anhetenguá é um centro para os Guarani, por isso se tornou casa de

passagem no inicio. Por que Tekoá Anhetenguá? Porque um dia levantamos, fizemos fogo,

chamamos os mais velhos, cachimbo, chimarrão... Precisava-se de nome para a aldeia e surgiu

pelos rituais. Na época os Guarani já moravam naquele espaço, há 30 anos, é um espaço

sagrado, por que tem um pouco de mato e também se trata a doença do alcoolismo, curadas

com as belas palavras. Já tem três Guarani curados com as belas palavras. Anhetenguá é a fala

profunda na língua guarani, fala com a alma. Anhetenguá não foi inventado. È um espaço para

curar aquele que tem doença. Assumi enquanto cacique geral há cinco, seis anos e começou a

Reunião dos Karaí. Tudo Anhetenguá. Saúde diferenciada, Anhetenguá, educação Anhetenguá.

Isso é jeguatá tape porã!”

Palavra do cacique José Cirilo Pires Morinico (agosto de 2006).

Bem cultural inventariado e identificado (Celebrações): Nhemongaraí (ritual de nominação)

Conforme ficha de IndentificaçãoF20.1, 4:

“O Nhemongaraí é um ciclo ritual de nominação que acompanha a sazonalidade

da colheita do milho verde sagrado (avati eteí), ocorrendo durante os meses de janeiro e

fevereiro. Nele, a comunidade se mobiliza em torno à concentração do Karaí (líder religioso)

que recebe dos deuses inspiração para nomear as crianças que começam a falar, o que

acontece de forma geral em torno de um ano de idade.

O ritual dura um quarto do ciclo lunar, concentrando famílias vindas de outras

comunidades em torno às figuras dos Karai, que desempenham o papel reconhecido como

mais competente de Nhemongaraí vae (batizador). Nesses dias, a celebração sagrada noturna

é complementada durante o dia por práticas lúdicas, brincadeiras das crianças, conversas dos

adultos tratando desde temas cotidianos até os motivados pela mobilização étnica.

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O momento central do ritual do Nhemongaraí ocorre através de cânticos/rezas e

danças realizadas coletivamente dentro do espaço sagrado da Opy [Ver em Localidade Reserva

Indígena Inhcapetum a Ficha de Identificação F30.2 - Edificação: Opy], iniciando ao pôr-do-sol

, quando os Mbyá (principalmente os das famílias das crianças a receberem nome),

concentram-se no oká (pátio em frente à Opy) depois de um dia inteiro produzindo e

alimentando-se da tembiú Mbyá (comida tradicional), reforçando a importância da culinária

Guarani no alimentar o corpo e deixá-lo leve para a nutrição espiritual.”

Bem cultural inventariado (Lugares): Tekoá Yryapu

Conforme Ficha A3, Anexo 3, Localidade “Terra Indígena Capivari”:

“A Tekoá Yryapu está localizada na planície costeira central do Rio Grande do Sul,

no extremo norte da península de mostardas entre a laguna dos patos e o oceano atlântico, às

margens da Lagoa da Lavagem e Lagoa da Porteira, no distrito de Granja Vargas em Palmares

do Sul. Seu nome deve-se ao som das águas do mar escutado com intensidade da aldeia.

Sua área compreende 50 hac de terra composta por solo arenoso, matas não

muito densas e roças de milho, mandioca, abóboras e melancia. É habitada por

aproximadamente 6 famílias e 30 pessoas, incluindo adultos e crianças. O sustento das famílias

é baseado nas kokue (roças) e na pesca realizada nas lagoas, inclusive com o uso de tarrafas.

Projeta-se uma casa de artesanato à entrada da aldeia para comercialização das peças

artesanais.

Da mata que circunda a lagoa são extraídos alguns recursos naturais importantes,

como é caso do fruto do guembé essencial na realização do ritual de nominação. Entretanto,

as matérias-primas necessárias para confecção de artesanato são escassas na aldeia.

Além do Karaí Agostinho Duarte, responsável pelo Nhemongaraí, atualmente

reside na aldeia o Karaí Santo Lopes, oriundo de São Miguel, mostrando a dinâmica de

assentamento (itinerância) Mbyá pelo Jeguatá Tape Porá.”

INRC Comunidade Mbyá Guarani

Bem cultural inventariado (Celebração): Nhemongarai

Conforme Anexo 3 da primeira fase do INRC Comunidade Mbyá Guarani

executado pelo CTI:

Ao falar do silêncio de missionários e cronistas a respeito dos rituais guarani,

Hélène Clastres (1978) sugere a hipótese de que estes, assim como seus lugares de realização,

tenham sido intencionalmente protegidos dos olhares e intervenções desses agentes da

colonização. No entanto, desde princípios do século passado, vê-se uma proliferação de

referências a rituais frequentemente identificados como nhemongarai, nheemongarai,

nimongarai, etc. Por vezes, os rituais são identificados por um termo que remete a algum

aspecto específico, como no caso dos guembé nhemongarai (ritual do guembé); yykaraí (ritual

de água); kyringuêrery (ritual de nominação das crianças), ka’axaï (ritual da erva mate). No

caso da referência cultural aqui descrita, utilizamos o termo genérico nhemongarai em

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referência a um conjunto amplo desses rituais, reconhecendo que eles guardam

especificidades conforme a época ou o lugar em que são praticados.

Na primeira década do século xx, Nimuendaju já descreve um ritual em que, após

horas de cantos acompanhados pelas batidas percussivas de taquaras (takuapu) seguradas por

mulheres, o xamã guarani molha o peito e a cabeça de uma criança com água e entrecasca de

cedro e, “depois de muitos esforços, descobre afinal o nome da criança, cochichando-o ao

ouvido dos padrinhos” (1954:38). Nimuendaju enfatiza que a descoberta do nome, que é

enviado à criança pelos deuses, é feita por inspiração. Ele também explica que os cantos

ouvidos durante esse ritual são específicos àquela ocasião e diferentes dos cantos cotidianos.

Léon Cadogan (1950) conta que uma criança é levada pelos pais a um xamã, para

que seu nome seja revelado. Ele afirma que isto pode ocorrer nos primeiros meses de vida ou

quando a criança já consegue andar, indicando que sua alma-palavra está bem estabelecida no

corpo. Assim com Nimuendaju, Cadogan enfatiza que ao xamã cabe escutar ou revelar o nome,

jamais escolhê-lo. Para tanto, o xamã faz uso de tabaco e se dedica a cantos e rezas, numa

comunicação com os deuses que pode durar vários dias, até que ele descubra “a procedência

da palavra-alma que se encarnou na criança”(1950:238).

O mesmo autor (1948) associa as práticas rituais à agricultura guarani,

descrevendo rituais que acompanham o ciclo de plantio de diferentes cultivos guarani, como o

avaxiete (milho), jety (batata doce) e mandió (mandioca). Cadogan (1957) também se refere à

realização de rituais relativos à caça e a diferentes plantas encontradas na mata (1957).

A associação de rituais específicos à disponibilidade dos recursos naturais

encontrados em determinada região é um fator cada vez mais importante, conforme o acesso

dos guarani a esses recursos diminui. Seja por conta da diminuição de grande parte do seu

território ou pela escassez de áreas férteis ou boas matas, em função da proximidade das

terras indígenas com centros urbanos em expansão e empreendimentos de diversos tipos, a

celebração de rituais é cada vez mais cerceada. Mesmo diante desses obstáculos, os

nhemongarai, descritos também na literatura etnográfica recente, são ocasiões que reúnem

não apenas a coletividade das comunidades mais próximas, como também parentes e

lideranças espirituais que se deslocam de partes distantes do amplo, embora fragmentado

território guarani.

O “nhemongarai” constitui uma referência cultural central para os guarani,

integrando-se às demais referências culturais identificadas nesta pesquisa e potencializando as

amplas redes de relações guarani.

Referências:

CADOGAN, Leon. Los índiosjeguakátenondé (mbyá) del guairá, paraguay. América Indígena, viii, n. 2, México, 1948, pp. 131-139.

CADOGAN, León. la encarnación y laconcepción; lamuerte y laresurrecciónenlapoesía sagrada “esotérica” de losjeguaka-vatenondé porã-gue (mbyá-guarani) del guaíra paraguay. Revista do Museu Paulista, Nova série, iv, São Paulo, 1950, pp. 233-246.

CADOGAN, Leon. Aporte para la interpretación de un apellido guarani. Revista de Antropologia. v, n. 2, São Paulo, 1957, pp189-196.

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CLASTRES, Hélène. Terra sem mal. O profetismo tupi-guarani. São Paulo: Brasiliense, 1978 [1975].

NIMUENDAJU, Curt. Apontamentos sôbre os guarani [tradução e notas de egonschaden] -- São Paulo: [s.n.], 1954.

Bem cultural inventariado (Forma de Expressão): Nhemongueta

Conforme Anexo 3 da primeira fase do INRC Comunidade Mbyá Guarani

executado pelo CTI:

A literatura referente aos guarani é farta em referências à importância que têm

suas palavras. A riqueza e a importância da língua guarani foram constatadas e admiradas por

estudiosos desde Montoya (1639). Em textos contemporâneos, desde o início do século vinte,

descrições etnográficas destacam a palavra como tendo um papel central, tanto nos processos

de criação e circulação de saberes, como na constituição da pessoa guarani. Neste sentido,

mais do que tentar entender a língua guarani, pesquisadores começaram a dar maior atenção

aos seus contextos de expressão, procurando compreender os sentidos desta comunicação na

construção de diferentes experiências e relações.

Embora os autores aqui citados tenham trabalhado em períodos e contextos

etnográficos diferentes, tendo por norte questões e abordagens diversas, e não seja possível

detalhar distinções importantes neste texto, as divergências consideráveis não remetem à

centralidade da palavra para os guarani, mas às interpretações que decorrem desta

constatação. Neste âmbito, encontramos o que poderíamos descrever como duas vertentes

complementares: explicações sobre o significado e os sentidos da palavra falada; e descrições

dos seus contextos de enunciação, frequentemente associados a rituais e outros processos de

circulação de saberes.

León Cadogan (1948, 1949 e 1957) Egon Schaden (1962), Hélène Clastres (1978) e

Bartomeu Melià (1995) enfatizam o caráter divino das palavras guarani, seja na sua origem,

enviadas pelas divindades para circularem dentro e entre os humanos, seja na identificação ou

tradução destas como palavras-nomes-almas. Neste sentido, os mesmos autores descrevem as

ayvuporã ou nheëporã (frequentemente traduzidas como belas palavras ou bela linguagem)

como uma espécie de princípio vital que, enviada pelos deuses, estabeleceria morada

temporária em cada ser humano, animando e orientando-o em suas experiências e

comunicação. Como Hélène Clastres (idem) destaca, trata-se de uma linguagem comum a

homens e deuses, marcada pelo uso constante de metáforas e reiterações.

A mesma autora explicita uma relação entre as belas palavras (ayvuporã) e os

belos saberes (aranduporã), indicando a linguagem como condição de acesso e meio de

circulação de saberes. Neste caso, ela privilegia a comunicação entre humanos e divindades,

no entanto, ela também reconhece que os xamãs guarani se dirigem diariamente às

comunidades, comunicando-lhes suas mensagens e conselhos. Maria Inês Ladeira (2001)

refere-se ao ayvu porã como palavras - ensinamentos que ao serem comunicadas através de

discursos, cantos e rezas, e atualizadas entre as gerações, mantém o sistema de transmissão

oral dos conhecimentos e valores guarani.

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Uma divisão entre práticas xamanísticas e outras envolvidas nos processos de

criação e circulação de saberes só tem sentido se pudermos entender melhor o que caracteriza

ou diferencia estas, algo que foge aos propósitos deste texto. Portanto, tomaremos como

foco, para a identificação desta referência cultural, as práticas denominadas pelos guarani

como nhemongueta, reconhecendo-as como atividades destinadas à comunicação de saberes.

BartomeuMelià (1979) explica que a aprendizagem para os guarani é um processo

que se estende ao longo da vida e é praticado em todas as esferas. a ampla extensão dos seus

processos de circulação de saberes não significa, entretanto, a ausência de critérios e

condições de seleção e restrição desta circulação. Pelo contrário, Simon Harrison (1995)

entende que a restrição é aspecto intrínseco à gestão de conhecimento. Neste sentido,

Schaden (1962) enfatiza a importância de se considerarem as condições de transmissão de

conhecimentos, justamente, pelo valor sagrado que os guarani atribuem aos seus saberes. Ele

explica que para os guarani não se pode comunicar os saberes indiscriminadamente a

qualquer pessoa; é preciso estar atento não apenas às condições de transmissão, mas também

à recepção destes saberes. ou seja, ser portador ou narrador de palavras e saberes preciosos

implica num elevado grau de responsabilidade. De modo análogo, Adriana testa (2008)

destaca que os processos de circulação de saberes, sendo também processos de comunicação

e construção de relações e sentidos, tomam a relação de interlocução e de confiança que se

estabelece entre narrador e ouvintes como central. Nos seus diferentes contextos e condições

de realização, as práticas aqui identificadas como nhemongueta, que abrangem de forma geral

os processos de saberes, descritos reiteradamente na literatura referente aos guarani,

constituem uma proposta de referência cultural a ser pesquisada e aprofundada com os

guarani.

Referências:

CADOGAN, Leon. Los índiosjeguakátenondé (mbyá) del guairá, paraguay. América indígena,

viii, n. 2, México, 1948, pp. 131-139.

CADOGAN, León. Lascreencias religiosas de losmbyá-guaraniés.Boletín de filologia, v, n. 40/41/42, Montevideo, 1949, pp. 671-683.

CADOGAN, Leon. Aporte para la interpretación de un apellido guarani. Revista de

Antropologia. v, n. 2, São Paulo, 1957, pp189-196.

CLASTRES, Hélène. Terra sem mal. O profetismo tupi-guarani. São Paulo: Brasiliense, 1978 [1975].

HARRISON, Simon. Anthropological perspectives on the management of knowledge.Anthropologytoday, vol.11/5, 1995, pp. 10-14.

LADEIRA, Maria Inês. O caminhar sob a luz. São Paulo: PUC, 1992. Dissertação de Mestrado.

LADEIRA, Maria Inês. Espaço geográfico guarani-mbya. São Paulo: fflch / usp 2001. Tese de Doutorado.

MELIÀ, Bartomeu. Educação indígena e alfabetização. São Paulo: Edições Loyola, 1979.

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MELIÀ, Bartomeu. Elogio de la lengua guaraní; contextos para una educación bilingüe en el paraguay. Asunción - Paraguay, Centro de Estudios Paraguayos “Antonio Guasch”, 1995.

SCHADEN, Egon. Aspectos Fundamentais da Cultura Guarani. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1962. (corpo e alma do brasil).

TESTA, Adriana Queiroz. Entre o canto e a caneta: oralidade, escrita e conhecimento entre os guarani mbya. Educação e Pesquisa (USP). v.34, 2008, p.291 - 307.

Bem cultural inventariado (Forma de Expressão):Porai hae’gui Xondaro

Conforme Anexo 3 da primeira fase do INRC Comunidade Mbyá Guarani

executado pelo CTI:

As formas de expressão identificadas nesta referência cultural extrapolam o que

poderíamos classificar como cantos e danças, embora os poraíve xondaro sejam

frequentemente assim entendidos ou traduzidos. Constituem, ao mesmo tempo, formas de

expressão, comunicação e produção. São cantos, rezas, formas discursivas de diversas

naturezas, danças, educação para a atenção e percepção, e um conjunto de saberes e práticas

relacionadas à produção de corpos e pessoas.

Na literatura sobre os guarani, as referências aos poraíve xondaro são constantes,

independente das interpretações que os autores lhes atribuem. Hélène Clastres, por exemplo,

assim os descreve:

Os cânticos, entremeados de frases não-cantadas, eram a ocasião de

dizer as narrativas míticas, a ordem do mundo e a promessa da nova

terra. Quanto à dança, para os guarani de hoje, é uma das técnicas

que permitem tornar o corpo leve e, dessa maneira, facilitar sua

ascensão à terra sem mal. é claro o vínculo entre canto e dança entre

os chiripas, que atribuem a direção das danças aos oporaívas, ou os

que cantam (poraí= canto), isto é: os que sabem dizer as palavras

sagradas. Também aí, pode-se estabelecer a continuidade através

dos séculos. (1978: 50).

Estudos mais recentes como os de Montardo (2002) e Menezes (2004) também

destacam a importância do canto e do corpo como meios privilegiados de comunicação com as

divindades. De modo análogo, assim como viveiros de castro (1986) sugeriu para os yawalapiti,

Essas autoras afirmam que os cantos e a corporalidade guarani estão implicados nos processos

de formação da pessoa.

Egon Schaden (1962) ao escrever sobre os guarani mbya e nhandéva, enfatizou

que os poraí eram transmitidos aos guarani pelas divindades, sobretudo em sonho, e

aprendidos pela coletividade através da participação nos rituais:

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Disseram-me os ñandéva que não se ensinam as rezas às crianças

porque, sendo individuais, são mandadas diretamente pelas

divindades. Desde a mais tenra infância, cada ñandéva participa das

cerimônias familiares e das de tôda a comunidade, aprendendo,

assim, sem esforço tudo o que faz parte do patrimônio grupal; ao

mesmo tempo, fica à espera de que lhe seja enviada a sua reza

própria, que receberá em sonho. O mesmo se dá entre os mbüá,

onde todos conhecem, à força de ouvi-las sempre, as rezas de todos

os companheiros; são usadas como canções de ninar e as crianças

pequenas, de dois anos de idade, já as cantarolam baixinho, por

própria conta. Mais tarde, por sua vez terão suas revelações. Daí o ar

de desdém com que Miguel, ñanderú mbüá, me disse: “Nós não

precisamos de escola, porque deus assim manda”.(SCHADEN,

1962:70).

Embora Nimuendaju (1954) também descreva os cantos como saberes recebidos

pelas divindades, especialmente, em sonho, ele distingue entre os cantos ouvidos durantes os

rituais e aqueles que são executados em outros espaços, como nas canções de ninar ou nas

brincadeiras infantis. Essa distinção é próxima à diferença que Hélène Clastres (1978) identifica

entre a linguagem usada na comunicação com as divindades nos rituais e na casa de rezas e

aquela de uso coloquial.

Nimuendaju (idem) também explica que os guarani executam seus cantos-rezas

em preparação para uma viagem ou outras atividades importantes, quando se deparam com

maus sonhos e doenças, quando nasce uma criança e nos rituais, como nos nhemongarai.

As referências culturais aqui identificadas como poraíve xondaro demonstram que

não é possível dissociar artes verbais, tais como os cantos e rezas, de modos de expressão e

produção corporal.

Léon Cadogan fala especificamente sobre o xondaro, afirmando que os guarani

identificavam dois tipos de xondaro, um relacionado aos guerreiros, cujas danças, cantos e

rezas tinham por objetivo a obtenção de destreza, e outro que se destinava à busca de força

espiritual (1950:234).

Como se observa também nos estudos mais recentes, como os de Litaiff (2004),

Montardo (2002 e 2004) e Menezes (2004), as referências culturais aqui identificadas

constituem formas de produção e expressão, tanto da corporalidade, como da socialidade e da

pessoa guarani. mais do que um conjunto de gestos e técnicas, são modos de comunicação e

saberes que permitem vivenciar e recriar uma ampla rede de experiências e relações.

Referências

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CADOGAN, León. La encarnación y laconcepción; lamuerte y laresurrecciónenlapoesía sagrada “esotérica” de losjeguaka-vatenondé porã-gue (mbyá-guarani) del guaíra paraguay. Revista do

Museu Paulista, Nova Série, iv, São Paulo, 1950, pp. 233-246.

Clastres, Hélène. Terra sem mal. O profetismo tupi-guarani. São Paulo: Brasiliense, 1978 [1975].

LITAIFF, Aldo. Os filhos do sol: mitos e práticas dos índios mbyá-guarani do litoral brasileiro. Tellus, ano 4, n. 6, pp. 15-30, abr. 2004. Campo Grande-MS.

MENEZES, Ana Luisa Teixeira de. O corpo “educado” na dança mbyá-guarani. Tellus, ano 4, n. 7, p. 93-106, out. 2004, Campo Grande-MS.

MONTARDO, Deise Lucy. Através do Mbaraká- música e xamanismo guarani. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, USP, São Paulo, 2002.

MONTARDO, Deise Lucy. Uma antropologia da música guarani. Tellus, ano 4, n. 7, out. 2004, pp. 73-91.

NIMUENDAJU, Curt. Apontamentos sôbre os guarani [tradução e notas de egonschaden] -- São Paulo : [s.n.], 1954.

VIVEIROS DE CASTRO, E. A fabricação do corpo na sociedade xinguana. in: PACHECO, J. Sociedades indígenas e indigenismo no brasil. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1986.

Bem cultural inventariado (Lugar): Yvyrupa

Conforme Anexo 3 da primeira fase do INRC Comunidade Mbyá Guarani executado pelo CTI:

Dentre as referências culturais identificadas nesta pesquisa, yvyrupa, forma como

os guarani designam seu território, tem uma importância fundamental. Trata-se de um amplo

território que atravessa as fronteiras nacionais da Argentina, Uruguai, Paraguai e Brasil, mas é

todo recortado por cidades, projetos desordenados de ocupação e empreendimentos de

diversos tipos.

Um grande número de pesquisas fazem referências às formas de mobilidade

guarani ou às grandes migrações atribuídas a motivações religiosas ou aos diferentes e

intensos processos de expulsão. No entanto, esta referência cultural tem por objeto específico

o território em que se realizam, não apenas as dinâmicas de mobilidade, como também todo

um conjunto de práticas e saberes que constituem os modos de vida dos guarani, nos diversos

pontos deste território, seja no deslocamento ou nas vivências cotidianas dos seus tekoa.

Para Ladeira (1992 e 2007) a não aceitação, ou a incompreensão acerca da

territorialidade guarani, concebida sem fronteiras, fomentou a idéia equivocada, porém

bastante difundida e conveniente aos interesses desenvolvimentistas, de que os guarani

seriam um povo sem vínculos com os lugares por eles habitados, o que contribuiu para que

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seus direitos territoriais fossem ignorados. A mesma autora (2001 e 2008) tem demonstrado,

que os lugares escolhidos pelos guarani para constituírem seus tekoa fazem parte de um

amplo sistema de saberes e experiências. São escolhas orientadas por uma longa história que

liga as gerações atuais aos antepassados e que se estende através das redes de parentesco que

percorrem todo esse território. A possibilidade de encontrar uma terra propicia à formação de

um tekoa, tem sido pautada na atenção às mensagens comunicadas pelas divindades e

idealização nas condições idealizadas que essa terra oferece, em termos de acesso aos

recursos naturais valorizados e das possibilidades de nela cultivar os alimentos guarani.

Renato Rosaldo (1994) sugeriu que muitos povos indígenas têm uma história

espacializada, reconhecendo em cada pedaço do seu território as experiências que constituem

a história do seu povo. Mais recentemente, Tim Ingold (2007) afirmou que existem formas

muito diferentes de conceber e habitar um território e que as linhas de ocupação impostas

pelo ocidente nos processos de colonização contribuíram, não apenas para conectar os

nódulos de poder, mas também para fragmentar o mundo habitado, tentando formatá-lo em

blocos territoriais.

A identificação do yvyrupa como uma referência cultural significa reconhecer que

a forma como os guarani concebem seu território resiste à fragmentação e às divisões

impostas, permitindo que dêem continuidade às suas redes de lugares, relações, experiências

e saberes (LADEIRA, 2001-2008).

Para Ingold (idem), em contraste com uma concepção de territorialidade que

identifica o território como uma série de pontos, cuja relação é indiferente. Perceber o

território como um contínuo, em que os intervalos ou deslocamentos entre um lugar e outro

também são significativos, permite um envolvimento muito maior com o ambiente. Sustentar-

se nesse ambiente, por sua vez, exige o desenvolvimento de saberes específicos e condições

para colocá-los em prática (INGOLD, 2000).

Essa forma de pensar a territorialidade como interação nos ajuda a entender

melhor os saberes e as práticas relacionados ao yvyrupa. Pois, neste caso, mais do que um

lugar ou forma de pensar o território, trata-se também de todo um conjunto de saberes e

práticas que circulam continuamente entre os guarani. Afinal de contas, a territorialidade

guarani tem demonstrado que os saberes que lhes permitem escolher, habitar e vivenciar esse

território como lugar e como experiência têm sua potência e continuidade justamente na

articulação com as redes de relações, mobilidade e comunicação que os guarani mantém e

renovam.

Referências

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INGOLD, T. (2000). Stop, look and listen! Vision, hearing and human movement. In: The

perception of the environment. Essays on livelihood, dwelling and skill. London, Routledge. cap.14. 243-287.

___________(2007). Up, across and along. In: Lines, a brief history. Routledge. cap.3. 72-103.

LADEIRA, Maria Inês (1992).O caminhar sob a luz. São Paulo: PUC, 1992. Dissertação de Mestrado.

______________________ (2007). O caminhar sob a luz: território mbya à beira do oceano.

São Paulo: UNESP.

______________________ (2001). Espaço geográfico guarani-mbya. São Paulo: FFLCH / USP 2001. Tese de Doutorado.

_____________________ (2008). Espaço geográfico guarani-mbya: significado, constituição e

uso. Maringá/PR: EDUEM, São Paulo: EDUSP.

ROSALDO, Renato (1994). Ilongotheadhunting1883-1974.A study in society and history. Stanford: Standford University Press.

Algumas referências bibliográficas para levantamento acerca das manifestações culturais dos Guarani Nhandéva e Kaiowá

MONTARDO, Deise Lucy Oliveira. Através do Mbaraka - Musica , Dança e Xamanismo Guarani. Tese de Doutorado. USP, 2002. MONTARDO, Deise Lucy Oliveira. A música como “caminho” no repertório do xamanismo guarani. Revista ANTHROPOLÓGICAS, ano 10, volume 17(1): 115-134 (2006). MONTARDO, Deise Lucy Oliveira. O caminho do conhecimento: Música e dança no Jeroky guarani. Disponível em:http://www.portalanpedsul.com.br/admin/uploads/2004/Mesa_Redonda/Mesa_Redonda/12_29_58_O_CAMINHO_DO_CONHECIMENTO___MUSICA_E_DANCA_NO_JEROKY_GUARANI.pdf

PASCHOALICK, Lelian Chalub Amin. A Arte dos índios Kaiowá da reserva indígena de dourados-MS: transformações e permanências, uma expressão de identidade e afirmação étnica. Disponível em: http://www.rededesaberes.org/3seminario/anais/textos/ARTIGOS%20PDF/Artigo%20GT%207D-02%20-%20Lelian%20Chalub%20Amin%20Paschoalick.pdf

SOUZA, Ana Maria Melo e. Ritual, Identidade e Metamorfose: representações do Kunumi Pepy entre os índios Kaiowá da aldeia Panambizinho. Dissertação de Mestrado, Dourados, MS: UFGD, 2009.

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8. OUTROS ELEMENTOS DE ANÁLISE: MIGRAÇÕES, PROBLEMAS SOCIAIS ATUAIS, LUTAS PELO TERRITÓRIO

A existência do território é crucial para a construção da identidade cultural de um

povo. É com base também no referencial material, que os grupos humanos elaboram e

expressam seus sentimentos de pertenças. As coisas, objetos e paisagens integrados ao

território, permitem a esses grupos uma integração com a totalidade constitutiva de sua

cosmologia. Ao mesmo tempo em que retiram da terra, das matas e dos rios seus sustentos,

paralelamente, eles constroem representações simbólicas que ultrapassam a escala do mundo

concreto, desaguando no mundo do sensível.

No que tange aos índios Guarani que vivem, atualmente no Brasil, a importância

do território é central à manutenção da vida e modos de ser deste povo. Os vários estudos sob

a luz da antropologia, linguistica, sociologia e outras áreas do conhecimento, trazem como

elemento essencial a territorialidade na cosmologia Guarani. O modo pelo qual os integrantes

do grupo interagem com o território determina as relações sociais, culturais, políticas e

econômicas nas aldeias. Nesse caso, os laços estabelecidos com o território não se

desvinculam do mundo sensível, ou seja, os espaços de moradias, plantios, lazer são

simultaneamente lugares habitados por humanos e espíritos.

Assim como enfatizam Colman e Brand (s/d), para entender a questão do

território e sustentabilidade indígena é preciso conhecer a sua relação com a natureza e a

sobrenatureza. Nesse sentido, há uma relação de extremo respeito na lida com os elementos

ligados ao território, como os animais, o solo, as matas, os rios etc, pois os homens, as plantas,

animais e espíritos fazem parte de uma mesma totalidade, onde aqueles seres transitam e

estão em relação constante.

O acesso aos territórios na vida dos Guarani é vital, pois a ausência dos espaços

significa também a ausência destes povos e sua diversidade, respaldada inclusive

constitucionalmente. É com base na materialidade dos espaços que os saberes tradicionais e

os ensinamentos são repassados às gerações futuras. Portanto, o território é também

sinônimo de herança, sobretudo porque em alguns lugares desse território estão enterrados

seus ancestrais e seus antepassados.

Outro aspecto fundamental da territorialidade guarani diz respeito a um fator

cultural de extrema importância para a manutenção do modo de ser deste povo, que é a

mobilidade pelo seu amplo território. Tal fato está intrinsecamente relacionado aos hábitos

adotados no cultivo da terra, o que nas palavras de Colman e Brand (s/d) era uma agricultura

itinerante. Era comum em décadas atrás, principalmente na região central do Brasil, que os

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Guarani, após usar a terra por alguns anos e dela retirando o sustento, a deixassem descansar,

partindo em busca de outros solos propícios ao plantio e coleta. A abundância de território e

vegetação densa possibilitava essa alternativa.

Além da questão de subsistência do grupo, outros fatores são associados à prática

da mobilidade entre os Guarani, dentre eles a busca de uma “terra sem mal”, ou ainda a

decisão por abandonar uma aldeia em decorrência de eventos marcantes que podem ter

acontecido no local, como por exemplo, a perda de familiares, ou ainda, para consolidar em

outros locais novos grupos familiares sob a guarda de novas lideranças políticas/espirituais.

A propósito do oguatá, como é denominada a prática do caminhar entre os Mbyá

Guarani, Sergio Baptista da Silva (2009) esclarece que tal prática também está associada à

mitologia Guarani, que remete à ação de Ñanderú, principal divindade Guarani, que criou o

mundo ao caminhar sobre ele. Esta “caminhada” prossegue o autor:

se desenvolve sobre uma vasta área geográfica, reconhecida como

sendo o mundo Mbyá-Guarani, que abarca parcelas consideráveis

dos territórios nacionais brasileiro, argentino, paraguaio e uruguaio.

Esta área geográfica transfronteiriça, na sociocosmologia Mbyá-

Guarani, está diretamente relacionada a um horizonte ecológico-

cultural de terras florestadas habitadas não somente por humanos

(Mbyá-Guarani e outras etnias/povos), mas onde, igualmente, as

relações com outras alteridades extra-humanas estão em processo

contínuo. (Baptista da Silva, Tempass e Comandulli, 2009:1)

Nesse sentido, a mobilidade é um fenômeno crucial para existência deste povo, e

é através dessa prática que os Guarani elaboram e reelaboram as suas relações com os

humanos e não-humanos, com sua sócio-cosmologia. A mobilidade possibilita ainda que o

grupo estreite os laços afetivos e materiais com seu território, ao mesmo tempo em reafirma

social, cultural, política e economicamente a sua existência no mundo.

Contexto atual

A região central do Brasil, em especial os Estados do Mato Grosso e Mato Grosso

do Sul, nas últimas décadas tem sido cenário econômico favorável à monocultura da soja, com

vistas a abastecer o mercado internacional. Para atender a grande demanda e especulação do

agronegócio, as terras localizadas nesta região e de propriedade, por direito dos indígenas,

foram apropriadas por fazendeiros e grileiros, tendo como conseqüência a expulsão dos

indígenas para regiões onde inexistem matas e terras cultiváveis.

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Tal situação está contribuindo de forma significativa para dizimar as populações

indígenas, sobretudo os povos Kaiowá e Nhandeva residentes nessa região de conflitos, que

necessitam de território para sobreviver. Sobreviver num sentido mais amplo, tanto no que se

refere à subsistência humana (uso da terra para plantar), quanto no que tange às suas práticas

culturais, como a da mobilidade.

A ausência de territórios e os conflitos instaurados na região tem gerado

conseqüências graves, dentre elas altos índices de suicídio entre os integrantes dos grupos,

ameaças e assassinatos de lideranças indígenas que lutam pelas reconquistas de suas terras,

além de doenças, misérias etc.

De fato as questões fundiárias envolvendo de um lado, os agroindustriários

interessados em lucros exorbitantes e, por outro lado, os indígenas nas lutas pela terra,

contribuirão para que em pouco tempo as populações indígenas que vivem nesta região

desapareçam do mapa caso não se tomem medidas para reverter a atual situação.

Apesar de a situação em que vivem hoje os kaiowá no Mato Grosso do Sul ser a

mais delicada se comparada às demais parcialidades Guarani, o problema do acesso aos

territórios entre os Guarani Nhandeva e Mbya que habitam as regiões Sul e Sudeste do país

também está longe estar resolvido. Conforme dados apontados pelo Centro de Trabalho

Indigenista em ficha de Sítio do INRC Comunidade Mbyá Guarani acerca das Terras Indígenas

Guarani no Sul e Sudeste:

Apesar de um relativo avanço desde os últimos 4 anos na

regularização das TIs Guarani, a situação fundiária global no âmbito

desse território amplo de ocupação continua calamitosa. Uma

comparação da cifra de 98 áreas registradas pela FUNAI com as cerca

de 150 localidades ocupadas atualmente pelos Guarani somadas às

cerca de 140 das quais os Guarani foram forçados ou induzidos a

retirarem-se num período recente, levantadas pelo Centro de

Trabalho Indigenista, indica o quanto ainda falta para ser feito.

Ademais, a grande morosidade dos processos administrativos de

regularização somada à enorme incidência de conflitos judiciais que

envolvem esses processos no Sul e Sudeste contribuem para

aumentar a insegurança da população Guarani no âmbito de seu

território e acaba por se traduzir na deterioração da qualidade

ambiental das áreas de ocupação Guarani resultante do processo de

colonização. (CTI, Ficha de Sítio, Descrição do Sítio, Localização).

Neste contexto, observa-se que grande parte dos problemas que afetam os

Guarani atualmente poderiam cessar se o Estado lhes assegurasse o direito constitucional

pelas terras que tradicionalmente habitam, o que demanda porém, enfrentar muitos

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interesses políticos que estão em jogo e que, como se tem observado ao longo da história, os

direitos destas minorias acabam sendo preteridos aos projetos que prometem progresso e

crescimento econômico do país.

Referências

BAPTISTA DA SILVA, Sergio ; TEMPASS, Mártin César ; COMANDULLI, C. S. . Identificação de terras mbyá-guarani no sul do Brasil: o caso das TIs Itapuã, Morro do Coco e Ponta da Formiga. In: VIII Reunión de Antropología del Mercosur, 2009, Buenos Aires. Diversidad y poder en América Latina. Buenos Aires : Universidad Nacional de San Martín, 2009.

CTI, Ficha de Sítio, Descrição do Sítio, Localização. INRC Comunidade Mbyá Guarani.Levantamento preliminar, 2011.

COLMAN, Rosa Sebastiana, BRAND, Antonio Jacó. Território para os Kaiowá e Guarani. (s/d)Disponível em: www.neppi.org/anais/textos.

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9. CONCLUSÕES

Tendo em vista o exposto inicialmente acerca da posição do Núcleo Focal do

Brasil na realização deste diagnóstico e a natureza das informações apresentadas -

com origem em relatórios institucionais e consulta bibliográfica, e não a realização de

uma pesquisa específica para sua constituição - reiteramos que os diagnósticos

nacionais precisam ser complementados à luz das informações e questões colocadas

pelo desenvolvimento do projeto “Valorização do Mundo Cultural Guarani” a fim de

que possa de fato se constituir como subsídio à elaboração e implementação de

políticas multinacionais de patrimônio.

Ainda em relação à experiência brasileira queremos assinalar que as iniciativas

institucionais do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no

desenvolvimento de qualquer ação relativa ao Projeto Valorização do Mundo Cultural

Guarani levam em concideração as seguintes questões colocadas como imperativas e

condicionantes para a realização das ações estatais de patrimônio junto aos Guarani:

• Os Guarani, principalmente os mais velhos, mostraram-se muitas vezes reticentes à

proposição do Estado em conhecer os elementos de sua cultura e exigem, por isso,

que todos os detalhes da execução do projeto sejam debatidos de modo a atender da

melhor forma os seus interesses.

• O planejamento das ações de identificação ou divulgação do patrimônio imaterial do

povo Guarani pelos Estados deve respeitar a decisão – quando houver - de não expor

determinados conteúdos ou informações que os Guarani não considerem pertinentes

ou estratégicos no contexto dos projetos. Os Guarani entendem que os processos de

transmissão de conhecimentos associados a alguns elementos de sua cultura são

processos que dizem respeito à própria significação da cultura Guarani e ao desejo de

perpetuar o seu modo-de-ser. Recomenda-se que os conteúdos/informações, assim

como os meios, modos e níveis de divulgação, sejam discutidos e acordados no âmbito

do processo de inventário.

• As ações precisam, de alguma maneira, atender as temporalidades e dinâmicas

próprias dos Guarani nos processos de apropriação dos conceitos e políticas de

patrimônio imaterial. Isso é fundamental para que os resultados consigam objetivar as

práticas culturais e perspectivas que de fato sejam relevantes para os grupos

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envolvidos e, ao mesmo tempo, atender aos pressupostos das políticas públicas de

patrimônio, de modo que o Estado dar continuidade às ações de salvaguarda.

• A inclusão – e formação - de pesquisadores indígenas no âmbito do projeto.

• A geração de produtos – textos, registros audiovisuais, fotografias, etc - para uso

direto pela comunidade. Isso tem se mostrado estratégico como forma de

salvaguardar certas práticas culturais e seus processos de transmissão, contribuindo

também para o fortalecimento das suas redes.

• A salvaguarda do patrimônio imaterial Guarani depende diretamente da garantia dos

direitos territoriais desse povo, das condições de disponibilidade de áreas cultiváveis e

matérias primas.

Por fim, cabe ressalaltar que na atual fase do projeto do Brasil, encontra-se em

curso a etapa de Identificação do INRC Mbyá-Guarani, que está sendo realizada em

aldeias dos Estados de São Paulo e Paraná, através de uma proposta-piloto de

formação de pesquisadores indígenas. A perspectiva é que para os próximos anos seja

dada continuidade a essa mesma estapa nas outras regiões envolvidas no projeto –

Espírito Santo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul -; e ainda, que seja

iniciado um novo projeto que envolva as outras duas populações guarani – Nhandeva

e Kaiowa – cujo escopo e objetivos ainda serão definidos, considerando os marcos

gerais do projeto “Valorização do Mundo Cultural Guarani”.

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10. Levantamento de bibliografia do tema guarani no país.

O levantamento de bibliografia disponível integra a primeira etapa da realização

do Inventário Nacional de Referências Culturais, conforme metodologia proposta pelo

DPI/IPHAN, de modo que os Inventários realizados junto aos Mbyá-Guarani no Brasil,

“Comunidade Mbyá-Guarani em São Miguel Arcanjo” e “Yvyrupa” levantaram grande número

de obras acerca da temática Guarani. Este material (Anexo 1 dos Inventários), disponível junto

à CGIR/DPI, segue em anexo.