deus ou seja a natureza

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    Deus ou seja a NaturezaSpinoza e os novos paradigmas da Fsica

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    ReitorNaomar Monteiro de Almeida Filho

    Vice-ReitorFrancisco Jos Gomes Mesquita

    EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    DiretoraFlvia Goullart Mota Garcia Rosa

    Conselho EditorialTitulares

    ngelo Szaniecki Perret SerpaCaiuby Alves da CostaCharbel Nin El-Hani

    Dante Eustachio Lucchesi RamacciottiJos Teixeira Cavalcante FilhoMaria do Carmo Soares Freitas

    SuplentesAlberto Brum Novaes

    Antnio Fernando Guerreiro de FreitasArmindo Jorge de Carvalho BioEvelina de Carvalho S Hoisel

    Cleise Furtado MendesMaria Vidal de Negreiros Camargo

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    ROBERTO LEON PONCZEK

    Deus ou seja a NaturezaSpinoza e os novos paradigmas da Fsica

    EDUFBASalvador, 2009

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    2009,By Roberto Leon Ponczek.Direitos de edio cedidos EDUFBA.

    Feito o depsito legal.

    Projeto Grfico, Editorao Eletrnica e CapaAlana Gonalves de Carvalho

    RevisoCida Ferraz

    Biblioteca Central Reitor Macdo Costa UFBA

    EDUFBARua Baro de Jeremoabo, s/n, Campus de Ondina,

    40170-115, Salvador-BA, Brasil Tel/fax: (71) 3283-6164

    www.edufba.ufba.br | [email protected]

    Ponczek, Roberto Leon.Deus ou seja a natureza : Spinoza e os novos paradigmas da fsica / Roberto Leon

    Ponczek. - Salvador : EDUFBA, 2009.352 p. : il.

    ISBN 978-85-232-0608-6

    1. Spinoza, Benedictus de, 1632-1677. 2. Fsica - Filosofia. 3. Metafsica. 4.Fsica - Estudo e ensino. 5. Causalidade (Fsica). 6. Relatividade (Fsica). 7.

    Conservao da natureza. I. Ttulo.

    CDD - 110

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    AGRADECIMENTOS

    Este livro foi o resultado de muitos anos de dilogos e interaes comvrias pessoas, s quais gostaria de agradecer:

    Aos meus pais ( in memoriam), no s por darem origem minhaexistncia, mas por me proporcionarem uma educao que alicerou meusvalores ticos, estticos e filosficos, que me fizeram aproximar de Spinoza.

    Milena e Vladimir, filhos, pelas permanentes presenas incentivadoras,e por muitos dos grficos, desenhos e ilustraes cuidadosas deste texto.

    Eliana, companheira e motivadora.

    Aos amigos e companheiros de todas as horas, por saberem convivercomigo, incentivando-me at nos momentos em que todo autor de livro setorna um chato.

    Ao Prof. Dante Galeffi, por conhecer a suprema arte do dilogo quealterna, em justas propores, o dizer com o silncio da escuta.

    Aos colegas Profs. Miguel A. Bordas, Benedito Pepe, Iuri Pepe, MariaLusa Ferreira, Cesar Castaeda, por valiosas sugestes.

    A todos que me suportaram anos a fio, ouvindo os tediosos discursos

    acadmicos de algum que escreve um interminvel livro.

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    Bruma de oro, el Occidente alumbra

    La ventana. El asiduo manuscritoAguarda, ya cargado de infinito.

    Alguien construye a Dios en la penumbra.

    Un hombre engendra a Dios. Es un judo

    De tristes ojos y de piel cetrina;

    Lo lleva el tiempo como lleva el ro

    Una hoja en el agua declina.

    No importa. El hechicero insiste y labra

    A Dios con geometra delicada;

    Desde su enfermedad, desde su nada,

    Sigue erigiendo Dios con la palabra.

    El mas prdigo amor le fue otorgado,El amor que no espera ser amado.

    Jorge Luis Borges, Obra Potica.

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    SUMRIO

    AGRADECIMENTOS | 7

    NOTA AUTOBIOGRFICA | 15

    PREFCIO | 21

    INTRODUO | 29

    Parte I

    A FILOSOFIA DE SPINOZA E SUAS CONSEQUNCIAS PARA A FSICACAPTULO IPEQUENA BIOGRAFIA DE SPINOZA | 45

    CAPTULO IIA FILOSOFIA DE SPINOZA E ALGUMAS LIES PEDAGGICAS | 65A substncia, modos e atributos: uma filosofia com rigor geomtrico | 66Uma definio geomtrica e uma interpretao fsica alternativa da substncia, atributos emodos | 71Os modos finitos | 76

    A isonomia entre corpo e mente | 79Oconatus, as paixes humanas e primeiras lies para um mestre de Fsica | 84

    Reflexes sobre a vontade. A vontade de ensinar e aprender Fsica | 91A pequena fsica de Spinoza e a grande mecnica de Newton | 96O martelo e o aprendizado | 103Pan-animismo em Spinoza | 104O Pensamento do todo e da parte | 106

    Matria Pensante? | 110A ideia da ideia rompe a isonomia? | 111Mudana, permanncia e a pedagogia da felicidade | 115

    CAPTULO IIIAS LEIS DE CONSERVAO DA NATUREZA | 121

    As leis de conservao na natureza encontradas nos pr-socrticos e na Fsica aristotlica | 123A busca da verdadeira grandeza matemtica. A quantidade de movimento de Descartes | 124O pensamento de Leibniz: vis viva e as mnadas | 126

    A fora imanente em Leibniz e a fora transitria em Newton | 129Huygens e a evoluo do conceito de energia | 130Quem afinal tinha razo: Descartes ou Leibniz? | 131

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    CAPTULO IV

    CAUSALIDADE: HBITO, CATEGORIA OU PRINCPIO? | 135A causalidade nos pr-socrticos e na Fsica aristotlica | 136A causalidade e o Racionalismo | 138A causa imanente e causa transitria | 141Kant e a causalidade como categoria a priori do entendimento. Juzos sintticos e analticosna Fsica | 142Empirismo: causalidade como experincia repetida | 144Quem afinal est certo: empiristas ou racionalistas? | 146Causalidade e racionalidade numrica | 147Causalidade e sincronia em um oscilador forado | 150O empirismo e ensino de Fsica | 156

    Hume, Spinoza ou Kant? Pequena reflexo pedaggica | 158

    Parte IISPINOZA E EINSTEIN E SUAS AFINIDADES POSITIVAS:A TEORIA DA RELATIVIDADE

    CAPTULO VREFLEXES HISTRICAS SOBRE A TEORIA DA RELATIVIDADE.SUGESTES PEDAGGICAS | 163O ter luminfero e a experincia de Michelson-Morley | 166

    As Transformaes de Lorentz | 170A invarincia das leis do eletromagnetismo e o falso relativismo | 174

    Einstein conhecia a experincia de Michelson-Morley? | 176Da Relatividade Especial Geral | 177

    A aceitao da Teoria da Relatividade Geral | 182

    CAPTULO VIENCONTROS METAFSICOS DE EINSTEIN COM SPINOZA:UMA DIDTICA SPINOZISTA DA TEORIA DA RELATIVIDADE | 185O Spinoza de Einstein: um paralelismo biogrfico e filosfico | 188O homem que se mira no espelho | 194Realismo e monismo | 198

    A Durao em Spinoza e na Teoria da Relatividade | 199A simultaneidade em Spinoza e na Teoria da Relatividade | 207

    Consequncias teolgicas da Teoria da Relatividade | 213Tempo como o nmero da causalidade | 215Em busca da unidade | 217O maior erro de minha vida | 220

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    Parte IIISPINOZA E EINSTEIN E SUAS AFINIDADES NEGATIVAS:A TEORIA QUNTICA

    CAPTULO VIIMETAFSICA QUNTICA: O PRINCPIO DE INCERTEZA COMO LIMITE DAPASSAGEM DA ESSNCIA EXISTNCIA | 227Introduo ao princpio de incerteza | 228O princpio de incerteza macroscpico | 232Essncia e existncia na Filosofia | 235

    A essncia e a existncia na Teoria Quntica | 237Princpio de incerteza como resoluo da passagem da essncia existncia | 240

    CAPTULO VIIIOS GRANDES PARADOXOS DA TEORIA QUNTICA | 247

    A incerteza quntica epistemolgica ou ontolgica? | 247O gato morto-vivo do Sr. Schrdinger | 250O paradoxo EPR: realismo, completude e localidade | 256

    O EPR com momentum linear nulo | 256O EPR com spin total nulo | 260

    D. Bohm e uma sada honrosa para o realismo: variveis ocultas so spinozianas? 266Vontade, fenomenologia e as rodas da fortuna da Teoria Quntica | 274

    Vontade e observao | 274Convivendo com a probabilidade e as rodas da fortuna | 279

    Parte IVUMA PEDAGOGIA FILOSOFANTE DA FSICA

    CAPTULO IXDESCENTRALIDADE ONTOLGICA DA NATUREZA NA METAFSICADE SPINOZA | 285Um universo sem centros | 287Ser a cincia melhor que a mitologia? | 293

    A metafsica de Spinoza e a epistemologia contempornea sero compatveis? | 295Modos da substncia ou modos de ser (ressoar) | 299

    CAPTULO X

    PROPOSTAS PARA UMA PEDAGOGIA SPINOZISTA, FILOSOFANTE EPENSANTE DA FSICA | 303Pedagogia filosofante, pensante e pensada | 303Pedagogia do cotidiano | 306

    A Biblioteca da Babilnia e os crocodilos guardies do castelo | 308Identidade e diferena na Pedagogia spinozista | 313Ode a Spinoza | 318

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    NOTAS | 323Nota autobiogrfica | 323Introduo | 323Captulo I | 323Captulo II | 325Captulo III | 328Captulo IV | 330Captulo V | 331Captulo VI | 332Captulo VII | 335Captulo VIII | 336

    Captulo IX | 339Captulo X | 340

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS | 343

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    NOTA AUTOBIOGRFICA

    Desde a adolescncia, manifestei forte vocao para as Cincias Exatas,particularmente para a Fsica e a Matemtica. Aos 15 anos, j tinha lidoalgumas biografias de grandes fsicos, como Einstein, Newton e Galileo, queforam meus primeiros heris, e j havia estudado tambm alguns livros dedivulgao sobre a Teoria da Relatividade de Einstein, cientista cuja vida eobra sempre me exerceram profundo fascnio. Desde a mais tenra infncia,

    ouvia tambm com encantamento meu pai falar sobre um certo filsofo judeude origem portuguesa, de nome Baruch Spinoza, ou Espinosa (como preferemescrever os portugueses e espanhis), que achava que Deus e a natureza erama mesma coisa. E se Deus a prpria natureza em ato por que no estud-laa fundo? Assim, no me foi difcil optar por fazer o vestibular para Fsica. Em1967, j estava matriculado no Bacharelado de Fsica da PUC do Rio deJaneiro. Conclu o curso em 1970 e em ato contnuo inscrevi-me no Mestradode Fsica Nuclear da mesma Instituio, tendo concludo a tese de mestrado,em 1974. Em 1975, prestei concurso pblico para professor Assistente naUFRJ, para a cadeira de Eletricidade e Magnetismo. Por volta desta poca,

    participava de inmeros congressos de Fsica importantes. Publiquei tambmalguns artigos em peridicos considerados do gnero cincia dura.Eu era at ento um exemplo de um fsico bem comportado, e nada

    me demoveria de tornar-me um fsico no sentido clssico do termo: propormodelos matemticos que reproduzissem, com boa preciso, os resultadosexperimentais, publicados em vastas tabelas. Em 1977, fui convidado, peloProf. Srgio Guerreiro, antigo colega da PUC, para dar um curso de Teoriada Relatividade no Instituto de Fsica da UFBA, tendo como alunos vriaspessoas que hoje se destacam no meio acadmico da UFBA. Em 1978, fuicontratado pelo antigo Centec, hoje Cefet, para ajudar a implantar a estrutura

    departamental e, em 1980, de volta UFRJ, iniciei meu doutorado em Fsicamolecular, concluindo os crditos e boa parte da tese cujo ttulo provisrioera: O efeito esteira nos potenciais inicos bi-atmicos. O fsico srio e bemcomportado estava em franca atividade.

    No entanto, depois que voltei da Bahia, percebi que a minha vida jamaisseria a mesma, pois meus interesses haviam mudado drasticamente. Comecei a

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    interessar-me por Filosofia e Msica, alm de que me casei com uma baiana queme convenceu a mudar definitivamente para Salvador, e assim, de fsico srio ebem comportado, passei a ser considerado pelos meus colegas como uma almainquieta ou at mesmo como sujeito irrequieto. Em 1982, transferi-medefinitivamente para o Instituto de Fsica da UFBA lecionando a partir de ento vrias disciplinas do currculo de graduao de Fsica, mas a minha mente jestava sinalizada para outras motivaes. A busca das certezas da Fsica no mesatisfazia mais, preferindo a minha alma inquietar-se com as lacunas e carnciasda especulao filosfica, bem como com as subjetividades da Msica.

    Como primeiro sinal de minha mudana, em 1984, para espanto de

    meus amigos mais prximos, e de meus velhos pais, abandonei no meio areferida tese de doutorado em Fsica molecular, matriculando-me, em 1984,no curso de Composio e Regncia da Escola de Msica UFBA, tendo sidoaluno de grandes compositores como Ernst Widmer e Lindembergue Cardoso,chegando a compor algumas peas eruditas como trios e quartetos. Por voltade 1986, dediquei-me critica musical iniciando um perodo de 12 anoscomo crtico de msica erudita no Caderno Cultural do jornalA Tarde, ondepermaneci at 1998, tendo publicado centenas de artigos de crtica deespetculos e anlise musical.

    Em um segundo momento de minha nova vida, a partir de 1988, reiniciei

    meus estudos de Filosofia e Histria da Cincia, comeados na adolescncia.Em 1990, numa poca em que no Brasil poucos fsicos se interessavam porHistria ou Filosofia, criei, no Instituto de Fsica da UFBA, juntamente como Prof. Benedito Pepe, os Seminrios de Ensino, Histria e Filosofia da Fsica,que evoluram para o que hoje denominado de Programa de Mestrado emEnsino, Histria e Filosofia da Cincia.

    A partir de 1998, resolvi revisitar meus dolos da adolescncia, tendo-me dedicado ao estudo exaustivo da filosofia de Baruch Spinoza e supostainfluncia que o filsofo judeu exerceu sobre a Fsica moderna, em particularsobre o maior fsico do sc. XX: Albert Einstein. Lembro-me bem que desde

    a infncia no Rio, eu j sentia, em relao a Spinoza, uma espcie de veneraosomente dedicada aos grandes sbios, e que foi certamente, como j mencionei,herdada de meu pai que sempre me repetia:Deus sive natura (Deus, ou seja,a natureza). Ao invs de tomos, eltrons ou foras nucleares, questes centraisda Filosofia como a vontade, o livre-arbtrio, a necessidade e contingncia nanatureza passaram a ser objetos de minha investigao, procurando sempre

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    articul-los com as idias da Fsica, principalmente s de realismo, determi-nismo e indeterminismo que habitam a Teoria da Relatividade e a FsicaQuntica. nesta mais recente rea de interesse que acredito poder contribuirmelhor para o alargamento dos horizontes da Fsica, inicialmente desnudando-a de suas linearidades artificiais para depois vesti-la com suas inmerasarticulaes com a Filosofia, a Histria, a Msica e a Educao, revisitando oesquecido quadrivium renascentista.

    Como exemplo dessa proposta filosfico-pedaggica, focalizarei meuolhar sobre aquilo que considero um dos mais pungentes exemplos detransmisso, afinidade, e at certo ponto, analogia de idias existentes entre

    dois sistemas de pensamento separados, no s por contextos muito distintos,como por sculos. Relatarei, com certa dose de intuio, que a influnciaque Spinoza exerceu sobre Einstein atravessou sculos de histria, perpassandopor contextos polticos e religiosos muito distintos, resistindo at a mudanasradicais de paradigmas cientficos. Enquanto Spinoza viveu em pleno sculodo determinismo racionalista, sendo um precursor do Iluminismo, Einsteinteve que enfrentar um vendaval indeterminista, provocado pela recm-criadaTeoria Quntica, mantendo, at o final de sua vida, contra quase todos oshomens de cincia de sua poca, uma renitente postura causal-deterministaque pareceu, a muitos, anacrnica.

    No entanto, tais afinidades sero muito mais abduzidas do que deduzidasou induzidas factualmente. Trabalharei muito mais como uma espcie deSherlock Holmes e, munido de uma lente de aumento, ao invs de inexistentesprovas cabais, buscarei cuidadosamente indcios, pistas, pegadas, coletandoimpresses digitais metafsicas que se escondem por detrs, e nas entrelinhasdos dois sistemas de pensamento. Como acontece nas tramas policiais, seronos vestgios, deixados nas cinzas dos cachimbos que Spinoza e Einsteincostumavam fumar, que buscarei as conexes, confirmando as suspeitas decumplicidade entre nossos dois protagonistas.

    Como professor de Fsica h mais de 30 anos, acredito tambm que a

    identificao de elementos metafsicos, comuns em Spinoza e Einstein, sertil para um melhor entendimento da Fsica como um todo, e em particulardas teorias da Relatividade e Quntica, geralmente ensinadas nas salas de aulacomo construes internas da Fsica, que se bastam e esgotam em si mesmas.

    No final, desta feita entregue especulao fenomenolgica, questionareio fato de que muitos sistemas filosficos contemporneos no conseguiram

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    romper com o geocentrismo pr-galileano nem com a ideia do ter pr-einsteiniano, fazendo do homem o centro ontolgico do mundo a partir doqual se conhecem e escrevem as leis da natureza. Contrariamente, comorefletirei ao longo do texto, Spinoza e Einstein percebem o homem comoente finito do universo que pensa junto com a natureza-universo, sendo umelemento daphysis, ou segundo o jargo spinozista, um modo (de ser) finitoda substncia.

    Percebo em Spinoza, um cosmocentrismo em que uma Realidade-Substncia nica, ilimitada manifesta-se, ora na forma dos corpos fsicos extensos,e ora na forma de pensamentos, os chamados modos ou acidentes da substncia

    do qual o homem apenas um desses entes possveis. J em Einstein, a naturezatambm ganha o estatuto do absoluto, sendo as suas leis universais, eternas einvariantes, tendo o fsico descartado o ter, ltimo cenrio imvel e privilegiadodo universo em relao ao qual as leis da Fsica poderiam ser escritas de maneiranica e singular, propondo ao invs uma equivalncia de todos os sistemas dereferncia. Fechando o crculo das abdues, acredito ento ser a descentralidadedos sistemas de referncia de Einstein e daNatura de Spinoza, um dos pontoscomuns de tangncia entre os dois sistemas de pensamento. Sobre esse ponto,onde os dois tecidos se dobram, formando uma malha, inextricavelmenteentrelaada, focalizarei a lente de aumento do detetive persistente em busca

    dos detalhes quase imperceptveis a olhos desatentos.Creio que esse texto pode muito bem ser entendido pela citao abaixo,de N. Russell Hanson:

    Toda observao uma experincia de ver, compreender X, como sendo Y(ver um X como sendo isto ou aquilo). Observar , pois, fazer uma experinciade codificao ou de decodificao1.

    Farei assim do pensamento cientfico de Einstein o meu X central, vendo-o, no entanto, no como um X fechado em si mesmo, mas desdobrando-senum Y, que para mim a tica de Spinoza. Depois da apresentao dametafsica de Spinoza, proponho-me a decodificar as idias filosficas deEinstein, ora traduzindo seus signos para a linguagem da tica, e ora, nestaltima, encontrando elementos relativsticos, em algumas de suas definiese proposies.

    A questo central deste trabalho ser, ento, caracterizar os limites destapoderosa articulao entre X e Y para, desta forma, ampliar os horizontes

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    perceptivos do processo da criao e transmisso do saber cientfico, e comisso, reeducar cientificamente.Esta reeducao no visa ensinar a Fsica com vistas a objetivos apenas

    tcnicos, mas muito mais, entend-la como forma de disposio atenta dohomem frente ao cosmos, ao universo e natureza da qual no pode serposto parte, como um ser transcendente. , pois fundamental efundamentante neste texto, a necessidade de entender a Cincia no comoum X tecnocientfico nutrido pela factualidade positivista, mas tambm comoum Y filosfico germinado na intuio criativa e temperado com as finasessncias de uma metafsica que vige noAmor Intelectualis Dei e na perenidade

    das leis da natureza que podem ser entendidassub speciae aeternitatis.Com esses objetivos que podero ser considerados, por algumas mentespragmticas, como difusos, e por outras, como demasiadamente extensos,ou at mesmo pretensiosos, resolvi escrever este livro como uma autobiografiacientfica no estilo como vejo o mundo. Gostaria de agradecer ao Prof.Dante Galeffi, que de pronto entendeu as motivaes autobiogrficas dessetexto, o que possibilitou-nos um dilogo ressonante e fecundo que a meuver transborda em muito os limites estritamente cientficos, irrigando reasde saberes multidisciplinares, como a Cincia, Filosofia e a educao cientfica.

    Acredito assim que o conflito entre o fsico bem comportado, da

    PUC e UFRJ, e a alma inquieta que de mim se apossou depois de minhavinda Bahia, apesar do longo tempo decorrido, est chegando ao fim. Acredito poder contribuir para o alargamento dos horizontes doentendimento e ensino da Fsica, disciplina esta qual tenho me dedicado aolongo de minha vida acadmica e que ser vista aqui no como umarepresentao matemtica feita por um sujeito externo natureza, mas como

    um estado corpreo e mental de um homem imerso dentro dela.Em suma, a alma inquieta e o fsico bem comportado que pareciam

    digladiar-se num conflito existencial sem fim, no interior de meu esprito,podero celebrar, enfim, a tensa paz dialtica de contrrios, resgatando a

    essncia de meu pensamento.

    Salvador, 16 de setembro de 2008,

    O Autor

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    PREFCIO

    No mbito da literatura espinosana o presente livro um contributosingular, abrindo caminhos at agora inexplorados, que certamente agradariamao autor da tica. Outra coisa no se esperaria de Roberto Ponczek, umhomem de interesses variados e de mltiplas paixes. Fsico por formao tambm filsofo, msico e pedagogo, estabelecendo habilmente pontes nestesdiversos domnios. O olhar com que contempla o real constri snteses e

    concilia divergncias. o olhar de um mestre, de algum que entende oensino/aprendizagem como caminho para descobertas deslumbrantes e nocomo atividade mecnica de quem recebe informao e obrigado a devolv-la. H um enfoque pedaggico que constitui o fio de Ariadne orientador dopercurso desta obra, perspectiva explicitamente assumida e anunciada noprprio ttulo:Deus ou seja a Natureza: Spinoza e os novos paradigmas da Fsica.

    A tnica dominante dilgica, estabelecendo-se um inter-cmbio entrea Filosofia e a Cincia, nomeadamente entre a Filosofia e a Fsica. Logo naintroduo, Ponczek lamenta o equvoco que leva ao divrcio entre fsicos efilsofos, geralmente de costas voltadas uns para os outros, dizendo os

    primeiros que a Filosofia pura perda de tempo e queixando-se os segundosda linguagem hermtica da Fsica. Na seqncia de Kuhn, que j se insurgiracom o modo an-histrico (ou mesmo anti-histrico) como habitualmentese ensinam as diferentes cincias, o autor prope uma pedagogia e umadialctica das mesmas que no as considera como algo fechado, neutro, prtico,

    linear, objectivo e desprovido de historicidade(ver Introduo). seu objectivomostrar como o pensamento cientfico se desenvolve em espiral, inseridonum contexto histrico, metafsico, ideolgico e mesmo religioso e artstico,do qual seria artificial descol-lo.

    Numa clara oposio ao positivismo comteano, Ponczek defende a

    proximidade da Cincia e da Filosofia, provando que certas questes cientficass sero compreendidas pelo recurso metafsica. Em dilogo com esta teseprimeira possvel destacar outras subteses que Roberto Ponczek abordacom igual entusiasmo e que constituem as traves mestras do seu trabalho.So elas: demonstrar que possvel ensinar/compreender a Fsica, tendo comopano de fundo a filosofia de Espinosa; tornar visvel a influncia deste filsofo

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    seiscentista na Teoria da Relatividade de Einstein; reflectir sobre a separaoda Filosofia e da Cincia depois da implantao e aceitao de um sujeitohumano transcendental; propor uma pedagogia geral e especial (no caso daFsica) orientada por trilhos espinosanos.

    O itinerrio que o autor nos prope procura estabelecer passadios entreduas pocas (o sc. XVII e o sc. XX) e entre dois filsofos (Espinosa eEinstein). Um projecto tanto mais difcil quanto sabemos tratar-se de doispensadores inseridos em contextos marcados por ideologias cientficasfortemente contrastantes o racionalismo determinista do qual Espinosa representativo e o indeterminismo provocado pela Teoria Quntica, contestado

    por Einstein. Sendo Einstein uma das estrelas deste livro, preocupao dePonczek mostrar como nas suas teorias h uma constante presena do filsofoluso-judeu, algum que o autor da Teoria da Relatividade profundamenteadmirou. Distanciando-se das linhas dominantes da Filosofia contempornea,marcada por querelas lgico-lingsticas, Ponczek retoma a trama metafsicaque to grata foi a Espinosa, aproximando a descentrao antropolgica queeste pensador defendeu e as teses einsteinianas nas quais o homem pensadojuntamente com a Natureza. Assim a Teoria da Relatividade deixa de ser umaconstruo interna da Fsica e passa a entender-se de um modo articuladocom a imanncia espinosana.

    H que re-ensinar a ensinar para que se possa re-aprender a aprender.Ora o novo modelo pedaggico que nos proposto para uma didctica daFsica passa pela recuperao de Espinosa, um pensador que os alunos decincias praticamente desconhecem, desconhecimento tanto mais grave quantoeste filsofo representa uma excepo altivez do sujeito (captulo IX), atitudeque Ponczek contesta, mas que reconhece ser dominante na Histria da Fsica.

    A crtica ao modo como habitualmente se ensinam as diferentesdisciplinas cientficas o primeiro degrau para uma proposta ambiciosa motivar os alunos para a leitura e o estudo das obras originais dos grandesclssicos da Fsica, levando-os a interessar-se por teses filosficas sobre a

    Natureza. Se durante muitos sculos a Cincia e a Filosofia foram irmssiamesas, pois a grande maioria dos filsofos deu contributos relevantes aocampo cientfico, h que retomar a prtica salutar de um cruzamento deolhares, trazendo-a para o domnio pedaggico, de molde a que o ensino dascincias deixe de ser assptico, repetitivo e desinteressante como infelizmentetem sido hbito. essa a proposta de Ponczek que, no se contentando em

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    reactivar o dilogo entre Filosofia e Fsica, apela tambm para a Msica. Porisso coloca em paralelo Bach, com a sua esplendorosa msica do sujeito e arevoluo cientfica e filosfica ocorrida no sculo XVII, que coloca o homemno centro do Universo, tornando-se ele, e no a Terra, o ponto de refernciade todas as coisas.

    O autor critica o realismo ingnuo dominante nas comunidadescientficas contemporneas que nunca conseguiram abandonar o positivismoe as suas marcas. Para ele evidente que fotes, electres e meses noconstituem os fenmenos enquanto tal, colocando-se como entidadessimblicas, signos que nos facultam uma descrio coerente da realidade e

    nos permitem prever com eficcia. Por isso, combate a entificao de taisnoes e defende para a Fsica uma pedagogia aberta, na qual Espinosa eEinstein so estrelas de primeira grandeza. seu intuito transpor as redomas

    de vidro em que o fsico ps-kantiano se aprisionou (captulo IX). E porqueEspinosa sempre defendeu que o mundo e os homens comungam de umamesma essncia, ele um dos interlocutores dominantes nesta propostainovadora.

    Em Espinosa, tal como em Einstein, o homem calculador que se colocafora do mundo substitudo pelo homem ressonante que se torna porta voz

    do lgos e mensageiro do ser (captulo IX). Em ambos h uma sintonia do

    homem com o Universo, do qual o primeiro expresso. Muito mais do quecom a Fsica do seu tempo que entende o homem como centro ontolgico ecognitivo do universo a descentrao espinosana est em convergncia com oprojecto de Einstein. De facto, ambos sustentam a primazia da Naturezasobre o homem e no deste sobre aquela. Um e outro defendem um pantesmonaturalista bem como uma causalidade determinstica inerente Natureza.Com uma distncia de sculos, filsofo e cientista esto em consonncia quantoao conceito de causalidade, entendendo-a como condio ontolgica douniverso. Ambos recusam concepes que a consideram como algoempiricamente construdo, maneira de Hume, ou como uma categoria do

    esprito humano, seguindo a perspectiva de Kant.Tal como Espinosa desenvolveu o seu sistema apoiando-se em definies

    iniciais, tambm Einstein partiu de dois postulados universais e atemporaisenunciados sem demonstrao, deduzindo a partir deles uma cadeia silogsticaque levou desconstruo do espao e do tempo absolutos (captulo VI).No dizer de Ponczek: as conseqncias da Relatividade ferem brutalmente o

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    senso comum e, portanto no poderiam ser directamente obtidas da experinciasensorial, como defenderiam os empiristas clssicos (captulo VI). uma posioque se poderia transferir para Espinosa, calando as objeces de alguns dosseus leitores, nomeadamente dos que se insurgem quanto arbitrariedadedas definies iniciais da tica.

    Para alm destas e doutras afinidades positivas que aproximam os doispensadores judeus, h tambm discordncias que os unem pois, como lembraPonczek, aqueles que tm inimigos comuns amigos so. Tanto Espinosa comoEinstein hostilizaram (e foram hostilizados) pelaintelligentsia coeva, opondos teorias dominantes vises desviantes, que as contestavam. Assim aconteceu

    com Espinosa que crescente empiricizao da Cincia ops uma vertentemetafsica, assente em essncias intemporais. Assim aconteceu com Einsteinque discordou da Teoria Quntica da Escola de Copenhaga, criticando oindeterminismo. Os dois negaram a contingncia, quer ontolgica querantropolgica. Os dois se demarcam de interpretaes mecanicistas ereificantes do conceito de tempo, sendo a universalidade e a atemporalidadedas leis da Natureza um dos tpicos do espinosismo que mais influenciouEinstein.

    O livro de Ponczek desenrola-se em dez captulos, precedidos de umaapresentao do autor e dos objectivos pretendidos. O primeiro captulo d-

    nos uma breve biografia de Espinosa, como seria de esperar por parte dequem considera importante o contexto e a histria pessoal no que respeita gnese e compreenso das teorias. No pretendendo fazer uma anlise exaustivado trabalho em causa, limitar-nos-emos a assinalar aspectos que nos pareceramparticularmente interessantes, sublinhando alguns pontos polmicos e/ouinterpretaes originais. Deste modo, relevamos do captulo II (A filosofiade Spinoza e algumas lies pedaggicas) uma curiosa interpretao dosatributos, entendidos como projeces da substncia em diferentes planos,sendo os modos considerados como duplas manifestaes locais finitas de um

    ser ilimitado (captulo II). o olhar do cientista que, atravs dos conceitos

    de inrcia e de fora externa, aproxima a pequena fsica do autor datica e agrande mecnica de Newton (captulo II.). De particular interesse para osalunos de Fsica ou para quem pretende obter conhecimentos nesta matria o captulo V Reflexes histricas sobre a Teoria da Relatividade.Sugestes didticas. Nele Ponczek prope-se fazer uma histria bem

    comportada da Teoria da Relatividade Especial e Geral integrando estas teses

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    num contexto interdisciplinar amplo. As discordncias de Einstein peranteas teorias de Mach e de Heisenberg so-nos apresentadas como reforo daposio defendida pelo autor da Teoria da Relatividade, cujo objectivo compreender a Natureza tal como ela e no como se nos apresenta aos sentidos(captulo V). Nota-se um desejo marcado de contextualizao das teoriasfsicas neste caso as Teorias da Relatividade Geral e Especial ligando-as,bem como as suas antecessoras, s especulaes filosficas dos seus autores(captulo V). De igual modo ntida a vertente pedaggica, uma perspectivaque Ponczek nunca abandona e que resulta da sua longa experincia de ensino.Devido a ela aconselha os professores a nunca abandonarem o humor, por

    muito formais e cientficas que sejam as teses que ensinam. tambminteressante e esclarecedor o relato feito das crticas ideolgicas a que foramsujeitas as teses de Einstein, sobretudo por parte de fsicos alemes anti-semitas.Mais uma vez fica patente que o conhecimento cientfico no se desenvolvenuma redoma e que h factores extrnsecos que so parte importante da suagnese.

    Se o captulo V de cariz predominantemente histrico e cientfico, ocaptulo VI Encontros metafsicos de Einstein com Spinoza tem umavertente filosfica, embora no abandone a incidncia pedaggica. O objectivo sublinhar a convergncia entre o programa de pesquisa cientfica de Einstein

    e a metafsica de Espinosa. Trata-se, pois de mostrar a professores e alunos deFsica, as vantagens que tero se perceberem as Teorias da Relatividade (especiale geral) a partir do pensamento de Espinosa e no como uma construo

    interna da fsica (captulo VI).A perspectiva filosfica e a presena de Espinosa continuam a fazer-se

    sentir no captulo VII que se debrua sobre a essncia, a existncia e o princpiode incerteza. Inicia-se com ele um processo diferente a explorao dasafinidades negativas entre Einstein e Espinosa, ficando patentes asdiscordncias do primeiro relativamente a Bohr, Born e Heisenberg. Tal comoo filsofo judeu se ops aos sistemas metafsicos coevos, tambm Einstein se

    insurgiu contra o indeterminismo e a contingncia defendidas pela Escola deCopenhaga. A presena do autor da tica continua a fazer-se sentir nasinterpretaes contemporneas da Teoria Quntica e da Teoria da Relatividade,como o caso das teses de Bohm. Estas so hipteses que devolvem ao mundo

    microscpico o determinismo tido como perdido (captulo VII), dizendo-nosPonczek que a teoria das variveis ocultas representa a consumao dos sonhos

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    de Espinosa e de Einstein no que respeita a um mundo ordenado, livre decontingncias e de arbitrariedades.Os captulos IX e X integram a ltima parte da obra, nitidamente

    orientada para a pedagogia, propondo-se Ponczek corrigir as actuaisdeficincias do ensino/aprendizagem da Fsica, mediante o recurso a Espinosa.Trata-se de uma pedagogia filosofante, descentralizada e descentralizadora,uma pedagogia sem sujeitos nem objetos (captulo IX). Retomando a metforado martelo que o filsofo judeu usara no Tratado da Reforma do Entendimento,Ponczek prope-nos uma pedagogia que contrarie a especializao estreita eacarinhe a viso interdisciplinar. Para ele, h que pensar como a Natureza

    pensa (captulo X). Ora o pensar faz-se ser atravs de ns mesmos, poissomos modos do Ser e, como tal, o conhecimento implica uma vibraocomum do Ser com os seres bem como dos seres entre si. Pensa-se, comoEspinosa nos props, junto com e no sobre o Universo (captulo X),estabelecendo-se uma cosmodinmica no acto de pensar.

    A preocupao pedaggica est patente no cuidado com que se expem,de um modo claro e acessvel aos leigos em Fsica, teorias to complexas comoa Relatividade Geral e Especial ou o princpio da incerteza. A mesma ateno concedida aos leitores no filsofos, para os quais certas noes bsicas comoessncia, existncia, durao, substncia, tempo, so apresentadas de um modo

    simples embora no simplista. A abstraco dos conceitos quer da Fsica querda Filosofia minorada pela apresentao da gnese dos mesmos e pela suainsero no contexto histrico e cultural em que surgiram, o que os torna maisacessveis permitindo a sua integrao nas referncias significativas e conceptuaisdos leitores. O uso constante de histrias e de metforas outro auxiliardeterminante, conseguindo que um discurso em si mesmo difcil se torne familiarpara a mente de quem estuda. Note-se que todas estas ajudas no prescindemde dois requisitos prvios, indispensveis segundo Ponczek para todo o aprendizde Fsica: que saiba clculo e que domine o raciocnio matemtico.

    O captulo X o culminar das intenes do autor. Nele nos proposta

    uma pedagogia spinozista filosofante e pensante , porque a Natureza em Espinosano pensada mas sim pensante. Ao formular as leis o homem a Naturezaem acto. Ele no cria as leis, antes as descobre, agindo e pensando emconformidade com a substncia. Inspirado em Espinosa, Ponczek fala-nos da verdade como um campo ressonante de foras, um resultado dacomparticipao do homem com a Natureza.

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    A pedagogia clssica encara o mestre como transmissor de conhecimentosa um aluno que os absorve. Mais perto de ns, comeam-se a considerarfactores psicolgicos, atendendo-se s motivaes e aos interesses do aprendiz.Ponczek vai mais longe, entendendo o termo conhecimento no seu sentidofrancs de connaissance, letra nascer com. Por isso valoriza o renascimentoque toda a aprendizagem verdadeira implica, renascimento que decorre darelao dialgica. Mestres e alunos compartilham de um mesmo saber que trabalhado na sala de aula. Inspirado em Espinosa e Einstein o autor propeaos professores que estabeleam nas suas aulas uma relao descentralizada,dialgica, fruto da relao entre partes e todo. Mestres e aprendizes devero

    compartilhar um mesmo saber. um processo solidrio que no prescindede um percurso solitrio, uma aprendizagem individual e exigente que serefora com aquilo que experimentamos todos os dias. A insero noquotidiano, no que este tem de aparentemente banal e comezinho, permite-nos perceber que somos partes, malhas ou elos de uma cadeia contnua. Ora na resoluo desses aparentemente pequenos e triviais problemas queaprendemos a compreender o mundo.

    Diferentemente das questes que a Fsica tradicional impe aos seusalunos, as propostas de Ponczek processam-se de dentro para fora, partem devivncias, no so artificialmente impostas. Para ele, o mestre espinosista

    descentralizador, substituindo as certezas por dvidas e obrigando a umpensamento solidrio. O aluno aprender a estar atento aos fenmenoscircundantes e a sua iniciao cientfica far-se- atravs deles, dispensando orecurso a bibliografias extensas pois o excesso de livros pode ter efeitosnocivos. Ponczek contesta as bibliotecas de dimenses babilnicas,considerando-as como verdadeiros obstculos para um conhecimentoconseguido.

    O autor termina com uma recolha de trechos de pessoas clebres queescreveram sobre Espinosa, mostrando como este as influenciou, motivouou simplesmente encantou. um convite a ulteriores leituras para as quais o

    presente livro nos foi preparando, um livro que lemos com muito agrado,que nos interpelou, motivou e levantou questes. Houve interpretaes quenos intrigaram e/ou surpreenderam; outras houve das quais discordamos.No entanto, todas elas nos fizeram pensar ou mesmo rever posicionamentos.A abertura para novos rumos do pensamento espinosano a melhorhomenagem que podemos fazer a quem simultaneamente nos fez tomar

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    conscincia do modo como determinismo e liberdade convivem em cadahomem. Como escreveu Ponczek : necessrio fazer da finitude do homem o seu projecto e no a sua priso(captulo X). No presente livro h inmeraspistas para um projecto libertador.

    Lisboa, setembro de 2008

    Prof. Maria Luisa Ribeiro FerreiraDep. de Filosofia Fac. de Letras da Univ. de Lisboa

    Alameda da Universidade Lisboa Portugal

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    INTRODUO

    Constatei pelo meu longo priplo por vrias universidades, congressos,encontros, simpsios, tanto de Filosofia como de Fsica, que os filsofosdesconhecem a Fsica na mesma proporo que os fsicos desconhecem aFilosofia. Os filsofos alegam que a Fsica enveredou por tcnicas e matemticasmuito especializadas tornando-se de difcil compreenso para quem no tiverum longo adestramento nos mtodos matemticos e experimentais utilizados.

    J os fsicos, ainda mais pragmticos, alegam que a Filosofia pouca ou nenhumautilidade para eles ter. Alguns mais radicais chegam a dizer de alto e bomtom que a Filosofia pura perda de tempo. Tenho por objetivo maiormostrar que ambos esto equivocados. O mal-entendido e a falta decomunicao entre as duas comunidades do-se principalmente pela formapontual, a-histrica e antifilosfica como so ensinadas e divulgadas ascincias, e dentre estas a Fsica, em nossas escolas e universidades. Pretendoassim apresent-la (notadamente a Teoria da Relatividade e a Teoria Quntica)de ngulos bastante distintos de como normalmente apresentada nas nossasinstituies de ensino e pesquisa. Acredito que a forma em que sero expostas

    as duas mais importantes teorias da Fsica moderna, desvelando as suasmltiplas articulaes com a Filosofia, poder ser til no s a filsofos efsicos, mas tambm a um pblico culto interessado nas principais indagaesda contemporaneidade. Sempre que possvel, estarei buscando um justoequilbrio de foras do pensamento cientfico e filosfico, visando o centrode gravidade dessas atividades do esprito humano.

    Para sossego dos fsicos mais ortodoxos, , no entanto, importantesublinhar que a abordagem com a qual aqui ser tratada a Fsica no pretendesubstituir os mtodos tradicionais de operar os conceitos matemticos, poisseria temerrio supor que seu aprendizado possa ser feito sem um amplo e

    seguro domnio do ferramental matemtico. Sabe-se perfeitamente o poderda matemtica no s como a linguagem da Fsica, mas tambm como agrande metfora da natureza, que atravs de um simples signo, ou uma relaoentre eles, pode representar uma extensa narrativa dos fenmenos naturais. Aconquista do quantitativo e da preciso adquiridos a partir da revoluocientfica do sc. XVII irreversvel, e s foi possvel com a matematizao

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    dos fenmenos ocorrida a partir de Kepler e Galileo. O que pretendo servirde harmonia e contraponto filosfico s construes matemticas operacionaisda Fsica que tanto assustam os no-iniciados, vislumbrando nesta cinciauma aproximao essencial com a Filosofia, a Educao e a cultura. Nolinguajar mdico significaria propor, para a cura da pedagogia da Fsica, umtratamento alternativo sem remoo da medicao principal. O que me movea propor esse novo ngulo de visada sobre a Cincia, e sobre a Fsica, emparticular, , repito, a forma estanque e pontual com que ela geralmenteensinada nas salas de aula de nossos estabelecimentos de ensino mdio esuperior. A Fsica apresentada nas academias parece bastar-se a si prpria tal

    qual um castelo feudal isolado por profundos fossos que ocultam os vnculoscom a histria do pensamento filosfico ou da prxis cotidiana, repelindofilsofos e outros pensadores da cultura.

    De fato, os textos, ementas, planos de cursos das disciplinas de Fsica,adotados e praticados nas salas de aulas das universidades brasileiras, desde ops-guerra, so, em sua grande maioria, tradues e adaptaes de textos deautores norte-americanos, apresentando a Fsica em complexas construesmatemticas fundadas em exaustivos programas experimentais. Segundo essestextos, foi inventada por Newton, reinventada por Einstein, tendo em Galileouma espcie de coadjuvante esforado, porm pouco eficiente. Kepler e

    Coprnico so agraciados com uns poucos pargrafos. Descartes, Kant ouHume quase nunca so mencionados; e nosso filsofo homenageado, Spinoza,um ilustre desconhecido.

    Esses textos e programas, tecnicamente corretos, porm, sob os pontosde vista histrico e filosfico, extremamente pobres, j formaram vrias geraesde fsicos, qumicos, engenheiros, matemticos e professores com inegveleficincia e pragmatismo. No entanto, pelo menos trs reflexes muito preciosasse perderam neste processo de aprendizagem: a possibilidade da Fsica abrir-ses questes metafsicas, aparentemente to distantes, mas que no passado lhederam origem; buscar na Fsica, particularmente em algumas de suas teorias,

    elementos relevantes para alguns dos problemas mais bsicos da teoria doconhecimento, como sua origem, a essncia ou possibilidade; e finalmenterestituir o sentido originrio de tempo na histria da criao cientfica, buscandosua imbricao com outras atividades do esprito.

    De fato, a Cincia surge, dos livros, cursos e do discurso da maioria dosprofessores universitrios, como flashes instantneos que, em passes de mgica,

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    nos induzem a crer que Newton, Einstein, Heisenberg ou Bohr, dentre outros,sem nenhum vnculo com os contextos histricos e filosficos de suas pocas,tiraram de suas cartolas o conjunto de axiomas e leis com as quais sintetizarama cincia de milnios. Esteabracadabra faz surgir diante dos alunos, prontas ereluzentes, as relaesF = ma,E = mc2 ou E = h, antes mesmo que o raio deluz, que Einstein havia imaginado, toque o espelho! O objetivo ensinar,assim, a Cincia como algo fechado, neutro, prtico, linear, objetivo, desprovidode historicidade e conduzindo ora a um positivismo ingnuo ora a umempirismo radical. No prioritrio saber como nascem e evoluem as ideiascientficas, nem estabelecer vnculos e articulaes entre elas, mas sim, como

    aplic-las de sorte a produzirem efeitos prticos e imediatos. A corridatecnolgica e as frias leis de mercado nutrem esta pedagogia at os presentesdias. Portanto, no nos revelado como so penosos, lentos e sinuosos osprocessos de evoluo e aprendizado das ideias cientficas, e muito menos comoestas se relacionam com a totalidade das manifestaes do esprito humano.

    Procurarei assim mostrar como o pensamento cientfico pode caminharem espirais de forma que ideias novas e revolucionrias podem conter, mesmoque inconscientemente, ideias religiosas, artsticas ou metafsicas. De fato, ahistria do pensamento registra muitos exemplos de entrelaamento deatividades que hoje nos podem parecer como pertencentes a domnios

    completamente distintos, como a Cincia, a Filosofia, as Religies, as Artes ea Cultura de uma forma geral.Ser a recriao de antigas ideias, ou a articulao, entre si, das diversas

    atividades culturais, uma mera coincidncia? Ou ser a estrutura dopensamento, muito mais complexa do que parece? Ter o homem a estranhacapacidade de memorizar a origem de sua espcie repetindo ideias seculares?Certamente, o pensamento cientfico, e sua transmisso, evoluem de formabem mais complexa de como divulgado pela grande parte dos textos ecurrculos de Fsica, nos quais esta cincia aparece ensimesmada numaobjetividade pontual produzida por lampejos isolados de gnios

    descomprometidos com a sociedade e a Histria, que se movem apenas pelasmotivaes internas de uma cincia pretensamente neutra.

    Segundo T. Kuhn1, a tendncia dos livros-textos, a que ele denomina demanuais, a tornar linear o desenvolvimento da Cincia, acaba escondendo oprocesso que est na raiz dos episdios mais significativos de desenvolvimentocientfico.

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    O ensino de Fsica, engenharias e das cincias em geral, na maioria dasuniversidades brasileiras (e por induo no tenho receio de generalizar estaobservao para universidades de outros pases), limita-se assim leitura, porparte dos estudantes, de livros-textos especialmente preparados para adestr-los em problemas normais e corriqueiros das teorias aceitas, at aquele momento,como corretas representaes da natureza. Em seguida, os estudantes sosubmetidos a uma srie de longas e estafantes listas de exerccios que reduzemo aprendizado a uma operao de condicionamento de reflexos do tipo talproblema tal frmula. Certa vez, quando estudavam juntas, ouvi minha filhaMilena e suas colegas repetirem coisas tais como povot igual pivit ou perua

    velha no rejeita tarado. Perguntei-lhes o que significavam essas palavras bizarras,sendo informado, para meu espanto, que se tratava de frmulas de Fsica...Como depois me confidenciaram, a primeira das expresses era uma forma dememorizarem a expresso Po Vo/To = Pi Vi/Ti, a chamada lei dos gases perfeitos,enquanto a segunda era um acrstico para PV= nRT, a lei de Clayperon!Muito mais relevante que memoriz-las entender que as expresses matemticasfalam com o cientista ou tecnlogo a linguagem da natureza, assim comouma partitura ressoava, em silncio, nos ouvidos de um msico surdo comoBeethoven... At a ps-graduao, e em muitos casos at a sua concluso, muito raro que os estudantes dos cursos cientficos sejam incentivados por

    seus professores e orientadores a ler textos originais dos grandes pensadores (aschamadas fontes primrias) ou livros de Histria ou Filosofia da Cincia. Oprocedimento pedaggico comumente adotado, levado aos ltimos estgiosda formao de um cientista, faz com que este adquira um conhecimento parcialda cincia e passe a acreditar erroneamente que no passado a evoluo dopensamento ocorreu de forma linear at chegar, sem traumas, s ideias e prticascientficas em vigor; e que no presente estas mesmas prticas sejam as nicaspossveis e imaginveis. Por outro lado, muito comum tambm, as academiasde cincia incutirem nos alunos um empirismo banal no qual as grandesdescobertas cientficas aparecem sempre precedidas por exaustivos programas

    de experimentao, como se a mente no fosse capaz de dar saltos que sintetizamvrios saberes e a intuio no pudesse estabelecer relaes entre os fatos passadosou futuros. Por exemplo, comumente ensinado nas salas de aula que Einsteins pde desenvolver a Teoria da Relatividade Restrita depois de tomarconhecimento da experincia de Michelson-Morley, o que ele jamais reconheceu.

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    Criam-se assim, no seio dessas academias, tcnicos-cientistas altamenteadestrados na resoluo de problemas da cincia em vigor, mas que, poroutro lado, sem a necessria visada multidisciplinar, em momentos de crise,sero pouco capazes de questionar criticamente uma cincia qual sehabituaram a perceber como intocvel, alm de que incapazes, se necessrio,de buscar solues heterodoxas. Para qu perder tempo lendo as obras originaisde Coprnico, Kepler, Newton ou Einstein, se os textos as resumem de formaa tornarem-nas teis para a prtica cientfica? Para qu ler Aristteles, Descartes,Spinoza ou Kant, se suas elucubraes filosficas pouco tm de teis para aresoluo de problemas cientficos atuais ou para a consolidao das teorias

    vigentes? O pragmatismo com que so treinados os fsicos e professores deFsica, isolando-os em pequenas comunidades pretensamente auto-suficientes,leva falsa impresso de inacessibilidade que alunos, o pblico leigo, e atpensadores de outras reas de saber, tm dessa cincia. A gestao deste livropode assim situar-se nesse contexto onde paira a ideia central de que as Cinciasse bastariam a si prprias, no carecendo de reflexes acerca de sua essnciae de sua evoluo histrica.

    ***

    Seria necessrio comear este livro questionando o seu prprio ttulo eproblema maior, perguntando em voz alta o porqu de buscar Spinoza naFsica ou no seu ensino? No haveria pensadores mais afins Cincia, cujasreflexes permitiriam construir um elo natural entre a Filosofia e a Fsica,tornando essa travessia mais curta e menos tortuosa? Por que no buscar Leibniz,Descartes, Kant ou at mesmo Aristteles na Fsica? No teriam esses pensadorescruzado com desenvoltura as tnues fronteiras que separam a Filosofia dasmatemticas, da lgica e da prpria Fsica? Por que ento falar-se em Spinoza,autor de uma ontologia aparentemente distante dessas zonas de convergnciada Filosofia com a Cincia? A construo de uma longa ponte entre a metafsica

    de Spinoza e a Fsica ter ento que buscar na tcnica das engenharias a suainspirao. Quando o rio largo, e o vo a ser coberto grande a ponto dedesestabilizar a construo, deve-se buscar, guisa de ponto de apoio, uma ilhafluvial intermediria. Farei do pensamento cientfico de Einstein o ponto centralem que se apoiar a nossa longa estrutura de concreto que permitir o trnsitode ideias entre uma ontologia do sc. XVII e a moderna Fsica do sc. XX.

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    Desta forma, buscando a ilha intermediria que nos servir de apoio,focar-se- o olhar sobre um notvel leque de afinidades existentes entre doissistemas de pensamento, ainda que representativos de pocas muito distintasda Histria. Enquanto Spinoza viveu em pleno sculo do racionalismo e dosprimeiros sucessos do mecanicismo newtoniano, Einstein enfrentou umacrena generalizada no indeterminismo devida interpretao probabilsticada Teoria Quntica, feita pela Escola de Copenhague. Manteve, at o final desua vida, contra grande parte da comunidade cientfica, uma postura causal-determinista que pareceu a muitos uma anacrnica relquia do sc. XIX.

    No entanto, essa inegvel convergncia de ideias, entre os dois pensadores,

    quase nunca ousaria at dizer nunca revelada aos estudantesuniversitrios de quaisquer cursos da chamada rea cientfica, inclusive Fsica.Simplesmente os livros-texto omitem quaisquer articulaes multidisci-plinares, mostrando sempre a evoluo da Fsica como decorrente de umadinmica apenas interna. A Teoria da Relatividade tambm apresentadacomo decorrente de seus postulados bsicos e estes, por sua vez, introduzidospor um Einstein apenas movido por sua intuio relativa s contradies daFsica na virada do sc. XIX para o sc. XX. Jamais so questionadas as grandesmotivaes filosficas do autor da Teoria da Relatividade, antes e depois det-la criado.

    Transgredindo as fronteiras da Fsica, outra questo nuclear destainvestigao ser discutida nos dois captulos finais deste livro, caracterizandoo fato de que muitos sistemas filosficos contemporneos no conseguiramromper com o antropocentrismo, fazendo do homem o referencialprivilegiado, o centro epistemolgico a partir do qual se escrevem as leis danatureza, como fenmenos que sobre ele se projetam. At os presentes dias,predomina a revoluo copernicana s avessas: um homem alado condiode sujeito transcendental decodifica um mundo amorfo e desprovido derelaes prprias. Questionarei o fato de que a Filosofia ps-kantiana, guisade superar a metafsica, reduziu a Filosofia ora a uma epistemologia centrada

    nas categorias do entendimento humano, ora a uma anlise da linguagem decunho lgico formal. Vive-se ainda na Cincia a era do positivismo lgico-lingstico e do neo-empirismo, que influenciam determinantemente oaprendizado das cincias, e em particular da Fsica. Na vertente contrria,Spinoza e Einstein percebem o homem como modo de ser do universo quepensa junto com e no sobre a natureza, sendo assim para eles o homem,

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    elemento inextricvel da physis, ou segundo o jargo spinoziano, um modofinito da infinita substncia, ou seja, uma manifestao finita de Deus infinito.Ser visto, com o necessrio cuidado, que Spinoza postula um

    cosmocentrismo em que uma realidade-substncia nica, ilimitada, manifesta-se ora na forma dos corpos fsicos extensos, e ora na forma de ideias oupensamentos, os chamados modos ou acidentes da substncia da qual ohomem apenas uma manifestao possvel, um modo de ser. Refletir-se-com cuidado que Einstein, em 1905, elimina o ltimo cenrio imvel eprivilegiado do universo, sepultando a ideia de um ter em relao ao qual asleis da Fsica poderiam ser escritas de maneira nica e singular, propondo, ao

    invs, uma democratizao de todos os sistemas de referncia nos quais as leisda natureza, estas sim universais, teriam a mesma forma. Spinoza cerca detrs sculos antes j havia entendido que, se a natureza uma nica substncia,suas leis devem ser escritas e entendidas da mesma forma em qualquer parte.Acredito ser essa ontologia da Unidade um importante trao comum entreos dois sistemas de pensamento, e sobre ele focalizarei o meu olhar.

    A partir de ento, a questo central deste texto direcionar-se- no sentidode caracterizar os limites desta poderosa articulao para, desta forma, ampliaros horizontes perceptivos do processo de criao e transmisso do sabercientfico, e, com isso, educar cientificamente. Como desdobramento dessa

    proposta, apresentarei uma nova forma de entendimento da Teoria daRelatividade, no como uma construo interna da Fsica, mas fortementearticulada imanncia da metafsica spinoziana que, ao contrrio de outrasfilosofias trascendentalistas, lhe coerente. O que proponho no ensinar aCincia com vistas a objetivos estritamente tecnolgicos, a ela externos, mas,reensin-la como ressonncia do homem frente ao cosmos, ao universo e natureza do qual uma manifestao.

    Tomarei como ponto central da investigao, a obra de Spinoza, umpensador praticamente ignorado nos textos cientficos de cunho didtico, etido geralmente como construtor de uma ontologia aparentemente distante

    da prtica cientfica. Ainda que a influncia que Baruch Spinoza (1632,1677)exerceu sobre Albert Einstein (1879,1955) seja discutida e aceita por unspoucos bigrafos e epistemlogos, jamais levada ao conhecimento de alunosou mesmo de pessoas leigas interessadas nas reas cientficas. Entre esses poucosespecialistas, o que varia, sendo objeto de polmica, o grau atribudo, deintensidade, extenso e natureza, dessa influncia. DEspagnat2 percebe no

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    espao-tempo curvo da Teoria Geral da Relatividade uma forte analogia como atributo extenso da substncia, definido na tica de Spinoza, eKouznetzov3, indo alm, percebe na busca de Einstein de um campo unificado,uma motivao filosfica para encontrar neste conceito a prpria substnciaspinoziana. M. Paty, com quem mantive um proveitoso dilogo por ocasiode sua permanncia na Bahia em 2001, critica ambos, vendo nessascomparaes um livre exerccio imaginativo, desprovido de umacontextualizao histrica mais rigorosa. Questiona Paty que programasfilosficos construdos em pocas distantes, em contextos diferentes, nopodem ser comparados de forma simplista. No entanto, no aeroporto, j

    sendo chamado para o embarque no vo que o levaria de volta a Paris, eleabriu-me a possibilidade de se vislumbrarem as afinidades e os encontros,como prefere chamar, existentes entre anatura spinoziana e a viso do universode Einstein. Seguindo a metodologia de Paty, embora transgredindo, combem menos cautela, os limites sugeridos pelo epistemlogo francs, procurareicaracterizar os principais vetores de convergncia entre os dois pensadores, asaber, a questo religiosa, a descentralizao de modos (entes) e observadoresprivilegiados, a causalidade determinista, o realismo, o pantesmo naturalistae a espacialidade do tempo; pois creio que, sem correr os riscos apontadospor Paty, dificilmente poder-se- estabelecer uma unidade e coerncia, ao

    longo da histria do pensamento cientfico e filosfico. Julgo assim que nabusca das afinidades entre as ideias centrais de sistemas filosficosaparentemente distintos, possvel encontrar-se a estrutura comum essencialdo pensamento, como estado ressonante do homem com o mundo.

    Utilizando como fontes primrias obras e citaes de ambos ospensadores sobre essas grandes questes, tentarei estabelecer at que ponto oprograma cientfico do grande fsico foi explicitamente influenciado pelaFilosofia spinoziana. Assim, quaisquer que sejam a ordem e a intensidadedessas influncias e afinidades, cristaliza-se uma nova dimenso doentendimento em que as Cincias e a Filosofia so construdas em um contexto

    histrico comum que se caracteriza por mltiplas articulaes e complexasimbricaes. Essas questes, a meu ver, no devem ficar restritas ao mbitode uns poucos estudiosos, mas devem ser levadas s salas de aula, aos seminriosde nossas universidades e at ao conhecimento de um pblico no-profissionalizado, mas sensvel s grandes questes culturais dacontemporaneidade.

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    No captulo I, por motivos que exporei, apresentar-se- uma pequenabiografia de Spinoza, contextualizada, religiosa e historicamente, com oobjetivo de enfatizar as afinidades biogrficas existente entre o filsofo eEinstein. Sero expostos os motivos pelos quais a filosofia de Spinoza entrouem rota de coliso com as principais religies monotestas e, em particular,com o judasmo conservador dos marranos portugueses da Amsterd do sc.XVII. Mostrarei como o pensamento de Spinoza abriu, a facadas, o caminhopara o Iluminismo francs, para oAufklrung germnico e para a secularizaodo judasmo.

    O captulo II uma introduo aos aspectos da filosofia de Spinoza

    mais diretamente ligados Fsica, explicitando-se as posies deste autor,francamente contrrias ao acaso, ao livre-arbtrio ou existncia de um eupensante central, e favorveis s leis da natureza, no como gneros deconhecimento humano, na interpretao de alguns, mas comomodos infinitosque podem ser entendidos enquanto manifestaes universais de umasubstncia infinita (campo unificado?). Este captulo, por sua extenso, epor sua aparente distncia da didtica da Fsica, o que provavelmente maisesforo demandar do leitor no-iniciado na filosofia spinoziana, mas, poroutro lado, a sua leitura paciente possibilitar-lhe- uma melhor compreensodos captulos finais deste trabalho.

    Mostrarei a seguir, no captulo III, que dois dos mais importantesprincpios de conservao da natureza, o da energia e o domomemtum linear,tiveram provavelmente a sua origem nos mitos de criao do universo eestavam tambm presentes noarchdos filsofos pr-socrticos. A partir deGalileo, Descartes e Leibniz, estes princpios evoluem ao se expressarem naforma de leis matemticas que representam a invarincia e os aspectos deeternidade da natureza, implcitos nos axiomas da metafsica spinozista.

    Em seguida, no captulo IV, extrai-se um conceito fsico de causalidade,caracterizando a sua evoluo ao longo da Histria. Enfatizarei a transformaodesse conceito na mecnica newtoniana, em que a fora uma causa externa

    cujo efeito no o movimento, mas, sim, a sua mudana. Apresentarei apolmica entre racionalistas e empiristas acerca da prioridade ou posteridadedo conceito de causalidade, questionando a possibilidade de as leis damecnica newtoniana poderem ser imediatamente estabelecidas pelos sentidos.Confrontar-se- a tese kantiana de que a causalidade uma categoriaapriorido entendimento humano, em oposio de Spinoza, que est associada a

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    uma necessidade ontolgica da naturezaper se. Mostrarei, ao longo do texto,que Einstein adotou esta ltima conjectura. Questionarei tambm a posturaradicalmente empirista que se apossou da prtica cientfica, a partir do sc.XIX, e pela qual se acredita que s possvel fazer-se uma cincia confiveldesde que derive diretamente da experimentao.

    O captulo V uma tentativa de se fazer uma histria bem comportada,e a mais fiel que me foi possvel, das teorias da relatividade especial e geral,sem grandes concesses dadas intuio. No final desse captulo que mepermiti algumas pitadas de humor que possivelmente agradariam aos autoresda tica e da TR.

    A partir do captulo VI, atravs de citaes de Einstein, confrontadascom proposies de Spinoza, procurarei evidenciar o encontro de ideias entreo fsico e o filsofo, conjeturando que isso pode ter levado Einstein suaconhecida posio contrria ao acaso e a favor de uma necessidade causalimanente a Deus e Natureza. Mostrarei tambm no captulo VI que a Teoriada Relatividade, obedecendo a um mtodogeomtrico euclidiano, umateoria estritamente causal na qual o espao-tempo o cenrio para uma teia(web) de eventos conectados causalmente por sinais cuja velocidade c olimite absoluto para a produo das transformaes da matria. Entendereiassim a causalidade, em Einstein e Spinoza, como uma condio ontolgica

    de racionalidade do universo, e no apenas uma categoria do esprito humano.Deslumbra-se a possibilidade de um paralelismo entre uma filosofia desprovidado eu e uma Fsica desprovida de referenciais privilegiados. Ainda nestecaptulo, o tempo einsteiniano ser interpretado, como fazia Spinoza,enquanto uma comparao entre as duraes da existncia das coisas materiaiscausalmente interligadas ao observador corporificado (relgio) ao qual nose confere nenhum papel central. Argumentarei que o relgio einsteinianono mede um tempo substancial e externo, mas sim marcha com seu tempoprprio, que a depender de seu movimento relativo poder se dilatar. Osentido originrio do tempo, como comparaes de existncias, ser assim

    dessubstancializado, deixando tambm de ser considerado como umaintuio apriori de um sujeito transcendental. Explicita-se com isso ocompromisso, dos dois pensadores, de construo de uma filosofia da naturezaque vigora no homem ao invs de uma filosofia de um homem transcendentenuma natureza que lhe externa. Com as afinidades, convergncias earticulaes de ideias assim extradas, sugerirei um entendimento da Teoria

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    da Relatividade com um olhar no apenas nas aplicaes de ordem prtica,levando o aprendiz a um positivismo exacerbado e simplista, mas sobretudodirigido a um tecido social, filosfico e cientfico unificado, que possa instig-lo reflexo profunda e a questionamentos crticos.

    Denominarei de afinidades negativas entre Einstein e Spinoza, asdiscordncias que Einstein tinha em relao a seus contemporneos, motivado,como pretendo caracterizar, pela metafsica de Spinoza. A interpretaoontologicamente contingente e antirrealista da Teoria Quntica serconsiderada uma dessas afinidades, sendo esse tema especfico discutido, commaiores detalhes, nos captulos VII e VIII nos quais se exercitar uma reflexo

    de cunho metafsico sobre aquela que considerada, juntamente com a Teoriada Relatividade, a mais importante teoria cientfica do sc. XX. Dedicarei ocaptulo VII ao entendimento da Teoria Quntica sob um ponto de vistafilosfico em que sero reintroduzidas nas esferas dessa cincia as distinesmetafsicas entre essncia e existncia, propondo no formalismo qunticovariveis de essncia e de existncia, no sentido definido na tica de Spinoza.

    Nos captulos VIII, IX e X, continuarei em busca dos elementosmetafsicos comuns ao projeto cientfico de Einstein e ontologia de Spinoza,refletindo sobre as tais afinidades negativas, ou seja, o que os une pordiscordncia a outras interpretaes da realidade, sendo a Teoria Quntica,

    mais propriamente a interpretao contingente dada realidade fsica pelachamada Escola de Copenhague, o alvo mais visado pelas crticas einsteinianas.No captulo VIII, abordarei especificamente o famoso paradoxo do gato deSchrdinger, luz de uma crtica determinista de Einstein, que temsupostamente a sua gnese no necessitarismo de Spinoza. Refletir-se- tambmsobre o papel da vontade no ato de observao e como o determinismo e oindeterminismo se enfrentam na Histria da Cincia, podendo serconsiderados faces distintas de uma mesma moeda. Neste momento, adotareia mxima que reza que aqueles que tm inimigos comuns so amigos.Embora Einstein tivesse sido um spero crtico da indeterminao introduzida

    pela interpretao probabilstica dada ao formalismo ondulatrio da TeoriaQuntica, por razes bvias um anacronismo absolutamente desprovidode sentido supor ou conjeturar que Spinoza se oporia a uma interpretaocontingente e antirrealista da Fsica. Parece-me mais sensato supor que Einsteina ela se ops de uma forma anloga a que Spinoza se opusera a todos ossistemas metafsicos de sua poca que admitiam a contingncia na natureza e

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    a liberdade da vontade humana, o chamado livre-arbtrio. nesse sentidoque se afirmar que Spinoza e Einstein tinham em comum a negao dacontingncia ontolgica, tanto na natureza como um todo, como na naturezahumana tomada em separado.

    Por fim, proporei nos dois captulos finais, sempre inspirado em Spinoza,um entendimentofilosofante consistindo na descentralizao da sala de aula edo mestre e seus aprendizes, nela enclausurados, como sujeitos transcendentais;e que os prosaicos acontecimentos que compem o cotidiano das pessoas,pedagogicamente podem ser to ou mais relevantes que as lies que ocorremcom hora marcada, em umlocus centralizado como a sala de aula.

    O acender da chama de um fogo caseiro; o lquido engarrafado que secongela a um toque de nossa mo; o cozimento de um ovo em gua fervente,evaporando-se rapidamente em fogo alto; as cores sequenciais do arco-ris, ea existncia necessria de dois arcos; as fases da lua relacionadas s mars; adana ressonante de uma rvore ao sabor da msica do vento; o gotejarinclinado da chuva nas janelas de um carro em movimento; os sons oraagudos ora graves das ruidosas buzinas do trnsito; o repicar dos sinos daigreja mais prxima, revelando a riqueza sonora dos harmnicos; a atentaobservao dos raios luminosos; so fenmenos que se revestem de umaimportncia csmica e com os quais o aprendiz convive, co-pertencendo a

    uma infinita malha de acontecimentos que determinam a sua, e as demaisexistncias no mundo. Sabe-se que Einstein no chegou sua Teoria daRelatividade especial atravs de um aprendizado sistemtico em sala de aula,e sim atravs de uma intuio que lhe ocorrera aos 16 anos, ao observar comatento cuidado um raio luminoso, imaginando como este apareceria a umviajante que se deslocasse com a mesma velocidade. Desta forma, essemodo desercognoscente que o homem encontrar-se- diuturnamente com umaquantidade imensa de outros modos-objetos com os quais interagir forjandofortemente a sua realidade, e neste processo contnuo de conhecimento,envolve-se ele num mundo rico de relaes e significados, consumando-se

    ento o ato pedaggico, apenas sugerido em sala de aula. guisa de orientao aos leitores que se depararo, ao longo deste livro,

    com uma gama razoavelmente ampla de temas que possivelmente poderofaz-los se perder num labirinto multidisciplinar, devo esclarecer que todaessas questes encontram, na filosofia de Spinoza, o seu fio de Ariadne. Estelivro no mais do que a tentativa de unificar quatro grandes questes que

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    me desafiam h muitas dcadas: entender e ensinar a Fsica com uma visospinozista de mundo; em que extenso Einstein a empregou quando criou aTeoria da Relatividade e criticou a Teoria Quntica ; refletir sobre osrumos opostos que a Filosofia e a Cincia tomaram aps a consolidao dagrande construo epistemolgica, erguida em torno de um sujeito humanotranscendental; e, finalmente, propor caminhos spinozistas para a educao eo entendimento cientficos.

    Na metafsica de Spinoza, que ressoar fortemente na Filosofia da Cinciade Einstein, buscarei uma inspirao comum. Afinal Heidegger j havia dito:

    A representao da cincia, nunca poder decidir se, com a objetidade, a

    riqueza recndita na essncia da cincia no se retira e retrai ao invs de dar-se e se deixar aparecer. A cincia nunca poder fazer esta pergunta e, muitomenos, questionar esta questo. [...] Nenhuma fsica tem condies de falarda fsica. Em si mesma, nenhuma fsica pode vir a ser objeto de uma pesquisafsica4.

    Ao longo deste texto, jamais deixarei de falar de Fsica e de seuaprendizado porm colocando-me, em alguns momentos, fora dela paraassim a sua essncia dar-se e se deixar aparecer. Convido o leitor a trilharpacientemente este longo, e tortuoso, percurso, atravs da Histria e daFilosofia da Fsica, para que no final ela nos ressurja revigorada em sua essncia.

    Esta ltima forma de pensar pergunta por um universo que, posto sob aindagao humana, parece se precipitar guiado pelas rodas da fortuna, comouma das faces do grande dado de Deus.

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    Parte I

    A FILOSOFIA DE SPINOZAE SUAS CONSEQUNCIAS PARA A FSICA

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    CAPTULO I

    PEQUENA BIOGRAFIA DE SPINOZA

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    biografia de Spinoza bastante conhecida, e abordada por um sem-nmero de autores muito competentes. Seria assim aparentementedesnecessrio comear este livro com um resumo biogrfico que pode

    parecer precrio e incompleto, se comparado s melhores biografias do filsofo.No entanto, para que o leitor conhea melhor, no s o apreo de Einsteinpor este pensador, mas entenda tambm as motivaes do autor deste texto:buscar o Spinoza que existe na Fsica, ser necessrio repetir resumidamentealguns episdios da vida do filsofo, pois esta se constitui em si mesma numdos mais importantes elos que o ligam a Einstein, e, portanto, Fsica.

    Para entendermos melhor a vida, a Filosofia e as diversas influncias queSpinoza sofreu, devemos conhecer a fundo no s a questo judaicaenvolvendo a vida do filsofo, mas tambm a histria da formao da grandecomunidade judaica sefaradita de Amsterd. Tentarei, ainda que

    superficialmente, acompanhar o longo priplo do povo judeu at chegar Holanda, no sc. XVII, e que pode ser desmembrado em quatro grandesacontecimentos: a dispora de Israel na poca de Cristo, a chegada e a longapermanncia na Espanha, a fuga para Portugal, no final do sc. XV devido Inquisio, e o novo xodo para a Holanda no sc.XVII, onde finalmentenasceu o filsofo.

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    DEUS OU SEJA A NATUREZA

    Inicialmente vou me reportar a cerca de dezesseis sculos antes de seunascimento, mais precisamente ao ano 70 d.C., quando as legies romanascomandadas por Tito invadem Jerusalm, destroem o Templo de Salomo(do qual hoje s resta o grande muro ocidental, o chamado Muro dasLamentaes), e tentam transformar a cidade fundada pelo Rei David, cercade 1000 anos antes, numa espcie de Roma oriental qual denominaram de

    Aelia Capitolina. Aos judeus, s restaram duas alternativas: resistir a Romaou simplesmente emigrar.

    A despeito dos vrios bolses de resistncia invaso romana, a maiorparte dos judeus, logo aps a destruio do Templo, resolveu emigrar,

    fenmeno histrico denominado de a grande Dispora Romana. Hoje,praticamente todos os judeus espalhados pelo mundo so descendentes dessesprimeiros emigrantes de Israel, que seguiram basicamente duas linhasmigratrias. Uma delas, ao longo dos cursos dos rios Reno e Danbio, tinhacomo destino a Europa Central, regio chamada em hebraico de Askenasiaonde hoje se situam Alemanha, ustria, Polnia, Hungria, Rssia, RepblicaCheca, Ucrnia, Letnia, Litunia etc. A outra leva de emigrantes preferiu aPennsula Ibrica, regio denominada de Sefaradia e onde hoje se situamPortugal e Espanha. Aps alguns sculos depois da dispora, formaram-seduas grandes etnias judaicas: osasquenasitas da Europa Central, que, ao longo

    de sculos, adquiriram algumas caractersticas dos povos hospedeiros docentro-leste, como, por exemplo, a pele mais clara e cabelos alourados, e ossefaraditas da Pennsula Ibrica, que mantiveram a pele morena e os cabeloscastanhos mais escuros de seus ancestrais de Israel1.

    Sete sculos depois da Dispora Romana, nos situaremos maisprecisamente em 711 d.C., quando os rabes invadem a Pennsula Ibrica,conquistando a regio, e estabelecendo, com os judeus ali radicados desde adiviso entre os imprios Romano e Bizantino, uma coexistncia pacficabaseada na cooperao cultural e comercial. A comunidade judaica prosperavacom o comrcio de pedras preciosas, tecidos e iguarias do Oriente, e durante

    muitos sculos, ainda na Idade Mdia, judeus e rabes passaram a estudar aCincia e a Filosofia gregas, tentando concili-las ao monotesmo bblico emuulmano. Filsofos rabes, notadamente Averroes (Ibn Ruchd, em rabe),Alpetragius (Al Bitruji), Geber (Jabir Ibn Aflah), e judeus, como Maimnides(Mosh ben Maimon), Gersnides (Gershon ben Levi), Nachmnides (Moissben Nachman) que viveram na Pennsula Ibrica por volta dos scs. X, XI e

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    PEQUENA BIOGRAFIA DE SPINOZA

    XII (motivo pelo qual os nomes dos principais filsofos rabes e judeus foramlatinizados para facilitar a pronncia e a referncia nos meios cristosocidentais) incorporaram o saber grego, principalmente a filosofia deAristteles, a medicina de Hipcrates e Galeno, a geometria de Euclides e aastronomia de Ptolomeu, ao Coro e Tor. Tentaram assim, antes de Tomsde Aquino, conciliar o saber grego com os Livros Sagrados. A vida cultural ecomercial na Pennsula Ibrica, notadamente na cidade de Crdoba, regioda Andaluzia, em torno dos scs. X a XIII, era to intensa, e contrastava tograndemente do restante de uma Europa em parte ainda semibrbara ouento dominada pelo dogmatismo cristo medieval, que no teria receio de

    dizer que o primeiro Renascimento europeu ocorreu justamente nessa regioe nessa poca. Judeus e rabes viveriam pacificamente na Pennsula Ibrica atmeados do sc. XV, quando assume o poder o casal Fernando de Arago eIsabel de Castela, os chamados Reis Catlicos, que declaram uma guerrasanta tanto a muulmanos como a judeus. Os que no cultuassem ocatolicismo seriam expulsos, forosamente convertidos ou posteriormentesubmetidos Inquisio, quando eram julgados sumariamente como heregesou infiis, sendo punidos com severos castigos, inclusive a fogueira, em rituaispblicos denominados de autos de f. Depois da expulso dos rabes, os judeus seriam o principal alvo dos Reis Catlicos. A lista de torturados e

    condenados morte pela Inquisio imensa e bem documentada2.O objetivo principal de tais perseguies era menos a purificao religiosados infiis do que, na verdade, o saque e a pilhagem dos bens dessas famlias,fossem convertidas ou no, para assim levantar fundos para as campanhas deguerra e expanso do imprio espanhol. A perseguio culmina com o ditode expulso dos judeus que no quiseram se converter ao Cristianismo,ocorrida na Espanha em 1492, e em Portugal em 1496.

    Nesse fatdico ano de 1492 cerca de 120 mil judeus foram expulsos daEspanha pelos Reis Catlicos, e cerca de 100 mil buscaram refgio em Portugal,atrados pela forma benigna como Portugal havia tratado os judeus at ento.

    Os judeus portugueses criaram a Nao Judaica Portuguesa ou os Homensda Nao, como se autodesignavam. Mas tampouco em solo portugusestavam seguros. Segundo Bethencourt3, pressionado pelos Reis Catlicospara expulsar os judeus de toda a Pennsula Ibrica, D. Manoel I, que desejavadesposar a filha herdeira do trono espanhol, acabou por ceder s pressesespanholas, encontrando uma ideia de erradicar o judasmo sem, no entanto,

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    DEUS OU SEJA A NATUREZA

    dispensar a habilidade e os recursos de seus membros, principalmente nasatividades de comrcio e administrao. A ideia consistia em restituir osdireitos civis aos judeus, mas em troca de um preo exorbitante para alguns eimpagvel para a maioria: a converso ao cristianismo. Em suma, o propsitode D. Manoel poderia ser assim resumido: batismo ou expulso. Os queconcordaram com o batismo passaram a ser conhecidos por conversos oucristo-novos. No entanto, outra grande parte da comunidade, determinadaa no abandonar a sua f, se preparou para deixar Portugal. Em 1497, porordem real, j no porto de embarque, milhares de judeus foram arrastados fora e levados s pias batismais para uma converso coletiva forada. O

    propsito de D. Manoel havia sido simplificado: converso. Depois desseepisdio, muitos continuariam a praticar a religio judaica a portas fechadasenquanto, de pblico, professavam a f catlica, dando incio a uma prticamuito comum na poca, denominada de criptojudasmo, ou seja, judasmooculto. Os que praticavam o judasmo secretamente eram chamados de

    marranos, termo derivado de mahanan, que significa porco em rabe. Atradio marrana consistia na prtica secreta de rituais como a circunciso, o

    bar mitzvah4, oraes especiais no dia doshabat5 e dietas alimentares prprias.A tradio comeou na Espanha, antes do dito de expulso de 1492, etornou-se comum em Portugal depois de 1500.

    Para apaziguar os nimos dos cristos recm-convertidos, o rei prometeque nos prximos 20 anos ficariam proibidos quaisquer tipos dequestionamentos sobre a vida religiosa dos conversos. O decreto real foiprorrogado por mais 20 anos que se revelaram fundamentais para apreservao da Nao Judaica Portuguesa. relevante, no entanto, entenderque em Portugal, ao contrrio do que ocorrera na Espanha, os conversos(tanto os marranos quanto os que de fato passaram a adotar a f catlica)formavam um grupo relativamente coeso e organizado. Uniram-seprincipalmente para evitar a vinda e a instalao dos Tribunais de Inquisioem solo portugus. Foram bem-sucedidos apenas at 1536, quando, por

    influncia e presso direta da Espanha, o papa Sixtus IV autoriza a instalaodo Santo Ofcio em Portugal, presidido por um conselho, e este, por uminquisidor6. Dentre os mais famigerados inquisidores est Toms deTorquemada, conhecido por sua crueldade, intolerncia e fanatismo religioso,que escreveu um captulo sangrento do Santo Ofcio na Pennsula Ibrica, eem suas colnias. Seu alvo principal foram os judeus assumidos e em seguida

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    osmarranos. Em 1540, o primeiro auto de f realizado em Lisboa fazendocom que muitos judeus abandonassem o pas. Ainda segundo Bethencourt,aps o primeiro xodo de Portugal, nem os conversos foram poupados denovas perseguies, sob a suspeita de no serem cristos convictos e de estarempraticando o criptojudasmo. No entanto, o grande xodo de Portugalocorreria aps 1580, ano em que Felipe II, de Espanha, sobe ao tronoportugus, iniciando a dinastia filipina que, at 1640, deteria o poder emtoda a pennsula ibrica. Desptico e absolutista, Filipe II era o mais fervorosodos monarcas catlicos da Europa. Desconfia de judeus conversos e odiavaos protestantes, vendo neles uma ameaa f catlica e ao seu imprio. Logo

    aps sua subida ao trono em 1556, Filipe II iniciou forte represso aosprotestantes dos Pases Baixos, provocando a ecloso de uma revolta liberal ea seguir a Guerra dos 80 anos contra as Sete Provncias do Norte, que reuniamas cidades de Utrecht, Haia, Leiden e Amsterd, dentre outras. Aps a vitriadas Sete Provncias, esta ltima se proclamou independente da coroaespanhola, constituindo posteriormente a Repblica Unida da Holanda.

    Aps a vitria sobre a Espanha, os holandeses aceitaram a emigraodos sefaraditas perseguidos na Espanha e Portugal, que estabeleceram emAmsterd uma espcie de zona franca onde gozavam de relativa liberdade etolerncia religiosa. Segundo estatutos da nova repblica, nenhum de seus

    habitantes seria importunado por motivos religiosos. A Holanda se tornariao primeiro pas da Europa onde a liberdade de credo era garantida por lei, eonde os perseguidos religiosos ou polticos poderiam encontrar abrigo.

    Por volta de 1600, o rei Felipe III, em troca de dinheiro, permite a sadados conversos emarranos rumo a Amsterd. Dentre os que emigram est Josben Israel, pai de Menasseh ben Israel, que se tornaria o mais importanterabino de Amsterd e mestre religioso de Spinoza. Em 1625, Felipe IV instauraa Inquisio contra osmarranos remanescentes, e em 1640 o rei portugus D.Joo IV lhes promove grande perseguio.

    O estatuto da nova democracia holandesa favorecia os judeus que

    encontram na Holanda o porto seguro para os conversos e marranos cansadosdas perseguies na Pennsula Ibrica. Amsterd foi fundada no sc. XIII, massomente aps a consolidao da Repblica da Holanda no sc. XVII que,atrados pela tolerncia religiosa, os conversos portugueses comearam a seestabelecer na radiante cidade. No entanto, desde o dito dos Reis Catlicosat a chegada Holanda, muitas geraes j haviam se passado, e grande

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    estabeleceria como combatente voluntrio do exrcito holands, e, segundoalguns, para fugir da estreiteza do pensamento na Frana submetida ao frreocontrole religioso do Cardeal Richelieu. O mais clebre jurista e historiadorda poca, Hugo de Grotius, considerado o pai do Direito Internacional,ficou encarregado de redigir um instrumento jurdico que definisse o statuslegal dos judeus recm-chegados. Os pintores da escola flamenga Rembrandte Johannes Vermeer e o fsico Christian Huygens, que estabeleceu a teoriaondulatria da luz, tambm podem exemplificar a efervescncia cultural daHolanda do sc. XVII.

    Rembrandt van Rijn (1606-1669), considerado unanimemente o maior

    pintor flamengo, em 1639 passou a residir no bairro judeu numa ampla casa,situada no nmero 4 da rua Breestraat, na ilhota de Vlooeienburg, na mesmapoca em que Spinoza com 7 anos ensaiava seus primeiros passos em direo sinagoga vizinha. Portanto no seria absurdo supor que, em determinadomomento, os dois gnios tivessem se encontrado ou pelo menos se cruzadonas estreitas vielas que margeiam os canais de Amsterd. Embora Rembrandttivesse retratado diversas personalidades judaicas da poca, nenhum portraitde Spinoza foi encontrado at hoje.

    A cultura e os centros de estudos judaicos renasciam depois de um longoperodo de trevas em territrio ibrico, e muitos conversos e marranos

    reassumiriam a sua religio original, e a famlia portuguesa Espinosa, recminstalada na Holanda, tambm. Depois de mais de um sculo de perseguies,renascia em Amsterd, forte e vibrante, a Nao Judaica Portuguesa. Apesarde sua relativa integrao econmica e social vida holandesa, os Homens da Nao estabeleceram uma comunidade extremamente ortodoxa ecomprometida com a exegese das leis e ensinamentos judaicos interpretados risca e sem grandes aberturas a especulaes filosficas ou hermenuticas.Amsterd se tornara o local onde os conversos tinham a oportunidade deretornar religio de seus ancestrais da Espanha e Israel, mas a retomada daprtica religiosa foi um processo difcil para alguns judeus livres-pensadores

    como Spinoza, Uriel da Costa, Juan de Prado ou Daniel de Ribera, que sedefrontaram com uma sociedade extremamente tradicional na qual a Bbliaera lida com uma ortodoxia que impedia a interpretao de suas metforas.Este seria o cenrio histrico onde nasceria o nosso filsofo.

    De forma resumida, pode-se dizer que Baruch Spinoza (16321677)que, em portugus, se traduz por Benedito ou Bento de Espinosa, segundo

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