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dezembro 2007 vol. 4 nº 4 dezembro 2007 vol. 4 nº 4 natureza Saúde pela natureza Saúde pela

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Saúde pela

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2 Agriculturas - v. 4 - no 4 - dezembro de 2007

ISSN: 1807-491X

edito

rial

gricultura e saúde guardam muitos paralelos entresi. Ambas são promovidas a partir de estreitos vín-culos com a natureza, embora as ciências que as

têm como objetos de estudo insistam em abordá-las sob umaperspectiva reducionista e antiecológica. Os mesmos funda-mentos filosóficos que alicerçam a ciência agronômica conven-cional fornecem a base conceitual e metodológica da modernamedicina científica. A primeira orientou o desenvolvimento daagricultura industrial, responsável pela extremada artificiali-zação dos ecossistemas, tendo como base o aporte intensivo deagroquímicos e a mecanização pesada. A última deu origem aomodelo biomédico hegemônico, orientado essencialmente paracurar (e não prevenir) doenças por meio do emprego de drogasquímicas e intervenções mecânicas.

O uso sistemático das modernas tecnologias agrí-colas e médicas tende a aprofundar aquilo que pretendem en-frentar: as limitações ambientais do agroecossistema e as dis-funções fisiológicas no organismo humano. O surgimento de-senfreado de pragas e doenças, por exemplo, é um dos sintomasmais corriqueiros do fenômeno na agricultura industrializada.Já as chamadas doenças iatrogênicas, geradas em decorrênciade tratamentos médicos, são manifestações freqüentes desseprocesso no campo da saúde.

As analogias não param por aí. Mas essas já sãosuficientes para demonstrar o significativo distanciamento queos métodos convencionais adotados na medicina e na agricultu-ra estabeleceram com relação aos processos naturais responsá-veis por assegurar a saúde humana e a produtividade biológicados ecossistemas.

Orientadas por esses mesmos enfoques reducionistase influenciadas por poderosos interesses econômicos de setoresque deles se beneficiam, as instituições do Estado e as políticaspúblicas de saúde e agricultura deixam de valorizar o enormepotencial de interação que poderia ser estabelecido entre ambasas áreas.

De fato, a saúde humana é determinada fundamen-talmente pela quantidade e qualidade da alimentação, pelos hábi-tos de vida e trabalho, assim como pelo ambiente físico e socialem que se vive. Nesse sentido, ainda que os avanços extraordiná-rios na ciência médica sejam de grande valia para casos de emer-gência individual, eles têm surtido pouco efeito quando a saúdedo conjunto da população é avaliada. Não é sem razão que, ape-sar da crescente sofisticação dos métodos biomédicos, vivemosem uma sociedade cada vez mais enferma. De um lado, assisti-mos ao avanço das chamadas doenças da civilização, ou seja,das enfermidades crônicas e degenerativas que acometem parce-las crescentes da população, tais como as cardiopatias, o diabe-tes e o câncer. Por outro, continuamos convivendo com as doen-ças associadas às precárias condições de vida da fração de famí-lias submetida à insegurança alimentar e nutricional e desassistidade serviços públicos de saneamento e de fornecimento de água.

As experiências divulgadas nesta edição apontamalguns dos muitos caminhos que podem ser tomados para que apromoção de agriculturas de base ecológica incida positivamentesobre a saúde pública. Além de criarem meios de vida mais sau-dáveis, enfatizando a importância crucial das abordagens focadasna promoção da saúde, as experiências mostram como as doen-ças mais corriqueiras da população podem ser tratadas com oemprego de elementos e derivados da natureza, sobretudo asplantas medicinais, que podem ser facilmente produzidos e/ouacessados nas áreas rurais e urbanas a partir da revalorização eaprimoramento de práticas populares nesse campo.

O editor

Av. 4, nº 4

(corresponde ao v. 23, nº 3 da Revista Leisa)

Revista Agriculturas: experiências em agroecologia é umapublicação da AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetos

em Agricultura Alternativa -, em parceria com a FundaçãoIleia - Centre of Information on Low External Input and

Sustainable Agriculture.

Rua Candelária, n.º 9, 6ºandar.Centro, Rio de Janeiro/RJ, Brasil 20091-020

Telefone: 55(21) 2253-8317 Fax: 55(21) 2233-8363E-mail: [email protected]

www.aspta.org.br

Fundação IleiaP.O. Box 2067, 3800 CB Amersfoort, Holanda.

Telefone: +31 33 467 38 70 Fax: +31 33 463 24 10www.ileia.info

Conselho EditorialEugênio Ferrari

Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata, MG - CTA/ZMJean Marc von der Weid

AS-PTAJosé Antônio Costabeber

Ass. Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica eExtensão Rural – Emater, RS

Marcelino LimaCaatinga/Centro Sabiá, PEMaria Emília Pacheco

Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional Fase, RJMaria José Guazzelli

Centro Ecológico, RSMiguel Ângelo da Silveira

Embrapa Meio AmbientePaulo Petersen

AS-PTARomier Sousa

Grupo de Trabalho em Agroecologia na Amazônia - GTNASílvio Gomes de Almeida

AS-PTA

Equipe ExecutivaEditor Paulo Petersen

Editor convidado para este número Marcio Mattos de MendonçaProdução Executiva Adriana Galvão Freire

Pesquisa Adriana Galvão Freire,Marcio Mattos de Mendonça, Paulo Petersen

Base de dados de subscritores Nádia Maria Miceli de OliveiraCopidesque Rosa L. Peralta

Revisão Gláucia CruzTradução Maria José Guazzelli

Foto da capa Saúde pela naturezaFotógrafo Xirumba

Projeto gráfico e diagramação I GraficciImpressão Holográfica

Tiragem 4.000

A AS-PTA estimula que os leitores circulem livremente os artigos aquipublicados. Sempre que for necessária a reprodução total ou parcial de

algum desses artigos, solicitamos que a Revista Agriculturas: experiênciasem agroecologia seja citada como fonte.

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sum

ário

Páginas na Internet pág. 38

Publicações pág. 37

Editor convidado Marcio Mattos de Mendonça pág. 4

pág. 6

pág. 11

pág. 15

pág. 18

pág. 23

pág. 26

pág. 29

Agroecologia em Rede pág. 39

pág. 35

Programa garante água de qualidade para pág. 351 milhão de pessoas no semi-áridoNaidison Quintella Baptista

Agrotóxicos x saúde: a atualidade de uma velha agenda pág. 29Entrevista concedida à Cláudia Job Schmitt

Medicina popular e biodiversidade no Cerrado pág.6Jaqueline Evangelista e Lourdes Laureano

Rede Fitovida: revalorizando os remedinhos da vovó pág. 11Elisabeth da Cruz Marins e Marcio Mattos de Mendonça

Resgate e valorização da sabedoria popular sobre o pág. 15uso de ervas medicinais no Baixo Tocantins (PA)Maria Cristiane Lobo Pompeu

Trabalhando agricultura e saúde conjuntamente pág. 18Linda Jo Stern,Scott Killough,Ross Borja,Stephen Sherwood,Nina Hernidiah, Paul Joicey e Peter R. Berti

Superando a desnutrição com cultivos e pág. 23sistemas alimentares locaisHira Jhamtani, Purnomosidi e Putu Anggia Jenny

Agricultura na cidade: alimentos saudáveis pág. 26em Trivandrum, ÍndiaG.S. Unni Krishnan Nair

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r co

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Conhecimentostradicionais,

saúde e agroecologiauando convidado para contribuir nesta edição da Revista Agriculturas:experiências em agroecologia, me senti à vontade, pois o tema me ébastante familiar. Saúde pela Natureza é o nome de um grupo de pesso-

as que acompanho há alguns anos e que se reúne semanalmente no bairro de Campo Grande,Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, para praticar aquilo que muitas de nossas bisavós jáfaziam: preparar remédios caseiros a partir das ervas medicinais, ensinar suas receitas e repas-sar seus conhecimentos sobre os cuidados com a saúde da família e da comunidade.

Esta edição revela que essas práticas de promoção da saúde permanecem enraizadasnas tradições culturais do nosso povo. Seja no campo ou nas cidades, essas tradições se basei-am em saberes construídos na relação direta com a natureza e seus recursos. Por outro lado, osartigos também chamam a atenção para o fato de que o avanço dos hábitos de vida modernosvem provocando o abandono dessas práticas populares e a perda de conhecimentos a elasassociados.

Mesmo para os tratamentos banais do dia-a-dia, os remédios caseiros deixam de serutilizados para dar lugar aos medicamentos vendidos pelas indústrias farmacêuticas. O consu-mo de refrigerantes e de sucos envasados acrescidos de conservantes e outros aditivos industri-ais se sobrepõe ao consumo dos sucos de frutas frescas, muitas vezes disponíveis nos quintais.Verduras produzidas com o emprego de agrotóxicos e outros contaminantes são adquiridas nosmercados quando poderiam ser em grande parte cultivadas de forma saudável pelas própriasfamílias. Além dos efeitos negativos sobre a saúde dos consumidores, os agroquímicos causamdanos particularmente graves a trabalhadores e trabalhadoras rurais que os aplicam.

A crescente assimilação desses novos padrões de produção e consumo nas sociedadescontemporâneas ocorre num ambiente cultural cuja noção de modernidade está fortementeassociada à mecanização, à padronização, à esterilização e à cientificização inerentes aos pro-cessos industriais. O avanço da modernização representa, nesse sentido, um maior distanciamentoentre a sociedade e a natureza e, com isso, a desvalorização dos conhecimentos populares sobreo uso de recursos naturais.

Ao demonstrarem a íntima relação entre agricultura e saúde, as experiências emagroecologia aqui publicadas apontam caminhos para a construção de uma sociedade maissaudável. Como ciência aberta ao diálogo com os saberes populares, a agroecologia revalorizaas tradições situando-as em um campo de estudo a ser aprimorado de forma participativa porcientistas, técnicos(as) e agricultores(as).

O artigo produzido pela ONG World Neighbors (Vizinhos Mundiais), uma organiza-ção internacional que atua por meio de parcerias locais nos países em desenvolvimento, apre-senta três exemplos significativos de diálogos de saberes. A primeira experiência se passa emMindanao, uma das ilhas das Filipinas; a segunda no Timor Oeste, Indonésia; e a última, nos

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Andes do Equador. Seus autores ressaltam a importância de associar o tema da promoção dasaúde aos programas de desenvolvimento rural. Além disso, dão algumas pistas metodológicasde como organizar a reflexão com grupos de agricultores e agricultoras sobre questões comoplanejamento da produção, valorização de espécies locais, alimentação saudável e segurançaalimentar das famílias. Entre outros aspectos, chamam a atenção de como é fundamental queesses programas sejam executados a partir de enfoques sensíveis às relações sociais de gênero ede geração.

Também da Indonésia trouxemos um artigo que destaca as tradições alimentareslocais como expressão de estratégias para o alcance da segurança e da soberania alimentar.Seu autor observa a importância de se compreender a lógica dos sistemas locais de produção ede consumo alimentar, pois eles podem inspirar soluções simples e culturalmente apropriadasaos problemas de desnutrição e fome comuns a populações rurais no Terceiro Mundo. Emcontraposição aos impactos negativos causados pela disseminação das monoculturas de arrozno país, a comunidade de Giyombong, localizada em Java Central, manteve as suas estratégiasde produção diversificada que asseguram quantidade e diversidade de alimentos para a manu-tenção da saúde dos seus membros. Partindo da observação dessa realidade, a ONG GitaPertiwi desenvolveu um programa voltado para a revalorização de variedades locais de feijãono povoado de Tegiri, com o objetivo de diversificar a produção e o consumo alimentar local.

Dois artigos brasileiros enfocam redes de grupos populares que se mobilizam paramanter as tradições de preparo de remédios caseiros no intuito de ajudar populações menosfavorecidas a cuidarem da saúde. Ambas as redes também buscam construir políticas públicasadequadas à realidade das comunidades e populações tradicionais. O artigo da ArticulaçãoPacari, rede da região dos Cerrados, trata da mobilização para a elaboração de uma publica-ção de referência, a Farmacopéia Popular do Cerrado, e da auto-regulação da medicina popu-lar, através da construção das boas práticas de preparo dos remédios. O texto da Rede Fitovida,do estado do Rio de Janeiro, diz respeito à mobilização dos grupos comunitários para o reco-nhecimento das suas práticas enquanto patrimônio imaterial do povo brasileiro.

Vindo da região norte, o artigo da Associação Paraense de Apoio às ComunidadesCarentes (Apacc) aborda o uso das plantas medicinais sob a ótica do resgate de conhecimentostradicionais, no sentido de garantir maior autonomia à população ribeirinha dos municípiosparaenses de Limoeiro do Ajuru, Cametá e Oeiras do Pará.

O artigo sobre agricultura urbana na capital de Kerala, estado localizado no sul daÍndia, mostra que a relação entre agricultura e saúde também vem sendo vivenciada nas cida-des. No momento em que foram detectados altos níveis de contaminação por agrotóxicos nosalimentos consumidos pela população da capital, desenhou-se o programa público Agriculturana Cidade, que incentivou o aproveitamento dos pequenos espaços dos terraços das casas parao cultivo e produção de alimentos saudáveis. Atualmente, cerca de duas mil famílias praticama agricultura nos terraços, aproveitando os recursos locais e fazendo da cidade um ambientemelhor para se habitar. Assim, além de colher alimentos saudáveis, estão melhorando a saúdefísica, através do esforço exigido pela prática diária de cuidados com a agricultura.

Finalmente, para enfocar a problemática dos agrotóxicos, organizamos uma entre-vista com um grupo de profissionais que militam pela restrição desses produtos na agriculturabrasileira e com um agricultor que já sofreu na pele as conseqüências de seu uso. A entrevistaexplora ainda o atual panorama do debate da questão no país e traça um rápido retrospectosobre os movimentos contra os agrotóxicos que se iniciaram na década de 1970.

Boa leitura!

Marcio Mattos de Mendonçaengenheiro agrônomo, coordenador do Programa de Agricultura Urbana da AS-PTA

[email protected]

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6 Agriculturas - v. 4 - no 4 - dezembro de 2007

Cerrado é um bio-ma que ocupa25% do território

brasileiro. É o berço das águas doBrasil e se caracteriza por sua pai-sagem formada por grande diversi-dade de ambientes, apresentando6.429 espécies de plantas cataloga-das e uma profusão de raízes, cas-cas, flores, resinas, óleos e folhas.Esses recursos naturais do Cerrado,principalmente as plantas medici-nais, são primorosamente maneja-dos por seus povos para os cuida-dos da saúde familiar e nos atendi-

Medicina populare biodiversidade no Cerrado

Jaqueline Evangelista eLourdes Laureano

mentos de saúde. Preserva, portan-to, um inestimável patrimônio cul-tural, expresso no uso de seus re-cursos naturais por conhecedorestradicionais e grupos organizadosnas comunidades.

Os conhecedores tradicionais são reconhecidoscomo raizeiros, raizeiras, benzedores, benzedeiras, partei-ras, parteiros, entre outras denominações. São especialis-tas em caracterizar os ambientes do Cerrado, identificarplantas medicinais, coletar partes medicinais de uma plan-ta, diagnosticar doenças, preparar e indicar remédios.

No entanto, o bioma do Cerrado e sua popula-ção estão ameaçados pelo avanço do agronegócio, quetem se intensificado com o plantio da cana-de-açúcar paraa produção de etanol.

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Oficina de boas práticas de preparação de remédios caseiros na farmacinha comunitária de Olhos D’Água de Turmalina

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O Cerrado já é pensado comouma grande monocultura, e as conseqüên-cias são diversas, como a perda dabiodiversidade, das águas, das culturas, dasoberania alimentar e da medicina popular.Os povos do Cerrado estão cada vez maisempobrecidos, sem oportunidades e prin-cipalmente sem as suas raízes culturais.

Nesse contexto, a principal es-tratégia adotada pelos grupos comunitá-rios que praticam a medicina popular é asua participação em movimentos e redessocioambientais. Buscam, portanto, se or-ganizar e articular na perspectiva de pro-teger e dar continuidade à transmissão deseus conhecimentos tradicionais, de pro-mover as boas práticas de uso e manejo deplantas medicinais e de influenciar políti-cas públicas para o reconhecimento socialda medicina popular e o uso sustentável doCerrado.

Os grupos comunitários, urbanos ou rurais, sãocompostos principalmente por pessoas ligadas a organi-zações sociais, como pastorais da saúde e da criança, as-sociações, grupo de mulheres e sindicatos de trabalhado-res rurais. Eles se tornam referência nas comunidades emque são formados, sendo conhecidos pela confiança e efi-cácia de seus tratamentos de saúde, assim como por pro-piciar o acesso das pessoas aos remédios de plantas medi-cinais, que são vendidos a baixo custo ou doados a quemnão pode pagar.

Em um levantamento realizado nas regiões dovale do Rio Vermelho (GO), do norte de Minas Gerais e doalto Jequitinhonha (MG), verificou-se que, aproximada-mente, 7.300 pessoas recebem atendimento de saúde to-dos os meses por meio do trabalho de 31 grupos comuni-tários.

Articulação Pacari e as plantasmedicinais do Cerrado

A pacari é uma árvore encontrada em ambien-tes conhecidos como campo manso, boca de chapada oucerrado agreste. Por ser uma planta estanhadeira, que es-palha suas sementes pelo vento1, nunca se encontra umaárvore de pacari isolada, sempre há muitas outras árvorespróximas.

E foi por isso que a pacari foi escolhida como osímbolo de uma articulação que reúne pessoas, gruposcomunitários e associações que trabalham com plantasmedicinais e estão espalhadas pelo bioma Cerrado.

Os ventos que sopraram e trouxeram a semen-te dessa articulação vieram da Rede Cerrado e da Rede dePlantas Medicinais da América do Sul. Em 1999, essa se-mente de articulação encontrou sua terra mãe na Rede de

Intercâmbio de Tecnologias Alternativas (Rede)2, quepreparou o terreno para germinar e receber no tempo daságuas as suas primeiras chuvas.

As primeiras chuvas vieram em 2000, por meiodo projeto Intercâmbio e Articulação de Experiências dePlantas Medicinais do Cerrado, apoiado pelo Programa dePequenos Projetos do Fundo Mundial para o Meio Ambi-ente/Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimen-to (PPP/GEF/Pnud); e em 2002, em função do projetoRede de Plantas Medicinais do Cone Sul, apoiado peloCentro Internacional de Investigação para o Desenvolvi-mento (IDRC).

A planta que nasceu começou a conhecer seuambiente através de diagnósticos participativos sobre otrabalho de saúde e meio ambiente desenvolvido por di-versos grupos comunitários nos estados de Minas Gerais,Goiás, Tocantins, Maranhão e Mato Grosso do Sul.

A metodologia utilizada em encontros regio-nais foi a da construção da “árvore do trabalho”, parademonstrar as potencialidades e dificuldades vivenciadaspelos grupos, lançando mão dos seguintes símbolos:

• Raízes: o que sustenta o trabalho realizado.• Galhos: atividades realizadas.• Frutos: resultados obtidos pelo trabalho.• Sol: o que precisa ter todo dia para a realização do

trabalho.• Chuva: o que precisa acontecer de vez em quando

para o trabalho acontecer.• Machado, Fogo e Agrotóxico: as dificuldades encon-

tradas para a realização do trabalho.

1 Referência da Farmacopéia Popular do Cerrado.2 A ONG Rede assumiu a secretaria executiva da Articulação Pacari entre 1999 e 2004.

Registro de conhecimentos tradicionais sobre plantas medicinais

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8 Agriculturas - v. 4 - no 4 - dezembro de 2007

Os diagnósticos proporcionaram um conheci-mento mútuo entre os grupos e o planejamento partici-pativo de um trabalho articulado, a “árvore da articula-ção”, com as seguintes características:

• Em suas raízes está o bioma Cerrado e suas comunida-des, que valorizam as plantas medicinais em funçãode seu conhecimento tradicional. Consideram-se tam-bém os direitos que essas comunidades têm sobre taisconhecimentos.

• Os galhos são os diversos grupos articulados por re-gião que realizam trabalhos de saúde comunitária epreservação do Cerrado.

• O sol que brilha todo dia reflete a presença de Deus eo sentimento de cooperação para que o trabalho pos-sa acontecer.

• A chuva necessária vem da captação de recursos pormeio de projetos e da realização de encontros para atroca de conhecimentos e experiências.

• As principais dificuldades: a postura punitiva, e nun-ca propositiva, dos agentes de vigilância sanitária; afalta de políticas públicas voltadas para o trabalhorealizado com plantas medicinais pelas comunidades;e a falta de recursos para apoiar o trabalho em termosde estrutura, equipamentos, insumos, etc.

A árvore da articulação foi batizada com o nomede Pacari, em junho de 2002, durante o I Encontro Naci-onal de Articulação e Intercâmbio de Experiências comPlantas Medicinais do Cerrado, realizado na cidade de Ceres(GO). Nesse encontro, várias mãos escreveram coletiva-mente a sua certidão de nascimento, a “Carta de Ceres”,contendo os princípios que fundamentam a sua vida.

A Pacari cresceu, criou brotos e fortaleceu seusgalhos por meio de de pesquisas, intercâmbios, capacitações,publicações, encontros e participação em espaços políticos.Hoje, a rede articula 80 organizações de dez regiões dos esta-dos de Minas Gerais, Goiás, Tocantins e Maranhão.

De seus galhos floresceram os ideais para ela-borar a Farmacopéia Popular do Cerrado3 e auto-regular amedicina popular, com o objetivo de alcançar o reconhe-cimento social da prática popular do uso de plantas medi-cinais e contribuir para o uso sustentável do Cerrado.

Esses frutos começam amadurecer e as suassementes são esperadas por quem está aprendendo a artede manejar o projeto político da Pacari.

Farmácias comunitárias deplantas medicinais

Os locais utilizados pelos grupos para a prepa-ração dos remédios à base de plantas medicinais são deno-minados de farmacinhas ou farmácias comunitárias, quese diferenciam em categorias, sendo mais comuns a casei-ra e a básica.

As farmacinhas se caracterizam por produzir emmédia 14 formas de remédios: garrafada; tintura; xarope;vinagre medicinal; pomada; creme; sabonete; pílula; balamedicinal ou pastilha; doce ou geléia medicinal; óleo medi-cado; pó; chá (planta seca); e multimistura. Dessas 14 for-mas, são produzidos em média 40 tipos diferentes de remédi-os com o uso de, aproximadamente, 70 espécies de plantasmedicinais, sendo cerca de 40% nativas do Cerrado.

A farmácia caseira é o espaço de uma cozinhadoméstica adaptado para preparar remédios com plantasmedicinais e requer estruturas básicas como mesa, pia comágua corrente e fogão. Os utensílios e materiais destina-dos à preparação dos remédios geralmente são separadosdos utilizados na cozinha da família, e as plantas medici-nais são obtidas da horta ou quintal da casa.

A título de exemplo, citamos a farmácia caseirade Fernando e Tantinha, moradores do bairro Alto VeraCruz, da cidade de Belo Horizonte (MG), que atende emmédia 90 pessoas por mês, produz 48 tipos de remédios,utiliza 81 espécies medicinais (53 cultivadas e 28 nativasdo Cerrado) e gera uma renda líquida mensal para a famíliade R$ 400,00.

A farmácia básica tem praticamente as mesmascaracterísticas da farmácia caseira, mas se diferencia por terespaço próprio, em local específico na comunidade e estaraberta ao público em geral. A sua estrutura é simples, geral-mente adaptada para a preparação de remédios com plan-tas medicinais, possuindo um ou dois cômodos (salas) e umbanheiro, além de uma horta de plantas medicinais.

O funcionamento das farmacinhas comunitáriasenvolve de três a seis participantes, geralmente mulheres,que conseguem sustentar o trabalho com a venda de remé-dios. A renda da farmácia cobre os custos fixos (insumos,luz, água, etc) e remunera as pessoas envolvidas, seja comuma ajuda de custo ou, em alguns casos, com salário comcarteira assinada por igrejas e associações.

Brilha todosos dias

Atividades

Resultados

Sustentação

Dificuldades

Aconteceàs vezes

Figura 1: “Árvore do trabalho”- metodologia utilizada emdiagnósticos rápidos participativos (DRPs)

3A Farmacopéia Popular do Cerrado é uma referência teórica sobre o uso e manejosustentável de plantas medicinais do Cerrado a partir de conhecimentos tradicionais.

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Auto-regulação damedicina popular

Os grupos comunitários expressam muita preo-cupação por prestar um serviço informal de saúde à comu-nidade sem o seu reconhecimento por políticas públicas.O principal receio é o de que a vigilância sanitária feche afarmacinha, aplique multas ou mesmo mova um processojudicial contra as pessoas responsáveis pelo trabalho.

A estratégia identificada pela Pacari para co-meçar a superar essa insegurança foi a de influenciar aformulação de políticas públicas e fortalecer a ação dosgrupos comunitários por meio de capacitações.

Essa demanda resultou na realização de cursosdenominados Boas Práticas Populares de Uso e Manejode Plantas Medicinais do Cerrado, com a duração médiade 200 horas de aula.

Um dos principais resultados dos cursos foi oinício da elaboração coletiva de técnicas de controle dequalidade para a preparação de remédios nas farmáciascomunitárias. Essa iniciativa contribuiu para elevar o sen-timento de segurança dos grupos e fazê-los despertar paraa necessidade da construção, por parte da sociedade civil,de uma proposta técnica ampla e politicamente articuladapara a prática da medicina popular.

Essa proposta política foi denominada auto-regulação da medicina popular, que se baseia no princípioda segurança do que é produzido em uma farmácia comu-nitária. Esse princípio está sendo construído através detrês critérios básicos:

• a indicação do uso de uma planta é determinada peloconhecimento tradicional;

• a qualidade da planta utilizada para se fazer um remédio;• boas práticas utilizadas na preparação do remédio.

A Farmacopéia Popular do Cerrado

A experiência sobre o uso tradicional das plan-tas medicinais para determinados sintomas e doenças estásendo registrada na Farmacopéia Popular do Cerrado, li-vro de linguagem fácil que descreve a ecologia, o manejo eo uso das plantas medicinais do Cerrado.

O principal objetivo da Farmacopéia é dispo-nibilizar para os grupos comunitários uma referência teóri-ca sobre as plantas medicinais usadas nas preparações deremédios, contribuindo dessa forma para gerar segurançaacerca do que é produzido nas farmácias comunitárias.Segundo o depoimento de uma pessoa da rede: “O povoque faz remédio caseiro não encontra as plantas do Cerra-do nos livros. Além disso, quando a planta é encontrada,a linguagem é muito difícil de entender.”

Entre outros objetivos da Farmacopéia, estãoa valorização, a continuidade da transmissão e a proteçãodos conhecimentos tradicionais. Alguns depoimentos re-forçam essa perspectiva: “O que dá força para o nossotrabalho é o nosso conhecimento”; “O conhecimento dojeito que está não tem garantia”; “Os mais jovens nãoandam mais com nós para aprender a medicina do Cerra-do, e a gente está registrando os conhecimentos para aju-dar a não se perder.”

A Farmacopéia foi elaborada por ComissõesRegionais formadas por raizeiros, representantes dasfarmacinhas e técnicos. A metodologia utilizada foi o diá-logo de saberes, que coloca o conhecimento tradicionalcomo a base da pesquisa e proporciona a sua comple-mentação com informações técnicas. Os raizeiros e repre-sentantes dos grupos comunitários se tornaram pesquisa-dores populares, estudando as plantas em campo e fazen-do o registro participativo dos conhecimentos levanta-dos. Como resultado, “o grupo entendeu mais sobre asplantas, ficou mais confiante e até o amor pelas plantascresceu”, afirmou um dos participantes.

As Comissões Regionais que elaboraram aFarmacopéia também foram capacitadas sobre a MedidaProvisória 2186-16/01, legislação que define as normaspara o acesso à biodiversidade e aos conhecimentos tradi-cionais associados. A capacitação das comissões contoucom a parceria do Departamento do Patrimônio Genéticodo Ministério do Meio Ambiente e teve o objetivo de sub-sidiar a criação de estratégias para a proteção dos conhe-cimentos tradicionais publicados na Farmacopéia.

Outra estratégia para a proteção dos conheci-mentos tradicionais contidos na Farmacopéia foi a solici-tação de seu registro como Bem Cultural de NaturezaImaterial4 junto ao Instituto do Patrimônio Histórico eArtístico Nacional (Iphan) do Ministério da Cultura.

4 O Bem Cultural de Natureza Imaterial é um patrimônio do povo atribuído a algo queele pratica em sua vida, tal como: rezas, festas, música, feiras, uso de plantas, etc. Oseu registro é importante para garantir a sua continuidade histórica e a sua proteção.

Sistematização participativa de conhecimentos tradicionaisem Goiás

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10 Agriculturas - v. 4 - no 4 - dezembro de 2007

A pesquisa para a elaboração do primeiro fascí-culo da Farmacopéia foi realizada entre 2004 e 2006 nosestados de Minas Gerais, Goiás, Tocantins e Maranhão. Olivro ainda está em fase de produção e sua publicação estáprevista para o início de 2008. As plantas estudadas fo-ram: barbatimão, pacari, rufão, algodãozinho, pé-de-per-diz, batata-de-purga, ipê roxo, velame e buriti.

Produção agroecológica e manejosustentável de plantas medicinais

Com a evolução da Articulação Pacari, a auto-nomia dos grupos conhecedores tradicionais, a confia-bilidade acerca de seu trabalho e a garantia na aquisiçãode plantas nativas têm se tornado temas centrais nos de-bates, uma vez que se relacionam diretamente com o con-trole de qualidade dos remédios produzidos.

A qualidade das plantas utilizadas na prepara-ção dos remédios depende principalmente da identifica-ção correta da espécie, de suas formas de cultivo ou de suacoleta com técnicas sustentáveis. Também está vincula-da ao processo de secagem com temperaturas adequadas,ao processamento, armazenamento e transporte sem con-taminações.

Deve-se levar em conta ainda a origem das plan-tas utilizadas pelos grupos comunitários, que é muitodiversificada. As plantas medicinais são cultivadas oucoletadas pelo próprio grupo, ou doadas por terceiros.Podem ser também adquiridas por meio de trocas por re-médios ou ainda compradas em mercados ou de raizeiros.

Em função dessa diversidade de origem, os gru-pos comunitários estão levantando pontos críticos e ela-borando indicadores para avaliar a qualidade das plantasprovenientes de ambientes com vegetação nativa, siste-mas agroflorestais, quintais e hortas orgânicas.

Outra questão prioritária para a auto-regulaçãoé a demanda crescente de compra de plantas nativas, prin-cipalmente pelas dificuldades que os grupos enfrentampara acessar áreas conservadas de Cerrado ou para encon-trar algumas espécies de interesse próximas às comunida-des. Como é difícil assegurar que os critérios de qualidadesejam respeitados por comerciantes, principalmente emmercados, lojas especializadas e por raizeiros desconheci-dos, a Pacari decidiu desenvolver uma experiência-pilotovoltada para a implementação de um plano de manejosustentável de plantas medicinais. Essa experiência estásendo realizada em uma reserva de Cerrado de uma proprie-dade rural familiar localizada no município de Goiás (GO)e tem por objetivo atender a demanda de seis farmáciascomunitárias da região.

Assim, o processo de auto-regulação geradona Pacari tem fortalecido as propostas estratégicas depriorizar o uso de plantas nativas na preparação de remé-dios pelos grupos comunitários e o diálogo para a criaçãode reservas extrativistas de plantas medicinais no Cerrado.

Boas práticas populares depreparação de remédios deplantas medicinais

A segurança do controle de qualidade na pre-paração de remédios de plantas medicinais é outro temaque está no centro dos debates dos grupos. A Pacari vemrealizando um levantamento dos modos de fazer nas far-mácias comunitárias para organizar e levar à frente essesdebates.

As questões mais discutidas são relacionadasàs condições da estrutura da farmacinha, aos equipamen-tos e utensílios utilizados e aos procedimentos adotados,principalmente de limpeza e esterilização.

As farmácias comunitárias são verdadeiros labo-ratórios culturais, onde cotidianamente são experimenta-dos, preservados e/ou transformados os conhecimentostradicionais sobre temas como o uso e manejo das plantas,as receitas de remédios (formulários), o diagnóstico popu-lar de doenças, os processos de cura, entre outros.

Entretanto, o registro das informações e co-nhecimentos gerados em uma farmácia comunitária tam-bém é um grande desafio para a auto-regulação da medici-na popular. Entre essas informações destacam-se o núme-ro de pessoas atendidas por mês, as principais doençastratadas, o volume de remédios utilizados, o custo médiopor pessoa atendida, a quantidade de plantas utilizadas ea eficácia dos tratamentos..

Dando visibilidade àspráticas sociais

A medicina popular tem raízes numa realidadesocial de pobreza e se destaca pela prestação de serviçosbásicos de saúde. As pessoas envolvidas nesse trabalhogeralmente têm muita fé, guardam e transmitem sua cul-tura por meio do uso sustentável dos recursos naturais.Diante dessa realidade, cabe perguntar a real dimensão eimportância social dessas práticas culturais. Quantas far-mácias comunitárias existirão nos cerrados com seus doismilhões de km2? Por que o trabalho desses grupos perma-nece invisível?

A Articulação Pacari vem tecendo uma rede deinformações junto às comunidades para trazer à luz o sig-nificado desse trabalho e, com seu reconhecimento soci-al, contribuir para a construção de uma política nacionalde saúde que integre diretrizes ambientais e culturais.

Jaqueline Evangelistaagrônoma, assessora da Articulação Pacari

[email protected]

Lourdes Laureanofarmacêutica, mestre em biologia,

assessora da Articulação Pacari

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resentes em 24municípios de vá-rias regiões do es-

tado do Rio de Janeiro, 108 gruposde base comunitária se articulamentre si para manter e aprimorar prá-ticas populares relacionadas aos cui-dados com a saúde e ao uso de plan-tas medicinais. A maior parte des-ses grupos se organizou na décadade 80, a partir da iniciativa da Con-

Rede Fitovida:revalorizando os

remedinhos da vovóElisabeth da Cruz Marins e

Marcio Mattos de Mendonça

ferência Nacional dos Bispos do Bra-sil (CNBB) de promover, em 1981,a Campanha da Fraternidade com olema Saúde para Todos.

As reflexões sobre as realidades locais realiza-das durante a campanha fizeram com que as liderançasda igreja e das comunidades percebessem que já tinhamem mãos um poderoso instrumento para promover amelhoria da qualidade de vida da população que sofriacom as conseqüências dos precários serviços de saúdeoferecidos pelo Estado. Práticas populares de tratamen-

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to de doenças e enfermidades baseadas no uso de remé-dios caseiros elaborados com plantas medicinais erammuito comuns nas comunidades, apresentavam grandeeficiência e não vinham recebendo o seu devido valor eapoio.

O grande desafio que se apresentou após a to-mada de consciência da importância dessas iniciativas au-tônomas de indivíduos e pequenos grupos foi o de desen-volver mecanismos para melhor organizá-las e disseminá-las. Em sua maioria, os grupos tinham em sua composiçãoforte presença de mulheres idosas e negras que migraramde outras regiões do país. Embora possuíssem pouco es-tudo, elas revelavam enorme sabedoria sobre o uso dasplantas medicinais.

A organização dos grupos de baseEm cada canto do estado do Rio de Janeiro, de

forma espontânea e intuitiva e com a força da fé, os gru-pos foram se organizando com o objetivo de promover amelhoria das condições de saúde das populaçõesdesassistidas por meio do resgate dos conhecimentos so-bre o uso das plantas medicinais.

Na Baixada Fluminense, pessoasoriundas da zona rural que já utiliza-vam as plantas medicinais, em formade chás, xaropes, ungüentos, etc., pas-saram a se organizar em grupos, quan-do a Diocese de Nova Iguaçu convidoua Irmã Maria Zata, profunda conhece-dora das estratégias populares de ma-nutenção e restabelecimento da saúde,para ministrar um curso sobre manipu-lação e uso de plantas medicinais. Re-alizado no início da década de 1980, ocurso abordou a necessidade do resga-te e da valorização dos conhecimentosdas pessoas mais velhas sobre as práti-cas de promoção da saúde. As pessoasque participaram saíram motivadas ase organizarem em grupos.

Já no município de Campos dosGoytacazes, região Norte do estado, a

motivação para a formação dosgrupos ocorreu a partir da açãoda Comissão Pastoral da Terra(CPT) junto aos assentamentosrurais. Com a presença marcantede famílias migrantes de outrasregiões do país detentoras de co-nhecimentos significativos sobreas plantas medicinais, os assen-tamentos foram cenário da orga-nização de grupos e coletivos desaúde que atuam com remédioscaseiros, resgatando práticasantigas.

Assim como nas regiões daBaixada e do Norte Fluminense, emtodo o estado do Rio de Janeiro haviadiversas outras pessoas e grupos que jávinham realizando trabalhos similares.Embora alguns desses grupos já viessemtrocando experiências entre si, a maio-ria deles não se conhecia mutuamente.

O surgimento daRede Fitovida

No final da década de 1990,três assessores de grupos populares dediferentes regiões do estado – uma edu-cadora popular em saúde, voluntária doMovimento dos Trabalhadores RuraisHorta de plantas medicinais do grupo Semente Viva

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Agriculturas - v. 4 - no 4 - dezembro de 2007 13

Sem Terra (MST), uma educadora popular integrante daCPT e um agrônomo da Assessoria e Serviços a Projetosem Agricultura Alternativa (AS-PTA) – se conheceram epassaram a intercambiar ensinamentos sobre as experiên-cias dos grupos que acompanhavam. Logo identificaramalgumas questões comuns entre as iniciativas de base eque mereceriam ser tratadas de forma mais articulada, en-tre elas, o fato de que as práticas de saúde alternativaeram consideradas clandestinas por não estarem institucio-nalizadas (com selos, registros, etc). Diante dessa situa-ção, os grupos e pessoas que as exercia sentia forte receiode que suas práticas viessem a ser criminalizadas. Alémdisso, notavam que, embora seus trabalhos trouxessemgrandes benefícios para suas comunidades, não vinham sen-do devidamente reconhecidos. Percebiam também que osconhecimentos tradicionais vinham sendo objeto de estu-do por agentes externos, sem que houvesse qualquer retor-no para as comunidades detentoras dos conhecimentos.

Participando ativamente das dinâmi-cas dos grupos comunitários, preocu-pados com a proteção dos conhecimen-tos e com o fortalecimento de seus tra-balhos, os três assessores tomaram ainiciativa de mapear as experiênciasexistentes no estado. Esse esforço foirealizado durante o ano de 1999 pormeio de contatos, visitas e participa-ções em atividades de diversos grupos.Em função desse processo, outras pes-soas e grupos foram motivados a tro-car experiências entre si.

Em 2000, foi organizado um encontro com re-presentantes dos grupos mapeados. O evento foi realiza-do no Colégio Santa Catarina, em Petrópolis, e teve porobjetivo principal proporcionar a oportunidade para omútuo conhecimento entre os grupos para, a partir daí,articular atividades orientadas ao aprimoramento dos tra-balhos. Contrariando a expectativa dos organizadores edas irmãs responsáveis pela acolhida, que esperavam a che-gada de 60 pessoas, o evento contou com a participaçãode mais de 120 representantes de grupos vindos de todasas regiões do estado. Com o espírito de partilha de conhe-cimentos e de solidariedade, o encontro transcorreu per-feitamente, sem a necessidade de mobilização de infra-es-truturas sofisticadas nem de financiamento externo. A par-tir desse evento (posteriormente denominado de 1ºEncontrão da Rede Fitovida), foi debatida a importânciada continuidade da articulação estadual entre os grupos.

Assim nasceu a Rede Fitovida: Movimento Po-pular de Saúde Alternativa. Para facilitar a integração en-tre os grupos, a rede se organizou em cinco regiões: sul;norte; São Gonçalo e Niterói; metropolitana; Baixada eSerrana. Nas regiões metropolitana, sul e de São Gonçalo,os grupos se encontram em áreas urbanas, sendo alguns

na cidade e outros na periferia. Na região norte, os gruposestão nas áreas de assentamentos rurais e de comunidadesquilombolas. Na Baixada Fluminense e Serrana, há gruposurbanos e rurais.

A construção daidentidade da rede

Após o 1º Encontrão, as visitas de intercâmbioentre os grupos se tornaram mais freqüentes. Por meiodelas foram sendo tecidos os elos da rede, em um processohorizontal de trocas que se deu independente de afiliaçõesreligiosas ou partidárias. Dessa forma, a identidade da redefoi aos poucos sendo construída em torno a princípiostácitos que orientam as práticas dos grupos. Dois deles sedestacam: 1) a solidariedade (os grupos desenvolvem suasatividades sem fins lucrativos); 2) a aproximação com anatureza como meio de promoção da saúde integral (ali-mentação saudável e o emprego da medicina natural, àbase de plantas e outros elementos da natureza).

Ao interagirem entre si, os grupos se fortale-cem mutuamente, ao mesmo tempo em que alimentam omovimento de organização estadual, sempre respeitandoas diversidades e a autonomia de cada iniciativa local.

Encontros da PartilhaAlém dos intercâmbios realizados a partir da

iniciativa dos grupos envolvidos, a rede estimula a organi-zação de encontros, cada encontro acontecendo em umaregião do estado, a cada semestre com a finalidade devalorizar as diversas práticas dos grupos, facilitando a tro-ca de saberes. Esses encontros, denominados Encontrosda Partilha, têm a duração de um dia e são pautados portemas específicos. No período da manhã, ocorrem trocasde experiências e a apresentação de receitas (parte teóri-ca). À tarde, são elaborados remédios caseiros ou realiza-das práticas relacionadas ao tema do dia, como, por exem-plo, o preparo de xaropes caseiros, tinturas e garrafadas.

Os Encontros da Partilha são sistematizados paraa produção dos Boletins Fitoteia. Por meio desse veículo,informações sobre as receitas e as experiências apresentadasnos eventos são divulgadas, assim como as conclusões dosdebates relacionados a questões sociais, políticas e culturaisque interferem nas ações dos grupos. Assim, ao mesmo tem-po em que esses pequenos encontros regionais proporcionamambientes para o intercâmbio, eles atualizam e fortalecem aarticulação entre os grupos.

Assumindo novos desafiosEm sua caminhada, sobretudo a partir dos de-

bates ocorridos nos encontros estaduais (Encontrões), arede procurou amadurecer suas estratégias para manterviva a cultura do uso tradicional de plantas medicinais.Para tanto, tinha claro que era necessária a obtenção do

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reconhecimento das práticas alternativas de promoção dasaúde por parte da população e do Estado. Duas linhasestratégicas foram traçadas: a primeira, e mais importan-te, relacionava-se ao fortalecimento dos grupos de basepor meio de sua participação na rede. A segunda está orien-tada para influenciar as legislações que incidem sobre atemática, visando ao reconhecimento oficial das práticasadotadas pelos grupos da rede.

Com o firme propósito de fortalecer otrabalho nas comunidades, a rede pro-curou respaldo junto ao Instituto doPatrimônio Histórico e Artístico Na-cional (Iphan), órgão vinculado ao Mi-nistério da Cultura, para ter suas prá-ticas reconhecidas como patrimônioimaterial da população brasileira, talcomo rege o Decreto 3551/00. Pormeio dessa frente de ação, procura pro-teger esses conhecimentos culturais,assegurar seu desenvolvimento e garan-tir a continuidade das práticas popula-res de uso das plantas medicinais.

Entretanto, essa iniciativa da rede contraria osinteresses dos grandes laboratórios farmacêuticos, quesaqueiam a biodiversidade e se valem da privatização dosconhecimentos a ela associados por meio de registros depatentes para obter seus altos e crescentes lucros. Essespoderosos grupos econômicos são os primeiros adesqualificar as práticas populares com acusações decurandeirismo. As agências oficiais de saúde, por sua vez,operam a partir de uma perspectiva reducionista. Admi-tem o uso das plantas medicinais sob condições muitorestritivas, em geral atendo-se à identificação de princípi-os ativos específicos existentes em determinadas plantas.

Elisabeth da Cruz Marinsagente comunitária de saúde, agente de pastoral da

saúde e integrante da Rede [email protected]

Marcio Mattos de Mendonçaengenheiro agrônomo, coordenador do programa de

agricultura urbana da Assessoria e Serviços aProjetos em Agricultura Alternativa

e integrante da Rede [email protected]

Esse enfoque se choca frontalmen-te com as práticas comunitárias,na medida em que o desenvolvi-mento da farmacopéia popular sefaz com base na experiência em-pírica e não no olhar analítico ado-tado nos procedimentos das ci-ências. Além disso, o uso populardas plantas medicinais se funda-menta em uma abordagem amplasobre a promoção da saúde, queconsidera, entre outros aspectos,os hábitos alimentares e o meiode vida das pessoas.

Em novembro de 2004,a rede assinou um termo de com-promisso com o Iphan para a utili-zação do método do InventárioNacional de Referências Culturais

(INRC). Essa metodologia de pesquisa cria condições paraque as próprias comunidades realizem um diagnóstico arespeito do tema em questão, na medida em que as envol-ve e mobiliza no processo de levantamento de suas refe-rências culturais. Além de identificar os portadores dossaberes e suas referências culturais, a metodologia situa obem cultural no contexto social específico em que foi iden-tificado, para que dessa forma sejam elaboradas políticaspúblicas pertinentes e eficazes.

Para a Rede Fitovida, o inventário tem sido umimportante instrumento para permitir a continuidade e oreconhecimento público das práticas de uso e manejo dasplantas medicinais adotadas por seus grupos. Ele tem tam-bém apoiado a articulação e organização dos grupos, quese fortalecem por meio da informação gerada e da forma-ção que recebem.

A cada dia que passa a pesquisa do inventárionos dá mais certeza da importância desse bem cultural, doseu valor e da necessidade de medidas para preservá-lo. Oprincipal objetivo desse esforço coletivo é que esses co-nhecimentos e práticas sejam consagrados como patri-mônio imaterial, resguardando os direitos das comunida-des de seguirem adotando suas práticas relacionadas aocuidado com a saúde.

Encontro da Partilha, maio de 2006

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Resgate evalorização

da sabedoriapopular sobre o

uso de ervasmedicinais

no BaixoTocantins (PA)

Maria Cristiane Lobo Pompeu*

a região do BaixoTocantins, esta-do do Pará, en-

tre 50 e 80% da população é cons-tituída por pessoas que moram eproduzem ao longo das margens dosrios. Para obterem acesso aos ser-viços públicos de saúde, os ribeiri-nhos precisam viajar até as sedesmunicipais em pequenos barcos.Dependendo da localização da co-munidade, essas viagens podemdurar até 10 horas. É nesse contex-to que o uso das ervas medicinaisexerce um papel essencial, na me-dida em que assegura a essa popu-lação autonomia no tratamento deenfermidades, chegando muitas ve-zes a salvar vidas.

Desde o ano 2000, o Programa de Desenvolvi-mento Sustentável da Agricultura Familiar do BaixoTocantins, executado pela Associação Paraense de Apoioàs Comunidades Carentes (Apacc)1, passou a integrarações de saúde preventiva em suas estratégias. As ativida-des do programa nesse campo foram desenhadas para aten-der a demandas da população local, principalmente aque-las relacionadas a doenças corriqueiras, tais como diarréia,ferimentos por cortes, picadas de arraia, de cobra, gripes,resfriados e infecções do aparelho reprodutor feminino.

O resgate da sabedoria popular

O trabalho se iniciou com a realização de umdiagnóstico sobre as necessidades e oportunidades dapopulação em relação à saúde preventiva. Participaramdesse processo principalmente mulheres, mas também agri-cultores e jovens agroextrativistas de 54 comunidades dosmunicípios de Limoeiro do Ajuru, Cametá e Oeiras do Pará.

A partir do diagnóstico, foi elaborado um pla-no de formação composto por 15 cursos para grupos de20 a 30 pessoas das comunidades envolvidas. Os cursosabordaram temas como direito à saúde; origem das doen-ças; conhecimento do organismo humano; prevenção decâncer no útero e na mama; doenças sexualmente

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Canteiro de ervas medicinais no município de Oeiras do Pará

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1 O programa é desenvolvido em parceria a AVSF - Agrônomos e Veterinários SemFronteiras, a Essar e o Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Cometá,Limoeiro de Ajuru e Oieras do Pará.

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transmissíveis e Aids; planejamento familiar; cuidados coma água; primeiros socorros, etc.

Embora o diagnóstico tenha revelado o grandedomínio de conhecimentos da população ribeirinha, par-ticularmente das parteiras e bezendeiras, sobre a valoriza-ção da biodiversidade regional no tratamento de doenças,foi possível identificar também que o uso de plantas medi-cinais não vinha sendo realizado de forma adequada pormuitas famílias, o que levou à iniciativa de incorporaçãodo tema entre os conteúdos do processo de formação.Assim, os cursos sobre ervas tiveram como objetivo resga-tar, incentivar, bem como aprimorar os conhecimentos dacultura popular nesse campo.

Os cursos sobre ervas compreenderam três fa-ses. A primeira foi dedicada à realização de diagnósticoscomunitários sobre o uso de plantas medicinais. Por meiodeles, buscou-se detalhar, na escala das comunidades,os conhecimentos levantados no diagnóstico mais abran-gente realizado anteriormente. Esses diagnósticos res-gataram o histórico do uso dos remédios caseiros e asituação atual dessa prática, enfocando em particular adisponibilidade das plantas, suas formas de uso e os meca-nismos de repasse dos conhecimentos associados à fi-toterapia popular.

Na segunda etapa, de caráter mais prático, fo-ram aprofundados conhecimentos relacionados às plan-

tas medicinais e suas partes.Amostras de plantas utilizadasem receitas de remédios casei-ros foram expostas e manu-seadas, assim como foi feita acatalogação das espécies maisutilizadas pelas comunidades.As receitas caseiras locais foramsistematizadas e incentivou-sea implementação de viveiros demudas de plantas medicinais emvias de extinção e de hortas me-dicinais caseiras. Foram aindaelaborados álbuns de ervas para

Nome Uso Nome Grupo que Número de famíliasda erva científico possui a erva que possuem a erva

catinga convulsão, cólica Tanacetum Moquém 03 famíliasde mulata menstrual, vulgare Nova América 02 famílias

febre em crianças,gripe e asma

jaborandi dor, febre, gripe Pilocarpus Caracuru 02 famíliasqueda de cabelos microphyllus

hortelãzinho cólica intestinal, Mentha Moquém 02 famíliasou hortelã de diarréia e cólica piperita Caracuru 02 famíliasfolha miúda menstrual

Erva cidreira insônia, Melissa São 07 famíliascalmante e officinalis Raimundopressão alta

Quadro 1. Exemplo desistematização doconhecimento sobre plantasmedicinais para a elaboraçãodo álbum de ervas

Comercialização de ervas medicinais na feira de produção familiar e solidária de Cametá

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Agriculturas - v. 4 - no 4 - dezembro de 2007 17

ficarem à disposição dos grupos comunitários e seus as-sessores locais.

Os álbuns de ervas apresentam as informaçõessistematizadas sobre as plantas empregadas em cada co-munidade. Neles estão registrados os nomes populares ecientíficos de cada espécie, as comunidades em que aservas podem ser encontradas e o número de famílias quepossuem as plantas. Além disso, trazem os principais usose formas de aproveitamento das plantas (ver quadro 1).Esses álbuns se tornaram um instrumento importante paradinamizar o trabalho de preservação da cultura popular,facilitando o repasse das informações sobre as plantas den-tro e entre gerações.

A última etapa do curso concentrou-se no pre-paro dos remédios caseiros. Foram trocados conhecimen-tos sobre cuidados no preparo, na organização do ambi-ente e realizadas atividades práticas de elaboração dosremédios mais demandados pelas comunidades.

A produção dos remédios caseiros

Os debates realizados durante os cursos gira-ram em torno da importância dos remédios caseiros naprevenção e cura das principais doenças que acometem asfamílias e da valorização e reconhecimento da produçãocaseira como alternativa aos tratamentos convencionais.

Cabe ressaltar que toda matéria-prima utiliza-da na fabricação dos remédios, inclusive essências flores-tais de uso medicinal, foi coletada nas próprias comunida-des. Muitas espécies que correm risco de extinção, como asucuúba (Himatanthus sucuuba), a copaíba (Copaiferaofficinalis) e a andiroba (Carapa guianensis), vêm sendopreservadas e plantadas pelas famílias.

Grupos de mulheres e várias pessoas individual-mente passaram também a produzir e comercializar remé-dios em suas próprias comunidades, em outros municípiose na feira de produtos da agricultura familiar realizada emCametá. Dessa forma, o conhecimento vem contribuindonão só para a melhoria da saúde, mas também para a gera-ção de renda das famílias.

Um jardim de hortas medicinais

Com o esforço e a participação das multipli-cadoras e multiplicadores em saúde preventiva, formadosdurante os cursos de ervas, muitas famílias já possuem seujirau ou canteiro com as plantas medicinais mais utilizadas.

As plantas, seu uso e manejo são, sem dúvida,parte da cultura de um povo. No Baixo Tocantins, com avalorização e o reconhecimento do saber e do trabalho sobrea biodiversidade local, vivenciou-se a reconstrução da auto-nomia no tratamento da saúde familiar e, mais do que isso,assistiu-se também à valorização do trabalho da mulher.

Por fim, a consciência sobre a importância douso sustentado desses recursos da natureza foi assim ex-

Maria Cristiane Lobo Pompeupedagoga e educadora em saúde preventiva pela

Apacc–Baixo [email protected]

pressa por Maria Aparecida, multiplicadora em saúde pre-ventiva de Oeiras do Pará: Não podemos deixar que essariqueza se perca, uma vez que os remédios feitos das plan-tas medicinais além de serem nossos primeiros-socorros noslugares mais distantes do meio rural, curam de forma quenão causam danos aos nossos órgãos e são de custo algum,se não para a natureza se tirado de forma inconsciente.

Produção de remédios caseiros pelo grupo Xingú Cametá

Processo de manipulação das ervas na produçãode remédios, na Comunidade de Xingu

*Educadoras da APACC contribuem efetivamente parao desenvolvimento da experiência. São elas: Maria das

Graças de Souza Savino, Jailme Gonçalves Bandeira,Elizabeth Marques de Souza, Silviane Barreiro Ribeiro,

Cláudia Carvalho Mácola e Luciana Ataide da Costa.

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World Neighbors(Vizinhos Mundiais),organização não-go-

vernamental que atua em vários paí-ses do Terceiro Mundo, tinha comotradição enfocar seus trabalhos naárea de desenvolvimento agrícola.Entretanto, ao reconhecer a gran-de sinergia entre agricultura e saú-de, e buscando formas de melhorarnosso trabalho, há cerca de 10 anosprocuramos interagir mais com pro-fissionais da área de saúde. Desco-brimos que embora compartilhásse-mos esperanças e aspirações co-muns, freqüentemente tínhamosmaneiras bem diferentes de enten-der a pobreza e de auxiliar comuni-dades a enfrentá-la. Feliz-mente, fomos capazes denos identificar em torno aum lema comum: uma boaalimentação para uma boasaúde.

Do ponto de vista dos que traba-lham com desenvolvimento agrícola, esse lemasignifica processos saudáveis de produção de

Linda Jo Stern,Scott Killough,

Ross Borja,Stephen Sherwood,

Nina Hernidiah,Paul Joicey ePeter R. Berti

Trabalhandoagricultura e

saúdeconjuntamente

alimentos, tanto para o meio ambiente como para as famí-lias produtoras. Para os que trabalham com a promoçãoda saúde, ele se traduz em alimentos nutritivos que con-tribuem para a saúde humana.

Uma vez que descobrimos a importância de ori-entar nosso trabalho para a produção de alimentos dequalidade e focamos no imperativo de prevenir a desnutri-ção infantil por meio de alimentação em quantidade e qua-lidade adequadas, o desafio passou a ser o aprendizadoconjunto.

Assim como muitas organizações, a VizinhosMundiais (VM) e seus parceiros passaram a trabalhar emtorno a dois eixos programáticos centrais e interligados:agricultura sustentável e saúde comunitária. Os concei-tos e práticas de segurança alimentar e nutricional forne-cem importante elo entre esses eixos. Afinal, a superaçãoda fome e da desnutrição exige ações que vão além daprodução agrícola, tais como o cuidado na preparaçãodos alimentos, o acesso à água limpa e a serviços de sanea-mento, a mudança de práticas culturais relacionadas à hi-giene, às relações de gênero e aos cuidados com as cri-anças.

Os agricultores levam emconsideração as ne-cessidades nutricionais quando

decidem o que plantar

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Neste artigo, apresentamos três exemplos decomo nos esforçamos para fortalecer os elos entre os tra-balhos de promoção da agricultura sustentável e da saúdecomunitária. Todos enfatizam o papel central desempe-nhado pelas mulheres agricultoras na melhoria do bem-estar nutricional de suas famílias e a forma como as comu-nidades e os parceiros da VM vêm trabalhando para asse-gurar que esses elos entre saúde e agricultura não se que-brem.

Valorizando os potenciais locais

Desviante Positivo (DP) é um método que va-loriza os bons exemplos de cuidado com a saúde e com anutrição, considerados como sementes locais de mudan-ça. Por meio dessa abordagem, busca-se identificar mu-lheres que adotam boas práticas no cuidado com as crian-ças, estimulando-as a apresentar suas experiências a ou-tras pessoas de suas próprias comunidades. Durante osintercâmbios e visitas a suas casas, as mulheres debatemos significados, as condições e as razões de terem ou nãoboa saúde. Essa foi a base metodológica do trabalho quedesenvolvemos em Mindanao, uma das ilhas das Filipinas.

A VM e sua parceira local, a Sikap, tra-balham em comunidades onde as prin-cipais atividades econômicas são asgrandes plantações de dendê e a extra-ção de recursos naturais. Nas comuni-dades de Mate e Bayugon 2, muitoshomens e mulheres trabalham de ma-nhã à noite como diaristas nas planta-ções, enquanto os avós e as criançasmais velhas permanecem em casa to-mando conta das crianças mais novas.Aqueles que não trabalham nas plan-tações tecem e vendem amakan oupainéis de rattan1. Algumas famíliascomplementam suas rendas com a pro-dução de hortaliças. Outras cultivamem pequenas áreas de encostas, con-centrando-se sobretudo nos cultivospara a venda e não para o consumo do-méstico. Há ainda os que têm seusmeios de vida assegurados pela coletade alimento na floresta e pela minera-ção de ouro em pequena escala.

Diante da realidade dessas comunidades, a dis-ponibilidade e a qualidade da alimentação demonstravamser temas centrais para orientar os trabalhos de promoçãodo desenvolvimento local. Para abordar esses temas, a

VM, a equipe da Sikap e as lideranças comunitárias defini-ram que a nutrição seria a porta de entrada do programa.Optamos pela metodologia do Desviante Positivo e orga-nizamos uma oficina com voluntários(as) da comunidadeque, durante duas semanas, debateram entre si, cozinha-ram e aprenderam juntos. As refeições servidas nas ofici-nas foram preparadas sem a necessidade de qualquer re-curso externo – todo o alimento veio de fontes locais,facilmente disponíveis a todos os participantes.

Durante o período das oficinas, as crianças ga-nharam suprimento extra em suas dietas, suas mães obti-veram novos aprendizados sobre o cuidado com a saúde ealimentação de seus filhos e filhas, enquanto os trabalha-dores locais da área de saúde se beneficiaram por teremaprendido novas estratégias para enfrentar os problemasassociados à desnutrição infantil. Na maioria dos casos, osgrupos concordaram em continuar a se encontrar regular-mente, fortalecendo assim as capacidades de longo prazodas comunidades de enfrentarem os seus próprios proble-mas relacionados à saúde e à alimentação.

Por intermédio da troca de experiências, mui-tas famílias perceberam que a horta era um espaço quedeveria ser mais valorizado nas estratégias para a melhoriada saúde de suas crianças. Tornou-se evidente que grandeparte das famílias que eram positivamente desviantes man-tinha hortas onde plantavam frutíferas e hortaliças. Desdeque os grupos de DP foram formados, verificou-se o au-mento do número de famílias com hortas, assim como ummaior acesso das famílias a frutas e hortaliças. Além disso,muitos participantes dos grupos de DP demonstraram in-teresse em aprender mais sobre agroecologia. Foram en-tão organizadas visitas de intercâmbio e fornecida asses-soria técnica específica.

A partir do trabalho focado inicialmente nanutrição das crianças, as famílias envolvidas nesses grupospassaram a perceber os temas da saúde, do meio ambientee da produção alimentar de forma mais abrangente e inte-grada.

Perguntas, não respostasMuitas soluções podem ser encontradas nas

experiências locais e, nesse sentido, encaramos nosso tra-balho não como meio de dar respostas aos problemas dascomunidades, mas como um instrumento para auxiliar aspessoas a verem as oportunidades que existem ao seu re-dor. Concentramos nossas energias em responder boasperguntas e em facilitar discussões e análises dos proble-mas e das possíveis soluções para eles. No campo da nutri-ção, acreditamos ser eficaz explorar criticamente liçõessobre agricultura juntamente com as comunidades.

Ao observar suas experiências sobre fertilidadedo solo e das plantas, por exemplo, agricultores e agricul-toras podem ser levados a aprimorar suas percepções so-bre suas próprias condições de saúde. Isso porque as pes-soas tendem a fazer conexões entre novos aprendizados e

1 Rattan: nome genérico para um conjunto de palmeiras da tribo Calameae quefornece matéria prima para a confecção de móveis. (nota do editor)

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conhecimentos anteriores adquiridos por meio de sua pró-pria vivência. Com essa abordagem pedagógica, a capaci-dade de análise crítica fica mais aguçada, tornando os efei-tos dos programas sobre a vida das comunidades maisabrangentes e mais duradouros, mesmo que os problemase os contextos delas sejam outros no futuro. Nosso traba-lho no Timor Oeste, Indonésia, mostrou como as pergun-tas podem ser mais úteis do que as respostas.

Desde 1997, a VM tem trabalhado no TimorOeste em parceria com a ONG local Yayasan Mitra TaniMandiri (YMTM) no desenvolvimento de um programaagroflorestal. Através dos anos as comunidades adquiri-ram alto grau de consciência a respeito da relação diretaque existe entre saúde e agricultura. Anteriormente, aoorganizarem seus sistemas de produção, os agricultoresnão levavam totalmente em conta as necessidadesnutricionais de suas famílias, já que seu foco principal eraa produção para a venda nos mercados.

Com o programa da YMTM, os produtores pas-saram a dar mais atenção à sua própria segurança alimen-tar e nutricional. Começaram então a abordar a questãodo planejamento da unidade produtiva não apenas pelaperspectiva da produção para a venda, mas também a par-tir de suas necessidades de saúde.

As comunidades expressam que as mudançasmais significativas proporcionadas pelo programa estãoassociadas à melhoria de suas capacidades de planejar asunidades produtivas, em particular para que elas aten-dam suas necessidades nutricionais durante todo o ano.Enfatizam também que as mudanças nas relações sociaisdentro da família influenciaram as práticas de produção, jáque as tomadas de decisão agora são muito mais equilibra-das entre maridos e esposas. Além disso, as mulheres con-quistaram direitos de propriedade de terra, antes essenci-almente dos homens, e passaram a administrar o gado dafamília. Essas alterações nas relações de gênero nas famíli-as agricultoras têm permitido que os sistemas de produ-ção sejam transformados, em especial por intensificarem aprodução de hortaliças orgânicas destinadas ao consumodoméstico. Todas essas mudanças são percebidas pelas

mulheres, que alegam sentir sua atual situação mais segu-ra e estável, além de manifestarem satisfação por suas fa-mílias disporem de um leque muito mais amplo de alimen-tos durante todo o ano.

Unindo o técnico ao social

Além de apoiar as famílias agricultoras a melho-rarem sua alimentação, consideramos importante que elascompreendam as razões pelas quais as situações de desnu-trição permanecem. Por exemplo: quando comparamos oquadro de nutrição dos homens com o das mulheres nosAndes, é comum identificarmos que os homens e os meni-nos comem melhor do que as mulheres e as meninas. Issonos levou a questões novas e mais profundas a respeitodas raízes sociais dessa situação. O que se pode fazer dian-te desse contexto?

A partir de nossa experiência com mé-todos participativos para análise derelações sociais de gênero, aprendemosque oferecer a informação por si só ge-ralmente não é suficiente para promo-ver mudanças positivas. Temos a cla-reza de que a forma como nos compor-tamos durante as práticas educativase, em particular, na facilitação dos pro-cessos de aprendizado, pode gerar efei-tos muito diferentes sobre as comuni-dades em que atuamos. Isso se tornouclaro em nosso programa no Equador,onde trabalhamos juntamente commulheres andinas para entender e apri-morar suas estratégias de alimentação.

As mulheres andinas têm muito conhecimentoprático sobre os alimentos que consomem. Por outro lado,não sabem muito sobre o conteúdo nutricional dos mes-mos. Informações dessa natureza são especialmente im-portantes para as mulheres grávidas e para as mães, já queelas são muito vulneráveis a deficiências nutricionais. Aoprocurarmos compreender as dietas das mulheres e de suascrianças na região, concluímos que a saúde das criançasnão é determinada somente pela disponibilidade de recur-sos das famílias, mas também, e principalmente, pelo do-mínio de conhecimentos das mães a respeito da qualidadenutricional dos alimentos e dos cuidados com higiene.Com base nessa constatação, tornou-se evidente que amaior clareza sobre esses assuntos por parte das mães podecertamente auxiliá-las a identificar novas estratégias paramelhorar a saúde de suas famílias.

Empregamos então o método dos desviantespositivos para colocar a questão em debate. Por meio deum levantamento sobre os alimentos consumidos no dia

Muitas soluções podemser encontradas nas ex-

periências locais e, nesse sentido,encaramos nosso trabalho não

como meio de dar respostas aosproblemas das comunidades, mascomo um instrumento para auxiliar aspessoas a verem as oportunidades queexistem ao seu redor.

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anterior por um grupo de mães,os promotores de saúde as auxili-aram a analisarem a qualidadenutricional de suas dietas, de suascrianças e do conjunto de suas fa-mílias. Dessa forma, foi possívelrealizar uma avaliação coletiva dopotencial nutricional dos alimen-tos típicos, bem como de suascombinações. Para converter oconsumo de alimentos em neces-sidades diárias de nutrientes, uti-lizamos um notebook e umsoftware livre de fácil manuseiochamado Nutri-survey, que auto-maticamente transforma informa-ções sobre os alimentos consumi-dos em equivalente nutricional.Ao colocar os resultados do levan-tamento em uma tabela, o progra-ma permite a elaboração de umgráfico de barras com base nas exi-gências de uma dieta padrão –estabelecida em função da idade,sexo e situação biológica (gravidez,por exemplo) – para consumo dediferentes alimentos, levando emconsideração a quantidade e a pre-paração (veja o Quadro 1 ). Os gráficos mostrados na telado computador contêm poucas palavras. Com um poucode ajuda os participantes aprendem a entendê-los.

Trabalhando com os(as) participantes para en-tender e comparar os resultados, prestamos especial aten-ção às deficiências nutricionais. Como o consumo de ali-mentos varia diariamente, não é necessário e nem espera-do que a dieta de um único dia contenha todos os nutrien-tes requeridos. Discutimos então como as deficiênciasnutricionais podem ser contrabalançadas em outros dias.Enfatizamos, particularmente, aqueles nutrientes que semostram em deficiência quando analisamos as dietas devários dias.

Com base nessas análises, passamos a refletirsobre as diferentes fontes locais de alimentos e as suasfunções na dieta. Para subsidiar essas reflexões, passamosa fazer simulações de dietas. Incorporamos ao programainformações sobre diversas espécies alimentícias tradicio-nais e vimos como as barras do gráfico que correspondemaos diferentes nutrientes se moviam para um lado ou parao outro. Ao fazermos esse exercício, as pessoas se surpre-enderam com os altos conteúdos de nutrientes presentesnos alimentos tradicionais. Dependendo dos interesses dosgrupos, foram também discutidas questões relacionadasàs diferenças das dietas entre homens e mulheres ou àsmudanças nos padrões de alimentação nas últimas déca-

das. Também foram feitas reflexões sobre fatores nãodietéticos que afetam a nutrição das pessoas, tais comofalta de descanso, os cuidados com a higiene e as doen-ças. O aprofundamento desses conhecimentos estimulouas famílias a aprimorarem suas dietas e a darem início ahortas domésticas.

Percentagem do consumo recomendado por nutriente

Quadro 1.Análise de consumo diário de uma mulher nasáreas andinas do Equador

zinco

100%

144%

111%

151%

91%

16%

48%

39%

72%

59%

109%

16%

52%

84%

56%

132%

23%

66%energiaágua

proteínagordura

carboidratofibras dietéticas

vitamina Avitamina B1vitamina B2

vitamina Csódio

potássiocálcio

magnésiofósforo

ferro

vitamina B6

Colocando o aprendizadoem prática

Rosa é uma típica mãe rural que mora emBolívar, Equador. Ela está preocupada com a saúdede sua família. Porém, por não ter informações preci-sas a respeito dos nutrientes dos diferentes alimentoslocais, era difícil assegurar a nutrição equilibrada desua família. Ao fazer o levantamento do que consumi-ram nas últimas 24 horas e traduzir essas informaçõesem nutrientes pelo programa Nutri-survey, ela pôdeidentificar os pontos fortes e os fracos da dieta de suafamília. Identificou, por exemplo, a deficiência da ofer-ta de vitamina A para as suas crianças. Por meio dediscussões com o grupo, ela descobriu que a batata-doce e a iicama (uma raiz dos Andes) eram fonteslocais ricas nessa vitamina. Pudemos também compa-rar a dieta dos homens e das mulheres de cada família.

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Rosa descobriu que sua dieta e a de sua filha, particu-larmente durante os ciclos menstruais, era muito piordo que a de seu marido e a dos dois meninos. Combase nessa informação ela entendeu por que ela e afilha estavam sempre tão cansadas. Depois de discutiros efeitos do ciclo menstrual sobre a mulher, foramidentificadas diferentes fontes locais de alimento, emespecial hortaliças folhosas, como o espinafre, que po-deriam incrementar a ingestão de ferro. Embora suafamília goste de espinafre, havia perdido o hábito deconsumi-lo. Após essas análises, Rosa tomou a inicia-tiva de aprimorar a sua horta, decidindo deixar maisespaço para batata-doce, iicama e espinafre, entreoutras hortaliças nutritivas.

Referências bibliográficasBERTI, P. R.; KRASEVEC, J.; FITZGERALD, S.

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WORLD BANK. Repositioning nutrition as cen-tral to development: a strategy for large-scaleaction. Washington, 2006. (Directions inDevelopment)

Linda Jo Sternespecialista em saúde reprodutiva e comunitária,

World [email protected]

Scott Killoughespecialista em agricultura sustentável e

meios de vida rurais, World [email protected]

Ross Borja e Stephen Sherwoodtécnicos do Programa dos Andes, World Neighbors

[email protected];[email protected]

Nina Hernidiah e Paul Joicey.técnicos do Programa do Sudeste da Ásia,

World [email protected];[email protected]

Peter R. Bertinutricionista

[email protected]

Desafios futuros

Em que pese o progresso que tivemos ao auxi-liar organizações parceiras a descobrirem a relação entresaúde e agricultura, percebemos que há ainda muito amelhorar em nossos trabalhos. Freqüentemente as formasdisciplinares e academicistas como analisamos a realidade– sejam elas na agricultura, na saúde ou em outras áreas –dificultam a nossa compreensão e comprometem nossaestratégia para agir sobre ela. Como conseqüência, nossasintervenções ficam sujeitas a uma desconexão entre o ob-jetivo de garantir mais alimentos (seja através da melhoriada produção ou do aumento da renda) e o de promovermelhor nutrição das famílias, podendo mesmo um objeti-vo se contrapor ao outro.

Há muitos desafios pela frente. Em particular,sentimos que é necessário dar especial atenção às tendên-cias disciplinares mais profundas que orientam as ações denossas equipes e as dos nossos parceiros, sobretudo entreos que trabalham com agricultura e saúde. Essas tendên-cias continuam a criar barreiras de compreensão e de ação.Há necessidade de mudanças mais fundamentais na ma-neira como percebemos a realidade, pensamos e agimos.Essa é uma questão fundamental, pois determina direta-mente as formas como procuramos engajar as pessoas e ascomunidades no processo de desenvolvimento.

De forma geral, os profissionais que atuam emprogramas de desenvolvimento rural criaram uma linhaarbitrária que divide os agricultores e as agricultoras. Cos-tumam atribuir aos homens ações ligadas à agricultura, eàs mulheres, ações ligadas à saúde. Sem atenção delibe-rada para tal construção de gênero, os benefícios de umbom alimento para uma boa saúde continuarão a ser dis-tribuídos desigualmente. Quando as mulheres e meninasestão sem saúde, toda a família e a comunidade sofrem asconseqüências. Além disso, temos muito a apreender comas relações interativas entre nossa agricultura, o ambien-te degradado, a tecnologia, as formas de integração aosmercados e o valor nutricional e a qualidade do alimento.

Nós e nossos parceiros estamos dispostos acontinuar explorando mais essas questões relacionadas àsinterações entre saúde e agricultura. Esperamos que ou-tros se juntem a nós nessa exploração.

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omo conseqüên-cia da RevoluçãoVerde, campone-

ses de toda a Indonésia foram incen-tivados a converter seus sistemas deprodução para monocultivos de ar-roz. A produção aumentou conside-ravelmente, atingindo resultadosimpressionantes em escala nacional.Programas governamentais tam-bém incentivaram o consumo de ar-roz com o objetivo de enfrentar adesnutrição no país. Por meio doPrograma Bem-estar Familiar dogoverno nacional, os camponesesconheceram, em 1994, os grãosbrancos e polidos de diferentes va-riedades de arroz de alto rendimen-to. Essa iniciativa foi posteriormen-te substituída pelo Programa ArrozPara os Pobres, pelo qual o gover-no, logo após a crise econômica de1997-1998, decidiu fornecer arrozsubsidiado para as famílias pobres.

Superando a desnutriçãoHira Jhamtani, Purnomosidi e Putu Anggia Jenny

Atualmente, cada família pobre estáhabilitada pelo programa a adquirir20 kg de arroz por mês, a um custode 1 mil rúpias/kg (aproximadamen-te US$ 0,22/kg).

Entretanto, na comunidade de Giyombong,localizada no distrito de Bruno, em Java Central, muitasfamílias preferem produzir seus próprios alimentos a terque comprar o arroz subsidiado pelo governo. Os hábitosalimentares locais são distintos daqueles da maioria dascomunidades javanesas. Por gerações, o leye, ou mandio-ca processada, é que tem sido o principal alimento básico.O arroz é consumido somente durante festividades ou ser-vido para visitas. “Se eu como arroz branco polido no caféda manhã, às 11 horas estou de novo com fome”, diz PakCipto, um camponês da comunidade. “Mas, se como leye,posso trabalhar até a uma hora da tarde sentindo o estô-mago cheio.”

O leye e a auto-suficiênciaalimentar

Giyombong é um excelente exemplo de umacomunidade auto-suficiente em alimentos, graças aos sis-temas de produção diversificados que se baseiam no em-prego de recursos locais. Os camponeses plantam quatro

Selecionando e limpando feijões

com cultivos e sistemas alimentares locais

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: Gita

Per

tiwi

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variedades de mandioca, conhecidas localmente comoPalengka, Randu, Lanteng e Tela Pait ou Jawa Ireng. Oplantio da mandioca é feito em todos os tipos de terra eocupa quase um quarto da área disponível para cada famí-lia. O arroz de sequeiro (arroz gogo) é plantado na esta-ção chuvosa em sistema de rotação com a mandioca. Já ashortaliças e outros cultivos de raiz, tais como batata-doce,gengibre e inhame, são plantados nas outras estações emassociação com a mandioca. A rotação e a associação doscultivos são realizadas de forma a sempre atender às ne-cessidades de alimentos e de dinheiro das famílias.

A tradição do consumo de leye teve início naépoca colonial como uma estratégia de sobrevivência doscamponeses frente à política de cultivo forçado impostapelos holandeses. Cada família era obrigada a cultivar 2/3de suas terras com espécies para a exportação em benefí-cio dos colonizadores. Dessa forma, restava apenas 1/3das terras para os cultivos alimentares. Em Giyombong,os agricultores conseguiram assegurar uma produção ali-mentar suficiente ao combinar os cultivos de arroz, demandioca e de hortaliças nessas limitadas áreas disponí-veis. Logo descobriram que o processamento da mandio-ca em leye constituía uma rica fonte de carboidratos quepoderia ser armazenada como garantia para eventuais que-das na produção.

Em função de sua localização isolada e das difi-culdades de acesso (a estrada só foi concluída em 2002),Giyombong não recebeu os programas governamentais deirrigação e de “melhoria da agricultura”, o que contribuiupara que se diferenciasse de outras comunidades da região.Esse fato explica o esforço dos camponeses locais para man-ter suas estratégias para assegurar a auto-suficiência alimen-tar fundamentadas em sistemas integrados de produção.

Enriquecendo a dieta localA melhoria do nível nutricional da população

tem sido o objetivo de programas de organizações gover-namentais e não-governamentais. Cabe ressaltar que apromoção de fontes diversificadas de alimentos acessíveisàs famílias pobres tem se mostrado uma abordagem maissimples e bem-sucedida para enfrentar a desnutrição doque o incentivo ao consumo de um único cultivo. A diver-sidade de cultivos produzidos organicamente, associada àrotação com cultivos de baixo valor nos mercados, mascom alto conteúdo de micronutrientes e proteínas, podefacilmente enriquecer a dieta e melhorar o nível de saúdedas famílias. Nesse sentido, a revalorização de espécies evariedades de plantas subutilizadas tem sido uma das es-tratégias empregadas pelos programas. Além de serem fa-cilmente encontradas localmente, essas espécies costu-mam ter boa resistência a pragas, a doenças e aos estressesclimáticos (secas, excesso de chuvas, etc). A reintrodução,a seleção e o melhoramento de variedades adaptadas lo-calmente também contribuem para enfrentar as deficiên-cias de micronutrientes na alimentação dos camponeses.

A preparação do leye

O leye é feito das raízes da mandioca JawaIreng. Essa variedade tem um gosto amargo se forconsumida sem ser processada. As raízes são limpas,cortadas em finas tiras de 0,5 cm e deixadas de mo-lho em água, durante duas noites. A água é trocadae as tiras ficam imersas por mais uma noite. Pode-setambém deixá-las em água corrente, no rio ou ria-chos locais. As tiras são posteriormente secas ao sol,durante a estação seca, ou no calor de um fogão decozinha, na estação das chuvas. Após dois dias desecagem, as tiras são deixadas em um cesto de bam-bu por uma noite. Em seguida, são socadas e trans-formadas em farinha. Adiciona-se água quente a essafarinha, forma-se uma massa que é passada em umapeneira para que se formem grãos arredondados, dotamanho do grão de arroz. O grão do leye é seco (aosol ou no fogão) e está pronto para ser cozido novapor e ser consumido. Os grãos de leye podem serestocados por até um ano. As raízes de três ou qua-tro pés de mandioca são suficientes para fazer leyepara o consumo de um dia de uma família. As raízessão colhidas quando as plantas têm entre um e doisanos. As famílias normalmente comem leye durantedois ou três dias consecutivos, alternando-os comum dia de consumo de arroz. Cada família tem umdepósito de alimentos, chamado grobog, no qualarmazenam arroz gogo, milho e leye. Em algunscasos, armazenam também biscoitos de mandio-ca. Um grobog é uma caixa de madeira mantidaem um local seco da cozinha.Dependendo de suasnecessidades, os camponeses freqüentementetrocam leye por arroz gogo, sendo que dois quilosde leye correspondem a um quilo de arroz.

Essa foi a estratégia utilizada por Gita Pertiwi,uma ONG baseada em Solo (Java Central), parareintroduzir, no povoado de Tegiri, variedades locais defeijão e, assim, diversificar a produção e o consumo ali-mentar. Desde os anos 1980, as abordagens da RevoluçãoVerde empregadas pelo governo alteraram os sistemas deprodução integrados que predominavam nessa comuni-dade. Os agricultores tornaram-se dependentes de varie-dades de alto rendimento, do uso de agrotóxicos e deadubos sintéticos que, no longo prazo, prejudicam o soloe reduzem a produtividade. Com o sistema de mono-cultura, os agricultores deixaram de plantar feijões e ou-tros cultivos, concentrando-se somente no arroz.

Os agricultores sabiam que organismos impor-tantes como minhocas e microorganismos não sobrevi-vem em solos degradados. Portanto, a intervenção inicialda Gita Pertiwi foi orientada justamente para a conserva-

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ção do solo com a recuperação da prática da adubaçãoorgânica junto aos agricultores. Com um grupo de mu-lheres agricultoras, também trabalhou a adoção de práti-cas de manejo integrado de pragas, de produção de adu-bo orgânico e de inseticidas naturais. Outra forma de me-lhorar a estrutura do solo foi a reintrodução do cultivo deleguminosas locais. Além disso, por meio de atividadesde identificação de variedades locais de feijão, realizadaspela equipe da Gita Pertiwi, junto com os agricultores,estudantes e professores das universidades locais, foramresgatadas 32 variedades na área em torno de Tegiri.

Durante o processo, as agricultoras do grupopuderam perceber os problemas decorrentes do uso dosadubos sintéticos e dos agrotóxicos. Foram orientadas aobservar as condições em que se encontravam seus solose cultivos, a presença de pragas e a demanda de águapelas plantas cultivadas. A equipe da ONG, por sua vez,analisou as dificuldades encontradas na reintrodução dasvariedades locais de feijão, um primeiro passo considera-do essencial na estratégia do trabalho. Identificaram,entre elas, a disponibilidade insuficiente de sementes, apresença de toxinas em algumas variedades de feijão (umperigo potencial para animais de criação), assim como ofato de que o processamento de alguns tipos de feijãorepresentava uma atividade tediosa, sobretudo para a novageração de agricultores. Outro aspecto importante foique alguns feijões não têm valor nos mercados.

Para superar esses problemas, a equipe da GitaPertiwi decidiu adquirir mais conhecimento sobre oprocessamento de feijões e identificar agricultores queainda tivessem essas sementes e que dominassem conhe-cimentos relacionados ao seu plantio e processamento.Trabalhos junto com universidades locais também foramdesenvolvidos para que outros conhecimentos e inova-ções relevantes fossem gerados.

Depois de várias safras, as mulheresparticipantes reconheceram as vanta-gens de um sistema de cultivo mais di-versificado. Percebendo que as varieda-des locais crescem bem com poucaágua, começaram a plantar milho as-sociado a elas na estação seca. As va-riedades locais também foram cultiva-das nas bordas das lavouras de arrozirrigado durante a estação da chuva.Experiências demonstraram ainda queesses feijões são bons adubos verdes,além de protegerem as plantas jovensde milho e de arroz.

A incorporação de feijões na agricultura localtrouxe benefícios econômicos e à saúde das famílias. Porestarem envolvidas no processo, as mulheres utilizaram

os feijões visando a assegurar uma dieta diversificada paraa família, melhorando a nutrição. Os excedentes sãovendidos no mercado local uma vez por semana, o queaumenta a renda familiar. Descobriu-se também que asvariedades locais pouco utilizadas (conhecidas comokoro) contêm proteínas que são comparáveis à soja.Além disso, muitos desses feijões podem ser consumi-dos quando ainda novos e verdes, enquanto os feijõessecos podem ser transformados em tempe (bolo de fei-jão fermentado) e lanches, ou até molho doce, substi-tuindo o tradicional molho doce de soja. Um exemploé o koro glinding - feijão fava (Phaseolus lunatus) -que pode ser processado em molho doce (da mesmaforma que o molho de soja). Finalmente, a Gita Pertiwitambém desenvolveu e compartilhou receitas culinári-as utilizando esses feijões, sempre baseadas nos siste-mas tradicionais de alimentação.

Uma alternativa a abordagensconvencionais

Os exemplos de Java Central revelam o quantoé fundamental observar e levar em conta os sistemas deagricultura e das culturas alimentares locais quando setem por objetivo alcançar a segurança alimentar e nutri-cional. Embora os camponeses em geral consigam produ-zir alimentos em quantidades suficientes, o enfren-tamento da desnutrição também depende da qualidade eda variedade dos alimentos consumidos.

Os dois exemplos apresentados mostram, por-tanto, a importância de procurar entender os sistemasalimentares e de produção locais, pois eles podem forne-cer a solução aos problemas de desnutrição enfrentadospela população rural. É nesse sentido que o conhecimen-to local exerce grande importância nas estratégias de com-bate à fome e à desnutrição.

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Hira Jhamtani, Purnomosidie Putu Anggia Jeny

[email protected]

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rivandrum é a ca-pital de Kerala, oestado mais ao

sul da Índia. A cidade é densamentepovoada e a maioria dos seus habi-tantes trabalha em escritórios dogoverno e do setor privado. Comoo valor da terra é bastante alto, secomparado com as áreas semi-urba-nas e rurais das imediações, as ha-bitações na cidade praticamente nãopossuem espaços disponíveis para oplantio de hortas e para a criação depequenos animais. As hortaliçasconsumidas na cidade geralmentevêm de plantações das regiões agrí-colas próximas ou do estado vizinhode Tamil Nadu.

A população do estado de Kerala possui altoíndice de alfabetização, chegando a quase 100% emTrivandrum. De forma geral, seus habitantes são conscien-tes em relação aos cuidados com a saúde e, por isso, a ori-gem dos alimentos que consomem desperta muito interes-se. Essas preocupações com a qualidade dos alimentos au-mentaram depois do estudo realizado pelo Departamentode Entomologia da Universidade de Agricultura de Kerala.Os resultados do estudo revelaram altos níveis de resíduosde agrotóxicos – bem acima do limite máximo – em amos-tras de hortaliças consumidas no estado e vendidas nosmercados da cidade. Além disso, o relatório ressaltava umasérie de riscos à saúde associados à presença desses resíduosnas hortaliças. O estudo foi amplamente divulgado na im-prensa e, em 2002, a Diretoria Estadual para Serviços deSaúde emitiu um alerta público sobre o assunto.

Incentivando o cultivonos terraços

Assim como alguns agricultores próximos aTrivandrum já produziam hortaliças organicamente hávários anos, algumas pessoas vinham cultivando hortali-ças na cidade há mais de uma década. Contudo, essa prá-tica era bastante desorganizada e pouco conhecida nacidade. Foi depois do alerta de saúde que alguns indivídu-os e associações de moradores passaram a pensar maisseriamente no cultivo de hortaliças nos terraços das casas.Após buscarem auxílio junto ao governo local, o Departa-mento de Agricultura do Governo de Kerala lançou ofici-almente, no final de 2002, um projeto denominado Agri-cultura na Cidade. O grande número de inscrições indivi-duais ou por parte de associações de moradores logo apóso lançamento demonstrou o grande sucesso da iniciativa.O programa foi popularizado pela imprensa, levando mi-lhares de habitantes de Trivandrum e de outras cidades deKerala a adotarem a prática de cultivar nos terraços.

Sementes de hortaliças, sacos de ráfia sintéticaou vasos de jardim, assim como ferramentas agrícolas, sãofornecidos aos interessados pela metade do preço. Tan-

Agricultura na cidade:alimentos saudáveis em

Trivandrum, ÍndiaG.S. Unni Krishnan Nair

Ter hortaliças frescas ao alcance da mão é somente umdos benefícios do programa Agricultura na Cidade. Osagricultores urbanos também podem consumir es-pécies que não são encontradas nos mercados.

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Aprimorando o modeloPor ser um processo simples e contínuo,

o preparo de vermicomposto foi recomendado atodos os agricultores urbanos. Ele pode ser feitoem tanques de concreto, a partir de manilhas utili-zadas em poços, em caixas d’água usadas ou mes-mo em caixas velhas de madeira. A alternativa maiscomum é utilizar os tanques feitos pelo Departa-mento de Agricultura, aproveitando as manilhas,que são vendidas por somente US$ 6 a qualquerprodutor interessado. Como elas têm cerca de 75centímetros de diâmetro podem ser utilizadas nopátio da casa, sem ocuparem muito espaço. Os agri-cultores precisam somente proteger as minhocasdas formigas (algo que pode ser feito facilmenteenchendo de água um anel colocado ao redor dabase do tanque) e evitar adicionar ao compostomateriais plásticos, vidros, óleos ou ingredientesmuito picantes, como a pimenta vermelha. Nessesistema, as minhocas crescem bem e se multiplicamfacilmente produzindo composto de altaqualidade.Considerando as limitações de espaço nasresidências urbanas, a criação de aves domésticastambém é uma alternativa viável, mas que requercuidados adicionais. Alguns produtores urbanosutilizam galinheiros de madeira que podem acomo-dar até 10 aves. Elas são soltas no terraço na horada alimentação. O calor do terraço é um problemaque pode ser resolvido com o uso de uma lona plás-tica verde sobre o galinheiro ou colocando o gali-nheiro debaixo da copa de um coqueiro (a maioriadas casas urbanas em Kerala tem pelo menos umcoqueiro no pátio da casa). As galinhas podem seralimentadas com restos de alimentos, alga azola oufolhas de chekurmanis (planta da família daseuforbiáceas nativa da Ásia - Sauropus androgynus)ou de moringa (Moringa oleifera).

ques de concreto, feitos com manilhas, também podemser adquiridos pela metade do preço, incentivando osprodutores urbanos a produzirem vermicomposto (verQuadro).

Cursos organizados pelo Departamento Es-tadual de Agricultura em colaboração com as associa-ções de moradores (presentes em cada bairro da cida-de) foram oferecidos gratuitamente. A aula teórica égeralmente realizada com a apresentação de slides so-bre práticas de agricultura urbana. Na maioria das ve-zes, essas aulas são seguidas por visitas a dois ou trêsterraços cultivados. Assessores do programa visitamos novos terraços cultivados e encorajam os agriculto-res urbanos a manterem contato entre si e a buscaremorientações adicionais. Artigos sobre cultivo em terra-ços passaram a ser publicados nos jornais locais.

Agricultura urbana

Até o momento, cerca de duas mil fa-mílias de Trivandrum incentivadas peloprograma praticam agricultura nos ter-raços . Muitas outras fazem o mesmopor conta própria. O mais comum é ocultivo em sacos de ráfia sintética ouem vasos com uma mistura de duaspartes de terra, uma parte de areia euma parte de vermicomposto (ouqualquer outro adubo orgânico dispo-nível, como esterco seco de gado, degalinha ou de cabras). Os sacos ouvasos são colocados sobre tijolos paraevitar o contato direto com a super-fície do terraço.

Muitas hortaliças podem ser plantadasnos sacos. Algumas famílias chegarama plantar inhame, mandioca, abacaxie banana. A rotação de cultivos parareduzir pragas é recomendada e a irri-gação precisa ser feita cuidadosamen-te para que a água não se infiltre noterraço. Se todos os membros da famí-lia tiverem que sair e a irrigação nãopuder ser feita, recomenda-se que dei-xem sacos cheios de água com peque-nos furos sobre as plantas. O vermi-composto, o esterco seco de gado, ocomposto comum ou a torta de nimsão periodicamente utilizados comoadubo. Há também famílias que culti-vam em pequenas estufas.

O senhor.K.P. Pillai cultiva seu terraço há 30anos. Ele é um exemplo para os outros participantes doprograma. Seu terraço possui uma área de apenas 74 m²onde cultiva hortaliças em vasos de cimento e em pneusvelhos. Ele junta esterco de cabras de uma comunidade ruralvizinha e, depois de seco, o armazena em sacos de ráfia sin-tética. Esse esterco fornece a maior parte dos nutrientespara as suas plantas, embora ele também utilize esterco degado seco em pó, farinha de osso e torta de amendoim.

O Sr. Pillai foi um dos primeiros a se inscrever noprograma. Atualmente produz vermicomposto e as pragassão controladas com uma solução de sabão, que consisteem dissolver 4-5 colheres de sabão em pó em um balde deágua. Ele aprendeu com sua própria experiência quais asespécies de hortaliças melhor se adaptam ao seu sistema de

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cultivo e prefere produzir suas próprias sementes. Sobre oterraço tem treliças para servirem de suporte a plantas trepa-deiras, como as cucurbitáceas (família da abóbora). Árvoresfrutíferas, como o mamoeiro e a bananeira, também são plan-tadas. Ele e a esposa dedicam uma hora pela manhã e umahora pela tarde às atividades no terraço e vêem muitas van-tagens nelas.

A partir do exemplo do Sr. Pillai, muitas famíliastambém estenderam lonas para sombrear o terraço, sob asquais podem criar galinhas em pequenos galinheiros. Outrasfamílias optaram por cultivar a alga azola em tanques feitoscom lona para usá-la como adubo de cobertura para as plan-tas e como alimento para as aves. As pragas são controladascom catação manual, com iscas-armadilha, com soluções desabão ou com inseticidas à base de vegetais, tais comodecocção de fumo, suspensões de semente de nim e emulsõesde óleo de nim-alho. Muitas famílias têm observado que osataques de pragas não são severos pelo fato de os terraçosreceberem bastante luz solar direta.

Ligações urbano-rurais

Os agricultores das áreas rurais estão atentos àsmudanças nas tendências de consumo na cidade. Eles sabemque os cultivos nos terraços estão ganhando popularidade emfunção do interesse pela saúde, mas não consideram isso umaameaça imediata aos seus meios de vida. Afinal, os produtoresurbanos não produzem todas as hortaliças e frutas necessáriaspara as suas famílias e, portanto, ainda precisam comprar deagricultores. Mas os produtores urbanos agora são muito maisseletivos. Por exemplo, bananas com aparência muito boa, masproduzidas com altas doses de adubos químicos e agrotóxicos,são sempre evitadas, não somente pelos produtores urbanos,mas também pela maioria dos consumidores urbanos. Diantedisso, alguns agricultores, isoladamente ou em grupos, começa-ram a reduzir o uso de químicos e a aprender práticas da agricul-tura orgânica com os extensionistas do Departamento de Agri-cultura. Alguns até vendem seus produtos como orgânicos,

embora não sejam comuns os sistemas de certificação dehortaliças orgânicas em Kerala. São os próprios consumido-res que julgam se a produção vendida é ou não orgânica –em geral, sabe-se que produtos orgânicos não são tão gran-des e podem ter algumas manchas de mordidas de insetos,mas são mais saborosos.

Além disso, os produtores urbanos continuampreferindo comprar sementes de hortaliças diretamente dosagricultores rurais em vez de adquirir no mercado, uma vezque acreditam que aquelas variedades que vêm sendo culti-vadas por muitas gerações são melhores. Além das semen-tes, também adquirem estercos dos agricultores rurais que,com isso, têm a oportunidade de diversificar a venda de pro-dutos de suas propriedades.

BenefíciosUma avaliação dos resultados do programa Agricul-

tura na Cidade comprovou que os cultivadores de terraço conse-guem produtos frescos da horta e ovos livres de resíduos quími-cos – especialmente quando comparados com aqueles vendidosnos mercados. As famílias afirmam também que poupam dinhei-ro com essa prática. Estima-se que algo em torno de mil tonela-das de hortaliças são produzidas por ano pelos agricultores urba-nos em seus terraços. Enquanto os custos de produção para ocultivo de hortaliças em um terraço de 40 m² podem chegar a 5mil rúpias por ano (aproximadamente US$ 100), o valor produ-zido pode facilmente ultrapassar 40 mil rúpias.

Inspiradas pelo sucesso do programa, as autorida-des locais em Trivandrum lançaram um novo projeto este anocujo objetivo é envolver as crianças no cultivo em terraços emsuas casas. Ao mesmo tempo em que promove uma atividadeeducativa para as crianças, o novo projeto estimula seus pais aassimilarem essa prática. O projeto distribui gratuitamente umkit contendo sementes de hortaliças, adubo orgânico seco empó e duas mudas de banana a alunos de 20 escolas na cidade.

Outros benefícios foram mencionados por agentespúblicos de saúde. Como resultado de estilos de vida ocupadose acelerados, mas sedentários, muitas pessoas de meia-idade eidosas na cidade têm problemas de saúde, como obesidade,pressão alta, diabetes ou elevados níveis de colesterol. Ao inici-arem a prática de plantio em terraços, essas pessoas passaram ase exercitar diariamente, o que é uma medida preventiva contramuitos desses problemas. Ao mesmo tempo, o lixo das casas foimuito reduzido, pois boa parte dos restos orgânicos são recicladospara a produção de vermicomposto.

O Sr. Pillai menciona que, ao cultivar seus própriosvegetais, pode consumir espécies raramente disponíveis no mer-cado, inclusive algumas que possuem propriedades benéficas àsaúde. Citando o Sr. Pillai: “Acima de tudo, o sabor e a satisfa-ção de comer algo produzido com as próprias mãos não podemser expressos em palavras.”

G.S. Unni Krishnan NairDepartamento de Agricultura do Governo de Kerala

[email protected]

Os terraços das casas em Trivandrum estão cheios de hortali-ças, mostrando o quanto pode ser plantado na cidade apesardas limitações de espaço.

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Agriculturas - v. 4 - no 4 - dezembro de 2007 29

Agrotóxicos x saúde:a atualidade de uma velha agenda

A denúncia sobreos riscos dosagrotóxicos para

a saúde humana e o ambiente e aluta por uma legislação restritiva aouso desses produtos foram temascentrais na agenda do movimento deagricultura alternativa na segundametade dos anos 1980 e no início dadécada de 1990. Cerca de vinte anosdepois, entretanto, a problemáticacontinua absolutamente atual.

Segundo dados da Associação Brasileira da In-dústria Química (Abiquim), citados pela Agência Nacio-nal de Vigilância Sanitária (Anvisa), o consumo deagrotóxicos no Brasil praticamente dobrou entre 2002 e2006, ano em que as vendas desses produtos atingiramum faturamento total de R$ 3,9 bilhões, com destaquepara os herbicidas.

Para 2007, o Sindicato Nacional de Produtospara Defesa Agrícola (Sindag) prevê uma receita de atéR$ 4,6 bilhões para o setor. A expansão da área cultivadados grãos e o avanço da monocultura da cana-de-açúcar –impulsionado pelas exportações de açúcar e pelo aumen-to da demanda por etanol – contribuíram, sem dúvida,para esse crescimento.

Os níveis de exposição direta e indireta aosagrotóxicos no Brasil também são bastante elevados. Noperíodo entre 1996 e 2001, foram registradas no SistemaNacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox)34.783 intoxicações de origem ocupacional, 32,9% dasquais identificadas como sendo causadas por agrotóxicose afins. Vários estudos têm apontado, no entanto, aslimitações das fontes oficiais de informação, chamandoatenção para o fato de que o número de intoxicações emortes é significativamente superior ao número de casosregistrados.

Os riscos também se fazem presentes, diaria-mente, na mesa do consumidor: 28,68% das amostras de

alface e 37,68% das amostras de morango analisadas pelaAnvisa através do Programa de Análise de Resíduos deAgrotóxicos nos Alimentos (Para), em 2006, continhamníveis de resíduos acima dos limites estabelecidos pela le-gislação ou apresentaram resíduos de produtos não auto-rizados para a cultura.

Nos últimos anos, fortes pressões vêm sendofeitas pelas indústrias e por diversos setores ligados aoagronegócio no sentido de flexibilizar os critérios de im-portação e simplificar os procedimentos de registro dosagrotóxicos no Brasil. Em dezembro de 2006, o GovernoFederal publicou um decreto modificando o Decreto4.074/2002, cuja mudança mais significativa envolveu acriação de procedimentos mais simplificados para o regis-tro de produtos por equivalência, utilizando como refe-rência testes realizados em produtos já registrados.

Na seqüência foi criada uma força tarefa, coor-denada pela Casa Civil, com a participação dos ministériosda Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Saúde (Anvisa)e Meio Ambiente (Ibama), com o objetivo de tornar maisrápido o registro de produtos novos ou por equivalência.Ou seja, acelerar a liberação de novos produtos é hoje umponto central na pauta do governo nessa matéria.

A agilização dos trabalhos da força-tarefa temsido sistematicamente cobrada pela Associação Nacionalde Defesa Vegetal (Andef), pelo Sindag e por represen-tantes de empresas específicas, interessadas em colocarseus produtos no mercado.

Ao mesmo tempo, tramitam hoje no Congres-so Nacional diferentes projetos visando flexibilizar a atuallegislação. Um deles, o Projeto de Lei 6189/05, encami-nhado pela então deputada Kátia Abreu (PFL-TO), pro-põe que o registro de produtos equivalentes ou genéricosde agrotóxicos seja atribuição exclusiva do Ministério daAgricultura. Atualmente, o registro de qualquer novo pro-duto precisa passar também pelos ministérios da Saúde e

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1 ANVISA. Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA)– Relatório de Atividades 2001-2006. Brasília, 15 de agosto de 2007. p. 92 Ver: www.sindag.com.br/noticia.php?News_ID=5343 SILVA, J. M. da, FARIA, H.P. e PINHEIRO, T. M. M. Agrotóxico e trabalho: umacombinação perigosa para a saúde do trabalhador rural. Revista Ciência e SaúdeColetiva, ano 10, n0 4, out-dez. 2005. p. 891-903. p. 899.4 ANVISA, op.cit., p. 17-18.

Entrevista concedida à Cláudia Job Schmitt

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do Meio Ambiente. A mudança proposta, se aprovada,poderá levar a uma desestruturação do atual sistema deregulação estatal de produção, comercialização e utiliza-ção dos agrotóxicos no Brasil.

Para aprofundar esse debate a Revista Agricul-turas entrevistou quatro pessoas que atuam dentro dotema a partir de distintas inserções.

Mara Regina Tagliari Calliari Martin possui graduação emEnfermagem e Obstetrícia pela Universidade de Pas-so Fundo (UPF) e Doutorado em Toxicologia pelaUniversidade de São Paulo (USP). Pesquisa, desde osanos 1980, os impactos dos agrotóxicos sobre a re-produção e a saúde humana. Atua também como con-sultora na área de toxicologia, realizando laudos téc-nicos periciais.

Alfredo Bennato é Mestre em Saúde Coletiva pela Facul-dade de Ciências Médicas da Unicamp. Especialistaem Saúde Pública e em Planejamento e Desenvolvi-mento de Recursos Humanos para a Saúde. Entre 1999e 2001, foi gerente geral de toxicologia da Anvisa.Trabalha atualmente como assessor da presidênciada Empresa Paranaense de Classificação de Produtos(Claspar).

Jaime Weber é engenheiro agrônomo, formado pela Uni-versidade Federal de Pelotas (RS). É, atualmente, co-ordenador do Núcleo de Santa Cruz do Sul (RS) doCentro de Apoio ao Pequeno Agricultor (Capa), enti-dade ligada à Igreja Evangélica de Confissão Luteranano Brasil (IECLB) e que atua no apoio a experiênciascomunitárias, com base nos princípios da agroecologiae da cooperação. É também o representante, no Bra-sil, da Rede de Ação em Praguicidas e suas Alternati-vas para a América Latina (RAP-AL).

Élio Rodrigues dos Santos é agricultor familiar no municí-pio de Passo do Sobrado (RS) e pertence à Associa-ção de Agricultores Familiares do Cerro dos Cultiva-dos. Há aproximadamente dois anos, assessorado peloCapa, começou a redesenhar sua propriedade com basenos princípios da agroecologia, mostrando que é pos-sível, ao longo do tempo, abandonar o emprego deagrotóxicos. Sua produção é comercializada direta-mente ao consumidor na feira local.

Prof. Mara, atualmente o Brasil é o terceiro maiorconsumidor de agrotóxicos do mundo e o primeiro daAmérica Latina. Sabemos que a exposição aos agro-tóxicos, seja pela ingestão de alimentos contaminados,seja pelo contato direto, pode causar sérios danos à saúde.Quais os riscos da utilização de agrotóxicos para a saúdehumana?

A exposição direta ou indireta aos agrotóxicospode causar intoxicações agudas, acompanhadas de sin-tomas, como a náusea, mas também diversos efeitos crô-nicos, como o câncer, a depressão, alergias respiratórias,dermatites, genotoxicidade (mutagênese), alterações na

reprodução, efeitos sobre o desenvolvimento e má forma-ção congênita.

A análise e monitoramento dos impactos causados pelouso de agrotóxicos sobre a saúde dos brasileiros ainda semantêm como um desafio. Como você vê essa questão?

O maior desafio continua sendo a prevençãodos agravos potenciais dos agrotóxicos à saúde humana ede seus impactos sobre a preservação de todas asespéciese do meio ambiente. Esse trabalho de prevenção passa pordiversas questões: educação; formação de recursos huma-nos; acesso à informação pelos agricultores; informaçãoadequada no rótulo dos agrotóxicos; assistência técnicaadequada; e trabalhar sob o enfoque agroecológico.

Existem fortes pressões no sentido da flexibilização decritérios e procedimentos de registros de agrotóxicos noBrasil. Isso poderia trazer de volta ao mercado uma sériede produtos que hoje são proibidos. Quais seriam asconseqüências de uma flexibilização desse tipo?

Muitos produtos poderiam voltar ao mercado.Porém, estaríamos na contramão da história, pois a Co-missão de Meio Ambiente da Comunidade EconômicaEuropéia, por exemplo, exigiu a adoção de metas de cum-primento obrigatório que reduzam o uso de químicos.

Quais seriam as implicações da volta desses produtos aomercado sob uma perspectiva de saúde pública?

Estaríamos numa situação ainda mais crítica. Ain-da que os efeitos sobre a saúde dependam de fatores ligadosao estilo de vida, no caso dos agrotóxicos, vários aspectosdevem ser considerados. Por exemplo, a pouca idade podetornar um indivíduo mais suscetível. Segundo a Rede deAção Européia contra os Praguicidas, as crianças são muitomais vulneráveis aos efeitos dos agrotóxicos do que os adul-tos, tendo um risco 164 vezes maior. Outro fator importan-te é a má nutrição. Um organismo malnutrido não tem aquantidade necessária de micronutrientes para secretar as

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enzimas hepáticas que fazem a biotransformação e elimi-nam esses agentes maléficos.

E quais os desafios que estão colocados para a sociedadebrasileira dentro desse tema?

Um dos maiores desafios da sociedade brasilei-ra é o cumprimento das leis, embora a nossa legislaçãoesteja entre as mais avançadas do mundo. Temos casos,por exemplo, em que produtos que são permitidos nospaíses desenvolvidos não obtiveram registro no Brasil. Issomostra os esforços que alguns órgãos governamentais têmempreendido no sentido da interpretação da lei segundoo princípio da precaução. Isso é um avanço, pois há algunsanos ocorria justamente o contrário. Agrotóxicos proibi-dos em seus países de origem eram utilizados nos paísesem desenvolvimento. Esses mesmos produtos acabavamsendo, em muitos casos, registrados como medianamenteou pouco tóxicos, colocando em risco a população, sejapela exposição dos agricultores ou dos trabalhadores daindústria química, seja através da contaminação do con-sumidor – por acidentes ou pela ingestão de água ou dealimentos contaminados. Outro risco para a população éque, quando produtos mais tóxicos ao organismo são per-mitidos, o desafio de monitorá-los é ainda maior, uma vezque em algumas regiões do Brasil os laboratórios de aná-lises toxicológicas ainda são insuficientes. Para finalizar, odesafio passa pela educação da população e pela preven-ção dos agravos à saúde. Na luta por uma melhor qualida-de de vida e pela preservação de todas as espécies, não sedeve levar em conta apenas os interesses e ganhos econô-micos. Segundo a eurodeputada francesa Marie Anne IslerBéguin: "A indústria e os governos ditam nossa políticasobre os agrotóxicos e isso prejudica realmente o meioambiente e a saúde das pessoas. É necessário que os legis-ladores enfrentem a indústria química."

Benatto, a legislação que regulamenta os agrotóxicos noBrasil foi resultado de todo um processo de luta emobilização da sociedade civil brasileira que remonta àdécada de 1980. Como se deu esse processo e quais foramas principais conquistas obtidas?

A disseminação das monoculturas no Brasil apartir dos anos 1960, sobretudo em regiões caracteriza-das ecologicamente por uma grande diversidade biológi-ca, gerou um aumento incontrolável da incidência de pra-gas e doenças na agropecuária, reforçando, em uma espi-ral ascendente, o uso indiscriminado de agrotóxicos.

A constatação dos problemas resultantes des-sa prática e a pressão da sociedade civil organizada, princi-palmente nos estados onde o uso de agrotóxicos era maisintenso, deram início ao estabelecimento de legislaçõesestaduais próprias para o controle desses produtos. Atéentão, a única regulamentação federal existente para osetor era o Decreto Lei 24.114, de 12 de abril de 1934,que regulamentava a Defesa Sanitária Vegetal, considera-

do ultrapassado frente às inovações tecnológicas e à reali-dade brasileira.

As leis estaduais foram criadas tendo como re-ferência o estado do Rio Grande do Sul, que, em 1982,regulamentou os poderes do estado para exercer o con-trole de agrotóxicos e outros biocidas. Essa lei estabeleciao cadastramento prévio dos produtos no Departamentode Meio Ambiente da Secretaria de Saúde e Meio Ambien-te. O mesmo estado publicou dois decretos, um deles dis-pondo sobre a proibição do uso de organoclorados e ooutro instituindo a obrigatoriedade da emissão do recei-tuário agronômico.

Em 1985, o Ministro da Agricultura proibiu acomercialização, o uso e a distribuição dos organocloradosdestinados à agropecuária através de uma portaria. Já aLei 7.802, que regulamenta, em nível nacional, osagrotóxicos e afins, só foi sancionada em julho de 1989. Otexto aprovado dispõe sobre um amplo conjunto de ques-tões relacionadas ao tema, incluindo: normas e procedi-mentos para o registro de produtos; cadastramento ouimpugnação do registro dos produtos e das empresas;normas para embalagens e rótulos; limites à veiculação depropaganda comercial; estabelecimento de destino finalde resíduos e embalagens; transporte de agrotóxicos,componentes e afins; competências para inspeção e fis-calização; infrações, sanções e penalidades; entre outras.Dentre os vários pontos importantes presentes nessa le-gislação está o receituário agronômico, que, apesar dasdistorções existentes em sua implantação eoperacionalização, representa um marco técnico na raci-onalização do uso desses produtos.

Quais são os principais desafios que você vê naimplementação da atual legislação?

Acredito que os órgãos de regulação, em espe-cial a Anvisa, deveriam ser mais atuantes junto às secreta-rias estaduais de saúde, promovendo debates, semináriose criando condições via os instrumentos de pactuação,para que a questão dos agrotóxicos se tornasse uma prio-ridade dentro do contexto vigilância sanitária.

É preciso também compreender que, apesar dea Anvisa ter ampliado o quadro da gerência geral detoxicologia nos seus poucos anos de existência, os recur-sos humanos disponíveis ainda são muito limitados para oenorme universo de estudos que devem ser elaborados.

Além disso, diversos sistemas de informaçãodevem ser criados. É necessário ainda alocar recursos fi-nanceiros específicos para o desenvolvimento da infra-es-trutura básica, em que a questão dos laboratórios de aná-lises toxicológicas representa a prioridade absoluta.

Enfim, há muito o que fazer na implementaçãoda legislação atual. Acredito que, assim como os america-nos, nós deveríamos reunir forças a fim de que todos possa-mos entender que os agrotóxicos são um grande problemade saúde pública e que seu uso deve ser disciplinado e con-trolado pelas áreas de saúde e meio ambiente. Na minha

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5 Para saber mais sobre a trajédia de Tauccamarca veja artigo na página 21 da ediçãoV.3, N.1 da Revista Agriculturas (abril de 2006).

opinião, o setor da agricultura deveria ser retirado desse pro-cesso. Afinal, seu papel tem sido irrelevante no controledesses produtos. Aliás, muito pelo contrário, foi a agricultu-ra nacional que aderiu ao modelo da Revolução Verde, dis-seminando essa praga tecnológica denominada agrotóxicoe fazendo a mesma coisa agora (embora não tão às clarascomo antes) com a questão dos transgênicos.

Jaime, as discussões hoje em andamento no Mercosulpodem afetar profundamente as legislações dos países eseu processo de implementação. Quais as possíveisimplicações da liberalização do comércio de agrotóxicosno Mercosul?

A liberação do comércio de agrotóxicos noâmbito do Mercosul significa anular as iniciativas anterio-res para estabelecer regulamentações nacionais mais res-tritas sobre agrotóxicos e, portanto, burlar as disposiçõesnacionais de proteção da saúde, do ambiente, dos traba-lhadores e dos consumidores..

Um esforço de harmonização das regulamenta-ções, que leve à liberação do comércio de agrotóxicos,corresponde a iniciativas e pressões antidemocráticas dastransnacionais de agrotóxicos para obrigar os países a su-primir ou substituir suas normas e processos de regula-mentação adotados em nível nacional por normas unifor-mes. O problema é que tais regras globais em geral sãoelaboradas a portas fechadas por organismos internacio-nais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC),com a efetiva participação da indústria. Ou seja, a verdadeé que as transnacionais de agrotóxicos se unem, promo-vendo a harmonização ou a liberalização, para chegar aum mínimo denominador comum de padrões decomercialização que as beneficiem.

Nem todos os países do Mercosul possuem re-gulamentações restritivas, assim como também em mui-tos deles não é necessário que a aprovação do registropasse pelos ministérios da Saúde e do Ambiente.

O Paraguai, por exemplo, tem mais de 2,2 milagrotóxicos registrados. Já o Brasil tem muito menos:aproximadamente 1,2 mil. A legislação paraguaia, ao con-trário da brasileira, não exige a aprovação dos órgãos res-ponsáveis pela saúde e pelo ambiente para que umagrotóxico seja registrado. Assim, em outras palavras,bastaria que existisse um só país, onde não houvesse regu-lamentações restritas, para que por essa via pudessem en-trar todos os tipos de venenos nos demais países. Dessaforma, os países seriam obrigados, mesmo sendo funda-mentalmente diferentes e com níveis muito distintos deproteção ambiental e de saúde, a aceitar o princípio daequivalência. Consistiria, portanto, em aceitar que a re-gulamentação do Brasil fosse a mesma que a do Paraguai.

Jaime, a luta pela redução e eliminação do uso deagrotóxicos e a busca de alternativas ao atual modelotecnológico levou à criação de uma rede que hoje integradiferentes paises, a Rede de Ação em Praguicidas e suas

Alternativas na América Latina (RAP-AL). Fale um poucodo trabalho desenvolvido pela RAP-AL no Brasil e nosdemais paises.

A Rede de Ação em Praguicidas e suas Alterna-tivas para América Latina e Caribe (RAP-AL) nasceu comum duplo objetivo: lutar para reduzir e eliminar o uso deagrotóxicos e promover o desenvolvimento de uma agri-cultura socialmente justa, ecologicamente sustentável eeconomicamente viável, que permita alcançar a soberaniaalimentar dos povos. Além disso, visando contribuir paraa proteção da biodiversidade e o desenvolvimento daagroecologia, a RAP-AL questiona fortemente os culti-vos transgênicos e os agrocombustíveis.

Os membros da RAP-AL, em aliança com orga-nizações sociais e ambientais, realizam diversas ações paragerar consciência sobre os impactos negativos da agricul-tura convencional nos ecossistemas e na saúde da popula-ção, particularmente os relacionados com o uso deagrotóxicos e cultivos transgênicos.

Isso inclui apoio técnico e solidário a comuni-dades afetadas, como tem ocorrido nos casos emblemáticosde Chiquinquirá, Colômbia, onde morreram 61 crianças e27 adultos após consumirem pão contaminado comparatión (25/11/1967); Tauccamarca, Peru, onde a in-toxicação massiva com o mesmo inseticida tirou a vida de24 crianças (22/10/1999) ; e Itapúa, Paraguai, ondemorreu Silvino Talavera, de apenas 11 anos, intoxicadocom Roundup (mistura de glifosato e sulfactantes) ecipermetrina (7/01/2003). Esse foi o primeiro caso emque se conseguiu uma condenação judicial contra os cul-pados, os poderosos produtores de soja da região.

A rede dispõe de uma base de dados em espanholsobre agrotóxicos, disponível na Internet (www.rap-al.org),uma revista, a Enlace, e vídeos institucionais de difusão.Mantém também uma ação permanente de promoção dealternativas ecológicas e feiras de intercâmbio de sementesautóctones, que ganham cada vez mais espaços.

Uma das iniciativas mais exitosas desenvolvi-das pela RAP-AL em termos de incidência em políticaspúblicas são os seminários sub-regionais denominados Di-álogos ONGs/ governos sobre convênios internacionaise problemáticas locais relacionadas com agrotóxicos. Es-ses encontros vêm sendo realizados a cada ano desde2001 nas sub-regiões Mesoamérica e Caribe, Andina eCone Sul, com a participação dos maiores especialistasde cada país em assuntos de agrotóxicos e outros tóxi-cos. Por meio deles, busca-se exercer o direito cidadão departicipar no processo de implementação emonitoramento da legislação nacional e internacionalsobre agrotóxicos no marco dos Convênios de Estocolmosobre Contaminantes Orgânicos Persistentes (COPs);Rotterdam, sobre Consentimento Fundamentado Prévio

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a(PIC); e Código de Conduta da FAO.No contexto dos Diálogos e

de uma crescente participação cidadã,a RAP-AL avançou bastante na obten-ção de informações que deram consis-tência à sua campanha pela erradicaçãodos agrotóxicos mais tóxicos, os extre-mamente e altamente perigosos, segun-do a classificação da Organização Mun-dial da Saúde (OMS). Em alguns casos,como Paraguai, Uruguai, México, Perue Chile, tramitam novas normativas eprojetos de lei orientados para a redu-ção e eliminação dos agrotóxicos quecausam mais danos no âmbito agrícolae doméstico.

As campanhas que exigemjustiça para os casos de morte massivade crianças têm especial significado,como os casos de Tauccamarca (Peru) e das vítimas deintoxicações por pulverizações aéreas em cultivos de ba-nana na Nicarágua, Costa Rica e Honduras. Continuamtambém as campanhas pela proibição do paraquat elindano, lideradas por Costa Rica e México, respectiva-mente. Há ainda as denúncias sobre os efeitos das aplica-ções em cultivos de soja transgênica no Paraguai e Ar-gentina, em setores frutícolas e florestais do Uruguai eChile, assim como a campanha para deter as pulveriza-ções aéreas em cultivos de coca na Colômbia e Equador,com nefastas conseqüências para a população e o ambi-ente. Em alguns casos, o impacto político dessas campa-nhas tem contribuído para o estabelecimento de novosregulamentos e normas para a proibição de certosagrotóxicos.

O caminho percorrido não apenas tem redo-brado nossas energias para seguir adiante em busca dosonho de uma América Latina livre de venenos etransgênicos, como também tem proporcionado alimen-tos sadios e uma melhor qualidade de vida para todos.

Élio, sabemos que os agricultores e agricultoras são atores-chave na luta contra os agrotóxicos e na construção dealternativas ao atual modelo de agricultura. Vocêtrabalhou, durante muito anos, utilizando agrotóxicos.Quais foram os fatores que influenciaram a sua decisão denão mais utilizar esses produtos?

Uma das coisas que comecei a notar quandodiminuí o uso dos venenos foi o quanto me faziam mal,embora antes eu achasse que não. Outro fator é a preser-vação do ambiente. A terra está doente. Temos que tra-balhar para recuperar. A minha terra está doente e eu nãosabia. Eu não tinha conhecimento sobre os danos dosagrotóxicos. A partir do trabalho com o nosso grupo, doscursos e da assessoria do Capa é que eu comecei a enten-der. Aqui na região, o principal assunto dos agricultores éo veneno. Os agricultores discutem o preço dos venenos

e avaliam qual é o melhor, o que mais mata. Eu ficopensando que eu fazia dessa forma, com os venenos, ehoje estou consciente do que o veneno faz. A partirdesse trabalho com o Capa, nós estamos também con-sumindo produtos ecológicos. O produto ecológico seconserva por mais tempo. Antes eu colhia a cebola eela apodrecia rápido, mas agora ela fica mais enxuta.Além disso, há uma preferência dos consumidores peloproduto ecológico. Até médicos nós já temos comoclientes da feira. O consumidor pergunta se tem vene-no e às vezes até cheiram o produto. Dizem que o pro-duto que tem veneno não tem o cheiro característico.Comentam ainda que os produtos da feira são mais fres-cos e mais saborosos. Assim, minha decisão de pararcom os venenos compensa também economicamente.O mercado existe, mas depende da nossa capacidadede produzir. Tem que ter persistência para fazer essetipo de trabalho. Estou num processo de transição e jádiminuí 50% o cultivo do fumo. Inclusive no fumo eudiminuí o uso de veneno. A tendência é não produzirmais fumo.

É possível praticar uma agricultura sem venenos? Quais asalternativas existentes?

Sim, é possível. As alternativas são os diferen-tes tipos de fertilização, como biofertilizantes, compos-to orgânico, caldas e outros. Eu aproveito tudo. Até apalha da cebola que eu limpei foi para o composto. Tudoé aproveitado. Hoje nós não encontramos nenhuma difi-culdade de comercializar. Isso até me surpreende. O mer-cado existe, o que ainda nos falta é maior volume de pro-dução. Os nossos clientes não são apenas da cidade, tam-bém vendemos muitos produtos para os próprios agricul-tores. Nós até já estamos comercializando vários produ-tos sem sair de casa. Tudo pode ser produzido sem vene-no. É preciso apenas melhorar a terra e utilizar técnicasadequadas.

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6 O relato sobre o acidente em Lucas do Rio Verde (MT) foi elaborado como apoio do engenheiro agrônomo James Frank Mendes Cabral, da Federa-ção de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) que, represen-tando o Fórum Mato-Grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento(Formad), acompanhou o levantamento das causas e impactos do episódiode contaminação.7 PIGNATI, W. A.; MACHADO, J. M. H.; CABRAL J.F. Acidente ruralampliado: o caso das “chuvas de agrotóxicos” sobre a cidade de Lucas do RioVerde-MT. Ciência e Saúde Coletiva, (1): 105-114. 2007.8 IBGE. Censo Demográfico de 2000. Ver: www.ibge.gov.br

Chuva de agrotóxicos sobre Lucas do Rio Verde (MT): acidente ouresultado esperado em um sistema de alto risco?

O episódio de contaminação ocorrido emLucas do Rio Verde em 2006 é um exemplo contun-dente dos danos à saúde e ao ambiente gerados peloatual modelo agrícola. É demonstrativo também dasdificuldades enfrentadas pelas populações atingidasquando se trata de garantir o cumprimento da legis-lação vigente, responsabilizando seus infratores.

Lucas do Rio Verde localiza-se na regiãoMédio Norte do estado do Mato Grosso, na transi-ção entre o Cerrado e a Floresta Amazônica. A exem-plo do que ocorre na maioria dos municípios mato-grossenses dessa região, predominam ali grandes áre-as de monocultura, mecanizadas e altamente depen-dentes do uso de insumos químicos. Entre os princi-pais produtos cultivados figuram a soja, o milho, oarroz e o algodão.

No ano de 2005, segundo o somatório dassegundas vias do receituário agronômico fornecidaspelo Instituto de Defesa Agropecuária do Estado deMato Grosso (Indea-MT), foram utilizados em Lucasdo Rio Verde 2.978.851 kg de agrotóxicos (produtocomercial). A média de aplicação estimada foi de 8,5kg de agrotóxicos por hectare plantado; ou exposi-ção de 102 kg de agrotóxicos por habitante/ano; ou682 kg/habitante rural/ano. Ou seja, em 2005, a po-pulação de Lucas do Rio Verde ficou exposta poten-cialmente aos agrotóxicos seis vezes mais do que amédia estadual (17kg/hab./ano), ou 8 vezes mais doque a média por habitante rural do Mato Grosso(85kg/hab. rural/ano) .

A cidade, com 16.145 habitantes , érodeada de lavouras, principalmente de grãos. Emmarço de 2006, névoas de agrotóxicos provenientesde pulverizações aéreas atingiram hortaliças, plan-tas ornamentais de rua e quintais em diferentes pon-tos da cidade, produzindo sintomas semelhantes emuma ampla diversidade de espécies e variedades deplantas. Os estragos se estenderam também à pro-dução comercial de hortaliças de diversos chacareirose a um horto de plantas medicinais, expondo, alémdisso, por via direta ou indireta, o conjunto da po-pulação da cidade ao produto pulverizado. Ao quetudo indica, esses impactos foram provocados porum herbicida de contato, o Paraquat Dicloreto, lar-gamente utilizado na região para o dessecamentoda soja. Esse produto, mesmo absorvido em peque-nas doses, pode provocar, sobretudo em crianças,diarréias, vômitos, urticária, entre outros sintomasde intoxicação. Em maiores níveis de absorção, éaltamente tóxico para os rins.

O Sindicato dos Trabalhadores Ruraisde Lucas do Rio Verde acionou o Fórum Mato-Grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento(Formad) para que realizasse um levantamento dosproblemas ocorridos, propondo, a partir disso, ori-entações para que fossem efetuadas, pelo poderpúblico, as devidas ações de reparação ambiental.Cerca de uma semana depois do episódio, especi-alistas ligados à Universidade Federal do MatoGrosso e à Federação de Órgãos para AssistênciaSocial e Educacional (Fase) estiveram no local,investigando a contaminação. A partir desse pri-meiro levantamento, diversos órgãos municipais,estaduais e federais de saúde e vigilância sanitá-ria, incluindo a Promotoria Municipal, o Ministé-rio Público Estadual e a Câmara Técnica Estadualde Agrotóxicos, foram notificados e pelo menosduas reuniões públicas foram realizadas. A visitapermitiu também recolher vários depoimentos queevidenciam uma carência geral de informações téc-nicas sobre os impactos causados por esses pro-dutos à saúde e ao ambiente. O Paraquat apre-senta uma série de restrições em sua utilização.Esse produto não é recomendado para áreas urba-nas e só pode ser utilizado através de aplicaçãoaérea em condições extremamente controladas.Os relatos recolhidos durante a investigação reve-laram que essas orientações eram freqüentementedesrespeitadas no município.

Transcorridos quase dois anos depois docrime, nenhuma providência mais efetiva foi to-mada por parte do poder público. As investiga-ções não foram devidamente aprofundadas, nãotendo sido realizadas análises conclusivas do ma-terial coletado. O STR de Lucas do Rio Verde eoutras organizações do município têm se mantidoativos na denúncia dos impactos negativos dosagrotóxicos à saúde e ao ambiente e continuam àespera de um posicionamento dos órgãos gover-namentais em relação ao caso.

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Programa Um Mi-lhão de CisternasRurais (P1MC)

vem sendo implementado há cercade cinco anos pela Articulação doSemi-árido Brasileiro (ASA-Brasil)e seus parceiros, cuja atuação estáorientada para viabilizar processosde desenvolvimento fundados noprincípio da convivência com osemi-árido. Para tanto, a ASA bus-ca influenciar as políticas públicas

Programa garante águade qualidade para 1 milhão de

pessoas no semi-áridoNaidison Quintella Baptista

relacionadas à reforma agrária, àassistência técnica, ao combate àdesertificação, à educação contex-tualizada, bem como atuar em ou-tras frentes estratégicas para o de-senvolvimento sustentável da re-gião.

O P1MC conseguiu difundir nacionalmenteoutra visão do semi-árido, que expressa a capacidade deseu povo de traçar seu próprio destino e resolver seus pro-blemas, desde que a ele sejam garantidos meios e políticasajustadas às suas necessidades específicas.

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Agricultora compara a água de cisterna com a água de barreiro

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Até hoje, por meio do P1MC, foram construídas221.514 cisternas de placas para captação de água dechuva para o consumo humano, atendendo ao direito demais de um milhão e cem mil pessoas de ter acesso à águade qualidade para beber e cozinhar.

Além disso, com as cisternas, mulheres deixamde caminhar quilômetros para buscar água, muitas vezespoluída. A água está disponível com qualidade na portade casa, representando um duplo efeito positivo sobre asaúde das famílias. Além de diminuir a penosidade do tra-balho para acessar água para consumo doméstico,agricultoras e agricultores, sobretudo as primeiras, pas-sam a dedicar mais tempo à educação de seus filhos, àfamília, à produção e ao lazer. Como muitas agricultorasafirmam, agora são mais mães, mais esposas, mais compa-nheiras, mais mulheres, mais gente.

As famílias agricultoras, em especial ascrianças, tornam-se mais saudáveisporque não são mais acometidas pordoenças transmissíveis pela água con-taminada. Em 2003, o Fundo das Na-ções Unidas para a Infância e Adoles-cência (Unicef), em publicação sobreCrianças e adolescentes no semi-áridobrasileiro, identificava que 42% dascrianças e adolescentes na região nãodispunham de acesso à água de quali-dade. Apontava também que iniciati-vas como a do P1MC mostram comoesse problema pode ser resolvido. Já aEmbrapa Semi-árido, em pesquisa re-alizada no segundo semestre de 2005com 3.517 famílias dos 11 estados quecompõem a região, identificou a me-

lhora de 80% na saúde de crianças cujasfamílias passaram a beber água arma-zenada nas cisternas. Além disso, 89%dos entrevistados afirmaram que, apósa construção dos reservatórios, melho-rou a qualidade de vida de todos osmembros da família.

Do ponto de vista de cidadania, são milharesde pessoas que deixaram de vender seus votos em troca delitros de água, prática clientelista que, por séculos, man-teve no poder famílias e grupos políticos no semi-árido,sobrepondo-se aos direitos de todas as pessoas a uma vidadigna e a uma alimentação saudável.

Invertem-se, ou pelo menos começam a se in-verter, concepções e práticas políticas que até recente-mente mantinham o povo do semi-árido na dependência ena marginalização. Passaram também a emergir processose metodologias que valorizam o conhecimento das comu-nidades, sua capacidade de mobilização e de intervençãoem políticas públicas. De fato, a marca registrada do P1MCé que as cisternas são construídas com e para as pessoas.São equipamentos simples e de fácil manejo, tendo longavida útil, quando cercados de mínimos cuidados.

A partir das cisternas e de práticas testadas econstruídas pelas comunidades, inicia-se outro passo: cap-tar água de chuva para a produção, dentro dos mesmosmoldes de tecnologias acessíveis e de domínio das comu-nidades e em processos descentralizados, ao invés dosvelhos métodos centralizadores e excludentes existentesno semi-árido.

Entretanto, no momento em que se celebramais de um milhão de pessoas com acesso à água potávele se abrem novas perspectivas de políticas emancipadoras,vivemos o desafio de garantir que tais políticas não sejam

interrompidas. Lutamos paraque não retomemos aquelesmodelos e concepções de com-bate à seca que apenas fizeramaumentar a exclusão da maioriae a concentração das riquezasem mãos de poucos.

Naidison Quintella Baptistacoordenador executivo daArticulação no Semi-árido

Brasileiro (ASA); integrantedo Conselho Nacional de Se-

gurança Alimentar eNutricional (Consea);

coordenador do Movimentode Organizações

Comunitárias (MOC)[email protected] de 220 mil famílias já podem beber água de qualidade

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Publicações

O futuro roubadoCOLBORN, Theo;D U M A N O S K I ,Dianne; MYERS, JohnPeterson. Porto Ale-gre: L&PM, 1997.354p.

Segundo José Lutzen-berger, que prefacia aedição brasileira, estelivro pode ser conside-rado “a continuaçãoaprofundada e atuali-zada do alerta feito por

Rachel Carson, em 1962, com seu livro Primavera Silenci-osa, um marco de repercussão planetária para a consciên-cia ecológica”. Nesse alerta, a autora afirmava que nin-guém tinha como saber exatamente quais seriam os efei-tos da exposição de populações inteiras aos agentes quí-micos altamente tóxicos utilizados na agricultura indus-trial. Afinal, naquela época, não havia nenhum indicadorde comparação que pudesse ser empregado para se fazerprevisões seguras. Publicado três décadas após o livro deCarson, O futuro roubado segue de onde Primavera Si-lenciosa parou, uma vez que apresenta um amplo conjun-to de evidências científicas que demonstram a relaçãoentre o uso de agrotóxicos e problemas de saúde. Emparticular, o livro trata da alteração dos sistemas

Plantas medici-nais no Brasil: na-tivas e exóticasLORENZI, H.; ABREUMATOS, F.J. NovaOdessa: InstitutoPlantarum, 2002.

Trata-se da maior emais completa obrasobre o assunto pu-blicada no Brasil, con-templando as prin-cipais espécies deplantas usadas namedicina popular

brasileira, seja elas da flora nativa ou exóticas cultiva-das. Além de informações etnofarmacológicas, o leitorencontra os resultados de pesquisas químicas,farmacológicas e clínicas realizadas tanto no Brasilcomo no exterior, com cada uma das cerca de 700 es-pécies apresentadas no livro.

Alimentaçãoe saúdeRevista AgroecologiaHoje. Editora Agroeco-lógica Ano II., n. 12,Dez. 2001/Jan. 2002.

Edição da revista dedi-cada às relações entresaúde e alimentação.Traz artigos sobre osimpactos dos agrotó-xicos na saúde huma-

na, o papel da agroecologia na promoção da segurançaalimentar, a qualidade biológica de alimentos orgânicos ebiodinâmicos, entre outros assuntos.

Understanding the links between agriculture andhealthHAWKES, Corina; RUEL, Marie T. (Ed.). WashingtonD.C.: International Food Policy Research Institute, 2006.Disponível em: <http://ifpri.catalog.cgiar.org/>.

A publicação é composta por 16 pequenos documentosque abordam as múltiplas interações entre agricultura esaúde. Entre outros aspectos, os textos tratam de ques-tões envolvendo as políticas de desenvolvimento agríco-la e as de promoção da saúde. Enfocam também as opor-tunidades para que programas de desenvolvimento localabordem ambos os temas de forma integrada, aprovei-tando-se das relações positivas existentes entre padrõessaudáveis de produção e consumo alimentar e a promo-ção da saúde nas famílias de agricultores e consumidores.

hormonais, que, entre outros impactos negativos, com-promete o desenvolvimento sexual, a formação da inteli-gência e o funcionamento do sistema imunológico.

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Páginas na Internet

A Cohab Initiative é um programa internacional criadopara oferecer conhecimento sobre questões políticas querelacionam biodiversidade, saúde humana e bem-estar. Ainiciativa visa estabelecer uma articulação internacional emultidisciplinar para apoiar atividades de conservação dabiodiversidade e promoção da saúde. Opera por meio deparcerias e redes com representantes governamentais,agências de cooperação, institutos acadêmicos, ONGs,comunidades indígenas e setor privado. Na página, en-contram-se informações sobre a Cohab: suas metas, obje-tivos e atividades.

www.cohabnet.org

www.cnmp.org.brO Centro Nordestino de Medicina Popular desenvolve há20 anos trabalhos de educação popular na área de saúde,por meio da defesa dos direitos à alimentação, educação etrabalho. Em sua página eletrônica, o usuário tem a opor-tunidade de conhecer as linhas de trabalho da organiza-ção, assim como publicações, documentos e links de sitesrelacionados com o tema da saúde. Também poderá teracesso à versão eletrônica do boletim De Volta às Raízes,que orienta sobre plantas medicinais e alimentação saudá-vel. A cada mês, a publicação escolhe uma planta medici-nal que recebe destaque e análise.

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), órgão vinculado aoMinistério da Saúde, tem por objetivo promover a saúdee o desenvolvimento social, além de gerar e difundir co-nhecimento científico e tecnológico específico na área.Em sua página na internet, o usuário pode conhecer ahistória da organização e obter informações sobre seusprogramas institucionais e suas linhas de pesquisa. A pá-gina disponibiliza também um rico acervo bibliográfico,arquivos de notícias, bibliotecas virtuais, periódicos, bo-letins e publicações.

www.fiocruz.br

A Rede de Ação em Praguicidas e suas Alternativas naAmérica Latina (RAP-AL) é composta por organizações,instituições, associações e indivíduos que se opõem aouso massivo e indiscriminado de agrotóxicos. Com o intui-to de divulgar e promover propostas para a redução douso desses produtos, a rede mantém na internet bases dedados (em espanhol e inglês) sobre agrotóxicos e regula-mentações nacionais de 17 países da América Latina e naAmérica do Norte. Os usuários podem baixar e editar asinformações que acharem interessantes e desse modo cri-ar folhetos impressos e personalizados, segundo seus pró-prios critérios. A página oferece ainda informações sobresintomas de envenenamento e um guia preventivo para aexposição de agrotóxicos, além de material sobre trans-gênicos, campanhas e notícias.Além disso, a rede disponibiliza uma base de dados emespanhol sobre agrotóxicos, assim como a revista Enlace evídeos institucionais. Mantém também uma ação perma-nente de promoção de alternativas ecológicas e feiras deintercâmbio de sementes autóctones, que ganham cadavez mais espaços.

www.rap-al.org

A Pastoral da Criança é uma organização comunitáriaecumênica, de atuação nacional e internacional. Seuobjetivo é o desenvolvimento integral das crianças,desde a concepção até os seis anos de idade, em seucontexto familiar e comunitário, a partir de ações pre-ventivas e que fortaleçam o tecido social e a integraçãoentre as famílias e a comunidade. A página oferece in-formações sobre a missão institucional, os projetos, ametodologia de trabalho e os resultados. Também dis-ponibiliza publicações, boletins e material para uso emrádio.

www.pastoraldacrianca.org.br

Abordagens de Ecossistema para a Saúde Humana(Ecosystem Approaches to Human Health) é um progra-ma do Centro Canadense de Pesquisa e DesenvolvimentoInternacional (Canada´s International DevelopmentResearch Center). Destina-se a apoiar pesquisas e proje-tos que enfocam as relações entre os ecossistemas e asprincipais doenças humanas. A página apresenta textossobre a abordagem ecosaúde, resultados de projetos apoia-dos pelo programa e estudos de caso realizados em váriospaíses do Terceiro Mundo.

www.idrc.ca/ecohealth

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Agroecologia em Rede

O Centro de Saúde Alternativa deMuribeca (Cesam) iniciou suas atividades em 1996.A idéia surgiu em reuniões realizadas no salão paro-quial da igreja local para discutir sobre a saúde dapopulação do bairro de Muribeca, em Jaboatão dosGuararapes (PE). Nessas reuniões, as participantestrocavam conhecimentos sobre plantas que pode-riam ser utilizadas como remédio. O grupo passoua se encontrar com mais freqüência, buscandoaprofundar os conteúdos e desenvolver suas expe-riências com as plantas medicinais. Quando co-nheceram o Centro Nordestino de Medicina Popu-lar (CNMP) o trabalho ganhou novo estímulo e ori-

Plantas medicinais:o saber do povo para o povo

http://www.agroecologiaemrede.org.br/experiencias.php?experiencia=597

Com o objetivo de avaliar os resultados doprojeto editorial da Revista Agriculturas: experiências emagroecologia, bem como colher sugestões para o seu apri-moramento, realizamos em 2007 uma pesquisa de opi-nião junto às pessoas e instituições inscritas em nossabase de subscritores. A pesquisa foi conduzida por meiode um questionário composto por perguntas objetivassobre diversos aspectos da revista, em particular sobreaqueles relacionados à sua qualidade e utilidade.

Do universo de subscritores(as), obtive-mos 292 respostas, o que correspondia, em julho de2007, a mais de 10% do total de cadastros em nossamala direta. Numa primeira e rápida avaliação, pude-mos constatar que a revista vem recebendo uma boaacolhida por parte de seus leitores e leitoras. Dois dosaspectos revelados pela pesquisa nos pareceram par-ticularmente interessantes:

1 Os artigos publicados são empregadoscom freqüência em atividades de exten-são rural e de formação de profissionais.

2 19% das pessoas que responderam fize-ram contato com autores(as) de artigospublicados, em geral buscando informa-ções adicionais sobre a experiência, mastambém para agendar visitas de intercâm-bio, solicitar material genético, convidarpara participação de palestras e seminá-rios ou parabenizar pela iniciativa.

Esses aspectos são altamente encora-jadores, já que o principal objetivo da AS-PTA com oprojeto da revista era justamente apoiar processos deaprendizado com base na valorização dos ensina-mentos sistematizados de iniciativas concretas e napromoção de intercâmbios entre praticantes daagroecologia.

A equipe de produção da revista agradecea todos e todas que contribuíram com a pesquisa deopinião. Na primeira edição de 2008 publicaremosum encarte especial contendo uma síntese dos seusresultados.

Pesquisa de opinião

entação. O grupo estruturou o centro, dedicandoum espaço para plantar uma horta e um local especí-fico para a manipulação de ervas. A gestão do Cesamé colegiada, ou seja, todas as integrantes têm acessoàs finanças, à produção dos fitoterápicos, assim comopossuem poder de decisão. A comercialização é rea-lizada em feiras dentro e fora da comunidade, noespaço do Cesam e na vizinhança. Além das ativida-des de produção, o grupo procura influenciar as po-líticas públicas municipais, tendo conseguido umposto médico para a comunidade que funciona emdois expedientes e também encaminha exames desangue, fezes, urina e diabetes.

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Acesse: www.agriculturas.leisa.info

Divulgue suas experiências nas revistas Leisa

Convidamos pessoas e organizações do campo agroecológico brasileiro a divulgarem suas experiências na RevistaAgriculturas: experiências em agroecologia (edição brasileira da revista Leisa), na Leisa Latino-americana (editadano Peru) e na Leisa Global (editada na Holanda).

Temas das revistas Leisa em 2008

Instruções para elaboração de artigosOs artigos deverão descrever e analisar experiências con-cretas, procurando extrair ensinamentos que sirvam de ins-piração para grupos envolvidos com a promoção daAgroecologia. Os artigos devem ter até cinco laudas de2.100 toques (30 linhas x 70 toques por linha). Os textos

devem vir acompanhados de duas ou três ilustrações (fotos,desenhos, gráficos), com a indicação dos seus autores erespectivas legendas. Os(as) autores(as) devem informardados para facilitar o contato de pessoas interessadas naexperiência. Envie para [email protected].

A incidência de insetos-praga, doenças e plantas competi-doras nas lavouras costuma ser um dos principais proble-mas técnicos enfrentados pelos agricultores. Quando sur-gem de forma descontrolada, causam sérios danos, po-dendo mesmo frustrar a safra por completo. Para fazerfrente a esses organismos indesejados, a agricultura in-dustrial desenvolveu um verdadeiro arsenal de agrotóxicosdestinado a aniquilá-los. Entretanto, a disseminação glo-bal desse método, por meio da Revolução Verde, acarre-tou graves problemas ambientais, sociais, econômicos ede saúde pública. O emprego reiterado dessas substânciastem provocado o aumento da resistência dos organismosaos princípios tóxicos e o surgimento de novas espéciesconsideradas como pragas. Cria-se assim uma verdadeiracorrida contra a natureza, com a necessidade sistemáticade aumento da aplicação dos agrotóxicos e o desenvolvi-mento de produtos capazes de destruir as novas e maisseveras pragas. A essência do enfoque agroecológico vem

Manejo de organismos espontâneos na agricultura (v. 5, nº1)

na contracorrente, uma vez que não investe no combatedas populações de organismos espontâneos nos agro-ecossistemas, mas se orienta para conviver com elas. Essaestratégia parte do princípio de que o surgimento descon-trolado desses organismos é a expressão de desequilíbriosecológicos provocados pela extrema simplificação do am-biente natural. Em vez de enfrentar esse problema em suasraízes, o uso dos agrotóxicos o intensifica, criando as con-dições para que se agrave progressivamente. A primeiraedição do próximo ano da Revista Agriculturas (v. 5, n.1)publicará artigos que relatam as variadas estratégiasadotadas por agricultores e agricultoras e suas comunida-des para a restauração de equilíbrios ecológicos capazesde regular as populações de organismos espontâneos emsuas lavouras.

Data-limite para envio dos artigos:11 de fevereiro de 2008

Mercados para a agricultura familiar (v.5, nº 2)Data-limite para envio dos artigos:15 de abril de 2008 (Revista Agriculturas)

Manejo Sadio do Solo (v.5, nº 3)Data-limite para envio dos artigos:15 de julho de 2008 (Revista Agriculturas) • 01 de março de 2008 (Revista Leisa Global)

Inclusão dos mais pobres (v.5, nº 4)Data-limite para envio dos artigos:15 de setembro de 2008 (Revista Agriculturas) • 01 de junho de 2008 (Revista Leisa Global)