deus tem sido muito generoso comigo -...
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DISCURSO DO DES. FRANCISCO LINCOLN ARAÚJO E SILVA NA
SESSÃO SOLENE QUE OUTORGOU-LHE O TÍTULO DE CIDADÃO
HONORÁRIO DE FORTALEZA
Senhoras e Senhores:
Deus tem sido muito generoso comigo.
Meus amigos e minhas amigas têm sido muito amáveis comigo.
E, às vezes, fico a imaginar que a bondade pródiga de Deus e dos meus amigos e
das minhas amigas tem superado os meus méritos.
Vejam só esta condecoração. Ela me engrandece pela significativa homenagem
que representa, e não sei se ostento as qualidades para recebê-la, sem falsa
modéstia.
Confesso que me emociono, porque ainda estou empolgado, vendo-me agraciado
com tão festivo evento. Este belo momento deixa minha alma muito feliz.
E, sentindo no peito o orgulho de auferir este galardão, não posso esconder minha
devoção por esta terra e por seu povo, me credenciando a merecer a honrosa
outorga.
Antes de chegar aqui, segui o itinerário típico da época, quando os meninos das
cidades do interior saíam do seu torrão natal para formar-se cultural e
espiritualmente nos centros mais prósperos e mais desenvolvidos.
Ainda garoto, fui levado da terra do lavrador, a minha Acopiara, para a cidade do
Crato, onde, no Seminário São José, plasmei minha personalidade. E, ainda
jovem, percebendo que não tinha pendores para a vida sacerdotal, cheguei a
Fortaleza, onde continuei os estudos no vetusto e lendário Liceu do Ceará.
E, na Faculdade de Direito, da Universidade Federal, celeiro de tantos
jurisconsultos, conclui o Curso de Ciências Jurídicas e Sociais. Voltei ao interior,
primeiro como advogado incipiente, depois como Promotor de Justiça, aprovado
em concurso público. Vim definitivamente para Fortaleza, em virtude de
promoção na carreira do Ministério Público, em 1983. Quer dizer, foi aqui que
passei o maior tempo de minha vida.
Neste período, aprendi a amar Fortaleza, intensamente. Conheci sua história, sua
geografia. Suas belezas, suas tragédias, sua cultura, suas riquezas, seus problemas.
Quando aqui cheguei pela primeira vez, em vi as tropas militares nas ruas. Eu vi
as praças ocupadas por canhões. Eu vi a força sufocando as liberdades. Eu vi meus
colegas torturados nos quartéis. Eu vi passeatas estudantis contra um imperialismo
que dominava a política e a economia nacional. Eu vi a luta pela
redemocratização. Eu vi o surgimento das grandes avenidas. Eu vi os riachos
serpenteando nos leitos. Eu vi os transtornos que o desenvolvimento traz,
rasgando o ventre da terra, procurando espaço abaixo do solo. Eu vi o crescimento
expandindo e diversificando os centros comerciais e educacionais, além do
quadrilátero central. Eu vi a multiplicação das universidades. Eu vi as alegrias dos
forrós. Eu vi os festejos religiosos. Eu vi os carnavais nos clubes e nas alamedas.
Eu vi a hospitalidade aos visitantes, acolhidos com crustáceos e frutos do mar. Eu
vi, também, os pedintes nos cruzamentos, as crianças estupradas. Eu vi o drama
das drogas e do crime organizado, tirando o sossego das cadeiras nas calçadas. Eu
vi as agressões injustas e impiedosas aos inocentes.
Foi assim que te conheci e que te amei, Fortaleza.
Por isso, tenho procurado dedicar meu trabalho e minhas preocupações na
contribuição para a solução dos seus episódios, que vão desde o cometimento de
crimes insidiosos até aos conflitos familiares ou comerciais. Como Promotor de
Justiça, atuei na condenação aos delitos e pela recuperação do criminoso. Como
Procurador de Justiça, estive na vanguarda do combate aos ilícitos de improbidade
administrativa. Agora, como magistrado da instância superior, com exercício na
área cível, tenho procurado distribuir a justiça, segundo a lei e o direito,
contribuindo para manter o equilíbrio social, em obediência aos cânones
constitucionais.
Em toda a minha vida procurei manter um comportamento de amor à democracia
e ao direito, porque sempre entendi que “a paz é fruto da justiça”. Os conflitos
serão serenados, os litígios serão conciliados, quando uma cultura de paz for
construída na sociedade. É para isso que serve o Direito. As paixões, as ambições,
os ódios, muitas vezes, conduzem os homens para as desavenças, para o crime,
para o mal. E é justamente o Direito, como ciência, o fator de manutenção da
ordem e da paz social, a solução para as contendas.
Os operadores do Direito vivemos constantemente manuseando princípios e
defendendo teses com que se busca demonstrar a coerência de nossas pretensões
para satisfação dos interesses violados pela coação ilegítima ou pela insensatez.
No exercício da cidadania, todos estamos vencendo os óbices para alcançar a paz
social, como fruto da compreensão, da justiça, da política.
Este é o papel do advogado, do Ministério Público, do Magistrado. E posso dizer,
com muito orgulho, que tenho exercido com humildade estas funções nesses
ramos de atividade social, trabalhando para o bem suplantar o mal.
É nesse contexto que vejo meu trabalho contribuir, segundo minha consciência,
para o alcance da paz na solução das pendengas jurídicas. É assim que emprego
meu esforço para a consolidação do Estado Democrático de Direito, para garantir
as prerrogativas e os direitos individuais e coletivos, para preservar as cláusulas
pétreas da Constituição.
Atualmente, o Poder Judiciário do Ceará, ao qual eu tenho orgulho de pertencer
como um de seus componentes, está se preparando para tornar-se um dos mais
modernos do país. Em estrutura física, material, bem como em capacidade laboral.
A expansão das Câmaras Cíveis tem feito avançar a celeridade processual, para a
garantia da duração legal dos feitos, ao contrário do que dizem equivocadas
especulações.
O Poder Legislativo, um dos sustentáculos da República, onde se respira o ar de
liberdade na sua mais rica expressão, tem sido o estuário das reivindicações
populares, e é, nas democracias representativas, a arena das conquistas sociais. É
para isso que serve a inviolabilidade dos mandatos parlamentares: para servir ao
povo, para servir à pátria.
E, especificamente, esta casa, donde saiu um Presidente da República, ainda que
em caráter interino, tem muito para se orgulhar de suas lutas contra a prepotência,
contra as injustiças, contra as maldades. Para não alongar na descrição de
exemplos memoráveis, basta citar a figura de Fausto Arruda, um orador que
arrebatava a atenção de todos, que empolgava os mais insensatos corações, um
vibrante defensor dos direitos humanos e das garantias constitucionais. E são
tantos os homens ilustres que dignificaram o conceito desta casa legislativa,
tornando-a exemplo de independência e de altivez.
Pois é a este Parlamento, invencível instrumento de defesa da sociedade livre e da
democracia, que eu quero manifestar com o maior fervor a minha respeitosa
gratidão pela outorga, por decisão unânime dos seus vereadores, do honroso título
de Cidadão de Fortaleza. Minha discreta história e meu currículo quase
inexpressivo me autorizam dizer que a bondade dos edis desta terra é que me
confere tão significativo título de cidadania. Estou certo de que a generosidade da
ilustre vereadora Verônica Gurgel, incansável batalhadora pela solução dos
problemas desta terra, de quem partiu a iniciativa desta comenda, ao mesmo
tempo em que me comove, também me envolve de responsabilidade.
Devo continuar pautando minha vida, seja como magistrado, seja como homem,
com os atributos de seus mais ilustres filhos. Terra de juristas, de romancistas, de
poetas, de artistas que, tanto no passado como no presente, engrandecem o berço
de Iracema, a terra dos verdes mares bravios.
Por isso, eu gosto de te amar, Fortaleza.
Muito obrigado!