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LUCAS PETRI BERNARDES DEVER DE DILIGÊNCIA DOS ADMINISTRADORES DE SOCIEDADES ANÔNIMAS Dissertação de Mestrado Orientadora: Professora Dra. Juliana Krueger Pela FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO SÃO PAULO 2014

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Page 1: DEVER DE DILIGÊNCIA DOS ADMINISTRADORES DE ......BERNARDES, Lucas Petri. Dever de diligência dos administradores de sociedades anônimas. Dissertação (mestrado em direito) –

LUCAS PETRI BERNARDES

DEVER DE DILIGÊNCIA DOS ADMINISTRADORES DE

SOCIEDADES ANÔNIMAS

Dissertação de Mestrado

Orientadora: Professora Dra. Juliana Krueger Pela

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

SÃO PAULO

2014

Page 2: DEVER DE DILIGÊNCIA DOS ADMINISTRADORES DE ......BERNARDES, Lucas Petri. Dever de diligência dos administradores de sociedades anônimas. Dissertação (mestrado em direito) –

LUCAS PETRI BERNARDES

DEVER DE DILIGÊNCIA DOS ADMINISTRADORES DE

SOCIEDADES ANÔNIMAS

Dissertação de mestrado apresentada à

Banca Examinadora da Faculdade de

Direito da Universidade de São Paulo,

como exigência parcial para a obtenção

do título de mestre em Direito, sob a

orientação da Professora Doutora Juliana

Krueger Pela.

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

SÃO PAULO

2014

Page 3: DEVER DE DILIGÊNCIA DOS ADMINISTRADORES DE ......BERNARDES, Lucas Petri. Dever de diligência dos administradores de sociedades anônimas. Dissertação (mestrado em direito) –

Banca Examinadora

__________________________________________________________

__________________________________________________________

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BERNARDES, Lucas Petri. Dever de diligência dos administradores de sociedades

anônimas. Dissertação (mestrado em direito) – Programa de Pós-graduação em Direito

Comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.

Orientadora Professora Doutora Juliana Krueger Pela

RESUMO

A atividade exercida pelos administradores de sociedades anônimas envolve a prática de

uma série de atos de gestão não previamente ou exaustivamente definidos, estando

sujeita, portanto, a uma margem de discricionariedade. Apesar das limitações impostas

pela Lei e pelos Estatutos Sociais, ao administrador caberá, cotidianamente, escolher

uma alternativa, dentre muitas possíveis, para cada negócio realizado pela companhia. A

proposta deste trabalho é estudar a influência da regulação jurídica sobre as escolhas

que são tomadas pelos administradores, mais precisamente o chamado dever de

diligência, estudando, deste modo, como a escolha de determinados padrões de conduta

pela regulação jurídica pode determinar a relação dos administradores com o risco

empresarial e afetar a atividade econômica de um país. O estudo é conduzido em grande

parte com a utilização da metodologia da análise econômica do direito, tendo em vista

as frutíferas contribuições que as ferramentas de microeconomia podem trazer para

construção de análises sobre os comportamentos de agentes econômicos.

Palavras-chave – Direito Comercial – Direito Societário – Administradores – Dever de

diligência – Padrões de conduta – Risco - Análise Econômica do Direito.

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ABSTRACT

The activity rendered by managers ahead of corporations contemplate series of acts not

previously or thoroughly defined, being subjected, therefore, to a discretionary margin.

Nonetheless all limits imposed by Law and by the company by-laws, a manager, every

day, still should choose one alternative amongst many possible, for each company

business. The purpose of this work is to study the influence of legal regulation over the

choices made by company managers, more precisely about the duty of care, studying, in

this sense, how certain behavioral patterns imposed by legal regulation can determine

the relationship of company managers with business risks and, hence, affect economic

activities in a country. The study is grounded in the methodology proposed by Law &

Economics, considering all prolific contributions received by the microeconomic tools

for the construction behavioral analysis of economical agents.

Keywords – Business Law – Corporate Law – Managers – Duty of care – Behavioral

patterns – Risk – Law & Economics.

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I

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................... 1

2. A ESTRUTURA DO DEVER DE DILIGÊNCIA ...................................................................... 16

2.1. Os Paradigmas da Culpa em Abstrato e da Culpa em Concreto ............................................................... 23

2.1.1. Comparação entre os paradigmas fundamentais e discussão sobre sua aplicação aos

administradores de sociedades ................................................................................................................ 37

2.1.2. Os paradigmas concreto e abstrato na visão da análise econômica ............................................... 43

2.2. Direito Estrangeiro .................................................................................................................................... 50

2.2.1. Portugal ......................................................................................................................................... 51

2.2.2. Espanha ......................................................................................................................................... 57

2.2.3. Itália ............................................................................................................................................... 60

2.2.4. EUA ............................................................................................................................................... 65

2.2.5. Reino Unido ................................................................................................................................ 101

2.3. Direito Brasileiro .................................................................................................................................... 115

3. O CONTEÚDO DO DEVER DE DILIGÊNCIA ...................................................................... 128

3.1. Elemento central: Dever de se informar ................................................................................................. 132

3.2. Vigilância e Intervenção: Os complementos do dever de se informar .................................................... 152

3.3. Outros potenciais desdrobramentos e os fundamentos de sua exclusão do dever de diligência ............. 180

3.4. O dever de diligência e a Business Judgment Rule ................................................................................. 194

4. A RELAÇÃO DO DEVER DE DILIGÊNCIA COM OS REGIMES DE

RESPONSABILIDADE CIVIL .......................................................................................................... 209

5. A IMPORTÂNCIA DO OBJETO SOCIAL PARA O DEVER DE DILIGÊNCIA ....... 254

6. SÍNTESE CONCLUSIVA ............................................................................................................... 282

7. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................. 302

7.1. Livros ...................................................................................................................................................... 302

7.2. Teses e Artigos........................................................................................................................................ 309

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1. INTRODUÇÃO

“– O acionista, disse-me um amigo que passava, é um

substantivo masculino, que exprime ‘possuidor de ações’ e,

por extensão, credor de dividendos. Que a diretoria

administre, vá, mas que lhe tome o tempo em prestar-lhe

contas, é demais. Preste dividendos; são as contas vivas. Não

há banco mau se dá dividendos. Aqui onde me vê, sou

também acionista de vários bancos, e faço com eles o que

faço com o júri, não vou lá, não me amolo.” 1

Em linhas gerais, compete aos administradores fixar e supervisionar a orientação

geral dos negócios da sociedade, bem como a prática dos atos de gestão necessários ao seu

funcionamento.

No exercício desta função – administração da sociedade – os sujeitos estão

adstritos a alguns limites, os quais podem ser colocados em ordem de amplitude.

1 MACHADO DE ASSIS em crônica publicada 04 de novembro de 1900 com o nome de “o

acionista...é...credor de dividendo”. Disponível em <http://machado.mec.gov.br/>

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O primeiro deles é a Lei, entendida aqui como legislação ou conjunto de regras

impostas pelo ordenamento Estatal. Espera-se que o administrador exerça as suas

atribuições sempre nos limites impostos pela Lei.

O segundo limite é o estatuto social, que sofre importantes influências legais

(normas cogentes do tipo), mas que pode ser modelado pelos sócios, e vai, usualmente,

impor regras para atuação dos administradores, a começar pela escolha do objeto social,

mas também por meio da fixação das atribuições de cada diretor, de suas alçadas, formas

de comunicação e convocação dos sócios, dentre outros.

Assim, dentre destes limites – Lei e estatuto social – os administradores exercerão

suas competências, praticando os atos de gestão necessários ao funcionamento da

sociedade.

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Ocorre que mesmo dentro destes limites ainda existe um grande espaço de

discricionariedade, pois por mais abrangente que seja a legislação incidente naquela

sociedade, por exemplo, em razão do seu objeto social, como ocorre com as instituições

financeiras, ou que o estatuto social seja detalhista, ainda restará uma margem significativa

de atuação. Podemos dizer que dentro dos limites da Lei e do estatuto social,

possivelmente existirão duas ou mais alternativas para cada ato praticado, que serão

escolhidas pelo administrador no exercício de sua atribuição e com base em sua

discricionariedade.

Interessante notar, portanto, que um determinado sujeito estará a cargo da

administração de um patrimônio pertencente a terceiros e que no exercício de sua função

de gerir esse patrimônio ele tomará inúmeras decisões, as quais poderão beneficiar ou

prejudicar os detentores deste patrimônio. A questão central, deste modo, é criar um

sistema em que o administrador receba os incentivos corretos para o adequado exercício de

suas funções.

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A relação entre administradores e sócios é usualmente abordada pela análise

econômica do direito por meio da chamada agency threory, que surge com base nas

relações entre mandante (principal) e mandatário (agent2), mas abarca um espectro muito

mais amplo de relações, como toda e qualquer relação na qual o retorno de um sujeito

dependa da execução ou comportamento de outro3-4, sendo que este outro, o agente, possui

uma margem de atuação e poder de decisão em nome do principal.

2 V. Black´s Law Dictionary

3 “For readers unfamiliar with the jargon of economists, an ‘agency problem’—in the most general sense of

the term—arises whenever the welfare of one party, termed the ‘principal’, depends upon actions taken by

another party, termed the ‘agent.’ The problem lies in motivating the agent to act in the principal’s interest

rather than simply in the agent’s own interest. Viewed in these broad terms, agency problems arise in a broad

range of contexts that go well beyond those that would formally be classified as agency relationships by

lawyers”. HANSMANN, Henry & KRAAKMAN, Reinier H. Agency Problems and Legal Strategies. In

KRAAKMAN, Reinier H. et alli. The Anatomy of Corporate Law: A Comparative And Functional Approach.

Oxford University Press, 2004. p. 21

4 “We define an agency relationship as a contract under which one or more persons (the principal(s)) engage

another person (the agent) to perform some service on their behalf which involves delegating some decision

making authority to the agent.” MECKLING, William H. & JENSEN, Michael C. Theory of the Firm:

Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure. Journal of Financial Economics (JFE), Vol. 3,

No. 4, 1976. p. 5

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Dizer tão somente que o retorno que será recebido pelo principal depende do

comportamento do seu agente não expressa, com precisão, o efetivo problema enfrentado.

De fato, o problema subjacente é que vai determinar a importância do sistema de

incentivos, a saber, o pressuposto de que os indivíduos são naturalmente egoístas e tendem

a maximizar os seus benefícios próprios, ainda que em detrimento dos outros, e que na

multiplicidade de escolhas enfrentadas pelo agente, sobretudo em uma relação continuada

como a administração, os interesses dos agentes poderão não ser os mesmos dos principais.

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A agency theory serve, portanto, para identificar a questão e apontar soluções, que

procuram o alinhamento de interesses entre as partes, bem como formas eficientes de

monitoramento, e buscam evitar que os agentes ajam de forma oportunista e em desacordo

com os interesses do principal, sobretudo quando possuírem informações melhores –

quantidade e qualidade – que estes5.

5 “If both parties to the relationship are utility maximizers, there is good reason to believe that the agent will

not always act in the best interests of the principal. The principal can limit divergences from his interest by

establishing appropriate incentives for the agent and by incurring monitoring costs designed to limit the

aberrant activities of the agent. In addition in some situations it will pay the agent to expend resources

(bonding costs) to guarantee that he will not take certain actions which would harm the principal or to ensure

that the principal will be compensated if he does take such actions. However, it is generally impossible for

the principal or the agent at zero cost to ensure that the agent will make optimal decisions from the

principal’s viewpoint. In most agency relationships the principal and the agent will incur positive monitoring

and bonding costs (non-pecuniary as well as pecuniary), and in addition there will be some divergence

between the agent’s decisions and those decisions which would maximize the welfare of the principal.”

MECKLING, William H. & JENSEN, Michael C. Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs

and Ownership Structure. Journal of Financial Economics (JFE), Vol. 3, No. 4, 1976. p. 5

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Importante notar, que quanto maior for a discricionariedade permitida ao agente

maior será o problema enfrentado pelo principal, o que novamente ressalta a importância

da teoria para o estudo dos deveres dos administradores, já que a atividade de administrar é

por excelência uma atividade discricionária, exercida dentro dos limites da Lei e dos

estatutos sociais e que, conforme será demonstrado, por mais que se tente, se faz

impossível descrever ou prever todas as situações.

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Aliás, no contexto do direito societário, os administradores estão sempre

imiscuídos nas principais relações de agência de uma sociedade: i) entre sócios e

administradores contratados; ii) entre controladores e não controladores; iii) entre

sociedade e empregados, credores ou consumidores6.

6 “The first involves the conflict between the firm’s owners and its hired managers. Here the owners are the

principals and the managers are the agents. The problem lies in assuring that the managers are responsive to

the owner’s interests rather than simply to the managers’ own personal interests. The second agency problem

involves the conflict between, on the one hand, owners who possess the majority or controlling interest in the

firm and, on the other hand, the minority or noncontrolling owners. Here the noncontrolling owners are the

principals and the controlling owners are the agents, and the difficulty lies in assuring that the former are not

expropriated by the latter. The third agency problem involves the conflict between the firm itself (including,

particularly, its owners) and the other parties with whom the firm contracts, such as creditors, employees, and

customers. Here the difficulty lies in assuring that the firm, as agent, does not behave opportunistically

toward these various other principals — such as by expropriating creditors, exploiting workers, or misleading

consumers.” HANSMANN, Henry & KRAAKMAN, Reinier H. Agency Problems and Legal Strategies. In

KRAAKMAN, Reinier H. et alli. The Anatomy of Corporate Law: A Comparative And Functional Approach.

Oxford University Press, 2004. p. 36

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A pergunta que pode ser feita é se o Direito é capaz de fornecer elementos para

guiar esses comportamentos, tendo sempre em mente que as atribuições dos

administradores serão exercidas com discricionariedade e que as decisões tomadas por eles

afetarão o patrimônio de terceiros.

A resposta para essa pergunta passa exatamente pelo estudo do chamado dever de

diligência, que é o elemento escolhido pelo Direito para balizar a prática de atos por

aqueles que agem em nome de terceiros ou que gerem patrimônio ou interesses de

terceiros. A correta compreensão do dever de diligência pode trazer maior segurança para

todos os envolvidos nas relações em que a sua aplicação é necessária, pois ele deve ser

observador tanto previamente – quando o administrador prepara a sua decisão – quanto

posteriormente, quando é necessária uma análise da decisão tomada, principalmente para

fins de responsabilidade civil do administrador.

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Um mundo em que o administrador pode ser responsabilizado por todo e qualquer

ato, sem um mínimo de previsibilidade, é tão terrível quanto um em que o administrador

não pode ser responsabilizado. A calibração do dever de diligência vai compor o quadro de

incentivos dos administradores, com impactos diretos na atividade econômica de um país.

Com efeito, conforme abordaremos ao longo do trabalho por meio dos conceitos de nível

de precaução e nível de atividade, o dever de diligência vai determinar a relação dos

administradores com o risco e, portanto, influenciar nos negócios celebrados pela

sociedade.

A questão central da dissertação está, deste modo, no estudo do dever de

diligência como elemento fornecido pelo Direito para orientar o exercício da função de

administração de uma sociedade, não na prática de atos previstos especificamente pela Lei

ou pelo estatuto social, mas quando o administrador age com discricionariedade,

escolhendo uma alternativa negocial, dentre as várias possíveis.

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Em 2008 surge uma crise financeira mundial, que atinge todos os países do

mundo, incluindo o Brasil. Na lista de culpados aparecem complexos instrumentos

financeiros, que, segundo seus críticos, ao invés de diminuir e distribuir, acabaram

aumentando o risco.

Os defensores destes instrumentos, de outro lado, argumentam que eles quando

corretamente utilizados representam distribuição e redução de risco, possibilitando

proteção contra variações no futuro (hedge), expansão do crédito e desenvolvimento

econômico. A diferença entre remédio e veneno, portanto, estaria na dosagem.

No Brasil, essa questão aparece com os chamados derivativos e com as

dificuldades financeiras enfrentadas por grandes companhias para o pagamento das

operações realizadas com esses instrumentos. No centro de toda a discussão estão os

administradores destas companhias, aos quais cabia a decisão de utilizar ou não esses

instrumentos financeiros e em que medida.

Seria possível ao Direito orientar previamente essa decisão? Se sim, qual a

maneira mais eficiente? Ocorridos os fatos, seria possível avaliar essa decisão, concluindo

pela sua licitude ou ilicitude?

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Compete aos administradores a gestão da sociedade anônima, que passa pela

fixação e orientação geral dos negócios da companhia e chega à prática dos atos

necessários ao seu funcionamento regular. Essa atividade é consubstanciada em uma série

de atos, coordenados para um fim comum, que envolverão em cada situação, em maior ou

menor grau, discricionariedade destas pessoas a quem a função é atribuída.

O tema deste trabalho, de maneira sucinta e direta, é a discussão desta

discricionariedade, mais precisamente do chamado dever de diligência, que deve funcionar

como um orientador do exercício desta atividade. A crise financeira e os seus

desdobramentos servirão como pano de fundo para o aprofundamento de algumas questões

relacionadas ao dever de diligência, mais precisamente da relação dever de diligência e

risco.

Antes de ingressarmos propriamente no tema, cabível a exposição de um plano

geral do trabalho que será desenvolvido.

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Para compreender o modelo adotado pelo Direito brasileiro faz-se necessário

estudar os diversos modelos existentes, tarefa esta que será empreendida em duas fases.

Uma por meio da indicação sucinta dos aspectos históricos do dever de diligência, mais

precisamente de sua origem no Direito romano, com o destaque dos dois paradigmas

existentes para aferição de diligência. Muito longe de ser um exercício de erudição, o

resgate histórico será feito para demonstrar que a legislação brasileira utiliza o mesmo

instituto, sem muita evolução.

Na sequência, um breve estudo das legislações de diferentes países com o objetivo

de fornecer elementos de comparação e crítica. Conforme se irá demonstrar, o direito

societário avançou neste tema de formas interessantes em outros países, fornecendo ideias

pertinentes para a evolução da nossa legislação, as quais poderiam ser aproveitadas para

modernizar um instituto jurídico de raízes tão remotas.

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Feito esse estudo inicial, passa-se à análise do Direito brasileiro, com a indicação

dos principais dispositivos que regeram o tema do dever de diligência nas sociedades

anônimas até se chegar ao atual Art. 153 da Lei 6.404/76. A parte histórica é breve e

utilizada somente para destacar o surgimento e a evolução do conceito, principalmente no

que tange ao paulatino abandono da teoria do mandato e adoção da teoria organicista.

Conforme demonstraremos, apesar das críticas, o contrato de mandato fornecia à relação

do administrador com a sociedade e com os sócios um arcabouço jurídico importante para

pautar a prática dos atos de gestão.

Após a análise do Art. 153 da Lei 6.404/76, com uma conclusão preliminar acerca

do modelo adotado e apontadas as principais críticas, passamos a uma tentativa de

especificação mais detalhada do conteúdo propriamente dito do dever de diligência. A

realização de um trabalho acadêmico impõe ao seu autor a leitura prévia dos trabalhos

anteriormente publicados sobre o tema, servindo este capítulo também como um diálogo

com esses os trabalhos de outros autores, sobretudo no que tange às propostas de

subdivisão – ou desdobramentos – do dever de diligencia.

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O principal tópico desta parte está na análise do dever de diligência como um

dever de se informar, ou, em outras palavras, como um dever de procedimentalizar e

fundamentar a tomada de decisão que culmina na prática dos atos de gestão. Porém, outras

questões também são tratadas, principalmente a relação do dever de diligência com outros

institutos jurídicos, como, por exemplo, a chamada business judgment rule.

O encerramento da dissertação consistirá na construção de uma síntese

conclusiva, na qual se espera expor as principais conclusões de cada parte do trabalho,

retomando as principais críticas ao modelo adotado pelo Direito brasileiro com a indicação

de possíveis caminhos para evolução do modelo.

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2. A ESTRUTURA DO DEVER DE DILIGÊNCIA

Na acepção comum da palavra, diligência significa cuidado ou zelo. Contudo,

para chegarmos ao conteúdo jurídico do dever de diligência deveremos compreender como

esse cuidado é tomado pelo Direito e utilizado para impor um padrão de conduta para

aqueles sujeitos que se propõem a administrar patrimônio de terceiros.

Desta forma, é diligente aquele que age com cuidado, com zelo, atenção e que

vigia algo sob a sua guarda ou responsabilidade; juridicamente, é diligente aquele sujeito

que cumpre as suas obrigações deste modo, empregando todos os meios ao seu alcance

para fazer aquilo que deve. Diligência é, portanto, algo que permeia todo o Direito, não

sendo pertinente somente ao Direito Comercial, muito menos aos deveres dos

administradores. Nesse sentido, cumpre observar que a diligência é um standard geral do

Direito, pois todos os sujeitos devem de ser diligentes no cumprimento de suas obrigações.

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Nas palavras de MENEZES CORDEIRO7:

“A diligência corresponde à medida de esforço ou de colaboração

exigível ao devedor no cumprimento de suas obrigações. Trata-se

da noção apresentada, em várias fases, como ligada estreitamente

à boa-fé, a qual daria o quantum em causa. O Direito português,

na tradição latina – o BGB fala em <<cuidado necessário no

tráfego>>, § 276 – remete para um cômputo em abstracto dado

pelo comportamento do bom pai de família.”

A inserção do dever de diligência para os administradores de sociedades teria

inspiração Norte-Americana, segundo aponta MODESTO CARVALHOSA8. O dever de

diligência naquele ordenamento é conhecido como duty of care e representa um standard,

enunciado flexível e amplo, que remete aos entendimentos firmados pela doutrina e,

sobretudo, pela jurisprudência. Importa também não em um “comportamento

determinado”, mas em um “padrão de comportamento”.

MARIA ELISABETE GOMES RAMOS coloca a questão da seguinte maneira:

7 MENEZES CORDEIRO, Antonio Manuel. Da Boa Fé no Direito Civil. Almedina, Coimbra, 1997. pp.

1229 e 1230

8 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 5ª edição, Saraiva, São Paulo,

2007. p. 228

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“O parâmetro usado para avaliar a diligência do membro do

órgão de administração constitui-se como um conceito jurídico

indeterminado (unbestimmter rechtsbegriff). Tal caracterização

dogmática não equivale a uma lacuna normativa, antes tem o

significado de remeter para o juiz o dever de concretizar esse

conceito, tendo em conta a específica realidade social da

administração das sociedades.”9

Stardard10 do direito norte-americano ou cláusula geral, o dever de diligência não

poderia ser estabelecido de outra forma que não flexível, ampla, aberta e passível de

interpretação segundo o caso concreto.

9 RAMOS, Maria Elisabete Gomes. Responsabilidade civil dos administradores e directores de sociedades

na anónimas perante os credores sociais. Stvdia ivridica, Boletim da Universidade de Coimbra. Vol. 67.

Coimbra Editora, 2002. p. 88

10 “No entanto, embora consignados expressamente na Lei, tais deveres representam padrões de conduta ou

standards a serem observados. Isto é, não são formulados em caráter absoluto, nem possuem um conteúdo

fixo, dependendo das particularidades de cada caso concreto. Vale dizer, os Standards expressam condutas

sociais médias, de caráter enunciativo, que funcionam como diretivas genéricas e servem como medida ou

elemento de comparação para o juízo de casos concretos. Daí, comportarem tais standards forte carga de

subjetivismo, implicando um certo juízo de valor sobre a conduta.” EIZIRIK, Nelson et alli. Mercado de

Capitais – regime jurídico. Renovar, Rio de Janeiro, 2008. p. 396

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Com efeito, ainda que a inspiração para inserção fosse do Direito Norte-

Americano, algo que é discutível, a diligência e o dever de diligência não são

desconhecidos de nosso ordenamento, muito pelo contrário, tanto a diligência quanto

demais conceitos correlatos, como negligência, imprudência ou imperícia, são amplamente

conhecidos, estudados e adotados. O Código Civil de 2002, longe de se afastar das

cláusulas gerais, as adotou, evitando casuísmos ou enunciações taxativas em diversos

pontos. A atual Lei das Sociedades Anônimas segue o mesmo caminho, preferindo, muitas

vezes, enunciar padrões esperados de comportamento a elencar taxativamente as

condutas11.

11 Na exposição de motivos do anteprojeto da Lei 6.404/76 lê-se: “(...) o Projeto (no art. 153) fixa alguns

parâmetros que permitem à minoria prejudicada, ou à autoridade judicial que conhecer do caso, formar juízo

sobre a existência ou não de abusos da maioria. São normas que, pela variedade das situações a que deverão

aplicar-se, somente podem ser enunciadas com grau de generalidade que as aproximam de meros padrões de

referência para avaliação dos casos concretos.”

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Nesse sentido, de uma forma ou de outra, como princípio ou standard, teremos

sempre o dever de diligência como padrão esperado de conduta, que vai orientar as

decisões dos sujeitos no cumprimento de suas obrigações.

“Os artigos 154 a 161 definem, em enumeração minuciosa, e até pedagógica, os deveres e responsabilidades

dos administradores. É Seção da maior importância no Projeto porque procura fixar os padrões de

comportamento dos administradores, cuja observância constitui a verdadeira defesa da minoria e torna efetiva

a imprescindível responsabilidade social do empresário. Não é mais possível que a parcela de poder, em

alguns casos gigantesca, de que fruem as empresas - e, através delas, seus controladores e administradores -

seja exercido em proveito apenas de sócios majoritários ou dirigentes, e não da companhia, que tem outros

sócios, e em detrimento, ou sem levar em consideração, os interesses da comunidade.” “As normas desses

artigos são, em sua maior parte, meros desdobramentos e exemplificações do padrão de comportamento dos

administradores definido pela lei em vigor - o do "homem ativo e probo na administração dos seus próprios

negócios" (§7º do art. 116 do Decreto-lei nº 2.627) e, em substância, são as que vigoram, há muito tempo, nas

legislações de outros povos; formuladas, como se encontram, tendo presente a realidade nacional, deverão

orientar os administradores honestos, sem entorpecê-los na ação, com excessos utópicos. Servirão, ainda,

para caracterizar e coibir abusos.”

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21

Conforme indicado na introdução, a atividade de administrar sofre a incidência de

normas advindas diretamente da Lei, bem como das regras escolhidas pelos sócios para

compor o estatuto social. Todavia, por mais regras legais que sejam incidentes ou por mais

minucioso que seja o estatuto social, ainda deve restar margem para discrionariedade nesta

atividade, permitindo-se aos administradores que escolham entre duas ou mais alternativas

para uma mesma situação negocial.

Se na realidade existe um sujeito gerindo patrimônio e interesses de outro, tendo

margem e poder para decidir, necessário se faz impor um padrão de comportamento

esperado dessa gestão, o qual seja flexível o suficiente para abarcar as mais diversas

situações da vida, mas que ainda assim sirva para orientar esses comportamentos, bem

como para examiná-los.

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22

Se a realidade impõe, neste caso, a adoção de uma cláusula geral, refletida em um

padrão de comportamento esperado e não em uma lista de condutas previamente

estabelecidas, resta o desafio de discutir os modelos de comportamento que poderiam ser

seguidos, bem como os elementos de construção destes modelos. Assim, ao longo dos

próximos capítulos debateremos a interpretação deste princípio ou standard chamado de

dever de diligência, procurando definir seus diferentes desdobramentos e demonstrar como

um dever de cuidado ou zelo pode variar segundo o caso concreto, a depender do

paradigma adotado, das competências de cada administrador, da existência de um ou mais

órgãos de administração e da relação entre estes órgãos, dentre outros fatores.

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23

2.1. OS PARADIGMAS DA CULPA EM ABSTRATO E DA CULPA

EM CONCRETO

A noção de diligência e os diversos paradigmas de culpa têm origem no Direito

Romano e são entendidos praticamente como o eram naquela época12. A aferição da

diligência no comportamento é absoluta, não havendo, portanto, gradação (níveis). Em

outras palavras, o sujeito não pode ser dito pouco diligente ou muito diligente. Do ponto de

vista jurídico, a conclusão se dá, de forma simples, entre sim ou não, foi ou não foi

diligente. Todavia, o paradigma (modelo de comparação) que será utilizado para a

verificação pode variar.

12 “A teoria clássica da culpa, que é armadura da responsabilidade civil extracontratual das legislações

modernas, recebeu do Direito justinianeu a celula mater, da qual nasceu o princípio genérico daquela

responsabilidade, cristalizado do preceito do Art. 1.382 do Código Civil de Napoleão.” LIMA, Alvino. Culpa

e Risco. 2ª Tiragem, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1963. p. 20

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24

São conhecidos dois modelos fundamentais, um denominado de abstrato, calcado

na figura do bonus paterfamilias, e outro, chamado de concreto, que avalia a diligência, em

síntese, pelo comportamento usual do sujeito com relação aos seus próprios interesses.

Esses são os paradigmas da culpa em abstrato e da culpa em concreto, fundamentais para a

compreensão do conteúdo do dever de diligência.

Assim, antes de responder se um determinado sujeito foi diligente, devemos

questionar qual é o modelo utilizado para avaliação.

A figura do bonus paterfamilias era conhecida já no período clássico do Direito

Romano, caracterizada, no direito justinianeu, não apenas pelo empenho a bem fazer, mas

o resultado13.

13 RIBEIRO, Renato V. Dever de diligência dos administradores de sociedades. Editora Quartier Latin, São

Paulo, 2006, passim.

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25

Contudo, a capacidade esperada do indivíduo era obtida por meio de uma média

dos comportamentos dos outros indivíduos. A média, por óbvio, não era matemática,

estando longe de ser precisa. Era necessária uma avaliação subjetiva, pautada pelo bom

senso do responsável pela verificação. A capacidade esperada somente atingiria níveis

extraordinários se assim fosse convencionado entre as partes e se isto de alguma forma

decorresse da relação entre elas. Nesses casos, o paradigma utilizado seria o do

diligentissimus paterfamilias, para o qual não eram concedidas exceções além do caso

fortuito e da força maior.

Desta forma, ao falarmos em bonus paterfamilias ou homem médio estaremos

adotando o paradigma da culpa in abstracto de origem no Direito Romano, o qual apura a

conduta do indivíduo pela média dos comportamentos sociais, ou seja, pelo que poderia ser

esperado de uma pessoa comum, nem muito nem pouco diligente, apenas padrão. O nível

de diligência poderia variar, sim, com a evolução da sociedade, apresentando maior ou

menor rigor conforme o desenvolvimento da comunidade em que a conduta era apurada.

Contudo, continuaria pautado na razoabilidade e no conhecimento ou especialização

médios.

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26

A média dos comportamentos ou a “sensibilidade ético-social” podem variar no

tempo e no espaço, ou seja, em grau, mas o cumprimento, conforme esclarecemos acima,

não pode ser médio, no sentido de parcial, ou se age ou não se age com diligência segundo

o modelo de comportamento adotado como paradigma. Assim, o resultado da verificação é

absoluto, todavia, o nível esperado de capacidade e raciocínio é relativo, varia em grau.

Em outras palavras, uma vez escolhido o paradigma para verificação da conduta, a

conclusão será sempre em termos de sim ou não, ou seja, a conduta adotada será declarada

como diligente ou como não diligente. Porém, é importante não esquecer que o paradigma

pode variar, pois o nível de diligência obtido por meio da adoção do paradigma abstrato

muda segundo a percepção social do que seria o “homem médio” e, conforme dito acima,

essa percepção social é diferente em locais e tempos distintos.

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27

Em temas mais cotidianos e sobre os quais existe um número maior de decisões

judiciais, essa variação é mais claramente identificável. Podem ser citadas, como exemplo,

as decisões judiciais acerca da diligência que deve ser adotada pelo interessado em

comprar um imóvel. A lista de documentos que deve ser exigida dos vendedores variou no

tempo e segundo o responsável pelo julgamento (subjetivismo), sobretudo com base no

entendimento de quais seriam as cautelas mínimas exigíveis de um comprador14. O tema é

diverso do tratado aqui, mas serve para ilustrar como é necessário formar um paradigma de

avaliação antes de tirar qualquer conclusão acerca da conduta adotada.

14 “Cabe ao comprador do imóvel provar que desconhece a existência da ação em nome do proprietário do

imóvel, não apenas porque o art. 1.º, da Lei n.º 7.433/85 exige a apresentação das certidões dos feitos

ajuizados em nome do vendedor para lavratura da escritura pública de alienação de imóveis, mas, sobretudo,

porque só se pode considerar, objetivamente, de boa-fé, o comprador que toma mínimas cautelas para a

segurança jurídica da sua aquisição.” (REsp 655.000/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,

TERCEIRA TURMA, julgado em 23/08/2007, DJ 27/02/2008, p. 189) (grifamos)

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Em resumo, de posse do paradigma – o qual pode variar de grau – conclui-se

acerca do enquadramento da conduta como diligente – não há variação de grau, mas uma

conclusão entre duas alternativas mutuamente excludentes – sim ou não. Em outras

palavras, considerando o paradigma imposto pelo Direito, o agente foi ou não foi

diligente?

Algumas legislações, sem abandonar o paradigma, preferiram substituir o

conceito de bonus paterfamilias por outros mais modernos ou mais afeitos ao direito

comercial. Cita-se o “ordenado e fiel homem de negócios” na Alemanha, o “ordenado

empresário e representante leal” na Espanha, o “gestor ordenado” em Portugal e o “bom

homem de negócios” na Argentina15. Apesar da alteração, o paradigma continua abstrato,

ou seja, está calcado em uma figura ideal. Nestes casos, o Direito abandona a média social,

que é geral, e adota uma média mais específica para o campo de atuação do sujeito que

deve seguir o padrão de comportamento. É como dizer que a diligência de um médico deve

ser avaliada segundo a diligência média da comunidade médica, não de toda a população.

15 Cf. Capítulo 2.2 para detalhamento das citações e indicação dos dispositivos legais aplicáveis.

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Nos casos citados acima, a diligência passa a ser avaliada pela média dos demais

administradores ou dos empresários em razão da atualização do paradigma, que retira suas

fontes de campos específicos de atuação profissional, e não mais de toda a população.

Contudo, vale ressaltar que a especificação de um campo mais restrito não retira as

variações de grau que pode decorrer de uma análise que é subjetiva.

O paradigma oposto ao abstrato é denominado de concreto. A chamada culpa in

concreto tem fundamento histórico na diligentia quam suis do Direito Romano, com as

suas variações, como diligentia quam suis rebus adhibet ou quam suis rebus exhibet.

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A culpa in concreto é apurada, conforme indicam as expressões acima, segundo o

comportamento do indivíduo na gestão de seus próprios negócios ou das suas próprias

coisas (gestão do patrimônio pessoal). Não se trata, portanto, de buscar o comportamento

médio das pessoas na sociedade, mas de aferir qual o nível de cuidado que aquele sujeito

costuma empregar. O padrão de comparação não é o homem médio, a sensibilidade da

sociedade do que seria razoável esperar, mas o próprio indivíduo. Este paradigma era

utilizado nos casos de sociedade, comunhão hereditária, administração de bens dotais,

fidúcia e tutela.16

Esta modalidade era aplicada para poucos casos, sendo considerada como

agravamento da situação, principalmente se ponderamos que a culpa grave era equiparada

ao dolo e que a culpa in concreto era um grau intermediário entre a culpa leve e a culpa

grave. Isto não é, contudo, necessariamente correto.

16 RIBEIRO, Renato V. Op. cit. p. 59

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Aqueles que afirmam que a culpa in concreto constitui agravamento da situação

defendem que este paradigma era justamente e especialmente utilizado em duas situações,

as quais são, inclusive, muito pertinentes para este trabalho: i) quando houvesse confiança

pessoal nas habilidades do sujeito, de tal sorte que o contrato seria celebrado considerando-

se características acima da média apresentadas por aquele indivíduo; ii) o fato de o sujeito

gerir negócios ou bens nos quais tenha participação ou interesses. Em ambos os casos, o

nível de diligência esperado estaria acima do médio e, portanto, superior ao bonus

paterfamilias, o que constitui, efetivamente, uma exigência maior e, nesse sentido, um

agravamento.

Interessante notar que no primeiro caso estaríamos diante da situação apresentada

pelos administradores profissionais, os quais são, geralmente, contratados em razão de

habilidade especial na gestão de negócios, sobretudo aqueles de grande renome, os quais

costumam construir invejável currículo ao administrarem diversas sociedades importantes.

Espera-se deles muito mais do que o “médio” ou o “padrão” social, há, por conseguinte,

uma confiança especial.

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No segundo caso, poderíamos enquadrar a administração realizada por aquele que

também é sócio, muito comum ainda no Brasil, principalmente para as pequenas empresas

ou para os grupos familiares. Nesta categoria, estariam aqueles que igualmente teriam

muito a perder se a administração não fosse corretamente desempenhada, ou seja, a sua

atuação afeta não somente interesses de terceiros, mas substancialmente interesses

próprios, decorrentes da sua posição de sócio.

Contudo, para descartar a alegação de agravamento, o que devemos ter em mente

é que o sujeito poderá apresentar diligência com os seus bens em nível superior ou inferir

ao do homem médio, ou seja, não há na escolha do paradigma a garantia de que o sujeito

tenha cuidado superior ao bonus paterfamilias, de tal forma que seu comportamento

pretérito deve ser conhecido por aqueles que o escolhem para a gestão. Portanto, o

agravamento da situação não é consequência lógica e necessária da culpa in concreto,

podendo, pelo contrário, funcionar como abrandamento nos casos em que o sujeito

apresentar comportamento abaixo da média.

Essa distinção lógica era conhecida pelo Direito Romano, conforme se pode

perceber desta passagem de autoria do jurisconsulto PAULO:

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“Contudo, esta culpa não tem por medida a máxima diligência,

bastando que o sócio tenha com os negócios da sociedade os

mesmos cuidados que presta às próprias coisas, pois quem se

associa com um negligente só de si deve se queixar.”17 (grifamos)

Assim, demonstra-se que não advêm necessariamente do paradigma o

agravamento da responsabilidade, mas sim da prática, pois aquele que está acima da média

é preferencialmente escolhido para gerir bens e negócios alheios, já que aquele que escolhe

um negligente para gerir seus bens não pode reclamar dos resultados. Muito pelo contrário,

as legislações costumam responsabilizar aqueles que nomeiam alguém sabidamente inapto

para a função18.

17 “Culpa autem non ad exactissimam diligentiam dirigenda est: sufficit enim talem diligentiam in

communibus rebus adhbere socium qualem suis rebus adibere. Nam qui parum diligentem socium sibi

adsumit, de se queri debet.” Citação e tradução encontradas na obra de RIBEIRO, Renato V. Op. cit. p. 136 e

137.

18 Lei 6.404/76 – Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com

abuso de poder. § 1º São modalidades de exercício abusivo de poder: d) eleger administrador ou fiscal que

sabe inapto, moral ou tecnicamente;

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Acreditamos que o importante na distinção entre os paradigmas não é afirmar se

um deles implica maior ou menor responsabilidade, mas sim: i) identificar suas principais

características para que seja possível determinar se a legislação brasileira adotou um ou

outro; ii) apurar se algum deles apresenta configuração mais apropriada para a

caracterização da responsabilidade do administrador em função do seu dever de diligência.

Se o dispositivo legal determina que o cumprimento do dever seja apurado

conforme o padrão do “homem médio”, estaremos diante da culpa in abstracto, se, pelo

contrário, manda averiguar o cuidado que o sujeito apresenta na gestão de seus próprios

bens e negócios, estaremos perante o paradigma da culpa in concreto.

Na definição de ALVINO LIMA19:

“na apreciação da culpa in abstracto não se tomam em

consideração as disposições especiais da pessoa ou seu grau de

compreensão das coisas, seus meios ou possibilidades individuais,

mas compara-se a conduta do autor do ato à do homem

abstratamente diligente, prudente e circunspecto, não se tendo em

conta, particularmente, a sua educação, instrução ou aptidões

pessoais.”

19 LIMA, Alvino. Op cit. pp. 62-63.

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O autor define com precisão o paradigma da culpa in abstracto, mas parece

confundir o conceito de culpa in concreto com dolo, ao dizer que mais a frente em sua obra

que “o debatido problema de se saber se a conduta do agente do ato lesivo deve ser

apreciada in concreto, isto é, se devemos considerar a consciência do autor do dano, sondar

seu íntimo...”.20 A distinção é importante e nos auxilia a ressaltar a diferença entre os

paradigmas.

Não obstante, devemos apreciar o próprio indivíduo para apuração da diligência

conforme o paradigma concreto, não se fala, neste caso, de sondar seu íntimo ou sua

consciência, pois o estudo do paradigma não consiste em apurar se o ato foi praticado com

culpa ou dolo, mas sim de saber como o sujeito costuma agir na gestão de seus próprios

bens e negócios, ou seja, o que interessa para o modelo não é o seu íntimo, mas sim o seu

padrão de conduta histórico. O ato praticado será comparado com atos anteriormente

praticados pelo próprio sujeito, principalmente na condução de seu próprio patrimônio.

20 LIMA, Alvino. Op cit. p. 63.

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Portanto, para a culpa in concreto a análise do nível de diligência será feita

sempre com base nos atos pretéritos exteriorizados pelo indivíduo em questionamento, em

outras palavras, qual o nível de cuidado e de diligência que ele costuma empregar na

administração de seus próprios negócios. O Direito Romano admitia a figura da diligência

propalada, algo que parece ser possível aproveitar, levando-se em consideração, deste

modo, a diligência prometida pelo sujeito – seu histórico profissional, seu curriculum

vitae.

Desta forma, estabelecidas as características gerais de cada um dos paradigmas e

elucidadas as diferenças entre eles, resta apurar qual dos paradigmas fora adotado pela

legislação brasileira e qual deles seria melhor para avaliar o dever de diligência dos

administradores de sociedades.

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2.1.1. COMPARAÇÃO ENTRE OS PARADIGMAS FUNDAMENTAIS E DISCUSSÃO

SOBRE SUA APLICAÇÃO AOS ADMINISTRADORES DE SOCIEDADES

Mostrou-se que o paradigma abstrato é aquele orientado pelo homem médio,

conhecido como bonus paterfamilias no Direito Romano, calcado na sensibilidade geral da

comunidade do que seria esperado de alguém em situação semelhante. Não se espera nem

muito nem pouco do sujeito, apenas uma atuação média, conforme o entendimento geral.

Duas são, portanto, as dificuldades enfrentadas: i) apurar esse entendimento geral, muito

subjetivo e fugidio; ii) responsabilizar o indivíduo em situações nas quais a diligência deve

ser acima do padrão médio, ou seja, naqueles casos em que o cuidado da média da

população não é suficiente.

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De outro lado, no paradigma concreto temos a busca pela vida pretérita do

indivíduo, tentando averiguar quais são os cuidados empregados por ele na administração

de seus negócios ou na conduta usualmente mantida por ele na administração dos negócios

de terceiros. A dificuldade aqui está na apuração do histórico. Ademais, um sujeito

individualmente considerado pode apresentar maior ou menor diligência com os seus

negócios que a média da população. Como dissemos acima, o paradigma concreto não

implica agravamento porque simplesmente o sujeito pode ser menos diligente que a média

da sociedade.

Diante da conceituação geral dos dois paradigmas e da indicação de seus pontos

de crítica, podemos seguir o estudo e avaliar qual dos dois modelos se adequaria melhor à

atividade de administração e se as críticas usualmente feitas poderiam ser afastadas.

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Com efeito, a administração das sociedades é cada vez mais profissionalizada,

aumentando segundo os investimentos abarcados pela sociedade gerida. O mercado

profissional é muito competitivo, exigindo progressivamente um conjunto maior de

habilidades e de experiência21. Considera-se, portanto, o candidato ao cargo, sua formação

acadêmica, as sociedades que administrou antes, seu perfil de gestão, dentre outros.

Assim, ao procurar um indivíduo para administrar a sociedade, os sócios não estão

preocupados se os candidatos atendem ou não o nível médio de diligência, mas

efetivamente verificam as características pessoais de cada um, inclusive a sua conduta

perante o risco, ou seja, se tal sujeito é mais ou menos avesso a assunção de riscos na

gestão das sociedades que administra.

Ademais, a dificuldade de se apurar o padrão médio aumenta a cada dia. Fato

notório que a sociedade moderna é extremamente complexa, sendo composta por

indivíduos das mais diferentes formações e consciências.

21 A situação ideal é aquela em que o administrador congrega escolaridade e experiência. Cf.

CARVALHOSA, Modesto. Op. cit. p. 228.

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A crítica ganha corpo quando imaginamos as diferenças existentes de um país

para outro, pois muito provavelmente o homem médio brasileiro é diferente do homem

médio alemão. A legislação societária é nacional e aplica-se, salvo exceções, às sociedades

constituídas no país. Nesse sentido, seria no mínimo confuso que um sócio de outro país

esperasse algo diferente de seu administrador brasileiro, por ter noções diferentes do que é

razoável esperar de um homem médio.

Essas considerações indicam, portanto, que o sócio controlador ao escolher o seu

administrador o faz com base no que pode esperar da pessoa escolhida, e não com base no

homem médio brasileiro, alemão, norte-americano ou de qualquer outra nacionalidade.

Deste modo, concordamos que o paradigma concreto não deveria ser adotado

como regra geral do ordenamento para cumprimentos de todas as obrigações civis, pois o

padrão de cuidado do homem médio se adequaria melhor para a verificação das condutas

cotidianas. Contudo, para alguns casos ele se apresenta muito mais adequado. É a situação

dos administradores de sociedades, para os quais é relevante a sua conduta anterior e sob

os quais se deposita confiança em razão desta conduta pretérita, além, é claro, de

características notórias ou expressamente declaradas por eles.

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A evolução do paradigma abstrato com a adoção de um padrão mais próprio da

administração de empresas, como foi feito, para citar alguns, na Alemanha, na Espanha e

em Portugal, poderia abrandar o problema, pois o padrão do “gestor ordenado” ou

“administrador criterioso” com certeza impõe um nível maior de diligência que aquele do

homem médio.

Ademais, buscar a média dos comportamentos em uma área mais delimitada –

administradores – seria muito mais fácil que buscar no universo da sociedade. Porém, as

críticas tecidas acima continuam aplicáveis, ainda que em menor grau.

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico assim se

manifestou sobre o assunto:

“The director´s duties paper proposes a number of other

amendments to the Corporations Law to clarify certain aspects of

Director´s obligations:

- The existing duty of care and diligence should be amended to

make it clear that the standard of care required by the duty must be

assessed by reference to the particular circumstances of the

individual officer concerned;”22

22 OECD economic survey 1997-1998: Organisation for Economic Co-Operation and Development (OECD).

OECD Publishing, Australia, 1998. p. 105 Acessível em < http://www.oecd-ilibrary.org/economics/oecd-

economic-surveys-australia-1998_eco_surveys-aus-1998-en>

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Nota-se que a OECD propõe uma alteração na legislação da Austrália para que

fique mais claro que o dever de diligência deve se verificar segundo as circunstâncias do

administrador questionado, e não segundo modelos abstratos. A recomendação valeria

também para o Brasil, conforme adiante explicitaremos.

Assim, ao tratarmos do dever de diligência dos administradores de sociedades,

nos parece muito mais apropriada a adoção do paradigma concreto. A diligência média não

é suficiente para atender ao nível de responsabilidades, de tal forma que os sócios

escolhem especialmente aquele que acreditam ser capaz, depositando, portanto, confiança

na qualificação notória ou declarada do sujeito. A avaliação não pode ser feita por um

parâmetro que não é utilizado na relação entre as partes envolvidas, o de bonus

paterfamilias, mas sim naquele que é adotado para guiar a escolha, a conduta passada do

indivíduo.

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2.1.2. OS PARADIGMAS CONCRETO E ABSTRATO NA VISÃO DA ANÁLISE

ECONÔMICA

A análise econômica do direito demonstra que as regras de responsabilidade

podem ser vistas da perspectiva da eficiência, de tal modo que “[P]ara conseguir a solução

mais eficiente na defesa dos interesses do conjunto da sociedade, só se deve incorrer nos

custos associados à prevenção de acidentes enquanto cada euro adicional gasto para esse

efeito permitir poupar mais do que um euro em danos.”23

Em linguagem econômica, é dizer que devemos aumentar o nível de precaução

enquanto o seu benefício marginal for maior ou igual ao seu custo marginal24.

Essas considerações são feitas normalmente quando da comparação entre a

responsabilidade subjetiva e a responsabilidade objetiva, mas podem ser igualmente

aplicadas aos paradigmas de verificação da diligência, os quais podem ser entendidos

como níveis de precaução.

23 RODRIGUES, Vasco. Análise Económica do Direito, Almedina, Coimbra, 2007, p. 88.

24 MANKIW, Nicholas Gregory. Introdução à economia: princípios de micro e macroeconomia. Tradução da

2ª edição americana. 4ª Tiragem. Campus, Rio de Janeiro, 2001. p. 278

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Com efeito, determinar a responsabilidade civil extracontratual pelo paradigma

concreto – nível de diligência exigido é aquele habitual do sujeito no trato de suas próprias

coisas – causaria uma queda no nível de precaução geral. Os sujeitos diligentes não teriam

incentivos para continuar agindo desta forma, tendo em vista que seriam julgados por um

padrão esperado maior, bem como correriam o risco de, quando lesados, ver o sujeito

faltoso ser avaliado por um padrão muito menor.

Como os sujeitos pouco diligentes não possuem incentivos para aumentarem seus

níveis de precaução e como os sujeitos muito diligentes possuem incentivos para

diminuírem seus níveis de precaução, podemos concluir que pouco se gastaria em

precaução e provavelmente enfrentaríamos um aumento considerável nos danos sofridos

pela coletividade.

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Além disso, toda ação judicial envolveria uma discussão dispendiosa acerca do

comportamento passado do sujeito que provocou o dano, na medida em que haveria uma

grave assimetria de informações entre as partes, que somente seria resolvida com uma boa

instrução probatória. Seria, a bem da verdade, algo ridículo de se observar, já que o sujeito

que cometeu o ato ilícito se esforçaria para provar um baixíssimo nível de diligência

anterior, procurando diminuir o padrão de conduta esperado.

Por isso, nas situações em que as partes envolvidas não se conhecem – algo

natural na relação jurídica involuntária que surge na responsabilidade extracontratual – o

nível mais eficiente é dado pelo paradigma abstrato, ainda que representado por um padrão

médio da sociedade. Nesses casos, impor aos menos diligentes um nível mínimo de

precaução provavelmente será mais eficiente no agregado da sociedade. A evolução da

sociedade eleva pouco a pouco esse padrão, promovendo uma atualização salutar do nível

de diligência esperado de seus indivíduos.

De outro lado, nas situações em que as partes estabelecem uma relação voluntária,

o paradigma concreto é mais eficiente.

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46

De fato, o sujeito que escolhe a outra parte – chamado de principal pela teoria da

agência – verificará o nível de diligência adequado à situação enfrentada por ele. Vamos

dizer que o caso poderá exigir diligência inferior, superior ou semelhante à do homem

médio. Na sequencia, avaliará os custos de obter o nível de diligência pretendido,

representado, principalmente, na remuneração do escolhido – chamado de agente pela

teoria da agência.

O principal fará, portanto, uma primeira análise de custo e benefício. Se a

regulação jurídica impusesse um padrão, o “homem médio”, por exemplo, o principal

ficaria impedido de negociar abaixo ou acima deste nível, algo que poderia gerar, deste

modo, situações ineficientes ou aumento nos custos de transação, considerando que as

partes poderiam tentar obter contratualmente25, a despeito da Lei, a regulação jurídica

pretendida.

25 EASTERBROOK, Frank H. & FISCHEL, Daniel R. The Economic Structure of Corporate Law. Harvard

University Press, Cambridge, 1996. p. 28

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47

Em outras palavras, a análise econômica do direito demonstra que a determinação

de um padrão cogente para os agentes privados deve ser feita com muito cuidado, pois o

padrão determinado pela Lei pode não ser o mais adequado para as relações que pretende

regular, gerando ineficiências26. Conforme dito acima, diante de uma situação de padrão

cogente inadequado (não alinhado com a realidade das partes), algumas situações podem

ocorrer: i) as partes seguem o padrão legal e sofrem na relação negocial os efeitos da

inadequação da regra, não atingindo, segundo o entendimento dos agentes, o ponto de

satisfação ótimo; ou ii) as partes criam regras contratuais para contornar o padrão legal,

construindo regras acessórias que permitirão alcançar o resultado pretendido; ou iii) as

partes não celebram negócio, ocorrendo, portanto, a destruição de possíveis operações

econômicas.

26 COOTER, Robert & ULEN, Thomas. Law & Economics. 5ª edição, Pearson Education, Boston, 2008. pp.

201 e 202. Os autores fazem uma comparação entre uma teoria legal que não é sensível aos objetivos das

partes afetadas – chamada de “dogmatic” – e uma teoria que é compreensiva destes objetivos – “responsive”.

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48

Em todos os casos, estamos diante de aumentos nos custos de transação e,

consequentemente, de perda de eficiência nas relações econômicas. Na última hipótese

elencada, o aumento dos custos de transação é tão algo que inviabiliza a operação para ao

menos uma das partes.

O agente, por sua vez, avaliará o nível de diligência esperado – representativo do

seu custo de atuação – em contraposição à remuneração prometida – benefício da atuação.

Uma vez interessado na relação, atuará no sentido de convencer o principal de que é capaz

de atingir o nível de diligência esperado, por meio de dois comportamentos independentes

e complementares: i) divulgação de informações que demonstrem o seu comportamento

passado, relevando o seu histórico de atuação; ii) propalando deter – promessa – o nível de

diligência esperado pelo principal.

Vemos, portanto, que nesta situação o agente possui incentivos para diminuir a

assimetria de informações, posto que a sua escolha e a sua remuneração serão feitas com

base no divulgado por ele.

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49

A relação entre o custo marginal e o benefício marginal vem da análise feita pelo

principal, que avaliará o quanto deseja gastar aumentando o nível de precaução e o quanto

pode ter de benefício agindo desta maneira.

Nas relações voluntárias – como ocorre na escolha de administradores – o mais

eficiente é, portanto, deixar que os sócios (principal) fixem o padrão de conduta, algo que é

possível somente por meio da adoção do paradigma concreto, na medida em que o

principal pode ajustar o nível de precaução segundo o comportamento pretérito do

administrador – agente – escolhido.

Esse cenário de liberdade na fixação do padrão de conduta por meio da escolha

feita pelo principal refletiria a ideia de um mercado de administradores, algo que será

retomado ao longo do trabalho.27.

27 A qualificação pode servir como sinalização. Cf. SPENCE, Andrew M. Market Signaling: Informational

Transfer in Hiring and Related Screening Processes. Harvard University Press, Cambridge, 1974.

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50

2.2. DIREITO ESTRANGEIRO

Com o objetivo de fornecer fundamentos para estudo, bem como elementos para

crítica do modelo adotado pelo Direito brasileiro, passamos, ainda que de maneira breve e

não exaustiva, ao estudo dos modelos adotados por diferentes países.

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2.2.1. PORTUGAL

Em Portugal há um Código de Sociedades. O dever de diligência dos

administradores está estabelecido no Art. 64 deste código, tendo sido alterado no ano de

2006. Em sua antiga redação, assim dispunha:

Artigo 64.º (Dever de diligência)

Os gerentes, administradores ou directores de uma sociedade

devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado,

no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios

e dos trabalhadores.

Como se pode notar, o paradigma adotado consubstanciava-se na expressão

“gestor criterioso e ordenado”. Com a reforma de 2006, os deveres dos administradores

foram todos consolidados no Art. 64 sob o título de “deveres fundamentais”, passando a ter

a seguinte redação:

1 - Os gerentes ou administradores das sociedades devem

observar:

(a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a

competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade

adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a

diligência de um gestor criterioso e ordenado; e

(b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos

interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses

dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da

sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores.

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2 - Os titulares de órgãos sociais com função de fiscalização

devem observar deveres de cuidado, empregando para o efeito

elevados padrões de diligência profissional e deveres de lealdade,

no interesse da sociedade.

A alteração legislativa não modificou o paradigma adotado, que continuou sendo

o do “gestor criterioso e ordenado”. A alteração interessante está na retirada da parte final

do antigo dispositivo para compor um novo dever, o de lealdade28.

MARIA ELISABETE GOMES RAMOS29

explicar que o legislador português, inspirado

na codificação alemã (AktG, §93, I), já havia atualizado o conceito do bonus paterfamilias,

preferindo utilizar como paradigma um “gestor criterioso e ordenado”, muito mais

rigoroso, segundo a autora, pois encerra uma ideia de profissionalidade, já que se utiliza de

um padrão de diligência próprio de uma classe, a dos gestores, e não do homem médio.

28 Se a adoção do paradigma do gestor, no lugar do homem médio, se deu em razão da influência do direito

alemão, a reforma do artigo 64 foi inspirada no direito anglo-saxônico. A doutrina local ressalta que a

inspiração para do título “deveres fundamentais” vem diretamente dos “fiduciary duties” do direito inglês e

do direito norte-americano. CÂMARA, Paulo et alli. Código das Sociedades Comerciais e Governo das

Sociedades. Almedina, Coimbra, 2008. pp. 261-262

29 RAMOS, Maria Elisabete Gomes. Op. cit. p. 80

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A questão da qualificação técnica do administrador é ponto central para definição

do dever de diligência. A pergunta que se coloca é se seria possível extrair deste dever

alguma obrigação de apresentar determinado conhecimento específico ou formação

acadêmica. A discussão feita em Portugal pode nos fornecer alguns elementos iniciais

sobre o assunto, principalmente diante da atualização do paradigma, os quais serão

retomados em tópico específico sobre a existência de um “dever de se qualificar”.

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Em Portugal, o entendimento continua no sentido de que o dever de diligência não

impõe qualificação técnica no sentido de formação acadêmica ou instrução formal, sendo

interpretado, portanto, como exigência de expertise em gestão, algo que poderia vir, deste

modo, de conhecimentos práticos30. Há uma ideia de profissionalidade no sentido de

habitualidade e exercício da função como meio de subsistência. Como dito acima,

voltaremos ao assunto com mais vagar em momento oportuno.

Vê-se, portanto, que mesmo em Portugal, onde o legislador atualizou o paradigma

da diligência para algo mais próprio do direito empresarial, não se afirma com certeza que

existe o dever de se qualificar – tecnicamente – para o exercício da função31.

30 “...a lei não exige qualquer habilitação técnica especial para o exercício do cargo de administrador ou

director. Por outro lado, a vida empresarial mostra que não há uma relação causal e necessária entra a

excelência da formação e o sucesso empresarial. Logo, como dissemos, o padrão do ‘gestor criterioso e

ordenado’ encerra uma idéia de profissionalidade, de competência profissional no exercício das tarefas

própria dos gestor, mas o juízo sobre essa competência não pode ancorar-se exclusivamente nas habilitações

técnicas e profissionais.” RAMOS, Maria Elisabete Gomes. Op. cit. p. 80

31 CORREIA, Luís Baltazar Brito da Silva. Os Administradores de Sociedades Anónimas. Almedina,

Coimbra, 1993. pp. 598 e ss.

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No referido dispositivo, devemos notar que o não se trata de qualquer gestor, mas

de um “criterioso e ordenado”, ou seja, assim como nossa legislação adjetiva o “homem”

(paterfamilias) exigindo a (pro) atividade e a probidade, o legislador português demanda

do gestor duas qualidades especiais.

Pela redação do texto português, podemos afirmar que o legislador optou pelo

paradigma abstrato, não exatamente o do bonus paterfamilias, mas o do gestor criterioso e

ordenado, não designando que a diligência seria avaliada segundo o comportamento

dispensado aos seus próprios negócios, ou seja, trata-se da culpa in abtracto, aquela

apurada segundo um modelo geral e não conforme a conduta pretérita ou usual do sujeito

em análise32.

32 “Em relação à anterior redacção, a grande novidade, para além da utilização da terminologia ‘deveres de

cuidado’, está na exigência específica de que os administradores revelem disponibilidade, competência

técnica e conhecimento da actividade da sociedade. E essa disponibilidade, competência técnica e

conhecimento da actividade da sociedade são exigidos no grau que se revele adequado às funções do

administrador, e não em função da formação e experiência do administrador em concreto em causa.”

CÂMARA, Paulo et alli. Código das Sociedades Comerciais e Governo das Sociedades. Almedina,

Coimbra, 2008. p. 273. Os autores ressaltam que novamente o direito português se aproxima do inglês,

adotando um standard subjetivo e não objetivo.

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Em síntese, podemos extrair dois pontos para comparação do direito brasileiro: i)

o paradigma adotado é o paradigma abstrato; ii) esse paradigma foi atualizado,

abandonando-se o bonus paterfamilias por um conceito – gestor criterioso e ordenado –

que se espera mais próprio da atividade exercida pelos administradores.

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2.2.2. ESPANHA

O Código Civil espanhol, ao tratar das sociedades e de sua administração, não

definiu um padrão de conduta esperado dos administradores, o que encontramos somente

na lei das sociedades anônimas, que em sua versão anterior, apresentava o art. 79, o qual

falava “na diligencia de un ordenado comerciante y um representante leal”. Em 1989, a lei

das sociedades anônimas espanhola foi modificada, e o dever de diligencia passou a ser

previsto, junto com outros deveres dos administradores, no art. 127, o qual apresenta a

seguinte redação:

Artículo 127. Deber de diligente administración.

1. Los administradores desempeñarán su cargo con la diligencia

de un ordenado empresario y de un representante leal.

2. Cada uno de los administradores deberá informarse

diligentemente sobre la marcha de la sociedad.

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O entendimento geral foi de que o legislador confirmou o afastamento da doutrina

francesa do mandato para regular a responsabilidade do administrador com a sociedade,

antes aplicada naquele país com base no disposto no art. 171933 do Código Civil espanhol,

que tratava das circunstâncias do negócio e da conduta esperada do bonus parterfamilias34.

33 Artículo 1719 - En la ejecución del mandato ha de arreglarse el mandatario a las instrucciones del

mandante. A falta de ellas, hará todo lo que, según la naturaleza del negocio, haría un buen padre de familia.

34 CORREIA, Luís Baltazar Brito da Silva. Os Administradores de Sociedades Anónimas. Almedina,

Coimbra, 1993. p. 684.

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MARIA ELISABETE GOMES RAMOS aponta que essa alteração segue igualmente o

modelo alemão, de profissionalização do paradigma, abandonando o bonus partefamilias

em favor de um paradigma mais próprio do direito empresarial35. Todos os comentários

tecidos sobre a questão feitos sobre o ordenamento português valem, portanto, para o caso

espanhol36. Destaca-se, apenas, a menção expressa feita pela lei da obrigação de se

informar sobre os negócios da sociedade.

35 RAMOS, Maria Elisabete Gomes. Op. cit. p. 82

36 VENTURA, Raul & CORREIA, Luís Baltazar Brito da Silva. Responsabilidade civil dos administradores

e directores das sociedades anónimas e dos gerentes das sociedades por quotas: Estudo comparativos dos

direitos alemão, francês, italiano e português. Nota explicativa do capítulo II do Decreto-Lei n.º 49381 de 15

de Novembro de 1969, Separata do Boletim do Ministério da Justiça n.ºs 192, 193, 194 e 195, 1970.

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2.2.3. ITÁLIA

As sociedades e, por conseguinte, os deveres dos administradores são regulados

na Itália pelo Código Civil. Os dois dispositivos que fundamentavam essa escolha, tanto

para as sociedades simples (espécie base) quanto para as sociedades por ações, eram

respectivamente o Art. 2260 e o Art. 2392.

Art. 2260 Diritti e obblighi degli amministratori

I diritti e gli obblighi degli amministratori sono regolati dalle

norme sul mandato (1710 e seguenti).

Na redação antiga, o art. 2392 assim dispunha:

Art. 2392 Responsabilità verso la società

Gli amministratori devono adempiere i doveri ad essi imposti dalla

legge e dall'atto costitutivo con la diligenza del mandatario (1710),

e sono solidalmente (1292) responsabili verso la società (2621) dei

danni derivanti dall'inosservanza di tali doveri, a meno che si tratti

di attribuzioni proprie del comitato esecutivo o di uno o più

amministratori (2381).

Adotava, como se pode depreender, disposições muito semelhantes às das

sociedades simples, regulando os deveres dos administradores com base no contrato de

mandato. Nesse sentido, devemos chegar, por fim, ao art. 1170, que assim determina:

Art. 1710 Diligenza del mandatario

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Il mandatario è tenuto a eseguire il mandato (2392-1, 2407-1) con

la diligenza del buon padre di famiglia (1176); ma se il mandato è

gratuito, la responsabilità per colpa è valutata con minor rigore.

Il mandatario è tenuto a rendere note al mandante le circostanze

sopravvenute che possono determinare la revoca o la

modificazione del mandato.

Em resumo, portanto, o paradigma adotado pela legislação italiana até 2003 era o

do bonus paterfamilias, seguindo-se, deste modo, o paradigma abstrato37.

Todavia, a partir da reforma de 2003, o direito italiano caminhou no sentido das

legislações espanhola, portuguesa e alemã, abandonando o paradigma do bonus

paterfamilias e buscando outro mais condizente com a atividade empresarial e com a

gestão de negócios alheios. Importante notar que a semelhança estaria no abandono do

paradigma do bonus paterfamilias, mas não necessariamente na adoção da mesma teoria,

conforme exporemos a seguir.

O atual art. 2392 do Código Civil italiano assim determina:

37 FRÈ, Giancarlo. Società per azioni in: Commentario del Codice Civile, 5ª edição, Soc. Ed. del Foro

Italiano, Roma, 1982. p. 503; BONELLI, Franco. Responsabilità degli amministratori di società per azioni,

Giuffrè, Milano, 1992. p. 50

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Gli amministratori devono adempiere i doveri ad essi imposti dalla

legge e dallo statuto con la diligenza richiesta dalla natura

dell'incarico e dalle loro specifiche competenze. Essi sono

solidalmente responsabili verso la società dei danni derivanti

dall'inosservanza di tali doveri, a meno che si tratti di attribuzioni

proprie del comitato esecutivo o di funzioni in concreto attribuite

ad uno o più amministratori.

A alteração deve ser vista com cuidado, pois a jurisprudência italiana38 já havia

construído tese que modificava substancialmente a interpretação do paradigma do bonus

paterfamilias. A teoria adotada pela jurisprudência tinha como base o disposto no Art.

1176 do Código Civil italiano, in verbis:

Art. 1176 Diligenza nell'adempimento

Nell'adempiere l'obbligazione il debitore deve usare la diligenza

del buon padre di famiglia (Cod. Civ. 703, 1001, 1228, 1587, 1710-

2, 1768, 2148, 2167).

Nell'adempimento delle obbligazioni inerenti all'esercizio di

un'attività professionale la diligenza deve valutarsi con riguardo

alla natura dell'attività esercitata (Cod. Civ. 1838 e seguente,

2104-1, 2174-2, 2236).

38 BONELLI, Franco. Op. Cit. p. 47

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Com efeito, o referido artigo determina que no exercício de atividade profissional

a diligência deve ser valorada segundo a natureza desta atividade. Deste modo, a

jurisprudência elabora uma nova interpretação – sistemática – para criar o conceito de

“culpa profissional”, abandonando, de certa forma, o ultrapassado paradigma do bonus

paterfamilias e trazendo a análise do adimplemento dos deveres para o campo da

profissionalidade, tal como fora feito pelo legislador português, alemão e espanhol, que

deixaram o paradigma bonus paterfamilias para utilizar o conceito de “gestor”, exatamente

para estampar as características especiais da atividade de gestão de sociedades39.

39 “Em Itália, a jurisprudência tem desenvolvido o entendimento de que a diligência requerida do

administrador é valorada de acordo com a natureza da actividade excercida, com a qualificação profissional

dos sujeitos. Ou seja, a jurisprudência convoca os parâmetros do Art. 1176,2, do Codice, segundo o qual ‘ no

cumprimento das obrigações inerentes ao exercício de actividade profissional, a diligência deve valorar-se

tendo em conta a actividade exercida.’ Com esta posição, a jurisprudência abandona a bitola da diligência

média para adoptar a da diligência referida às particulares expectativas da sociedade e dos sócios, na

obtenção de um resultado económico positivo. Introduz-se, desta forma, a ideia de ‘culpa profissional’ para

valorar o comportamento dos administradores.” RAMOS, Maria Elisabete Gomes. Op. cit. p. 84.

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Nota-se, deste modo, que as decisões judiciais – prática jurídica – já havia se

encarregado de atualizar a sistemática do dever de diligência, antes mesmo do legislador

decidir alterar os dispositivos legais. A construção é realmente inteligente e, segundo nosso

entendimento, bastante pertinente, tendo em vista que a administração das sociedades

tornou-se uma verdadeira profissão, e se valorássemos a diligência de algum desses

administradores profissionais segundo o bonus paterfamilias provavelmente estaríamos

exigindo muito menos do que seria adequado e razoável.

O exposto acima demonstra que de uma maneira geral os países europeus

caminharam para o modelo de atualização do paradigma abstrato, substituindo o antigo

bonus paterfamilias por conceito mais moderno e adequado à atividade empresarial.

Independente da expressão utilizada, todos continuaram com o paradigma abstrato, apenas

modificando a figura ideal usada para comparação.

A exceção ficou por conta do Reino Unido, no qual a legislação inovou e acabou

criando um modelo muito interessante, que com certeza pode nos fornecer importantes

lições para atualização do modelo brasileiro, por isso deixando para o fim deste capítulo.

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2.2.4. EUA

O direito societário norte-americano tem peculiaridades não somente decorrentes

de sua filiação à common law, mas também em razão de seu federalismo, que permite aos

Estados-membros legislar completamente sobre a matéria.

No início, após a Revolução Americana de 1776 e durante o século XIX, as

sociedades eram criadas pelos próprios Estados-membros ou por pessoas autorizadas por

eles, por uma lei especial, para finalidades bem específicas, usualmente de interesse

público, como a construção de canais, pontes, barragens, rodovias, bancos e seguradoras40.

Com o desenvolvimento da indústria e do comércio, os Estados passaram a sofrer

pressão de grupos para a ampliação das autorizações e paulatinamente a situação foi

invertida, de tal forma que muitos Estados incluíram em suas constituições proibições de

criação de sociedades por eles mesmos, transferindo o regramento destas entidades para a

legislação geral.

40 COX, James D. & HAZEN, Thomas Lee. Corporations. 2ª edição. Aspen Publishers, Nova Iorque, 2003.

p. 2

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As “corporations” não mais seriam regidas pela lei especial que as autorizou ou

criou, mas pelas legislações que se seguiram, que passaram a permitir quase que toda e

qualquer atividade lícita, bastando para a constituição (incorporação) apenas a obediência a

determinadas formalidades. Os requisitos, formalidades e regras passaram a ser criados

pelos Estados. O primeiro de que se tem notícia foi o Estado de Nova Iorque, em 1811.

Em 1835, quase todos os Estados já permitiam a constituição de pessoas jurídicas

para qualquer tipo de atividade lícita com apenas o registro dos estatutos sociais. Já em

1888, o Estado de Nova Jersey autorizava que as sociedades fossem sócias de outras,

criando as primeiras holdings no país. Oito anos depois, com as outras reformas

liberalizantes que se seguiram, o Estado já era conhecido como “the Mother of the Trusts”

e o preferido para constituição de novas sociedades. Contudo, em 1913, o então

governador Woodrow Wilson conseguiu que a legislação fosse reformada para eliminar

todas as disposições consideradas “permissivas”, abrindo espaço para que outros Estados

tomassem a preferência, eis que surge a oportunidade de Delaware.

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O Estado de Delaware havia copiado muito da legislação de Nova Jersey e

constituído um sistema bastante liberal, com o objetivo de encorajar a utilização do Estado

para constituição de novas pessoas jurídicas ou a sua mudança para aquele Estado. A

constituição de sociedades nos Estados trazia para eles as receitas das taxas cobradas e dos

tributos incidentes principalmente sobre faturamento ou lucro.

Essa disputa pelas sociedades por meio da liberalização das legislações ficou

conhecida como “race to the bottom”41 ou “race of laxity”. Diante disto, foram montados

comitês para a discussão do tema e em 195042 foi publicado o primeiro “Model Business

Corporation Act” (“MBCA”), não com o objetivo de uniformização das legislações dos

Estados, mas como guia para futuras alterações.

41 Expressão criada pela Suprema Corte Norte-Americana no caso Ligget Co. v. Lee (288 U.S. 517, 558-559).

42 Uma tentativa anterior de padronização mínima entre as legislações estaduais ocorreu em 1928 com a

publicação do “Uniform Business Corporation Act”, que fracassou, tendo sido adotada integralmente por

somente três Estados e parcialmente por um.

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O MBCA, que seguia a mesma sistemática liberalizante, acabou adotado por

muitos Estados, angariando a grande maioria deles, com as notáveis exceções da

Califórnia, de Nova Iorque e de Delaware, este que continuou a sua busca pelo

aperfeiçoamento da legislação e do seu aparato estatal relativo às sociedades, acumulando

até pouco tempo atrás noventa por cento de todas as companhias de capital aberto dos

EUA.

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69

São apontados alguns fatores importantes que fizeram de Delaware o Estado

preferido para constituição de sociedades norte-americanas: a) ele é o segundo menor

Estado da federação, não contando com muitos recursos e, portanto, altamente dependente

deste fluxo de receitas, sendo, assim, mais comprometido com a atração de companhias; b)

sua constituição estadual exige um quorum de 2/3 de votos de ambas as casas do

legislativo para alteração da legislação sobre sociedades, o que dificulta a aprovação de

modificações drásticas – vale lembrar, aqui, o exemplo de Nova Jersey citado acima; c) o

Estado conta com uma estrutura específica e altamente preparada para atender às questões

societárias, incluindo uma “Chancery Court” e a sua famosa “Supreme Court”, bem como

os resultados positivos do acúmulo de precedentes judiciais destas duas cortes, ou seja,

mais um elemento de segurança jurídica43.

43 COX, James D. & HAZEN, Thomas Lee. Corporations. 2ª edição. Aspen Publishers, Nova Iorque, 2003.

pp. 38-39 Cf. ROMANO, Roberta. The state competition debate in Corporate Law. Cardozo Law Review,

1987. pp. 721-722

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Feitas essas considerações históricas, podemos separar a regulamentação dos

deveres dos administradores nos EUA em três grandes grupos: a) Delaware; b) Estados que

adotam o MBCA; c) Estados que não adotam o MBCA; sendo relevantes para o presente

trabalho apenas os dois primeiros grupos.

Delaware deve ser estudado pela sua importância, sobretudo para as companhias

de capital aberto, tendo em vista que a maioria delas foi constituída naquele Estado,

seguindo os seus regramentos44. O MBCA pela sua representatividade, tendo em vista a sua

adoção pela maioria dos Estados norte-americanos, mais precisamente vinte e quatro

deles45.

44 “In 2002, Delaware was the domicile of fifty-nine percent of Fortune 500 firms and fifty-eight percent of

all publicly traded companies. Lucian Arye Bebchuk & Alma Cohen, Firms’ Decisions Where To

Incorporate, 46 J.L. & ECON. 383, 391 tbl.2 (2003). Delaware’s share is expected to increase in the future

because Delaware has been able to attract an even larger fraction of firms going public in recent years. See

Bebchuk & Hamdani, supra note 6, at 579–80.” BEBCHUK, Lucian A. The Case for Increasing Shareholder

Power. Harvard Law Review, 2005, Vol. 118, No. 3, pp. 833-914; Disponível na SSRN:

<http://ssrn.com/abstract=387940>

45 Introdução do MBCA. p. xxvii. Acessível em <http://www.abanet.org> (acessado em 07.03.2010)

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2.2.4.1. DELAWARE

A discussão sobre dever de diligência apareceu pela primeira vez em 1922 no

julgamento do caso Lofland v. Cahall46. Na oportunidade, a Corte entendeu que a posição

ocupada pelos administradores era de gestores de bens de terceiros, devendo, portanto,

observarem a boa-fé e justiça nas negociações. Segundo essa posição, os administradores

seriam responsabilizados sempre que apresentassem “reckless indifference to or a

deliberate disregard of the whole body of stockholders.”47

46 LUBBEN, Stephen J. & DARNELL, Alana J. Delaware's Duty of Care. Seton Hall Public Law Research

Paper No. 32, April 4, 2005. Acessível em <http://ssrn.com/abstract=698223>

47 Kahn ex rel DeKalb Genetics Corp. v. Roberts (12324, 1995 Del. Ch) LEXIS 151, at *11 (Dec. 6, 1995)

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72

Todavia, outra teoria disputava espaço nas decisões das cortes em Delaware, uma

que defendia que a relação entre a sociedade e seus administradores era de mandato.

Ocorre que muitos administradores no passado exerciam suas funções sem receber

qualquer remuneração, tão somente pelo prestígio que obtinham da posição. Isso gerou

certa confusão nas discussões pela utilização de alguns elementos do mandato gratuito. A

relação era, segundo essa posição, contratual e, portanto, sujeita ao princípio conhecido no

Direito Romano como utilitas contrahentium. Uma vez que o administrador não obtinha

vantagens econômicas pelo exercício da função, somente poderia ser responsabilizado em

caso de dolo ou por condutas evidentemente irracionais ou grosseiras48.

48 “Delaware statutes do not define the duty of care, but the Delaware Supreme Court rejected the ‘reasonable

person’ standard o the ground that ‘it may appear to protect only director actions that do not constitute simple

negligence’, while in fact protection extends to ‘all director action not constituting gross negligence’.”

HOFF, Jonathan et alli. Public Companies. Law Journal Press, Londres, 2002.

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73

As posições não eram estanques, sendo comum encontrar decisões que retiravam

elementos de ambas as correntes49.

Assim, por meio do julgamento de uma série de questões como fusões, aquisições,

emissão de ações preferenciais, contratos de trabalho de executivos, publicação de

informações relevantes e desperdício de ativos da sociedade as Cortes do Estado de

Delaware foram construindo o entendimento sobre o padrão de conduta dos

administradores. Dentre os diversos casos julgados, dois são citados como paradigmáticos,

sendo importantes porque demonstram duas fases distintas de pensamento.

49 “Accordingly, Delaware’s duty of care was somewhat confused by 1980, although probably no more

confused than in many other states. In large part this confusion resulted from the competing theories of the

duty – trust and agency – and the tendency of courts to draw from both strains in a single opinion” LUBBEN,

Stephen J. & DARNELL, Alana J. Op. cit. p. 16

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No primeiro – Smith v. Van Gorkom50 – os administradores foram acusados de

negligência por concordarem com a venda da sociedade somente com base nas alegações

de um único administrador, interessado na venda, feitas durante breve apresentação oral.

Apesar e o preço de venda ter alcançado um valor acima da cotação das ações em bolsa, a

Corte entendeu que os administradores não cumpriram os seus deveres fiduciários,

sobretudo o dever de diligência, pois não tomaram nenhum cuidado no sentido de apurar se

o preço oferecido era realmente justo. O mero exame das demonstrações financeiras da

sociedade evidenciaria que os recursos em caixa cobririam a oferta.

A delimitação do padrão de conduta girou em torno, portanto, do processo

decisório dos administradores, de que informações eles utilizaram para formar seu

convencimento e qual o universo razoável de informações disponíveis. A Corte sugeriu

que os administradores poderiam ter contratado a elaboração de um parecer (fairness

opinion).

50 488 A.2d 858 (Del. 1985)

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75

Desde então, a contratação destes pareceres tornou-se praxe na administração de

sociedades. A adoção parece válida e louvável em um primeiro momento, mas um olhar

acurado demonstra que a contratação é meramente procedimental, muitas vezes

direcionada para um posicionamento pré-existente51.

Em outras palavras, a decisão gerencial é informalmente tomada, vindo a ser

formalizada somente quando produzidos documentos ou realizadas reuniões sobre as

alternativas disponíveis, os quais servirão, portanto, para demonstrar que as possibilidades

foram avaliadas e que a decisão gerencial foi devidamente instruída com as informações

necessárias.

51 A proteção trazida pela regra ganhou tamanha atenção que acabou por ofuscar o próprio dever de

diligência, o qual deveria receber a atenção substancial. A doutrina norte-americana sinaliza que a partir de

sua criação, os advogados empresariais que auxiliam os diretores das grandes empresas passaram a se

preocupar em criar mecanismos para garantir a sua aplicação, o que basicamente se dava por meio da criação

de que ficou conhecido como “paper trail”, ou seja, comprovação documental de que os administradores

agiram informadamente e refletiram sobre o assunto decidido. A criação de mecanismos para garantir o

cumprimento do dever de diligência era realizada somente na medida em que garantia a aplicação da business

judgment rule. Cf. BEBCHUK, Lucian A. et alli. Director Liability. Delaware Journal of Corporate Law,

Vol. 31, No. 3, 2006. Acessivel em <http://ssrn.com/abstract=946021>

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A decisão acima citada, tomada em 1985, assustou a muitos e gerou uma reação

do legislativo estadual, que já em 1986 alterou a lei para incluir a possibilidade de os

estatutos sociais limitarem a responsabilidade dos administradores52-53, desde que ela não

52 §102(b) “(7) A provision eliminating or limiting the personal liability of a director to the corporation or its

stockholders for monetary damages for breach of fiduciary duty as a director, provided that such provision

shall not eliminate or limit the liability of a director: (i) For any breach of the director's duty of loyalty to the

corporation or its stockholders; (ii) for acts or omissions not in good faith or which involve intentional

misconduct or a knowing violation of law; (iii) under § 174 of this title; or (iv) for any transaction from

which the director derived an improper personal benefit. No such provision shall eliminate or limit the

liability of a director for any act or omission occurring prior to the date when such provision becomes

effective. All references in this paragraph to a director shall also be deemed to refer (x) to a member of the

governing body of a corporation which is not authorized to issue capital stock, and (y) to such other person or

persons, if any, who, pursuant to a provision of the certificate of incorporation in accordance with § 141(a) of

this title, exercise or perform any of the powers or duties otherwise conferred or imposed upon the board of

directors by this title.”

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decorresse de: a) descumprimento do dever de lealdade; b) de atos ou omissões praticados

de má-fé, com dolo ou em infração à lei; c) conflito de interesses e, mesmo nesta hipótese,

desde que o administrador tenha auferido vantagens.

53 “Delaware Supreme Court in Smith V. Van Gorkom, which imposed liability on the directors of a public

corporation for approving the acquisition of their corporation (at a substantial premium over the market

price), essentially because they were inattentive to the possibility of better offers from third parties. This

decision sent shock waves through the corporate bar, although in fact it did not nominally change de pre-

existing law (but only enforced it literally). Nonetheless, in response to the Van Gorkom decision, many

states amended their corporate statutes to restrict due care liability. The most popular route, initiated by

Delaware itself, has been to authorize shareholders to adopt charter provisions under which directors (and in

some states officers as well) will be liable only for conduct that involves illegality, a breach of the duty of

loyalty, or intentional misconduct. Other states have redefined the duty itself, making it either a wholly

subjective standard (i.e., requiring the officer or director only to act in good faith) or specifying that the

corporate official will only be liable for damages (as opposed to an injunction) if this conduct constitutes

‘willful misconduct or recklessness.” KLEIN, William A. & COFFEE Jr., John C. Business Organization

and Finance: legal and economic principles. 10ª edição. Foundation Press, Nova Iorque, 2007. p. 159

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A alteração legislativa surtiu efeitos nas decisões do judiciário local, provocando

modificação nos julgamentos sobre responsabilidade dos administradores. Neste momento,

já existia uma preocupação de que a análise dos deveres dos administradores tinha se

tornado extremamente “procedimental”54, ou seja, com mínima possibilidade de revisão do

mérito da decisão gerencial.

54 “The Supreme Court has limited the types of conduct that could be considered grossly negligent. Van

Gorkom could have been read as holding that liability could attach for matters of substance, such as agreeing

to sell the company for an unreasonably low price. Later decisions made clear, however, that courts may

consider only whether board members acted in good faith or failed to inform themselves or properly

deliberate about the transaction. Substantive review is out.” MILLER, Geoffrey P. A Modest Proposal for

Fixing Delaware’s Broken Duty of Care. NYU Law and Economics Research Paper. 2009. Acessível em

<http://ssrn.com/abstract=1495029>

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Nesse sentido, o novo dispositivo legal somente fez com que a análise judicial dos

casos de responsabilidade civil dos administradores fugisse ainda mais do conteúdo

semântico do dever de diligência – padrão de conduta – e caminhasse para a business

judgment rule. Alguns acreditam que isso significou a “quebra do dever de diligência”55,

algo que trataremos em capítulo próprio sobre a relação entre a business judgment rule e o

dever de diligência.

55 “Delaware’s duty of care is broken. Although that state purports to police against gross negligence by

corporate directors, it does nothing of the sort. Delaware’s judges and lawmakers have tried to fix the

situation but without success. Worse, the fantasy that Delaware monitors director performance creates an

unhealthy misconception that someone is minding the store.” MILLER, Geoffrey P. Op. cit.5

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O segundo caso – In re Caremark International Inc. Derivative Litigation56 –

envolveu a discussão da responsabilidade dos administradores pelos prejuízos que a

sociedade sofreu em razão da estruturação por seus empregados de um grande esquema

fraudulento de indicações57, pelo qual a sociedade pagava por toda indicação de pacientes

do Medicare ou Medicaid recebida de médicos e outros profissionais58. A sociedade foi

56 698 A 2d 959 (Del. Ch. 1996)

57 Proibido pela “Anti-Referral Payments Law” conhecida também por “anti kick-back law”.

58 “Delaware law expressly recognizes that director liability for breach of the duty of care can arise from

board inaction, including failure to monitor the actions of the corporation. In order for a board to satisfy its

responsibility to reach informed judgments concerning the corporation´s compliance with the law, Delaware

courts have held that the duty of care requires a board to ‘exercise a good faith judgment that the

corporation´s information and reporting system is in concept and design adequate to ensure that appropriate

information will come to the board´s attention in a timely manner as a matter of ordinary operations.’ In

order to establish a breach of this duty, which is sometimes referred to as a breach of the duty of oversight, a

claimant must establish that the directors knew or should have known that violations took no steps in a good

faith effort to prevent or remedy the situation and that such failure proximately resulted in losses cause by the

corporation´s violations of law. Once pertinent information comes into a board´s possession, it usually must

take the steps it believes necessary to prevent or remedy violations of law.” MATHIAS, John H et alli.

Directors and Officers Liability: Prevention, Insurance, and Indemnification. Law Journal Press, Londres,

2000.

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investigada e acabou celebrando um acordo pelo qual pagaria uma multa e implantaria um

sistema de controle mais rígido das atividades desenvolvidas por seus empregados.

Os acionistas processaram os administradores para que eles fossem

responsabilizados por todas as perdas decorrentes, incluindo a multa paga ao governo

federal. Contudo, a decisão foi em favor dos administradores, reafirmando a necessidade

de má-fé59, não provada pelos demandantes, e a questão sobre o procedimento de

informação, sustentando na decisão que os administradores não poderiam, de forma

razoável, ter conhecimento das atividades ilegais.

59 “The theory here advanced is possibly the most difficult theory in corporation law upon which a plaintiff

might hope to win a judgment. The good policy reasons why it is so difficult to charge directors with

responsibility for corporate losses for an alleged breach of care, where there is no conflict of interest or no

facts suggesting suspect motivation involved, were recently described in Gagliardi v. TriFoods Int'l, Inc.,

Del.Ch., 683 A.2d 1049, 1051 (1996) (1996 Del.Ch. LEXIS 87 at p. 20).”

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A decisão é constantemente citada como uma expansão do dever de fiscalizar,

pois, a certa altura do voto proferido, o julgador afirma expressamente que concorda com a

posição que defende que os administradores devem construir um sistema de fiscalização

capaz de evitar que a sociedade infrinja a lei60. Todavia, a Suprema Corte de Delaware

60 “Thus, I am of the view that a director's obligation includes a duty to attempt in good faith to assure that a

corporate information and reporting system, which the board concludes is adequate, exists, and that failure to

do so under some circumstances may, in theory at least, render a director liable for losses caused by non-

compliance with applicable legal standards. I now turn to an analysis of the claims asserted with this concept

of the directors duty of care, as a duty satisfied in part by assurance of adequate information flows to the

board, in mind.”

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efetivamente decide em favor dos administradores, levando, mais uma vez, em

consideração a existência ou não de má-fé61.

A evolução legislativa no Estado de Delaware e as decisões proferidas pelo

judiciário local sinalizam um posicionamento claro de defesa dos administradores, que

estarão a salvo de quase toda demanda judicial que pleitear responsabilidade civil ou

revisão da decisão gerencial. A visão pragmática traz elementos interessantes para

compreender o alcance do dever de diligência.

A análise econômica pode fornecer explicações.

61 “In order to show that the Caremark directors breached their duty of care by failing adequately to control

Caremark's employees, plaintiffs would have to show either (1) that the directors knew or (2) should have

known that violations of law were occurring and, in either event, (3) that the directors took no steps in a good

faith effort to prevent or remedy that situation, and (4) that such failure proximately resulted in the losses

complained of, although under Cede & Co. v. Technicolor, Inc., Del.Supr., 636 A.2d 956 (1994) this last

element may be thought to constitute an affirmative defense.” (…) “The liability that eventuated in this

instance was huge. But the fact that it resulted from a violation of criminal law alone does not create a breach

of fiduciary duty by directors. The record at this stage does not support the conclusion that the defendants

either lacked good faith in the exercise of their monitoring responsibilities or conscientiously permitted a

known violation of law by the corporation to occur. The claims asserted against them must be viewed at this

stage as extremely weak.”

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Devemos lembrar que todo agente é “auto interessado” e age segundo percepções

formadas com base na relação de custo e benefício das alternativas disponíveis. A conduta

dos administradores está sujeita a uma série de incentivos, sendo a responsabilidade civil

apenas um deles.

Assim, é importante compreender os incentivos fornecidos pelo Direito, incluindo

legislação e decisões judiciais, vislumbrando todas as consequências possíveis de uma

decisão judicial ou de uma alteração legislativa, não somente os impactos mais diretos,

mas compreendendo também as consequências indiretas.

Assim, uma determinada decisão judicial ou modificação legislativa pode ter o

objetivo de atacar um problema percebido com relação à conduta dos administradores, por

exemplo, aumento o nível de responsabilidade destes agentes pelas decisões gerenciais que

eles tomam. Esse é o impacto direto ou imediato da decisão judicial ou da legislação,

porém é necessário questionar quais seriam as consequências indiretas, considerando que a

modificação será entendida no conjunto de incentivos que os administradores estarão

sujeitos.

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É nesse sentido que a evolução da legislação do Estado de Delaware deve ser

vista, ou seja, não como um privilégio, mas sim como modificações necessárias para criar

um quadro mais adequado de incentivos para os administradores, o qual permita, em

síntese, que esses agentes possam movimentar a econômica de uma maneira dinâmica, sem

a preocupação constante de serem responsabilizados civilmente por suas decisões

gerenciais.

O pressuposto deste raciocínio está na constatação de quanto maior for a chance

de responder por seus atos, maior será a aversão dos administradores pelo risco, o que,

segundo essa visão, prejudica a obtenção de lucros pelas sociedades. As pessoas reagem a

incentivos e a responsabilidade civil, ao lado da remuneração, é um dos principais.

Ademais, toda decisão judicial ou modificação na legislação devem ser

compreendidas como um elemento de um sistema que é dinâmico e que possui outros

elementos que podem reagir diante da alteração.

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86

Assim, quando o Direito determinar regras diferentes das pretendidas pelos

agentes privados envolvidos na relação afetada, eles encontrarão meios contratuais de

contornar a situação, chegando, pela combinação de instrumentos, ao objetivo pretendido62.

Assim, o rearranjo do sistema, provocado pelo aumento do nível de

responsabilidade dos administradores, poderia implicar: i) contratação do seguro de

responsabilidade civil pela própria sociedade; ii) aumento da remuneração requisitada

pelos administradores; iii) diminuição do nível de atividade da sociedade63.

Em outras palavras, a própria sociedade pode anular ou mitigar a responsabilidade

civil agravada, caso entenda pela necessidade de liberar os administradores para assumirem

riscos maiores, compensando-os com maiores remunerações ou fornecendo garantias,

como seria o contrato de seguro de responsabilidade civil (conhecido como D&O).

62 COOTER, Robert & ULEN, Thomas. Law & Economics. 5ª edição, Pearson Education, Boston, 2008. pp.

201 e 202; EASTERBROOK, Frank H. & FISCHEL, Daniel R. The Economic Structure of Corporate Law.

Harvard University Press, Cambridge, 1996. p. 28

63 Cf. As explicações sobre nível de precaução e nível de atividade expostas no Capítulo 2.1.2 deste trabalho.

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Por fim, podemos afirmar que a modificação legislativa promovida pelo Estado de

Delaware tem também fundamento na constatação de que os administradores não devem

ser substituídos pelo Poder Judiciário ou pelos autores de uma ação judicial. A substituição

provavelmente resultaria na imposição de um entendimento igualmente possível, mas

apenas diferente do adotado pela administração. Algo ruim, pois tanto o julgador quanto os

autores da ação judicial carecem da legitimação que os administradores possuem,

decorrente da escolha para ocupar aquela função.

Assim, a conclusão é no sentido de que o sistema de responsabilidade civil deve

ser construído de maneira adequada a fornecer os incentivos corretos para os

administradores, de uma forma que torne possível a repreensão de abusos, mas não

represente um engessamento da atividade econômica.

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A responsabilidade civil é um dos principais incentivos para uma boa

administração, mas não podemos esquecer que existem outros, como a própria reputação

profissional do administrador. Em síntese, a responsabilidade civil no Estado de Delaware

serviria de amarra somente para aqueles que se comportam de maneira obviamente

irracional ou absurda, mostrando nenhuma sensibilidade às pressões de mercado ou apreço

à sua reputação profissional64. A utilização dos incentivos corretos traz consequências

benéficas: i) reduz a rejeição dos indivíduos, tendo em vista que mais próximas das

instituições sociais; ii) diminui os custos de transação65-66, considerando que os agentes

64 KLEIN, William A. & COFFEE JR., John C. Business Organization and Finance: legal and economic

principles. 10ª edição. Foundation Press, Nova Iorque, 2007. p. 162

65 “Consideram-se custos de transação aqueles incorridos nas transações ainda quando não representados por

dispêndios financeiros (isto é, movimentação de caixa), derivados ou impostos pelo conjunto de medidas

tomadas para realizar uma determinada operação ou transação. Incluem-se no conceito de custos de transação

o esforço com a procura de bens ou serviços em mercados.” SZTAJN, Rachel & VERÇOSA, Haroldo

Malheiros Duclerc. Op. cit. p. 7

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66 “But it has to be remembered that the immediate question faced by the courts is not what shall be done by

whom but who has the legal right to do what. It is always possible to modify by transactions on the market

the initial legal delimitation of rights. And, of course, if such market transactions are costless, such a

rearrangement of rights will always take place if it would lead to an increase in the value of production.”

COASE, Ronald. H. The Problem of Social Cost. Journal of Law and Economics. Vol. 3. University of

Chicago Press. 1960. p. 8

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econômicos encontrarão formas alternativas, usualmente contratuais, de se adaptar à lei e

preservar ao menos em parte da realidade econômica desejada67.

67 MICHAEL C. JENSEN cita outro exemplo de negociação que substituiria a ausência de previsão legal, no

caso, da responsabilidade limitada. “The role of limited liability Manne (1967) and Alchian and Demsetz

(1972) argue that one of the attractive features of the corporate form vis-à-vis individual proprietorships or

partnerships is the limited liability feature of equity claims in corporations. Without this provision each and

every investor purchasing one or more shares of a corporation would be potentially liable to the full extent of

his personal wealth for the debts of the corporation. Few individuals would find this a desirable risk to accept

and the major benefits to be obtained from risk reduction through diversification would be to a large extent

unobtainable. This argument, however, is incomplete since limited liability does not eliminate the basic risk,

it merely shifts it. The argument must rest ultimately on transaction costs. If all stockholders of GM were

liable for GM’s debts, the maximum liability for an individual shareholder would be greater than it would be

if his shares had limited liability. However, given that many other stockholders also existed and that each was

liable for the unpaid claims in proportion to his ownership it is highly unlikely that the maximum payment

each would have to make would be large in the event of GM’s bankruptcy since the total wealth of those

stockholders would also be large. However, the existence of unlimited liability would impose incentives for

each shareholder to keep track of both the liabilities of GM and the wealth of the other GM owners. It is

easily conceivable that the costs of so doing would, in the aggregate, be much higher than simply paying a

premium in the form of higher interest rates to the creditors of GM in return for their acceptance of a contract

which grants limited liability to the shareholders. The creditors would then bear the risk of any non-payment

of debts in the event of GM’s bankruptcy.” Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and

Ownership Structure. Journal of Financial Economics (JFE), Vol. 3, No. 4, 1976.

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RONALD COASE considerava possível buscar nas redes contratuais um rearranjo

dos direitos, diferente do previsto pela Lei (atribuição inicial de direitos), desde que os

custos de transação fossem elevados e permitissem a barganha entre as partes envolvidas.

Contudo, podemos afirmar que as partes não necessitariam de uma barganha caso a

atribuição inicial de direitos já fosse eficiente, ou seja, se o regime legal fosse adequado

para regular a relação econômica em questão. Caso contrário, a divergência entre as

pretensões dos agentes e a previsão legal poderia provocar um rearranjo dos direitos, desde

que os custos de transação não obstem o acordo68.

68 “In these conditions the initial delimitation of legal rights does have an effect on the efficiency with which

the economic system operates. One arrangement of rights may bring about a greater value of production than

any other. But unless this is the arrangement of rights established by the legal system, the costs of reaching

the same result by altering and combining rights through the market may be so great that this optimal

arrangement of rights, and the greater value of production which it would bring, may never be achieved.”

Idem. Ibidem. p. 16

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92

Porém, podemos pressupor que esse rearranjo representa, por si só, um aumento

nos custos da operação, decorrentes da negociação necessária para atingir o acordo, bem

como da execução das medidas estabelecidas pelas partes, como, por exemplo, aumento da

remuneração, contração de seguros, dentre outras.

A solução dada pelo Estado de Delaware não serve, necessariamente, para outros

ordenamentos, pois calcada nas instituições sociais daquele país, que podem não ser as

mesmas dos demais. Contudo, o caminho trilhado pode ser entendido e aproveitado para

análise do Direito brasileiro.

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2.2.4.2. MODEL BUSINESS CORPORATION ACT

O Model Business Corporation Act foi publicado primeira vez em 1950, revisado

por diversas vezes, tendo a sua última versão no ano de 2002. Conforme explicitamos

acima, a sua importância69 decorre de sua adoção por vinte e quarto Estados norte-

americanos. Em sua redação atual, o Model Business Corporation Act trata do dos deveres

dos administradores na seção “§ 8.30. Standards of conduct for directors”.

(a) Each member of the board of directors, when discharging the

duties of a director, shall act: (1) in good faith, and (2) in a

manner the director reasonably believes to be in the best interests

of the corporation.

(b) The members of the board of directors or a committee of the

board, when becoming informed in connection with their decision-

making function or devoting attention to their oversight function,

shall discharge their duties with the care that a person in a like

position would reasonably believe appropriate under similar

circumstances.

69 “Today, the Model Act is not only the general corporation statute for 24 states and the source of many

provisions in the general corporations statutes of states that have not adopted the Model Act in its entirety but

also an important and often cited reference for courts, lawyers, and scholars as well as a useful source of

study and discussion in law schools in the United States and elsewhere.” Committee on Corporate Law.

Model Business Corporation Act: Official Text and Official Comment. American Bar Association, 2008. p.

xi

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94

(c) In discharging board or committee duties a director, who does

not have knowledge that makes reliance unwarranted, is entitled to

rely on the performance by any of the persons specified in

subsection (e)(1) or subsection (e)(3) to whom the board may have

delegated, formally or informally by course of conduct, the

authority or duty to perform one or more of the board’s functions

that are delegable under applicable law.

A redação do dispositivo nem sempre foi essa, mudando em sua última versão.

Nos comentários emitidos pela própria associação responsável pela elaboração do Model

Business Corporation Act encontramos a explicação:

In earlier versions of the model act the duty of care element was

included in subsection (a), with the text reading: ‘[a] director shall

discharge his duties...with the care an ordinarily prudent person in

a like position would exercise under similar circumstances.’ The

use of the phrase ‘ordinarily prudent person’ in a basic guideline

for director conduct, suggesting caution or circumspection vis-à-

vis danger or risk, has long been problematic given the fact that

risk-taking decisions are central do the directors´ role70.

Complementando a elucidação acima:

70 Idem. Op. cit. p. 8-33

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95

The traditional formulation for a director´s standard (or duty) of

care has been geared to the ‘ordinarily prudent person’. For

example, the Model Act´s prior formulation (in former section

8.30(a)(2)) referred to ‘the care of an ordinarily prudent person in

a like position would exercise under similar circumstances,’ and

almost all state statutes that include a standard of care reflect

parallel language. The phrase ‘ordinarily prudent person’

constitutes a basic frame of reference grounded in the field of tort

law and provides a primary benchmark for determining negligence.

For this reason, its use in the standard of care for directors,

suggesting that negligence is the proper determinant measuring

deficient (and this actionable) conduct, has caused confusion and

misunderstanding. Accordingly, the phrase ‘ordinarily prudent

person’ has been removed from the Model Act´s standard of care

and in its place ‘a person in a like position’ has been substituted.

The standard is not what care a particular director might believe

to be appropriate. Thus, the degree of care that directors should

employ, under subsection (b), involves an objective standard.71

A combinação dos dois trechos forma com clareza o quadro do dever de

diligência para o Model Business Corporation Act.

Com efeito, vemos que o padrão de conduta anterior era o de uma pessoa comum

prudente, algo semelhante ao bonus paterfamilias. No regramento anterior, esperava-se

que um administrador fosse tão diligente quanto esse padrão do homem médio.

71 Idem. Op. cit. p. 8-37

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96

Todavia, concluiu-se que a conduta do homem médio diante do risco do negócio

não seria a mais adequada, ou seja, o administrador de sociedades deve lidar

cotidianamente com decisões que um homem médio não lidaria, provocando um

descolamento entre o padrão de conduta e a realidade, de tal forma que se um

administrador agisse como um homem médio deixaria de realizar diversos negócios pela

sociedade.

A atividade empresarial envolve naturalmente a assunção de riscos, para os quais

o administrador deve estar preparado. A regra reconhece essa realidade e permite, portanto,

que o administrador aceite riscos que um homem médio não aceitaria, não configurando

isto uma infração ao dever de diligência72.

72 “Diz-se que os sócios acabam por se beneficiar da permissividade deste critério, porque um critério mais

rigoroso iria impedir as decisões mais arriscadas.” RAMOS, Maria Elisabete Gomes. Op. cit. p. 81 A autora

cita obras que discutem a questão da permissividade ao risco como propiciadora de lucros maiores e,

portanto, beneficiando os sócios. Cf. EISENBERG, Melvin A. Obblighi e responsabilità degli amminstratori

e dei funzionari delle società nel diritto americano. GC 19, 1992. Vol. I, pp. 617 e ss.

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97

A segunda alteração também afetou o padrão de conduta a ser considerado na

verificação do dever de diligência, ressaltando o paradigma abstrato. Conforme se pode

depreender da alteração na redação e dos comentários acima citados, a conduta deverá ser

verificada, agora, de acordo com que se esperaria de uma pessoa na mesma posição e nas

mesmas circunstâncias e não segundo o que aquele administrador pensa ser diligente.

Importante notar, também, que o Model Business Corporation Act reconhece que

os deveres dos administradores devem ser analisados sempre tendo em vista a sua posição

e as suas responsabilidades dentro da sociedade, a saber, sua direção e fiscalização. Assim,

sempre que suas condutas forem analisadas com o objetivo de aferir se o dever de

diligência foi respeitado, não se pode olvidar as suas funções e a forma como elas são

usualmente exercidas.

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Portanto, ainda que em grau muito menor que o posicionamento dado em

Delaware, o Model Business Corporation Act reconhece que o dever de diligência não

deve ser utilizado para apurar o acerto empresarial da decisão73. Ademais, não pode servir

de engessamento para a atividade empresarial, impedindo que negócios viáveis sejam

realizados diante do risco que apresentam.

Inclusive, deve se ter sempre a consciência de que os administradores não

executarão todas as atividades diretamente, podendo delegar – sempre que a lei permitir –

parte de suas atribuições para subordinados, confiando nos atos, conselhos, indicações,

relatórios, informações, sugestões fornecidos por eles.

73 “Section 8.30 sets forth the standards of conduct for directors focusing on the manner in which directors

perform their duties, not the correctness of the decisions made. These standards of conduct for directors are

based on former section 35 of the 1969 Model Act, a number of state statutes and on judicial formulations of

the standards of conduct applicable to directors. Section 8.30 should be read in light of the basic role of

directors set forth in section 8.01(b) that the ‘business and affairs of a corporation shall be managed by or

under the direction and subject to the oversight of‘ the board, as supplemented by various provisions of the

Act assigning specific powers or responsibilities to the board.”

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No ínterim do processo decisório o administrador poderá contar com esses

elementos, que serão utilizados por ele desde que não exista qualquer fator que possa

indicar qualquer desconfiança74.

74 “Further relevant thereto, the board may delegate or assign to appropriate officers, employees or agents of

the corporation the authority or duty to exercise powers that the law does not require it to retain. Since the

directors are entitled to rely thereon absent knowledge making reliance unwarranted, deficient performance

of the directors' section 8.30 duties will not result from their delegatees' actions or omissions so long as the

board acted in good faith and complied with the other standards of conduct set forth in section 8.30 in

delegating responsibility and, where appropriate, monitoring performance of the duties delegated.”

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Por fim, cabe destacar que segundo o Model Business Corporation Act o dever de

diligência não abarca, ou não se desdobra, em dever de se qualificar. O comitê que redigiu

o Model Business Corporation Act corrobora com o pensamento de que “diligência”

diverge de “habilidade”, explicitando que cuidado, zelo, atenção podem ser

satisfatoriamente exercidos por um administrador ainda que ele não possua titulação

superior, pós-graduação ou qualquer outra formação técnica semelhante75.

75 “Some state statutes have used the words ‘diligence’, ‘care’ and ‘skill’ to define the duty of care. There is

very little authority as to what ‘skill’ and ‘diligence’ as distinguished from ‘care’ can be required or properly

expected of corporate directors in the performance of their duties. ‘Skill’, in the same sense of technical

competence in a particular field, should not be a qualification for the office of director. The concept of

‘diligence’ is sufficiently subsumed within the concept of ‘care’. Accordingly, the words ‘diligence’ and

‘skill’ are not used in section 8.30´s standard of care.”

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2.2.5. REINO UNIDO

A atual lei das sociedades do Reino Unido (United Kingdon Companies Act76)

dedica os artigos 170 a 177 para dispor sobre os deveres gerais dos administradores, dos

quais nos interessa tratar daquele disposto no artigo 174, in verbis:

174 Duty to exercise reasonable care, skill and diligence

(1) A director of a company must exercise reasonable care, skill

and diligence.

(2) This means the care, skill and diligence that would be exercised

by a reasonably diligent person with—

(a) the general knowledge, skill and experience that may

reasonably be expected of a person carrying out the functions

carried out by the director in relation to the company, and

(b) the general knowledge, skill and experience that the director

has.

76 “An Act to reform company law and restate the greater part of the enactments relating to companies; to

make other provision relating to companies and other forms of business organisation; to make provision

about directors’ disqualification, business names, auditors and actuaries; to amend Part 9 of the Enterprise

Act 2002; and for connected purposes.”

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Dissemos em outra oportunidade que ao falarmos em bonus paterfamilias ou

homem médio estaremos adotando o paradigma da culpa em abstrato, o qual apura a

conduta do indivíduo pela média dos comportamentos, ou seja, pelo que poderia ser

esperado de uma pessoa comum, nem muito nem pouco diligente, apenas padrão. O nível

de diligência poderia variar, sim, com a evolução da sociedade, apresentando maior ou

menor rigor conforme o desenvolvimento da comunidade em que a conduta era apurada.

Contudo, continuaria pautado na razoabilidade média.

De outro lado, temos o paradigma oposto ao abstrato, aquele denominado de

concreto, o qual tem fundamento na diligentia quam suis, com as suas variações, como

diligentia quam suis rebus adhibet ou quam suis rebus exhibet. O paradigma concreto é,

conforme indicam as expressões latinas acima, apurado segundo o comportamento do

indivíduo na gestão de seus próprios negócios. Não se trata, portanto, de buscar o

comportamento médio das pessoas na sociedade, mas de aferir qual o nível de cuidado que

aquele sujeito costuma empregar. O padrão de comparação não é o homem médio, ou a

sensibilidade da sociedade do que seria razoável esperar, mas o próprio indivíduo cuja

conduta é analisada.

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As legislações nacionais, conforme indicado nos capítulos anteriores deste

trabalho, usualmente adotam algum destes, sobretudo o abstrato, ainda que o atualizando –

como se convencionou chamar – para algo mais próximo do direito empresarial, como

ocorreu em Portugal, Espanha e Alemanha. No Brasil, o paradigma adotado é também o

abstrato, sem qualquer modificação.

A tradição anglo-saxônica, ligeiramente diferente neste ponto, conforme o

demonstrado no capítulo que trata sobre o dever de diligência nos EUA, costuma utilizar,

por sua vez, a função exercida pela pessoa em questão para determinar o que seria

esperado de alguém – abstrato – nas mesmas condições. Desta forma é o previsto no Model

Business Corporation Act, adotado por inúmero Estados dos EUA, o qual fixa como

parâmetro de comparação a conduta que seria esperada de um administrador nas mesmas

condições.

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Contudo, no Reio Unido, diferentemente de qualquer outro ordenamento aqui

estudo, ocorreu a combinação entre os paradigmas para formar um sistema complexo, que,

segundo a interpretação da doutrina local, tem como objetivo fornecer sempre um padrão

mínimo, mas que pode ser mais rigoroso, a depender da situação77. Com efeito, o

entendimento geral da doutrina que estuda aquele ordenamento é no sentido de afirmar a

construção, pela lei, de um sistema que sempre procurará agravar o rigor para apuração da

diligência do administrador, buscando entre o padrão abstrato e o padrão concreto qual

apresenta o maior nível de diligência.

77 “Traditionally, courts did not require directors to exhibit a greater degree of skill than may reasonably be

expected from a person with their knowledge and experience (a subjective test). This test allowed inherently

poor directors to escape for company losses, even when most reasonable people would have regarded their

decisions as negligent. More recently, courts have said that common law standard was not so low, but

mirrored tests laid down in IA 1986 s. 214, which includes an objective assessment of a director´s conduct.

CA 2006 s. 174 is modeled on IA 1986 section CA 2006 provision thus codifies still somewhat controversial

approach found in more recent case Law, and marks an end to subjective test enunciated in Re City Equitable

Fire Insurance Co Ltd [6.13] approach, adopts as minimum standard that objectively expected of person in

director´s position; that standard may be raised by subjective element of test if particular director has any

special knowledge, skill and experience.” SEALY, Len & WORTHINGTON, Sarah. Cases and Materials in

Company Law. 8ª edição. Oxford University Press, Londres, 2007. p. 300

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A construção legal não é recente naquele país, pois advém do Insolvency act de

1986, mais precisamente do artigo 214(4)78, mas a sua aplicação como regra geral para os

administradores representa uma mudança, tendo em vista que o dever de diligência era

antes avaliada somente pelo paradigma concreto, conhecido naquele país como subjetivo.

GEOFFREY MORSE explica o entendimento com as seguintes palavras:

This provision mirrors the subjective/objective test found in s.

214(4) of the Insolvency act 1986. It thus codifies the still

somewhat controversial approach found in more recent case law,

and marks an end to the subjective test enunciated in City

Equitable Fire Insurance Co Ltd, Re [1925] Ch 407 at 428 (Romer

J.). The approach adopts as the minimum standard that objectively

expected of persons in the directors´ position; that standard may be

raised by the subjective element of the test if particular director has

any special knowledge, skill and experience.79

78 214(4) For the purposes of subsections (2) and (3), the facts which a director of a company ought to know

or ascertain, the conclusions which he ought to reach and the steps which he ought to take are those which

would be known or ascertained, or reached or taken, by a reasonably diligent person having both — (a) the

general knowledge, skill and experience that may reasonably be expected of a person carrying out the same

functions as are carried out by that director in relation to the company, and (b) the general knowledge, skill

and experience that that director has.

79 MORSE, Geoffrey. Palmer's Company Law: Annotated Guide to the Companies Act 2006. Sweet &

Maxwell, Londres, 2007. p. 170

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Com efeito, o que foi chamado aqui de paradigma concreto é conhecido naquele

ordenamento por “teste subjetivo”, pois diz respeito ao sujeito em questão. A atual

legislação, portanto, não necessariamente se afasta deste paradigma, mas insere no sistema

uma regra para exatamente abarcar um de seus pontos negativos.

Em outras palavras, o dever de diligência deve ser apurado segundo o que se

espera de um administrador em posição semelhante, ou seja, o paradigma abstrato aqui não

é homem médio, mas um administrador hipotético, que exerça funções semelhantes ao

sujeito avaliado. Porém, o nível de exigência pode ser aumentado caso o administrador que

é avaliado apresente características especiais de conhecimento, habilidade ou experiência.

Isso quer dizer que a legislação do Reino Unido assegura um padrão mínimo – o

nível de diligência nunca poderá ser inferior ao que seria esperado de um diretor em

posição semelhante – mas também permite que o nível exigível de diligência seja

aumentado em razão de circunstâncias especiais do administrador.

Vale lembrar, neste ponto, as observações e comparações que foram feitas acerca

dos dois paradigmas fundamentais.

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O paradigma abstrato pode ser criticado, em síntese, pela dificuldade de se apurar

a “média” dos comportamentos, ou seja, de definição do “home médio” com base em uma

percepção social e muito sujeito ao subjetivismo de quem avalia. Ademais, é razoável

esperar que aquele que contrata um administrador o faz segundo as características pessoais

do sujeito escolhido para o cargo, incluindo habilidades e experiência, e não com base no

“homem médio”. Isso quer dizer que o parâmetro de avaliação, definido por Lei, pode ser

diferente do utilizado pelos sujeitos envolvidos nas relações, o que nos levaria a cogitar

mais um caso de legislação não adequada à realidade (dogmatic x responsive na linguagem

de Robert COOTER e Thomas ULEN80)

A legislação do Reino Unido apresenta a vantagem de ao mesmo tempo em que

define um padrão mínimo, ressalvadas as críticas de definição deste padrão, permitir que o

nível de exigência seja elevado segundo as características especiais de quem foi escolhido

e aceitou ocupar o cargo.

80 COOTER, Robert & ULEN, Thomas. Op cit. pp. 2012 e 202

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Vale lembrar que o paradigma concreto não constitui um agravamento da culpa,

como alguns costumam defender, pois óbvio que o indivíduo poderá, com os seus próprios

negócios, ser mais ou menos diligente que o homem médio, ou seja, somente ocorrerá um

agravamento se o sujeito for usualmente acima da média, mais que o razoavelmente

esperado pela sociedade em geral. Esse dito agravamento pode ser ruim para o indivíduo,

mas é excelente para aquele que confiou o seu patrimônio para a administração deste

terceiro, mais diligente que a média da população.

O contrário, portanto, é verdade, pode ser que quando o sujeito em questão

apresente diligência abaixo da média, o paradigma em concreto acabe por beneficiá-lo, em

detrimento daquele que confiou seu patrimônio para administração. Porém, a legislação do

Reino Unido preveniria esse caso, na medida em que fixa um padrão mínimo.

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Em nossa opinião, a regulação privada resolveria a questão para todas as relações

voluntárias, pois cabe à pessoa que escolhe o administrador a aferição de que grau de

diligência que ela necessitará, combinando níveis de diligência e expertise com patamares

de remuneração. Para utilizar a linguagem da análise econômica do direito, caberia ao

principal escolher adequadamente seus agentes, fazendo com que estes apresentassem o

nível de diligência apropriado para a empresa que será gerida.

Todavia, supondo necessária a intervenção Estatal para regular a matéria, a

estrutura construída no Reino Unido seria uma proposta bastante interessante, pois fixa o

comportamento médio ou abstrato como mínimo, sem prejuízo das exigências aumentarem

com a utilização do paradigma concreto.

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A experiência do Reino Unido é, ao que parece, a mais interessante de todos os

países estudados, não somente pela atual estrutura adotada, mas porque lá ambos os

paradigmas foram testados. Durante muitos anos o paradigma concreto foi aplicado,

resultando em situações de injustiça, nas quais o nível de diligência exigido era tão baixo

que permitiu a existência de condutas desidiosas81.

81 Os precedentes usualmente citados como definidores deste paradigma são Re Brazilian Rubber Plantations

& Estates Ltd e Re City Equitable Fire insurance Co Ltd. Este ultimo, assim descrito: “The company had lost

£1,200,000 (a fantastic amount at the time), owing partly to the failure of certain investments but mainly to

the frauds of the chairman of directors, Bevan, ‘a daring and unprincipled scoundrel’. In this action the

liquidator sought to make the other directors liable for the losses on the ground of negligence.29 The action

failed because of a provision in the articles which exempted the directors from liability apart from losses

caused by their own willful neglect or default’.° The decision of Romer J remains important as a summary of

the old ‘subjective-only’ duties of care and skill. It also indicates some of the potential problems in applying

an objective test, and defining the outlook of a ‘reasonable director’. SEALY, Len & WORTHINGTON,

Sarah. Op. cit. p. 301

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Contudo, os debates também consideraram que a definição do paradigma abstrato,

por meio do qual se busca definir uma diligência média pode igualmente resultar em

injustiças, deixando a cargo do julgador a definição das hipóteses em que o administrador

foi diligente com base em sua sensibilidade do que está acima ou abaixo da média dos

comportamentos de uma sociedade.

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A adoção de um paradigma mais próximo do direito empresarial tem as suas

vantagens, conforme indicado em outras oportunidades neste trabalho, mas continuaria

apresentando um assustador desafio para o Poder Judiciário, o qual acabaria, em diversas

oportunidades, legitimado a dizer se o comportamento adotado estaria ou não de acordo

com o que seria esperado de um “administrador nas mesmas condições”82.

82 “It is indeed impossible to describe the duty of directors in general terms, whether by way of analogy or

otherwise. The position of a director of a company carrying on a small retail business is very different from

that of a director of a railway company. The duties of a bank director may differ widely from those of an

insurance director, and the duties of a director of one insurance company may differ from those of a director

of another. In one company, for instance, matters may normally be attended to by the manager or other

members of the staff that in another company are attended to by the directors themselves. The larger the

business carried on by the company the more numerous, and the more important, the matters that must of

necessity be left to the managers, the accountants and the rest of the staff. The manner in which the work of

the company is to be distributed between the board of directors and the staff is in truth a business matter to be

decided on business lines...” SEALY, LEN & WORTHINGTON, SARAH. Cases and Materials in Company Law.

8ª edição. Oxford University Press, Londres, 2007. p. 300

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Vemos, portanto, que a combinação dos dois critérios tem fundamentos e pode

sim gerar resultados positivos para a avaliação do dever de diligência, com destaque para o

incremento do nível e exigência, uma vez que o padrão adotado será aquele que mais exigir

do administrador. Assim, podemos dizer que o mínimo que se espera é o homem médio ou

de outro administrador nas mesmas condições, por mais fugidio que seja esse conceito,

mas caso o indivíduo apresente características especiais elas serão consideradas para a

avaliação, fazendo com que a análise se desloque para o que seria esperado daquele

administrador específico, mais diligente que a média.

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A experiência do Reino Unido tem muito a nos ensinar no Brasil, principalmente

porque aqui o debate sobre níveis de diligência e paradigmas de avaliação é praticamente

inexistente. Conforme iremos demonstrar, sobretudo pelas decisões da Comissão de

Valores Mobiliários, os legitimados a decidir usualmente se utilizam da posição não para

definir critérios de avaliação, mas para afirmar uma posição pessoal do que seria, ou não,

diligente para o caso analisado83.

83 É a reflexão que fez o Diretor Pedro Oliva Marcilio de Sousa em seu voto no Processo Administrativo

Sancionador CVM Nº RJ2005/1443, julgado em 2006: “Não existem muitos pronunciamentos doutrinários

ou jurisprudenciais sobre o significado desse art. 153 (ou do seu predecessor, no Decreto Lei 2.627/40). Nos

pronunciamentos que existem, não se procura definir como, num caso concreto, averígua-se se o dever de

diligência foi ou não observado. Procura-se apenas dar o significado, em abstrato, de diligência, de cuidado e

de homem ativo e probo. As decisões da CVM também não exploram mais profundamente o art. 153, dado

que, nos casos em que o Colegiado é chamado a se manifestar, pretende-se, via de regra, substituir a decisão

da administração da companhia, seja por meio de expedição de ordens para que os administradores tomem

determinada decisão (como no Processo 2004/2684, julgado recentemente), ou buscando a condenação dos

administradores por não terem tomado uma determinada conduta que a área técnica da CVM julgava mais

apropriada (Ias 2003/09, 2002/07, 2001/17 e 2001/06, por exemplo). Há, ainda, processos em que os

administradores simplesmente deixaram de tomar providências determinadas em lei, como convocação de

assembléias gerais ordinárias ou elaboração das demonstrações financeiras (Processos CVM 2005/3108,

2005/2933 e 2005/4215).”

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2.3. DIREITO BRASILEIRO

O Decreto 434 de 1891, que consolidou e sistematizou a legislação existente na

época sobre sociedades anônimas, foi o primeiro a tratar das sociedades de forma ordenada

e detalhada. Dentre os pontos regulados, estava a responsabilidade dos administradores. O

referido Decreto prescrevia em seu Art. 109 que:

Art. 109. Os administradores são responsaveis:

1º A sociedade, pela negligencia, culpa ou dolo, com que se

houverem no desempenho do mandato;

2º A sociedade e aos terceiros prejudicados pelo excesso do

mandato;

3º Solidariamente à sociedade e aos terceiros prejudicados pela

violação da lei e dos estatutos. (Lei n. 3150 de 1882, art. 11; Decr.

n. 8821 do mesmo anno, art. 50 paragrapho unico; Decr. n. 164 de

1890, art. 11.)

Foi, portanto, o primeiro a sintetizar a responsabilidade do administrador e serviu

de base para as leis posteriores. Fica bastante claro que o Decreto 434 de 1891 adotava a

teoria do mandato84-85, a qual, em síntese, pregava que o administrador era um mandatário

dos sócios ou da sociedade, gerindo os negócios em nome deles.

84 V. ADAMEK, Marcelo Vieira Von. Op. cit. p. 30 e ss.

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Dizer que a natureza da relação entre sociedade e administrador é de mandato

significa, em resumo, dispensar a ela toda uma série de regras pertinentes ao contrato de

mandato, mas não só, é também dizer que a responsabilidade do administrador tem

natureza contratual.

As indicações nas legislações eram tão claras nesse sentido, que mesmo aqueles

que defendiam a natureza de órgão dos da administração não conseguiam negar que a

responsabilidade, em face do direito civil e da legislação societária, seguia as regras do

mandato. Isso quer dizer que até a introdução de um novo padrão, a conduta dos

administradores deveria ser avaliada seguindo o instituto do mandato, aplicando-se, sempre

que cabível, as suas regras: durante muitos anos, portanto, o Código Civil de 1916.

O Código Civil de 1916 regulava o mandato nos artigos 1.288 até 1.330, nos

interessando aqui as disposições do art. 1.300, in verbis:

85 A teoria do mandato foi amplamente adotada por todos os principais ordenamentos jurídicos europeus,

sendo ainda predominante na França. Cf. CORREIA, Luís Baltazar Brito da Silva. Os Administradores de

Sociedades Anónimas. Almedina, Coimbra, 1993. pp. 496 e ss.

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Art. 1.300. O mandatário é obrigado a aplicar toda a sua

diligência habitual na execução do mandato, e a indenizar

qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem

substabelecer, sem autorização, poderes que devia exercer

pessoalmente. (grifamos)

Vemos aqui, com clareza, que a diligência exigida do mandatário era aquela

dispensada habitualmente por ele, seja na administração de seus próprios negócios ou de

terceiros, já que a lei não faz essa distinção. Assim, até 1940, antes do advento do Decreto

2.627, o paradigma adotado pela legislação brasileira era o da culpa em concreto.

Em outras palavras, como a relação entre sociedade e administrador era regida

pelo contrato de mandato, o nível de diligência exigido era aquele imposto pela

regulamentação – Código Civil de 1916 – deste contrato. Assim, segundo as conclusões

obtidas no capítulo anterior, apesar de criticável o entendimento sobre a natureza da

relação (contratual), o paradigma de verificação do dever de diligência era o mais

adequado.

O Decreto 2.627, legislação de regência das sociedades por ações a partir de 1940,

regulava a responsabilidade dos administradores em dois dispositivos principais, os artigos

121 e 122, in verbis:

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118

Art. 121. Os diretores não são pessoalmente responsáveis pelas

obrigações que contraírem em nome da sociedade e em virtude de

ato regular de gestão.

§ 1º Respondem, porem, civilmente, pelos prejuízos que causarem,

quando procederem:

I. Dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;

II. Com violação da lei ou dos estatutos.

Art. 122. Os diretores são solidariamente responsáveis pelos

prejuizos causados pelo não cumprimento das obrigações ou

deveres impostos pela lei, afim de assegurar o funcionamento

normal da sociedade, ainda que, pelos estatutos, tais deveres ou

obrigações não caibam a todos os diretores.

Parágrafo único. Os diretores que, convencidos do não

cumprimento dessas obrigações ou deveres por parte de seus

predecessores, deixarem de levar ao conhecimento da assembléia

geral as irregularidades verificadas, tornar-se-ão por elas

subsidiariamente responsáveis.

O Decreto 2.627 de 1940 já não mais utilizava a teoria do mandato, eliminando

todas as referências ao instituto, bem como já apontando a diretoria como um órgão da

sociedade.

A solução adotada veio da teoria formulada por Otto Friedrich Von Gierke, que

explicava que a pessoa jurídica opera por si mesma, age em nome próprio, sendo apenas

representada – ou presentada como prefere PONTES DE MIRANDA86 – por seus agentes, que

conforme a Lei recebem determinadas atribuições ou competências.

86 MIRANDA, Pontes de. Op. cit. p. 233

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119

Enfim, pela teoria organicista não há uma relação contratual entre agente e pessoa

jurídica, ou seja, para o presente caso, não há contrato de mandato entre sociedade e

administradores, os quais são, na verdade, parte integrante de sua estrutura, receptores de

atribuições e obrigações.

O abandono da teoria do contrato de mandato se deve tanto à evolução do

pensando sobre a natureza das pessoas jurídicas, principalmente a aceitação geral e que

elas constituem um novo sujeito, diferente de seus criadores e membros, bem como ao

avanço do conceito de representação, legal ou voluntária. No Brasil, o Novo Código Civil

não expressou esses avanços, preferindo remeter a representação voluntária integralmente

ao contrato de mandato87.

87 CORREIA, Luís Baltazar Brito da Silva. Os Administradores de Sociedades Anónimas. Almedina,

Coimbra, 1993. pp. 375 e ss.

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120

A teoria organicista pode representar melhor a relação existente entre

administrador e pessoa jurídica, mas deixa uma lacuna no que tange ao padrão de

comportamento. A teoria do mandato era criticável, mas ao menos apresentava parâmetros

claros acerca do comportamento esperado dos administradores e sobre a sua

responsabilidade perante a pessoa jurídica. Não pode ser esquecido com o contrato de

mandato é um instituto antigo, com bastante produção doutrinária e jurisprudencial,

conhecido em inúmeros ordenamentos jurídicos, algo que fornece, portanto, segurança

jurídica.

Deste modo, a adoção da teoria organicista exige do legislador a fixação de

parâmetros complementares, que preencherão a lacuna deixada pela eliminação das regras

advindas mandato. Nesse sentido é a posição do Art. 116 do Decreto 2.627/1940:

Art. 116. A sociedade anônima ou companhia será administrada

por um ou mais diretores, acionistas ou não, residentes no país,

escolhidos pela assembléia geral, que poderá destituí-los a todo

tempo. (Revogado pela Lei nº 6.404, de 1976)

§ 7º Os diretores deverão empregar, no exercício de suas funções,

tanto no interesse da emprêsa, como no do bem público, a

diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar, na

administração de seus próprios negócios.

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Como se pode notar, a partir de 1940 o dever de diligência passou a ser o

fundamentado na figura do “homem ativo e probo”, definida pela própria Lei societária,

sem recorrer, portanto, ao contrato de mandato.

Vale ressaltar que não há uma contradição necessária entre a teoria organicista e a

utilização do contrato de mandato como fonte de regras para apreciação da conduta dos

administradores. Explicitamos acima, apenas, que a substituição completa da teoria do

contrato de mandato pela teoria organicista exige a indicação do paradigma de diligência

que deve ser utilizado pelos componentes do órgão, além de outros possíveis deveres

adicionais.

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122

A referência ao contrato de mandato, quando feita da forma adequada, não

representa um retrocesso, mas apenas a utilização de um instituto correlato, que poderia

contribuir para a construção do arcabouço jurídico da responsabilidade civil dos

administradores88. JOSÉ XAVIER CARVALHO DE MENDONÇA89 deixava claro que a

administração é órgão das sociedades, mas igualmente entendia por correta a aplicação do

mandato:

“Os administradores agem, na qualidade de orgams da

manifestação externa da sociedade; personificam esta (2). Elles ao

mesmo tempo põem a sociedade em contacto com terceiros,

tutelam os interesses da mesma sociedade, dos accionistas e de

terceiros; fiscalizam a observancia da lei e dos estatutos; obram,

como se vê, motu-proprio. Ora, não se daria isso se fossem simples

mandatários. Muitos principios e normas legaes sobre o mandato

mercantil são, entretanto, applicaveis aos administradores, pela

grande analogia que existe entre o mandato e a administração.”

88 Marcelo Vieira Von ADAMEK trata expressamente da questão ao comentar a legislação italiana e ressalta

que a menção ao mandatário não significa equiparação, mas apenas adoção de um padrão de referência para o

dever de diligência. (Op. cit. p. 69. Nota 188)

89 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brazileiro. Vol. IV, L. II. Rio de

Janeiro, 1915. p. 33

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O contrato de mandato consubstancia toda a regulamentação da representação

voluntária do Código Civil de 200290, trazendo noções importantes acerca do exercício de

poderes – e seu excesso – bem como apresentando um padrão de conduta esperado muito

mais adequado para as situações em que o representado (principal) efetivamente escolhe

quem vai representá-lo (agente). Nestes casos, é eficiente e razoável esperar que aquele

que escolhe fará uma análise do nível de diligência apresentado pelo candidato, apurando a

sua adequação ao cargo.

Infelizmente, a contribuição do mandato para construção do ordenamento que

trata dos padrões de conduta dos administradores ficou perdida na constante ladainha de

que a administração é órgão da sociedade e de que a relação não é contratual.

A Lei 6.404 de 1976, por sua vez, veio para sintetizar toda a evolução do

pensamento sobre as sociedades anônimas, dedicando um artigo exclusivamente para

estabelecer o dever de diligência dos administradores. Assim é a redação do art. 153 da Lei

6.404/76:

90 Art. 120. Os requisitos e os efeitos da representação legal são os estabelecidos nas normas respectivas; os

da representação voluntária são os da Parte Especial deste Código.

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Art. 153. O administrador da companhia deve empregar, no

exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem

ativo e probo costuma empregar na administração dos seus

próprios negócios.

A redação do dispositivo poderia ser melhor, mas entendemos que a interpretação

é no sentido de considerar que foi adotado o paradigma abstrato, diante da afirmação de

que a diligência deve ser apurada segundo o que se espera do homem ativo e probo na

condução de seus negócios. Melhor seria evitar a utilização do restante da frase,

eliminando “administração dos seus próprios negócios” para evitar qualquer confusão com

o paradigma concreto.

Diante disto, podemos concluir que o paradigma adotado pelo direito brasileiro é

o abstrato, calcado na figura do bonus paterfamilias. As recentes alterações empreendidas

pelas legislações de outros países ainda não alcançaram o Brasil, que permanece com o

paradigma do homem médio, sem qualquer atualização para um modelo mais próximo da

realidade do direito societário.

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Debatemos essa chamada atualização do paradigma nos capítulos que versam

sobre as legislações estrangeiras, indicando que a opção pelo paradigma abstrato pode ser

melhorada com a utilização de parâmetros mais específicos do cargo de administrador ou

que indiquem, com mais clareza, elementos de culpa profissional. Isso quer dizer, por

exemplo, as definições Norte-americanas de “um diretor em posição semelhante” ou a

referência à valoração da atuação segundo a natureza da atividade, como é o caso da Itália.

O melhor caminho, contudo, em nossa opinião, seria a adoção do paradigma

concreto, tomando como parâmetro de avaliação da diligência a conduta pretérita do

sujeito. Para o que chamamos aqui de “relações voluntárias”, ou seja, relações nas quais os

agentes podem escolher a outra parte, incluindo, portanto, a escolha de administrador para

a sociedade, entendemos que o mais adequado é adotar um paradigma que permita a

avaliação da diligência segundo a pessoa escolhida.

O paradigma concreto preserva o espaço necessário para as negociações privadas,

permitindo aos agentes que barganhem acerca do nível de diligência esperado, bem como

sobre os demais elementos da relação, como a remuneração do administrador.

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Se houver preocupações com abusos, como poderia ocorrer com a autoimposição

do controlador como administrador, poderia ser adotada a solução construída pelo Reino

Unido, na qual é fixado um padrão mínimo – “o diretor em posição semelhante”.

A alteração na redação seria simples, mas de grandes impactos.

“O administrador da companhia deve empregar, no exercício de

suas funções, o cuidado e diligência que costuma empregar na

administração dos seus próprios negócios.”

Diante da conclusão sobre o paradigma adotado pelo direito brasileiro, passamos a

expor alguns pensamentos na tentativa de adensar o conteúdo do dever de diligência,

procurando alguns deveres que poderiam ser dele extraídos.

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Independentemente do paradigma adotado, a análise exigirá uma definição do que

se entende por diligência. Em outras palavras, a diligência esperada pode vir de um modelo

abstrato, como é o homem médio, ou da conduta usual do sujeito analisado, como se dá no

modelo concreto, mas como se define essa diligência? Os capítulos seguintes irão buscar

uma definição do conceito, procurando, principalmente, lançar fundamentos para a

construção de testes mais seguros, que não impliquem, ao final, situação em que o julgador

simplesmente determine se concordou ou não com a decisão tomada no passado pelo

administrador.

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3. O CONTEÚDO DO DEVER DE DILIGÊNCIA

Nos tópicos anteriores procuramos abordar os conceitos gerais sobre diligência e a

sua aplicação no campo do direito comercial para análise do comportamento dos

administradores. Ademais, examinamos os principais dispositivos legais de nosso

ordenamento e de legislações estrangeiras, buscando comparações entre os modelos

encontrados e conclusões acerca do paradigma adotado pelo direito brasileiro.

Fixadas as bases do estudo pretendido, podemos partir para uma análise dos

principais aspectos do dever de diligência, de seus possíveis desdobramentos e de sua

relação com outros institutos jurídicos. Tudo isso vai permitir avanços na definição do

conteúdo do dever de diligência dos administradores de sociedade.

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O dever de diligência é algo aplicável a todos os ramos do direito, abarcando

todos os sujeitos em suas obrigações cotidianas, e não somente os administradores de

sociedade. Pode ser entendido, conforme explanado acima, como um princípio geral de

direito ou como um standard jurídico, prestando-se como um guia para o adimplemento

das obrigações em geral91. Nesse sentido, o dever de diligência deve sempre ser apurado

segundo o caso concreto analisado92, não encontrando conceituação precisa ou limitativa.

Desta forma, o dever de diligência não impõe um comportamento determinado, mas um

“padrão normativo de comportamento”.

91 “A diligência corresponde à medida de esforço ou de colaboração exigível ao devedor no cumprimento de

suas obrigações. Trata-se da noção apresentada, em várias fases, como ligada estreitamente à boa-fé, a qual

daria o quantum em causa. O Direito português, na tradição latina – o BGB fala em <<cuidado necessário no

tráfego>>, § 276 – remete para um cômputo em abstracto dado pelo comportamento do bom pai de família.”

MENEZES CORDEIRO, Antonio Manuel. Da Boa Fé no Direito Civil. Almedina, Coimbra, 1997. pp. 1229

e 1230

92 CARVALHOSA, Modesto. Op. cit. p. 230.

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Essa é a razão da primeira parte deste trabalho ter sido dedicada ao estudo dos

paradigmas concreto e abstrato. Na medida em que o dever de diligência impõe um

“padrão normativo de comportamento”, torna-se necessário compreender qual foi padrão

adotado pelo ordenamento jurídico e, em seguida, definir como esse padrão é interpretado

e aplicado aos casos concretos.

No que é pertinente aos administradores, o dever de diligência comporta inúmeras

interpretações, com diversos autores propondo desdobramentos ou aspectos deste dever. A

designação de desdobramentos nada mais é do que a tentativa de extrair do dever de

diligência alguns “subdeveres”, no sentido de comportamentos que poderiam ser exigidos

com base no dever de diligência.

A abordagem destes “subdeveres” vai nos permitir um debate mais aprofundado

sobre o dever de diligência e nos conduzir, ao final, à definição do conteúdo deste dever e,

como se espera, fornecer parâmetros para análises de casos concretos.

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Existem propostas de divisão do dever de diligência. Uma delas é a seguinte: a) o

dever de bem administrar; b) o dever de se qualificar para o exercício da função; c) o dever

de se informar; d) o dever de investigar; e) o dever de vigiar. A divisão é proposta, por

exemplo, por Flávia PARENTE93, mas pode ser encontrada com algumas variações em

outras obras94.

Não concordamos com essa divisão, mas ela será útil, novamente, para

debatermos o conteúdo do dever de diligência e chegarmos a algumas conclusões. A

discussão é importante, na medida em que cada ponto que é incluído ou excluído do

instituto jurídico auxilia na sua definição. Nesse sentido, podemos dizer que não

concordamos com as divisões propostas em razão da inclusão de alguns “subdereveres”.

Para fins de organização e orientação do leitor, abordaremos primeiro o ponto que

acreditamos ser fundamental na definição do conteúdo do dever de diligência: o dever de

se informar. Conforme se pretende demonstrar nos próximos capítulos, o dever de se

informar é o elemento central do dever de diligência.

93 PARENTE, Flávia. Op. cit. pp 101 e ss.

94 ADAMEK, Marcelo Vieira Von. Op. cit. pp. 135 e ss e RIBEIRO, Renato Ventura. Op. cit. pp. 221 e ss.

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3.1. ELEMENTO CENTRAL: DEVER DE SE INFORMAR

Dissemos anteriormente que administrar uma sociedade é uma atividade que pode

ser considerada como a gestão de patrimônio e interesses de terceiros. O administrador

pode ser visto na posição de agente dentro da estrutura analisada pela conhecida teoria da

agência. Em sua atividade, ele deve tomar decisões que afetarão patrimônios e interesses

que não são de sua propriedade, ou, ao menos, não integralmente.

Afirmamos também que pela complexidade das situações sobre as quais o

administrador deve decidir, não há como os demais interessados e afetados por essas

decisões definirem, prévia e exaustivamente, como o administrador deverá agir em cada

uma das situações enfrentadas.

Sempre que é possível, a legislação ou os particulares determinam os caminhos

que devem ou aqueles que não devem ser seguidos. Essas limitações aparecem, por

exemplo, nos Artigos 154 e seguintes na Lei 6.404/76; ou nos estatutos sociais, quando os

sócios fixam, por exemplo, alçadas para realização de alguns atos, ou proíbem a realização

de outros, como prestar garantias.

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Contudo, mesmo depois destas delimitações, ainda restará um grande espaço de

discricionariedade para o administrador decidir. Não há outra saída além da definição de

um padrão de conduta esperado do administrador, bem como da combinação deste padrão

de conduta com alguns outros elementos norteadores, como o “interesse social” e como o

“objeto social”.

Assim, a existência do dever de diligência tem fundamento e função claros,

decorre da impossibilidade de definição prévia da atuação dos administradores e serve para

orientar as decisões que serão tomadas no exercício do cargo, tendo em vista intrínseca

discricionariedade.

É importante, deste modo, definir quais são os elementos necessários do dever de

diligência, sem os quais ele não poderia existir ou não poderia cumprir a sua função. Como

dissemos acima, alguns autores já buscaram essa definição, incluindo no dever de

diligência alguns “subdeveres” ou “desdobramentos”. A proposta deste capítulo é mostrar,

porém, que de todos os “subdeveres” apontados somente um é realmente essencial: o dever

de se informar.

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Com efeito, se a atividade de administrar é eminentemente uma atividade

decisória dentro de um espaço de discricionariedade, o administrador deve estar preparado

para exercer essa atividade. Uma conclusão apressada sobre o tema poderia levar alguém a

acreditar que essa preparação envolve conhecimentos técnicos ou educação formal.

Todavia, a realidade demonstra que o administrador não domina todos os conhecimentos

técnicos em todas as áreas que necessita para formar sua decisão, mas utiliza informações

advindas de diversas fontes, estas com as qualificações técnicas necessárias, para,

combinando e ponderando todos os elementos, formar o seu convencimento.

O administrador substitui em parte o empresário na sua função de organizador dos

fatores de produção, cabendo a ele congregar diferentes expertises. A demonstração deste

pensamento é intuitiva, bastando lembrar, por exemplo, os administradores dos grandes

conglomerados multinacionais. Os diretores e os membros do conselho de administração

não conhecem em detalhes os processos produtivos adotados por suas companhias, não

sabem explicar como funciona o novo produto de tecnologia lançado pela empresa com a

expectativa de revolucionar o mercado, nem poderiam entrar em um estúdio e elaborar a

nova campanha de publicidade para a venda deste produto.

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A atuação da administração envolve a combinação de informações internas vindas

dos diferentes departamentos da sociedade, bem como de todas as informações externas,

como fatores de mercado, perspectivas macroeconômicas, dentre outros. A atividade é,

portanto, calcada na obtenção e utilização de informações relevantes para o negócio,

tomando, deste modo, as decisões de forma fundamentada e refletida. O elemento central

do dever de diligência não está, desta forma, na qualificação (no sentido de educação

formal) do administrador, mas no seu conhecimento da sociedade e dos respectivos ramos

de atuação.

Assim, o núcleo do dever de diligência está no dever de se informar

adequadamente e, com base nas informações obtidas, agir da maneira imposta pelo

paradigma imposto pela Lei, ou seja, como um homem médio e prudente agiria. Aqui são

aplicáveis todas as críticas já feitas ao paradigma abstrato escolhido e mantido ate hoje

pela legislação brasileira, mas não é possível fecharmos os olhos para o texto adotado pelo

Art. 153 da Lei 6.404/76, que nos dias de hoje ainda recorre à figura do bonus

paterfamilias.

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Acreditamos que a principal limitação do paradigma escolhido está na sua

influência da relação do administrador com o risco, ou seja, seria realmente positivo

considerar que um administrador tomaria suas decisões e aceitaria os riscos advindos delas

da mesma forma que um homem médio?

Um caso conhecido nos EUA e utilizado como precedente judicial para a

discussão do tema nos permitirá abordar o dever de informar, fornecendo algumas bases

para o estudo do dever de diligência no Brasil.

O caso é denominado de Francis vs. United Jersey Bank95 e trata de uma família

que controlava uma companhia corretora de resseguros, que, em razão da atividade

desenvolvida, movimentava uma quantia expressiva de dinheiro que não a pertencia, mas

que ficava com ela enquanto não a transferisse para a resseguradora. A família era formada

por um pai, uma mãe e dois filhos, todos componentes do conselho de administração.

95 87 N.J. 15, 432 A.2d 814 (1981)

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Segundo o que constou no processo96, o pai tinha o hábito de utilizar para fins

particulares parte deste dinheiro que circulava na companhia, mas sempre “quitava” esses

“empréstimos”, o que não provocou, até a sua morte, nenhum problema.

Contudo, após o falecimento do pai, a mulher, agora também controladora da

companhia, sofreu graves problemas psicológicos e acabou deixando a companhia sob a

administração isolada dos dois filhos, que continuaram com o hábito do pai, sem, contudo,

a mesma habilidade para gerenciar os recursos e não revelar os “empréstimos”. A

sociedade veio a falir, deixando inúmeros credores.

O voto do juiz Stewart Pollock no caso ficou bastante conhecido, sobretudo em

razão de sua afirmação bastante dura de que se uma pessoa não se sente apta para o cargo

de administrador, deve recusá-lo97.

96 87 N.J. 15, 432 A.2d 814 (1981)

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Em linhas gerais, o julgamento determinou que o administrador para o

cumprimento do seu dever de diligência tem: (i) o dever de conhecer a atividade exercida

pela sociedade; (ii) solicitar e analisar constantemente informações sobre a sociedade; (iii)

acompanhar, ainda que de modo geral, a situação financeira da sociedade; (iv) fiscalizar os

atos de seus subordinados, bem como de outros administradores.

97 “...Directors must discharge their duties in good faith and act as ordinarily prudent persons would under

similar circumstances in like positions. Although specific duties in a given case can be determined only after

consideration of all of the circumstances, the standard of ordinary care is the wellspring from which those

more specific duties flow. As a general rule, a director should acquire at least a rudimentary understanding of

the business of the corporation. Accordingly, a director should become familiar with the fundamentals of the

business in which the corporation is engaged. Because directors are bound to exercise ordinary care, they

cannot set up as a defense lack of the knowledge needed to exercise the requisite degree of care. If one feels

that he has not had sufficient business experience to qualify him to perform the duties of a director, he should

either acquire the knowledge by inquiry, or refuse to act.” Francis v. United Jersey Bank, 432 A.2d 814 (N.J.

1981)

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Cabe apontar, de início, que a decisão corrobora a ideia de que o dever de

diligência, como standard, deve ser adensado ou desdobrado em outros deveres para que

seja possível a sua aplicação. O enunciado geral e o sentido comum de “diligência” não

nos permitem uma aplicação satisfatória deste instituto jurídico ao caso concreto. E é

exatamente neste ponto que a jurisprudência brasileira, incluindo as decisões da Comissão

de Valores Mobiliários, mais sofre98.

98 É a reflexão que fez o Diretor Pedro Oliva Marcilio de Sousa em seu voto no Processo Administrativo

Sancionador CVM Nº RJ2005/1443, julgado em 2006: “Não existem muitos pronunciamentos doutrinários

ou jurisprudenciais sobre o significado desse art. 153 (ou do seu predecessor, no Decreto Lei 2.627/40). Nos

pronunciamentos que existem, não se procura definir como, num caso concreto, averígua-se se o dever de

diligência foi ou não observado. Procura-se apenas dar o significado, em abstrato, de diligência, de cuidado e

de homem ativo e probo. As decisões da CVM também não exploram mais profundamente o art. 153, dado

que, nos casos em que o Colegiado é chamado a se manifestar, pretende-se, via de regra, substituir a decisão

da administração da companhia, seja por meio de expedição de ordens para que os administradores tomem

determinada decisão (como no Processo 2004/2684, julgado recentemente), ou buscando a condenação dos

administradores por não terem tomado uma determinada conduta que a área técnica da CVM julgava mais

apropriada (Ias 2003/09, 2002/07, 2001/17 e 2001/06, por exemplo). Há, ainda, processos em que os

administradores simplesmente deixaram de tomar providências determinadas em lei, como convocação de

assembléias gerais ordinárias ou elaboração das demonstrações financeiras (Processos CVM 2005/3108,

2005/2933 e 2005/4215).”

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A palavra de ordem do julgamento é “informação” 99, incluindo todas as atividades

a ela relacionadas, como obtenção, análise e decisão. A doutrina estadunidense inclui a

informação na própria definição do dever de diligência100.

99 “Directors are under a continuing obligation to keep informed about the activities of the corporation.

Otherwise, they may not be able to participate in the overall management of corporate affairs. Directors may

not shut their eyes to corporate misconduct and then claim that because they did not see the misconduct, they

did not have a duty to look. The sentinel asleep at his post contributes nothing to the enterprise he is charged

to protect.” Francis v. United Jersey Bank, 432 A.2d 814 (N.J. 1981)

100 “The second branch of a director´s duty to the corporation involves the requisite duty of care. This duty

may be paraphrased as requiring a director to act carefully, on an informed basis, exhibiting the diligence and

skill that a reasonably prudent person would exercise in comparable circumstances.” REITER, Barry J &

PRIEST, Margot. Directors' Duties in Canada. 3ª edicão. CCH Canadian Limited, Canadá, 2006. p. 66

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Com efeito, trata-se do dever de se informar, este sim decorrente diretamente do

dever de diligência e fundamental para o seu cumprimento, pois um administrador deve

conhecer a companhia, conhecer o seu ramo de negócios, conhecer o mercado, conhecer e

fiscalizar seus empregados, conhecer a legislação pertinente, mandar elaborar e analisar as

demonstrações financeiras da sociedade, acompanhar as suas contas e, caso não possua

determinado conhecimento específico, requisitar o auxílio de quem os possua. Diante da

posse de todas as informações, poderá exercer o seu cargo e praticar atos de gestão de

forma planejada e, portanto, diligente.

Não há na decisão nada que sustente que o administrador deve possuir

conhecimentos técnicos aprofundados ou ter determinada formação acadêmica para o

cargo. O voto utiliza expressões como “conhecimentos rudimentares” e “ser familiar com

os fundamentos do negócio”.

A condenação no caso judicial citado acima veio em razão do abandono da

sociedade pela administradora, que permitiu, pela falha na supervisão dos negócios, que

fraudes sejam cometidas pelos outros administradores. Não se exigiu conhecimentos

aprofundados ou qualificação técnica formal no ramo de atuação da companhia.

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No Brasil, as discussões judiciais sobre o tema são praticamente inexistentes. As

grandes disputas ocasionadas pelos prejuízos nas operações de derivativos durante a crise

financeira mundial de 2008 não foram aproveitadas para a fixação de precedentes judiciais.

Os primeiros passos estão sendo dados pela Comissão de Valores Mobiliários, que em

decisões mais recentes já vem buscando a indicação de parâmetros mais claros para a

aplicação do dever de diligência aos casos concretos que julga. Nessas decisões, a

informação ou, como chamamos aqui, o dever de se informar, também foi considerado

como fundamental na definição do dever de diligência101.

Vale citar aqui parte do voto do Diretor Pedro Oliva Marcilio de Sousa, relator no

Processo Administrador Sancionador 21/04, julgado em 2007 (item 60).

101 O dever de se informar adequadamente já era considerado pela Comissão de Valores Mobiliários em

decisões mais antigas, mas só recentemente é que a Comissão passou a sistematizá-lo. Cita-se, como exemplo

de tentativas anteriores: “Uma das formas pelas quais se analisa se o administrador foi ou não diligente é

verificando se a decisão negocial foi ou não informada. As atas das reuniões do conselho da Companhia em

que foram aprovadas aquisições de títulos de emissão das controladoras indiretas não trazem nenhum vestígio

de que tenha havido uma análise diligente a respeito de qualquer das operações.” (Processo Administrativo

Sancionador CVM Nº RJ2005/0097)

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143

“Neste processo, a principal imputação é a de violação do dever

de diligência – art. 153 da Lei 6.404/76. Os termos desse

dispositivo enunciam conceitos jurídicos indeterminados, sem

especificar critérios para sua aplicação aos casos concretos.

Usualmente, as posições doutrinárias sobre esses dispositivos

procuram analisar esses conceitos sem, ainda, estabelecer critérios

para sua aplicação a casos concretos. Em sua atividade

sancionatória, a CVM vem, ao longo do tempo, estabelecendo

esses critérios. Entre eles, pode-se citar os seguintes: (...) (ii) não

há violação ao dever de diligência, quando o administrador toma

(ou deixa de tomar) uma decisão, se sua decisão é informada,

refletida e desinteressada (Processos 2005/144315 e 2005/009716,

já citados); “

Outro ponto interessante do voto está no reconhecimento de que a informação não

é perfeita, ou seja, de que as decisões são tomadas, na grande maioria dos casos, com base

em informações limitadas (item 61).

“(ii) reconhecimento de que (a) as decisões dos administradores

são tomadas com uma quantidade limitada e imperfeita de

informações, inclusive com relação ao desenvolvimento futuro dos

fatos e às informações não conhecidas ao tempo da tomada da

decisão negocial, e (b) o tempo dos administradores é limitado e

deve ser por ele alocado para a tomada de diferentes decisões, com

isso, a revisão posterior dos atos tomados sob essas condições é

sempre feita a partir de uma quantidade não similar de tempo;”

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144

Os dois aspectos apontados no trecho acima são importantes e estão muito bem

colocados, sendo necessário lembrar, apenas, que toda informação representa um custo

para a sociedade. A teoria econômica já demonstrou esses custos, relacionados

principalmente com a procura da informação no mercado102. Assim, é essencial considerar

que o administrador não estará obrigado a dispender recursos ilimitados da sociedade na

busca de informações completas para cada decisão que deve tomar. Devemos aceitar que

existirá um nível eficiente de informação.

Além disso, ainda que não considerando a limitação dos recursos, o tempo de

decisão pode ser restrito. Uma decisão negocial estará provavelmente sujeita a um prazo

para ser tomada, a partir do qual ela não mais será útil ou ao menos não surtirá todos os

potenciais efeitos positivos. A construção de uma planta industrial, o lançamento de um

novo produto, a realização de um investimento financeiro, todas essas são decisões que

estão usualmente sujeitos à limitação temporal, podendo resultar inócuas se tomadas

inoportunamente.

102 Cf. STIGLER, George J. The economics of information. The Journal of Political Economy. Vol. 69, 3.

1961. pp. 213-225

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145

Assim, ser diligente é exercer a atividade de gestão da sociedade de maneira

informada, se utilizando da discrionariedade conferida pelo cargo para tomar decisões

refletidas, à luz das informações razoavelmente disponíveis sobre a sociedade, sobre o

mercado em que ela atua, sobre as condições macroeconômicas do país, dentre outros. O

administrador buscará, da maneira mais eficiente possível, transformar incerteza em risco,

e, ponderando os elementos obtidos, formar seu convencimento acerca de determinado

aspecto negocial.

Se o administrador não possui os conhecimentos necessários, deve se apoiar em

terceiros, sendo possível a contratação de auxiliares, como contadores, advogados,

auditores, bancos de investimento, dentre outros, para construção do convencimento acerca

da decisão a ser tomada.

Como se pode notar, a decisão da Comissão de Valores Mobiliários citada acima

avança no tema do dever de diligência, já fixando algumas bases para a sua aplicação aos

casos concretos. Realmente, concordamos que o elemento central deste dever está na

obtenção e utilização de informações pertinentes à sociedade de maneira eficiente para a

tomada de decisões no exercício da atividade de gestão da empresa.

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146

Todavia, as decisões da Comissão de Valores Mobiliários, na medida em que

partem de conceitos lançados pela jurisprudência estadunidense, parecem confundir o

dever de diligência com a regra da decisão negocial (business judgment rule)103.

A obtenção e utilização de informações adequadas, em um nível eficiente, faz

parte dos dois institutos, mas um não pode ser confundido com o outro. Aliás, a realidade

dos EUA demonstrou que é extremamente fácil se utilizar da business judgment rule na

medida em que a sua aplicação é formalista, estando mais ligada ao procedimento adotado

para a tomada da decisão do que para a substância do ato. Aprofundaremos a discussão em

capítulo próprio sobre a relação do dever de diligência e a business jugment rule, onde

demonstraremos que sem o conteúdo do dever de diligência a business judgment rule pode

ser manipulada para a construção de um procedimento vazio.

103 “63. O posicionamento e os fundamentos utilizados pela CVM para a apuração da violação ao dever de

diligência estão em linha com o posicionamento da jurisprudência e da doutrina americana. Algumas

decisões norte-americanas são inclusive citadas nas decisões da CVM (ver Inquérito Administrativo 03/02 e

Processo 2005/1443, já citados). (...)” Voto de Marcelo Fernandez Trindade no Processo Administrativo

Sancionador CVM Nº 21/04.

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147

Se a informação – obtenção e utilização – é o ponto central do cumprimento do

dever de diligência, deve o administrador ponderar sobre seus atos, planejá-los,

fundamentá-los em opiniões de seus subordinados ou peritos, registrando todo o

procedimento.

Ora, se o dever de diligencia é exercido principalmente na aquisição e análise de

informações para execução dos atos de gestão e acompanhamento da situação da

sociedade, ganha relevância exatamente o procedimento decisório, ou seja, sempre que

possível deve o administrador, ou colegiado de administradores, registrar os motivos e os

objetivos de determinado ato.

Nesse sentido, sustentamos que o principal aspecto no cumprimento do dever de

diligência está no dever de se informar, que pode ser entendido como acompanhamento

cotidiano da sociedade, com a fiscalização de empregados e prepostos, análise das

demonstrações financeiras, dentre outros, e, com destaque, na obtenção das informações

para a tomada de decisões.

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148

Assim, temos dois interesses que são convergentes, o dos sócios e o dos

administradores, pois se de um lado há o desejo dos sócios de acompanhar e verificar o

cumprimento dos deveres por parte dos administradores, do lado destes há também o

desejo de se resguardar de eventuais questionamentos. Desta forma, o procedimento

decisório e a sua fundamentação atende aos dois lados, pois permite aos sócios

acompanhar a administração, sobretudo nas questões de maior relevância, bem como

fundamentar eventual defesa dos administradores104.

Não se trata de registrar todo e qualquer ato tomado pelos administradores, sob

pena de se burocratizar a atividade, pois a fundamentação vai depender da razoabilidade,

sempre lembrando que o procedimento atende interesses de ambos os lados.

104 “Given the possibility that the decisions and actions of the board may be subjects of subsequent

examination, it is essential that an adequate record be kept of the deliberative process followed by the board,

including the alternatives and issued considered; information, advice, and analyses prepared for the board and

made available to it; and decisions taken by the directors (including the reasons for such decisions). This

record will ordinarily take the form of written reports and other material furnished to the directors prior to

meeting at which the proposed business will be considered, together with minutes of such meetings, which

reflect the director´s decisions and the nature and extent of director´s consideration and debate of the issues.”

REITER, Barry J & PRIEST, Margot. Op. cit. p. 66

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149

Assim, se ato envolve investimento de grandes dimensões, planejamento

complexo, opinião especializada, acarreta risco maior do que o normal para a empresa, o

administrador deve registrar a fundamentação e detalhar o procedimento decisório, o que

pode ser feito tanto por meio de um relatório gerencial quanto por meio de atas de reunião

da diretoria ou do conselho de administração.

O processo decisório deve ser plausível, segundo as circunstancias do caso,

incluindo a complexidade da matéria e as informações razoavelmente disponíveis105.

Todas essas lições são aplicáveis ao direito brasileiro.

105 “Lawyers are well acquainted with the connection between reasonable processes and the quality of

decision-making. Not only do procedural due process enhances the validity of a decision but the discipline

yields a better decision. These benefits are the object of courts´ preoccupation with whether director´s

decisions are the product of reasonable investigation and consideration of facts and issues surrounding any

matter before the board. A director is reasonably informed if the director considers the material facts that are

reasonably available, there is no need to pursue immaterial facts or information that could not be acquired

reasonably under the circumstances.” COX, James D. & HAZEN, Thomas Lee. Corporations. 2ª edição.

Aspen Publishers, Nova Iorque, 2003. p. 190

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150

Com efeito, o procedimento de informação pode ser entendido como um

pressuposto do exercício do cuidado e do zelo exigidos pelo dever de diligência. Seria

impossível a alguém cuidar de um patrimônio sem conhecê-lo, bem como sem ter

consciência dos fatores que podem afetá-lo106.

É por isso que o dever de informar se coloca como central para o cumprimento do

dever de diligência e pode ser reconhecido como o seu principal desdobramento. Todos os

demais podem ser questionados, mas parece difícil sustentar a possibilidade de exercício

de diligência sem as informações necessárias.

106 “Infringe o dever de diligência o administrador que não se preocupa em fiscalizar os atos de seus

prepostos; que deixa de se interessar pelos negócios sociais; que entrega a direção da companhia a outras

pessoas; que se omite no desempenho de suas funções; etc. A administrador tem, ainda, a obrigação contínua

de permanecer informado sobre as atividades da companhia, devendo comparecer às reuniões do órgão do

qual faz parte, bem como às assembléias gerais, quando convocado. Deve também constantemente informar-

se sobre as demonstrações financeiras e as contas da companhia. Todas essas obrigações são manifestações

do dever de diligência.” LAZZARESCHI Neto, Alfredo Sérgio. Lei das sociedades por ações anotada.1ª

edição. Saraiva, São Paulo, 2008. p. 408

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O procedimento decisório corretamente instruído mostrará a diferença entre

discricionariedade e arbitrariedade. A decisão tomada dentro da Lei e dos limites impostos

pelo estatuto social é permitida ao administrador, que pode escolher entre as diversas

alternativas existentes naquela situação, mas ele deve demonstrar os motivos da sua

escolha, respaldando suas decisões nas informações pertinentes ao caso.

As informações que devem ser buscadas pelos administradores abarcam,

inclusive, as pertinentes aos demais administradores e aos empregados da sociedade. O

cuidado imposto pelo dever de diligência implica, conforme se mostrará a seguir, também

supervisão e eventual intervenção para correção de irregularidades.

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3.2. VIGILÂNCIA E INTERVENÇÃO: OS COMPLEMENTOS DO

DEVER DE SE INFORMAR

A sociedade anônima é um tipo marcado por exigências legais, dentre elas uma

estrutura mínima composta por órgãos plurais ou por órgãos colegiados107. Veja, por

exemplo, que a diretoria de uma sociedade anônima deve ter ao menos dois membros108 e o

conselho de administração, quando existir, deverá ter no mínimo três109.

107 Cf. SOUZA, Paloma R. Coimbra. Ato coletivo, ato colegial, ato complexo, instituição. In FRANÇA,

Eramos Valladão Azevedo e Novaes (Coord.) Direito Societário Contemporâneo I. Quartier Latin, São

Paulo, 2009. pp. 27-40

108 Art. 143. A Diretoria será composta por 2 (dois) ou mais diretores, eleitos e destituíveis a qualquer tempo

pelo conselho de administração, ou, se inexistente, pela assembléia-geral, devendo o estatuto estabelecer:

109 Art. 140. O conselho de administração será composto por, no mínimo, 3 (três) membros, eleitos pela

assembléia-geral e por ela destituíveis a qualquer tempo, devendo o estatuto estabelecer:

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153

Na diretoria, usualmente não colegiada, é comum a divisão de tarefas, não

existindo, necessariamente, subordinação entre um diretor e outro, mas apenas partição de

competências. No conselho de administração, esse sim colegiado, todos os membros

suportam em grande parte as mesmas competências, com destaque apenas para algumas

funções especiais geralmente incumbidas ao seu Presidente. A estrutura mais complexa das

Sociedades Anônimas implica existência de órgãos colegiados ou órgãos plurais.

A estrutura da administração costuma ser dividida em dois grandes grupos ou

sistemas, da administração unitária e da administração bipartida. A diferença marcante

entre os dois sistemas está, exatamente, na fiscalização dos atos de gestão. No sistema

monista, a prática dos atos de gestão é feita pelo próprio e único órgão ou por pessoas

delegadas por ele, mas a orientação e fiscalização destes atos também são de sua

competência, ao contrário do sistema dualista, no qual há um órgão efetivamente

encarregado dos atos de gestão e outro, diferente, responsável pela orientação e

fiscalização destes atos.

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No Brasil, adotou-se o modelo monista até a Lei 6.404/76, a qual passou a

permitir que as sociedades adotassem uma estrutura mais simples, somente com a diretoria,

ou optassem pela estrutura dualista, mais complexa, com diretoria e conselho de

administração. Para alguns casos a estrutural dualista é obrigatória: sociedades de

economia mista, de capital variável (autorizado) e de capital aberto.

Antes da Lei 6.404/1976, sob a égide do Decreto 2.627/40, o sistema era monista,

rejeitando-se completamente o sistema dualista. A repulsa por este sistema é atribuída ao

autor do anteprojeto do referido decreto, que se manifestou por diversas vezes contra o

modelo, sustentando, em síntese, que os membros do conselho de administração em nada

contribuem para o funcionamento das sociedades, recebendo os benefícios sem nada

agregar110.

110 Cf. MIRANDA Valverde, Trajano. Sociedade por ações. Vol. II. 2ª edição. Forense, Rio de Janeiro, 1953.

p. 293. O doutrinador afirmava que “os conselhos de administração, compostos por dezenas de pessoas que

não trabalham, na maioria incompetentes, mas que recebem grandes percentagens sobre os lucros sociais,

constituem, na opinião hoje generalizada, o cancro das sociedades anônimas.”

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155

Diante disto, gostaríamos de chamar a atenção para importantes consequências

desta complexidade de estruturas para a análise do dever de diligência, a saber: (i) a

existência de órgãos hierarquicamente relacionados, como ocorre entre diretoria e conselho

de administração; (ii) a existência de órgãos não colegiados, com membros de

competências diferentes; (iii) a existência de órgãos colegiados, de competências

conjuntas111.

Analisemos cada uma das hipóteses e as suas respectivas consequências.

111 Destacamos aqui a perspectiva essencial para análise do dever de diligência, contudo os órgãos colegiados

trazem outra importante consequência tendo em vista as suas deliberações majoritárias. Como bem aponta

Modesto CARVALHOSA: “Diferentemente do que ocorre com os diretores, o exercício dos encargos legais

e estatutários dos conselheiros faz-se pela maioria dos seus integrantes. A vontade, nesse caso, é

necessariamente coletiva, para que seja eficaz. Trata-se de manifestação unilateral de vontade, a do próprio

órgão, vinculando os seus membros coletivamente pelos seus efeitos internos e externos. Assim, os

conselheiros, ao participarem coletivamente da formação de vontade do respectivo órgão, têm

responsabilidade colegiada.” Responsabilidade Civil dos Administradores das Companhias Abertas. Revista

de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. Vol. 49. Cf. EIZIRIK, Nelson et alli. Op. cit. p.

474 e ss.

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Da leitura e interpretação da Lei das Sociedades Anônimas podemos extrair que a

administração será genericamente exercida pela diretoria e pelo conselho de administração,

se existir, cabendo a este112, em síntese, as competências de orientação geral e supervisão

dos negócios, e àquele a prática dos atos de gestão propriamente ditos (atos jurídicos)113_114

e de representação.

112 Art. 142. Compete ao conselho de administração:

I - fixar a orientação geral dos negócios da companhia; II - eleger e destituir os diretores da companhia e

fixar-lhes as atribuições, observado o que a respeito dispuser o estatuto; III - fiscalizar a gestão dos diretores,

examinar, a qualquer tempo, os livros e papéis da companhia, solicitar informações sobre contratos

celebrados ou em via de celebração, e quaisquer outros atos; IV - convocar a assembléia-geral quando julgar

conveniente, ou no caso do artigo 132; V - manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da

diretoria; VI - manifestar-se previamente sobre atos ou contratos, quando o estatuto assim o exigir; VII -

deliberar, quando autorizado pelo estatuto, sobre a emissão de ações ou de bônus de subscrição; VIII –

autorizar, se o estatuto não dispuser em contrário, a alienação de bens do ativo não circulante, a constituição

de ônus reais e a prestação de garantias a obrigações de terceiros; IX - escolher e destituir os auditores

independentes, se houver.

113 Art. 144. No silêncio do estatuto e inexistindo deliberação do conselho de administração (artigo 142, n. II

e parágrafo único), competirão a qualquer diretor a representação da companhia e a prática dos atos

necessários ao seu funcionamento regular.

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157

Assim, da combinação do dever de diligência com as competências determinadas

pela Lei ou pelo ato constitutivo da sociedade, extrairemos os diversos níveis do dever de

fiscalizar.

114 “Os diretores têm, portanto, em qualquer hipótese, as funções de gestão e de representação da sociedade,

conforme o que, a respeito, dispuser, para cada um deles, o estatuto social.” (...) “Estabelecidos esses poderes

de natureza legal, têm os diretores competência para a prática de todos os demais atos de gestão da

companhia, ligados à exploração do seu objeto social, os quais deverão ser discriminados no estatuto em

função dos cargos da diretoria.” (...) “Entre os atos de gestão de competência dos diretores incluem-se: a

aquisição e o arrendamento de bens e serviços ligados ao objeto social; a contratação de mão-de-obra e de

serviços para sociedade, com e sem relação de emprego; o recebimento de créditos da companhia; bem como

contrair dívidas decorrentes dos negócios ordinários da companhia, para tanto emitindo, aceitando e

endossando títulos de crédito do comércio.” CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades

Anônimas. 2ª edição. Vol. 3. Saraiva, São Paulo, 1998. p. 110 e ss.

“na posição de segundo órgão da gestão, dentro da orientação traçada pelo Conselho, praticará todos os atos

da administração e de execução, não podendo, no entanto, convocar a assembléia geral, deliberar sobre a

emissão de ações ou bônus de subscrição (na companhia de capital autorizado) nem escolher ou substituir os

auditores independentes, desde que tais funções ficaram reservadas no art. 142 para o Conselho.” VIDIGAL,

Geral De Camargo et alli. Comentários à Lei das Sociedades por Ações. Forense Universitária, São Paulo,

1999)

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Como se sabe, ficou a cargo do conselho de administração, dentre outras, a

orientação geral dos negócios e, importante, eleição dos membros da diretoria. Vê-se,

portanto, que a diretoria esta subordinada ao que for determinado – de forma geral – pelo

conselho de administração, e, deste modo, passível de fiscalização por ele.

A relação entre os órgãos é, portanto, de hierarquia. Assim, com base nessas

competências, concluímos que os membros do conselho de administração podem ser

responsabilizados tanto por culpa in vigilando115 quanto por culpa in eligendo sempre que

descuidarem do seu dever de diligência na supervisão ou na escolha dos diretores.

115 “Ou seja, os conselheiros serão responsáveis solidariamente por culpa in vigilando, caso não fiscalizem a

gestão dos diretores, nos limites das suas atribuições de controle da legitimidade dos atos da Diretoria.

Embora, em regra, não respondam pelos negócios jurídicos sobre os quais não tenham deliberado ou sobre

atos de administração dos quais não tiveram conhecimento, excepcionalmente, os conselheiros podem vir a

ser responsabilizados por atos praticados pelos diretores caso tenham sido negligentes em descobrir

irregularidades por estes praticadas. (...) Por outro lado, os conselheiros são responsáveis pela eleição de

diretor cuja idoneidade poderia ter sido apurada a tempo de sua eleição (culpa in eligendo), bem como pela

manutenção no cargo de diretor manifestamente inidôneo ou incompetente” EIZIRIK, Nelson et alli. Op. cit.

pp. 478 e 480

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159

A primeira possibilidade decorre diretamente do dever de diligência no seu

aspecto de fiscalização116, a segunda, da escolha de pessoa inapta para assumir o cargo de

administrador.

A fiscalização da diretoria pelo conselho de administração é, deste modo,

competência legal, indelegável e inoponível, não necessitando de maiores explicações ou

sequer de deliberação do conselho para que seja feita. Podem, portanto, os seus membros

requisitarem documentos, informações, explicações ou quaisquer outras medidas que

entendam necessárias para o correto desempenho da vigilância dos negócios da

sociedade117.

116 "O exercício permanente do controle de legitimidade dos atos dos diretores enquadra-se entre os deveres

de diligência que cabem aos conselheiros. Conseqüentemente, se os conselheiros descurarem dessa atribuição

serão objetivamente responsabilizados pelos danos causados pelos diretores. (...) Não obstante, não serão

responsabilizados os conselheiros por atos praticados pelos diretores que sejam sonegados ao conhecimento

do Conselho, de difícil ou impossível constatação. Não se pode presumir a culpa dos conselheiros em tais

hipóteses, dada a natureza diversa das competências da diretoria, de um lado, e do Conselho de

Administração, de outro." CARVALHOSA, Modesto. Op. cit. p. 319

117 Idem. p. 119

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Desta forma, ainda que o Art. 142 não dispusesse expressamente que compete ao

conselho de administração fiscalizar a diretoria, a combinação do dever de diligência com

a sua posição hierárquica resultaria nessa obrigação. Na obtenção e utilização de

informações, deve o Conselho de Administração acompanhar a Diretoria, solicitando as

aquelas pertinentes para orientação geral e fiscalização da companhia.

É importante não perder de vista que o exercício do cargo de administrador não

exige, por Lei, determinada qualificação técnica, assim pode ocorrer que os membros do

conselho de administração não tenham os conhecimentos necessários para reconhecer

eventuais fraudes nas demonstrações contábeis produzidas pelo diretor financeiro, se elas

forem sofisticadas, exigindo, portanto, conhecimentos aprofundados de contabilidade118 119

para identificação.

118 A situação pode ocorrer, por exemplo, quando a aprovação anual de contas. Como se sabe, o ato de

aprovação é entendido como quitação das obrigações dos administradores, que publicam as demonstrações

financeiras do período e efetuam a sua prestação de contas. Contudo, se a quitação for obtida mediante

fraude, poderá ser invalidada (nulidade ou ineficácia). Nesse sentido:

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PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL – SOCIEDADE ANÔNIMA – AÇÃO DE RESPONSABILIDADE

CONTRA EX-DIRETOR – PRAZO PRESCRICIONAL – CONTAGEM (...) III – (...) A aprovação, sem

reserva, de balanço e das contas somente exonera de responsabilidade os membros da Diretoria e do

Conselho Fiscal se tais documentos não estiverem viciados por erro, dolo, fraude ou simulação. Trata-se de

presunção iuris tantum, que não representa salvo-conduto para a atuação ilícita do administrador. (REsp

257573 / DF, Relator(a) Ministro WALDEMAR ZVEITER (1085) Órgão Julgador TERCEIRA TURMA,

Data do Julgamento 08/05/2001, Data da Publicação/Fonte DJ 25/06/2001 p. 172, REVJUR vol. 286 p. 77,

RSTJ vol. 148 p. 323)

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162

119 Marcelo Vieira Von ADAMEK propõe a eliminação do efeito extintivo ou preclusivo da aprovação de

contas: “Eliminar o efeito extintivo do quitus. O efeito extintivo ou preclusivo resultada da aprovação, sem

ressalvas, das contas e das demonstrações financeiras (LSA, art. 134, § 3º) é fonte de impunidade, sobretudo

diante da forma como os tribunais o têm interpretado. Urge, por isso, eliminá-lo. Em seu lugar, dever-se-ia

prever exatamente o oposto do que hoje se contém na lei, isto é, prescrever de forma expressa que a

aprovação das contas e das demonstrações financeiras não isenta os administradores de quaisquer

responsabilidades por atos praticados no exercício de sua gestão (como previsto na Itália, na França e na

Alemanha). Alternativamente, poder-se-ia prever que a aprovação daqueles atos só abrange as pretensões por

fatos conhecidos e, ainda assim, sem com isso obstar a propositura de ação derivada pelos acionistas

dissidentes, ausentes ou abstinentes, dentro de certo prazo decadencial fixado em lei (assim ocorre na

Suiça).” (Responsabilidade civil dos administradores de S/A e as ações previstas na lei nº 6.404/76 para

efetivá-la. Saraiva, São Paulo, 2009. p. 508) Ousamos discordar, a legislação já impõe uma série de requisitos

para a validade da aprovação, como a publicação dos documentos em prazo adequado, a convocação para a

assembléia, dentre outros, de sorte que aquele que se ausentar ou se abster não poderá posteriormente

reclamar. Aquele que for dissidente e apresentar argumentos para fundamentar sua posição, provando, por

exemplo, a fraude, poderá pleitear seus direitos, até mesmo contra os demais administradores que diante da

indicação de irregularidades nada fizeram para apurar a verdade. De outro lado, pelo princípio geral da boa-fé

das relações, não seria plausível acreditar que a aprovação obtida por meio de fraude seria mantida. Nesse

sentido é a decisão transcrita acima, que deixa claro que a aprovação de contas (quitus) é passível de

contestação futura caso se descubra ardil dos administradores para consegui-la. Não é necessário, portanto,

alterar a legislação, já que diante de uma interpretação sistemática é de se supor que a aprovação de contas

“não representa salvo-conduto para a atuação ilícita do administrador”

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O dever de fiscalizar é um desdobramento do dever de diligência e, portanto, tudo

que foi dito para este vale também para aquele. A análise para verificar o seu cumprimento

passará normalmente pela fundamentação dos atos de aprovação, pela apuração da

existência ou não do cuidado ou zelo necessários na execução desta competência funcional

que é acompanhar e fiscalizar os atos praticados pelos subordinados120.

120 “Entendo que o exercício permanente do controle de legitimidade dos atos dos diretores que cabe aos

conselheiros dever ser encarado com certa temperança, uma vez que não se lhes pode exigir determinados

conhecimentos técnicos que são inerentes à função dos diretores de companhia. O dever de supervisão dos

conselheiros encontra, portanto, certos limites, não podendo estes serem responsabilizados por atos

praticados pelos diretores que sejam sonegados ao seu conhecimento, de difícil ou impossível constatação,

especialmente em se tratando de questões eminentemente técnicas.” Processo Administrativo Sancionador nº.

32/99 (j. 05/12/2001) Disponível em <http://www.cvm.gov.br/port/inqueritos/2001/32_99.asp>

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164

A fraude refinada, seja ela contábil ou de outra natureza, seria de difícil

constatação pelo conselho de administração, que poderia contar, contudo, com o parecer do

conselho fiscal, geralmente composto por membros de maior qualificação técnica nas áreas

financeira e contábil. Conforme mencionado diversas vezes, nada há de errado no

cumprimento do dever de diligência por meio da utilização de conhecimentos de terceiros

(reliance on others), negligente seria não analisar a conduta ou os documentos ou

identificar possíveis irregularidades e nada fazer para apurar e corrigir a situação121.

121 É nesse sentido a conclusão da Comissão de Valores Mobiliários no Caso Sadia (Processo Administrativo

Sancionador 18/2008) sobre o comportamento dos membros do Conselho de Administração daquela

companhia, os quais foram condenados pela falta de acompanhamento dos negócios realizados pelo diretor

financeiro, conforme acusação e também do voto do diretor-relator. “Nesse sentido, a acusação entende ter

havido "violação ao dever de se informar, tanto por parte dos membros do Comitê Financeiro, tanto em

relação àqueles pertencentes ao Comitê de Auditoria", pois não obtiveram, no exercício de seu mandato, as

informações necessárias para exercerem suas atribuições de maneira adequada. Nesse sentido, o "dever de os

administradores exercerem suas funções de modo informado e esclarecido é ínsito ao próprio dever de

diligência que, segundo a melhor doutrina, exige que os administradores se informem adequadamente acerca

da situação da Companhia, da forma pela qual ela está sendo conduzida, bem como seus produtos e

principais serviços". No caso de órgãos técnicos ou consultivos criados para integrar a estrutura societária da

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165

Nesse sentido, estendendo o raciocínio, também é o dever da diretoria de

fiscalizar os seus subordinados. Com efeito, tudo que foi direto para o conselho de

administração também vale para este órgão, pois sempre que existir hierarquia e que em

um dos polos da relação for ocupado por um administrador ou por um órgão da

administração, existirá o dever de diligência no seu aspecto do dever de fiscalizar122.

Companhia, se aplica o disposto no artigo 160 da Lei nº 6.404/76, que lhes impõe o cumprimento do dever de

diligência.”

122 “A responsabilidade por seleção de funcionários sem idoneidade ou capacidade ou pelas fraudes por estes

cometidas, no curso do contrato de trabalho, inclui-se no capítulo do dever de diligência (Art. 153). Em

ambas as hipóteses – in eligendo ou in vigilando -, a responsabilidade do administrador será por fato próprio

e não de terceiro.” CARVALHOSA, Modesto. Op. cit. p. 318

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166

A responsabilidade, por óbvio, não pode ser absoluta, encontrando limites no

razoável. Será sempre necessária uma avaliação do quadro de competências de cada

sociedade, inclusive no que tange as suas politicas internas. A supervisão por parte do

superior hierárquico nunca será exaustiva, existindo atos que não chegarão ao seu

conhecimento ou que sequer poderiam ser de seu conhecimento. Em resumo, deve ser

questionado se o sujeito deveria (ao menos em tese) saber de determinada situação,

sobretudo, diante de sua posição na organização123. Nesse sentido, devem estabelecer

123 Vale citar o caso conhecido como “In re Caremark International Inc. Derivative Litigation” - 698 A 2d

959 (Del. Ch. 1996) (comentado no capítulo 2.2.4.1)

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167

mecanismos adequados para o acompanhamento da sociedade124, definido caso a caso

conforme a realidade de cada companhia.

124 “Delaware law expressly recognizes that director liability for breach of the duty of care can arise from

board inaction, including failure to monitor the actions of the corporation. In order for a board to satisfy its

responsibility to reach informed judgments concerning the corporation´s compliance with the law, Delaware

courts have held that the duty of care requires a board to ‘exercise a good faith judgment that the

corporation´s information and reporting system is in concept and design adequate to ensure that appropriate

information will come to the board´s attention in a timely manner as a matter of ordinary operations.’ In

order to establish a breach of this duty, which is sometimes referred to as a breach of the duty of oversight, a

claimant must establish that the directors knew or should have known that violations took no steps in a good

faith effort to prevent or remedy the situation and that such failure proximately resulted in losses cause by the

corporation´s violations of law. Once pertinent information comes into a board´s possession, it usually must

take the steps it believes necessary to prevent or remedy violations of law.” MATHIAS, John H. et alli.

Directors and Officers Liability: Prevention, Insurance, and Indemnification. Law Journal Press, Londres,

2000.

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168

Com relação aos membros da diretoria, tudo que foi dito acima, mutatis mutandis,

é aplicável. Assim, exige-se de seus membros a constante vigilância de todos os seus

subordinados, desde o momento da escolha até o acompanhamento da conduta cotidiana

destas pessoas. Cabe ao diretor acompanhar os negócios da companhia e o cumprimento de

suas determinações.

Debatido o dever de fiscalizar, importante notar, ademais, que a existência de

hierarquia traz também, segundo alguns, o dever de intervir, ou seja, identificado o erro ou

mesmo o desvio de determinação anterior, deve o administrador ou o órgão da

administração hierarquicamente superior intervir e corrigir a situação, tomando todas as

medidas para que a irregularidade cesse.

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169

É de se concordar que a fiscalização por si só, sem o passo seguinte da

intervenção, cairia no vazio, tornando-se inócua125. O administrador pode consignar a sua

divergência em ata, bem como informar os órgãos superiores, mas não poderá modificar a

decisão. A interferência somente será possível efetivamente quando existir a subordinação,

ou seja, é plausível a existência do dever de fiscalizar independentemente do dever de

intervir.

Desta forma, o dever de fiscalizar inter alia, diretor por outros diretores, ou

conselheiro por outros conselheiros, existe e também decorre do dever de diligência,

contudo, nesses casos, pela ausência de subordinação, não existirá o dever de intervenção.

Aquele que identifica uma falha deve levá-la ao conhecimento do órgão competente para

corrigi-la.

125 GOMES, Maria Elisabete Ramos. Op. cit. p. 117

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Debatida a primeira hipótese – existência de subordinação hierárquica – passemos

para as demais, tratando das diferenças entre órgãos colegiados e não colegiados e, deste

modo, do dever dos administradores de fiscalizar uns aos outros, destacando-se: (i)

ausência de subordinação; (ii) divisão de competências entre eles. A divisão de

competências traz impactos importantes para a análise da situação126-127.

126 A possível exclusão de responsabilidade dos administradores em razão da divisão de competências

encontra uma exceção, que trataremos abaixo quando comentarmos a responsabilidade solidária pelo

descumprimento dos deveres essenciais ao regular funcionamento da sociedade.

127 “Nos órgãos de administração colegiada, os seus integrantes assumem a responsabilidade coletiva pelas

deliberações ou decisões colegiadas. O fundamento da responsabilidade do administrador continuará a residir

na culpa lato sensu, conseqüência da violação de seus deveres gerais (como os de diligência, lealdade e

vigilância), mas em caráter presumido, tanto assim que a abstenção do administrador ou a sua falta

injustificada ao conclave não o isenta de responsabilidade. (...) Nos órgãos de administração não-colegiada

(como de ordinário sucede na diretoria), prevalece, em toda a sua extensão, o princípio da

incomunicabilidade da culpa, cabendo ao interessado em estabelecer a responsabilidade solidária do

administrador, por atos ilícitos de outros administradores, provar a participação culposa para a concretização

do dano, isto é, demonstrar a sua conivência para com os demais, ou sua negligência em descobrir o ilícito

ou, ainda, a sua inércia para impedir a prática do ato ilícito de seu conhecimento (Lei 6.404/1976, art. 158,

§1º, 1ª parte)” ADAMEK, Marcelo Vieira Von. Op. cit. pp. 243 e 245

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Eis que surge, portanto, a distinção entre os deveres de vigilância nos órgãos

colegiados e não colegiados. Naqueles, em razão da forma de decisão, presume-se a

responsabilidade pelos atos uns dos outros, pois pressuposta a obrigação de conhecimento

destes atos. Nestes, não se presume o conhecimento e, deste modo, a responsabilidade. A

presunção será tanto menor quanto for a especialização ou complexidade das atividades, de

tal sorte que em uma grande companhia, que conte com diversos diretores, a probabilidade

de conhecimento mútuo das atividades será pequena128. Assim, estará fora da diligência

esperada que um diretor conheça e acompanhe todas as atividades exercidas pelos demais.

128 “(...) em organizações complexas, mormente nas macroempresas, a diligência normal e razoavelmente

exigível de cada administrador há que ser aferida em termos relativos, sob pena de se chegar até mesmo à

objetivação indevida da culpa, e no caso, à generalização indiscriminada da responsabilidade solidária dos

administradores, o que não é desejável nem muito menos justo.” GUERREIRO, José Alexandre Tavares.

Responsabilidade dos Administradores de Sociedades Anônimas. Revista de Direito Mercantil, Econômico e

Financeiro. Vol. 42. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1981.

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172

A administração das sociedades, conforme apontado supra, pode ser singular ou

plural, cabendo ao ato constitutivo, com as limitações impostas pela Lei, definir as funções

que cada um desempenhará na estrutura organizacional da pessoa jurídica. As combinações

são diversas, mas podemos apontar, em síntese, que a administração pode ser separada,

conjunta ou colegial. Esses modelos podem coexistir em uma sociedade.

A administração separada é aquela na qual se exige apenas a manifestação de um

membro da administração, que tem plenos poderes para praticar individualmente aquele

ato. Ele, por si só, é capaz de representar a sociedade em determinadas situações.

Na administração conjunta, o estatuto social ou a lei exigem que o ato seja

praticado com a participação de mais de um administrador, usualmente do mesmo órgão.

Exemplo disto é emissão de um cheque ou a celebração de um contrato de alto valor com a

assinatura de dois diretores. Na se trata de uma deliberação, apenas necessidade de

participação de mais de um membro da administração, usualmente como forma de se

garantir uma fiscalização para atos mais gravosos ou complexos.

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Na administração colegial, estamos falando da formação de vontade de um órgão

composto por diversos membros, que adota um procedimento para a deliberação. Neste,

não se diz que o ato foi praticado por este ou aquele, mas, no máximo, pela maioria. O

membro discordante da decisão deve consignar sua divergência e, se for o caso, agir para

evitar erro.

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174

Diante de todo o exposto, podemos depreender que a consequência do

descumprimento do dever de diligência no seu aspecto da fiscalização será a

responsabilidade solidária129 entre aquele que praticou o ato e aquele que não evitou o ato,

mas deveria ou poderia, todavia, importantes algumas distinções entre as hipóteses130.

129 Lei 6.404/1976 - Art. 158. (...) § 2º Os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos

causados em virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento

normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.

130 A situação apresentada pela Lei 6.404/76 não é nova, conforme podemos perceber dos apontamentos de

Waldemar FERREIRA, in verbis: “Aplica-se, então, a teoria dos atos ilícitos, que o art. 121 do Decreto-lei

nº. 2.627, de 26 de setembro de 1940, consagrou em têrmos precisos. Não ficou nisso, todavia, a lei.

Declarou-os, ademais, solidàriamente responsáveis pelos prejuízos causados pelo incumprimento das

obrigações ou deveres impostos por ela a fim de assegurar o funcionamento normal da sociedade, ainda que,

pelos estatutos tais deveres ou obrigações não caibam a todos, mas a um ou alguns. E os que, convencidos do

não cumprimento dessas obrigações ou deveres, por parte de seus predecessores, não levem ao conhecimento

da assembléia geral as irregularidades, tanto que verificadas, tornam-se por elas subsidiàriamente

responsáveis.” Instituições de Direito Comercial. 4ª edição. Vol. I. Max Limonad, São Paulo, 1954. A

responsabilidade por atos de antecessores, descobertos e não comunicados, era trazida pelo art. 122,

parágrafo único do referido Decreto-lei. A LSA traz norma semelhante no art. 158, § 4º. Cf. LAZZARESCHI

NETO, Alfredo Sérgio. Op. cit. p. 446

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Nas deliberações colegiadas a regra da presunção é invertida e a solidariedade é

presumida131, o mesmo vale para as deliberações conjuntas. Seria estranho aceitar que a lei

ou o estatuto criasse um mecanismo de fiscalização recíproca – assinatura conjunta – sem a

aplicação da responsabilidade solidária, pois o que se quer, na situação, é exatamente uma

divisão da responsabilidade entre todos os agentes competentes, criando um estímulo à

fiscalização.

131 “Na circunstância, porém, de o ato ilícito de outros administradores resultar ou for inerente a uma

estrutura de gestão não-colegiada, como ocorre na generalidade dos casos dos atos (ou omissões), inexiste a

presumida culpa do administrador que não praticou diretamente o ato ou não se omitiu em matéria alheia às

suas atribuições funcionais. Vigora plenamente na hipótese o postulado da incomunicabilidade da culpa,

invertendo-se o onus probandi. Caberá ao prejudicado a prova da conivência do administrador, de sua

negligência em descobrir o ilícito, ou de sua inércia no impedir a prática do ato danoso, de seu inequívoco

conhecimento.” GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Op. cit. p. 87

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A Lei das Sociedades Anônimas foi expressa ao consignar a responsabilidade do

administrador que por negligência permitir a prática de atos ilícitos por outro, sobretudo

quando puder tomar atos para impedir o ato ou seus efeitos132. O referido Art. 158 deixa

claro que quando não houver subordinação (poder-dever de intervenção), o ato deverá ser

comunicado ao conselho de administração ou ao conselho fiscal ou à assembleia geral.

132 Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da

sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar,

quando proceder: (...) § 1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores,

salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de

agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar

sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata

e por escrito ao órgão da administração, no conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembléia-geral.

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O fundamento último do dispositivo é fazer com que exista vigilância recíproca,

tendo em vista que ao negligenciar a fiscalização, o administrador que não praticou o ato

poderá ser igualmente responsável por ele e arcar com eventuais prejuízos dele advindos133.

A doutrina lembra que muitas vezes a diligência de um só seria suficiente para evitar o

prejuízo134.

133 Responsabilidade coletiva. Todos os administradores, relativamente aos deveres impostos por lei,

respondem solidariamente, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos (Lei 6.404/76, Art. 158,

§ 2º). Assim é para que exista vigilância mútua ou controle. A ressalva existente é no que tange aos atos

ilícitos (culpa e dolo), e mesmo assim cabe verificar se o administrador não se solidarizou pelo silêncio com

o ilícito do outro (TJRS, 1ª Câmara. AC 70007016645. j. 19.05.2004)

134 Cf. VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedades por ações. 2ª edição. Forense, Rio de Janeiro, 1953. p.

327

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Alfredo Sérgio LAZZARESCHI NETO135 chama a atenção para a situação de

responsabilidade por administrações pretéritas, ao dizer que “[H]averá também

solidariedade em caso de omissão de comunicação de ato ou fato que envolva

administradores anteriores (§4º)”136.

Não restam dúvidas, portanto, de que a fiscalização é dever de todos aqueles que

compõem os órgãos de administração, tanto inter alia quanto com seus subordinados.

Aqueles que descumprem seus deveres podem ser responsabilizados, incluindo tanto o

sujeito da ação quanto aqueles outros que, podendo, nada fizeram para evitar o ato. A

existência de dano para a sociedade não é pressuposto para caracterizar o descumprimento

dos deveres.

135 LAZZARESCHI NETO, Alfredo Sérgio. Op. cit. p. 446

136 Art. 158 (...) § 4º O administrador que, tendo conhecimento do não cumprimento desses deveres por seu

predecessor, ou pelo administrador competente nos termos do § 3º, deixar de comunicar o fato a assembléia-

geral, tornar-se-á por ele solidariamente responsável.

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O dever de diligência é de todos os administradores, sejam eles responsáveis pela

prática da administração propriamente dita – atos de gestão –, representação da sociedade

ou somente pela orientação geral dos negócios. Contudo, a divisão de competências, a

extensão dos poderes e a hierarquia na estrutura organizacional da pessoa jurídica vão

determinar indubitavelmente a forma como esse dever de diligência deve ser cumprido em

seus desdobramentos de fiscalização e intervenção.

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180

3.3. OUTROS POTENCIAIS DESDROBRAMENTOS E OS

FUNDAMENTOS DE SUA EXCLUSÃO DO DEVER DE

DILIGÊNCIA

Dissemos que a aplicação do dever de diligência aos casos concretos exige a

definição de seu conteúdo, com a indicação de elementos mais palpáveis, capazes de

permitir a avaliação das condutas tomadas pelos administradores. O dever de diligência é

um standard, uma cláusula geral, que necessita de concretização para atingir a sua função

jurídica.

Nesse sentido, defendemos que o elemento fundamental para essa concretização é

o dever de se informar, mais detalhadamente a obtenção e utilização de informações, de

forma adequada e eficiente, para a tomada de decisões fundamentadas e refletidas. Em

outras palavras, ter o cuidado e o zelo necessários ao exercício de uma discricionariedade à

frente da gestão de patrimônio e interesses de terceiros.

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Outros autores, contudo, indicam elementos adicionais para o dever de diligência,

sugerindo desdobramentos adicionais. Discordamos destes elementos, mas abordaremos

alguns deles a seguir por dois motivos: (i) todo trabalho acadêmico deve considerar os

estudos anteriores feitos sobre o assunto, exigindo-se, portanto, conhecimento mínimo

sobre o que já foi escrito e publicado sobre o tema escolhido; (ii) um instituto jurídico pode

ser definido não somente pelas características que lhe são atribuídas, mas também por

aquelas que lhe são excluídas. A inclusão de elementos no dever de diligência pode ser

complementada com a exclusão expressa de outros, algo que pode auxiliar na definição dos

contornos jurídicos do instituto.

Feito este alerta, passamos a abordar os desdobramentos ou “subdeveres” mais

citados pelos autores que escreveram anteriormente sobre o dever de diligência.

Comecemos pelo que se chamou de “dever de bem administrar”.

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Cumpre aos administradores a função de praticar os atos necessários ao

funcionamento da sociedade, sejam eles os atos de gestão propriamente ditos ou a

orientação e supervisão destes atos. Nesse sentido, é um dever, ou um poder-dever,

administrar a sociedade. Decorre da investidura no cargo e encerra-se com o fim do

mandato.

Assim, do ponto de vista lógico, o dever de administrar se inicia com aceitação do

cargo, tão logo o administrador tome posse. E no exercício desta função, o administrador

deve ser diligente. Diversos atos de gestão sequer estarão no âmbito de incidência direta do

dever de diligência em razão da sua prática obrigatória pelo administrador, ou seja, da

ausência de margem para discricionariedade.

Isso quer dizer que o dever de administrar é anterior e independente do dever de

diligência. Resta avaliar, deste modo, se o dever de diligência resultaria em alguma

adjetivação do dever de administrar como de “bem administrar”. Parece-nos que não.

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Com efeito, a adjetivação poderia ser incorretamente entendida como uma

imposição ao administrador de obter resultados positivos no exercício da sua função de

gestão da atividade social. Contudo, diante do que se mostrou até o momento, o dever de

diligência não parece indicar qualquer vinculação com os resultados da atividade

empresarial, mas tão somente com a forma em que as decisões sujeitas à discricionariedade

do administrador são tomadas.

A definição básica do dever de diligência está no cuidado ou zelo na prática dos

atos de gestão, sem qualquer atrelamento com o resultado final, que depende não somente

das decisões dos administradores, mas também de fatores externos à própria sociedade.

A afirmação de que do dever de diligência poderia ser extraído um dever de bem

administrar não auxilia na definição do conteúdo do instituto, muito pelo contrário, pode

causar confusões, na medida em que parece indicar uma responsabilidade pelos resultados

decorrentes do exercício da função. Assim, parece inadequada a referência ao dever de

bem administrar como desdobramento do dever de diligência.

Desfeita essa confusão, passemos ao “dever de se qualificar”, muito mais

complexo e interessante.

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184

Estaria o administrador obrigado, diante do dever de diligência, a obter

determinada qualificação ou titulação para o exercício de suas funções? Acreditamos que

não.

A confusão reside, utilizando a linguagem de Bobbio, na diferença entre “como é”

e “como deveria ser”. Com efeito, vimos que a Lei 6.404/1976 não atualizou o padrão de

conduta do bonus paterfamilias ou homem ativo e probo para conceito mais próximo do

direito comercial e, portanto, de um administrador profissional. Mostramos, inclusive, que

mesmo em países que fizeram essa atualização a exigência não é aceita com tranquilidade.

Assim, o desafio está em interpretar a imposição de um padrão de comportamento

calcado no cuidado e no zelo de um homem médio como fundamento para exigir do

administrador determinada capacitação técnica. Um desafio maior, decorrente deste

primeiro, estaria na especificação desta capacidade, com a indicação, com base na singela

redação do Art. 153, de qual a formação que preencheria esse requisito.

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Deste modo, parece-nos que a legislação brasileira não exige do administrador

brasileiro a qualificação técnica para o exercício da função e, portanto, a inexistência desta

qualidade não implica descumprimento do dever de diligência, pois cabe ao administrador

agir de maneira zelosa, cuidadosa, proba, mas não apresentar determinado curso superior,

pós-graduação, curso técnico ou qualificação semelhante.

Fábio Ulhoa COELHO137 sustenta a existência do dever de qualificação como

decorrência do dever de diligência, sugerindo, como resposta ao segundo desafio apontado

acima, o seu atrelamento com o curso superior de administração de empresas.

Não nos parece a melhor posição.

137 “O mais apropriado meio de operacionalização do standard do dever de diligência, segundo penso, é o de

considerá-lo em relação aos cânones da ‘ciência’ da administração de empresas. (...) Diligente, de acordo

com esta solução, é o administrador que observa os postulados daquele corpo de conhecimentos tecnológicos,

fazendo o que nele se recomenda e não fazendo o que se desaconselha. Tal forma de operacionalizar a norma

do Art. 153 da Lei 6.404/1976 parece-me extremamente objetiva, de modo a tornar o cumprimento do dever

passível de aferição através de pericia.” COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. p. 244

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186

Primeiro, porque não responde ao problema de se extrair tal dever da redação

atual do Art. 153, ou seja, de se exigir do administrador uma qualificação formal em

administração de empresas com base no dever de diligência. Segundo, porque a

administração de empresas não fornece, como sugerido, “cânones” ou teorias amplamente

e pacificamente aceitas por todos.

Sustentamos que o paradigma concreto seria o melhor para constatação do

cumprimento do dever de diligência, e que isto se daria exatamente em razão de se avaliar

a conduta pretérita do sujeito em análise, bem como de seu padrão profissional. Aquele que

escolhe o sujeito para ocupar o posto de administrador envidará esforços para selecionar o

melhor possível e mais adequado para o cargo. Desta forma, como o padrão de

comportamento, que é influenciado pela qualificação, importa para a escolha, o paradigma

concreto é o mais adequado138.

138 É, inclusive, considerado pela LSA como abuso de poder a eleição, pelo controlador, de administrador

sabidamente inapto. Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com

abuso de poder. § 1º São modalidades de exercício abusivo de poder: (...) d) eleger administrador ou fiscal

que sabe inapto, moral ou tecnicamente;

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187

Assim, prefere-se o administrador bem qualificado, mas não decorre do dever de

diligência a obrigação do administrador de se qualificar formalmente para a função. O

dever de diligência, ao menos no Brasil, não implica qualificação técnica, mas apenas

cuidado e zelo na gestão da empresa139. Como amplamente dissemos acima, a diligência

está na obtenção e utilização das informações necessárias para a gestão da sociedade,

sendo que essas informações podem vir de pessoas com as qualificações técnicas formais

exigidas para o levantamento, análise e tratamento dos dados. Dito de outra forma, o

administrador necessitará de contadores, engenheiros, advogados, médicos, dentre outros

139 “se a companhia deve alcançar os seus fins (escopo-fim) através do exercício da empresa (escopo-meio) o

conteúdo das atribuições dos administradores é integrado pela gestão social genérica, que abrange não só o

cumprimento da lei e do contrato societário, mas também o exercício da empresa, e nesse sentido, a exigência

de um padrão gerencial baseado na capacidade profissional é um imperativo da realidade. Daí por que o

modelo adotado pela Lei 6.404/76, no art. 153, do vir bonus vir optimus et purus, conquanto possa ser

alargado para albergar as exigências de uma gestão empresarial não se apresenta ainda perfeito, deixando e

evidenciar o aspecto da peritia artis...” BULGARELLI, Waldírio. Apontamentos sobre a responsabilidade

dos administradores das companhias. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. Nº.

50, Malheiros, São Paulo, 1983.

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profissionais, mas não decorre do seu dever de diligência apresentar essas ou outras

qualificações formais para exercer seu cargo.

Interessante seria para aqueles que defendem o dever de se qualificar como

desdobramento do dever de diligência, a nosso ver, argumentar no sentido de que a

diligência abarcaria tanto a imprudência quanto a imperícia, trazendo para a análise da

questão ensinamentos da doutrina civilista. Deste modo, possível dizer que sempre que o

legislador estabelecer um dever de diligência estará falando igualmente em dever de

perícia140.

140 “Em rigor, na idéia de negligência se inclui a de imprudência, bem como a de imperícia, pois aquele que

age com imprudência, negligencia em tomar as medidas de precaução aconselhadas para a situação em foco;

como, também, a pessoa que se propõe a realizar uma tarefa que requer conhecimentos especializados ou

alguma habilitação e a executa sem ter aqueles ou esta, obviamente negligenciou em obedecer às regras de

sua profissão e arte; todos agiram culposamente.” RODRIGUES, Silvio. Op. cit. p. 17. Silvio RODRIGUES

cita na sequencia Carlos de Carvalho, que diz ”A imperícia na arte ou profissão equivale à negligência.”

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Contudo, com base no afirmado por SILVIO RODRIGUES, seria necessário conhecer

as regras da profissão para averiguar o descumprimento. Desta forma, novamente devemos

lembrar que a administração de sociedades pode ser, e efetivamente é, executada por

pessoas das mais diferentes formações, não necessariamente graduadas em administração

de empresas, de tal sorte que ainda não encontramos um corpo uniforme e geralmente

aceito de regras, que possibilitaria a avaliação da conduta no seu aspecto técnico, como

seria possível, ainda que com certa dificuldade, por exemplo, com médicos, dentistas,

engenheiros, advogados, dentre outros141.

141 “The traditional interpretation of old case law is that directors are only liable for gross errors of judgment

amounting to negligence. Furthermore, there is no general professional standard of expertise required

of directors. Thus for example Farrar´s Company Law (3rd ed., 1991 at p. 397) commenting on leading case

of Re City Equitable Fire Insurance Co. Ltd [1925] Ch 407, states that degree of skill required ‘is a subjective

test with no minimum reasonable amount of skill being required. Under such a test less knowledge and

experience a director has, less skill is expected of him, and less likely he is to be liable when something goes

wrong.” (grifamos) HICKS, Andrew & GOO, S. H. Cases and materials on company law. 6ª edição. Oxford

University Press, Londres, 2008. p. 389

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Deste modo, devemos atentar para as diferenças entre o que a Lei exige e o que o

mercado de trabalho exige, não confundindo um com o outro. A qualificação técnica pode

ser requisito de mercado, sobretudo para as grandes empresas, mas não decorre da Lei.

Essa qualificação técnica pode variar entre diferentes sociedades, a depender do ramo de

atuação, ou sequer ser, efetivamente, exigida.

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A qualificação pode se tornar obrigatória quando o legislador atualizar o padrão

de conduta ou quando alguma norma especial assim o fizer. No Brasil, os administradores

de instituições financeiras estão sujeitos à regulação do Conselho Monetário Nacional, que

atualmente exige, por meio de resolução, determinadas características de qualificação

profissional142. Aliás, os demais normativos emitidos pelo Conselho Monetário Nacional e

pelo Banco Central do Brasil confirmam que a experiência profissional desempenha papel

mais importante na aprovação do indivíduo para exercício de cargos de administração em

instituições financeiras, muito mais que a educação formal. A preparação da documentação

para submissão prévia dos nomes ao Banco Central do Brasil deve destacar o exercício de

cargos de menor hierarquia na mesma instituição, de hierarquia semelhante em outras

142 Resolução do Conselho Monetário Nacional 3.041 de 2002:

Art. 4º É também condição para o exercício dos cargos de conselheiro de administração, de diretor ou de

sócio-gerente das instituições referidas no art. 1º possuir capacitação técnica compatível com as atribuições

do cargo para o qual foi eleito ou nomeado. Parágrafo 1º A capacitação técnica de que trata o caput deve ser

comprovada com base na formação acadêmica, experiência profissional ou em outros quesitos julgados

relevantes, por intermédio de declaração, justificada e firmada pelas instituições referidas no art. 1º,

submetida à avaliação do Banco Central do Brasil, concomitantemente aos correspondentes atos de eleição

ou nomeação.

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instituições, de outros países, por exemplo, ou conhecimentos adquiridos na administração

de sociedades não componentes do sistema financeiro.

Essa é a exceção que confirma a regra tanto defendida neste trabalho: não se pode

confundir exigências do mercado com aquelas feitas pela legislação. Assim, quando o

legislador, ou a quem é atribuída a função de regulamentação, entende que a qualificação é

componente essencial da gestão, a exigência é feita. E é exatamente o que vemos aqui, pois

neste caso, para esta atividade especial, resta cristalina a exigência de capacitação técnica,

seja ela fundada em formação acadêmica ou em experiência profissional, ou, conforme

gostaria MODESTO CARVALHOSA143, pela conjugação de ambas, as quais devem ser

devidamente comprovadas.

143 CARVALHOSA, Modesto. Op. cit. p. 228.

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Se o dever de qualificação decorresse logicamente do dever de diligência,

inúmeros administradores estariam hoje em desconformidade com a Lei, sujeitos à perda

de cargo e à responsabilidade civil decorrente do descumprimento. Vale lembrar que todas

as sociedades estão hoje abarcadas pelo dever de diligência, posto como norma geral pelo

Código Civil para todos os tipos, salvo as sociedades anônimas, que possuem disposição

específica pela Lei 6.404/76.

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3.4. O DEVER DE DILIGÊNCIA E A BUSINESS JUDGMENT RULE

A regra teria se originado do caso Otis & Co. v. Pennsylvania R. Co.144, no qual os

diretores foram acusados por alguns sócios de não terem conseguido o melhor preço na

venda de valores mobiliários emitidos pela companhia, em razão, segundo os demandantes,

de os diretores terem trabalhado somente com um único banco de investimento,

negligenciando a possibilidade de buscar no mercado o maior preço possível, o que teria

resultado em perdas.

144 Otis & Co. v. Pennsylvania R. Co., 61 F. Supp. 905 (D.C. Pa. 1945)

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A corte reconheceu que o curso de ação tomado pelos diretores parecia realmente

incorreto, mas que ele fora tomado de boa-fé e então não poderia resultar em

responsabilidade dos administradores, que agiram dentro das suas atribuições e tomaram

uma decisão segundo um julgamento empresarial honesto145. Nesse sentido, não poderiam

ser responsabilizados por eventuais prejuízos146.

Em um segundo caso147, os administradores foram acusados de negligência por

concordarem com a venda da sociedade somente com base nas alegações de um único

administrador, feitas durante, segundo constou no processo, em apenas duas horas de

reunião e com apenas uma breve apresentação oral.

145 Cf. LUCENA, José Waldecy. Das Sociedades Anônimas: comentários à lei. Vol. II. Renovar, Rio de

Janeiro, 2009. pp. 553-558

146 A regra é igualmente conhecida em vários outros países, inclusive na Europa. Em Portugal, como explica

Maria Elisabete Gomes RAMOS, a regra ficou conhecida como “insindicabilidade das opções de gestão”. A

autora cita obras e decisões da Itália, todas no mesmo sentido. Cf. RAMOS, Maira Elisabete Gomes. Op. cit.

p. 97

147 Smith v. Van Gorkom, 488 A.2d 858 (Del. 1985)

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Assim, apesar de o preço de venda ter alcançado um valor bem acima daquele que

seria o indicado pela cotação das ações em bolsa, a corte entendeu que, apesar de

inexistente a má-fé, os administradores não cumpriram com os seus deveres fiduciários,

sobretudo o dever de diligência, pois não efetivaram nenhum cuidado no sentido de apurar

se o preço oferecido era realmente justo, tomando uma decisão empresarial sem a

informação pertinente.

O mero exame das demonstrações financeiras da sociedade evidenciaria que os

recursos em caixa cobririam a oferta feita pela sociedade. Assim, a corte decidiu que a

inexistência de má-fé não é suficiente para afastar a responsabilidade, exigindo decisões

fundamentadas, bem informadas e planejadas (reasonable decisionmaking process) 148.

148 “A business judgment rule é uma descrição básica dos princípios aplicáveis à tomada de decisão dos

administradores com razoabilidade e devidamente informados, que não lhes permitem a responsabilização no

caso de a decisão se tornar, de certo modo, desastrosa ou má do ponto de vista da companhia. Assim, a

decisão será válida e obedecida pela companhia e não será anulada.” SILVA, ALEXANDRE COUTO. Op. cit. p. 1

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Interessante notar, como bem aponta ALEXANDRE COUTO SILVA149, que a regra

tem um duplo efeito, afastar a responsabilidade dos administradores por eventuais

prejuízos e evitar a revisão de atos por parte do Poder Judiciário. Desta forma, não se trata

apenas de responsabilizar ou não os administradores, mas da própria higidez jurídica da

decisão, que prevalece.

A responsabilidade civil usualmente recebe maior destaque em razão de suas

consequências (obrigação de reparar – indenização patrimonial), de uma forma que a

segunda consequência pode passar despercebida por alguns, mesmo sendo igualmente

importante em determinadas situações, sobretudo naquelas em que houver a divisão dos

acionistas em grupos, uns a favor e outros contra a decisão questionada. Veja, por

exemplo, os dois casos do direito norte-americano citados acima.

149 SILVA, Alexandre Couto. Op. cit. p. 3

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Contudo, não podemos esquecer que o ato nem sempre resulta em prejuízos para a

sociedade ou mesmo para os sócios, podendo até gerar lucros para a sociedade. Em

diversos casos, o que se pretende é, efetivamente, substituir a decisão tomada pelo

administrador por outra que se entende mais correta ou mais benéfica para determinado

grupo. Em outras palavras, o prejuízo não é necessário para caracterizar o descumprimento

do dever de diligência, e o pedido feito por quem propõe uma ação judicial não será

sempre de indenização, sendo possível buscar a destituição do administrador ou a

substituição de sua decisão por outra.

As regras jurisprudenciais norte-americanas são construídas em torno de

elementos que o julgador de cada caso procurará identificar. Em se tratando da business

judgment rule, a decisão deve ser tomada: (i) de boa-fé; (ii) informada; (iii) sem conflito de

interesses pessoais; (iv) no interesse da companhia.

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Com efeito, os requisitos acima combinam os elementos dos chamados deveres

fiduciários, ou seja, conjugam o dever de diligência e o dever de lealdade. Vê-se, portanto,

que o dever de diligência dos administradores esta imbricado com a business judgment

rule150.

Em outras palavras, o administrador que age em cumprimento do dever de

diligência e do dever de lealdade – regras de conduta – estaria protegido, junto com a sua

decisão, pela business judgment rule – regra de julgamento.

150 “Courts do not measure, weigh, or quantify directors´ judgments. We do not even decide if they are

reasonable in this context. Due care in the decision-making context is process due care only. Irrationality is

the outer limit of the business judgment rule. Irrationality may be the functional equivalent of the waste test

or it may tend to show that the decision is not made in good faith, which is a key ingredient of the business

judgment rule” (Brehm v. Eisner, 746 A.2d 244, 264 (Del. 2000) “The above description of the business

judgment rule is best understood by distinguishing between the duty of care and the business judgment rule.

The former can be seen as embracing a standard for officer and director conduct, whereas the latter embodies

a standard of judicial review.” COX, James D. & HAZEN, Thomas Lee. Corporations. 2ª edição. Aspen

Publishers, Nova Iorque, 2003. p. 184

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Assim, poderíamos concluir que bastaria ao judiciário verificar o cumprimento

dos deveres fiduciários, sem a necessidade de criar uma nova regra de avaliação. Contudo,

a jurisprudência norte-americana conferiu à business judgment rule algo de novo,

distanciando essa regra de revisão judicial dos deveres fiduciários, portanto, do dever de

diligência.

Esse distanciamento, marcado pelo pragmatismo norte-americano, representa a

escolha de um caminho que não esta isento de críticas, mas que apresenta aspectos

positivos importantes.

Com efeito, a aplicação reiterada da business judgment rule pelo judiciário de

Delaware enfatizou a procedimentalização da tomada de decisão, afastando-se de qualquer

verificação da substância do ato. O dever de diligência impõe um padrão de conduta

esperado do administrador, que poderia servir, portanto, para efetivamente avaliar as

decisões tomadas.

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A fundamentação da decisão e a demonstração do processo decisório –

informação – são elementos do dever de diligência, mas não esgotam o instituto. A

business judgment rule, ao pinçar o elemento informação do dever de diligência, acaba

permitindo que as decisões nunca sejam avaliadas em seu mérito, deixando a análise

meramente formal.

Contudo, devemos entender essa opção como uma solução para um mal ainda

maior, que ocorre quando as decisões dos administradores são analisadas no mérito e

substituídas pelo Poder Judiciário, por criatividade própria ou acolhendo pedido de autores

de ações judiciais.

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O desafio está, para colocar a questão de outra forma, no perigoso equilíbrio entre

a análise meramente formal e a utilização do dever de diligência como fundamento para

substituição das decisões tomadas pelos administradores. Nesse sentido é que a business

judgment rule representa a escolha de um caminho pragmático de solução do problema. Os

administradores são os legitimados para tomar a decisão, foram eleitos pelos sócios e

conhecem a atividade exercida pela sociedade. Deste modo, o Poder Judiciário só deve

intervir na decisão empresarial se ficar claro que ela foi tomada com desvio – falta de boa-

fé ou em conflito de interesses – ou sem as informações mínimas necessárias.

O caminho contrário poderia levar a armadilhas, como a discussão sobre interesse

social, representada pelas diversas teorias sobre contratualismo e institucionalismo, ou ao

recurso a conceitos de bem público ou função social da empresa. O atual movimento

enfrentado no Brasil de constitucionalização do direito privado e da constante utilização de

cláusulas abertas sem padronização de interpretações poderia facilmente levar a revisão

judicial indiscriminada de decisões empresariais.

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Assim, a business judgment rule pode realmente significar a quebra do dever de

diligência, caso a formalização da análise venha a permitir a utilização de instrumentos de

legitimação fraudulenta das decisões, como a criação de paper trail para justificar decisão

que não sobreviveria ao teste do dever de diligência.

Contudo, não podemos deixar de reconhecer que o caminho escolhido preserva

em maior grau os instrumentos societários de controle e supervisão dos administradores,

evitando a intromissão exagerada do Poder Judiciário. Aqueles que discordarem dos

administradores devem buscar os mecanismos internos de revisão das decisões ou de

substituição dos sujeitos, recorrendo ao Conselho de Administração, à Assembleia Geral

ou ao Conselho Fiscal. Em último caso, aquele que discorda deverá deixar a sociedade,

vendendo sua participação.

A proteção de grupos que não podem influenciar diretamente os órgãos sociais ou

manifestar a sua discordância por meio da venda das participações é feita por outros ramos

do Direito, como o Direito do Trabalho, do Consumidor, Falimentar ou Ambiental. Em

outras palavras, a regulamentação societária deve servir para a proteção dos sócios, outros

stakeholders podem ter os seus direitos preservados por legislações específicas.

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A business judgment rule é interessante, portanto, na medida em que pode ser

entendida como uma barreira auto imposta pelo Poder Judiciário, que se nega a atender

pedidos de grupos descontentes com o mérito das decisões empresariais, exigindo, para

tanto, a demonstração de abuso ou desvio no exercício da administração.

A questão que se coloca é se seria possível encontrar instituto semelhante no

Direito brasileiro.

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Alexandre Couto SILVA151 apresenta duas correntes, uma representada por

Waldirio BULGARELLI152, para o qual a business judgment rule teria sido transplantada

do direito norte-americano para o brasileiro em razão do disposto no art. 159, § 6º da Lei

6.404/1976153, e outra representada por Osmar Brina CORRÊA-LIMA154, segundo o qual a

regra teria sido copiada também, mas não indica nenhum fundamento legal nesse sentido,

151 SILVA, ALEXANDRE COUTO. Op. cit. p. 141 – Em consulta às fontes indicadas pelo autor nada

encontramos na obra de BULGARELLI sobre a business judgment rule, o trecho indicado por ele não faz

nenhuma menção a regra, muito menos sobre a sua adoção pelo ordenamento nacional. BULGARELLI trata

efetivamente da ação de responsabilidade civil contra os administradores e da hipótese de exclusão trazida

pela Lei 6404/76 em seu Art. 159. Cita-se, portanto, a passagem segundo ALEXANDRE COUTO SILVA.

152 BULGARELLI, Waldírio. Manual das sociedades anônimas. 8ª edição. Atlas, São Paulo, 1996. p. 177

153 Marcelo Vieira Von ADAMEK sustenta que o dispositivo legal apontado não constituiria o pretendido

pelo autor, já que o referido parágrafo sexto do art. 159 não traria nenhuma hipótese de “exclusão de culpa ou

escusa do dever de indenizar”. (Op. cit. p. 130) Na posição contrária, citando o referido dispositivo como

adoção da regra, embora sem todos os elementos, LUCENA, José Waldecy. Das Sociedades Anônimas:

comentários à lei. Renovar, Rio de Janeiro, 2009. p. 558

154 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedades anônimas.

Aide, Rio de Janeiro, 1989. p. 126

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apenas afirmando que os princípios que sustentam a sua aplicação seriam amplamente

conhecidos pelos “juristas da civil law”.

O art. 158 da Lei 6.404/1976 estabelece que os administradores não serão

responsabilizados pelas obrigações contraídas em virtude de ato regular de gestão, tendo-se

por ato regular aquele praticado dentro de suas atribuições e poderes, sem culpa ou dolo. O

art. 156, por sua vez, trata do conflito de interesses. A combinação destes dispositivos com

art. 159, §6º, segundo o qual o administrador não deve ser responsabilizado por eventuais

prejuízos quando agir de boa-fé e no interesse da sociedade, pode conseguir efeitos

semelhantes aos da business judgment rule.

Assim, vemos que o citado dispositivo não traz por si só a regra do direito norte-

americano, mas a combinação com as demais regras aplicáveis acaba por construir quase a

mesma sistemática. Diz-se quase porque a proteção alcança apenas a exclusão da

responsabilidade mediante deliberação do juiz, o que consiste em apenas parte da regra, a

qual também protege a própria decisão, que não poderia ser avaliada em seu mérito.

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É importante notar que o art. 159 trata das ações de responsabilidade movidas

contra os administradores por prejuízos sofridos pela sociedade. O referido parágrafo sexto

deste artigo prevê a exclusão de responsabilidade do administrador que tiver causado

danos, mas que tenha agido de boa-fé e no interesse da sociedade.

Na verdade, esse dispositivo apenas reconhece algo que deveria ser decorrência

lógica do sistema. O administrador que age de boa-fé e no interesse da companhia,

respeitando seus deveres, principalmente o dever de diligência, não pode responder por

prejuízos advindos de eventual incorreção da decisão empresarial tomada.

Não se pode esquecer que a business judgment rule é uma regra processual, que

não deve ser confundida com os institutos de direito material, como é o dever de

diligência. Todavia, não se pode negar a relação, principalmente os efeitos recíprocos, na

medida em que a aplicação da business judgment rule pode ser o reconhecimento judicial

do cumprimento do dever de diligência.

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A regra, na verdade, impõe aos interessados a demonstração de que os

administradores descumpriram seus deveres fiduciários, dentre eles o dever de diligência.

É uma atribuição do ônus probatório, que parece decorrer naturalmente das regras

encontradas em nosso Código de Processo Civil, na medida em que já cabe ao autor da

ação judicial provar os fatos constitutivos de seu direito, neste caso, o descumprimento

pelos administradores de seus deveres fiduciários.

A conclusão que se chega é que a business judgment rule não pode ser encontrada

no Brasil em um único dispositivo legal, o que não impede, porém, a sua aplicação

mediante a combinação sistemática de diversos institutos.

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4. A RELAÇÃO DO DEVER DE DILIGÊNCIA COM OS REGIMES

DE RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade do administrador de sociedades pode ser dividida conforme a

natureza do seu ato, a saber, se praticado dentro dos limites da lei e do ato constitutivo da

pessoa jurídica administrada ou se, pelo contrário, contra Lei ou ato constitutivo.

Na segunda hipótese, estaríamos – sempre – tratando de ato ilícito.

Na primeira, contudo, teríamos uma necessária subdivisão, a saber, se o ato for

praticado com culpa ou dolo ou sem esses elementos. Nesta hipótese não há, portanto,

ilicitude peremptória, exigindo-se uma análise do ato praticado para caracterizá-lo como

ilícito. Podemos ter nesta categoria tanto atos regulares quanto atos irregulares de gestão.

Em outras palavras, quando o ato é praticado com infração da Lei ou dos estatutos

sociais fica clara a irregularidade. Contudo, quando o ato é praticado nos limites da Lei e

dos estatutos sociais, é necessário aprofundar a análise para verificar se o ato foi regular ou

não, a depender da existência de culpa ou dolo.

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Na Lei das Sociedades Anônimas podemos vislumbrar um esboço desta divisão,

presente no Art. 158, estando a primeira categoria no inciso “I” e a segunda no inciso

“II”155 do referido artigo156. Assim, podemos utilizar a separação feita pela Lei 6.404/1976

como ponto de partida para a discussão que pretendemos neste capítulo.

A expressão “ato regular de gestão” já era utilizada pelo Decreto-Lei 2.627/1940,

em seu Art. 121, sendo também adotada pela Lei 6.404/1976, no Art. 158. Conforme se

mostrou, o elemento central da definição de administração é exatamente o ato de gestão, ou

seja, a atividade consistirá em sua prática efetiva ou em sua orientação ou supervisão.

155 Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da

sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar,

quando proceder: I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; II - com violação da lei ou do

estatuto.

156 “Sem prejuízo do questionamento cabível acerca da distinção entre as hipóteses previstas nos incs. I e II

do citado art. 158 da Lei das S/A, três seriam as regras dedutíveis dos comandos desse artigo, a saber: (i) a

irresponsabilidade do administrador por atos regulares de gestão (Lei 6.404/1976, art. 158, caput); e, pelo

contrário, a sua responsabilidade civil por comportamento antijurídico, quando, (ii) dentro de suas atribuições

ou poderes, proceder com culpa ou dolo (Lei 6.404/1976, art. 158, I) ou (iii) agir com violação da lei ou do

estatuto (Lei 6.404/1976, art. 158, II).” ADAMEK, Marcelo Vieira Von. Op. cit. p. 211

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Deste modo, para que o ato praticado seja hígido, bem como para que o

administrador fique isento de responsabilidade, esses atos de gestão devem ser regulares.

Porém, não é possível encontrar na Lei, de forma direta, a definição de ato regular de

gestão.

Entretanto, podemos construir um conceito de ato regular de gestão por exclusão,

indicando, a contrario sensu, o ato irregular de gestão. Pode parecer um truísmo, mas será

regular todo ato de gestão que não for irregular. Como não é possível definir previamente

que é um ato regular de gestão, partiremos da conceituação de ato irregular de gestão.

Com efeito, mencionamos acima que o Art. 158 separa a responsabilidade do

administrador em três regras: “(i) a irresponsabilidade do administrador por atos regulares

de gestão (Lei 6.404/1976, art. 158, caput); e, pelo contrário, a sua responsabilidade civil

por comportamento antijurídico, quando, (ii) dentro de suas atribuições ou poderes,

proceder com culpa ou dolo (Lei 6.404/1976, art. 158, I) ou (iii) agir com violação da lei

ou do estatuto (Lei 6.404/1976, art. 158, II).”

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Ato irregular de gestão é, portanto, aquele abarcado pelas duas últimas hipóteses

listadas acima, ou seja, praticado dentro das atribuições do administrador, mas com culpa

ou dolo, ou em infração direta ao estatuto social ou à Lei.

A violação pode ser classificada em direta ou indireta, pois aquele que age dentro

de suas atribuições com culpa ou dolo dificilmente não estaria infringindo algum de seus

deveres, os quais são estabelecidos por lei, ou seja, se a classificação estiver correta,

estaremos mais diante de uma questão processual – forma de apuração da responsabilidade

– do que de distinção para fins de regularidade da gestão. Apesar de toda a discussão,

bastaria dizer que é ato irregular de gestão qualquer um praticado pelos administradores

que possa ser incluído em qualquer dos incisos do Art. 158 da Lei 6.404/1976.

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A distinção é feita na medida em que a violação do inciso “I” estaria ligada ao

descumprimento dos deveres, mais especificamente do dever de diligência, enquanto as

condutas abarcadas pelo inciso “II” seriam relacionadas à violação da lei ou do estatuto nas

partes não pertinentes aos deveres da administração. Assim, a violação do inciso “I” ocorre

quando o administrador age dentro de sua discricionariedade, mas sem atender aos

fundamentos que permitem a margem para decisão. Há necessidade de se provar o erro do

administrador. A violação do inciso “II”, por sua vez, inverte o raciocínio e faz com que o

ato seja considerado ilícito, cabendo ao administrador provar que não deve ser

responsabilizado em razão da existência de alguma excludente.

JOSE WALDECY LUCENA parece concordar com essa conclusão, sustentando que a

ideia por traz das condutas é a mesma, sendo preocupação dos legisladores de 1891, 1940 e

1976 distinguirem o administrador que age dentro de suas atribuições e poderes daquele

que os excede. A distinção “embora didática, não tem o condão, a nosso juízo, de influir na

qualificação da culpa que se imputa ao improbus administrator.”157

157 LUCENA, José Waldecy. Das Sociedades Anônimas...p. 565

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Diante disto, será irregular todo ato de gestão que violar a lei ou o estatuto social

ou que for praticado sem a observância dos deveres impostos aos administradores, dentre

eles o dever de diligência158. Por exclusão, são regulares todos os atos praticados pelos

administradores segundo seus deveres e que estiverem “de conformidade com a lei e o

estatuto”.

Como bem adverte JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO, estamos diante de

uma verdadeira tautologia, contudo, como a locução ato regular de gestão não é definida

legalmente, necessário “conhecer o que a lei veda ao administrador. Em outras palavras,

cumpre captar o sentido do ato irregular de gestão.”159

158 “Por fim, é imperioso que se reconheça que, na apreciação da culpa do administrador de sociedade

anônima, para o efeito de caracterização de sua responsabilidade civil, a aferição do cumprimento do dever

de diligência afigura-se essencial e imprescindível...” Idem. Op. cit. p. 79

159 GUERREIRO, José Alexandre. Responsabilidade dos administradores de sociedades anônimas. Revista

de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro. N. 42, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo,

1981.

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Vemos, ao final, que um ato de gestão praticado nos limites estatutários e legais

somente poderá ser inquinado se for provado que a sua pratica se deu por culpa ou dolo,

avaliando-se, no caso, a utilização da discricionariedade dada pela Lei e pelos estatutos ao

responsável pela pratica do ato. Essa avaliação se dá fundamentalmente pela verificação do

cumprimento do dever de diligência.

Com efeito, ao tratarmos do dever de diligência, e de sua violação, estaremos

diante de ato de gestão praticado dentro das atribuições do administrador, sem violação,

portanto, da Lei ou do ato constitutivo da sociedade, mas que de alguma forma não

cumpriu com determinado padrão de conduta esperado daquele indivíduo. Em outras

palavras, quando falamos em dever de diligência necessariamente enfrentaremos o debate

acerca da adequação ou da fundamentação do ato, mas nunca se este estaria ou não dentro

das atribuições do administrador, ou se violaria ou não a Lei.

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216

O deve de diligência é previsto em Lei, sendo possível encarar a sua violação

também como uma afronta à Lei, ou seja, abarcada pelo segundo inciso do Art. 158.

Contudo, a interpretação do dispositivo é necessária para separar as hipóteses e não

incorrer em um pensamento cíclico. A violação do dever de diligência encontra-se no

primeiro inciso do Art. 158 porque o dever de diligência só tem a sua incidência quando o

administrador age discricionariamente, o que ocorre quando no exercício de suas funções

ele toma decisões dentro de suas atribuições e em respeito à legislação160.

160 “A culpa lato sensu (culpa ou dolo), referida na lei acionária, corresponde à culpa civil (CC, art. 186).

Mas, para bem caracterizá-la, é necessário recorrer ao standard específico do dever de diligência (Lei

6.404/1976, art. 153).” ADAMEK, Marcelo Vieira Von. Op. cit. p. 213

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O dever de diligência não impõe obrigações autônomas, nem pode ser violado

quando o administrador pratica atos vinculados, sobre os quais não tinha escolha. Ele traz

um padrão de comportamento, que deve ser respeitado quando do exercício de atribuições

dentro dos limites legais e estatutários. Assim, podemos dizer que uma das hipóteses do

Art. 158 se resume ao descumprimento do dever de diligência, ou seja, quando o

administrador executa um ato dentro dos limites legais e segundo as duas competências

estatutárias, mas o faz de uma maneira divergente do padrão de conduta esperado. Esse

desvio pode ter ocorrido por culpa, quando ausentes o cuidado e o zelo necessários, ou por

dolo, quando a irregularidade é intencional.

Se existe a possibilidade de discussão de culpa ou dolo, estamos diante de um

regramento de responsabilidade subjetiva. Se essa possibilidade não existisse, de tal forma

que os administradores pudessem ser responsabilizados por seus atos independentemente

de culpa ou dolo, estaríamos diante de um regramento de responsabilidade objetiva.

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Vemos, portanto, que as discussões sobre dever de diligência, na medida em que

debatem elementos de culpa, como cuidado, zelo, razoabilidade, fazem sentido apenas

quando a responsabilidade civil é subjetiva. Se a legislação determinasse de pronto a

responsabilidade objetiva dos administradores, o dever de diligência perderia sua função,

pois em último caso bastaria a existência de dano para caracterizar a responsabilidade, não

sendo necessária qualquer avaliação sobre a conduta do administrador.

No mesmo sentido, bastaria a inexistência de dano para a sociedade para eliminar

qualquer debate, algo muito diferente do que ocorrer no campo do dever de diligência, para

o qual os resultados de um ato para a sociedade não implicam, necessariamente,

descumprimento do dever de diligência, bem como não isentam o administrador de

eventual descumprimento. Em outras palavras, um resultado negativo não significa

descumprimento do dever, bem como um resultado positivo não representa cumprimento

do dever.

Para enfrentar esse problema, propomos um paralelo entre a função de

administração e as obrigações de meio.

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As obrigações de meio são assim denominadas em contraposição com as

obrigações de resultado. A nomenclatura é bastante intuitiva, mas cumpre tecer algumas

considerações e, por fim, estabelecer a ligação desta classificação com o estudo do dever

de diligência.

Nas obrigações de resultado discutir-se-á se o fim prometido pelo sujeito passivo

da obrigação foi efetivamente cumprido, de tal sorte que o resultado vai implicar satisfação

ou não da obrigação assumida, ou seja, para aferição do adimplemento é necessário

verificar se o sujeito alcançou o resultado prometido. A culpa e a conduta do sujeito são

irrelevantes na constatação do cumprimento da obrigação.

Nas obrigações de meio, muito pelo contrário, pois o que se vai averiguar é a

conduta do devedor da obrigação, de tal forma que o sujeito assume apenas a obrigação de

empenhar seus melhores esforços no cumprimento, sempre almejando o melhor resultado,

mas a sua consecução, ou não, não implicará adimplemento ou inadimplemento da

obrigação.

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220

Assim, se na gestão de uma sociedade o administrador assumir a obrigação de

trazer os resultados esperados pelos sócios, a obrigação será de resultado, se, pelo

contrário, assumir a obrigação de envidar seus melhores esforços para atingir esses

resultados, mas sem se comprometer a consegui-los, a obrigação é de meio. Usualmente

ocorre a segunda hipótese, não a primeira.

Nesse sentido, exatamente porque importa a conduta, é que a legislação traz uma

série de deveres para moldar o comportamento dos administradores, dentre eles o de

diligência. Se a obrigação do administrador fosse a obtenção do resultado,

independentemente das medidas tomadas, respeitados os limites legais, em nada o

legislador precisaria se preocupar com a conduta dos gestores. Não importaria, portanto,

averiguar a discricionariedade dos administradores, seu padrão de conduta, a formação de

suas opiniões, a forma como chegou à determinada decisão.

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Com efeito, o administrador, quando assume a sociedade, pretende (presumida a

boa-fé) alcançar os melhores resultados possíveis, desempenhando suas funções com toda

a sua diligência, aqui entendida em todos os seus aspectos, não significando apenas

cuidado, mas também supervisão de subordinados, informação e fundamentação das

decisões, preparação técnica para o cargo conforme a complexidade e as exigências da

empresa, dentre outros.

Assim, a administração encontra paralelo nas “obrigações de meio”, não somente

porque seu resultado é afetado pela álea dos negócios e não pode servir para aferir o

adimplemento, mas porque, sobretudo, o seu cumprimento está relacionado com a efetiva

conduta do sujeito, que será, quando colocada em discussão, analisada segundo um dos

paradigmas, ou concreto ou abstrato.

Se o administrador alega que empenhou seus melhores esforços e fundamentou

sua conduta no dever de diligência, deverá o interessado provar o contrário. A mera

existência de dano não serve para caracterizar o descumprimento de suas obrigações, da

mesma forma que a não existência de dano também não serve para caracterizar o

cumprimento.

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Em outras palavras, considerando que na administração importa a conduta

possível do indivíduo, o dever de diligência (sua observância) vai determinar se a conduta

foi efetivamente a melhor que poderia ou se, pelo contrário, ao sujeito teria sido possível

agir de forma mais apropriada, supervisionando seus empregados, acumulando maiores

informações, tomando o cuidado pertinente para a situação enfrentada.

Os resultados esperados são sempre os melhores possíveis para a sociedade, mas

caso não aconteçam, o administrador não pode ser responsabilizado se agiu de forma

diligente, de tal forma que se prejuízos ocorrerem eles devem ser imputados aos riscos do

mercado e da condução de uma empresa, mas não aos administradores, que cumpriram

com a sua obrigação de agir e tomar decisões de forma diligente.

Conclui-se, portanto, que a ocorrência de prejuízo por si só não é suficiente para

auferir o cumprimento do dever de diligência, contudo, questão mais instigante surge ao

invertermos o raciocínio e perguntar se a ocorrência lucro, por sua vez, seria suficiente

para demonstrar o cumprimento do dever.

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Com efeito, a existência de lucros nas operações da sociedade podem também

resultar de álea, positiva no caso, da assunção de riscos não devidamente planejados e que

por circunstâncias do mercado beneficiaram a sociedade.

Como bem aponta MARCELO VIEIRA VON ADAMEK161:

“Os lucros podem ser fruto de ilícitos. Ou da assunção de riscos

desmedidos e de operações estranhas ao objeto social. (...)

Portanto, a simples obtenção de lucros não abona a gestão social

nem isenta o administrador de ser chamado a responder pelos seus

atos.”

Deste modo, a ausência de dano pode até afastar a responsabilidade civil do

administrador, pois pode haver responsabilidade sem culpa, mas nunca sem dano, todavia

o administrador não diligente poderá ser afastado do cargo em razão do descumprimento

de um dos seus deveres. Não só isso, conforme expusemos a respeito dos deveres de

fiscalizar e intervir, existirá obrigação dos demais administradores, sobretudo se existente a

relação de supervisão, de apontar o comportamento desconforme e tomar as providências

para o seu afastamento.

161 ADAMEK, Marcelo Vieira Von. Op. cit. p. 134

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Esse é o regramento mais coerente com a existência do dever de diligência, no

qual a responsabilidade do administrador é subjetiva, calcada na execução de atos dentro

da Lei e dos limites estatutários, que serão inquinados somente se praticados sem o devido

cuidado ou zelo com o patrimônio social, não importando o resultado final da decisão, mas

apenas as sua formação, que deve seguir o padrão de conduta esperado.

Porém, o regime da responsabilidade subjetiva não é o único existente, sendo

necessário avaliar, portanto, os impactos dos outros regimes nessa questão, mais

precisamente as consequências da responsabilidade objetiva para o instituto. A definição

básica de responsabilidade objetiva se dá pela desnecessidade de avaliação de culpa ou

dolo, bastando a prática do ato e a ocorrência do dano, o que, como se pode vislumbrar,

pode implicar total desconsideração do dever de diligência.

Com efeito, ao tratarmos da responsabilidade dos administradores de instituições

financeiras surgem as disposições da Lei 6.024/74 e as tão múltiplas e divergentes

interpretações de seus artigos.

No que tange a responsabilidade dos administradores, merecem destaque dois

dispositivos da referida Lei, a saber:

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Art. 39. Os administradores e membros do Conselho Fiscal de

instituições financeiras responderão, qualquer tempo salvo

prescrição extintiva, pelos atos que tiverem praticado ou omissões

em que houverem incorrido.

Art. 40. Os administradores de instituições financeiras respondem

solidariamente pelas obrigações por elas assumidas durante sua

gestão até que se cumpram.

Parágrafo único. A responsabilidade solidária se circunscreverá

ao montante dos prejuízos causados.

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As divergências na doutrina e na jurisprudência162 estão em saber se esses

dispositivos estabelecem ou não uma responsabilidade objetiva dos administradores,

construindo um regramento especial163 164. Travou-se uma verdadeira batalha acerca da

interpretação destes dispositivos, dividindo opiniões165.

162 REsp 447.939/SP; REsp 172.736/RO; REsp 171.748/RO; REsp 257573/DF; REsp 448.471/MG

163 WILSON DO EGITO COELHO demonstra que a responsabilidade subjetiva, muito provavelmente pela

influência francesa, espalhou-se como regra pelo mundo, calcada na regra de justiça de que uma pessoa não

pode ser responsabilizada por um dano se por ele não concorreu. A responsabilidade subjetiva aponta o autor

é a regra do direito societário, inclusive, sendo assim entendida mesmo diante da ausência de dispositivos

legais expressos. Cf. COELHO, Wilson do Egito. Da responsabilidade dos administradores das sociedades

por ações em face da nova lei e da lei 6.024/74. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e

Financeiro. Nº. 40. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1980, pp. 37-40

164 Cf. GUERREIRO, José Alexandre. Responsabilidade dos administradores de sociedades anônimas.

Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro. N. 42. Editora Revista dos Tribunais, São

Paulo, 1981.

165 Ivo WAISBERG faz uma compilação de posições ou correntes em seu livro, separando cada pelo nome

dos principais defensores. Cf. A responsabilidade civil dos administradores de bancos comerciais. Revista

dos tribunais, São Paulo, 2002. p. 107 e ss.

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227

A situação é tão complexa, que o próprio escopo de aplicação da referida Lei

causa divergências, pois partes da doutrina e da jurisprudência parecem entender que tais

dispositivos seriam aplicáveis somente nas hipóteses de insolvência das instituições,

outras, porém, realizam a aplicação como exceção da regra geral, regulando a

responsabilidade dos administradores de instituições financeiras em todos os casos, e não

somente quando da decretação de intervenção especial ou falência. O assunto é, portanto,

controvertido, necessitando de debate ou mesmo de profundas alterações legislativas para

aclarar seus dispositivos166.

No que concerne ao escopo de aplicação da referida Lei, vale citar as palavras de

MODESTO CARVALHOSA167:

“A responsabilidade objetiva dos administradores de instituições

financeiras, em qualquer hipótese, foi consolidada na Lei 6.024,

de 1974, que versa sobre a intervenção e liquidação extrajudicial

das instituições financeiras e demais sociedades a elas ligadas.

(...)”

166 A alteração da legislação também é sugerida por IVO WAISBERG. Op. cit. p. 149

167 CARVALHOSA, Modesto. Responsabilidade Civil dos Administradores das Companhias Abertas.

Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. Vol. 49. Malheiros, São Paulo, 1982. pp.

19-20

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228

Vemos, deste modo, que segundo o referido autor a responsabilidade

supostamente objetiva seria aplicável em qualquer caso para os administradores de

instituições financeiras, bastando existir uma obrigação assumida pela instituição

financeira e ainda não honrada.

HAROLDO MALHEIROS DUCLERC VERÇOSA, divergindo desta posição, explica que

referida lei somente é aplicável às instituições financeiras “sob regime de intervenção,

liquidação extrajudicial, administração especial temporária ou falência”168:

168 (...) não há dúvidas quanto ao fato de que, no direito brasileiro, o regime legal ordinário funda-se na

responsabilidade subjetiva, reservando-se a objetiva para situações legais casuísticas.

“Assim, o primeiro problema resolvido pelos estudiosos correspondeu à constatação de que a Lei 6.024/74 e

o Dec.-lei 2.321/87, na esteira de documentos anteriores, criaram, precisamente, de forma excepcional, um

sistema de responsabilidade objetiva dos administradores de instituições financeiras, sob regime de

intervenção, liquidação extrajudicial, administração especial temporária ou falência.” VERÇOSA, Haroldo

Malheiros Duclerc. Responsabilidade Civil Especial nas Instituições Financeiras e nos Consórcios em

Liquidação Extrajudicial. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1993, pp. 86 e 87

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Há, inclusive, aqueles que fazem uma separação no escopo de aplicação da Lei

6.024/76, dizendo que o art. 39 regularia a responsabilidade dos administradores por

prejuízos causados à sociedade, independentemente da insolvência ou não da instituição. O

art. 40, por sua vez, traria a responsabilidade objetiva, mas, neste caso, somente quando da

insolvência da instituição financeira169.

O debate sobre o regime criado pela legislação é interessante, merecendo uma

resposta mais conclusiva. Contudo, para o que nos interessa tratar, cumpre destacar a

pergunta: se o regime legal fosse o da responsabilidade civil objetiva, quais seriam os

impactos nas condutas dos administradores?

169 LOPES, Mauro Brandão apud TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de. Liquidação extrajudicial de

instituições financeiras: alguns aspectos polêmicos. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e

Financeiro. Nº. 60. Malheiros, São Paulo, 1985. p. 32

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Ao conceituar responsabilidade civil, dizemos, em linhas gerais, ser a obrigação

de uma pessoa reparar o prejuízo causado a outra. Do ponto de vista da legalidade,

diríamos que, diante da ocorrência de ato que é considerado ilícito pelo Direito, aplica-se

uma sanção patrimonial. Se o sujeito comete um ato danoso contra alguém, deve indenizar-

lhe.

Para a análise econômica do Direito, essa sanção – a responsabilidade civil – pode

ser vista de dois ângulos: é um custo e, portanto, um incentivo negativo à prática do ato

proibido e, da mesma forma, um incentivo positivo para atuar segundo a conduta esperada.

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Assim, para o olhar da análise econômica do Direito importa muito mais o efeito

de dissuasão da responsabilidade civil do que o pagamento propriamente dito da

indenização170. São relevantes na análise econômica as definições de quem deve ser

responsável pelo dano, a melhor forma de se calcular a indenização, dentre outras

considerações sobre eficiência do sistema. O administrador – agente racional e

maximizador – enxergará a responsabilidade civil como incentivo para cumprimento de

seus deveres e um possível custo de sua atividade, o qual poderá ser contrabalançado com

os benefícios que podem ser extraídos desta atividade.

170 SCHAFER, Hans-Bernd & OTT, Claus. The economic analysis of civil law. Edward Elgar Publishing,

Northampton, 204. pp. 107 e ss

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Dito de outra maneira, a doutrina civilista considera a responsabilidade civil

principalmente sob o ponto de vista da Justiça, ou seja, da obrigação de indenizar, pois o

que interessaria, ao final, seria a recomposição do prejuízo indevidamente sofrido.

Contudo, de uma perspectiva de Direito e Economia, analisando a questão dos

comportamentos individuais, merece destaque o papel de incentivo da responsabilidade

civil, que pode ser entendido como positivo – reforço ao comportamento esperado – ou

negativo – punição do comportamento desconforme.

Nessa perspectiva, qual seria o regime de responsabilidade civil mais eficiente e

quais seriam, portanto, os impactos do regime escolhido para o dever de diligência?

Do ponto de vista da indenização, a responsabilidade objetiva não apresenta

nenhum ganho de eficiência em relação à responsabilidade subjetiva. O procedimento de

apuração muda de uma para outra, mas seu fim – a indenização – não.

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Assim, faz mais sentido considerar a responsabilidade civil dos administradores

em sua perspectiva de incentivo ao comportamento esperado, pois, no que tange à

indenização – compensação integral do prejuízo sofrido –, não existem ganhos com relação

à responsabilidade subjetiva. Em outras palavras, no que respeita a indenização, o

problema não está no regime – subjetivo ou objetivo –, pois em ambos os casos os

patrimônios passiveis de constrição continuam o mesmos. Vale dizer que responsabilidade

subjetiva não significa irresponsabilidade civil, mas apenas um ônus maior do sujeito

lesado em buscar a reparação.

Portanto, se considerarmos a responsabilidade subjetiva como regra geral do

ordenamento, afirmação também válida para o Direito Societário, a mudança para o regime

da responsabilidade objetiva não traria qualquer ganho significativo de eficiência no que

tange ao patrimônio disponível para indenização de eventuais lesados.

A atividade de administração, conforme mencionado anteriormente, encontra

paralelo nas obrigações de meio, caracterizando-se pelo esforço do devedor no

desempenho de sua obrigação, e não necessariamente pelo resultado.

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Da perspectiva da análise econômica, é avaliado o nível de precaução do

indivíduo no exercício de suas funções. A ocorrência do dano é um acidente, cuja

probabilidade seria determinada nível de prevenção dos indivíduos171. O cálculo do nível

ótimo de precaução segue a regra do custo marginal, ou seja, para cada incremento deve

existir um benefício igual ou superior na prevenção do acidente ou na redução de seu

montante172.

A ocorrência do evento indesejado depende, também, do nível de atividade da

pessoa. A probabilidade de ocorrência de um acidente automobilístico depende não

somente das precauções tomadas pelo motorista do veículo (nível de precaução), mas

também do número de quilômetros que ele dirige (nível de atividade).

171 RODRIGUES, Vasco. Análise Económica do Direito. Almedina, Coimbra, 2007.

MICELI, Thomas J. The economic approach to law. Palo Alto: Stanford University Press, 2008.

POLINSKY, Mitchell A. An Introduction to Law and Economics. 3ª edição. New York: Aspen Publishers,

2003.

172 COOTER, Robert & ULEN, Thomas. Law & Economics. 5ª edicao, Pearson Education, Boston, 2008.

pp. 332 e ss

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No caso de uma instituição financeira, o maior dos riscos estaria na

impossibilidade de se devolver aos depositantes o dinheiro entregue por eles para as

aplicações que a instituição realiza e, em segundo lugar, não restituir ao menos o capital

aplicado pelos sócios. Esse risco cresce à medida que a atividade da sociedade cresce, ou

seja, quanto mais ela captar e emprestar, maior poderá ser a sua responsabilidade.

Assim, o nível de atividade determinaria o volume de recursos com os quais a

instituição financeira trabalha, e seu nível de precaução incidiria na forma como esses

recursos são trabalhados, sobretudo do ponto de vista dos empréstimos. Com efeito, um

nível maior de precaução da instituição financeira provavelmente seria percebido em duas

frentes: i) promessa de pagamento de uma remuneração menor pelos recursos recebidos; ii)

exigência de maiores garantias ou cobrança de maiores taxas de juros nos empréstimos.

Dito isso, qual seria o impacto da responsabilidade objetiva na questão?

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A responsabilidade objetiva atrela o risco do administrador ao risco da sociedade.

Em outras palavras, retomando o paralelo, a responsabilidade objetiva do administrador faz

que sua obrigação de meio torne-se uma obrigação de resultado e que, portanto, sua

responsabilização não dependa mais de seu nível de precaução, mas do sucesso da

atividade da instituição financeira. E na medida em que a responsabilidade da instituição

financeira decorre de seu nível de atividade e de seu nível de precaução, o administrador

somente poderá mitigar sua própria responsabilidade quando atuar diretamente na

exposição da sociedade que administra, ou seja, modificando os níveis de precaução e de

atividade da companhia.

O administrador somente conseguirá mitigar o seu risco na medida em que reduzir

o risco da sociedade, o que poderá ser feito, de forma determinante, com redução do nível

de atividade ou aumento do nível de precaução da instituição. A responsabilidade objetiva

do administrador afetará, portanto, a relação da sociedade com terceiros.

No caso de uma instituição financeira, as suas relações tanto com seus

depositantes quanto com os seus tomadores de empréstimo. Tomemos esse exemplo para

discutir alguns pensamentos.

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237

Desnecessário argumentar sobre a importância das instituições financeiras para a

economia de um país. A intermediação realizada por elas e a concessão de crédito,

principalmente por meio da criação de moeda escritural, são fundamentais, não somente

para o consumo, mas também para a produção.

Na perspectiva do nível de atividade, a redução geral pelas instituições provocaria

um encolhimento do mercado, com uma redução do saldo total de crédito disponível. As

instituições financeiras receberiam menos depósitos e emprestariam uma quantidade menor

de recursos.

Como a atividade é reduzida, a expectativa de lucro da instituição financeira

também deve ser, o que resultará em menor distribuição de dividendos para os sócios. Do

ponto de vista da teoria da agência, seria do interesse dos sócios que isso ocorresse? A

tendência da instituição é se tornar mais sólida, perpetuando-se, mas com uma distribuição

de lucros cada vez menor.

Do ponto de vista do nível de precaução, a análise pode ser dividida entre a

relação com os depositantes e a relação com os tomadores.

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238

Com relação aos depositantes, o aumento do nível de precaução implicaria

diminuição dos valores pagos, oferecendo remunerações menores pelo dinheiro aplicado

na instituição. A situação poderia levar os depositantes a simplesmente perderem o

interesse nos depósitos, buscando outras formas de investimento. No limite, as taxas de

remuneração poderiam ser tão baixas que a instituição financeira apresentaria duas

funções: i) apenas evitar a perda do poder de compra da moeda, remunerando somente o

suficiente para cobrir a correção monetária; ii) atuar como cofre, um local seguro para

guardar os valores; o contrato de conta-corrente seria reduzido ao contrato de depósito.

Com relação aos tomadores, o aumento do nível de precaução traria aumento de

exigências para concessão de empréstimos ou elevação das taxas de juros cobradas. O

aumento das garantias reduz o risco de inadimplemento total. Em outras palavras, a

elevação das taxas de juros faz que aqueles que pagam seus empréstimos arquem com a

inadimplência daqueles que não efetuam seus pagamentos, ou seja, o cálculo leva em

consideração a taxa de inadimplência média do mercado, e não as condições específicas de

cada devedor.

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239

Um dos resultados desse aumento no nível de precaução com certeza será a

exclusão de tomadores do mercado.

Com efeito, na medida em que as garantias exigidas crescem e as taxas de juros

aumentam, teremos uma parte do mercado – demanda – que não encontrará oferta.

Diversas pessoas não serão capazes de cumprir com as exigências – garantias – ou não

serão capazes de pagar taxas de juros tão altas. O mercado de crédito fica, nesse sentido,

incompleto, tendo em vista que pessoas que desejam tomar empréstimos não os

conseguirão (demanda sem oferta).

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240

O cotidiano parece demonstrar essa situação, já que parte do crédito ao consumo

foi transferida para as próprias fornecedoras de produtos, bem como parte considerável do

crédito das pequenas e médias empresas vem de factorings173. É, sem sombra de dúvidas, a

exclusão de indivíduos do mercado formal de crédito.174 Nas duas situações, o crédito é

concedido fora do Sistema Financeiro Nacional.175

173 Segundo a Associação Nacional de Sociedades de Fomento Mercantil, as operações de seus associados

registraram no exercício de 2008 ativos financeiros em torno de R$ 80 bilhões, um acréscimo de 14,5% sobre

o ano anterior. (<http://www.anfac.com.br/>)

174 Uma prova da existência de milhares de pessoas sem acesso ao crédito formal é o crescimento do crédito

consignado em folha, que aumentou em 705% entre dezembro de 2004 e agosto de 2010. Cf. Relatório de

inclusão financeira elaborado pelo Banco Central do Brasil, disponível em

<http://www.bcb.gov.br/Nor/relincfin/relatorio_inclusao_financeira.pdf>.

175 A situação é conhecida como desintermediação bancária, consistindo, em brevíssima síntese, na

eliminação ou substituição dos bancos do papel de intermediação entre poupadores e tomadores.

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241

A responsabilidade objetiva com certeza não é a única responsável, mas, diante do

raciocínio exposto acima, razoável considerá-la como um dos elementos. Não se tem

conhecimento de um estudo empírico específico sobre a questão, mas vale mencionar um

realizado sobre a responsabilidade civil dos administradores de trusts176.

Segundo esse estudo, as legislações de diversos estados norte-americanos sobre a

responsabilidade dos administradores dos trust funds foram modificadas, abandonando-se a

prudent man rule em favor da prudent investor rule. De acordo com o primeiro paradigma,

os administradores dos trusts deveriam optar por investimentos de baixo risco, com os

títulos federais, bem como evitar a especulação no mercado de ações. Ademais, os

investimentos seriam avaliados individualmente, e não como uma carteira, ou seja, um

resultado geral positivo não afastaria a responsabilidade do administrador caso algum dos

investimentos fosse negativo.

176 SCHANZENBACH, Max M.; SITKOFF, Robert H. Did Reform of Prudent Trust Investment Laws

Change Trust Portfolio Allocation? Journal of Law and Economics, v. 50, 2007. Disponível em

<http://ssrn.com/abstract=868761>. Acesso em: 14 de abril de 2011.

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242

As consequências desse conservadorismo, segundo os dados levantados pelos

autores do estudo, eram: i) redução geral da atividade econômica, tendo em vista que parte

considerável dos recursos disponíveis para financiar a atividade produtiva poderia vir

desses patrimônios; ii) alguns dos fundos passaram a apresentar rendimentos inferiores à

taxa da inflação.

A conclusão do estudo corrobora com a conclusão de que o sistema de

responsabilidade pode tornar os administradores muito mais conservadores, afetando

diretamente a atividade econômica do país. Algo que parece bom a princípio, mostra-se, ao

final, prejudicial, tanto aos próprios interessados quanto à economia do país.

Ademais, as constatações acima podem indicar uma tendência que seria bastante

ruim para o Sistema Financeiro Nacional, consistente na padronização das instituições

financeiras.

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243

Desnecessário demonstrar que em um sistema financeiro – mercado de crédito –

podem existir investidores e tomadores com diferentes perfis, ou seja, com

posicionamentos diferentes em relação ao risco (avesso, neutro, favorável). É natural,

portanto, encontrar pessoas nesse mercado com diferentes objetivos. Alguns estão lá

realmente apenas para obter algum rendimento e conservar, ao menos em parte, o poder de

compra da moeda; esses são os usuais utilizadores da poupança. Há outros, no entanto, que

desejam aplicações de retorno maior, aceitando, nesse sentido, um risco maior.

Do lado dos tomadores, o mesmo. Há alguns que a depender das taxas de juros

cobradas não tomarão o empréstimo, preferindo não realizar o investimento ou o consumo.

Há outros que pela natureza do negócio estarão dispostos a assumir o pagamento de uma

taxa maior de juros para financiar algo que pode ser considerado como uma oportunidade

de crescimento ou um novo negócio para a empresa. Entre o maior risco e o menor risco,

há uma gama de variações.

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244

Isso é possível porque os depositantes que desejam maior remuneração

encontrarão instituições financeiras que trabalham com esse perfil, as quais, por sua vez,

emprestam para tomadores também de maior risco, mas que as remuneram também em

maior grau.177

177 “[…] what is the goal of the corporation? Is it profit, and for whom? Social welfare more broadly defined?

Is there anything wrong with corporate charity? Should corporations try to maximize profit over the long run

or the short run? Our response to such questions is: who cares? If the New York Times is formed to publish a

newspaper first and make a profit second, no one should be allowed to object. Those who came in at the

beginning consented, and those who came later bought stock the price of which reflected the corporation is

tempered commitment to a profit objective. If a corporation is started with a promise to pay half of the profits

to the employees rather than the equity investors, that too is simply a term of the contract. It will be an

experiment. Professors might not expect the experiment to succeed, but such expectations by strangers to the

bargain are no objection. Similarly, if a bank is formed with a declared purpose of giving priority to loans to

minority-owned businesses or third-world nations, that is a matter for the venturers to settle among

themselves. So too if a corporation, on building a plant, undertakes never to leave the community.”

EASTERBROOK, Frank H. & FISCHEL, Daniel R. The Economic Structure of Corporate Law. Cambridge:

Harvard University Press, 1996. pp. 35 e 36.

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245

Contudo, se os incentivos dados pela legislação – aplicada de maneira uniforme a

todos – forem no sentido de elevação cada vez maior do nível de precaução e diminuição

do nível de atividade, passaremos a encontrar no mercado somente instituições de baixo

risco. Isso quer dizer que os depositantes interessados em maior remuneração em troca de

risco maior não encontrarão uma instituição nesse perfil. O mesmo vale para os tomadores.

Assim, teríamos uma padronização excessiva do mercado, com a exclusão de parte de seus

agentes. Nesse caso, existiriam pessoas dispostas a emprestar – oferta – e pessoas dispostas

e tomar o empréstimo – demanda – que não seriam atendidas.

A legislação, sobretudo do ponto de vista da regulação, deve permitir a existência

do chamado investidor racional.

Com efeito, conforme exposto acima, o investidor deveria ir ao mercado em busca

do melhor retorno possível para o capital que possui, deparando-se com uma série de

possibilidades, todas definidas em termos de risco versus retorno. O investidor racional

será aquele que optar pela melhor configuração existente para o seu caso, provavelmente

definido pela sua relação com o risco (avesso, neutro, favorável).

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Assim, se um investidor opta pelo maior risco, mas igualmente recebe a

possibilidade de obter o melhor retorno, podemos dizer que ele é racional; contudo, se ele

opta pelo maior risco sem esperar o melhor retorno, podemos também com certeza dizer

que ele não foi racional. Nesse sentido, o legislador deve se preocupar com a quantidade

eficiente (ótima) de informações necessárias para que o investidor possa agir

racionalmente e segundo o seu perfil178. É o que se convencionou chamar de suitability179.

178 POSNER, Eric A. ProCD v. Zeidenberg and Cognitive Overload in Contractual Bargaining. University

of Chicago Law Review, v. 77, n. 4, 2010. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=1499414>. Acesso em:

14 de abril de 2011.

179 CHOI, Stephen J. Regulating Investors Not Issuers: A Market-Based Proposal. California Law Review,

2000. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=202049>. Acesso em: 14 de abril de 2011.

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247

Isso é igualmente válido também do ponto de vista dos sócios, ou seja, dificílimo

dizer se aquele que adquire ações de uma instituição financeira pretende receber

dividendos ou vender a participação com lucro no futuro. Assim, impossível dizer que a

responsabilidade objetiva é a melhor medida no sentido de vincular o comportamento do

administrador, como agente, aos interesses dos sócios, como principais. No mesmo

sentido, o melhor seria permitir a existência de perfis diferentes de instituição, deixando

aos indivíduos a escolha da instituição na qual eles desejam adquirir uma participação. Isso

vale tanto para controladores quanto para não controladores180.

180 “o principal objetivo comum de todos os seus membros é aquele puramente instrumental de assegurar a

formação de uma ordem abstrata que não tem propósitos específicos, mas que propiciará a todos maiores

possibilidades de realizar os seus respectivos propósitos [...] a grande vantagem da ordem espontânea de

mercado é ser apenas voltada para meios, tornando assim desnecessária a concordância com relação aos fins

e possível a conciliação de propósitos divergentes.” HAYEK, Friedrich A. Direito, legislação e liberdade. v.

II. Tradução de Henry Maksoud. Visão, São Paulo, 1985. pp. 134 e ss

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248

Essa visão já é encontrada no mercado de valores mobiliários, no qual algumas

operações são permitidas apenas aos investidores qualificados ou, de outro lado, proibidas

para os investidores institucionais. Se determinado empreendimento fracassar logo após a

sua abertura de capital, por exemplo, não há que se questionar sobre responsabilidade civil

dos administradores. Para isenção da operação, basta, em brevíssima síntese, que o

prospecto de lançamento valores mobiliários seja considerado adequado, contendo todas as

informações necessárias para avaliação do risco e do possível retorno, segundo a categoria

do investidor.

Sabemos que todo empreendimento envolve risco, a empresa pode falhar por mais

que todos os agentes se esforcem. Um empresário, ciente desse fato universal, pode decidir

investir em diferentes ramos de negócio. Um investidor, também ciente dos riscos, pode

escolher aplicar sua poupança em diferentes sociedades ou produtos financeiros. Essas

medidas nada mais são que uma diversificação visando diminuir o risco médio até um

nível que seja suportado pelo individuo. Os administradores, pelo contrário, não poderiam

fazer o mesmo.

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Com efeito, não costuma ser permitido aos administradores trabalhar em duas ou

mais sociedades, as quais ele escolheria segundo uma combinação de riscos.

Considerando-se que a responsabilidade objetiva atrela o risco de administrador com o

risco da atividade e que a diversificação não é possível, restaria ao administrador dois

caminhos: i) fazer que a sociedade por ele administrada diminua o risco; ii) fazer a opção

pela sociedade de menor risco.

A primeira foi discutida acima, ou seja, atuação nos níveis de precaução e

atividade da sociedade administrada. Discutiremos agora a segunda possibilidade.

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250

Se considerássemos a existência de um mercado de administradores, seria o de

instituições financeiras diferente dos demais ou teríamos, na verdade, um grande e

indistinto mercado de trabalho? São necessários estudos empíricos para demonstrar a

realidade, mas diante da ausência de proibições legais, podemos presumir a mobilidade, ou

seja, um administrador pode migrar tanto de uma instituição financeira para outra como

para um ramo diferente de negócios. Na verdade, considerando-se a existência de critérios

legais de qualificação do administrador de instituições financeira, seria mais fácil sair do

que ingressar nesse mercado.181- 182.

181 A entrada no ramo, na verdade, impõe barreiras aos interessados, exigindo algumas características

especiais daquele que pretende administrar instituições financeiras. Todavia, a saída é plenamente livre.

Destacamos a Resolução do Conselho Monetário Nacional 3.041 de 2002, a qual determina que os

administradores e os membros do Conselho Fiscal, além de outras características, possuam qualificação

técnica para o exercício do cargo, in verbis: “Art. 4º É também condição para o exercício dos cargos de

conselheiro de administração, de diretor ou de sócio-gerente das instituições referidas no art. 1º possuir

capacitação técnica compatível com as atribuições do cargo para o qual foi eleito ou nomeado. § 1º A

capacitação técnica de que trata o caput deve ser comprovada com base na formação acadêmica, experiência

profissional ou em outros quesitos julgados relevantes, por intermédio de declaração, justificada e firmada

pelas instituições referidas no art. 1º, submetida à avaliação do Banco Central do Brasil, concomitantemente

aos correspondentes atos de eleição ou nomeação.”

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251

Assim, diante do risco de ver todo o seu patrimônio utilizado para pagar dívidas

da instituição financeira administrada, ele pode escolher não atuar nesse ramo, migrando

para outras áreas em que o risco seja suportável para ele ou, se optar pelo risco, requisitar

uma remuneração muito superior àquela que seria acertada normalmente entre as partes.

Todavia, essa remuneração possui um limite, dificilmente alcançando valores suficientes

182 “Com efeito, Halperin chama atenção para o fato de que ‘la responsabilidad objetiva impondría

responsabilizar al director en todos los casos en que La sociedad sufra algún perjuicio en razón de La

administración, lo que no solo llevaría a que las personas capaces y responsables no aceptaran desempeñarse

como directores, sino a que éstas garantizaran el buen resultado de los negocios’ (Sociedades anónimas,

Depalma, 2. Ed., 1998, p. 548).” LAZZARESCHI NETO, Alfredo Sérgio. Op. cit. p. 408

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para cobrir eventual responsabilidade decorrente da insolvência de uma instituição

financeira.183

Aliás, recente regulação emitida pelo Conselho Monetário Nacional, por meio da

Resolução 3.291/2010, impõe importantes restrições às remunerações pagas pelas

instituições financeiras para seus administradores. A consequência provável é a perda de

bons profissionais e, em um segundo momento, a substituição destes por outros não tão

bons. É o que conhecemos como seleção adversa.

183 “Finally, directors are not in the same position as the firm´s outside auditors or its investment bankers,

who serve many firms and can thus spread their risk of liability. Rather, directors serve at most relatively

firms, and this fact may make them poor ‘cost avoiders’ because they cannot effectively absorb potential

liability as a cost of doing business by incorporating it into the price they charge for their services. Given the

inevitability that some risky business decisions will result in failure, the prospect of judicial ‘second

guessing’ might make corporate officials overly risk averse, to the detriment of shareholders.” KLEIN,

William A.; COFFEE JR., John C. Business Organization and Finance: legal and economic principles. 10ª

ed. Foundation Press, Nova York, 2007. p. 157

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Em síntese, o regime de responsabilidade civil, se subjetiva ou objetiva, apresenta

grandes influências para o dever de diligência. A combinação ideal é encontrada no regime

da responsabilidade civil subjetiva, no qual é relevante a conduta adotada pelo sujeito. O

resultado negativo pode ocorrer, mas não é suficiente para caracterizar a responsabilidade

do agente, pois o que interessa é forma como ele exerceu as atividades próprias de seu

cargo. O regime da responsabilidade civil objetiva atrela diretamente o risco do

administrador ao risco da sociedade, tendendo a criar uma situação na qual o administrador

procurará a diminuição dos níveis de atividade e um aumento dos níveis de precaução da

sociedade como forma de diminuir seu próprio risco de responsabilização, podendo

acarretar impactos negativos para a atividade econômica.

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5. A IMPORTÂNCIA DO OBJETO SOCIAL PARA O DEVER DE

DILIGÊNCIA

Ao longo do trabalho, procuramos lançar as bases teóricas para compreensão do

dever de diligência. Abordamos a discussão sobre os paradigmas de atuação e de como

esses possíveis padrões de comportamento implicam diferentes incentivos para os

administradores de sociedades, ajudando a moldar a conduta destes administradores com

relação ao risco.

O risco, em suas diversas modalidades, é algo natural da atividade empresarial. É

com base nele que a sociedade obtém o seu lucro, na medida em que congrega diferentes

fatores de produção para produção de bens e serviços com a expectativa de atender ao

mercado. Nessa atividade de produção de bens e serviços, a sociedade realiza

investimentos, desenvolve produtos, traça suas estratégias de vendas, os quais podem ou

não levarem ao sucesso.

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255

Assim, é importante entender que o dever de diligência não deve servir como

engessamento da atividade, como algo que funcionará como completa eliminação dos

riscos aos quais a atividade empresarial, por natureza, está sujeita. O dever de diligência,

como manifestação do Direito sobre a realidade econômica, deve fornecer as bases

necessárias para a construção de incentivos adequados, sendo suficientemente flexível para

permitir que os agentes moldem suas relações segundo suas racionalidades econômicas.

O desafio está, portanto, em encontrar uma construção jurídica que resulte em um

sistema equilibrado, o qual não trave as relações econômicas, mas que forneça elementos

para orientação e responsabilização dos agentes. O problema é, deste modo, prover

segurança jurídica sem eliminar a dinamicidade das relações, lidando de maneira adequada

com algo que é natural: o risco.

Como dissemos anteriormente, um sistema jurídico no qual os administradores

são responsabilizados por qualquer equívoco é tão ruim quanto um sistema jurídico no qual

os administradores nunca são responsabilizados.

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Com isso em mente, procuramos construir o conteúdo do dever de diligência de

uma forma que fosse mais adequada para as relações econômicas que ele visa tutelar. Para

completar essa construção, passaremos a tecer alguns pensamentos sobre a possibilidade de

determinar, com base no dever de diligência, as situações em que um determinado risco era

natural ou necessário e, como consequência, as situações nas quais o administrador

envolveu a sociedade em riscos desnecessários ou excessivos.

MARIA ELISABETE GOMES RAMOS assim pondera:

“Alguns autores tentam densificar o critério da diligência exigível

aos membros da administração recorrendo ao conceito de

ragionevolezza184. Partindo do princípio de que aos membros do

órgão de administração é reconhecida uma certa margem de

discricionariedade e que, nesse universo, os comportamentos

diligentes, rectius, razoáveis, ocupam uma certa área e não um só

comportamento, alguma doutrina italiana defende a convocação

do parâmetro da razoabilidade da solução adoptada, em ordem a

apurar se a decisão tomada extravasou ou não dos limites da

discricionariedade. Segundo este critério, terão relevo, sob o ponto

de vista da responsabilidade, os comportamentos decisivamente

não razoáveis.”185

Adiante a autora esclarece melhor seu pensamento, ao dizer:

184 ARRIGONI, Alessandro. La responsabilità sociale degli amministratori tra regole e principi.

Giurisprudenza commerciale, II, 1990. p. 141.

185 RAMOS, Maria Elisabete Gomes. Op. cit. p. 90

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“Para os autores que identificam a diligência dos administradores

com a ragionevolezza da decisão administrativa, fazem parte do

risco da empresa todo o conjunto de actuações que são tomadas

tendo em conta um certo grau de racionalidade. Por outro lado,

segundo o mesmo critério, estão fora do risco da empresa(e, por

isso, pertencem à área do risco de negligência) as escolhas e

decisões que sejam absolutamente irrazoáveis, porque envolvem

um risco que não é absolutamente necessário, tendo em conta as

circunstâncias.”186

Podemos sustentar, portanto, que a integralidade do risco incidente sobre a

sociedade é formada parte pelos riscos de mercado e parte pelos riscos provocados por

decisões não diligentes dos administradores, deste modo se o prejuízo sofrido não pode ser

imputado ao risco de mercado, provavelmente fora causado por comportamento não

diligente dos administradores.

186 RAMOS, Maria Elisabete Gomes. Op. cit. p. 91

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Assim, diante destas explicações, resta claro que ao falarmos de razoabilidade, ou

de sua falta, não estaremos tratando de erro patente e por isso grosseiro, mas sim de

parâmetros para se determinar se a assunção de determinado risco era mesmo necessária à

sociedade diante das circunstâncias e do caso concreto. Há, portanto, uma ligação entre

diligência e razoabilidade, de tal sorte que é diligente o administrador que toma decisões

razoáveis e, por sua vez, são razoáveis as decisões que não implicam risco excessivo ou

desnecessário para a sociedade187.

187 “Entre os deveres positivos de boa gestão, aponta a mais moderna doutrina, o dos administradores realizar

do melhor modo possível os objetivos sociais e empregar do melhor modo possível os esforços de auferir

benefícios para a sociedade. Entre os deveres negativos de boa gestão, a vedação à inércia. Claro que são

obrigações de meio e não de resultado, não se podendo exigir dos administradores uma "perspicácia sem

falhas", mas pode-se exigir que cumpram com seriedade suas tarefas e não adotem medidas evidentemente

não-razoáveis” citando Esteie Scholastique, Le devoir de diligence des administrateurs de societês. Droit

français et anglais. Paris, LGDJ, 1.998, p. 198. (TJSP - Apelação Cível nº. 394 133 4/1-00)

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Cabem aos administradores a obtenção e a utilização das informações pertinentes,

transformando, na medida do possível, incerteza em risco. Diante do risco, calculado e

planejado segundo as informações disponíveis, o administrador adotará um

comportamento. Esse comportamento estará, portanto, atrelado ao dever de diligência,

pois: (i) a decisão somente será possível se o administrador obtiver e utilizar as

informações necessárias (dever se informar); (ii) é a interpretação dos limites do dever de

diligência e, principalmente, do padrão de conduta adotado pela Lei que determinará a

adequação da posição com relação ao risco adotada pelo administrador.

Deste modo, concluímos que cumpre o seu dever de diligência o administrador

que age fundamentadamente, pois informado, não submetendo a empresa a maiores riscos

que a sua própria atividade ou mesmo o mercado já implicam. A atividade empresarial é

por si só arriscada, porque envolve uma combinação de fatores que podem levar ou não ao

sucesso da empresa, assim o agravamento do risco de forma desnecessária implica falta de

diligência por parte do administrador.

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260

O elemento determinante para essa análise, o qual permite a verificação da

razoabilidade do risco, é o objeto social da companhia. É o objeto social que fornecerá os

limites de atuação do administrador, determinando quais riscos são, portanto, necessários

ou desnecessários.

Para abordar esse ponto, propomos a análise da crise financeira de 2008, mais

precisamente da atuação dos administradores nos eventos que compuseram a origem desta

crise. Como é de conhecimento, parte das discussões gira em torno da utilização de

complexos instrumentos financeiros, amplamente adotados por algumas companhias

brasileiras, dos quais resultaram enormes prejuízos.

Como de praxe, a descoberta de um grande problema provoca uma verdadeira

“caça às bruxas”, com todos os envolvidos acusando-se mutuamente. Nesse caso, os

holofotes foram colocados principalmente sobre os diretores financeiros destas companhias

e, em segundo plano, sobre os membros dos respectivos conselhos de administração,

muitas vezes responsáveis por autorizar, além de fiscalizar, tais operações.

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261

Surge, diante disto, uma análise acerca da discricionariedade administrativa e,

mais propriamente, da observância, ou não, do dever de diligência quando da utilização

dos derivativos.

Como estes instrumentos financeiros têm fundamento no tratamento de riscos, são

interessantes para demonstrar a relação entre o dever de diligência e risco, ou seja, sobre a

forma como um administrador diligente trataria a assunção de riscos pela sociedade que ele

gere. O debate, conforme se demonstrará, complementará as noções desenvolvidas

anteriormente sobre discricionariedade e erro.

A denominação da crise como “subprime” vem da classificação dos agentes

econômicos que estavam na base do problema, assim chamados em razão do alto risco de

inadimplemento por geralmente não apresentarem comprovação de renda, emprego formal,

bens ou qualquer outra forma de garantia e, em alguns casos, por já apresentarem histórico

de inadimplementos. Existiam, portanto, segundo essa classificação, os tomadores prime e

os tomadores subprime.

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262

Contudo, como o mercado imobiliário nos Estados Unidos da América estava

bastante aquecido, apresentando altas consecutivas, acreditou-se que os imóveis poderiam

servir de garantia hipotecária para financiamentos, de tal sorte que os empréstimos, em

razão da valorização dos bens e dos baixos juros então cobrados, nunca superariam o valor

da garantia. Como se pode notar, é a descrição clássica de uma “bolha”, na qual os

fundamentos de valorização desaparecem e o aumento dos preços dos ativos se dá

simplesmente pela expectativa de continuidade da alta188.

Quando da concessão dos empréstimos, os juros eram baixos, todavia, a taxa

efetivamente cobrada era calculada no momento do pagamento, ou seja, não havia garantia

de que as taxas continuariam baixas. Tinha-se, deste modo, no início da pirâmide, um ou

mais empréstimos com garantia real e a confiança de que o valor dos imóveis seria sempre

maior que a dívida acumulada.

188 Cf. POSNER, Richard. A Failure of Capitalism: The Crisis of '08 and the Descent into Depression.

Harvard University Press, Cambridge, 2011. STIGLITZ, Joseph, E. Freefall: America, Free Markets, and the

Sinking of the World Economy. W. W. Norton & Company, Nova Iorque, 2010.

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263

As instituições financeiras que concediam esses empréstimos emitiam diversos

títulos para a captação de recursos, todos lastreados nessas hipotecas, bem como em

garantias dadas pelos clientes chamados prime. Outras instituições ou fundos, por sua vez,

emitiram outros títulos com base nesses títulos recebidos, formando uma cadeia de

derivativos, todos, em última instância, tendo em grande parte como “ativo subjacente” as

hipotecas subprime. Porém, apesar do fundamento ruim, esses títulos receberam boas

recomendações e notas das agências de rating, espalhando-se pelo mercado financeiro

internacional.

A crise tem início quando as taxas de juros começaram a subir para combater a

inflação em alta nos Estados Unidos da América e o mercado imobiliário para de crescer,

acarretando maior inadimplência. O aumento da inadimplência gera, de imediato, duas

consequências: a) exposição dos fundamentos ruins dos títulos; b) perda acentuada de valor

desses títulos. O mercado acaba envolvido em um círculo vicioso de inadimplência,

desvalorização dos imóveis e busca pelo resgate dos títulos, que culminou na insolvência

de algumas instituições financeiras e em uma forte crise de confiança no sistema

financeiro.

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264

Interessante destacar alguns pontos.

Primeiro, que um dos pilares da crise está na utilização inadequada dos

instrumentos derivativos, que ao invés de promover a securitização das operações

financeiras acabaram por criar uma gigantesca massa de créditos ruins por meio de

seguidas alavancagens, realizadas com a emissão encadeada de títulos lastreados ao final

em maus pagadores.

Segundo, que a crise de confiança fez com que diversos investidores escolhessem

a opção considerada por muitos como a mais segura, os títulos emitidos pelo Tesouro dos

Estados Unidos da América, provocando, em síntese, a alta da cotação do dólar

estadunidense com relação às outras moedas. Até então a taxa de câmbio de Dólar para

Real seguia caindo e índice da Bolsa de São Paulo em constante valorização.

Terceiro, a crise financeira afeta a economia real, resultando em desemprego,

restrição do crédito, retração econômica e, em muitos lugares, recessão.

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No Brasil, todos esses efeitos foram sentidos, mas são importantes para este

trabalho a valorização do dólar e os inúmeros anúncios de companhias brasileiras de

previsões para perdas em decorrência dessa valorização. Foi, então, que veio o alerta sobre

diversas sociedades na iminência de sofrer consideráveis prejuízos, já que haviam

acumulado uma carteira de instrumentos derivativos, confiando na tendência de alta da

moeda brasileira em relação ao dólar.

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Essas companhias, por serem grandes exportadoras e por muitas vezes possuírem

receitas também em moeda estrangeira, utilizavam, ao que se pensava, esses instrumentos

para operações de hedge, protegendo-se de variações das taxas de câmbio. Todavia, os

desdobramentos demonstraram que as operações com derivativos foram muito além da

proteção, extravasando os limites do hedge, de reduzir ou eliminar o risco, e passando para

a especulação189.

189 “Hedge é uma proteção contra riscos oriundos de situações desfavoráveis que modificam os preços dos

ativos possuídos, como ações, títulos, taxas de juros, commodities, paridade cambial entre moedas

estrangeiras etc. Funciona como um seguro, visando reduzir ou até eliminar o risco. (...) A decisão de fazer

um hedge pressupõe a existência de um risco inicial que se deseja proteger, podendo ser oriundo da atividade

no mercado financeiro ou da própria atividade comercial de uma empresa. (...) A principal motivação de um

hedge é dar proteção, podendo ou não oferecer um ganho na operação. Transfere o risco de um agente

econômico para outro, que o assume pelo seu caráter especulativo ou por apresentar uma visão dos negócios

diferente daquele que faz o hedge.” ASSAF Neto, Alexandre. Finanças Corporativas e valor. 3ª edição,

Atlas, São Paulo, 2008. p. 310

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A operação de hedge é viabilizada por meio de instrumentos financeiros

conhecidos como derivativos, uma tradução direta do inglês derivative, pois esses

instrumentos têm os seus valores derivados ou resultantes de outros ativos, que podem ser

uma ação, uma taxa de câmbio entre duas moedas, a cotação de uma commodity, dentre

outros, normalmente chamados de “ativo subjacente” ou “ativo de referência”.

Como bem explica LAURO DE ARAÚJO DA SILVA NETO190, o mercado de

derivativos surge de exigências das empresas, sobretudo as multinacionais, feitas aos

bancos, de formas mais eficientes de financiamento de suas atividades e de proteção de

seus investimentos contra as recorrentes variações cambiais.

190 SILVA NETO, Lauro De Araújo Da. Derivativos: Definições, emprego e risco. 4ª edição. Atlas, São

Paulo, 2006. pp. 15-17 Cf. HULL, John C. Fundamentos dos Mercados Futuros e de Opções. 4ª edição.

Bolsa de Mercadorias & Futuros, São Paulo, 2009. p. 1 e ss.

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268

Por meio destes instrumentos “uma contraparte exposta a um risco indesejado

pode transferir este a outra contraparte, assumindo assim um risco diferente do original, ou

o pagamento para se livrar daquele risco. Por exemplo, em um swap em que as partes têm

riscos recíprocos, eles podem ser reduzidos ou até eliminados pela simples troca de fluxo

financeiro das operações originais. Um tomador de recursos pode, de fato, trocar o

pagamento de dívidas em franco suíço por uma obrigação em dólares norte-americanos.

Um investidor pode trocar o retorno de uma cesta de ações norte-americanas por uma de

ações alemãs. Um comprador de petróleo pode fixar o preço futuro deste produto em ienes

japonês ou marcos alemães, ou qualquer outra moeda.”191

191 Global Derivatives Study Group. Derivatives: 10 practices and principles. Acessível em

<http://riskinstitute.ch/136160.htm>; Cf. SILVA NETO, Lauro De Araújo Da. Op. cit. p. 17.

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269

Pelo swap, os agentes trocam fluxos de receita, geralmente entregando um do qual

dispõem mais facilmente em troca de outro de maior dificuldade de obtenção, mas do qual

eles necessitam192. Todas elas, apesar de características bastante diferentes, são usualmente

utilizadas para minimizar o risco de prejuízos decorrentes de variações nos seus

respectivos “ativos subjacentes”, ou seja, como operações de hedge.

Todavia, conforme se constatou com a eclosão da crise financeira, os

administradores de diversas companhias vinham utilizando os derivativos para gerar

receitas financeiras, indo além da função de proteção.

Indaga-se, diante disto, qual a diferença entre os comportamentos e se é possível

identificar a forma correta de utilização destes instrumentos. A resposta é positiva para

ambas as questões, pois tanto a diferença entre os comportamentos quanto a adequação na

utilização dos instrumentos vai ser determinada pela finalidade do agente.

192 SZTAJN, Rachel. Futuros e swaps – uma visão jurídica. Cultura Paulista, São Paulo, 1999.

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Com efeito, quando “uma pessoa ou empresa se utiliza do mercado para se

proteger de eventuais mudanças no preço de um produto, ou para negociar o bem, é

chamado de hedger. Podemos defini-lo como detentor de contratos a termo ou a futuro.

Faz isso para se garantir de quaisquer oscilações no preço do ativo objeto do contrato. Sua

atividade econômica principal está diretamente relacionada com a produção ou o consumo

da mercadoria.”193 O objetivo na utilização dos instrumentos financeiros é minimizar ou até

eliminar riscos – geralmente cambiais – inerentes a atividade principal exercida pelo

sujeito.

Conforme dissemos acima, a operação exige sempre duas partes, de posições

contrárias, interessadas em trocar “riscos”. Todavia, a estruturação do mercado permite que

uma, ou até as duas, participe do negócio com o objetivo de lucrar com a diferença na

troca. Nesse caso, estaremos diante do especulador, que opera no mercado não para

minimizar riscos de sua atividade principal, muito pelo contrário, a sua atividade é a

negociação de diferentes “riscos” na tentativa de lucrar com as variações.

193 SILVA Neto, Lauro de Araújo da. Op. cit. p. 28

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Vê-se, portanto, que a utilização por si só dos instrumentos não determina a

natureza da participação do agente no mercado. Devemos analisar a finalidade do agente

quando da contratação de tais instrumentos, bem como a relação destes instrumentos com a

sua atividade produtiva, diferenciando um hedger de um especulador.

A descoberta da utilização destes instrumentos financeiros por grandes

companhias brasileiras e, em seguida, das enormes perdas decorrentes, iniciou um debate

sobre a vinculação das pessoas jurídicas a esses contratos, da eventual possibilidade de

revisão judicial e, por fim, sobre a responsabilidade pelos prejuízos.

A mera utilização destes instrumentos financeiros não nos permite uma conclusão

acerca da correção da decisão do administrador, pois o mercado de derivativos pode ser

utilizado tanto para minimizar ou eliminar riscos quanto para especular em busca de lucros

diretos, importando, deste modo, o fim buscado pelo agente e a relação destes instrumentos

com as respectivas atividades produtivas.

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272

O administrador está limitado pelo objeto social da sociedade que administra,

sendo encarregado de tomar todas as medidas necessárias para a execução deste objeto e,

sempre que possível, gerar resultados positivos para todos os interessados. Assim, todo e

qualquer ato praticado por eles deve ter sempre em perspectiva a execução do objeto social

e não, de forma imediata, o lucro194. O resultado positivo vem do sucesso da atividade195.

194 COMPARATO, Fabio Konder. Reflexões sobre a dissolução judicial de sociedade anônima por

impossibilidade de preenchimento do fim social. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e

Financeiro. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1994.

195 GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Sobre a interpretação do objeto social. Revista de Direito

Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. N. 54, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1984.

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Nesse sentido, a utilização correta dos instrumentos derivativos está adstrita ao

necessário para minimizar os riscos da atividade principal – objeto social – reduzindo a

influência dos riscos financeiros, tendo em vista que a sociedade já enfrenta outros, como

de mercado, de crédito e até jurídicos. Desta forma, a finalidade está na redução do risco e

não na obtenção de lucro direto com as operações, caso este ocorra será uma consequência

positiva, mas não deve orientar a operação. Se o administrador perde a perspectiva do

objeto social e passa a buscar nos derivativos um lucro financeiro, exorbita as suas funções

e está, indubitavelmente, agindo em descumprimento do dever de diligência.

Recordemos a lição de MARIA ELISABETE GOMES RAMOS:

“Para os autores que identificam a diligência dos administradores

com a ragionevolezza da decisão administrativa, fazem parte do

risco da empresa todo o conjunto de actuações que são tomadas

tendo em conta um certo grau de racionalidade. Por outro lado,

segundo o mesmo critério, estão fora do risco da empresa(e, por

isso, pertencem à área do risco de negligência) as escolhas e

decisões que sejam absolutamente irrazoáveis, porque envolvem

um risco que não é absolutamente necessário, tendo em conta as

circunstâncias.”196

196 RAMOS, Maria Elisabete Gomes. Op. cit. p. 91

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Assim, especular no mercado de derivativos é envolver a sociedade em riscos

desnecessários a sua atividade principal, extravasando a discricionariedade gerencial e

descumprindo, portanto, o dever de diligência, ainda que seguidamente se tenha obtido

lucro.

Observamos, deste modo, que os prejuízos sofridos pelas companhias brasileiras

têm o mérito apenas de destacar o problema e estimular o debate, mas em nada servem

para caracterizar o descumprimento do dever de diligência. Os lucros obtidos no passado e

os prejuízos do presente não servem para aferir o cumprimento do dever de diligência.

Apesar de compreender que para muitos o importante é determinar aquele que será

responsável pelos prejuízos sofridos, no que se trata do dever de diligência há outras

consequências, independentes do lucro ou do prejuízo197.

197 Lembrando Marcelo Vieira Von ADAMEK: “Os lucros podem ser fruto de ilícitos. Ou da assunção de

riscos desmedidos e de operações estranhas ao objeto social. (...) Portanto, a simples obtenção de lucros não

abona a gestão social nem isenta o administrador de ser chamado a responder pelos seus atos.” Op. cit. p. 134

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Nesse sentido, um administrador poderia ser demitido ainda que estivesse

trazendo bons resultados para a sociedade. Nesta hipótese não há prejuízos para arcar, mas

ainda assim ele seria removido do cargo, pois descumpridor de um de seus deveres. O

conselho de administração, caso existisse, com base nos desdobramentos do seu dever de

diligência – fiscalização e intervenção – seria obrigado a destituir o administrador faltoso e

encerrar a prática, cuidando para que a especulação não fosse mais realizada.

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A doutrina moderna fixou o entendimento sobre as limitações impostas pelo,

determinando que é realmente possível aos administradores lançar mão de atividades

acessórias – ditas atividades meio – sempre que necessárias para a consecução do objeto

social, ou seja, ainda que o objeto social não preveja essa possibilidade ela decorre do

próprio exercício da atividade empresarial, a qual é impossível de ser descrita em todas as

suas minúcias, incluindo a participação em outras sociedades, conforme dicção da Lei

6.404/1976 (art. 2º, § 3º)198. Assim, cabe ao estatuto social definir com a maior precisão

possível o objeto social.

198 Na exposição de motivos encontramos: “prescreve que o objeto social seja definido de modo preciso e

completo (art.2º, § 2º), o que constitui providência fundamental para defesa da maioria, pois limita a área de

discricionariedade de administradores e acionistas majoritários e possibilita a caracterização de modalidades

de abuso de poder; autoriza a companhia, independentemente de norma estatutária, a participar de outras

sociedades como meio para realizar o objeto social ou beneficiar-se de incentivos fiscais;”

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Com relação a esse fim, a descrição é exaustiva, e não exemplificativa ou

enunciativa, servindo como limite para as atividades da sociedade e, mais próximo ao que

nos interessa, para efeitos de responsabilização dos administradores e controladores. Como

bem aponta MODESTO CARVALHOSA, esse aspecto substancial do objeto social “é o que

mais interessa aos acionistas, aos credores, aos concorrentes e à coletividade.”199 A

afirmação é correta e encontra respaldo justamente na evolução da responsabilidade

limitada das sociedades, pois a preocupação com a delimitação correta do objeto social e

199 CARVALHOSA, Modesto. Op. cit. p. 17

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da capacidade das pessoas jurídicas foi intensificada quando se passou a admitir a

limitação da responsabilidade dos sócios200.

200 Cf. Célebre caso julgado pela House of Lords em 1875 ((1875) LR 7 HL 653) conhecido por Ashbury

Railway Carriage and Iron Co Ltd v Riche. Para uma descrição do caso e comentários V. AZEVEDO, Luis

Augusto Roux & GUERRA, Viviane Alves Bertogna. Teoria Ultra Vires Societatis. In FRANÇA, Erasmo

Valladão Azevedo e Novaes (Coord.). Direito Societário Contemporâneo I. Quartier Latin, São Paulo, 2009.

p. 367 Nas palavras de Waldírio BULGARELLI “Ela só apareceu com a sociedade moderna na qual a

responsabilidade dos sócios é limitada e em que a personalidade jurídica resulta de um simples registro.”

BULGARELLI, WALDÍRIO. A teoria ultra vires societatis perante a Lei das Sociedades Por Ações. Revista de

Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. N. 39, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo,

1980.

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279

A obediência – pautada pela razoabilidade – do objeto social e das limitações que

ele traz para a realização de negócios pela sociedade faz com que: (i) os recursos

disponibilizados pelos sócios não sejam desperdiçados em atividades diferentes das

pretendidas por eles ou em atividades não necessárias; (ii) que as pessoas que negociam

com a sociedade não sejam submetidas a riscos creditícios ou jurídicos, ou seja, à

possibilidade não pagamento por falta de recursos causada pela má aplicação dos bens ou

contestação, pelos sócios, das relações travas pela sociedade, como de fato tem ocorrido

com os contratos derivativos.

Assim, a não ser que a companhia seja uma instituição financeira, os instrumentos

financeiros devem servir de apoio às atividades descritas no objeto social. Eventuais

resultados positivos serão bem-vindos, mas não justificam qualquer tentativa de exorbitar a

função de proteção contra risco. De outro lado, prejuízos não implicam necessariamente

incorreção do ato e responsabilização do administrador por descumprimento do dever de

diligência.

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Contudo, algo que deve ficar claro é que as conclusões expostas acima acerca dos

derivativos servem para todos os atos praticados pelos administradores com relação aos

riscos assumidos durante a gestão da atividade empresarial201.

A decisão tomada por ele pode ser motivada e bem fundamentada, tendo

considerado todos os riscos envolvidos e até contando com pareceres de terceiros experts

no assunto, contudo, implicará envolvimento da sociedade em riscos adicionais aos que

seriam naturalmente decorrentes do exercício do objeto social estabelecido pelos sócios.

201 Se uma fabricante de sucos especulasse no mercado de futuros das commodities utilizadas por ela,

buscando não mais os melhores preços para os seus insumos, mas receitas advindas das variações de preços

dos produtos negociados, estaríamos provavelmente diante de administradores que não observaram os seus

deveres de diligência.

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Não se pode esquecer que são os sócios os maiores interessados no exercício da

atividade de gestão da sociedade e que o objeto social foi fixado por eles, em uma escolha

conjunta na estruturação da organização. Assim, não cabe ao administrador – como agente

– extrapolar os limites fixados pelos sócios – principais, envolvendo a sociedade em riscos

não naturalmente pertinentes às atividades empresariais escolhidas pelos sócios como

adequadas para a sociedade.

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6. SÍNTESE CONCLUSIVA

A proposta deste trabalho era compreender a regulamentação jurídica incidente

sobre a atividade exercida pelos administradores de sociedades, mais precisamente sobre o

uso, por esses sujeitos, da discricionariedade que lhes é conferida pelos cargos que

ocupam, buscando entender, portanto, como o Direito poderia moldar o comportamento de

pessoas que devem gerir patrimônios de terceiros e que exercem impactos diretos na

atividade econômica de um país.

O contexto histórico que nos motivou a estudar o assunto foi a crise financeira

mundial de 2008, mais propriamente a utilização de complexos instrumentos financeiros,

chamados de derivativos, que resultaram em importantes perdas econômicas no mundo e

no Brasil, com ondas de debate nos meios acadêmicos, no Poder Judiciário e na Comissão

de Valores Mobiliários.

A referida crise financeira e os derivativos não são os objetos de análise, mas

apenas o pano de fundo para a discussão de um dever, para o qual a Lei 6.404/76 designou

um artigo (153) bastante simples e sobre o qual muito pouco se debate no Brasil.

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As perguntas que foram colocadas no início do trabalho foram as seguintes: seria

possível ao Direito orientar previamente a decisão dos administradores? Se sim, qual a

maneira mais eficiente? Ocorridos os fatos, seria possível avaliar essa decisão, concluindo

pela sua licitude ou ilicitude?

Compete aos administradores a gestão da sociedade anônima, algo que passa pela

fixação e orientação geral dos negócios da companhia e chega à prática dos atos de gestão

necessários ao seu funcionamento. Essa atividade é consubstanciada em uma série de atos,

coordenados para um fim comum, e que envolverão em cada situação, em maior ou menor

grau, discricionariedade na escolha das melhores alternativas.

O tema deste trabalho, de maneira sucinta e direta, é a discussão da regulação

jurídica desta discricionariedade, mais precisamente pelo chamado dever de diligência, que

deve funcionar como um orientador do exercício da administração. Esse tema foi dividido

em alguns eixos principais, os quais serão agora retomados de maneira sintética para a

construção de uma conclusão sobre o instituto estudado e elaboração de respostas para as

perguntas colocadas.

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O primeiro eixo de análise do dever de diligência está na discussão sobre o que

chamamos aqui de paradigma. Se a função do dever de diligência é orientar a conduta da

administração, é necessário estabelecer um padrão de comportamento esperado, o que é

feito por meio do paradigma escolhido. A análise da legislação brasileira e de alguns

outros países mostrou que a definição deste paradigma gira em torno de dois modelos

principais, os quais foram denominados neste trabalho de: i) paradigma abstrato; ii)

paradigma concreto.

O paradigma abstrato fornece um padrão de comportamento calcado no que seria

a média social, não exatamente uma média aritmética dos comportamentos, mas uma

percepção, subjetiva, do que poderia ser esperado de uma pessoa ordinariamente diligente,

a qual não seria, portanto, descuidada ou relapsa, mas também não seria

extraordinariamente cuidadosa. Esse paradigma abstrato é historicamente conhecido como

bonus paterfamilias.

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O modelo abstrato apresenta algumas variações, usualmente no sentido de

especificar o padrão de comportamento para algum ramo de atuação profissional. No caso

dos administradores, as legislações de outros países procuraram adotar expressões mais

adequadas à atividade, tais como “ordenado e fiel homem de negócios” na Alemanha, o

“ordenado empresário e representante leal” na Espanha, o “gestor ordenado” em Portugal e

o “bom homem de negócios” na Argentina.

As variações não implicam distanciação do modelo, que continua fundado na

fixação, pelo Direito, de um paradigma de atuação abstrato, fundado na média de

comportamentos sociais, ainda que especificados para um determinado ramo de atividade

profissional.

O modelo concreto, por sua vez, estabelece como padrão de comportamento a

conduta pretérita do próprio administrador, sendo possível incluir a conduta do sujeito na

gestão de seus próprios negócios, na gestão de outras sociedades, ou até habilidades ou

experiência por ele prometidas.

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Não se fala, portanto, de um padrão abstrato, obtido segundo a percepção

subjetiva do que seria o ordinariamente esperado, mas, sim, de uma avaliação do

administrador com base em suas atuações passadas ou considerando a experiência que ele

afirmou possuir. Algumas variações podem surgir, mas, novamente, não implicam

distanciamento do modelo fundamental.

A legislação brasileira adotou o paradigma abstrato, utilizando a expressão

“homem ativo e probo”, ou seja, o dever de diligência para as sociedades anônimas no

Brasil está calcado no bonus paterfamilias ou “homem médio”, sem qualquer atualização

legal.

Diante desta constatação, tecemos algumas críticas sobre o modelo escolhido, que

consideramos inadequado para a realidade econômica que ele visa regular.

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Com efeito, defendemos que para as relações voluntárias – aqui incluída a

contratação de um administrador – o modelo mais eficiente é o concreto, pois é ele que

permite maior liberdade para os agentes privados acertarem o nível de diligência que

pretendem para as suas relações. Em outras palavras, aqueles que escolhem – principais –

podem selecionar os administradores –agentes – que consideram mais adequados para o

empreendimento que será gerido, combinando, por exemplo, níveis de diligência com

pacotes de remuneração segundo cada caso.

Esse paradigma é mais sensível à realidade que pretende regular, pois podemos

presumir que a escolha de um administrador não é feita com base no que ordinariamente se

espera de um “homem ativo e probo”, mas com base nas características pessoais do sujeito

indicado para ocupar o cargo. Se a escolha é feita com base na atuação pretérita do

administrador, a avaliação de sua conduta deve seguir o mesmo parâmetro. A análise

econômica do direito fornece outros argumentos em favor do paradigma concreto, os quais

estão expostos no capítulo próprio.

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A primeira conclusão que podemos tirar, portanto, é no sentido de que o texto do

Art. 153 da Lei 6.404/76 deve ser modificado. Em nossa opinião, o texto deve ser alterado

para adotar o modelo concreto, fazendo com que o dever de diligência adote como

fundamento o comportamento pretérito do administrador ou a sua habilidade propalada.

Não obstante, permanecendo o paradigma abstrato, o texto poderia ao menos

sofrer uma atualização para substituição da expressão “homem ativo e probo” por outra

mais adequada à atividade profissional que é exercida pelos administradores. Há exemplos

desta atualização ao longo do trabalho. A experiência que consideramos mais interessante

é a adotada por alguns estados norte-americanos e pelo Reino Unido, a qual tem como

núcleo a diligência esperada de um administrador em posição semelhante.

Aliás, a solução adotada pelo Reino Unido é a mais inovadora dos países

estudados, pois combina os dois modelos, abstrato e concreto, para criar um sistema no

qual o padrão mínimo vem do paradigma abstrato, mas o nível de diligência pode ser

aumentado se o administrador apresentar características especiais de habilidade ou

experiência, ou seja, o padrão esperado pode ser elevado com base no modelo concreto.

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O segundo eixo deste trabalho está na definição do conteúdo do dever de

diligência. Em outras palavras, na determinação de “subdeveres”, “desdobramentos”,

“obrigações” ou “medidas” que devem ser esperadas de um administrador com base no

dever diligência. A definição deste conteúdo é importante para densificar o dever de

diligência, determinando com mais clareza o instituto jurídico.

Em nossa opinião, o principal elemento do dever de diligência está na informação,

ou seja, no conhecimento, pelo administrador, das atividades exercidas pela companhia, de

seu mercado de atuação, na obtenção e utilização de dados para a tomada de decisões,

fundamentando seus atos em um processo decisório, que muda de complexidade segundo a

importância da deliberação a ser feita por ele. Deste “subdever”, aqui denominado de

“dever de se informar”, decorrem as medidas de fiscalização e intervenção.

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Tentativas de sistematização destes “subdeveres” foram feitas por outras pessoas

que abordaram o tema, com as quais, pelas razões expostas em capitulo próprio, não

concordamos. Assim, em nossa opinião, não decorrem do dever de diligência, por

exemplo, obrigações específicas de qualificação, sobretudo quando qualificação é

interpretada no sentido de educação formal. O conteúdo do dever de diligência está,

portanto, no “dever de se informar”.

O terceiro eixo do trabalho passa pela discussão das relações do dever de

diligência com outros institutos jurídicos, com destaque para o objeto social, para a

business judgment rule e para os regimes de responsabilidade civil. Todas essas relações

são discutidas para auxiliar na definição do dever de diligência, apontando semelhanças,

diferenças e complementaridades, facilitando a compreensão da posição deste instituto

jurídico dentro do ordenamento jurídico.

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291

O dever de diligência cuida, conforme dissemos acima, da regulação do espaço de

discricionariedade que é dado aos administradores para a gestão da sociedade. O objeto

social, na medida em que fixa as atividades econômicas que são exercidas pela sociedade,

serve como instituto complementar nessa função de orientação do exercício dos atos de

gestão praticados.

Cotidianamente, ao praticarem os atos de gestão, os administradores deverão

escolher entre as diversas alternativas possíveis. A preferencia por uma e não por outra

pode advir, exatamente, na adequação da medida com relação ao objeto social.

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292

Conforme discutimos ao longo da dissertação, a utilização de instrumentos

financeiros para mitigar riscos cambiais decorrentes da exploração de atividades de

exportação de commodities é uma medida que atende ao dever de diligência dos

administradores. Na linguagem adotada por este trabalho, ela pode ser considerada

razoável e adequada, independente dos resultados que gerar (positivos ou negativos).

Porém, se esses instrumentos são utilizados para especulação, na tentativa de obtenção de

receitas financeiras extraordinárias, há um extrapolamento no ato de gestão e

consequentemente descumprimento do dever de diligência, na medida em que o

administrador passa a envolver a sociedade em riscos desnecessários e não atrelados ao

objeto social.

Essas são as conclusões que podem ser extraídas dos casos da Sadia e da Aracruz,

por exemplo, quando aplicamos as ideias debatidas neste trabalho. Independentemente da

responsabilização dos administradores envolvidos nas operações, o dever de diligência

poderia ter sido utilizado para balizar os comportamentos e evitar o envolvimento das

sociedades em riscos desnecessários.

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293

A discussão sobre a business judgment rule é importante para fixarmos algumas

diferenças entre os institutos. Em resumo, ambos lidam com o ato de gestão e possuem

como fundamento principal a fundamentação destes atos, ou seja, o exercício da

administração de maneira informada. Porém, não são coincidentes e não podem ser

confundidos.

O dever de diligência está ligado à substância do ato, ao padrão de

comportamento esperado do administrador quando ele exerce suas competências

estatutárias. Serve para determinar a relação do administrador com os riscos que são

enfrentados pela companhia e dele decorrem “subdeveres”, com destaque para fiscalização

dos negócios da sociedade. A função do dever de diligência é anterior à existência de

qualquer questionamento judicial do ato de gestão.

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294

A business judgment rule é uma regra de natureza processual, criada pela

jurisprudência norte-americana para limitar os casos em que o Poder Judiciário é instado a:

i) substituir ou modificar a decisão tomada pelo administrador; ii) responsabilizar o

administrador por eventuais prejuízos da sociedade. A função da business judgment rule é,

portanto, impedir que pessoas estranhas à companhia e sem legitimação societária decidam

sobre seus negócios, substituindo os administradores na atividade de gestão. É uma

barreira que pode ser aplicada não somente ao Poder Judiciário, mas também aos órgãos

reguladores, permitindo que essa substituição ocorra apenas em casos excepcionais.

Os administradores, com o objetivo de não perder essa proteção, podem adotar

certos comportamentos, buscando atender os requisitos estabelecidos pela jurisprudência

como bases para aplicação da business judgment rule. Contudo, como se pode notar, a

função primordial da business judgment rule não é de orientação de comportamento,

diferente do que ocorre com o dever de diligência.

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295

Seguindo a análise das interações do dever de diligência com outros institutos,

propusemos a discussão sobre os impactos do regime de responsabilidade civil sobre esse

dever. Na linguagem jurídica, o dever de diligência implica discussões sobre culpa, ou

seja, avaliação da conduta adotada pelo administrador. Da perspectiva econômica, falamos

em nível de precaução e em nível de atividade, verificando quais as regras que fornecem os

incentivos para a construção de um modelo de comportamento economicamente eficiente,

adequado para a atividade que pretende regular.

A depender do regime de responsabilidade civil adotado pelo ordenamento para o

administrador, a utilização do dever de diligência pode ganhar força ou, pelo contrário, ser

praticamente eliminada.

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296

Com efeito, em um regime de responsabilidade civil subjetiva, a conduta adotada

pelo sujeito é importante para determinar a sua responsabilidade. Não bastam o ato e o

dano, deve existir culpa ou dolo. E a forma de se apurar essa culpa advém da análise do

cumprimento do dever de diligência. Se a conduta do administrador é importante, torna-se

viável discutir os níveis de precaução e de atividade que são esperados, buscando construir

modelos de atuação condizentes com a dinâmica empresarial. Em um ordenamento com

regras mais rígidas de responsabilidade, os administradores tenderão a assumir menos

riscos, com impactos diretos na atividade econômica do país. O legislador e o Poder

Judiciário devem estar cientes disto.

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297

De outro lado, como se pode inferir da passagem acima, em um regime de

responsabilidade objetiva a conduta não mais interessa para fins de responsabilização,

bastando a existência do ato e do dano. Em outras palavras, o comportamento do

administrador perde destaque e o foco passa a recair na existência ou não de prejuízos para

a sociedade. Nesse regime, a relevância do dever de diligência é significativamente

reduzida e existem ao menos dois principais pontos negativos: i) o risco é algo natural da

atividade empresarial e os resultados negativos não devem ser atribuídos, necessariamente,

à conduta do administrador; ii) o risco do administrador é atrelado ao da sociedade, de uma

forma que o sujeito somente conseguirá diminuir a chance de responsabilização se

aumentar o nível de precaução ou reduzir o nível de atividade da sociedade, com

consequências diretas para a economia. O regime da reponsabilidade objetiva não parece

fornecer o quadro de incentivos adequados para um comportamento economicamente

eficiente dos administradores.

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Em resumo, no regime da responsabilidade subjetiva o dever de diligência

encontra seu espaço na definição do elemento de culpa necessário à responsabilização dos

administradores. Por meio do dever de diligência, o Direito pode regular a relação dos

administradores com o risco e determinar, de forma indireta, as formas de atuação e os

níveis de atividade das sociedades. No regime da responsabilidade objetiva, como é

necessário apenas o dano, o dever de diligência perde relevância e a relação dos

administradores com o risco muda completamente de perspectiva.

Diante de todas essas considerações, acreditamos ter elementos suficientes para

responder as perguntas colocadas na introdução deste trabalho.

Seria possível ao Direito orientar previamente as decisões tomadas pelos

administradores? Se sim, qual a maneira mais eficiente?

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A resposta é positiva, pois, conforme demonstramos, é possível a construção de

um instituto jurídico capaz de fornecer os incentivos adequados para regulação da

atividade econômica. Os administradores, na medida em que substituem os sócios na

condução dos negócios realizados pela sociedade, devem ser limitados por regras

condizentes com os riscos que serão assumidos, bem como com a dinamicidade da

atividade empresarial.

A legislação deve, portanto, trabalhar com os conceitos mais próximos da

atividade profissional que pretende orientar e não deve perder de vista que os padrões de

comportamento impostos por ela surtirão efeitos diretos na economia do país. É necessário

um equilíbrio capaz de coibir abusos, mas que não engesse o desenvolvimento econômico.

O risco e os prejuízos são naturais na atividade empresarial e os administradores não

devem responder juridicamente pelo insucesso de um empreendimento, salvo se seus

comportamentos não foram condizentes com os padrões impostos pela legislação e pelos

sócios.

Ocorridos os fatos, seria possível avaliar o ato de gestão, concluindo pela sua

licitude ou ilicitude?

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A resposta é igualmente positiva. De uma maneira geral, é importante evitar a

substituição das decisões tomadas pelos administradores, seja pelos próprios sócios, pelo

Poder Judiciário ou por órgãos reguladores, como a Comissão de Valores Mobiliários. Isso

quer dizer que invalidação de um ato de gestão deve ser vista como exceção, executada

somente quando preenchidos determinados requisitos. Não se deve questionar um ato de

gestão, portanto, nos aspectos de oportunidade e conveniência, dada a legitimação dos

administradores para escolher discricionariamente entre as diversas alternativas possíveis.

Contudo, se a conduta adotada não cumpriu com o padrão de comportamento

esperado, desviando-se dos cuidados exigidos, é possível remover o administrador de sua

posição, substituir suas decisões ou até responsabilizá-lo por eventuais prejuízos. O dever

de diligência, na medida em que representa um padrão de comportamento esperado, pode

servir tanto para orientação de condutas no presente e no futuro, quanto para avaliação das

passadas.

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É, portanto, uma moldura ou uma régua, que pode ser utilizada para enquadrar ou

medir os atos de gestão adotados pelos administradores, determinando se esses atos foram

regulares ou irregulares. Independentemente da responsabilização dos administradores, o

dever de diligência tem a função de orientar comportamentos e determinar as relações

destes sujeitos com o risco da atividade empresarial. Desvios podem ocorrer mesmo com a

existência de resultados positivos, ou seja, sem a presença de danos que fundamentassem

uma ação de responsabilidade civil. De outro lado, o comportamento pode ser condizente

com o dever de diligência mesmo diante da existência de prejuízos. Assim, é importante

deixar claro que o dever de diligência serve para orientar e avaliar comportamentos, não

necessariamente resultados.

**************

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