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Março/Abril 2003 Vol. IX N.º 2 129 Diagnóstico do embolismo pulmonar Pulmonary embolism diagnosis ARTIGO DE REVISÃO/REVISION ARTICLE JOÃO CASTAÑO 1 , JOÃO ALPENDRE 2 , JOÃO MARTINS PISCO 3 Recebido para publicação: 02.09.18 Aceite para publicação: 03.02.18 REV PORT PNEUMOL IX (2): 129-137 1 Assistente graduado de radiodiagnóstico 2 Interno do complementar de radiodiagnóstico 3 Director de Serviço Serviço Universitário de Radiologia do Hospital de Pulido Valente. Director: Prof. Dr. João Martins Pisco RESUMO O diagnóstico do Embolismo Pulmonar é considerado por vezes difícil. É importante reconhecer as situações clínicas que podem ser potencialmente desencadeantes. Existe uma série de meios auxiliares de diagnóstico, quer laboratoriais quer imagiológicos, que devem ser adaptados aos meios disponíveis em cada instituição. REV PORT PNEUMOL 2003; IX (2): 129-137 Palavaras-chave: Tromboembolismo Pulmonar. Pulmão. Perfusão Pulmonar. Tomografia Computo- rizada (TC), Angiografia, Helicoidal. ABSTRACT Pulmonary Embolism is often considered a difficult diagnosis to establish. It is important to recognise clinical situations that leads to it. There are a few laboratory and imaging tests, that should be tailored to the available facilities in each institution. REV PORT PNEUMOL 2003; IX (2): 129-137 Key-words: Pulmonary Embolism. Lung. Lung Per- fusion. Computed Tomography (CT), Angiography, Helical.

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Março/Abril 2003 Vol. IX N.º 2 129

DIAGNÓSTICO DO EMBOLISMO PULMONAR/JOÃO CASTAÑO, JOÃO ALPENDRE, JOÃO MARTINS PISCO

Diagnóstico do embolismo pulmonar

Pulmonary embolism diagnosis

ARTIGO DE REVISÃO/REVISION ARTICLE

JOÃO CASTAÑO1, JOÃO ALPENDRE2, JOÃO MARTINS PISCO3

Recebido para publicação: 02.09.18Aceite para publicação: 03.02.18

REV PORT PNEUMOL IX (2): 129-137

1 Assistente graduado de radiodiagnóstico2 Interno do complementar de radiodiagnóstico3 Director de Serviço

Serviço Universitário de Radiologia do Hospital de PulidoValente. Director: Prof. Dr. João Martins Pisco

RESUMO

O diagnóstico do Embolismo Pulmonar éconsiderado por vezes difícil. É importantereconhecer as situações clínicas que podem serpotencialmente desencadeantes. Existe uma sériede meios auxiliares de diagnóstico, querlaboratoriais quer imagiológicos, que devem seradaptados aos meios disponíveis em cadainstituição.

REV PORT PNEUMOL 2003; IX (2): 129-137

Palavaras-chave: Tromboembolismo Pulmonar.Pulmão. Perfusão Pulmonar. Tomografia Computo-rizada (TC), Angiografia, Helicoidal.

ABSTRACT

Pulmonary Embolism is often considered adifficult diagnosis to establish. It is important torecognise clinical situations that leads to it. Thereare a few laboratory and imaging tests, that shouldbe tailored to the available facilities in eachinstitution.

REV PORT PNEUMOL 2003; IX (2): 129-137

Key-words: Pulmonary Embolism. Lung. Lung Per-fusion. Computed Tomography (CT), Angiography,Helical.

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INTRODUÇÃO

O Tromboembolismo Pulmonar (TEP) é umaentidade clínica complexa, em que são deficien-temente conhecidos alguns dos seus mecanismoso que gera problemas a nível do seu diagnósticoque muitas vezes só é feito na autópsia.

É importante o seu diagnóstico porque é umadoença associada a uma elevada mortalidade, cal-culada em cerca de 30%, mas em que a terapêuti-ca, que não é isenta de riscos, diminui a taxa demortalidade para valores entre 2 % e 8 %.

Em parte esta situação deriva da clínica, queé frequentemente não específica.

A primeira descrição do TEP é atribuída aLaennec em 1819, e em 1846 Virchow descrevea relação entre a trombose venosa e o TEP1.

Sob o ponto de vista radiológico a primeiradescrição é atribuída a Wharton e Pierson, numaradiografia de tórax em 1922.

E os problemas começam logo na análise dasua prevalência, sendo grande parte dos dadosmuito datados1, assentando em diagnósticos clíni-cos e em estudos com desenhos muito variados.Trabalhos recentes apontam para que a incidên-cia do TEP seja de 60 a 70 por 100 0001,2,3.

Mesmo no que diz respeito à autópsia que é,no fundo, a verdadeira técnica de referência, exis-tem importantes questões de resposta muito prob-lemática. Assim, a atribuição da causa da mortepode não ser fácil, sobretudo se se tiver em contaque no TEP não existe simplesmente uma obs-trução mecânica, mas que também estão em jogomecanismos humorais e reflexos que contribuempara o resultado final.

Por outro lado os vasos lobares e segmentaresnão são sistematicamente avaliados em todas asautópsias.

Por fim, nem sempre é possível distinguir ca-tegoricamente entre trombos formados antes eapós a morte.

Utilizando técnicas meticulosas de autópsia1

a frequência do TEP varia entre 52 % e 64 %.

A atribuição da causa da morte ao TEP ou aoutras patologias que eventualmente possam co--existir pode ser, igualmente, uma tarefa difícil 1,2,sobretudo quando não se está perante situaçõesde trombose maciça.

CLÍNICA

O sistema pulmonar responde de forma rela-tivamente limitada às agressões, e é sede de mui-tas patologias, o que condiciona uma clínica decerta forma monótona.

No que diz respeito ao TEP são sobejamenteconhecidos os dois estudos prospectivos maisimportantes, o Prospective Investigation of Pul-monary Embolism Diagnosis (PIOPED), estudoeste efectuado nos Estados Unidos da América epublicado em 1990, e o outro europeu, o Pro-spective Investigative Study of Acute PulmonaryEmbolism Diagnosis (PISAPED), publicado em1995. Nestes dois estudos faz-se, entre outras,uma análise de correlações clínicas e de examescomplementares de diagnóstico. No primeiro, atríade dispneia, taquipneia e dor pleurítica estápresente em cerca de 97 % dos casos de TEP,número que é muito semelhante ao da suafrequência em doentes em que o TEP foi excluí-do. No PISAPED a presença de dispneia súbita,síncope e dor pleurítica são significativas para apresença de TEP, as duas primeiras como manis-festações de fenómenos centrais major e a últi-ma em casos de envolvimento de vasos mais dis-tais, sobretudo se relacionados com alterações doECG e da radiografia de Tórax, mas mais umavez este conjunto de alterações ocorrem, inde-pendentemente em doentes com e sem TEP.

Devem igualmente ser pesquisados os sinaisde insuficiência cardíaca direita, como o reforçodo 2.º tom, um sopro para-esternal esquerdo edistensão venosa jugular, e em situações suba-gudas ou crónicas a hepatomegalia e os edemasdos membros inferiores.

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A suspeita clínica mantém-se, assim como oprincipal motivo para desencadear todo o pro-cesso de confirmação.

Neste ambiente, é então muito importante cor-relacionar os factores de risco com a clínica pre-sente e saber equacionar se o TEP pode ou nãoser uma possibilidade diagnóstica em cada caso.

Entre situações de maior risco vamos encon-trar as grandes intervenções cirúrgicas, o parto,o acamamento prolongado, as neoplasias, os trau-matismos, a gravidez, as situações que conduzema uma hipercoagulação sanguínea e, hoje em dia,a mediática, síndroma da classe económica, emviagens aéreas prolongadas.

Outro ponto importante é a associação com atrombose venosa profunda, em particular dos mem-bros inferiores1,3,4,5,6,7. Podem ser consideradascomo dois aspectos da doença tromboembólica eem muitas situações, a pesquisa de Flebotrombosedos Membros Inferiores (FMI) faz parte dos algo-ritmos de exames complementares utilizados noTEP, assunto a que voltaremos.

EXAMES COMPLEMENTARESNÃO IMAGIOLÓGICOS

Os exames complementares não imagiológi-cos são sobretudo o ECG e os testes sanguíneos;a sua importância deriva fundamentalmente deserem exames de rápido acesso e relativamentebaratos5.

O seu grande problema é a falta de especifici-dade.

O ECG, que é uma técnica de acesso univer-sal, pode mostrar disfunção cardíaca direita comdesvio direito do eixo e bloqueio de ramo direi-to. Autores3 valorizam em particular a presençade uma onda T invertida de V

1 a V

4 , sinal de

sobrecarga ventricular direita em detrimento dafibrilhação e do flutter auricular, que são alter-ações mais comuns e frequentes em outras situ-ações clínicas7.

Lamentavelmente, porque são testes poucocaros e normalmente acessíveis durante 24 ho-ras, os valores da gasimetria arterial não fazem adiferenciação entre quem tem e quem não temTEP. Primeiro foi a hipótese de que a hipoxemiaidentificava os doentes com TEP, depois que umaPO

2 normal e igualmente um valor normal da di-

ferença do oxigénio arterial-alveolar podiam ex-cluir o diagnóstico de TEP, hipóteses que não seconfirmaram. Cerca de 20 % dos doentes comTEP apresentam valores normais destas determi-nações, habitualmente doentes que previamenteeram saudáveis.

As atenções viraram-se na busca de um examedo tipo enzimático que permitisse afirmar ou ex-cluir a presença de TEP, com acontece para oenfarte do miocárdio. O melhor teste aplicável,dentro desta lógica, aos casos de TEP é o nívelplasmático do D-dimero quando é realizado pelométodo ELISA5. Este último ponto é da maiorimportância, visto que a maioria dos laboratóriosutiliza a técnica de aglutinação em látex.

O D-dimero está elevado nos casos de TEPporque a fibrinólise interna origina a dissoluçãode alguns trombos, com a consequente libertaçãode D-dimeros em circulação.

Este teste do D-dimero apresenta um elevadovalor preditivo negativo, ou seja, no caso de sernormal (<500ng/mL), pode excluir-se TEP emmais de 90 % dos casos.

Não é, no entanto, suficientemente sensível paraexcluir TEP. Por outro lado, falta-lhe especifici-dade, apresentando valores positivos em casos deneoplasias, sépsis, pneumonias, enfarte do miocár-dio e no pós-operatório. A sua melhor utilização énos casos de doentes anteriormente saudáveis.

EXAMES COMPLEMENTARESIMAGIOLÓGICOS

A contribuição da imagiologia para o diag-nóstico do TEP vem da primeira hora1, e como

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corolário de alguns problemas já referidos não éde estranhar que praticamente todas as técnicasimagiológicas possam de alguma forma relacio-nar-se com a problemática do TEP.

Abordaremos sucessivamente algumas ques-tões relacionadas com a telerradiografia de tórax(radiografia de tórax), a cintigrafia pulmonar, aangiografia pulmonar, a ângio-TC e ângio-RM,a ecografia venosa e a ecocardiografia.

Radiografia de tórax

É uma técnica de fácil acesso e barata, masque apresenta baixos índices de sensibilidade ede especificidade, não tendo grande utilidade nodiagnóstico do TEP.

É bastante importante o seu papel no despistede algumas situações que podem simular TEP,como por exemplo pneumotórax e pneumonias.

Os sinais mais importantes relacionam-se coma oligoemia regional (sinal de Westermark), aopacidade em cunha de base periférica indicandoa presença de enfarte (sinal de Hampton) e aindaos sinais relacionados com a insuficiência cardíacadireita, em particular o aumento de calibre dasartérias pulmonares, nomeadamente da artéria pul-monar descendente direita (sinal de Palla).

Em alguns algoritmos a radiografia de tórax éutilizada para decidir se os doentes devem fazercintigrafia pulmonar ou TC, assunto a que volta-remos.

Cintigrafia pulmonar

Nesta técnica vai haver, nos casos de TEP, umadiscordância entre a perfusão e a ventilação pulmo-nar, estando esta conservada enquanto a primeiraapresenta pelo menos um defeito de perfusão.

Os exames são classificados como sendo dealta, intermédia ou baixa probabilidade, e devemser conjugados com o grau de suspeita clínica.

Apresenta globalmente uma especificidade de94 % e uma sensibilidade de 65 %1,2,5. Os exa-mes classificados como de alta ou de baixa pro-balidade apresentam valores preditivos positivose negativos que são elevados.

Um exame de alta probalidade com uma ele-vada ou moderada suspeição clínica infirma naprática o diagnóstico de TEP.

Por outro lado, um exame normal com baixasuspeição clínica exclui virtualmente o diagnós-tico de TEP4,8.

O grande problema é que o número de examesclassificados como indeterminados é muito ele-vado, mesmo inaceitavelmente elevado, e estesdoentes, bem como os que apresentam examesde baixa probalidade mas com elevada suspeiçãoclínica, necessitam de outro exame, que classi-camente é a angiografia, para confirmar ou não odiagnóstico e assim validar ou não a instituiçãoda terapêutica.

Portanto, os doentes com exames cintigráfi-cos cujos resultados possam ser englobados nascategorias do parágrafo anterior deveriam serremetidos para um estudo angiográfico.

Simplesmente, deve-se acrescentar o facto deque só cerca de 5 % dos doentes com indicaçãopara a angiografia a fazem. O porquê desta si-tuação não é claro1,9, sabe-se que é universal eque concorrem vários aspectos para esta situação,dos quais é importante destacar a nem semprefácil acessibilidade, sobretudo durante as 24 ho-ras do dia, e ainda provavelmente por este exameser invasivo e as suas complicações estarem, naprática, de certo modo como que sobreavaliadas.

Ângio-TC

O enorme desenvolvimento atingido pela TChelicoidal veio permitir a utilização clínica denovas aplicações, entre elas a da chamada ângio--TC, sendo uma das suas grandes aplicações aavaliação das artérias pulmonares10,11,12,13,14,15.

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Trata-se de uma técnica não agressiva, re-produtível, com relativo fácil acesso e que os es-tudos recentes revelam possuir elevados valoresde especificidade e sensibilidade, sobretudo comaparelhos de multicorte ou multidetectores.

Os valores de especificidade e sensibilidadesão sobreponíveis aos da angiografia para ostrombos centrais9,10,12, sendo aparentemente maisbaixos para os trombos periféricos, embora o sig-nificado clínico destes seja incerto, acrescido aofacto de que, para os trombos periféricos, a con-cordância interobservador na angiografia é mui-to baixa.

Assinale-se ainda que possui um elevadíssi-mo valor preditivo negativo15,16, ou seja se o exa-me não mostrar a existência de trombos, se fornegativo para a presença de TEP, a doença podena prática ser excluída.

A semiologia baseia-se na detecção de defei-tos de replecção (Fig. 1), que representam a ima-gem directa do trombo a nível do lúmen dos va-sos. Nas situações agudas, estes defeitos dereplecção são centrais (Fig. 2), podendo darorigem ao sinal de carril. Se o trombo ocluir com-pletamente a artéria, o resultado radiológico é deuma amputação. Nas situações crónicas, os trom-bos tendem a aderir à parede e, portanto, a situa-rem-se perifericamente, originando ainda irregu-laridades dos contornos dos vasos.

Com esta técnica o tórax é inicialmente estu-dado sem contraste iodado intravenoso, o que vaipermitir em primeiro lugar uma excelente ava-liação das restantes estruturas do tórax, nomea-damente dos campos pulmonares, pleuras e me-diastino e, consequentemente, a detecção depatologias associadas ou mesmo de diagnósticosalternativos.

O mesmo exame permite igualmente o estu-do vascular venoso dos membros inferiores (Figs.3 e 4), e ainda dos vasos pélvicos e da VCI, comvista à detecção de trombos.

No seu conjunto, os aspectos aqui focados per-mitem suportar o conceito de que a TC espiral é

na actualidade o exame imagiológico de primei-ra linha no TEP.

Os argumentos a favor da cintigrafia comoexame de primeira linha baseiam-se no facto deque, na ausência de patologia do foro cardíacoou pulmonar, esta permite, com enorme segurança,afirmar ou não a existência da doença.

Ecografia venosa

É sobejamente conhecida a associação entreo TEP e a trombose venosa profunda4,5, nomea-damente dos membros inferiores (FMI), emboraa quantificação desta associação não esteja com-pletamente definida.

A apresentação clínica é variável e não espe-cífica.

A ecografia venosa dos membros inferioresapresenta valores elevados de sensibilidade e deespecificidade em doentes sintomáticos, com umvalor preditivo positivo de 100 %5. Não é invasi-va, é portátil, não utiliza radiação ionizante e nãonecessita da utilização de contraste, sendo ummétodo relativamente barato e de fácil acesso.

No entanto, é de salientar que só é positivaem cerca de 50% dos casos de TEP, o que tiraalgum impacto à técnica. As explicações para estefacto são várias e não totalmente esclarecedoras.Destacam-se a possibilidade de trombos comorigem em outros territórios ou a de os trombosse terem soltado nas veias dos membros inferio-res ao darem origem ao TEP.

A ausência de compressibilidade venosa é umsinal seguro de trombose. Como sinais auxilia-res temos o aumento do calibre da veia e a visua-lização directa do trombo.

A utilização do eco Doppler colorido facilitaa execução do exame, mas não melhora nem asensibilidade nem a especificidade da técnica.

A ecografia do sistema venoso dos membrosinferiores pode fazer parte do algoritmo de estu-do dos doentes com suspeita de TEP.

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Trombo (seta) traduzido por defeito de replecção com localizaçãomediana no vaso.

Fig.1 —

Fig.2 — Trombos recentes (setas) em ambas as artérias descendentes.

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Angiografia

Apesar dos enormes avanços obtidos comoutras técnicas radiológicas, mantém-se como atécnica de referência no diagnóstico do TEP.

É uma técnica cara e invasiva. A sua morbilidade e a mortalidade são respec-

tivamente de 1 % e de 3 %1,2,3.Provavelmente, como já foi referido, as suas

complicações estão sobreavaliadas entre os clíni-cos2. Técnica invasiva, agressiva e com elevadonúmero de complicações, sendo assim pouco uti-lizada. Pode afirmar-se que menos de 5 % dos

doentes com cintigrafias inconclusivas é que sãosubmetidos a angiografia.

Outro dado importante é que existe uma ele-vada discordância interobservador para o diag-nóstico de TEP nos vasos sub-segmentares. Ouseja, precisamente a mesma localização em queoutras técnicas são acusadas de falhar.

Do lado das vantagens há ainda a considerara possibilidade de efectuar terapêuticas intravas-culares.

É o conjunto dos problemas referidos que levaà procura de técnicas radiológicas alternativas,no sentido de menos agressivas e de mais fácilacesso e para o diagnóstico de TEP.

Fig. 3 — Flebotrombose de ambos os membros inferiores nas veias popliteias.

Fig. 4 — Flebotrombose (seta) a nível da veia femural esquerda.

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Ecocardiografia

Não é um método muito sensível para o diag-nóstico de TEP, embora em casos de TEP maciçopossa ter alguma utilidade por permitir avaliar asrepercussões hemodinâmicas sobre o ventrículodireito.

Ressonância magnética

É uma técnica altamente promissora, pela pos-sibilidade de aliar à detecção dos trombos pul-monares com uma sensibilidade e uma especifi-cidade semelhantes à da TC (pelo menos para ostrombos centrais) a capacidade de avaliação dafunção cardíaca e ainda no mesmo tempo, de exa-me o estudo do sistema venoso, incluindo osmembros inferiores17.

A utilização de sequências volumétricas pon-deradas em T1, muito rápidas, obtidas numa ap-neia inspiratória, veio como que revolucionar asaplicações angiográficas da RM.

A utilização de contraste paramagnético, osquelantes do gadolínio, não apresenta os riscosdos contrastes iodados utilizados em TC e naangiografia convencional, sendo considerado umcontraste muito seguro e praticamente sem con-tra-indicações apesar de nestes estudos angiográ-ficos ser administrada uma dose superior, cercado dobro, à utilizada nos estudos não angiográfi-cos.

Como na TC, o contraste deve ser administra-do recorrendo ao uso de injector e podem igual-mente ser usados métodos computacionais paracontrolar os tempos de espera.

Admite-se que pela conjunção da não utiliza-ção de radiação ionizante e pelo desenvolvimen-to de novas e mais rápidas sequências, aliadas àsegurança do contraste, esta técnica possa, numfuturo mais ou menos próximo, tornar-se numaferramenta de primeira linha na avaliação ima-giológica do TEP.

ALGORITMO CLÍNICO DIAGNÓSTICO

O uso dos meios auxiliares de diagnóstico noTEP é um capítulo extremamente actual e de certomodo controverso. Os planos de actuação devemmanter-se flexíveis e adequarem-se aos meiosexistentes em cada instituição.

A suspeita clínica mantém-se como o motorque leva à execução de meios auxiliares de diag-nóstico que permitam validar a instituição de umaterapêutica efectiva.

Assim, se o teste do D-dimero pelo métodode ELISA estiver disponível, este deve ser o pri-meiro a ser efectuado. Se o seu resultado for nor-mal e a suspeita clínica não for muito forte, devecolocar-se outra hipótese de diagnóstico, se forpositivo e se a ângio-TC for um exame acessív-el, este deve ser o passo seguinte a ser dado, sen-do uma alternativa a cintigrafia.

Existem instituições em que a radiografia deTórax é utilizada como factor de decisão. Assim,se a radiografia de Tórax for considerada normalnum dado doente, a probalidade de a cintigrafiaser um exame conclusivo está aumentada e odoente deve ser enviado para a execução de es-tudo cintigráfico. Por outro lado, se a radiografiade Tórax não for normal a percentagem de estu-dos cintigráficos inconclusivos é elevada, optan-do-se pela execução de TC.

Se estes exames forem ambos inconclusivos,pode efectuar-se um estudo ecográfico do siste-ma venoso dos membros inferiores.

Mantendo-se estes exames negativos ou in-conclusivos num quadro de uma forte suspeitaclínica, estará então indicada a execução de umestudo angiográfico.

CONCLUSÕES

É longa a relação entre o TEP e a imagiologia,tendo-se nos tempos presentes esta relação estrei-tado pelo desenvolvimento da TC helicoidal, em

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particular com multidetectores.Embora seja verdade que quando se suspeita

de TEP este deva ser pesquisado procurando aexistência de trombos na árvore pulmonar arte-rial, isto nem sempre é possível, sobretudo emtempo útil. Nestas situações pode e deve recor-rer-se a meios que permitam afirmar de formaindirecta a existência ou não de TEP, e portantovalidar a instituição da terapêutica.

Nestas condições, toma particular relevo o es-tudo vascular venoso dos membros inferiores pelaecografia.

Pelas razões acima expostas a ângio-TC é hojeem dia o exame de primeira linha no diagnósticodo TEP, perfilando-se no futuro para a ângio-RMesse papel, aspecto que depende sobretudo deuma maior acessibilidade e de um menor custo.

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