devoção e festa no sertão baiano

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - CAMPUS XIV LICENCIATURA EM HISTÓRIA Kécia Dayana da Silva Carneiro Devoção e festa no sertão baiano: Juazeirinho, 1930 2008. Conceição do Coité, Ba. 2010

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Page 1: Devoção e festa no sertão baiano

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - CAMPUS XIV LICENCIATURA EM HISTÓRIA

Kécia Dayana da Silva Carneiro

Devoção e festa no sertão baiano:

Juazeirinho, 1930 – 2008.

Conceição do Coité, Ba.

2010

Page 2: Devoção e festa no sertão baiano

Kécia Dayana da Silva Carneiro

Devoção e festa no sertão baiano:

Juazeirinho, 1930 – 2008.

Monografia apresentada ao Curso de

Licenciatura em História do Departamento

de Educação do Campus XIV da

Universidade do Estado da Bahia (UNEB),

para obtenção do grau de Graduação em

Licenciatura em História, sob orientação da

Profa. Suzana Severs.

Conceição do Coité, Ba.

2010

Page 3: Devoção e festa no sertão baiano

Agradecimentos

Durante a realização deste trabalho recebi o apoio de algumas pessoas. Por isso

gostaria de destacar alguns nomes que foram muito importantes no decorrer destes meses de

pesquisa.

À minha orientadora, Profa Dra. Suzana Severs, por ter me estimulado em todos os

momentos, acreditando em meu potencial. Por sua paciência, carinho e dedicação; contribuído

com seus ensinamentos para a elaboração e realização desta pesquisa.

Aos meus pais, Valmirete e Gilsoney Carneiro, que estiveram me apoiando sempre,

torcendo por minhas vitórias, acreditando em meus sonhos e dando suporte para a realização

deste trabalho.

À minha irmã, Kécia Dayane Carneiro, por sua companhia e dedicação de sempre,

encorajando-me em todos os momentos; compartilhando todas as descobertas.

Ao meu esposo, Ederlan Oliveira, por ter entendido a importância deste trabalho,

sempre me apoiando e, de forma paciente, compreendendo a minha ausência em muitos

momentos.

Aos meus colegas, Ana Lúcia Correia, Alaudja Lima, Fabiane Pinto, Maiara Gordiano,

Sinara Carneiro e Cristian Barreto pela amizade e pelo incentivo em todos os momentos.

Obrigada pelas sábias sugestões.

A todos os juazeirenses que contribuíram para a realização deste trabalho, fornecendo

fontes e informações imprescindíveis.

Não poderia deixar de citar o Padre Charles e os funcionários da Paróquia Nossa

Senhora da Conceição do Coité que disponibilizaram documentações importantes para a

concretização desta pesquisa.

Page 4: Devoção e festa no sertão baiano

[...] essa dinamicidade da festa religiosa permite entender não só

elementos internos, mas sobremodo situações de ordem contextual,

social e local, enriquecendo o trabalho do pesquisador; que,

fatalmente mergulhará num universo cultural marcado pelo

hibridismo das informações, pela multiplicidade das representações

e pela complexibilidade de certas apreensões do divino ou sagrado

nas ações cotidianas e peculiares das festas brasileiras [...]

(SANTOS, Claudefranklin)

Page 5: Devoção e festa no sertão baiano

Resumo

Os festejos religiosos são objetos de estudo que possibilitam o entendimento de diferentes

aspectos de uma sociedade. A partir da análise da devoção a um santo padroeiro, é possível

conhecer a história, a cultura e a religiosidade de um determinado grupo social. Apresentamos

nesta monografia a festa da padroeira de Juazeirinho, que tem início em meados de 1930 com

a construção da capela e com a devoção dos moradores da localidade a dois santos padroeiros,

Santa Terezinha, a qual tinha uma imagem no altar, e à Sagrada Família, para a qual teria sido

doado o terreno para a construção da capela. Este conflito envolvia as famílias mais influentes

da localidade, que tinham diferentes devoções numa busca de demarcação de poder. Situação

que se prolongou durante os festejos à Santa Terezinha até a segunda metade da década de

1970, quando, mediante o risco do fechamento da capela, é encontrada a Certidão de Doação

do terreno aos santos Jesus, Maria e José tornando-se, até os dias atuais, padroeiros da

localidade. Para elucidar tais questões, este trabalho inicia-se com a elaboração de uma

revisão bibliográfica fazendo uma discussão sobre aspectos teóricos e metodológicos

necessários para o desenvolvimento da pesquisa. Apresenta aspectos relacionados à história

da origem de Juazeirinho, explicando algumas práticas que fazem parte da sua cultura e

religiosidade, como as rezas que acontecem no âmbito público e privado durante praticamente

todos os meses do ano em devoção aos santos católicos. Por último, analisa a devoção durante

a festa da padroeira como um elemento do patrimônio cultural imaterial, destacando as

diferentes atuações dos devotos, seus conflitos e significados, assim como as etapas de

estruturação do evento religioso, que é interpretado neste trabalho como um espaço diverso,

formado por símbolos sagrados e profanos em um ambiente de devoção e festa.

Palavras-Chave: Juazeirinho, história, festa, religiosidade.

Page 6: Devoção e festa no sertão baiano

Sumário

Introdução .................................................................................................. 07

Fontes e Metodologias................................................................................ 11

1. História e religiosidade: comentário bibliográfico............................... 19

1.1 O desenvolvimento das festas religiosas no Brasil .................................................... 19

1.2 A festa religiosa como objeto da historiografia......................................................... 23

1.3 A festa como um espaço de relação entre o sagrado e o profano ............................ 26

1.4 A religiosidade como patrimônio cultural imaterial ................................................. 29

2. O Distrito de Juazeirinho....................................................................... 32

2.1 Origem ..................................................................................................................... 32

2.2 Manifestações religiosas ........................................................................................... 34

2.3 Festas populares ................................................................................................ 37

3. “Uma capela, duas padroeiras”............................................................. 41

3.1 A edificação da capela ...................................................................................... 41

3.2 O conflito familiar ............................................................................................. 43

3.3A primeira padroeira................................................................................................... 45

4. Festa da Sagrada Família....................................................................... 49

4.1 Organização da festa. ................................................................................................ 49

4.2 Participação dos devotos .......................................................................................... 50

4.3 As práticas religiosas durante a novena .................................................................... 53

4.4 festa: sociabilidade e cotidiano ................................................................................ 55

4.5 A hierarquia religiosa e social durante as atividades festivas ................................... 57

As transformações na festa da padroeira.................................................. 60

Referências ................................................................................................. 62

Lista de Fontes utilizadas.......................................................................... 65

Page 7: Devoção e festa no sertão baiano

7

Introdução

Desde a Antiguidade as festas eram realizadas para marcar o início ou o término de

celebrações importantes, sendo sempre de caráter religioso, em adoração às divindades

sobrenaturais, marcadas por procissões e promessas. Quando o Cristianismo é

institucionalizado, estas práticas ganham assimilação, os rituais considerados pagãos são

incorporados à teologia cristã, assim como suas divindades são substituídas pelos santos

católicos.7

Neste sentido, as festas e as tradições religiosas ganharam outras formas de realização,

com o estabelecimento de datas específicas para sua comemoração. A Igreja passou a

determinar os dias de festa, distribuídos em dois grupos, separando as celebrações entre festas

que têm datas geralmente fixas, como o Natal e Reis, e as festas dos santos, com destaque as

destinadas à devoção à Virgem Maria.8.

No Brasil, o Catolicismo tradicional é marcado por seu caráter devocional e festivo,

com símbolos e eventos em devoção aos santos padroeiros. Percebemos grande participação

dos fiéis anualmente em romarias e procissões como uma característica que compõe o cenário

das festas religiosas do calendário católico, através de diferentes expressões da cultura e da

religiosidade no país:

Santuários e imagens religiosas atraem multidões no Brasil [...] cerca de 15

milhões de pessoas se deslocam por motivos religiosos todos os anos no

país. As festas religiosas surgem como uma das nossas mais importantes

expressões culturais, estabelecendo um calendário que demarca os tempos e

organiza grande parte da nossa vida social[...]9

Existem muitos lugares santificados e, inúmeras são as manifestações religiosas que,

por meio de festas, novenas, procissões, encenações, missas e romarias, transformam-se em

verdadeiros espetáculos de devoção. As diversas festas tradicionais constituem-se como

7 FUNARI, Pedro Paulo; PELEGRINI, Sandra C. A. O que é Patrimônio Cultural Imaterial. São Paulo:

Brasiliense, 2008. 8 MEGALE, Nilza Botelho. Folclore brasileiro. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.

9 STEIL, Carlos Alberto. Catolicismo e Cultura. IN: VICTOR, Vicente Valla. (org.). Religião e cultura popular.

Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p.11.

Page 8: Devoção e festa no sertão baiano

8

elementos presentes no cotidiano, aos quais não se restringem apenas as populações locais,

mas compõem o cenário religioso e cultural do Brasil 10

.

E, mesmo diante dos avanços científicos e tecnológicos verificados no último século,

as festas religiosas ainda representam grande influência na vida cotidiana, principalmente no

interior do país, em que as tradições e a devoção aos santos católicos são realizadas de forma

mais intensa, através de expressões diferenciadas da religiosidade. “Em pleno século XXI, o

ser humano continua procurando a alternativa da fé para resolver seus problemas, expressar

seus sentimentos e ativar a memória coletiva.”11

Em Juazeirinho, Distrito localizado á 12 Km da Cidade de Conceição do Coité,

percebemos que desde a sua fundação a população preserva, através de práticas diferenciadas,

várias manifestações que marcam sua cultura e religiosidade como tradições importantes de

seu patrimônio imaterial, em que os diferentes sujeitos que são identificados na festa, como os

organizadores, participantes e observadores, ganham espaços peculiares e contribuem para a

constituição de uma identidade festiva, em um universo de múltiplos sentimentos, de vários

significados.

Neste sentido, identificamos a tradicional festa da Padroeira, realizada desde meados

de 1930 como uma manifestação religiosa relevante para ser analisada neste trabalho,

podendo ser estudados diferentes aspectos de sua história e cultura. Entendendo que os

elementos religiosos influenciam de forma significativa o cotidiano desta localidade, o estudo

da religiosidade “ permitirá vislumbrar também o entendimento acerca da formação do

sentimento de pertencimento, ao passo que questões como singularidades e alteridade tornam

a compreensão de manifestações e representações coletivas mais claras no campo da pesquisa

histórica” 12

.

Esta pesquisa tem como propósito estudar o patrimônio imaterial religioso conservado

pela população juazeirense, entendendo como as manifestações religiosas festivas são

desenvolvidas nos âmbitos público e privado, analisando de forma mais detalhada as Festas

da Padroeira de Santa Terezinha (1930-1970) e da Sagrada Família (1971-2008), destacando

de que forma a população juazeirense delas participavam, suas crenças, tradições e conflitos.

Pretendemos demonstrar que o estudo das manifestações religiosas permite também o

conhecimento de alguns aspectos da história local, como por exemplo, o crescimento da

10

JUKEVICS, Vera Irene. Festas religiosas: a materialidade da fé. Disponível em: <www.jornalismo.com. br. >.

Acesso em: 15 de Julho de 2008. 11

PASSOS, Mauro. O catolicismo popular. IN: A festa na vida: significado e imagens. Petrópolis: Vozes,

2002.p.165. 12

SANTOS, Monteiro Claudefranklin. A festa como objeto de estudo de pesquisa histórica no campo da

religiosidade. Disponível em : www.scielo.br/scielo. Acesso em: 06 de Maio de 2009.p.03.

Page 9: Devoção e festa no sertão baiano

9

localidade a partir da construção da capela, assim como a movimentação e alteração do

cotidiano durante os dias das festas. Entendendo também as diferentes relações sociais

existentes, porque o estudo das práticas religiosas possibilita desvendar aspectos relacionados

à estrutura social e às hierarquias existentes, assim como os conflitos implícitos durante as

festividades.

Objetivamos também evidenciar como, ao longo das décadas, a população juazeirense

realizou as festas da padroeira, suas rupturas e continuidades, entendendo como as mudanças

na sociedade influenciaram em sua religiosidade. Porque tais atividades têm grande

significado e importância sociocultural, “a análise de uma cultura se dá também a partir da

análise de sua religiosidade [...]. Focalizar a religiosidade é desvendar sua história, reconstruir

aspectos essenciais de sua existência, de seu universo simbólico, de sua cultura”13

.

Para tanto, este trabalho está estruturado em quatro capítulos. No primeiro, intitulado

História e religiosidade: comentário bibliográfico, apresentamos uma discussão teórica sobre

história e religiosidade, destacando como as práticas religiosas foram desenvolvidas durante

os séculos no Brasil, como também em Juazeirinho elas se apresentam, evidenciando os

conflitos e os diferentes elementos sagrados e profanos que compõem o universo festivo

religioso. Fazemos uma abordagem da festa como objeto de estudo da historiografia,

evidenciando as várias possibilidades de pesquisa, entendendo-a como parte do patrimônio

cultural imaterial.

No segundo capítulo, em O Distrito de Juazeirinho, analisamos alguns aspectos da

história da origem de Juazeirinho, seus primeiros moradores e o processo de estruturação da

localidade, evidenciando também as diferentes expressões da religiosidade através da análise

de algumas manifestações religiosas que são realizadas no âmbito público e privado pelos

juazeirenses. Realizamos a descrição de algumas festas populares em que o universo religioso

encontra-se fortemente imbricado como parte da cultura e religiosidade local, podendo ser

destacadas, através destas práticas, suas principais crenças e tradições.

No terceiro capítulo, apresentamos um momento marcante na história de Juazeirinho,

relacionado aos santos padroeiros da localidade, Santa Terezinha e a Sagrada Família, por isso

ele tem como título “Uma capela, duas padroeiras”, porque apresentamos como foi o

processo de edificação da capela, dentro de um contexto conflituoso, envolvendo os devotos

das famílias mais influentes na época, que objetivavam a permanência de padroeiros

diferentes. Evidenciamos também o posicionamento dos moradores da localidade diante da

13

FRANCO, Suely Campos. As manifestações religiosas desenvolvidas em São João Del Rei oriundas do

período colonial. Disponível em: <www.ces.vc.pt/lab>. Acesso em: 30 de Julho de 2008.p.01.

Page 10: Devoção e festa no sertão baiano

10

representação de cada santo padroeiro durante as festividades em devoção à Santa Terezinha,

assim como o desfecho de todo esse conflito que durou cerca de quarenta anos (1930-1970).

No último capítulo, intitulado Festa da Sagrada Família, descrevemos todas as etapas

da novena em devoção à Sagrada Família como padroeira de Juazeirinho, evidenciando a

atuação dos moradores para a realização da festa, bem como as diferentes práticas realizadas.

Fazemos uma análise do universo festivo religioso da padroeira como um momento de

sociabilidade, em que a vida cotidiana é alterada, destacando também que o estudo da festa da

Sagrada Família, possibilita o entendimento da atuação dos diferentes participantes, assim

como as hierarquias sociais são estabelecidas durante a realização dos festejos.

Page 11: Devoção e festa no sertão baiano

11

Fontes e Metodologias

Como afirma Kátia Mattoso, “O trabalho do historiador é limitado pelas fontes de

informação a que tem acesso”14

. Neste sentido, foram os estudos das fontes disponíveis, ou

melhor, o cruzamento dessas fontes, que acabaram ampliando o recorte temporal e os

objetivos pensados inicialmente para este trabalho, os quais se limitavam apenas ao estudo da

Festa da Padroeira Sagrada Família durante o período de 1990 a 2000.

O desenvolvimento da pesquisa foi pensado de forma semelhante ao que as

professoras Dra. Maria Leônia Chaves de Resende e Suely Franco15

fizeram em trabalho

sobre as festividades anuais de cunho religioso, oriundas do período colonial em São João Del

Rei, Minas Gerais. A partir da identificação de todas as festas realizadas em devoção aos

santos padroeiros durante o período estudado, Resende e Franco realizaram uma pesquisa

utilizando diferentes fontes para analisar aspectos como sua origem, a estrutura das festas,

seus participantes e práticas realizadas.

O contato com as diferentes fontes e também com o aprofundamento do estudo da

historiografia relacionada a festas religiosas fez surgir novos questionamentos que

impulsionaram a pesquisa em outros caminhos e também a busca de novas fontes e

informações, que se tornaram essenciais para entender o objeto de estudo. Neste sentido, a

análise sobre a História de Juazeirinho e também sobre a Festa da Padroeira de Santa

Terezinha foram novas problemáticas, que surgiram mediante o contato com as fontes, nas

quais verificamos a necessidade de buscar, de questionar e investigar alguns aspectos que

estavam relacionados à Festa da Sagrada Família.

Embora não fossem o recorte, não poderiam ser apenas citados, pois necessitaria de

um estudo um pouco mais ampliado, e o contato com a documentação conduziu a novas

descobertas que até então eram desconhecidas, como também a desconstrução de algumas

informações, até então, perpetuadas como verdade. Entre essas fontes, o trabalho

memorialista de Marielza Carneiro D’ Vilanova16

, pois as informações encontradas

14

MATTOSO, Katia M. de Queirós. Bahia Século XIX: Uma Província no Império. Rio de Janeiro: Nova

Fronteira, 1992.p.28. 15

RESENDE, Maria Leônia Chaves de; FRANCO, Suely. Nas Vertentes da Estrada Real: cartografia

etnográfica das práticas devocionais e festas remanescentes de Minas Gerais setecentista. Disponível em:

<www.festasnaestradareal.ufsj.edu.br/equipe_de_trabalho_.phpr>. Acesso em: 08 de Agosto de 2008. 16

D’VILANOVA, Marielza Carneiro. Juazeirinho: Terra de Gente Valorosa. Conceição do Coité: Nossa

Gráfica. 2007.

Page 12: Devoção e festa no sertão baiano

12

impulsionaram a busca de informações que elucidassem as lacunas e até mesmo legitimassem

algumas afirmações relacionadas à origem da capela, assim como a mudança dos padroeiros.

Para realizar a pesquisa sobre as manifestações religiosas em Juazeirinho, foram

utilizados como fontes os depoimentos orais, registros fotográficos, videográficos e musicais,

como também as documentações existentes na Paróquia Nossa Senhora da Conceição do

Coité e a análise de documentos impressos – jornais e folders relacionados às festividades

religiosas.

Neste sentido, foram analisadas o Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da

Conceição do Coité (1855 á 2009), a Certidão de doação das terras da capela Sagrada Família

(1932), uma carta particular enviada por José Fernandes Carneiro17

(1981), um Inventario

pós-morte (1872) das terras da fazenda Joazeiro, e duas escrituras de compra e venda das

terras do Arraial Joazeiro, de Rachel Carneiro de Souza (1934) e Juvelino Antonio Carneiro

(1938).

As fontes utilizadas, que estão sob a guarda do Arquivo da Paróquia Nossa Senhora da

Conceição do Coité, foram os Jornais O Mensageiro, o Livro de Tombo e a Certidão de

doação das terras da capela Sagrada Família. Encontra-se no Centro de Memória Documental

de Conceição do Coité – UNEB o Inventário pós-morte. E, sob propriedade particular, os

folders da festa Sagrada Família (Mário Leandro Silva da Hora, Joaquim Carneiro de Oliveira

Neto e Maria Madalena Carneiro) e a carta enviada por José Fernandes Carneiro para

Joaquim Carneiro de Oliveira Neto, todos juazeirenses.

Fontes escritas:

Impressas:

Inicialmente foi realizada a análise da obra da Professora Marielza Carneiro

D’Vilanova, Juazeirinho: Terra de Gente valorosa18

, que é dividida em subtítulos

apresentandos de forma sucinta, informações sobre a História da localidade, contemplando

diferentes aspectos da sociedade. A autora aborda aspectos a partir de 1930 até o ano de 2007,

17

Conhecido como Zuza, morador de Juazeirinho, doador do terreno onde foi construído da capela. 18

D’VILANOVA, Marielza Carneiro. Juazeirinho: Terra de Gente Valorosa. Conceição do Coité: Nossa

Gráfica. 2007.

Page 13: Devoção e festa no sertão baiano

13

quando é produzido o livro. Relata sobre acontecimentos importantes e esferas diversas, como

política, economia, cultura e religião.

É uma fonte importante, na qual explica como a população era organizada e, nos

capítulos referentes à “Origem de Juazeirinho” e ao “Aspecto Religioso”, como é denominado

no livro, apresenta algumas informações referentes à Festa da Sagrada Família e de Santa

Terezinha. Foi a análise deste capítulo da obra que impulsionou a investigação de forma mais

sistematizada de algumas informações e dados apresentados pela a autora, visto que tal

material apenas apresenta como fonte para os fatos narrados poucas fotografias, e o contato

que tivemos com fontes orais e escritas tem elucidado algumas contradições em relação ao

que tal obra apresenta. O cruzamento das diferentes fontes trouxe dados e aspectos não

abordados na pesquisa de D’Vilanova.

A necessidade de uma análise crítica do documento e o cruzamento de várias fontes,

elucidado por Eni de Samara Mesquita19

, foi fundamental para a realização desta pesquisa,

pois não foi limitada apenas à visão da história apresentada pela memorialista, mas buscamos

novas informações que elucidassem os questionamentos surgidos, entendendo que cada

documento, oral ou escrito, tem sua intencionalidade e, portanto, deve ser estudado

criticamente, não o interpretando como verdade absoluta.

Contudo, apesar das lacunas referentes a alguns acontecimentos importantes,

entendemos o trabalho de D’ Vilanova como uma obra memorialista de grande relevância

para a História da localidade, por ter sido, dentro de suas limitações, uma pioneira que aborda

as histórias que são contadas até os dias atuais.

Ressaltamos também matérias do jornal O Mensageiro20

, editado pelos funcionários da

Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité desde 1997. É uma fonte muito interessante

para o estudo de diferentes aspectos, não somente o religioso, mas também por abordar temas

diversificados, como saúde, cultura, política, além de diferentes traços do cotidiano da cidade.

Para esta pesquisa, O Mensageiro foi de grande importância, pois destinou grande

espaço para a descrição das festas religiosas. Dessa forma, identificamos como as festas da

Padroeira Sagrada Família foram realizadas durante o período de 1997 a 2008, assim como a

descrição de festividades através das notas que eram publicadas.

Merece atenção a maneira como as festas dos padroeiros, de forma geral, são

apresentadas em todos os exemplares dos jornais analisados: como um ambiente de animação

19

SAMARA, Eni de Mesquita; SILVEIRA, Ismênia S. História & Documento e metodologia de pesquisa. Belo

Horizonte: Autêntica, 2007. 20

Arquivo pertencente à Paróquia de Nossa Senhora de Conceição do Coité.

Page 14: Devoção e festa no sertão baiano

14

e descontração. Uma matéria do jornal, intitulada “Deus é Festa”21

, demonstra a visão da

Igreja em prol das festividades dos santos católicos como uma forma de aproximar os fiéis a

este momento de religiosidade popular.

Foram estudadas três colunas no jornal, denominadas Calendário Paroquial,

Aconteceu virou notícia, Comunidade em Festa. Em o Calendário Paroquial, são

apresentadas as datas e os encontros, missas e festas em cada igreja. Neste espaço, foi

possível perceber a intensa participação dos juazeirenses nas atividades relacionadas à

Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité.

Em Aconteceu virou notícia, foi possível ser identificados os acontecimentos, como

encontro de jovens, shows sacros, dramatizações e rezas em adoração aos santos católicos; na

coluna Comunidade em Festa, encontramos diversas reportagens referentes à Festa da

Padroeira Sagrada Família, seus temas, comunidades convidadas, procissões, realização de

sacramentos, período de duração, participação dos párocos e a realização de atividades

culturais, como a atuação dos fiéis na Festa e seus homenageados.

A construção da festa religiosa como espaço de sociabilidade e animação pode ser

verificada também durante a análise dos folders relacionados à festa da Padroeira Sagrada

Família, nos quais fica explícita a busca de membros da igreja em tornar o momento festivo

um laço de comemoração e animação. Encontramos sob a guarda dos juazeirenses Mário

Leandro Silva da Hora, Joaquim Carneiro de Oliveira Neto e Maria Madalena Carneiro22

, os

folders com a programação das atividades realizadas durante dez anos, de 1998 a 2008.

Nessa fonte, foi possível identificar as datas e horários em que foram realizadas as

festas, assim como as programações, as comunidades convidadas, os palestrantes de cada

noite, como também todas as pessoas que foram homenageadas. Além disso, foi possível

verificar as mudanças e as continuidades na própria estrutura da festa, as atividades que eram

realizadas após os términos das orações, como apresentações artísticas e culturais. Em alguns

desses folders, os párocos também deixavam suas impressões da festa da padroeira e dos

devotos de Juazeirinho, o que contribuiu para perceber como esses representantes

interpretavam o espaço festivo.

Tivemos ainda o contato com cânticos e hinos que compõem o caderno de músicas da

Festa da Padroeira, merecendo destaque para o Hino à Sagrada Família e o Hino do Juá,

21

Jornal O Mensageiro, Nº 83, Ano 10, Novembro de 2004. 22

Moradores que atuam na organização da Festa da Padroeira Sagrada Família.

Page 15: Devoção e festa no sertão baiano

15

produzidos pelo grupo local Nova Luz23

. Nessa fonte, ficcou evidente a interpretação dos

juazeirenses de acontecimentos relacionados à história local, assim como a importância que a

festa representa para os fiéis, na medida em que as músicas apresentam a crença e a

religiosidade dos moradores, entendendo como único modelo de família a apresentada pela

Igreja Católica.

Manuscritas:

Outra fonte utilizada foi o Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição

do Coité, o qual apresenta informações sobre atividades realizadas na própria paróquia e em

suas capelas. É um documento que trata de relatos escritos pelos diferentes padres durante um

período de 154 anos. Apresenta também datas e acontecimentos referentes ao próprio

desenvolvimento da cidade de Conceição do Coité e seus territórios, porque durante a leitura

identificamos diferentes aspectos relacionados à política, à economia, à cultura, às mudanças

eclesiásticas, às relações de poder e à atuação dos diferentes párocos, como também os bens

pertencentes à Igreja.

Em relação a esta pesquisa, o referido Livro de Tombo foi uma fonte imprescindível,

fornecendo o relato de algumas festividades realizadas na igreja e em suas capelas, como a

devoção aos padroeiros, através de novenas, missas, procissões e eventos religiosos, de modo

geral. Sobre Juazeirinho, encontramos informações sobre as festas da padroeira de Santa

Terezinha e da Sagrada Família. E, mediante estudo mais minucioso, comparamos dados e

datas, período de atuação de párocos, assim como os acontecimentos em Juazeirinho.

Essas informações contribuíram para elucidar alguns questionamentos em relação às

informações oferecidas por D’ Vilanova, como a atuação de alguns padres em Juazeirinho e

algumas datas citadas por ela, na medida em que, através de comparações, foram encontradas

algumas contradições.

Existem muitas lacunas relacionadas a algumas décadas, já que nem todos os párocos

descreveram de forma linear suas atividades, desta forma, em relação ao início do século XX,

existem poucas páginas que relatam as festas religiosas, assim como os conflitos que foram

encontrados em outras fontes relacionadas ao Padroeiro de Juazeirinho, a doação e criação da

capela e a mudança do Padroeiro na década de 1970, são ocultadas no Livro de Tombo.

23

Grupo Musical formado por moradores de Juazeirinho responsáveis pelos cânticos durante a Festa da

Padroeira Sagrada Família.

Page 16: Devoção e festa no sertão baiano

16

Sobre a troca dos padroeiros, tivemos como suporte duas documentações: uma

certidão de doação das terras para a construção da capela datada em 1932,24

emitida a pedido

de José Fernandes Carneiro e Juvelino Antonio Carneiro, que se encontra na Paróquia Nossa

Senhora da Conceição do Coité, e uma carta particular, datada no ano de 1981, de José

Fernandes Carneiro a Joaquim Carneiro de Oliveira Neto em que relata todo o processo

envolvendo a construção da capela e o período em que a localidade teve dois santos

padroeiros.

Na certidão de doação das terras, o escrivão Evódio Ducas Resedá declarou que os

senhores acima citados doaram aos santos José, Maria e a Jesus a terra onde foi construída a

capela. Nesse documento, encontra-se a data em que a Sagrada Família tornou-se oficialmente

padroeira de Juazeirinho, ou seja, 1970.

Na carta escrita por José Fernandes Carneiro a Joaquim Carneiro de Oliveira Neto, seu

autor narrou como conseguiu construir a capela, seus esforços e a participação dos moradores,

assim como a data em que faz a doação das terras para a Padroeira Sagrada Família, isto é, em

1932. Nesta missiva ficou evidente o conflito sobre os santos padroeiros em Juazeirinho e,

conseqüentemente, a resolução do problema de uma capela com duas padroeiras (Sagrada

Família e Santa Terezinha).

É valido explicar que durante a pesquisa surgiu a necessidade de estudar a história da

origem da localidade, a fim de investigar a relação entre ela e o início da devoção aos santos

católicos. Devido à inexistência de algum trabalho que tratasse do assunto, tivemos o contato

com algumas documentações e fontes manuscritas ainda inéditas, para contextualizar a festa

da padroeira, como também para elucidar alguns questionamentos que surgiram durante o

trabalho, como por exemplo, a relação entre a construção da capela e os primeiros moradores

de Juazeirinho.

Em relação ao surgimento de Juazeirinho, tivemos contato com um inventário pós-

morte do final do século XIX25

, de Josepha Satyra do Amor Divino, no qual o seu marido,

Victorio Aurelino Carneiro, declara todos os bens da falecida, entre eles as terras da Fazenda

Joazeiro. Neste documento, foram analisados alguns aspectos referentes à origem da

localidade, como as dimensões do território, os moradores, dentre eles um escravo e as

atividades produtivas que eram desenvolvidas, além do preço por que a fazenda estava sendo

inventariada.

24

Certidão sob a guarda da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité. 25

Inventário encontrado no Centro Documental, UNEB – Campus XIV.

Page 17: Devoção e festa no sertão baiano

17

Destacamos também como documentação referente aos primeiros moradores de

Juazeirinho, no início do século XX, duas escrituras de compra e venda das terras do arraial

Joazeiro, pertencentes à Rachel Carneiro de Souza, compradas em 1934 e vendidas a Juvelino

Antonio Carneiro, em 193826

. Nas quais foi possível identificar o período em que os lotes

foram vendidos, bem como seus respectivos valores e compradores. Com o cruzamento de

outras fontes, verificamos as primeiras famílias proprietárias das terras da fazenda Joazeiro.

Fontes orais

Neste trabalho, tiveram grande destaque também as informações guardadas na

memória dos juazeirenses, através das entrevistas com alguns devotos que participaram da

Festa da Padroeira. Foi possível, através da análise desses depoimentos, perceber as diferentes

interpretações, as rupturas e continuidades, conseguindo também informações que nos

documentos escritos não são retratadas, assim como detalhes e impressões guardadas na

memória.

O trabalho com a História oral envolveu os participantes das festas da padroeira de

Santa Terezinha e Sagrada Família, teve como base as instruções de Verena Albertini27

,

quando orienta para que as transcrições sejam realizadas respeitando todas as expressões e os

aspectos da fala dos entrevistados, sem que seja feita qualquer alteração. Ela apresenta os

relatos da memória como importante espaço para estudo, que precisa ser realizado com uma

metodologia específica, sendo desenvolvido em etapas.

As entrevistas tiveram como ponto inicial a escolha de dez pessoas, entre

organizadores e participantes, baseadas em roteiros que contemplassem alguns temas centrais.

Com a realização das primeiras entrevistas, os roteiros foram modificados, variando de acordo

a cada entrevistado, sendo ampliados em alguns aspectos. É importante ressaltar que no

decorrer da pesquisa foram retirados alguns nomes e também acrescentamos outros, na

medida em que surgia a necessidade de novas informações, por isso a realização e a

transcrição das entrevistas foram acontecendo de forma gradual. De forma geral, o tempo de

duração era trinta minutos.

26

Ambas sob guarda dos herdeiros de Joaquim Moraes Carneiro, morador de Juazeirinho ( falecido). 27

ALBERTINI, Verena. Fontes Orais. IN: PINSKY, Carla Bassanezi ( org.).Fontes Históricas. São Paulo:

Contexto, 2005.

Page 18: Devoção e festa no sertão baiano

18

A última etapa das entrevistas foi a transcrição e a análise das informações, esta foi

realizada de forma a contemplar todos os aspectos da fala dos entrevistados. As citações

encontradas neste trabalho seguem originalmente a forma como foi gravada.

Dificuldades encontradas

Para o estudo dos documentos manuscritos, foram necessárias muitas horas para ler e

fotografar, visto que não era permitido fazer a cópia, soma-se a isto a dificuldade para ler,

devido a algumas palavras quase indecifráveis e também a má condição de algumas partes, o

que acabou dificultando uma leitura mais detalhada.

Por outro lado, em relação às fontes impressas, a dificuldade esteve relacionada à falta

de um arquivo organizado, pois foi preciso muito tempo para poder organizar os documentos

e depois selecioná-los. Em relação ao Jornal o Mensageiro, encontramos amontoados de

exemplares referentes ao período de 12 anos, que formavam uma média de 150 jornais, entre

eles exemplares repetidos, os quais tivemos que catalogar e posteriormente destacar os que

faziam referência a Juazeirinho, no total somaram 35 jornais que foram utilizados na

realização do trabalho. Em relação à história oral, encontramos alguns problemas, pois foi

preciso muito tempo para as transcrições das entrevistas realizadas.

Entendendo as fontes como objetos constituídos por várias linguagens que a partir da

escolha do historiador podem contribuir para entender aspectos do passado de uma sociedade,

contribuindo para decifrar códigos dentro de cada temporalidade através de várias

interpretações e instrumentos metodológicos28

. Este trabalho foi desenvolvido baseado na

interdisciplinaridade, através do estudo de fontes escritas, manuscritas, impressas e orais.

As conclusões alcançadas foram construídas através da análise e do cruzamento das

informações encontradas nesses documentos, como uma forma de contemplar o tema

proposto e elucidar a problemática diante das limitações encontradas, como ausência de

arquivos catalogados, tempo para realização da transcrição das entrevistas e ausência de

algumas documentações. Fatos que impediram uma análise mais aprofundada de alguns

aspectos.

28

CHUVA, Márcia. A História como instrumento na identificação dos bens Culturais. MOTTA, Lia. (org.). Rio

de Janeiro: IPHAN, 1998.

Page 19: Devoção e festa no sertão baiano

19

1. História e religiosidade

1.1 As práticas religiosas no Brasil

As tradições religiosas européias moldaram a religiosidade brasileira desde o período

colonial, através das festas em adoração aos santos católicos no âmbito público e privado.

Com as imagens dos santos, trazidas pelo colonizador português, vieram também às crenças e

mitos que deram origem ao catolicismo tradicional popular brasileiro.29

Estas práticas se configuravam como espetáculos públicos, de ostentação de riqueza e

poder, mas eram utilizadas também como meio de controlar e tentar homogeneizar os hábitos

de toda a população colonial. Legitimando o poder do branco cristão, na medida em que,

através da repressão e da violência, objetivavam acabar com as influências consideradas

pagãs e profanas dos índios e africanos.

No período colonial, as festas religiosas representavam para a Igreja Católica e para o

Estado português meios de manipulação e controle de poderes, sendo as atividades religiosas

direcionadas pelo calendário real ou litúrgico. Desta forma, apesar das festas religiosas

coloniais se constituírem como ambientes de trocas culturais, “as procissões, novenas,

adorações e superstições marcavam também a crença e religiosidade colonial como elementos

doutrinários, que eram utilizados como instrumentos de propagação dos interesses dos

colonizadores”30

.

Assim, a religiosidade no Brasil direcionou as atividades cotidianas de grande parte da

população, neste período existiam pelo menos três momentos em que os colonizadores

católicos, através de um gesto simbólico e ao som dos sinos das igrejas, paravam para realizar

orações. “Desde o despertar o cristão se via rodeado de lembranças do Reino dos Céus, na

parede contigua a cama, havia sempre algum símbolo visível da fé cristã”31

.

As práticas religiosas caracterizavam-se também pelas atividades públicas e privadas;

destaca-se neste sentido o papel da capela e dos eclesiásticos, algo que fora herdado da cultura

religiosa portuguesa. Luis Mott explica que as manifestações de fé e adoração aos santos

29

STEIL, Carlos Alberto. Catolicismo e Cultura. IN: VICTOR, Vicente Valla. (org.). Religião e cultura popular.

Rio de Janeiro: DP&A, 2001. 30

DEL PRIORI, Mary. Festas e utopias no Brasil colonial. São Paulo: Brasiliense. 2000.p.51. 31

MOTT, Luiz. Cotidiano e vivência religiosa: entre a capela e o calundu. IN: NOVAIS, Fernando A; SOUZA,

Laura de Mello e. ( orgs.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.p. 164.

Page 20: Devoção e festa no sertão baiano

20

padroeiros eram elementos constantes na vida do cristão, na medida em que “dentro da casa,

uma série de imagens, quadros e amuletos sinalizavam a presença do sagrado no espaço

privado do lar”32

.

A Colônia apresentava características diversas, devido ao processo de colonização,

culturas e crenças diversas aparecem imbricadas. Em um contexto onde as irmandades

católicas também tiveram um papel importante, sendo os primeiros organizadores do

catolicismo no país, o qual foi marcado pelas manifestações externas. “Como as alegres

missas [...] Estas parecem ter preconizado momentos de igual euforia religiosa [...] As

procissões festivas Também ilustravam o lado alegre da religiosidade na colônia, assim como

elementos sagrados e profanos”33

.

Dessa forma, a religião no Brasil desenvolveu-se de forma bastante peculiar, como

resultado da junção de diferentes crenças, símbolos e significados. Até o século XIX, a

religiosidade popular, era marcada com a presença de elementos sagrados e profanos em

diferentes cenários das manifestações religiosas africanas e européias, por meio das festas e

procissões religiosas, compondo o catolicismo lúdico e barroco no Brasil:

[...] o Catolicismo no Brasil se caracterizava por elaboradas manifestações

externas de fé: missas celebradas por dezenas de padres, acompanhadas por

corais e orquestras [...] As festas religiosas de adoração aos santos como um

dos principais veículos do catolicismo popular, onde atividades e

sentimentos de adoração se misturavam com festa e sexualidade, sendo

elementos explícitos principalmente no imaginário religioso baiano.34

Contudo, a partir da segunda metade do século XIX, o catolicismo tradicional popular

característico por seu caráter devocional e festivo é estruturalmente reformulado. Os

dirigentes leigos das irmandades são substituídos por padres e congregações religiosas dentro

de um contexto modernizador e reformador da religiosidade popular, através de uma

intervenção clerical, controlada pela igreja oficial, com o objetivo de purificar o catolicismo,

atuando no controle dos santuários e das festividades. Contudo ocorreu durante essa mudança

reformadora uma divisão interna entre essas duas correntes no catolicismo:

32

MOTT, Luiz.Cotidiano e vivência religiosa: entre a capela e o calundu. IN: NOVAIS, Fernando A; SOUZA,

Laura de Mello e. ( orgs.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.p. 164. 33

SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil

colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.p.100. 34

REIS, João José,. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo:

Companhia das Letras, 1991.p.49.

Page 21: Devoção e festa no sertão baiano

21

Essa intervenção clerical no curso do catolicismo no Brasil vai demarcar

uma divisão entre o catolicismo popular tradicional e o catolicismo

esclarecido clerical dentro do sistema católico como um todo. Evidencia-se,

neste período, dois subsistemas no catolicismo que vão disputar espaços de

poder e influência na sociedade brasileira: um popular, de corte devocional,

centrado no culto aos santos, e outro moderno, centrado nos sacramentos e

na mediação do clero35

Essa reforma se estendia em vários aspectos, como a regeneração dos clérigos

mudando seus comportamentos através de uma formação religiosa mais eficaz, ou seja, em

sua formação intelectual. Como também objetivavam moldar a religiosidade e os costumes

dos fieis, existia a preocupação de inibir a presença de elementos considerados não-sagrados

durante as festas religiosas católicas; essa precaução configurava-se através de proibições por

vias legais ou pela repressão através da violência das autoridades locais. Pois a participação

popular era considerada fora do padrão a ser seguido, buscava-se ignorar os elementos e as

crenças36

.

Essa reação estava relacionada ao fato de as manifestações religiosas serem, até então,

marcadas pela presença do profano, considerado pelo clero reformador como atividades que

desviavam do caráter religioso. Para tanto realizaram várias modificações nos rituais

religiosos, buscando por alterar as antigas devoções e as festas religiosas em homenagem aos

santos padroeiros populares, como relata Maria Aparecida Gaeta:

No final do século XIX, entretanto, as devoções que possuíam uma larga

expressão popular, como a de São Benedito e a do Divino Espírito Santo, a

de Nossa Senhora do Rosário, a de Santa Ifigênia, a de Santo Elesbão e a dos

Reis Magos começaram a ser desqualificadas[...] Discretamente as imagens

eram retiradas dos altares centrais e alojadas em capelinhas[...]Sem

combater diretamente as devoções populares, os padres romanizadores

limitavam-se a não participar delas e a condenar os excessos cometidos

durante as suas festas.37

Atuavam, portanto, para evitar os abusos nas festas em devoção aos santos populares,

que envolviam mascarados, bebidas, comidas, danças e folia. Com o apoio de outras

autoridades, o clero reformador estabeleceu vários termos no código de postura dos

35

STEIL, Carlos Alberto. Catolicismo e Cultura. IN: VICTOR, Vicente Valla. (org.). Religião e cultura popular.

Rio de Janeiro: DP&A, 2001.p.16. 36

COUTO, Edilece Souza. Festejar os santos em Salvador: Tentativas de reformas e civilização dos costumes

(1850-1930). IN: BELLINI, Ligia. Formas de Crer: ensaios de história religiosa no mundo luso-afro-brasileiro,

século XIV-XXI. Salvador: Edufba, 2006. 37

GAETA, Maria Aparecida Junqueira Veiga. A cultura clerical e a folia popular. São Paulo: AUPUH,

1997.p.192.

Page 22: Devoção e festa no sertão baiano

22

municípios brasileiros com normas que deveriam ser seguidas durante as festas religiosas. “ O

clero brasileiro buscou o reforço e a ajuda das congregações européias. Capuchinhos italianos,

lazaristas franceses e jesuítas chegavam ao Brasil com a missão de reformar o catolicismo.”38

É preciso explicar que no cenário festivo permaneceu a intervenção e a participação

dos membros da Igreja católica na conservação de algumas festas religiosas, para perpetuar os

valores cristãos e sociais defendido pela Igreja. As manifestações são espaços de demarcação

de poder e status, em que o clero e os políticos desfrutam de posições privilegiadas e

diferenciadas do restante da população no desenvolver das procissões. A presença do clero

atua como um meio de reprimir a presença de elementos profanos, servindo para padronizar

os costumes e as crenças, controlando as manifestações de fé e religiosidade.

Contudo, embora essa reforma romanizadora, a religiosidade brasileira permaneceu

tendo como característica a devoção aos santos católicos. As procissões religiosas, por

exemplo, são realizadas com o intuito de adoração de caráter penitencial e festivo e

configuram-se como elementos essenciais na constituição do catolicismo brasileiro.

Na Bahia, embora existam também muitas festividades relacionadas a outras religiões,

têm grande destaque as realizadas em devoção aos santos católicos em todos os meses do ano,

como uma forma de exteriorização do culto religioso e da manifestação da fé. Os cristãos

realizam preces e promessas a Deus, e aos santos de devoção com festas e romarias. As

celebrações associadas à devoção aos santos padroeiros são os principais ritos realizados no

Estado, com missas, procissões, festas e grande participação popular. Em um contexto de

diversificadas práticas e crenças.

Em Juazeirinho, os moradores realizam festas religiosas que acontecem no âmbito

público e privado. Através de um levantamento realizado, identificamos o Reisado, as Rezas

nas residências em devoção aos Santos Católicos, o Mês Mariano, a Paixão de Cristo, os

festejos Juninos, a Celebração do Natal e a Festa da Padroeira. Ou seja, durante praticamente

todos os meses do ano, festas, rezas, procissões e novenas são elementos que marcam o

cotidiano da população juazeirense, através de manifestações que estão divididas em

atividades realizadas na igreja, local da Sagrada Família, onde toda a comunidade participa, e

as realizadas em residências, em que os proprietários prepararam suas casas como uma

demonstração de fé e dedicação.

38

COUTO, Edilece Souza. Entre a Cruz e o Confete: A carnavalização das festas religiosas e a reforma católica

em Salvador (1850-1930). IN: Projeto História: revista do Programa de Pós-Graduados em História da

Universidade Católica de São Paulo.São Paulo: EDUC,2004.p.47.

Page 23: Devoção e festa no sertão baiano

23

Através do estudo dos eventos festivos religiosos realizados em Juazeirinho,

percebemos que estes são formados por momentos diferenciados que se estabelecem em um

conjunto de ações que começam na organização das atividades, na realização das práticas

como também nos ambientes após as celebrações.

Merece destaque na localidade a participação popular com as diversas crenças, através

de orações específicas em cada data festejada. Desta forma, a religiosidade constitui-se como

um elemento da cultura, onde as diferentes práticas marcam a identidade individual e

coletiva.39

1.2 A festa religiosa como objeto da historiografia

A configuração da História das religiões e religiosidades verifica-se no final século

XIX e início do XX, quando pesquisadores começaram a inventariar os costumes e as práticas

de caracteres religiosos de grupos considerados primitivos, para os quais os elementos

religiosos eram um fator importantíssimo em sua organização. As primeiras pesquisas eram

baseadas em ideias positivistas e evolucionistas40

. Contudo, através da contribuição da

Sociologia neste campo de pesquisa, essa visão foi, aos poucos, alterada.

No Brasil, as produções historiográficas começaram a ser realizadas após a criação do

Instituto Histórico Geográfico, em 1838, mas estes trabalhos, conforme explica Eni Mesquita

Samara, apenas no século XX percebe-se uma mudança nas áreas de pesquisa, através de

trabalhos que estavam baseados em diferentes linhas temáticas:

Ao longo da década de 1970, a difusão de cursos de pós-graduação em

História, associada às transformações político-sociais ocorridas em nosso

País, coincidiu com o esgotamento de métodos e interpretação histórica,

sustentada em sínteses globais da realidade brasileira. Entre os

pesquisadores, observam-se também, neste período, profundas mudanças em

suas diretrizes de trabalho com ênfase nas questões da contemporaneidade e

das minorias, dando voz e lugar aos personagens antes sem História. Em

39

OLIVEIRA, Waldir Freitas. Santos e festas de Santos na Bahia. Salvador: Secretaria de Cultura e Turismo,

Conselho Estadual de Cultura, 2005. 40

HERMANN, Jacqueline. História das religiões e religiosidade. IN: CARDOSO, Ciro Flamarion;VAINFAS,

R. (org.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier,1997.p.329-352.

Page 24: Devoção e festa no sertão baiano

24

decorrência, abriram-se novos campos de investigação histórica, com linhas

de pesquisa específicas, muitas delas com circunscrição regional [...]41

Até meados da década de 1970, as festas religiosas eram trabalhadas como folclore,

depois deste período, começaram a ser encaradas como objetos de estudo dos historiadores,

como um espaço de pesquisa, sendo interpretadas como novos objetos para conhecer

coletividades, identificar os comportamentos, tensões e representações simbólicas e culturais.

Edilece Couto afirma que a festa enquadra-se no campo da História Cultural e o estudo da

religiosidade popular brasileira, assim como seus símbolos e crenças, permite a compreensão

da Cultura Popular:

Por meio das festividades é possível perceber os comportamentos, as

representações e visões de mundo de um determinado povo. Tanto quanto

um momento de prazer, as festas guardam costumes, tradições e

especificidades culturais. Muito do que conhecemos atualmente sobre

culturas negras e indígenas foi revelado pelos estudos dos seus festejos e

rituais42

.

Em 1960, a História Cultural traz como foco o estudo da cultura popular, colocando os

problemas “em que as pessoas comuns são deixadas de fora”43

. Nessas décadas, os trabalhos

acadêmicos são atraídos por temas relacionados à cultura popular. A partir da união com a

Antropologia, a História Cultural surge com novas abordagens e práticas plurais, ressaltando

os estudos relacionados à micro-história e dando destaque às especificidades das culturas

locais. Essa década pode ser entendida nos meios historiográficos como uma reação aos

privilégios dados às grandes narrativas históricas.

Dentro do estudo das festas, destacamos precisamente a influência da comunicação

oral, dos costumes e das tradições orais em pesquisas, abrindo espaço para o estudo das

sensibilidades e da cultura, em um contexto em que e a história econômica e social divide

lugar com a História Cultural e a Micro-História.

As pesquisas relacionadas a esse objeto emergiram dos estudos da História Cultural

como um local privilegiado para se pensar o exercício da religiosidade popular e sua relação

com os diferentes segmentos sociais. Sendo, portanto, importantes para estudo das práticas

41

SAMARA, Eni de Mesquita; SILVEIRA, Ismênia S. História & Documento e metodologia de pesquisa. Belo

Horizonte: Autêntica, 2007. P. 43. 42

COUTO, Edilece Souza. A puxada do mastro: transformações históricas na festa de São Sebastião em

Olivença, Ilhéus. Editora da Universidade Livre do mar e da mata, 2001.p.203. 43

BURKE, Peter. O que é História Cultural? .Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed. 2005.

Page 25: Devoção e festa no sertão baiano

25

coletivas e individuais, através das diferentes atividades desenvolvidas durante as celebrações.

“Ao se tornarem objetos dos historiadores, desnudou-se a questão acerca da dinâmica e do

movimento das festas, colocando-as no centro a sua própria historicidade, avaliada através de

diferentes variáveis”44

.

A cultura e a religiosidade têm sido encaradas como campos complexos de discussão

histórica, pois percebemos que a historiografia vem dando especial atenção ao campo das

religiosidades. No campo da religiosidade, vêm ocorrendo mudanças referentes ao recorte de

estudo; se antes estava mais voltado aos aspectos institucionais, agora se volta para as

vivências concretas das práticas religiosas, como as procissões e as orações.

Essa mudança de enfoque é marcada pelos estudos de temáticas antes negligenciadas,

fato que permitiu o estudo dos homens e atitudes comuns, neste contexto, a religiosidade

passa a se enquadrar no campo da pesquisa historiográfica, como explica Claudefranklin

Santos:

É preciso ver a festa como um objeto de estudo dentro da discussão da

cultura popular. Para tanto, o contexto pela História Cultural permitiu

compreendê-la dentro de uma dinâmica de sociabilidades, as quais

fomentam identidades de variados agrupamentos humanos e sociais.45

As pesquisas nos campos das práticas religiosas e costumes surgem na busca por

novos objetos a partir do estudo do cotidiano, utilizando novas fontes e métodos, através de

diferentes perspectivas. As festas religiosas tornam-se um campo de estudo que demonstra

uma gama de temas e questões que começam a ser investigadas com o intuito de serem

analisadas as diferentes formas de religiosidade·

Em Juazeirinho, as práticas religiosas festivas em devoção aos santos padroeiros

podem ser entendidas como um fenômeno de sociabilidades, pois, através da análise das

atividades que compõem as novenas, percebemos que as festividades não só alteram o ritmo

da vida da localidade, como também promovem a relação entre as pessoas com idades,

gêneros e regiões diferentes, através de diferentes significados e práticas, configurando-se

como momentos religiosos de expressão cultural e popular.

44

Abreu, Martha.O Império do Divino: festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro 1830 / 1900. Nova

Fronteira, 1999.p. 38. 45

SANTOS, Monteiro Claudefranklin. A festa como objeto de estudo de pesquisa histórica no campo da

religiosidade. Disponível em : www.scielo.br/scielo. Acesso em: 06 de Maio de 2009.p. 04.

Page 26: Devoção e festa no sertão baiano

26

Durante as festas em devoção à Santa Terezinha e à Sagrada Família, as relações não

se restringiam somente ao âmbito da igreja, como também ao grande número de pessoas que

ficam aos arredores, em meio a conversas informais, alternando a atenção entre as atividades

religiosas realizadas e as informações adquiridas dentro das rodas de conversas paralelas.

Essas atividades autônomas verificadas no contexto religioso festivo podem ser entendidas

como um elemento que compõe o próprio catolicismo, que se constitui em “ um intricado

sistema de práticas, significados, rituais e personagens que transitam por este universo

religioso e que ultrapassam as fronteiras institucionais da Igreja”46

.

1.3 A festa como um espaço de relação entre o sagrado e o profano

Entre uma das principais características das festas religiosas podemos destacar a

relação entre o sagrado e o profano. Como afirma o sociólogo Emile Durkheim “o fenômeno

religioso é constituído por crenças e ritos, caracterizados como sagrados e profanos[...] ”47

.

Para tal, a presença destes dois elementos são importantes para a manutenção da hierarquia

religiosa durante a realização das cerimônias e dos rituais públicos.

Neste sentido, a dicotomia existente entre o sagrado e o profano é estabelecida pelas

autoridades religiosas para designar as estruturas consideradas superiores ou inferiores, com o

objetivo de moralizar o ser religioso, como afirma Pierri Bourdieu,:

A oposição entre os detentores do monopólio da gestão do sagrado e os

leigos, objetivamente definidos como profanos, no duplo sentido de

ignorantes da religião e de estranhos ao sagrado e ao corpo de

administradores do sagrado, constitui a base do princípio da oposição entre o

sagrado e o profano... logo é licito indagar se rompeu com este sentido

primeiro e primitivo, a fim de distinguir formações sociais dotadas de

aparelhos religiosos desigualmente desenvolvidos e de sistemas de

representações religiosas desigualmente moralizados e sistematizados[...]48

.

46

STEIL, Carlos Alberto. Catolicismo e Cultura. IN: VICTOR, Vicente Valla. (org.). Religião e cultura popular.

Rio de Janeiro: DP&A, 2001.p.10. 47

DURKHEIM, Emile. As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália. São Paulo:

Paulinas, 1989.p. 547. 48

BOURDIEU, Pierre. Gênese e Estrutura do Campo Religioso. IN: A economia das trocas simbólicas.São

Paulo: Perspectiva,1999.p. 27-78.

Page 27: Devoção e festa no sertão baiano

27

Não existe uma única classificação que diferencie estes dois elementos – o sagrado e o

profano –, encontramos várias formas de interpretação, variando de acordo a cada religião e

cultura. Tais aspectos nem sempre estão separados, pois o “uma tal existência profana jamais

se encontra em um estado puro[...] não consegue abolir completamente o comportamento

religioso” 49

.

Percebemos uma relação, ou seja, uma junção entre folia e religião desde as tradições

cristãs da Idade Média. Naquela época, era comum a permissão de espetáculos populares ditos

pagãos nas celebrações católicas, dentro de um variado espaço de representações religiosas

nas quais seus símbolos e elementos festivos e religiosos são formados por elementos

sagrados e profanos.

Durante os festejos religiosos, existe a ligação dos diversos elementos: as músicas, os

folguedos e a comida, que são utilizadas para homenagear os santos padroeiros. “a imbricação

do sagrado e do profano está presente nas celebrações religiosas, nas festas públicas

organizadas pelas autoridades civis. ”50

Apesar da atuação da igreja em estabelecer separado os elementos considerados por

tais como sagrado e profano, a folia é um elemento presente em varias celebrações em

devoção aos santos católicos, são momentos em que orações, folguedos e comidas compõem a

festividade como partes integrantes onde não se distinguem da euforia e da devoção.

As principais festas no Brasil têm relação com algum fenômeno religioso, seu início

ou término é quase sempre relacionado a um marco sagrado, através de uma polaridade de

rituais, que variam entre os atos solenes e as manifestações populares51

. Portanto fica evidente

que, embora a busca por parte das autoridades em separar tudo que não esteja dentro dos

padrões religiosos historicamente construídos, a relação entre o sagrado e o profano não deve

ser encarada de forma dicotômica, pois a religiosidade em sua essência é formada por

diferentes elementos e práticas individuais e coletivas.

Além disso, a conceituação entre o que seja classificado por manifestações sagradas

ou profanas apresenta-se de formas diferenciadas, dependendo da cultura e do momento

histórico de cada sociedade. Entendemos as festas religiosas como espaços de sociabilidade e

de trocas culturais, pois elas não se configuram como homogêneas nem imóveis, mas em

ambientes em que os diferentes sentimentos, vivências e interpretações no fenômeno festivo

religioso permitem a relação de diferentes elementos por que as práticas consideradas

49

ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1992.p. 27. 50

COUTO, Edilece Souza. A puxada do mastro: transformações históricas na festa de São Sebastião em

Olivença, Ilhéus. Editora da Universidade Livre do mar e da mata, 2001. p. 176. 51

SERRA, Ordep. Rumores de Festa: o Sagrado e o Profano na Bahia. Salvador: Edufba,2000.

Page 28: Devoção e festa no sertão baiano

28

profanas se configuram através de manifestações diversas, compondo também o cenário

festivo religioso.

Dentro destes vários componentes, destacamos as barracas que são encontradas aos

redores da igreja durante as festividades. Estas assumem um espaço de atividades comerciais

através da venda de comidas e bebidas e são apreciadas pelos participantes que desfrutam dos

diferentes ambientes festivos. “Em um contexto onde vários aspectos compõem o cenário com

elementos considerados sagrados e profanos, relacionando duas categorias que estão

imbricadas, onde a existência de um depende do outro variando de cada cultura e

temporalidade”52

.

Em Juazeirinho, durante os anos de 1993 e 2005, as atividades relacionadas à Festa da

Padroeira eram realizadas durante o dia, com os ensaios das coreografias e dramatizações até

o horário do culto, quando tudo acontecia. Mas as atividades estendiam-se após o termino das

celebrações, com a barraca de comidas típicas, e, nos últimos dias, com os bingos e os leilões,

assim como a apresentação de capoeira e do bumba-meu-boi. A Barraca era realizada com o

material doado pelos moradores, em que uma comissão dividia por noite a rua responsável.

O leilão já era realizado desde a festa de Santa Terezinha (1930), através de doações

diversas, que variavam desde comida, doce e bebida. Percebemos que na noite do leilão a

praça ficava mais cheia de gente que ia para se divertir com os valores que eram oferecidos.

Estas atividades estavam voltadas também para o patrocínio da festa.

Essas atividades são elementos que compõem a festa da padroeira em Juazeirinho. Como

são apresentadas nos folders da festa durante as novenas realizadas nos anos de 2003, 2006 e

2007, as atrações culturais já faziam parte da programação com destaque. No ano de 2008, na

penúltima noite da festa, verificamos a presença da capoeira antes de começar a celebração,

como forma de animar a festa, mas é importante ressaltar que estas atrações, durante os dias

da festa, foram proibidas e não são mais realizadas com frequência, como explica Luis

Durval:

Entre outras atividades religiosas também que inseria na festa, né, sem

dúvida a participação, né no louvor. No final nós tínhamos as apresentações

culturais que eram realizadas depois do culto, e que também enriquecia o

nosso novenário, mas por motivos superior, seguindo algumas orientações de

não misturar a festa mundana com a festa religiosa, nós a não ser que fosse

todas as apresentações voltadas a músicas católicas ou músicas religiosas,

não músicas mundanas como era antigamente feita, e por causa dessas e

outras nós nos reunirmos, porque ninguém decide nada sozinho, mas em

conjunto com a comunidade se fosse fazer uma vez colocasse no final da

noite da juventude, justamente um chamado a essa juventude para participar

52

SERRA, Ordep. Rumores de Festa: o Sagrado e o Profano na Bahia. Salvador: Edufba,2000.p.70.

Page 29: Devoção e festa no sertão baiano

29

de forma no louvou, tudo isso agente conseguia que esses jovens participasse

de forma direta e participativa de nossas noites.53

Durante a Festa da Padroeira, os padres da Paróquia Nossa Senhora da Conceição

atuavam através das orientações litúrgicas relacionadas às procissões e orações de cada noite.

Além disso, o pároco responsabiliza-se pelos sacramentos, ou seja, pela realização dos

casamentos coletivos, os batizados e a Celebração Eucarística. Como já foi elucidado, desde a

década de 1860 percebe-se o processo de romanização do catolicismo brasileiro, além de

cuidar da formação dos futuros padres, a Igreja Católica desejava modificar a religiosidade

dos leigos.54

Embora os membros da Igreja católica atuem em separar os elementos sagrados e os

profanos, como forma de controlar e influenciar a devoção dos santos por meio de atividades

que perpetuassem a influência das normas religiosas na sociedade, em Juazeirinho,

percebemos que juntamente com a devoção aos santos católicos, elementos como músicas,

peças teatrais, danças e a comida, configuram-se como um momento importante, como uma

relação entre os ritos religiosos.

Para os devotos juazeirenses, essas atividades deixam a festa mais animada, neste

sentido não encontramos durante as entrevistas uma aversão entre os entrevistados em relação

à presença das atividades consideradas profanas ou a inovações. Pois os elementos existentes

ultrapassam o universo imposto inicialmente pela Igreja Católica, já que as orações oficiais

católicas rezadas são relacionadas com a música, e as danças locais voltadas à realidade da

localidade.

1.4 A religiosidade como patrimônio cultural imaterial

Para Melo Morais Filho, as festas religiosas da Igreja católica configuram-se como um

fator de movimentação e organização social, os eventos religiosos litúrgicos e populares

representam a conservação das tradições nacionais. Ressalta também a importância das

53

Entrevista de Luiz Durval Oliveira Carneiro, radialista da Juá FM e participa da organização da Festa da

Sagrada Família. Concedida em 08 de Agosto de 2009. 54

COUTO, Edilece Souza. Festejar os santos em Salvador: Tentativas de reformas e civilização dos costumes (

1850-1930). IN: BELLINI, Ligia. Formas de Crer: ensaios de história religiosa no mundo luso-afro-brasileiro,

século XIV-XXI. Salvador: Edufba, 2006.

Page 30: Devoção e festa no sertão baiano

30

atividades religiosas para o sertanejo, apresentando-as como elementos formadores de sua

identidade, porque os costumes, as crenças e superstições no imaginário religioso são

elementos importantes no cotidiano da vida religiosa.“Na intimidade do povo, na convivência

direta com essa gente é que se conserva seus usos adequados, que melhor se estuda a nossa

índole, o nosso caráter nacional[...] Em um país em que acha-se ridículas as tradições e

desfaz-se delas ”55

.

O estudo da religiosidade permite a análise de diferentes aspectos da história de uma

sociedade, porque esta é representada através de elementos diferenciados. Desta forma, a

memória e a identidade coletiva e individual não são expressas apenas através do patrimônio

material. As manifestações, as práticas e as festas religiosas também são elementos

importantes no processo de construção da identidade, pois evidenciam as peculiaridades e as

semelhanças de grupos e de indivíduos. Os bens imateriais são patrimônios históricos, e sua

análise possibilita a construção de uma História plural, evidenciando a atuação de diferentes

sujeitos, saindo da visão geral e homogênea56

.

No Brasil, diversas cerimônias religiosas continuam sendo realizadas e simbolizando,

além dos sentimentos religiosos, as crenças individuais e coletivas. A religiosidade é um fator

na construção da identidade e cultura local, pois as festas religiosas populares são oriundas de

um conjunto de elementos de diferentes culturas, católicas e africanas, profanas e sagradas.

Percebemos um sincretismo religioso, a devoção aos santos padroeiros caracterizando-a pela

diversidade de manifestações religiosas e expressões de fé57

.

Essas práticas fazem parte do patrimônio cultural imaterial, como um espaço aberto

para o estudo da História. A festa religiosa ocupa um espaço social de destaque e o aparato de

sua realização é retrato vivo de representações culturais, entendemos as manifestações

religiosas como práticas populares em constante movimento, sendo, portanto, necessária sua

valorização e preservação:

è necessário buscar as formas de preservação e manifestação dessas

práticas. Considerando-se que o entendimento da cultura é o entendimento

de sua dinâmica, a cultura popular está permeada por múltiplos atores,

lastreada de continuidades/ descontinuidades, contraposta por historicidades

diversas. Sua compreensão não se restringe ao acervo de coisas, objetos,

produtos ou realidade. Ela é um processo vivenciado no seio da sociedade,

55

MORAIS FILHO, Melo. Festas e tradições populares no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia. 1979. p. 03-19. 56

ORIÁ, Ricardo. Memória e Ensino de História. IN: BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na sala

de aula. 10 ed. São Paulo: Contexto, 2005. 57

MEGALE, Nilza Botelho. Folclore brasileiro. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.

Page 31: Devoção e festa no sertão baiano

31

por um conjunto de práticas dispersas. Comporta uma riqueza de maneiras

de fazer, atualizar e expressar – recriadas e reinventadas em suas formas.58

As festas no Brasil compõem o cenário cultural, e as manifestações religiosas

populares representam um papel importante, na medida em que contribuem para a construção

da indenidade coletiva, possibilitando várias interpretações do sagrado.59

58

PASSOS, Mauro. O catolicismo popular. In: A festa na vida: significado e imagens. Petrópolis: Vozes,

2002.p. 168. 59

JUKEVICS, Vera Irene. Festas religiosas: a materialidade da fé. Disponível em: < www. Jornalismo.com. br.

>. Acesso em: 15 de Julho de 2008.

Page 32: Devoção e festa no sertão baiano

32

2 O Distrito de Juazeirinho

2.1 Origem

A história de Juazeirinho está relacionada ao surgimento de uma fazenda cujo nome é

Joazeiro. Em um inventario60

pós-morte, datado em 1872, encontramos a descrição da fazenda

Joazeiro61

, que tinha como proprietária Josepha Satyra do Amor Divino e Victorio Aurelino

Carneiro. Neste documento, o marido declara todos os bens pertencentes à falecida, em 06 de

dezembro de 1871, entre eles, as terras da fazenda Joazeiro.

O estudo do documento deixa evidente que se constituía como uma pequena

propriedade, com poucos animais e um escravo. Diante da descrição dos bens existentes, entre

eles bens de uma casa de farinha, leva-nos a acreditar que a família era sustentada pela

produção de gêneros relacionados à mandioca. Neste período, a fazenda era habitada por seis

pessoas da mesma família, Josepha Satyra do Amor Divino (esposa) e Victorio Aurelino

Carneiro (esposo), além de seus quatro filhos, que tinham a idade entre dois a nove anos, e

também a presença de um escravo cujo nome era Antônio.

Os próximos documentos encontrados que fazem referência a Joazeiro datam no inicio

do século XX. A análise de duas escrituras de compra e venda das terras da Vila Joazeiro

demonstra que desde o final do século XIX essas estiveram sob o domínio das famílias

Moraes e Carneiro; até 1922 pertenciam a José Moraes Silva, depois compradas por Juvelino

Antonio Carneiro e em 1938 pertenciam a Joaquim Carneiro de Moraes. Estes dados deixam

explícito que desde a sua origem tais famílias tiveram maior controle sobre as terras da

localidade.

Existe uma lacuna entre a data deste inventario (1872) e as escrituras (1922). Neste

trabalho não encontramos documento algum sobre a localidade durante estes cinquenta anos.

Inclusive, o único trabalho que trata sobre o tema, ou seja, a obra da memorialista Marielza

D’Vilanova 62

apresenta informações a partir do século XX. Assim, através desta pesquisa,

estes documentos saem do anonimato, mas ainda faltam fontes para ser reveladas.

60

Inventário encontrado no Centro Documental, UNEB – Campus XIV. 61

O imóvel estava sendo inventariado pela quantia de 50 mil réis. 62

D’VILANOVA, Marielza Carneiro. Juazeirinho: Terra de Gente Valorosa. Conceição do Coité: Nossa

Gráfica. 2007.

Page 33: Devoção e festa no sertão baiano

33

Em 1933, com a construção da capela, a fazenda começou a ganhar mais famílias, é

importante ressaltar que, neste período, Joazeiro já recebia muitos visitantes por causa das

rezas que eram realizadas nas residências dos moradores. Desde então, começou a ganhar

destaque por meio de suas manifestações culturais e religiosas, que em sua maioria ainda são

realizadas, como relataremos adiante. Foi consultada também em uma escritura datada de

1934 a descrição da venda das terras da “Casa Nova”, local onde, segundo os juazeirenses,

tinha um sótão que era utilizado como escola durante a semana e salão de baile aos sábados.

Na memória da população local, a origem de Juazeirinho está associada à construção

da Capela Sagrada Família, o que fica evidente no trecho do Hino feito pelos juazeirenses em

homenagem a seus fundadores:

Comunidade de uma linda História, surgiu de um povo hospitaleiro, que

abrigava a sombra de uma árvore, cujo nome era Juazeiro... Dos caminheiros

alguém parou, embaixo á sombra do Juá se abrigou. Fez moradia por lá

ficou, fincou seus pés como o juá enraizou..Juazeirinho agora vem celebrar,

a tua história é digna de louvor. Juazeirinho com o teu povo a prosperar, tu

és o fruto que o Senhor aqui plantou... Era um fazendeiro religioso, que para

louvar a Deus chamava o povo, vinha gente de todo o lugar, perto da sombra

começaram a se abrigar...Povo reunido, num só louvor, comunidade e

povoado então formou. Morador forte lutador, como os frutos do Juá que

prosperou...Somos povo amigo e hospedeiro, celebramos com a própria vida,

temos como Santo Padroeiro. Nossa Sagrada Família... Exemplo vivo de

amor e fé, com Jesus Cristo, Maria e São José. Santo esposo, santa mulher e

o filho amado família de Nazaré63

. [grifo nosso]

Observando a letra do hino, podemos entender que a questão religiosa está relacionada

ao surgimento da fazenda, dando destaque para a atuação do senhor José Fernandes (Zuza)

com a construção da capela, contudo os documentos encontrados revelam que a existência de

pessoas na localidade antecede a década de 1930.

A Vila Joazeiro começa a ser formada a partir da atuação destes fazendeiros, na

medida em que as famílias principiaram, em meados da década de 1920, a vender os lotes de

terras de suas propriedades para familiares e moradores de fazendas vizinhas. Percebemos que

a influência das famílias Moraes e Carneiro, de certa forma, foi mantida até os dias atuais,

tendo destaque na história local em diferentes áreas na política, educação, economia e

religião.

63

Hino do Juá, autoria do Grupo Musical Nova Luz.

Page 34: Devoção e festa no sertão baiano

34

2.2 Manifestações religiosas

A oração, a penitencia, a promessa, a vela acesa ajudam a abrir os

caminhos. Essas expressões devem ser tidas, comunicadas e guardadas na

memória. [...] fazer o sinal da cruz, tirar o chapéu ao passar diante de uma

Igreja, referenciar uma imagem. Nesse universo estão também os ramos, a

água benta, a vela da procissão do santo padroeiro64

Em Juazeirinho, são diversas as expressões do sagrado e da fé, a religiosidade é

marcada por forte influência do catolicismo tradicional, embora haja a atuação dos padres em

estabelecer limites para a realização das atividades na localidade. Percebemos que são

realizadas muitas manifestações religiosas nas residências em devoção aos santos católicos,

além disso, as celebrações na igreja também são marcadas pelo caráter devocional.

A análise dos jornais O Mensageiro demonstra que as atividades religiosas realizadas

na localidade contemplavam quase todos os meses do ano, no calendário paroquial, o núcleo

de Juazeirinho aparece com destaque mediante a quantidade de missas, procissões, retiros

religiosos, confissões, celebrações, e shows sacros, “as confissões perduraram todo o dia, bem

como as visitas às escolas e principalmente aos doentes, tudo findou com a celebração da

vida”65

.

Merece destaque entre os juazeirenses a devoção à Maria, diante do levantamento

realizado, ficou evidente que grandes rezas, sejam na igreja ou nas residências, fazem

referência a Nossa Senhora. Dentro de suas diversas representações, a santa é homenageada

durante as festividades como também no dia a dia, através de orações e novenas, e na

utilização de símbolos, como terços e imagens em quadros, camisas e altares. Essa devoção

pode ser entendida como elemento da religiosidade popular, conforme afirma Mauro Passos:

A religiosidade popular não é um mero acervo histórico-cultural, mas sim

expressão de vida. É um reflexo da ação das pessoas. Está circunscrita no

cotidiano, na repartição, nas permanências e singularidades. A presença de

Maria e a invocação ao seu nome demonstram seu amparo e proteção nas

horas de perigo, nas horas de perigo nas doenças e nas dificuldades. O uso

do rosário no pescoço é uma forma de buscar proteção. Há toda uma

64

PASSOS, Mauro. O catolicismo popular. IN: A festa na vida: significado e imagens. Petrópolis: Vozes,

2002.p. 179. 65

Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Conceição do Coité.

Page 35: Devoção e festa no sertão baiano

35

linguagem simbólica expressa nas orações [...] Na verdade, em todas essas

expressões populares há um jogo de construção e reconstrução.66

De acordo com as informações descritas pelos Párocos no Livro de Tombo da

Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, a vida cotidiana na localidade entre a década

de 1930 até 1950 era muito agitada, com frequentes rezas e eventos religiosos, como

festividades, procissões e celebrações. Destacamos as missões67

realizadas, com as

comunhões e confissões das famílias católicas, chegando a um único período de pregação o

número de 470 confissões na capela do Joazeiro68

. De acordo com as informações do jornal O

Mensageiro as rezas em homenagem a Nossa Senhora de Fátima, por exemplo, são realizadas

desde 1958:

Nada de abolição da escravatura, nada de falsa liberdade. A data treze de

maio para nós Católicos lembra Nossa Senhora de Fátima. Em Juazeirinho,

há 50 anos atrás, um missionário trouxe diretamente de Lisboa, Portugal,

uma Imagem de Nossa Senhora de Fátima. Desde esta data 13 de maio de

1958 que ficou incrementada a Devoção a Nossa Senhora com este título.

Quase todos os anos celebramos a Eucaristia nesta data em Juazeirinho. Este

ano a motivação foi maior e os preparativos também por causa das Bodas de

Ouro. Parabéns a Comunidade de Juazeirinho.69

A temporada de 23 de fevereiro a 02 de março do ano de 1958 foi de grande atuação

dos moradores para a realização das missões na capela. Foi inclusive o período em que a

localidade ganhou, para compor o altar da capela, a imagem de Nossa Senhora de Fátima, que

foi recebida por um caloroso espetáculo da fé católica, com aclamações piedosas, foguetes e

sinos, formando um cortejo com grande entusiasmo popular, com um santuário formado á

frente da capela.70

Atualmente a festividade em devoção a tal santa é realizada durante os trinta dias do

mês de maio, todas as noites a partir das 19:00 são cantados os hinos em homenagem a

Nossa Senhora. Após os trinta dias a reza é encerrada sempre com uma dramatização da

aparição da santa para os pastoris. È importante evidenciar que a análise deste evento

religioso possibilita a identificação das famílias que recebem destaque durante os festejos, por

66

PASSOS, Mauro. O catolicismo popular. IN: A festa na vida: significado e imagens. Petrópolis: Vozes,

2002.p. 176. 67

Celebrações religiosas. 68

Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Conceição do Coité. 69

Jornal O Mensageiro, Nº 114 , Ano 14 , Junho de 2008. 70

Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Conceição do Coité.

Page 36: Devoção e festa no sertão baiano

36

que cada noite da festa é consagrada a uma pessoa, onde esta fica responsável pelos fogos de

artifício para abrilhantar a reza.

Contudo as mesmas pessoas permanecem por muito tempo sendo homenageadas e,

mesmo após o falecimento, a noite da reza é transmitida para um familiar, além disso, de

acordo com alguns juazeirenses, fica, por vontade dos organizadores, a noite para quem tem

mais proximidade ou condição de patrocinar os fogos. Muitas vezes, as noites são destinadas

a pessoas que já não fazem parte das festividades. Então, essa distribuição realizada acaba por

se constituir também como legitimação do poder que a igreja tem de perpetuar ou excluir os

fiéis dos lugares de destaque.

Em paralelo a estes eventos realizados na igreja, a religiosidade local também é

caracterizada pelas rezas no âmbito privado em devoção aos santos padroeiros, práticas

religiosas que moldam o cotidiano de algumas famílias. Grande parte dos devotos possui

altares em seus quartos, com quadros e imagens dos santos católicos, percebemos que estes

oratórios são espaços caracterizados por velas e flores, onde realizam suas orações diárias.

Neste sentido, podemos destacar a reza em devoção a Nossa Senhora das Candeias,

realizada na residência do senhor Joaquim Morais Carneiro, desde 1956, no dia 02 de

fevereiro71

. Os festejos e os preparativos para a realização da reza são iniciados às seis horas

da manhã, durante todo o dia, como uma forma de demonstração à devoção a Nossa Senhora,

no intervalo de três horas fogos e orações são oferecidos à santa .

A reza é iniciada às 19:30, horário em que os familiares já se encontram no interior da

residência a esperar a chegada dos convidados e, como uma procissão, aos poucos chegam os

devotos, que se dividem entre as pessoas mais velhas que se posicionam à frente do altar que

se encontra no núcleo da sala principal, com as imagens de Nossa Senhora das Candeias e do

Menino Jesus ao lado, rodeadas de flores e velas.

As vozes de um grupo de quinze mulheres começam os cânticos e orações, que são

acompanhados por grande parte dos presentes, formados por 150 pessoas. Entre elas

familiares, juazeirenses e visitantes, com uma faixa etária diversificada. Esta participação

popular nas manifestações religiosas pode ser entendida como uma permanência da nossa

crença e tradição, elementos que ainda compõem o cenário religioso do Brasil.

A reza é dividida em quatro momentos semelhantes ao ritual realizado na Igreja

Católica, marcados pelos cânticos, hinos e orações que louvam, agradecem e pedem a

proteção a Nossa Senhora das Candeias. Durante o período de quarenta minutos, as atenções

71

Informações fornecidas por Djalma Lopes Carneiro, filha de Joaquim Moraes Carneiro.

Page 37: Devoção e festa no sertão baiano

37

são voltadas à parte central da sala principal, onde o altar enfeita a imagem da Santa protetora.

Percebemos que neste momento as orações são realizadas em grupo, contudo, ao término dos

cânticos, os fieis demonstram separadamente a sua crença e, de joelhos em frente à imagem

de Nossa Senhora das Candeias, realizam suas orações particulares, que também compõem o

ritual da reza.

Em Juazeirinho, a religiosidade popular é caracterizada pela devoção, pela prática de

orações específicas para cada santo protetor e para cada situação, com crendices e símbolos.

Durante o período da quaresma, não é raro encontrar famílias que conservam hábitos de seus

antepassados, seguem as orientações e crenças, alterando, durante estes dias, alguns hábitos

diários. As mulheres não pintam as unhas com cores fortes, como vermelho ou preto, não se

permite durante a sexta-feira santa que se utilizem martelos e pedras para serviços domésticos

por fazer referência aos castigos que Jesus sofreu na cruz.

Destacamos também o tratamento que é dado às folhas que são levadas para a missa

de ramos, elas são conservadas como amuletos. Essas expressões presentes na religiosidade

da população juazeirense devem ser entendidas como parte de um simbolismo religioso que

caracteriza a localidade em seu cotidiano com atividades devocionais e que, portanto, devem

ser valorizadas.

2.3 Festas populares

Juazeirinho possui também um calendário com manifestações culturais que

apresentam uma junção entre o sagrado e o profano, na medida em que são realizadas, tendo

com um marco um acontecimento religioso e são desenvolvidas anualmente e apreciadas por

muitas pessoas da região e de outras cidades.

Neste sentido, a Pascuelinha merece destaque por ser uma festa que é realizada desde a

década de 1930 sempre em um final de semana após a Páscoa. As festividades são iniciadas

com o desfile dos mascarados72

, no início da tarde, saem às ruas os grupos infantis e, ao cair

da tarde, os grupos dos “grandes”, como são chamados pelos moradores da localidade os

mascarados adultos, os quais aterrorizam os participantes com brincadeiras para arrecardar

72

Pessoas caracterizadas com máscaras de monstros.

Page 38: Devoção e festa no sertão baiano

38

dinheiro. Participam das brincadeiras as crianças, os jovens, os adultos e os idosos e, embora

entre os mascarados prevaleçam os homens, verificamos também nos últimos anos a presença

feminina entre os mascarados.

Em paralelo a isto, realiza-se a Cavalgada, ou seja, um desfile de cavalos pelas ruas

da localidade com os vaqueiros da região, moradores e visitantes. Além da algazarra que é

formada pelos mascarados, durante a noite, o tradicional samba da localidade entra em cena

animando ainda mais a festa com a presença do bumba-meu-boi73

.

É interessante ressaltar que em tal festividade há o espaço reservado para a celebração

religiosa na igreja, neste momento, apesar da tentativa de os organizadores estabelecerem um

distanciamento entre as orações que são realizadas no interior da igreja, grande parte dos

participantes ativos, ou seja, quem se caracterizou de mascarado, já se encontra envolvida

pela animação e pela embriaguez. Este é um ponto intrigante em que a Pascuelinha assume

significados diferenciados dentro do espaço festivo.

Para finalizar a festa da Pascuelinha, aproximadamente às vinte e duas horas realiza-se

o tão esperado momento da leitura do testamento do Judas, que é produzido pelos juazeirenses

há aproximadamente setenta anos, envolvendo o nome de personalidades locais e de regiões

vizinhas. Logo após, é realizada a queima de um boneco representando Judas.

Contudo é necessário explicar que nos últimos anos o número de mascarados tem

diminuído significativamente, assim como a leitura dos testamentos, a duração tem sido cada

vez mais reduzida. Segundo os organizadores da festa, essa manifestação cultural está

acabando por falta de apoio e incentivo de algumas autoridades e também dos moradores do

local.

Outra atividade tradicional que é realizada em Juazeirinho e que se estabelece entre o

universo religioso e o profano são os festejos Juninos. Estes acontecem no âmbito público

durante as festas que atraem visitantes com as músicas, quadrilhas, fogos, comidas e bebidas

típicas da região. Como também no âmbito privado, onde a devoção dos santos católicos é

conservada, através da realização das rezas e da queima de fogueiras, que se configura em

momentos em que as famílias se reúnem também para beber e comer.

Verificamos também a realização dos batizados, que acontece através de um ritual em

que as pessoas já batizadas oficialmente na Igreja Católica, diante da impossibilidade de

receber novamente o sacramento, fazem o batizado na fogueira, como é chamado pelos mais

73

Caracterização da imagem de um boi que é vestida pelos moradores de Juazeirinho durante os dias de Festa.

Page 39: Devoção e festa no sertão baiano

39

velhos na localidade. Entre os juazeirenses, é significativo o número de católicos que possuem

padrinhos de fogueira.

O fogo é entendido pelos moradores mais velhos e por seus descendentes como um

ritual para atrair sorte, o batismo é realizado diante do fogo no momento em que os padrinhos,

pais e afilhados recitam alguns versos por três vezes em devoção a São João, pulando a

fogueira:

São João dormiu... São João acordou

Juro pelo dia de hoje...

Que Maria é minha afilhada

São João dormiu... São João acordou

Boa noite meu compadre ...

Que São João mandou

São João dormiu...São João acordou

Benção meu padrinho...Que São João Mandou.74

Em Juazeirinho, variados são os santos festejados no período junino através das rezas

que atraem muitas pessoas. Têm destaque os santos, como Santo Antonio, São Pedro e São

José. É importante evidenciar que, diferente do que acontece no dia 24 de junho com os

festejos para São João, quando, na maioria das residências, queimam-se as fogueiras, em

relação aos santos acima citados, apenas os aniversariantes cujo nome é igual ao do santo

festejam a data.

Dessa forma, são conhecidas em toda a localidade as rezas e as fogueiras nas

residências por sua animação marcada pelas comidas típicas e por bebidas, como o licor. Por

outro lado, diferente das outras festividades religiosas, a devoção aos santos juninos não é

celebrada na igreja, as atividades restringem-se apenas às residências dos devotos, os quais

possuem seus próprios altares para realizarem as orações e pedidos aos santos padroeiros.

As rezas em devoção a tais santos envolvem as orações feitas no interior das

residências e também a derrubada das fogueiras, que atraem muitas pessoas. Logo pela manhã

saem os devotos em busca da maior e mais resistente árvore para ser queimada durante a noite

da reza, essa atividade é uma das etapas da festividade.

De volta à residência, são amarrados nos galhos da árvore com grande euforia gêneros

diversos como alimentos, bebidas, fogos, brinquedos, cigarros e, em algumas fogueiras,

quantias em dinheiro. Os devotos e os participantes da reza esperam até o momento em que a

fogueira é queimada para pegar os gêneros que estão nos galhos.

74

Oração fornecida em 03 de Julho de 2009, por Regina da Silva Moraes, 53 anos, moradora de Juazeirinho que

realiza anualmente fogueiras juninas em sua residência.

Page 40: Devoção e festa no sertão baiano

40

Fica evidente também que as distinções sociais e as demarcações de poder local

também estão implícitas durante estas festividades religiosas. Os moradores mais ricos tinham

suas rezas conhecidas em toda a região, justamente por causa da grande quantidade de

gêneros que era carregada à fogueira e os fogos que abrilhantavam a noite.

Page 41: Devoção e festa no sertão baiano

41

3.“Uma capela, duas padroeiras”75

3.1 A edificação da capela

Existem contradições em relação à origem das festividades em devoção aos santos

padroeiros em Juazeirinho, como também encontramos versões contraditórias relacionadas à

construção da capela da localidade. A memorialista Marielza D’ Vilanova explica que em

meados da década de 1930 a capela é construída pelo senhor José Fernandes Carneiro (Zuza),

em terreno doado para a padroeira Sagrada Família.

De acordo com suas informações, houve, após a chegada do Padre Urbano Galvão à

Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité, a troca do Santo Padroeiro de

Juazeirinho que, até então, era a Sagrada Família, passando a ser Santa Terezinha. Para tal,

durante esse período de aproximadamente quarenta anos, a localidade realizou as festividades

religiosas na capela com grande satisfação até os anos setenta:

Nesse tempo, o hoje município de Valente, pertencia ao município de

Conceição do Coité, dependia, portanto, do mesmo vigário para as funções

religiosas de sua comunidade. Acontecia que Valente tinha, também, como

padroeira a Sagrada Família. Surgiu então a impossibilidade do vigário se

fazer presente nas duas localidades, na mesma data comemorativa. Então o

próprio Padre Urbano sugeriu que Juazeirinho escolhesse outro padroeiro,

considerando que Valente era uma Vila estabelecida há mais tempo [...] Em

1960 Valente constitui-se Município independente de Conceição do Coité.

Na década dos anos setenta, houve um movimento para que a Sagrada

Família reassumisse o seu lugar como padroeira de Juazeirinho.76

Contudo, de acordo com as informações encontradas no Livro de Tombo da Paróquia

de Nossa da Conceição do Coité, o Padre Urbano Galvão chega à cidade em 23 de dezembro

do ano de 1937, permanecendo por quase oito anos (11 de setembro de 1944), período em que

o religioso se afastou de suas atividades na paróquia para concorrer ao cargo de Deputado

Estadual, encerrando definitivamente em 1952, quando é eleito.

75

Frase retirada da carta de José Fernandes Carneiro. 76

D’VILANOVA, Marielza Carneiro. Juazeirinho: Terra de Gente Valorosa. Conceição do Coité: Nossa

Gráfica. 2007.p. 22.

Page 42: Devoção e festa no sertão baiano

42

É importante explicar que em um inventário77

datado em 1933, descrevendo todas as

propriedades da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, a capela da fazenda Joazeiro

já tinha como nome Santa Terezinha. Isto implica inferirmos que a festa em adoração à

padroeira Sagrada Família já tinha sido modificada mesmo antes da chegada do Padre Urbano

Galvão, posto que este somente assume a paróquia em 1937.

Em uma carta assinada pelo senhor Zuza, em 1981, ele explica como conseguiu

construir a capela no final da década de 1920 e também narra como se deu a mudança dos

santos. Fica evidente que o seu desejo maior era a permanência da Sagrada Família como

padroeira.

Contudo, de acordo as suas informações, devido à atuação do seu tio, Pedro Carneiro

de Oliveira, isso não foi possível, pois este coloca no altar a imagem de Santa Terezinha e,

diante de uma circunstância inesperada, tal santa é considerada como padroeira da localidade:

Tive um pensamento de construir uma capela e me apeguei a JESUS,

MARIA E JOSÉ, com um voto de que se conseguisse fazer a capela,

oferecia todos os meus esforços e ajuda a todos os interessados. Iniciei

pedindo ajuda. Quando tinha adquirido 100 mil reis, resolvi dar início. Fui

pedir licença ao Pe. Marcelino, e disse-me que eu fosse pedir ao Bispo. Fiz

um requerimento ao bispo e ele aprovou. Iniciei a capela, providenciei os

materiais e levantei. O dinheiro acabou no ano de 1930. Nos anos de 1931 e

1932 foram seca, e a capela permaneceu em pé. O ano de 1933 foi bom. Eu

mesmo fiz os tijolos, queimei, pedi uma ajuda e terminamos a construção e

inaugurei. Passei a escritura da referida capela, como padroeira JESUS,

MARIA E JOSÉ... a imagem de Santa Terezinha ficou servindo como

padroeira até conseguir a legitima padroeira. Em 1934, eu arranjei 150 mil

reis eu fui a Salvador e comprei a legítima padroeira, chegando coloquei na

Capela... mais tio Pedro e família protestaram[...]78

Desta forma, a partir das informações oferecidas pelo Senhor Zuza e também dos

dados encontrados no Livro de Tombo referente ao período de atuação do Padre Urbano,

Santa Terezinha foi a primeira padroeira da localidade. Oficialmente a Sagrada Família só é

reconhecida após a apresentação da escritura das terras doadas pelo senhor Zuza para a

construção da igreja em 1975.

A retirada de Santa Terezinha como padroeira só foi realizada mediante a atuação do

Pároco Luiz em meados da década de 1970, diante do impasse em que uma capela não

77

Inventário do Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Conceição do Coité, em que descreve todas as

propriedades da Paróquia. 78

Carta sob guarda de Joaquim Carneiro de Oliveira Neto, morador de Juazeirinho.

Page 43: Devoção e festa no sertão baiano

43

poderia ficar com dois padroeiros, resolveu interditar o local proibindo a realização de

qualquer atividade.

A situação só foi resolvida mediante a apresentação da escritura do terreno que foi

doado pelo senhor Zuza, em nomeação à Sagrada Família. Conforme a certidão de escritura79

da terra encontrada nos arquivos na Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, declara a

doação de uma lote de terra realizada pelo senhor José Fernandes Carneiro para a capela

Jesus, Maria, José, em 20 de Janeiro de 1932, em “ terras conhecidas como Joazeiro”80

. Este

documento foi transcrito em 09 de setembro de 197581

, justamente no período em que foi

exigida uma comprovação da verdadeira padroeira.

3.2 O conflito familiar

Durante as entrevistas com os Juazeirenses ficou evidente em seus relatos que durante

o período de transição em que a capela tinha dois padroeiros a opinião dos membros das

famílias estavam divididas:

Olha, a festa da padroeira começou, foi tio Zuza, meu tio, irmão de meu pai,

que conseguiu construir esmola como ele falava, saiu daqui e foi em Feira de

Santana e deu início a capela. E ai devido ao poder aquisitivo tio Pedrinho

mudou dizendo que a Santa Terezinha deveria ser a padroeira. E continuou

essa polemica, e chegou uma época que o padre Reis me chamou e disse, ou

aparece um documento ou eu vou interditar a igreja.82

Percebemos que existiram muitos conflitos, visto que durante as procissões e as

celebrações a imagem da Sagrada Família era colocada atrás do Altar. Contrariando o que D’

Vilanova afirma, os depoimentos dos moradores que presenciaram o episódio até meados da

década de 1970 deixam explícito a insatisfação e os problemas que se formaram no seio das

famílias Carneiro, pois os devotos queriam Padroeiros diferentes:

79

Encontra-se sob guarda da Paróquia Nossa Senhora de Conceição do Coité. 80

Escritura de Certidão, Comarca de Conceição do Coité, 20 de Janeiro de 1932. 81

Transcrita pelo o Tabelião Evódio Ducas Resedá. 82

Entrevista de Joaquim Carneiro de Oliveira Neto, sobrinho do Sr. Zuza. Concedida em 13 de Setembro de

2009.

Page 44: Devoção e festa no sertão baiano

44

Na verdade a padroeira era a sagrada família ai foram e tiraram e colocaram

santa Terezinha. Ai o finado Zuza deu a pai para tomar conta. Depois tirou a

santa Terezinha e colocou a sagrada família grande que veio de São Paulo,

mais queriam que fosse santa Terezinha. Olha era uma igrejinha tão

pequenininha e fizeram outra igreja.83

Durante as procissões, por exemplo, as imagens eram colocadas em lugares

diferenciados e, embora oficialmente Santa Terezinha estivesse como Padroeira, para alguns

juazeirenses a Sagrada Família permanecia como padroeira da localidade.

Neste sentido, a permanência de Santa Terezinha como Padroeira esteve relacionada à

influência do Senhor Pedro Carneiro, o qual colocou a imagem da santa na capela. Diferente

de como é apresentado por D’ Vilanova, a mudança não ocorre devido à chegada do Padre

Urbano Galvão, porque os relatos do livro de Tombo da Paróquia deixam evidente que no

período em que o religioso atua na região a capela já tem como Padroeira Santa Terezinha.

Encontramos uma lacuna em tal documento em relação a estes conflitos, pois as referências

sobre as festividades à padroeira na capela de Juazeirinho, como Santa Terezinha, descrevem

somente a atuação dos párocos.

Fica evidente que o conflito envolvendo a troca dos padroeiros teve como ponto

central a devoção à imagem dos santos. Percebemos a representatividade que estes símbolos

do catolicismo tradicional tinham e têm entre os devotos na localidade. Essa relação pode ser

entendida como uma das principais características do catolicismo tradicional, através das

quais as imagens estabelecem uma comunicação entre os vivos e os mortos, porque a relação

entre os santos e os fieis é baseada em proteção e lealdade:

Cada fiel tem seu santo protetor, ou seu padrinho celestial, que em

contrapartida lhe pede lealdade. [...] esta relação entre o santo e o fiel pode

se dar sob duas formas: de aliança e contratual. A relação de aliança se

iniciava com o nascimento da pessoa, quando ela é consagrada a um

padrinho celestial, criando entre ambos um compromisso por toda a vida.

[...] A relação contratual está associada ás promessas e peregrinações aos

santuários. Os santos na cosmologia do catolicismo tradicional geralmente

têm suas especialidades. Nos momentos de crise, os fieis fazem seus pedidos

aos santos, prometendo-lhe algum sacrifício como contrapartida ao favor

recebido. Os santos, na perspectivas do catolicismo tradicional,

permanecem, de algum modo participando deste mundo através de suas

imagens. A imagem de um santo, portanto, não é apenas uma representação

que evoca alguém que esteve entre os vivos.84

83

Entrevista de Djalma Lopes Carneiro, participante da Festa de Santa Terezinha e da Sagrada Família.

Concedida em 13 de Setembro de 2009. 84

STEIL, Carlos Alberto. Catolicismo e Cultura. IN: VICTOR, Vicente Valla. (org.). Religião e cultura popular.

Rio de Janeiro: DP&A, 2001.p. 21-22.

Page 45: Devoção e festa no sertão baiano

45

As fontes orais e escritas demonstram justamente que a imagem tem um papel

fundamental no desenrolar do conflito, já que, na crença da população para ser padroeira da

capela, primeiro teria que se conseguir uma imagem, mesmo já tendo doado o terreno em

nome dos santos.

Quando a capela é construída, na ausência da imagem da padroeira Sagrada Família, a

substitui por Santa Terezinha, entendendo que precisavam da imagem no altar: “a imagem de

Santa Terezinha ficou servindo como padroeira até conseguir a legítima padroeira”85

Assim

também durante as celebrações dentro e fora da Igreja, os fiéis sentiam-se ofendidos com o

fato de a imagem da Sagrada Família ser colocada no fundo do altar: “Aí tiraram a imagem da

Sagrada Família e colocou no fundo da igreja [...] Mais eles queriam separar, fazer assim,

colocar São José no canto, o menino Jesus no outro e santa Terezinha no centro como

padroeira”86

A devoção ao padroeiro juntava-se ao brilho da festa, onde as orações se entrelaçavam

com os divertimentos, com as brincadeiras e com os preparativos da festa, que embora

acontecesse apenas durante os três dias, os preparativos eram realizados em quase todos os

meses do ano. Apesar de Santa Terezinha não ser a padroeira, de acordo com os juazeirenses,

até hoje, no início do mês de outubro, é realizada alguma celebração em homenagem à Santa,

como forma de louvar aquela que por décadas foi a padroeira de Juazeirinho. Entende-se que

todo esse conflito se deu entre os representantes da Igreja na localidade, como uma forma de

demarcação de poder, já que durante as entrevistas apenas um pessoa se posicionou contra a

Santa Terezinha.

3.3 A primeira padroeira

A Festa em devoção à Santa Terezinha era estruturada em três dias, mas não ocorria

em data especifica, podendo oscilar. Verifica-se através dos relatos do Padre Urbano Galvão

que as suas visitas ocorriam entre os meses de outubro a janeiro87

. Embora houvesse os

conflitos durante os festejos realizados em devoção à Santa Terezinha, a população

85

Carta de José Fernandes. 86

Entrevista de Djalma Lopes Carneiro, participante da Festa de Santa Terezinha e da Sagrada Família.

Concedida em 13 de Setembro de 2009. 87

Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Conceição do Coité.

Page 46: Devoção e festa no sertão baiano

46

participava na preparação e na realização das atividades, como dos ofícios, das procissões, das

comunhões e das confissões.

No sábado, após a celebração na igreja, era realizado o leilão com a presença de

muitas pessoas e da Filarmônica. E, no domingo, os festejos eram iniciados de madrugada,

com a alvorada; pela manhã, após a missa, as moças faziam a Feira-Chic. No encerramento,

as crianças iam caracterizadas de anjos e os devotos com vestimentas brancas, à tarde

realizava-se a procissão final pelas ruas da localidade. Relatam os moradores que muitas

pessoas vinham presenciar os três dias da reza.

Os leilões aconteciam sempre na noite do sábado, eram leiloados os gêneros mais

diversos e, a cada lance, os fogos e as músicas anunciavam para as fazendas vizinhas que o

leilão estava acontecendo. A busca pelos materiais era iniciada muito antes do dia da festa,

além disso, assim como as flores para a ornamentação da igreja, os objetos do leilão eram

sempre doados e os devotos guardavam, de um ano para o outro, animais para ajudarem na

festa.

Essa prática de doar os objetos para as festas religiosas pode ser entendida como uma

das formas de expressão da fé em devoção ao santo padroeiro: “As festas expressam o

universo religioso do povo [...] antigamente, mesmo em meio a muita pobreza, o pobre no

campo tinha galinha para oferecer, ou mesmo um carneiro ou um bode para sacrificar [...]”88

Dessa forma, dias antes, os leiloeiros saíam nas fazendas vizinhas e nas casas dos

moradores arrecadando o que fosse possível para contribuir para a festa, como uma forma de

expressar a fé por tal santa. As pessoas responsáveis pela arrecadação e também para cantar o

leilão eram membros que participavam da organização das celebrações, como explica

Madalena Carneiro:

A festa de Santa Terezinha, eu ainda lembro, eu participei e era muito

bonita, era muita festa, vamos dizer, eu tinha doze pra treze anos. Meu pai é

quem fazia os leilões, eram leilões grandes que as pessoas deixavam,

passava um ano, guardava uma galinha e dizia esse pinto é pra festa de Santa

Terezinha, se nascia um bezerro, um carneiro, tudo isso na intenção, por isso

que a igreja levantou.89

Outro elemento marcante durante as festividades em devoção à Santa Terezinha era a

Feira-Chic. Descrevem as participantes que a feira acontecia sempre aos domingos após a

88

BARROS, Marcelo. O divino segredo da festa. IN: PASSOS, Mauro. (org.). A festa na vida: significado e

imagens. Petrópolis: Vozes, 2002. p.62. 89

Entrevista de Maria Madalena Carneiro, foi participante da Festa de Santa Terezinha e atua na organização da

Festa da Sagrada Família. Concedida em 16 de Agosto de 2009.

Page 47: Devoção e festa no sertão baiano

47

missa, era o momento em que as moças se caracterizavam vestidas com roupas produzidas por

elas mesmas, arrumavam uma barraquinha no fundo da Igreja e saíam na praça em busca de

rapazes para fazer doações. Embora o nome de feira, não se vendia nada, pelo contrário, as

pessoas doavam dinheiro para a festa, como explica Dona Julita. A festa era bonita, embora

com padroeiro diferente, o evento acontecia:

O padroeiro era sagrada família, mais santa Terezinha que era comemorado

no mês de outubro, no principio, mais se tinha né, e agente tava no lugar,

agente tinha que participar né, teve uma festa de quarenta anos cheio de

rosas, de flor, por santa Terezinha é das rosas né. E eu participava, e eu

perdia nada, eu participava de tudo na Igreja e quando tinha a festa tinha

aquela Feira-Chic, e eu fazia parte, era uma barraquinha e agente fazia

aquelas barraquinhas e agente sai pegando pra dar dinheiro pra festa, e era

um bucado que fazia essa parte, e agente vestia as roupas da gente, no dia da

festa de santa terezinha, agente dizia um bora ali e levava os homens até a

barraquinha, e agente só pegava os homens por que mulher não tinha

dinheiro, mais tinha musica e tinha dança também e era muito animado.90

Diante das falas dos participantes da festa percebemos que durante os três dias de

celebração as atividades religiosas eram complementadas por elementos diversos, em um

espaço onde a animação e a descontração imbricavam-se em um só ambiente com a devoção à

santa. Sempre que descritos, os dias festivos são lembrados pela animação e pela

movimentação que acontecia na localidade.

Ficam evidentes as relações de sociabilidade com a vinda dos moradores das fazendas

vizinhas para celebrarem e festejarem, através de práticas diversas, a devoção à Santa

Terezinha, que não se limitava às orações no interior da capela. Isso pode ser entendido como

uma das características das festas em devoção aos santos católicos no país: “As festas

brasileiras em devoção aos milagrosos santos continuam atraindo multidões [...] A festa, a

dança, o canto, o som das violas são as formas pelas quais se materializa a devoção”91

.

Além disso, destacamos ainda durante a Festa de Santa Terezinha a formação, com 23

moças do ainda povoado, da Juventude Agrária Cristã, em 1956, para atuarem na realização

das celebrações na capela, como relata o Padre Galdino:

Houve duas missões, e um breve circuito de estudos. A primeira sessão foi

preparatória. A hora da Missa prestaram as moças o compromisso solene e

90

Entrevista de Julita Carneiro, participante da Festa de Santa Terezinha e da Sagrada Família. Concedida em 16

de Agosto de 2009. 91

GAETA, Maria Aparecida Junqueira Veiga. A cultura clerical e a folia popular. São Paulo: AUPUH,

1997.p.199.

Page 48: Devoção e festa no sertão baiano

48

assim se instalou a Associação Paroquial de Sta. Terezinha. Foi um grande

dia para o Joazeiro como todos os anos fês-se a recitação do Terço de Nossa

Senhora. 92

Identificamos também a presença constante dos membros da Igreja Católica através

dos párocos de Conceição do Coité que atuavam na realização de etapas oficiais da festa,

como as comunhões, confissões e orações. Contudo é valido salientar que nas fontes

pesquisadas não foi percebida nenhuma intervenção dos padres em relação às atividades que

eram realizadas durante os dias da festa como, por exemplo, a presença da Filarmônica que

animava com músicas diversas as noites da festa.

De acordo com os moradores de Juazeirinho, logo após a apresentação da carta de

doação, feita pelo senhor José Fernandes Carneiro, em nome de José, Maria e Jesus, o

problema foi resolvido, embora D’ Vilanova afirme que a mudança ocorreu de forma pacífica,

por causa do desmembramento da cidade de Valente, que possuía a mesma padroeira na

década de 1960.

Através da análise da certidão de doação, como também através dos relatos do senhor

Zuza, percebemos que foi necessária a intervenção da Paróquia diante dos conflitos que

estavam acontecendo entre os representantes da igreja de Juazeirinho. Conflitos estes que só

resolvidos no ano de 1975 quando foi comprovado o direito da Sagrada Família como

padroeira da localidade. Mas é relevante evidenciar que embora oficialmente a padroeira seja

Sagrada Família, Santa Terezinha permanece com destaque na localidade, o altar central atual

da Igreja é composto pelas duas imagens.

92

Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora de Conceição do Coité.

Page 49: Devoção e festa no sertão baiano

49

4. Festa da Sagrada Família

Juazeirinho, o Teu passado é a glória do presente

Recebe, ó terra abençoada o puro afeto da tua gente

Sob as bênçãos de Jesus de Maria e de José

Essa Família Sagrada que ilumina a nossa fé[...]93

4.1 Organização da festa

De acordo com a carta escrita por José Fernandes Carneiro, o qual doou a terra para a

construção da capela, oficialmente a Festa da Padroeira Sagrada Família começa a ser

reconhecida pela Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité em 1975, após a

apresentação da escritura da terra em nome de Jesus, Maria e José. Nos primeiros anos os

festejos eram realizados durante três dias seguindo os moldes da festa de Santa Terezinha,

mas após a década de 1980 começou a ter o formato de uma novena.

O Jornal O Mensageiro e os folders da festa, informam-nos que o horário da novena

variou durante o período estudado entre 19:00 ás 20:00, além disso, nos últimos dez anos não

teve uma data fixa, alternando entre o mês de dezembro á janeiro. Em 2005, por exemplo, as

festividades foram iniciadas com a celebração do Natal, e finalizadas no mês de janeiro de

2006. “ Em JUAZEIRINHO, a igreja estava repleta de fieis todas as noites da novena, muitas

comunidades vizinhas marcaram presença. Além dos Seminaristas que vieram abrilhantar

ainda mais a nossa festa. O encerramento da festa foi no primeiro dia do ano[...]”94

Os preparativos começam com um mês de antecedência, com as reuniões que definem

as tarefas de cada grupo: a parte Litúrgica, das coreográfias e encenações. Como a escolha do

tema a ser abordado durante as celebrações, as igrejas que serão convidadas e também as

atividades para a divulgação da Festa da Padroeira.

A ornamentação da igreja é iniciada com a montagem no presépio para a celebração

do Natal, que só é retirado após a Festa de Reis no dia 06 de janeiro. Os objetos que compõe o

presépio são todos pertencentes à igreja, é interessante ressaltar que já na montagem

93

Hino á Juazeirinho, letra de Marielza Carneiro D’Vilanova. 94

Jornal O Mensageiro, Nº 88 , Ano 12 , Março de 2006.

Page 50: Devoção e festa no sertão baiano

50

percebemos entre os moradores idosos o respeito e o significado de cada parte que compõe

este espaço, que durante a festa, é mais um de oração.

Por outro lado, as caracterizações dos altares buscam elevar a flora local, utilizando

produtos da região, como por exemplo, a flor do sisal, matéria-prima que foi responsável pela

economia na Cidade de Conceição do Coité. A festa, apesar de seguir a estrutura do culto

oficial da Igreja Católica, com as procissões, leitura de salmos, preces, reflexão do evangelho,

orações e a comunhão, também ganham detalhes específicos, mesclados com as músicas

produzidas pelos próprios juazeirenses:

Modelo abençoado das famílias, ó sagrada família de Belém, guia-nos todos

pelas velhas trilhas, que conduzem aos seus supremo bem. Família santa por

nós rogai, e ao céu um dia, ó nós guiai. Família divinal perfeito exemplo de

paz, de fé, de amor e de humildade, de nosso lar também fazei um templo,

em que reine perpetua caridade. Jesus é Deus eterno, onipotente, submisso a

Maria, São José, sempre lhes foi amante e obediente, no pequeno lar de

Nazaré.95

A letra do Hino demonstra também a crença em que o modelo de família estabelecida

pela Igreja Católica é o único que deve ser seguido. Ficou evidente que essa ideia é

perpetuada e acreditada pela maioria dos participantes da festa que foram entrevistados. De

forma que essa crença reflete os (pré)conceitos existentes na sociedade juazeirense diante de

outro modelo familiar que não esteja nos moldes dos defendidos pela religião católica.

Embora todos os cultos sejam celebrados em devoção a Padroeira Sagrada Família, de

acordo a análise dos folders da festa, todas as nove noites trazem uma mensagem para cada

grupo social específico. Como os idosos, agricultores, professores, legionárias de Maria96

,

casais, catequistas e a juventude, essa divisão é feita com o intuito de evidenciar o papel de

cada segmento na conservação dos valores católicos.

4.2 Participação dos devotos

Os organizadores da festa, a partir de 1999, começaram a homenagear juazeirenses

durante a novena como forma de reconhecer aqueles que tiveram participação ativa nas

atividades religiosas, ou seja, aqueles que contribuíram de alguma forma para o

95

Hino da Sagrada Família, autoria do Grupo Musical Nova Luz. 96

Grupo de mulheres que se reúnem para rezar as orações em devoção a Maria.

Page 51: Devoção e festa no sertão baiano

51

desenvolvimento e realização da Festa da Padroeira. Esta escolha é feita secretamente como

relata Luis Durval:

Cada noite fica homenageado cada profissional né, como tem a saúde, o

idoso, nós temos os motoristas, todos os setores da sociedade que nós

homenagearmos, e além do homenageado especial né, que é aquela pessoa

que se dedicou, dedicou a sua vida né, ajudando né, a comunidade igreja a

crescer e desenvolver, aqueles que deu realmente todo o seu testemunho e

sua vida né, faz secretamente sem que elas perceba e agente vai e coloca em

nosso folders que agente chama guia de programação agente vai e

homenageia essa pessoas que serão homenageadas na festa, por que é um

gesto da gente né fazer com que o juízo seja justo em homenagem a essas

pessoas que dedicaram suas vidas também nas atividades religiosas. 97

Mediante a observação dos folders da festa, percebemos que durante estes dez anos, as

pessoas que foram homenageadas pertenciam a duas famílias locais, a Carneiro e a Moraes,

estas estiveram sempre a frente das atividades religiosas desde a década de 1930 com a

construção da capela. Em sua maioria, são casais os homenageados da festa, durante os anos

estudados, apenas em duas festas (1999 e 2002) os homenageados não foram casais.

Para serem homenageadas, as pessoas precisam seguir os moldes da Sagrada Família,

como relata o jornal O Mensageiro,“ Em Juazeirinho a festa da Sagrada Família foi em

grande estilo, Celebrações bem preparadas, atrações musicais todas as noites, e o melhor:

muita gente todas as noites. No encerramento o casal Duque e Celina recebeu as homenagens

[...] por sua vida familiar como exemplo de união e fidelidade.”98

Essa representação da vida seguindo os padrões estabelecidos pela igreja católica,

como um requisito necessário para que sejam homenageados durante a festa da padroeira

pode ser verificado através dos trechos encontrados no folder abaixo:

Tomaz e Madalena, casal exemplo de união, dedicação e doação a

comunidade, fonte de educação familiar e amor de Deus. Sr Tomaz,

trabalhador como São José, sempre trabalhou duro para dar uma vida

agradável a toda a sua família. Educador, zeloso e amoroso como todo pai

tem que ser. Dona Madalena, mãe fiel a Deus, assim como Maria, amou e

educou seu filho seguindo o caminho religioso, sem jamais se afastar ou

deixá-lo se afastar do caminho da fé.99

97

Entrevista de Luiz Durval Oliveira Carneiro, radialista da Juá FM e participa da organização da Festa da

Sagrada Família. Concedida em 08 de Agosto de 2009. 98

Jornal O Mensageiro, Nº 78, Ano 10, Janeiro de 2004. 99

Programa-Convite, ano 2008.

Page 52: Devoção e festa no sertão baiano

52

Durante a novena a atuação dos fiéis juazeirenses não é limitada apenas aos

homenageados nem somente a na realização das orações e hinos durante os cultos, atuam

também na organização e na realização de várias atividades. Os cultos até a o ano de 2004

eram organizados e realizados por juazeirenses envolvidos nos grupos religiosos, como o

FORJOC100

do MINIJOC101

e a Legião de Maria.

Além disso, durante todos os dias da novena tais grupos ficavam responsáveis pela

organização das músicas, mensagens, coreográfias, dramatizações, orações e etapas

especificas de cada noite. Já os outros moradores atuavam em outras etapas que compõe a

festa, como a tradicional barraca de comidas típicas da região que são vendidas ao término

dos cultos. Percebemos que durante a festa da padroeira, muitos devotos tinham suas

atividades cotidianas alteradas.

Contudo, após a desestruturação dos grupos FORJOC e MINIJOC a realização da

festa atualmente está sob a organização de um grupo fixo de aproximadamente dez pessoas

que atuam na estruturação das celebrações semanais e também na novena da padroeira, que

ficam responsáveis pela animação das noites, que agora acontecem com menor freqüência

devido à diminuição da atuação dos jovens nos grupos religiosos, como afirma Mario

Leandro:

Nós fomos crescendo e sentindo a vontade de criar um grupo de jovens em

1993, por que o grupo antigo de jovens da comunidade tinha acabado em

1989 que era o GRUJOC. Em fevereiro de 1993 realizamos o nosso primeiro

encontro do grupo jovem, e através de um sorteio mudamos o nome para

FORJOC. Agente participou de vários encontros de jovens que era

motivador, mas foram acabando, por que o padre dizia que não tinha

espiritualidade, mais não achávamos que tinha e tem. Ai o grupo foi

acabando por que os jovens iam buscavam outras atividades como formação

profissional. Como coordenador do FORJOC a nossa atuação na festa era

principalmente na parte coreográfica, a parte da liturgia foi permitido

coreografar alguns cânticos, e agente fazia a animação nas celebrações e

também responsável da programação após o culto como apresentações

culturais, mais foi acabando.102

Verificamos também a participação dos devotos na ornamentação da praça principal,

para a Festa e para a celebração do natal, que é uma data também comemorada na igreja como

também nas residências, onde se costuma realizar a ceia e a construção do tradicional

100

Força Jovem Cristão, grupo que era formado por jovens e adultos da localidade que atuavam na organização

das celebrações durante a Festa da Sagrada Família. 101

Mini Jovem Cristã grupo que era formado por adolescentes da localidade que atuavam na animação das

celebrações durante a Festa da Sagrada Família. 102

Entrevista de Mario Leandro, atua na organização da Festa da Sagrada Família. Concedida em 08 de Agosto

de 2009.

Page 53: Devoção e festa no sertão baiano

53

Presépio e da Árvore de natal. A partir da década de 1990, percebemos que uma maior

divulgação da festa vem sendo realizada através da produção de folders, cartazes e das

camisas.

A partir do Natal do ano de 2004, um novo elemento de divulgação foi instalado pelos

organizadores da festa, que foi Rádio Comunitária Juá FM. Que transmite desde então as

Celebrações para os moradores de Juazeirinho. A Rádio atualmente possui uma grade de

programações voltadas principalmente para atividades religiosas, como a divulgação dos

cultos semanais e também a novena da Padroeira. De acordo com o jornal O Mensageiro a

Rádio desempenha um papel importante durante a festa, “ Em Juazeirinho a festa da Sagrada

Família é contagiante: muita gente participando toas as noites; a JUÁ FM transmitindo as

Celebrações do novenário, e grande participação das comunidades do Núcleo”103

4.3 As práticas religiosas desenvolvidas durante a novena

Durante os oito dias, as Celebrações são realizadas a noite, somente na Festa Maior,

como é caracterizado o último dia da Festa da Padroeira, é normalmente em um domingo, as

atividades festivas acontecem durante o dia. È importante ressaltar que só encontramos a

presença do Padre da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, nos dias em que havia a

celebração de sacramentos do Batismo e Eucaristia na Missa campal, o que fica explicito na

narração do jornal O Mensageiro:

De 22 a 31 de dezembro de 2006, a comunidade de JUAZEIRINHO

celebrou a festa da Sagrada Família com o tema: “ Família, fonte de vida e

construtora da cidadania”. Nosso Pároco Pe. Elias fez a abertura da festa

com batizados de adultos, Sacramentos do Matrimonio e Celebração da

Eucaristia. Durante todo o novenário a comunidade festejou com muito

entusiasmo a participação em massa das comunidades convidadas e

visitantes de cidades circunvizinhas. Sem contar com a animação, dança

litúrgica. Encerrou a festa com batizados de crianças, 1ª comunhão,

Celebrações Eucarísticas com Pe. Jonny.104

No encerramento, a Festa começa ás cinco horas da manhã, com a Alvorada Festiva,

com uma caminhada pelas ruas da localidade sendo iniciada sempre da praça principal. Com

103

Jornal O Mensageiro, Nº 110, Ano 14, Fevereiro de 2008. 104

Jornal O Mensageiro, Nº 98, Ano 13, Fevereiro de 2007.

Page 54: Devoção e festa no sertão baiano

54

cânticos e fogos a Alvorada começa, e aos poucos o número de devotos aumenta. A procissão

é formada com uma cruz que é carregada pelos fiéis, até chegar de volta a igreja.

De volta a praça principal, é o momento da comunhão com o café partilhado, onde os

participantes da Alvorada e também aqueles que esperam na igreja partilham os gêneros

típicos da região, que são normalmente doados pelos próprios juazeirenses. Como relata o

jornal O Mensageiro:

A comunidade comemorou celebrando e cantando com muito júbilo o

Ofício das comunidades demonstrando que o canto do povo é força da

comunidade.O Café da manha foi uma super partilha, a começar pelo

tamanho do “Pão”. Que Pão! O cuscuz roubou a cena dos outros alimentos,

mostrando que a partilha começa na mesa com o espírito comunitário.105

È interessante ressaltar que este é mais um ambiente onde o sentimento religioso,

através dos cânticos e orações divide espaço com as conversas e brincadeiras durante o café

partilhado, que é composto também de todo o cenário que se forma em torno da igreja, como

explica Madalena Carneiro, “Agente faz o café partilhado, que dizer, cada pessoa leva um

pratusinho e lá se junta todo mundo e lá toma o café todos juntos. A alvorada é mesmo com

fogos e o oficio, cantando musicas religiosas.”106

Às dezesseis horas, são realizados os batizados, e às dezoito horas, a Celebração da

Eucaristia durante a Missa campal. A festa da Padroeira é encerrada com uma procissão,

acompanhada por todos os devotos juazeirenses levando a frente o andor com a imagem dos

santos festejados, como a exteriorização do culto religioso e manifestações da fé, com hinos,

cânticos e fogos, acompanham a chegada da imagem ao altar da Igreja.

À frente, as crianças que, pela primeira vez receberam a Eucaristia e em duas filas os

devotos levam a imagem, em um roteiro que percorre as ruas centrais de Juazeirinho, com a

imagem da Sagrada Família ao centro enfeitada com flores da região. Normalmente o andor é

lavado pelos devotos que revezam durante o caminho, contudo nos últimos dois anos, o andor

é levado por um carro de som que enfeitado.

105

Jornal O Mensageiro, Nº 58, Ano 07, Dezembro de 2001. 106

Entrevista de Maria Madalena Carneiro, que foi participante da Festa de Santa Terezinha e atua na

organização da Festa da Sagrada Família. Concedida em 16 de Agosto de 2009.

Page 55: Devoção e festa no sertão baiano

55

4.5 A festa: sociabilidade e cotidiano

Na trama ordenada de símbolos, gestos e representações, o catolicismo vai-

se entrecruzando com a vida. Dor, alegria, esperança, problemas, anseios,

festas, novenas e santos vão compondo o cenário do dia-dia.107

Durante a festa da padroeira, Juazeirnho ganha um brilho diferente também devido a

presença de muitas localidades vizinhas, como relata o jornal O Mensageiro, “ No dia

29/12/2002, o Distrito de Juazeirinho festejou sua Padroeira a Sagrada Família com

batizados, Missa campal e procissão. A participação dos fieis e das comunidades

circunvizinhas foi intensa e animada”.108

Em um ambiente onde os sentimentos individuais se entrelaçam com os coletivos, os

devotos apresentavam símbolos e ações diferentes da religiosidade local contribuindo para a

formação de sua identidade como grupo. As práticas religiosas realizadas organizadas em um

ambiente de movimentação social, em um espaço diversificado de manifestação da fé da

devoção.

“A festa é uma espécie de parada da vida cotidiana, como um momento

contemplativo no meio da ação diária.” 109

Em Juzeirinho este é um período em que a

localidade recebe visitantes configurando-se também como um ambiente de lazer, apesar da

Igreja Católica tentar sempre padronizar os costumes e as práticas religiosas. De acordo com a

fala de Luis Durval fica evidente como a festa da padroeira acaba alterando toda a rotina da

localidade, transformando o momento festivo em um espaço de sociabilidades:

Movimenta a comunidade, dá um ritmo deferente do habitual, do

acostumado por que digamos assim é nove noites de troca de experiências, o

final também é um fechamento que é o encerramento da Festa da Padroeira,

onde realmente é um momento impar para a comunidade Sendo que nosso

publico né é maior com as participações das comunidades, por que

Juazeirinho é o núcleo que possui doze comunidades, tirando a sede, treze

com a nossa sede. Além das comunidades e cidades circunvizinhas como a

cidade de Ichú que participa dessa festa, de três anos pra cá né é mais um

integrante né na participação dessa festa, e a participação dessas

comunidades é bom porque é uma troca de experiências, elas vem até nós e

107

PASSOS, Mauro. O catolicismo popular. IN: A festa na vida: significado e imagens. Petrópolis: Vozes,

2002.p. 169. 108

Jornal O Mensageiro, Nº 72, Ano 09, Novembro de 2003. 109

BARROS, Marcelo. O divino segredo da festa. IN: PASSOS, Mauro. (org.). A festa na vida: significado e

imagens. Petrópolis: Vozes, 2002.p.67.

Page 56: Devoção e festa no sertão baiano

56

nós vamos até ela, é uma forma de retribuição a atenção para

conosco.110

Por causa do tempo de duração da novena, envolvem-se segmentos sociais variados, a

festa religiosa é um momento em que os devotos reafirmam seus laços de parentesco, amizade

e vizinhança, em um ambiente de confraternização, e relações sociais:

Nos espaços da festa encontramos os trabalhadores dos setor informal da

cidade, integrados com a comunidade.Os momentos de sociabilidades já

ocorriam durante a preparação das atividades, especialmente nas festividades

promovidas pelos pobres[...] As festas duravam dias, e muitos fazendeiros

das fazendas vinham para a cidade nesta ocasião. As festas constituíam-se

em momentos privilegiados de difusão de tradições, pois as festas eram uma

oportunidade que os trabalhadores pobres tinham para fazer da vida algo

mais agradável [...] as festas populares, momentos impares de expressão e

manifestação da cultura popular, de sociabilidade, integrando diversas

tradições.111

Percebemos que os muitos elementos religiosos são ainda fatores de direcionamento

da vida cotidiana de grande parte da população brasileira, pois o cenário religioso no país, de

forma geral, se configura através de ritos e manifestações internas e externas, os seja, através

de celebrações dentro das igrejas como também no largo e nas residências.

Neste sentido as festividades de largo, ou seja, as organizadas na parte externa da

igreja são organizadas em um espaço constituído de diferentes momentos, e podem ser

caracterizados por atividades que acontecem também em templos e ruas, por que durante as

festas religiosas podem acontecer manifestações no interior e exterior da igreja, com a

presença de folguedos populares, a festa de largo é uma característica da religiosidade baiana,

que se estrutura a partir de diferentes signos através da caracterização do ambiente e de

praticas individuais e coletivas.112

E, durante a festa da padroeira de Juazeirinho, ficou evidente que não só os

organizadores, mas também os participantes e a localidade em geral têm alterado seus

costumes cotidianos. Partindo destas ideias, embora tenham como objetivo principal as

orações em adoração a Sagrada Família, percebemos também a presença de elementos como

110

Entrevista de Luiz Durval Oliveira Carneiro, radialista da Juá FM e participa da organização da Festa da

Sagrada Família.Concedida em 08 de Agosto de 2009. 111

SOUZA, João Carlos. O caráter religioso e profano das festas populares: Corumbá passagens do século

XIX para o XX. Disponível em: www.scielo.br/scielo. Acesso em 20.05.2009.p.07. 112

SERRA, Ordep. Rumores de Festa: o Sagrado e o Profano na Bahia. Salvador: Edufba,2000.

Page 57: Devoção e festa no sertão baiano

57

apresentações artísticas, músicas, danças, e manifestações culturais locais para a apreciação

dos visitantes, atividades estas que dão um tom de descontração a cada noite. Então, embora a

Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité muitas vezes tente separar o momento de

sacralidade, as festas também se constituem como espaços de relações sociais e de trocas

culturais.

4.6 A hierarquia religiosa e social durante as atividades festivas

Queremos dizer que o estudo e a análise do catolicismo tradicional se

apresenta como um instrumento importante para a compreensão das raízes

culturais e históricas da sociedade e da política contemporâneas. 113

A religiosidade se manifesta através de práticas diferenciadas, a festa da padroeira

Sagrada Família apresenta formas de integração peculiares. Percebemos que cada devoto

possui lugares peculiares com maior ou menor expressão, a presença de participantes ativos

e passivos, ou seja, dos devotos que atuam na organização e realização da novena, como

também aqueles que participam na parte exterior da igreja, em meios as conversas e

brincadeiras.Essa distinção entre as pessoas que atuam nos diferentes espaços da festa é

necessária por que estas divisões evidenciam contradições e comportamentos diferenciados.

Existe uma hierarquia durante as festividades, não somente as estabelecidas pela Igreja

Católica, como também dentro da própria localidade. Porque a atuação dos fieis durante a

novena variam de acordo com as posições ocupadas nos grupos religiosos como as

relacionadas às atividades profissionais. “A festa unifica, mas também diferencia, entre

incluídos e excluídos da festa, definindo o papel ou lugar de cada participante”.114

Existem distinções relacionadas não somente a atuação dos fieis, como também das

posições sociais que cada grupo representa na localidade. Entendemos, portanto, que a partir

da análise dos festejos da padroeira de Juazeirinho podemos destacar também distinções

sociais, embora a busca da Igreja Católica em igualar todos os fiéis, podemos conhecer

113

STEIL, Carlos Alberto. Catolicismo e Cultura. IN: VICTOR, Vicente Valla. (org.). Religião e cultura

popular. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.p. 39. 114

GUARINELLO, Noberto Luiz. Festa, Trabalho e Cotidiano. IN: JANCSÓ, István (org.). Festa: Cultura e

sociabilidade na América Portuguesa.São Paulo: Edus, 2001. 2v. p. 973.

Page 58: Devoção e festa no sertão baiano

58

aspectos da sociedade como, por exemplo, a atuação e a influência de cada família nos

eventos religiosos festivos, como explica Carlos Alberto Steil:

A atenção voltada para os rituais do catolicismo tradicional nos conduz, no

entanto, para dimensões sociais que ultrapassam a compreensão estrita do

fenômeno religioso [...] A percepção dessa mentalidade que se entranha na

nossa cultura, como temos procurado demonstrar, só se torna possível se

aguçarmos nosso olhar para ler nas entrelinhas dos grandes rituais religiosos

e das manifestações populares o que a nossa sociedade está falando sobre se

mesma.115

A festa da padroeira também é um espaço onde valores e crenças são perpetuadas, e

por isso dentro do ambiente festivo é necessário analisar de que forma esses agentes internos

como os organizadores e os externos como os participantes e patrocinadores atuam alterando

seu desenvolvimento. Diante da análise das informações das diferentes fontes consultadas,

ficou evidente que desde a sua origem da festa da padroeira, de Santa Terezinha e Sagrada

Família, estiveram sob as orientações de duas principais famílias de Juazeirinho, a Moraes e a

Carneiro, que atuam ainda na organização e estruturação da novena. Embora a comissão da

festa venha buscando a interação de toda a comunidade como explica Luis Durval:

Então o culto era dividido nós tínhamos, antigamente a nossa festa era

dividida, presidente, vice-presidente, primeiro secretario e tesoureiro, só que

hoje de uns três, quatros anos pra cá, agente mudou só deixando no contexto

geral toda a comunidade que faz a coordenação... mais agente resolveu dá

um tempo e fazer com que as celebrações que engajassem as pessoas a fazer

leitura, outra pra cantar os salmos, outra par fazer as meditações das preces,

então tudo isso agente foi dando a elas, por que sempre tem as pessoas que

são um pouco tímida... Sempre tinha as famílias que se destacavam mais, a

família Moraes e a família Carneiro, e outras famílias que anualmente se

engajavam né, e hoje nós temos um processo né, na nossa festa que cada rua

fica responsável por um setor da igreja [...]”116

Essa participação em cada noite da novena dos moradores de ruas diferentes como foi

explicado acima por Durval, foi percebido também nos folders, a programação da festa é

estruturada já com esta divisão, embora na prática essa só seja feita para determinar quem fica

responsável pela barraquinha da comida. Desta forma percebemos um distanciamento de

115

STEIL, Carlos Alberto. Catolicismo e Cultura. IN: VICTOR, Vicente Valla. (org.). Religião e cultura

popular. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.p. 37. 116

Entrevista de Luiz Durval Oliveira Carneiro, radialista da Juá FM e participa da organização da Festa da

Sagrada Família. Concedida em 08 de Agosto de 2009.

Page 59: Devoção e festa no sertão baiano

59

grande parte da população em relação à organização da festa, como já foi mencionado,

atualmente um número reduzido de pessoas atuam na programação execução das atividades

durante a festa da padroeira. Durante as entrevistas percebemos que existe divergências entre

os possíveis motivos deste distanciamento de grande parte dos devotos em relação ao

planejamento das etapas da festa.

Page 60: Devoção e festa no sertão baiano

60

As transformações da festa da padroeira

A Festa da Padroeira de Juazeirinho entre os anos de 1930 á 2008 passou por

momentos de conflitos e mudanças, sendo um espaço de estudo em que percebemos

diferentes crenças, significados e tradições. Através de um processo relacionado ao próprio

desenvolvimento da sociedade juazeirense, a festividade da padroeira foi incorporando novas

práticas.

É interessante evidenciar que o público participante foi diversificado de acordo com

cada ano. Durante a festa de Santa Terezinha os participantes tinham uma faixa etária

diversificada. Já a festa da Sagrada Família até a década de noventa existiu grande número de

jovens atuando durante a novena. Contudo, nos últimos cinco anos, percebemos que os

participantes possuem a idade acima dos quarenta anos.

Isto está relacionado ao surgimento de novas religiões em Juzeirinho, pois até então

predominava a Igreja Católica, como também pode ser entendida por causa de mudanças

ocorridas na própria estrutura da sociedade Juazeirense, em relação à perspectiva de vida e até

mesmo na busca de outras oportunidades, pois até então os jovens do Distrito concluíam o

Ensino Médio e permaneciam atuando em atividades rurais ou informais.

Contudo, nos últimos anos a população jovem está cada vez mais imigrando para

outras cidades em busca de novas oportunidades de trabalho e aperfeiçoamento, o que acabou

por diminuir a atuação e participação com frequência dos jovens em atividades religiosas.

Fazendo uma análise das transformações históricas ocorridas durante a festa da

padroeira, percebemos que durante as décadas, surgiram novos elementos, como também a

assimilação de outros já encontrados no inicio da década de 1930, por que as formas de crer e

demonstrar a religiosidade também passaram por alterações que variam de simples

ornamentações a própria concepção de mundo e do sagrado.

Durante as festividades de Santa Terezinha a animação era algo constante com bandas,

leilões e a Feira-Chic, que eram entendidos como elementos da própria festa pelos devotos. Já

as apresentações teatrais e as coreográfias que são realizadas atualmente durante a novena da

Sagrada Família são novas formas devoção da fé pelos jovens do Distrito, o que não acontecia

durante a festa de Santa Terezinha. O estudo sobre a festa da padroeira de Juazeirinho teve

justamente como intuito principal entender de que forma a população participava de tais

atividades, assim como seu significado durante as décadas.

Page 61: Devoção e festa no sertão baiano

61

Mas durante a realização da pesquisa as leituras realizadas assim como o contato com

as diferentes fontes já citadas sugeriram ao trabalho uma análise que abrangesse novos

aspectos antes não pensados, pois outras inquietações foram surgindo, a partir das

informações encontradas como a devoção a Santa Terezinha como padroeira da localidade,

seu estudo propiciou a elucidação de questões relacionadas à construção da capela assim

como as divergências existentes entre os devotos juazeirenses.

Num primeiro momento realizamos um estudo das obras que analisavam as festas

religiosas em diferentes períodos históricos como base para a produção do trabalho, para

entender como se desenvolvia o processo de análise destas festividades, assim como através

de leituras em diferentes áreas de conhecimento. Em paralelo a isso iniciamos a catalogação

das fontes, ou seja, a escolha dos diferentes documentos que pudessem contribuir para a

elucidação dos questionamentos da pesquisa.

Neste trabalho foi possível elucidarmos algumas questões referentes à religiosidade e

as diferentes práticas culturais, como as peculiaridades existentes dentro do espaço festivo,

diante de diversas expressões do sagrado e do profano em um espaço de sociabilidades as

quais ao longo dos anos passaram por transformações. Por que as atividades realizadas pelos

devotos durante a festa da Sagrada Família como os leilões, os shows sacros eram

interpretados por tais como formas de expressão da fé, embora as autoridades religiosas da

Paróquia as colocassem como formas profanas.

Ficou evidente também que a festa possui manifestações que se configuram através de

expressões individuais e coletivas, em um universo heterogêneo formado pela junção de

diferentes elementos e maneiras de atuação dos fieis durante a festa em Juazeirinho. Variando

assim as formas de participação e entendimento do momento festivo. Durante a realização das

entrevistas com os moradores percebemos que o ambiente da festa narrado por tais possui

essa diferenciação quando afirmam que nem todos atuam no interior da igreja durante as

celebrações, assim quando se referem aos membros que nas últimas décadas atuaram na

organização da festa.

Durante análise dos festejos em devoção aos santos padroeiros em Juazeirinho

entendemos que tais manifestações assumem um papel importante como patrimônio cultural

imaterial, na medida em que os devotos se identificam e se reconhecem durante a festa em um

espaço formado por atividades que se articulam entre as crenças coletivas e individuais.

Page 62: Devoção e festa no sertão baiano

62

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Page 65: Devoção e festa no sertão baiano

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Folders da Festa da Sagrada Família ( 1998-2008)

Hinos da Festa da Padroeira: Hino do Juá, Hino á Sagrada Família e Hino á Juazeirinho

Manuscritas:

Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité ( 1855-2009)

Certidão de doação das terras da Capela Sagrada Família ( 1932)

Carta particular de José Fernandes ( 1981)

Inventário pós-morte das terras da fazenda Joazeiro ( 1872)

Duas escrituras de compra e venda das terras da fazenda Joazeiro ( 1934-1938)

2. Fontes orais

Entrevistados (as):

Luiz Durval Oliveira Carneiro, radialista da Juá FM e atua na organização da Festa

da Sagrada Família.

Djalma Lopes Carneiro, participante da Festa de Santa Terezinha e da Sagrada

Família.

Julita Carneiro, participante da Festa de Santa Terezinha e da Sagrada Família.

Maria Madalena Carneiro, participante da Festa de Santa Terezinha e atua na

organização da Festa da Sagrada Família.

Page 66: Devoção e festa no sertão baiano

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Joaquim Carneiro de Oliveira Neto, participante da festa de Santa Terezinha e da

Sagrada Família.

Mário Leandro da Hora, atua na organização da Festa da Sagrada Família.