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Revista de Cuiabá, v. 10, n. 18, jul.-dez. 2001.

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Revista de

Cuiabá, v. 10, n. 18, jul.-dez. 2001.

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃOUNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

ReitorProf. Dr. Paulo Speller

Vice ReitorProf. Dr. José Eduardo Aguilar S. do Nascimento

Pró-Reitora AdministrativaTec. Adm. Esp. Adriana Rigon Weska

Pró-Reitor de Ensino e GraduaçãoProfa. Dra. Maria Lúcia Cavalli Neder

Pró-Reitor de PlanejamentoProf. Dr. José Manoel Henriques de Jesus

Pró-Reitora de Ensino de Pós-GraduaçãoProfa. Dra. Flávia Maria de Barros Nogueira

Pró-Reitor de PesquisaProf. Dr. Paulo Teixeira de Souza Júnior

Pró-Reitora de Vivência Acadêmica e SocialProfª. MSc. Marilda Esteves Calháo Matsubara

EDITORA UNIVERSITÁRIACoordenador

Prof. Dr. Hugo José Scheuer Werle

IMPRESSÃO: Gráfica Universitária/UFMTGerente: Pedro Brites Filho

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSOAv. Fernando Corrêa da Costa, s/n Campus Universitário – Coxipó da PonteCEP 78060-900 – Cuiabá – MTTel.: (0**65) 615-8322, Fax (0**65) 615-8325e-mail: [email protected]

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

DiretoraJorcelina Elizabeth Fernandes

Curso de Mestrado e Doutorado em EducaçãoCoordenadorManoel Francisco de Vasconcelos Motta

Chefe do Departamento de Ensino e Organização e EscolarOzerina Victor Oliveira

Chefe do Departamento de PsicologiaJosé Dirceu Cauduro

Chefe do Departamento de Teoria e Fundamentos da EducaçãoAntônio Luiz do Nascimento

Coordenadora de Ensino de Graduação em Pedagogia (Campus Central)Sandra Regina Geiss Lorensini

Coordenadora Pedagógica de Licenciaturas Parceladas (Interiorização)Genésio Marques

Coordenadora do Núcleo de Educação Aberta e a Distância (NEAD)Kátia Morosov Alonso

Chefe da Secretaria GeralManoel Messias de Souza

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Consultores ad hoc

Prof. Dr. Walter GarciaPNUD

Prof. Dr. Sérgio ScalaUNIC – Universidade de Cuiabá

Prof. Dr. Nicanor Palhares SáUFMT – Univ. Federal de Mato Grosso

Prof. Dr. Luiz Augusto PassosUFMT – Univ. Federal de Mato Grosso

Prof. Iván P. Santos VictoresUniversidad de Las Villas - Cuba

Editores científicos

Mauricéa NunesEducação em Ciências

Prof.ª Dr.ª Artemis TorresProf. Dr. Edson Pacheco de Almeida Educação, poder e cidadania

Prof. Dr. Peter BüttnerFilosofia na educação

Prof. Dr. Nicanor Palhares Sá História e educação

Prof.ª Dr.ª Eugênia Coelho Paredes Psicologia social e educacional

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Revista de Educação Pública

Publicação do Programa de Pós-Graduação em Educação daUniversidade Federal de Mato Grosso.

Cuiabá, Editora da UFMT, v. 10, n. 18, jul.-dez. 2001. 177p.

ISSN 0104-5962

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EditorNicanor Palhares Sá

Consultora EditorialMatilde A. Crudo (MTPS 10.784)

Revisão e EditoraçãoLeslie de Almeida Claudio

Conselho editorial

Ana Antônia de Assis PETERSONUFMT - Cuiabá/MTBernadete A. GATTIFund. Carlos Chagas – São Paulo/SPCelso de Rui BEISIEGELUSP - São Paulo/SPChristian ANGLADEUniversity of Essex - InglaterraErmelinda M. De-Lamonica FREIREUFMT - Cuiabá/MTFlorestan FERNANDES(in memoriam)Francisco FERNÁNDEZ BUEYUniversitat Pompeu Fabra - EspanhaGermano GUARIM NETOUFMT - Cuiabá/MTJean HÉBETTEUFPA - Belém/PA Maria Inês Pagliarini COXUFMT - Cuiabá/MTMaria de Lourdes BANDEIRAUFMT - Cuiabá/MTMartin COYUniv. Tübingen - Alemanha

Miguel Pedro Lorena de MORAESUFMT – Cuiabá/MTMoacir GADOTTIUSP - São Paulo/SPNicanor Palhares SÁUFMT - Cuiabá/MTPaolo NOSELLAUFSCar - São Paulo/SPPaulo SPELLERUFMT - Cuiabá/MTSérgio Roberto de PAULOUFMT - Cuiabá/MTWalter E. GARCIACNPq - Brasília/DF

Correspondência para envio de artigos, assinaturas e permutas:Nicanor Palhares SáEditor da Rev. de Educ. PúblicaInstituto de Educação/UFMTAv. Fernando Corrêa da Costa, s/n78060-900 - Cuiabá - Mato GrossoFax: (065) 615-8440E-mail: [email protected]: http//www.ufmt.br/revista/revista.html

Conta corrente para depósito:Banco do BrasilAgência: 3602-1Conta corrente: 170.500-8Depósito identificador: 15 40 45 15 26 20 10 – 7Valor de número avulso: R$ 10,00Assinatura: R$ 20,00

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Sumário

Carta do Editor........................................................................................9Apresentação.........................................................................................11

Artigos

Educação em ciências

Conhecimentos de estudantes de licenciatura em matemáticaacerca do conceito de número................................................................13

João dos Santos Carmo

Proposta de um método diferenciado de ensino para a disciplinade Estatística em cursos de graduação...................................................25

José Gerley Díaz Castro

Educação, poder e cidadania

O pedagógico na escola: razão da administração escolar......................31Arilene Maria Soares de MedeirosJoaquim Gonçalves Barbosa

O professor e a categoria profissional: a construção daconsciência política.................................................................................47

Vera Lúcia Aparecida de Castro Dobbeck

Filosofia na educação

Comunidade de Investigação Escolar: uma colcha de retalhos..............59Raquel Martins Fernandes

Integração e interdisciplinaridade como princípios: paradoxos deuma meta................................................................................................71

Sandra Maria Vinagre Paes

Educação, epistemologia e a crise dos paradigmas...............................77Silas Borges Monteiro

Superando estranhezas e reeducando para conexões: umadiscussão sobre natureza e cultura.........................................................89

José Carlos Leite

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História da educação

A gênese das instituições de educação superior do TriânguloMineiro e Alto Paranaíba: primeiras aproximações................................115

Décio Gatti Júnior

Anísio Teixeira: vida, obras e movimento..............................................125Francisco Gilson Rebouças Porto Júnior

Psicologia social e educacional

Alguns aspectos das representações sociais de professores daUFMT acerca de sua atividade profissional...........................................141

Eugênia Coelho Paredes et alii

Notas de leitura / Resumos / Resenhas

Discutindo o Projeto de Educação Assistida por Meios Interativosna Universidade Federal Fluminense....................................................169

Helena Amaral da FontouraLuiz Antonio Botelho Andrade

A importância da formação de grupos de estudos para os acadêmicos do curso de licenciatura plena em educação básica de 1ª a 4ª séries modalidade a distância de Alta Floresta oferecido pelo Instituto de Educação/NEAD/UFMT.........................................................................171

Solange dos Santos; Dirceu BlanskiJocelita G. Tozzi

Os conhecimentos profissionais em professores de matemática..........173Maria Elizabete Rambo KochhannMarta Maria Pontin Darsie

Informes da pesquisa e da pós-graduação

Dissertações defendidas (2001)............................................................175

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Carta do editor

Os editores da Revista de Educação Pública têm buscado novas fontes de financiamento para a publicação. É cedo ainda para avaliar a atual administração da UFMT devido aos desafios existentes para superar a atual crise. Consideramos a publicação desta Revista como absoluta prioridade e deve ser realizado com recursos da UFMT. Não apenas porque a Revista contribui para a realização de uma das funções essenciais da universidade, ou seja, a difusão da produção científica, mas contribui de modo decisivo para o intercâmbio de pesquisadores e, praticamente, se paga na medida em que viabiliza a atualização permanente de nossa biblioteca setorial.

A Revista de Educação Pública viabiliza em torno de 80 assinaturas de periódicos. Por isso, ela já se paga; os recursos que seriam gastos no pagamento dessas assinaturas deveriam ser utilizados para a publicação em papel.

Esperamos ansiosamente a superação da atual crise da Universidade Federal de Mato Grosso, para que possamos divulgar um calendário do fluxo de produção da Revista.

Neste número, a Professora Doutora Ártemis Torres continua o trabalho de organização da Revista, tendo como referência matéria produzida no Seminário Educação 2000.

Nicanor Palhares SáEditor

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APRESENTAÇÃO

Este é mais um número da Revista de Educação Pública a acolher textos que foram originalmente apresentados no Seminário Educação 2000.

Aos leitores que não tiveram contato com o número 17 é de interesse conhecer a nova estrutura desta Revista. Antes, porém, vejo como oportuno lembrar que tal reforma é um demonstrativo de que, indiscutivelmente, a Revista tem um papel de relevo na área educacional e busca adequar-se às novas demandas, abrindo seu espaço para distintos tipos de matérias de interesse para os educadores.

Sua linha editorial passa a somar às seções de Artigos três novos tipos de seção. Uma delas se intitula Documentos e abre espaço para publicação de material de valor histórico [leis, cartas abertas, fotos, relatórios etc.]. Outra nova seção, intitulada Notas de Leitura/Resumos/Resenhas, destina-se à divulgação de textos informativos e/ou resenhas críticas sobre publicações da área. Finalmente, a seção Informes da pesquisa e da pós-graduação tem a finalidade de divulgar as dissertações concluídas no semestre, entrevistas com coordenadores de grupos de pesquisa do Programa, além de notícias sobre a pós-graduação em Educação.

As seções de Artigos, invariavelmente submetidas a consultores ad hoc, comportam resultados parciais ou finais de pesquisa, abrindo exceção para ensaios cujo conteúdo seja considerado de interesse para o Programa. Para o presente número, foram selecionados 11 artigos, que se acham distribuídos em cinco seções temáticas. Como já disse inicialmente, trata-se de artigos que foram originalmente apresentados no Seminário Educação 2000, juntamente com outros 253 trabalhos.

Carmo traz uma contribuição à área de ensino da Matemática, sinalizando a importância do conceito de número como o fundamento da aprendizagem da matemática elementar. Gerley chama a atenção para a necessidade de revisão do ensino de estatística à luz das inovações no campo da informática e da crescente utilização dos programas de estatística.

Inspirados em Habermas, Medeiros & Gonçalves refletem sobre as possibilidades de uma racionalidade administrativa escolar de base democrática e emancipatória. Dobbeck traz os resultados de um estudo sobre formação da consciência política de professores, apontando uma

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variedade de determinantes, desde o gosto pela leitura às relações interpessoais estabelecidas durante a formação e o exercício profissional.

Fernandes apresenta o conceito e a proposta de comunidade de investigação, de Matthew Lipman, discutindo seus condicionantes. Vinagre faz uma avaliação do caráter interdisciplinar pretendido pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, da UFMT. Monteiro se concentra no questionamento das bases metafísicas das teorias educacionais, sugerindo sua re-fundação em um paradigma que comporte a relação interativa entre sujeito e objeto. Leite põe em questão a cultura ocidental como fundamento exclusivo de nossas representações, propondo novos aportes.

Gatti Junior traz resultados preliminares de investigação sobre processos de gênese de instituições de ensino superior, buscando compreender suas especificidades.

Finalmente, encerrando as seções de Artigos, está a contribuição de Paredes, que se inspira em Moscovici para examinar as representações sociais de professores acerca de sua atividade profissional.

A seção Notas de Leitura / Resumos / Resenhas foi preenchida com resumos de trabalhos apresentados no Seminário Educação 2000, saldando uma dívida com os que haviam ficado fora dos Anais.

Finalmente, a seção Informes da pesquisa e da pós-graduação traz a relação de dissertações defendidas entre julho e dezembro de 2001.

Artemis Torres

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Educação em ciências

Conhecimentos de Estudantes de Licenciatura em Matemática acerca do Conceito de Número1

João dos Santos Carmo2

RESUMO: O conceito de número é o fundamento da aprendizagem da Matemática Elementar. O ensino de tal conceito, entretanto, tem sido negligenciado desde a pré-escola até os cursos de Licenciatura em Matemática. O presente estudo investigou a opinião de estudantes de Licenciatura em Matemática quanto a: conceito de número e critérios utilizados para dizer se uma criança já adquiriu esse conceito. A maioria apresentou um conhecimento superficial das relações envolvidas no conceito de número e muitos tiveram dificuldades em indicar critérios de aquisição daquele conceito. Os dados obtidos são discutidos quanto à prática de ensino de futuros professores de Matemática.

Palavras-chave: Educação Matemática; Conceito de Número; Licenciatura em Matemática

ABSTRACT: Mathematics Undergraduate Students’ Knowledge about the Concept of Number. The number concept is the foundation to the Basic Mathematics learning. Teaching this concept has been neglected from preschool years to undergraduate Mathematics courses. The present study investigated the Mathematics undergraduate students’ opinions about the number concept and what criterions they use to say a child has acquired such concept. Most students showed a superficial knowledge of the relations a concept of number involves e had difficulties to indicate number acquisition criterions. The teaching practice of future Mathematics teachers are discussed.

Keywords: Mathematics Education; Number Concept; Mathematics Undergraduate Courses.

1 Trabalho financiado pela CAPES e FIDESA.2 Professor da Universidade da Amazônia e doutorando em Educação pela UFSCar, sob orientação do Prof. Dr. Júlio César de Rose. Endereço para contato: Universidade Federal de São Carlos – Programa de Pós-Graduação em Educação, Rod. Washington Luís, Km 235, CEP 13565-905, São Carlos/SP. E-mail: [email protected]

Rev. Educ. Pública Cuiabá v. 10 n. 18 Jul.-dez. 2001 p. 13-24

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Educação em ciências

A Matemática tem sido apontada como a disciplina que mais gera aversão entre os alunos e, como conseqüência, temos um alto índice de reprovação. É comum, nas escolas, observarmos comportamentos de fuga e esquiva por parte dos alunos, além de subprodutos emocionais advindos de experiências negativas durante a aprendizagem de conteúdos matemáticos.

Podemos apontar uma série de fatores que determinam a aversividade adquirida pela Matemática ensinada nas escolas. Tais fatores podem ser intrínsecos ou extrínsecos à disciplina. Dentre os fatores intrínsecos, temos a Matemática enquanto sendo uma linguagem totalmente específica e especializada, usada para descrever algumas relações da natureza bem como para explicar e/ou predizer determinados fenômenos (ver MARR, 1986). Para o domínio dessa linguagem, faz-se necessário o aprendizado de seus códigos verbais a fim de que a leitura de expressões matemáticas apresentem algum sentido lógico para quem as lê. Não se trata, portanto, de simplesmente decorar o significado de cada símbolo matemático. É preciso que a composição de símbolos seja ordenada de tal forma que passe a ter um poder de organização (descrição, explicação, predição) do mundo em que vivemos. Ora, o aprendizado de uma língua não se dá de imediato; e o aprendizado da linguagem matemática só pode ocorrer se se dispuser de um alicerce ainda mais importante: o domínio prévio do nosso código lingüístico, ou seja, o aprendizado e uso adequado de uma língua materna.

Dessa forma, nas aulas de Matemática nossos alunos estão expostos a duas linguagens e são requisitados a empregá-las em conjunto e com precisão. Não é de causar admiração, portanto, que, ao não dominarem adequadamente a língua materna e serem exigidos no domínio de uma nova linguagem (com signos parecidos ao da língua materna, mas com sentidos diferenciados), esses mesmos alunos fujam ou evitem o contato com a Matemática.

Em relação aos fatores extrínsecos, podemos indicar algumas crenças que são adotadas por certos professores e que são igualmente veiculadas entre os alunos. Eis algumas delas: 1) não é fácil aprender Matemática; 2) para aprender Matemática é necessário um esforço intelectual muito grande; 3) só pessoas inteligentes (o que quer que isso signifique) conseguem aprender Matemática; 4) a Matemática trata de questões que estão fora da realidade em que vivemos; etc. Entre os alunos é bastante freqüente ouvirmos comentários como: “não sei porque devo aprender Matemática”; “ela não serve para nada e, além disso, não vou usar nunca em minha vida”; “gostaria de saber quem inventou a

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Educação em ciências

Matemática; deve ter sido algum desocupado”. Entre os professores encontramos atitudes no ensino da Matemática, como: 1) repetição exaustiva de exercícios sobre um mesmo tópico a fim de que o aluno "compreenda” como se resolve uma questão; 2) ênfase no como fazer e pouca ou nenhuma ênfase no como interpretar os enunciados; 3) reprodução, em sala de aula, de atitudes autoritárias assumidas por quem os formou professores; 4) ensino descontextualizado dos conteúdos matemáticos; etc.

Diante dos fatores intrínsecos e extrínsecos,3 direcionamos nossas reflexões para a formação dos novos professores, licenciados em Matemática, que estarão atuando em nossas escolas. Muitas perguntas podem ser feitas quanto à formação, níveis de conhecimento teórico e experiencial, postura pedagógica e prática de ensino desses profissionais. Nosso interesse principal, entretanto, localiza-se em questões relacionadas ao conhecimento dos fundamentos da Matemática.

Dominar o uso da linguagem matemática não eqüivale a ter o domínio conceitual de seus fundamentos básicos. Certas noções fundamentais são, de certa forma, negligenciadas nos cursos de formação de professores de Matemática, seja por as considerarem menos importantes, seja acreditarem que tais noções já são aprendidas a priori pelos estudantes. O conceito de número é uma dessas noções que são freqüentemente deixadas de lado ao longo da formação do professor de Matemática. Carmo (2000) sugere que ao tratarmos do conceito de número, devemos levar em conta alguns aspectos: 1) os conceitos são forjados socialmente; 2) os conceitos são estabelecidos pelo uso social; 3) em relação ao número, não devemos falar do conceito, mas de um conceito de número, o qual está em uso em nossa cultura; 4) as relações sociais a que uma criança está exposta possibilitam a essa criança adquirir e ampliar seu conceito de número, ao longo da vida. Além disso, podemos acrescentar que os conceitos adquiridos pelas crianças passam a fazer parte de seu modo de agir diferenciado em relação aos objetos e fenômenos do mundo.

Carmo e Galvão (2000, p. 50) sugerem que uma criança, em nossa cultura, já adquiriu o conceito de número quando:

3 Citamos apenas alguns, uma vez que não é objetivo do presente texto aprofundar esse tema. Outras crenças e atitudes perante a Matemática escolar são apresentadas e discutidas mais detalhadamente em Zunino (1995) e Machado (1991).

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Educação em ciências

Diante de um numeral (4, por exemplo), ou de um conjunto de objetos (◊◊◊◊), ou do nome escrito de um número (QUATRO), produzir oralmente o nome correspondente;

A partir de um número ditado (“quatro”), escolher (apontar, separar, marcar etc.) a palavra escrita, o numeral ou a quantidade de objetos correspondentes (neste último caso está implícito o comportamento de contar);

Estabelecer, em contextos específicos, a correspondência entre uma quantidade determinada de objetos, um numeral, a palavra escrita e o nome falado do número, tratando-os como equivalentes;

Ordenar os numerais, palavras ou quantidades, dentro de uma seqüência crescente ou decrescente;

Produzir uma cadeia verbal da seqüência anterior;

Comparar dois conjuntos de objetos (corresponder um a um seus elementos), e dizer qual “o maior” (ou o que tem mais), qual “o menor” (ou o que tem menos) ou se são iguais em quantidade;

Apresentar os comportamentos dos itens 1 a 6 em outros contextos do dia-a-dia em que seja requisitada ou apropriada a emissão de tais respostas.

Apesar da complexa rede de relações da qual o número é composto, parece ser bastante comum, no discurso cotidiano, as pessoas se referirem ao numeral como sendo o próprio número e considerarem que uma criança adquiriu o conceito de número quando esta passa a saber discriminar os numerais e/ou relacionar um numeral a uma quantidade correspondente de objetos. Na descrição de Carmo e Galvão, a relação numeral-quantidade seria apenas uma das relações presentes no conceito de número em vigor em nossa cultura.

Sendo, possivelmente, a noção matemática mais elementar, cabe indagar: qual entendimento acerca do conceito de número possuem estudantes de licenciatura em Matemática? Saberiam esses alunos descrever os critérios em que se baseiam para afirmar que uma criança já adquiriu o conceito de número? Esses critérios satisfazem uma operacionalização de conceito de número? Em que medida a noção de número que esses estudantes possuem é diferente da noção apresentada por estudantes de outros cursos?

O relato a seguir refere-se às três primeiras questões. A análise e discussão dos dados poderão nos auxiliar a refletir acerca da formação do licenciado em Matemática.

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Educação em ciências

A coleta de dados

Participaram do presente estudo 32 estudantes de uma Universidade pública de uma cidade do interior de São Paulo, todos concluintes do curso de licenciatura em Matemática, distribuídos em duas turmas (19 alunos da turma A e 13 alunos da turma B). A amostra investigada correspondeu a 13% do total de alunos matriculados no respectivo curso, durante o 2º semestre de 2000.

A coleta se deu através de questionário, contendo duas questões: 1) o que é número? 2) quando você considera que uma criança já sabe o que é número? A aplicação do questionário ocorreu na sala de aula, no início do semestre. Devido ao número reduzido de questões, garantiu-se a devolução imediata dos questionários.

Lendo os dados obtidos: a noção conceitual de número

A Figura 1 apresenta as categorias gerais encontradas nas respostas dadas à questão “o que é número?” Há nitidamente uma predominância em identificar número como sendo um símbolo.

Dos 22 estudantes cujas respostas estão incluídas nessa categoria, 08 indicaram que número é um símbolo utilizado para

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Educação em ciências

representar quantidades; 08 citaram que, além de ser um símbolo para representar quantidades, o número é um símbolo utilizado em diversas aplicações (p. ex., localização, organização de idéias, representação de valores, medidas diversas, contagem, cálculo); 04 não citaram a quantificação, referindo-se somente a outras aplicações; e 02 apenas disseram que número é um símbolo, sem se referirem à sua utilização ou função.

É bastante comum, em nossa cultura, tratar número e numeral como sendo sinônimos. Entretanto, os símbolos e palavras usados para representar números são os numerais; dentre estes, os mais utilizados em nossa cultura são os algarismos hindu-arábicos (0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9) a partir dos quais se compõem outros numerais de maior valor em nosso sistema de numeração. Assim, ao falarmos de algarismos estamos nos referindo a um caso particular de numeral. Todo algarismo é um numeral, embora a recíproca não seja verdadeira, uma vez que entre os numerais podemos encontrar palavras escritas correspondendo ao nome dos números. A diferença, portanto, entre número e os símbolos que os representam parece não estar clara para aqueles 22 estudantes.

Diferentemente das respostas anteriores, que consideravam número como um símbolo, 04 estudantes (categoria Abstração) indicaram que número é um conceito imaginário, uma idéia, uma abstração, diferente do símbolo que o representa. Neste caso, portanto, um algarismo seria o símbolo para expressar uma idéia abstrata. Esta noção está de acordo com alguns autores, os quais afirmam ser o número uma abstração. Assim, para Baratojo (1994), número é uma “idéia que nasceu quando o homem estabeleceu a relação entre os elementos de dois conjuntos com algo em comum que é a quantidade de elementos que possui a correspondência biunívoca, isto é, que se correspondem um a um” (p. 82).

Staats e Staats (1973) também indicam que o número é uma abstração, entendendo-se por abstração “uma resposta sob controle de uma única propriedade isolada de um estímulo, que não pode existir isoladamente” (p. 242). No entanto, apesar de ser uma noção mais refinada, dizer que número é uma idéia abstrata não nos auxilia muito quando se trata de questões de ensino e aprendizagem. Voltaremos a essa questão mais adiante.

Na categoria Diversos, 05 estudantes apresentaram respostas que poderiam ser enquadradas na primeira categoria, porém a redação das mesmas não garante esse enquadramento. Um estudante, por exemplo, respondeu que número “é algo que está presente na vida e que

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Educação em ciências

facilita a observação e descrição de muitas situações e coisas”; note-se que esta resposta é bastante geral e não se aplica, necessariamente à noção de número, além de remeter à noção de algo concreto (em oposição a uma idéia abstrata). Da mesma forma a resposta “ferramenta para vários fins: calcular, contar, localizar, codificar, medir, etc.”, embora referindo-se a algo concreto (ferramenta), ainda é bastante geral. As demais respostas referiam-se à discriminação de quantidades: “dados que representam uma certa quantidade”; “É o que define a quantidade de alguma coisa”; e “palavra utilizada para representar a quantidade de algo”.

Um estudante devolveu em branco o questionário, o que pode suscitar várias interpretações. Uma delas é a pouca ou nenhuma familiaridade com as questões propostas. O silêncio, nesse caso, denunciaria a dificuldade em expor sua opinião acerca de um tema que, por diversos motivos, nunca foi priorizado em seu aprendizado acadêmico e/ou de vida.

Lendo os dados obtidos: critérios para identificar o conceito de número no repertório de crianças

Em relação à 2ª questão, foi possível agrupar as respostas em seis categorias, conforme é visto na Figura 2.

As respostas enquadradas na categoria predominante indicaram que uma criança já sabe o que é número quando esta consegue relacionar o símbolo (numeral) à quantidade correspondente. Dentre os 11 estudantes que se referiram a esse critério, 02 indicaram que, além da saber relacionar corretamente o numeral à quantidade, a criança deveria apresentar alguma aplicação adequada de número (p. ex., realizar algumas operações matemáticas). Embora tenhamos optado, para efeito de criação desta categoria, pela relação símbolo-quantidade, a rigor podemos reler as respostas com base no modelo proposto por Carmo e Galvão (op. cit. p. 50) e identificar algumas subcategorias tendo em vista a direcionalidade da relação. Assim, 07 estudantes referiram-se à relação símbolo-quantidade enquanto 04 indicaram a relação simétrica quantidade-símbolo. Essa diferença, embora sutil, torna-se útil se levarmos em conta que a presença de uma relação no repertório de uma criança não necessariamente garante a presença de sua simétrica; isto é, uma criança poderá, diante do numeral 5, por exemplo, apontar corretamente para um conjunto de cinco bolinhas, dentre outros conjuntos disponíveis; porém, diante de um conjunto com cinco bolinhas poderá não saber apontar o numeral correspondente à quantidade,

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dentre alguns numerais disponíveis. Dados experimentais têm comprovado esta afirmação (ver p. ex., Carmo e Galvão, 2000; Prado e De Rose, 1999; Prado, 1995).

Na 2ª categoria, apenas 01 estudante apontou como critério que a criança deve saber relacionar o número (caracterizado por este estudante como abstrato) a algo concreto pertencente à sua realidade. As respostas da 4ª categoria também remetem, indiretamente, a uma certa abstração de número ou, pelo menos, à abstração da numerosidade, conforme veremos adiante.

Na 3ª categoria (utilização adequada), as respostas caracterizaram-se pela sugestão de que a criança sabe o que é número quando comporta-se adequadamente diante de estímulos e operações numéricas. Alguns comportamentos indicados foram: contar; calcular; realizar as operações básicas; comparar conjuntos (qual tem mais ou qual tem menos elementos); entender o valor posicional dos numerais; localização (reta numerada); utilizar adequadamente medidas de tempo.

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Três estudantes sugeriram que a aquisição da habilidade de criar categorias, a partir da discriminação e classificação de coisas, seria uma espécie de pré-requisito que garantiria a presença da noção de número no repertório da criança (ver 4ª categoria, Figura 2). Um estudante indicou que “ao falar papai ou mamãe, somente para o pai e a mãe, já existe o conceito de número, pois o pai e a mãe são únicos e o número 1 já está fazendo parte da vida dela”. Outra resposta referiu-se à percepção do corpo: “a partir do momento que uma criança percebe o próprio corpo, ela já abstraiu o conceito de número. Ex.: quando o bebê percebe que tem duas mãozinhas, ele já assimilou o significado do número 2”. O terceiro estudante enfatizou a noção de classificação de objetos e deu um exemplo: “quando a criança souber o que é uma mesa ou uma cadeira, então talvez ela possa perceber que exista mais de uma mesa ou de uma cadeira”.

As respostas agrupadas na 5ª categoria (discriminação simples) referem-se a ações específicas diante de situações específicas. Cinco estudantes indicaram que uma criança já sabe o que é número quando identifica quantidades; 03 apontaram como critério saber identificar numerais, sendo que 02 acrescentaram outras respostas gerais além da discriminação (escrever os algarismos e utilização adequada dos símbolos).

Na 6ª categoria estão incluídas a devolução em branco (do mesmo estudante que não respondeu à 1ª questão), e a resposta “não sei”; esta resposta foi dada por um dos estudantes cujas respostas pertencem à 2ª categoria da Figura 1, isto é, que estabeleceram a diferença entre número e numeral. Dizer que não sabe apontar os critérios para considerar se uma criança já sabe o que é número pode ter o mesmo valor do silêncio. Diante de uma questão pouco familiar, não há muito a opinar.

Os dados interpretados: algumas discussões possíveis

O presente estudo teve por objetivo identificar qual o entendimento que estudantes de licenciatura em Matemática têm acerca do conceito de número, quais critérios sugerem para identificar se uma criança já sabe o que é número, e até que ponto esses critérios satisfazem uma operacionalização do conceito de número.

Dado que muitos cursos de formação de professores de Matemática não priorizam discussões acerca dos fundamentos dessa área de conhecimento e das bases psicológicas e pedagógicas envolvidas na aquisição de certas noções matemáticas básicas, é

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possível que muitas afirmações feitas por alunos e professores não estejam tão distantes das afirmações do senso comum. Ao responderem, provavelmente os estudantes tenham utilizado informações esparsas, presentes em sua experiência cotidiana, muito mais do que conhecimentos elaborados ao longo de sua formação.

Quanto à noção de número, ficou evidente a partir das respostas dadas, que não há um maior refinamento conceitual nem uma coesão quanto aos critérios utilizados para julgar se uma criança já sabe o que é número. Muito provavelmente a maioria (se não todos) dos estudantes investigados nunca pensou a respeito das duas questões propostas. Três respostas foram particularmente representativas da não familiaridade com o tema: “Depois dessa pergunta (questão 2) não sei nem se eu sei o que é número(...)”; “Estou meio em dúvida. Acho que número é o que representa, de certa forma, quantidades...sei lá”; e “Não sei”. Além dessas respostas, outras iniciavam por expressões como “Acredito que...”, “Acho que...”, “Creio que...”, o que sugere a emissão de uma opinião ainda pouco elaborada ou refletida. Outros indícios de pouca familiaridade foram as reelaborações de respostas, ou seja, riscar ou apagar a resposta e escrever uma nova resposta e, por fim, o silêncio ao devolver em branco o questionário.

Embora a noção de número enquanto idéia abstrata possa ser entendida como uma noção um pouco mais refinada, numa situação de ensino essa noção de nada ajudaria ao professor em termos de planejamento de ensino. É preciso ir além disso e entender que abstrair é agir sob controle de uma característica singular presente em uma situação. Assim, ao dizer “três” para um conjunto de três objetos, quaisquer que sejam estes objetos, ou para o algarismo 3, em diferentes situações, a criança deveria estar sob controle da numerosidade e não de outras propriedades intrínsecas à situação (tamanho, cor, forma, etc.). Essa informação parece ser importante quando se fala em planejamento de ensino.

Foram feitas algumas tentativas de complementação das respostas à 2ª questão, caracterizadas pela ênfase em erros que supostamente indicariam a não aquisição do conceito de número: “quando a criança identifica quantidades, mas não representa essas quantidades”; “ela pode falar os números, mas não os identifica”; ‘quando pedimos para ela contar até seis, ela conta corretamente, mas pula alguns dedos, mostra quatro dedos e escreve 5”; “quando ela não comete erros do tipo ‘somar bananas com laranjas’, ‘somar quilômetros com horas’ ”. Seria a ausência de critérios claros de avaliação ou diagnóstico

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de repertórios acadêmicos um reflexo da ausência de treino na habilidade de descrever objetivos, planejar e ensinar repertórios durante o curso de licenciatura? É possível que sim. Estariam os cursos de licenciatura em Matemática priorizando o acúmulo de conhecimentos matemáticos somente, em detrimento de uma maior aproximação do licenciando à realidade em que atuará? Investigações nessa direção precisam ser realizadas.

De um modo geral, as informações fornecidas, quando analisadas individualmente não satisfazem uma operacionalização de conceito de número. Porém, se agrupadas, poderiam estar fazendo parte de uma complexa rede de relações que comporia tal conceito. Relações numeral-quantidade, nome falado-quantidade, nome falado-numeral, discriminação de numerais e quantidade, nomeação de numerais e quantidades, apresentação adequada dessas respostas e relações em outros contextos, etc., tomam parte nessa rede de relações. Quando comparadas as respostas de cada estudante às duas questões, não encontramos necessariamente uma coerência interna entre as mesmas. Um estudante, por exemplo, respondeu à 1ª questão “é um símbolo que possui várias representações e utilizações”, e à segunda questão “a partir do momento em que a criança percebe o seu próprio corpo já abstraiu o conceito de número”. As coerências identificadas referiam-se basicamente às respostas que definiam número como sendo símbolo para representar quantidades e a relação símbolo-quantidade como critério de identificação da presença do conceito de número no repertório da criança.

As reflexões levantadas ao longo desse relato poderão ser estendidas para as demais noções matemáticas presentes nos conteúdos programáticos das diversas séries de ensino. Assim, a partir de uma noção básica (conceito de número), poderíamos indagar os estudantes, e porque não os professores também, sobre seus entendimentos a respeito de frações, funções, áreas e figuras geométricas, equações, etc. Possivelmente descobriremos vácuos a serem preenchidos e concepções errôneas a serem repensadas, que se traduzem na dificuldade em planejar o ensino desses conteúdos e, por conseqüência, estão na gênese da aversão generalizada à Matemática.

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Proposta de um Método Diferenciado de Ensino para a Disciplina de Estatística em Cursos de Graduação

José Gerley Díaz Castro

RESUMO: A Estatística é uma ferramenta que auxilia o estudante na coleta e análise de dados. Ensinar estatística torna-se um desafio aos professores, em cursos onde esta não é uma disciplina profissionalizante, pois enfrenta o descaso de boa parte dos alunos. Tradicionalmente, o método de ensino baseia-se na explicação de modelos estatísticos, os quais são desenvolvidos “a mão”. Com a crescente utilização dos computadores e dos programas de estatística, sugere-se um ensino baseado numa “árvore da decisão” que inclui: estatísticas univariadas paramétricas e de distribuição livre e dois modelos multivariados.

Palavras chave: Alta Floresta, Unemat, estatística, educação.

ABSTRACT: Teaching Differential Method for Statistics Graduation Course in University. Statistics is important to students to plan and analyze scientific data. Teaching this subject is difficult because the student do not have interest by statistics. Traditionally the teaching method based in the development of the formulas manually. With the computers increase and statistics programs propose a teaching based in the “decision tree” including univariate statistic and two multivariate models. The use of computer programs is essential for the success this method.

Keywords: Alta Floresta, Unemat, statistics, education.

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I - Introdução

O objetivo principal da disciplina Estatística e/ou Bioestatística, na Universidade, é oferecer as ferramentas necessárias para ajudar aos estudantes a: (i) planejar seus futuros experimentos, (ii) coletar e analisar seus dados e ((iii) apresentar os seus resultados de forma mais aceita pela comunidade acadêmica. Muito esforço e dinheiro poderia ser poupado se nossos profissionais, ao saírem da Universidade, forem capazes de realizar um bom desenho experimental, para tomar decisões em condições de incerteza.

O conteúdo da disciplina de estatística, na Universidade, geralmente é o seguinte: História, definição, tipos de variáveis, população e amostra, técnicas de amostragem, apresentação de dados em tabelas e gráficos, medidas de tendência central (média aritmética, mediana e moda), medidas de dispersão (amplitude, variância, desvio padrão e coeficiente de variação), probabilidade, distribuição normal, binomial, correlação, regressão, X2, Teste t (variâncias iguais e não iguais e “t” pareado) e one way anova e teste a-posteriori de Tukey. Segundo o método tradicional, após a explicação de cada um desses métodos, os estudantes passam a “resolver exercícios” com o auxílio de uma calculadora. Dessa forma, insiste-se em que o aluno aprenda as fórmula e as pratique interminavelmente para lograr, supostamente, um eficiência mínima no uso das fórmulas. Com o auxílio dos computadores e de posse da “árvore da decisão”, o aluno terá muito mais tempo para identificar qual fórmula é mais adequada, após feito o análise básico dos dados (normalidade, transformação etc.) para testar a hipótese de nulidade proposta.

De acordo com Vieira (1998), ensinar estatística torna-se um desafio para os professores que a orientam, pois esta disciplina geralmente não pertence ao elenco das disciplinas profissionalizantes dos cursos em que é ministrada, e enfrenta por isso o descaso de boa parte dos alunos, muitos dos quais terminam reprovando. Até o presente momento, o método de ensino baseia-se na explicação de um “modelo univariado e paramétrico” por parte do professor e o teste de hipóteses, de uma ou várias perguntas dadas pelo docente, através do desenvolvimento das fórmulas feita a mão. A utilização dos computadores fica restrita a um segundo plano.

Com o aumento e disseminação dos computadores e dos programas de estatística, sugiro um ensino baseada numa “árvore da decisão” que inclui: estatísticas univariadas paramétricas e de distribuição

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livre e dois modelos multivariados. Ao mesmo tempo, acredito ser necessária a inversão da lógica de ensino e dar um maior enfoque à utilização dos programas de estatística, de forma a permitir ao aluno maior tempo para “pensar “ na melhor forma de evitar os erros da estatística, ou seja, rejeitar uma hipótese verdadeira (Erro Tipo I) e deixar de rejeitar uma hipótese falsa (Erro Tipo II).

II - Metodologia

O desenvolvimento da presente experiência está sendo realizado na Universidade Estadual de Mato Grosso (UNEMAT), Campus Universitário de Alta Floresta, município de Alta Floresta. O município de Alta Floresta está localizado na região norte mato-grossense, a 830 km da Capital Cuiabá (Figura 1).

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A partir do segundo semestre de 2000, foi inaugurado um laboratório de informática com capacidade para atender turmas de até 40 alunos. A disciplina de Bioestatística, trabalha com três programas para desenvolver o conteúdo do curso: Word (tabelas), Excel (estatísticas descritivas e figuras) e SPSS 9.0 (estatísticas inferenciais).

Nesse Campus Universitário, a UNEMAT oferece o curso de Licenciatura Plena em Ciências Biológicas e dentre de sua grade curricular existe a disciplina de Bioestatística, a qual, como possivelmente ocorre em outras Universidades, enfrenta uma série de dificuldades para os professores que a ministram, entre eles: (i) descaso de boa parte dos alunos, pois não pertence ao elenco das disciplinas profissionalizantes, (ii) para facilitar o “aprendizado” o ensino é baseado em poucos números e cálculos simplificados, assim, os problemas do mundo real são geralmente evitados, pois muitos dados teriam que ser trabalhados, (iii) para a “fixação dos conteúdos” se faz necessária a resolução de exercícios a mão. Desta forma os estudantes se distraem realizando operações o que dificulta o entendimento dos conceitos e (iv) após muitos “cálculos” termina o semestre e muitos dos alunos passam a ter fobia da estatística e podem chegar à seguinte conclusão: “... eu não dou para estatística...”.

O ensino da estatística passa então a ser “um reto” para os docentes que as ministram, pois além da dificuldade “tradicional”, de grande parte dos alunos, com os números é necessário ensinar mais métodos e inclusive incluir alguns conceitos básicos e métodos multivariados, pois como muito bem definiu VALENTIN (1995) “a própria natureza é de característica multifatorial.

Numerosos processos bióticos e abióticos interagem, contribuindo para a formação de padrões estruturais, espaciais e temporais nas comunidades biológicas”. Acredito que seja possível fazer isso, graças à disponibilidade dos computadores e à crescente disseminação dos programas de estatística. De qualquer forma a utilização de “pacotes” estatísticos deve ser feita de forma conservadora, pois eles exigem uma certa familiaridade com as técnicas estatísticas.

A utilização dos computadores para a realização dos cálculos intermediários que exigem as fórmulas de estatística podem enfrentar algumas críticas, entre elas: (i) Os alunos desenvolverão “dependência” dos computadores, (ii) os alunos perderão ou não desenvolveram habilidades para trabalhar com as fórmulas, os alunos se atrofiarão intelectualmente e (iii) os computadores são caros e não estão ao alcance de todos eles. Para responder a estas críticas algumas

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colocações podem ser feitas: (i) no quadro são feitos os cálculos intermediários das fórmulas, e utilizando poucos valores de acordo com os exercícios de Vanzolini (1992), Costa (1998), Vieira (1998) e Vieira (1999), (ii) a suposta perda de habilidades e atrofia intelectual não ocorre, ao contrário, com o uso do computador aprendemos a aplicar corretamente as ferramentas estatísticas a problemas que envolvem maior número de parâmetros. Por outro lado, estamos vivendo uma nova era, a era digital, na qual a informação e o conhecimento são as peças chaves para o sucesso. Hoje o diploma não basta, é necessário desenvolver muitas mais habilidades e a quantidade de programas de computador que consigam manejar podem fazer a diferença entre os profissionais. Ainda, após nossos ancestrais terem decido das árvores perdemos habilidades, ou será que muitas pessoas ainda iniciam o fogo utilizando dois pauzinhos? (iii) Quanto ao preço dos computadores, cada dia eles são menores, mais fáceis de manejar e o que é melhor mais baratos.

Acima são apresentados de forma sintética os testes estatísticos propostos para serem trabalhados na disciplina de Bioestatística, eles incluem os testes estatísticos univariados paramétricos que geralmente são discutidos em sala de aula e também seus similares não paramétricos ou de distribuição livre. Sugiro ainda a inclusão de dois testes multivariados: regressão múltipla (com duas variáveis

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independentes) e MANOVA (com dois tratamentos em dois níveis). Esse diagrama é fixado em lugar visível, dentro da sala de computação, para que os estudantes acompanhem o desenvolvimento da disciplina, sempre fazendo correlações entre a pergunta que esta querendo ser resolvida e o teste estatístico mais apropriado para testar a hipótese de nulidade.

III - Conclusões

É ainda prematuro avaliar os logros da nossa experiência em Alta Floresta, mas é possível pensar em alguns apontamentos:

Estamos ante a presença de um fenômeno, a era digital, que faz com que mudemos nossa forma de “ensinar” e os conteúdos a serem trabalhados em sala de aula. Não podemos evitá-lo.

Precisamos re-discutir o currículo da estatística pensando preparar o aluno para utilizar eficientemente as ferramentas da estatística (como as fórmulas funcionam) e, não desenvolver tarefas que os computadores fazem melhor que nós.

Precisamos pensar em desenvolver programas de estatística mais adequados aos fins pedagógicos.

IV - Referências Bibliográficas

COSTA, F.S. Introdução ilustrada à estatística. São Paulo: HARBRA. 1988.

VALENTIN, J.L. Agrupamento e ordenação. 27-55 p. In: PERES-NETO, P.R.; VALENTIN, J.L.; FERNANDEZ, F.A.S. (Editores). Oecologia Brasiliensis. Vol. II: Tópicos em Tratamento de Dados Biológicos. Rio de Janeiro: UFRJ. 1995.

VANZOLINI, E. P. Métodos estatísticos elementares em sistemática zoológica. São Paulo: HUCITEC Ltda, 1992.

VIEIRA, S. Introdução à Bioestatística. 3 ed. Rio de Janeiro: CAMPUS, 1998.

_____, Estatística Experimental. 2 ed. São Paulo: ATLAS, 1999.

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Educação, poder e cidadania

O Pedagógico na Escola: razão da administração escolar1

Arilene Maria Soares de Medeiros2

Joaquim Gonçalves Barbosa3

RESUMO: Este artigo discute as possibilidades de uma racionalidade administrativa democrática e emancipatória para as escolas públicas brasileiras, sendo a racionalidade comunicativa proposta por Habermas a fundamentação teórica básica. Uma racionalidade administrativa democrática e emancipatória se articula a outros patamares epistemológicos, distantes dos paradigmas de administração que instrumentalizam e burocratizam a prática do diretor escolar. Compreende-se a administração como um processo coletivo e consensual de decisão acerca do pedagógico, cuja implementação não se limita às ações administrativas do diretor escolar. O pedagógico está sendo entendido como ação e relação que acontecem no interior das relações intersubjetivas.

Palavras-chave: racionalidade administrativa; consenso; relações inter-subjetivas.

ABSTRACT: This article discusses the possibilities of an emancipatory and democratic administrative rationality applied to Brazilian public schools. Habermas’ communicative rationality will be the basic theoretical foundation. An emancipatory and democratic administrative rationality articulate with other epistemological basis rather distant from paradigms in Administration that give instrument as well as turn bureaucratic the school director’s practice. In the present study, Administration is viewed as collective and consensual process of making decision about pedagogical action, whose implementation is not limited to the school director’s administrative actions, and pedagogical will be understood as action and relation happening into intersubjective relations.

Keywords: administrative rationality; consensus; intersubjective relations.

21 Pesquisa de doutorado vinculada à Linha de Pesquisa Gestão da Educação, do Programa de Pós-Graduação da Univ. Federal de São Carlos. Sob a orientação do Prof. Dr. Joaquim Gonçalves Barbosa.2 Professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e bolsista do PICDT/CAPES. 3 Professor doutor do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Carlos.

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Educação, poder e cidadania

Este trabalho está dividindo em três partes. Na primeira, procuramos situar a problemática da racionalidade administrativa, evidenciando que as suas raízes epistemológicas encontram-se atreladas à racionalidade instrumental, impedindo que se tenha nas escolas públicas brasileiras uma racionalidade administrativa voltada para as questões pedagógicas. Na tentativa de redefinir uma racionalidade administrativa democrática e emancipatória, portanto, preocupada com o pedagógico, buscamos uma fundamentação teórica na racionalidade comunicativa proposta e defendida pelo filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas. Na segunda, destacamos como o pedagógico tem sido discutido na literatura brasileira. Neste retorno à literatura, encontramos o pedagógico como prática, processo, projeto, relação e dimensão. Compreendemos o pedagógico como uma ação e uma relação que se materializa no plano simbólico e comunicativo. O pedagógico é a possibilidade de questionamento e, consequentemente de entendimento recíproco entre dois ou mais sujeitos acerca do mundo objetivo, subjetivo e social. No terceiro, estabelecemos a relação entre o pedagógico e a administrativo na escola, admitindo que o pedagógico constitui o eixo da prática administrativa na escola.

É fundamental informarmos que esta pesquisa assume as características de uma pesquisa teórico-bibliográfica, pois admitimos que a ausência de uma discussão mais ampliada acerca da racionalidade administrativa na teoria da administração escolar, aqui no Brasil, aponta-nos para a necessidade de um aprofundamento maior, no plano teórico.

a) A administração na escola: da desconstrução da racionalidade instrumental à construção da racionalidade comunicativa

Queremos situar a administração escolar como um campo científico que passa por crises profundas, a exemplo do que acontece no contexto das ciências, de um modo geral, onde as verdades absolutas são questionadas, onde seus princípios são colocados em xeque. Os sintomas desta crise associam-se aos limites epistemológicos de sua matriz: a administração empresarial. A crise pela qual passa a administração escolar não é periférica, ao ponto de imaginarmos que a sua solução estaria apenas num olhar mais apurado da sua fonte matricial ou na revitalização dos seus pressupostos. A superação da crise na administração escolar exige uma mudança paradigmática interna, de tal modo que possa superar as fronteiras da racionalidade instrumental, de natureza burocrática.

Rev. Educ. Pública, Cuiabá, v. 10, n. 18, jul.-dez. 2001.32

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Educação, poder e cidadania

A crise da administração escolar é complexa e porque não dizer poli-significativa, como nos indica Habermas (1994), quando diz que a crise do capitalismo é uma crise poli-significativa. É uma crise que, ao se manifestar no plano sistêmico, afeta a integração social. Pode-se dizer que a crise desencadeada nas sociedades atuais é, ao mesmo tempo, uma crise de racionalidade, de legitimação, de motivação. Acredito particularmente que a crise na teoria da administração escolar pode ser compreendida polissemicamente, vejamos os porquês: é uma crise da racionalidade porque a sua razão de existir – produtividade, objetividade e eficiência sistêmicas – está sendo posta em questionamento; é uma crise de legitimação porque a sua razão democrática de ser não se coaduna com a prática que acontece cotidianamente, de forma arbitrária e autoritária. As práticas escolares, principalmente as administrativas, deslegitimam o seu teor democrático; é uma crise de motivação porque os sujeitos escolares, descrentes das possibilidades democráticas, frustram-se nos seus desejos de atuar num espaço escolar democrático, participativo e envolvente.

Diante das frustrações vivenciadas por aqueles que freqüentam a escola pública para garantir a sua sobrevivência e por aqueles que vão à escola desejando aprender, introduz-se uma espécie de repugnância, resultado do seu extremado estado de privação e de abandono. Quanto a essa problemática de natureza mais psicossociológica e psicanalítica, temos respectivamente os trabalhos de Algarte (1994) e Fortuna (2000) que nos permite compreender como se manifestam essas questões vivenciais subjacentes às crises motivacionais. A constatada crise polissêmica da administração escolar nos faz percorrer e construir caminhos que não estão dados, mas que exige um diálogo de caráter interpardigmático.4

Não temos dúvidas de que a saída da crise no âmbito da teoria da administração escolar se inicia com a possibilidade de romper com o paradigma tradicional instalado na teoria e na prática da administração escolar. A teoria geral da administração, encontra-se hoje corroída.

4 Diante da crise paradigmática que enfrenta as ciências neste final de século, a proposição de uma racionalidade administrativa democrática e emancipatória para educação pública brasileira está sendo delineada da seguinte forma: o suporte teórico de fundo é a racionalidade comunicativa e os seus contornos mais específicos encontra suporte nos trabalhos de Paro (1993), Teixeira (1990), Pinto (1996) e Fortuna (2000). Autores que trouxeram uma significativa contribuição epistemológica para a área da administração escolar, no Brasil.

Rev. Educ. Pública, Cuiabá, v. 10, n. 18, jul.-dez. 2001. 33

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Educação, poder e cidadania

"Seu conteúdo chamado ‘geral’ e ‘universal’, não passa de uma forma ideologizada de apresentar a administração como uma prática neutra e inofensiva, escamoteando seu caráter de instrumento de controle e de exploração na organização do trabalho alheio, em benefício dos interesses do capital” (FORTUNA, 2000, p. 16-17)

Pensar a administração escolar como um campo científico atrelado à administração empresarial significa admiti-lo como um campo colonizado quer do ponto de vista teórico, quer do ponto de vista prático. A racionalidade vivenciada na e pela empresa constitui o espelho de uma possível racionalidade na escola. A escola não consegue se enxergar por dentro ao ponto de se fazer refletir na sua própria racionalidade. Admitimos que as tentativas de descolonização no campo da administração escolar das amarras dos pressupostos da administração empresarial encontram-se explícitas nos trabalhos de Paro (1993), Teixeira (1990), Pinto (1996), Fortuna (2000). A colonização teórica da administração escolar é também conseqüência de uma prática que se reifica e se aliena cotidianamente. Não existe descolonização teórica, quando no nível da prática, continuam-se adotando procedimentos incompatíveis com a democratização e emancipação dos sujeitos.

Se a colonização da administração escolar é um problema de ordem teórico e prático, certamente que a sua descolonização passa igualmente por esses dois aspectos. A descolonização teórica e prática da administração escolar não acontece enquanto não abraçarmos o seu objeto. Questiona-se: qual o objeto da administração escolar? Para nós, o objeto da administração escolar consiste na prática administrativa interessada pelo pedagógico.

Uma administração escolar interessada pelo pedagógico requer que a pensemos em outros patamares de racionalidade. Se a racionalidade esteve o tempo todo vinculada a um caráter empresarial, procura-se com este trabalho apresentar o reverso da questão: o seu caráter pedagógico. O que deve e precisa ser administrado na escola, por meio de um consenso5 intersubjetivo, é o pedagógico. O consenso rompe com a arbitrariedade de pensar que a última palavra é a do diretor escolar. Dentro dessa perspectiva, o diretor não mais será visto como um gerente que ordena, controla, pune, mas um sujeito que se comunica,

5 O consenso aqui não assume as características positivistas e funcionalistas, conforme é tendência freqüente na literatura brasileira. Para Habermas (1997), o consenso não tem essa conotação positivista e funcionalista de negar as diferenças, mas exercer nos contextos de falas, quando as pretensões de validez são questionadas e criticadas, aquela melhor argumentada.

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sugere, aceita críticas e critica. De condição de gerente à condição de falante-ouvinte, está a possibilidade de uma administração escolar comunicativa e democrática.

A racionalidade administrativa empresarial, em virtude de seus limites epistemológicos, tem se mostrado impossibilitada de contribuir com a racionalidade pedagógica na escola. A definição de uma racionalidade administrativa pelo canal da linguagem, cujos pressupostos são a intersubjetividade, o consenso, a argumentação, o entendimento recíproco, proporciona uma visão ampliada, pois a administração escolar deixa de ser vista em sua perspectiva estritamente técnico-burocrática, para se tornar um processo coletivo e consensual de decisão acerca do pedagógico, cuja implementação dessas decisões não se limita às ações administrativas do diretor escolar.

A ampliação do conceito de racionalidade administrativa nos exige um olhar e um fazer que se diferencia do olhar e do fazer dogmático, positivista, instrumental. É um olhar que vê no conceito ampliado de racionalidade, proposto por Habermas (1997), um novo caminho epistemológico a ser trilhado na teoria da administração escolar. Quando se pensa em discutir a possibilidade da superação da racionalidade instrumental da administração escolar à luz da racionalidade comunicativa, está se pensando fundamentalmente no potencial da linguagem e da comunicação nos processos de democratização e emancipação no interior da escola pública brasileira.

Queremos mediante a força democrática e emancipatória da racionalidade comunicativa empreender uma discussão que nos permita: a) compreender que a racionalidade administrativa não se sustenta dentro da lógica da racionalidade sistêmica que reforça a arbitrariedade do poder e nega as relações intersubjetivas como condição fundamental para o estabelecimento da democracia e emancipação na escola; b) admitir que as relações intersubjetivas tem um potencial pedagógico inerente, haja vista a possibilidade do livre questionamento e do entendimento; c) admitir que a racionalidade administrativa necessita passar por uma mudança paradigmática nos seu interior, capaz de ventilar a descolonização teórica e prática; d) reconhecer que a racionalidade administrativa, quando pensada em termos comunicativos, proporciona uma sutura entre o administrativo e o pedagógico na escola. Essa sutura torna-se impossibilitada de acontecer diante das visões instrumentalizantes (burocratizantes) da administração escolar.

b) O pedagógico na escola: eixo das práticas docentes e administrativas

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Encontramos na literatura uma vasta discussão acerca do pedagógico,6 admitindo-o como prática, processo, projeto, relação. Supomos que o entendimento do pedagógico basicamente relacionado ao professor, ao aluno, à sala de aula, seja ele o fenômeno sobre o qual o pedagógico se distancia do diretor escolar, da sua prática administrativa. Nesta mesma perspectiva de raciocínio, Barbosa (1997) acredita que o pedagógico não se limita à sala de aula, ao professor, como defendem a maioria dos estudiosos da educação brasileira. Se assim fosse, para o diretor exercer sua função de contribuir para o pedagógico da escola teria que se anular como diretor e tornar-se professor. O investimento teórico desse autor é admitir que o diretor pode trabalhar, lidar, envolver-se no pedagógico, sem deixar de ser diretor.

Além do entendimento do pedagógico como prática, processo, projeto e relação, encontramos ainda a expressão dimensão pedagógica. Essa expressão é utilizada por Sander (1995), quando discute o paradigma multidimensional da administração da educação. Para ele, esse paradigma está constituído em quatro dimensões que se relacionam entre si: econômica, pedagógica, política e cultural, sendo a pedagógica foco da nossa atenção.

“A dimensão pedagógica da administração da educação refere-se ao conjunto de princípios, cenários e técnicas educacionais intrinsecamente comprometidos com a consecução eficaz dos objetivos do sistema educacional e de suas escolas e universidades” (SANDER, 1995, p.60-61).

Neste sentido, é a dimensão pedagógica que confere especificidade à administração da educação, já que busca definir seus princípios, meios e formas para atingir os fins educacionais. É possível também supormos que pensar o pedagógico em termos de cenários, princípios e técnicas muito pouco nos esclarece a seu respeito. Ao nosso ver, esse tipo de entendimento do pedagógico tão comum no âmbito da teoria da administração escolar acaba justificando sua condição instrumentalizante, cuja reincidência advém de uma concepção de

6 O pedagógico, de modo geral, relaciona-se ao professor, à sala de aula. Sendo assim, o pedagógico tem como locus a sala de aula e o profissional responsável por ele o professor. Nessa perspectiva de análise, temos um conjunto bastante difundido de trabalhos, dentre tantos, destacamos: Saviani (1987), Duarte (1999), Lucas (2000), Morgado (1995), Mororó (1999), Mello (1998), Prestes (1996), Boufleuer (1997), Paro (1993, 1997), sendo que estes dois últimos, além de levantarem uma discussão acerca do pedagógico, analisam o administrativo das instituições escolares, enfatizando alguns condicionantes que interferem na prática administrativa.

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administração como meio e não como ação interessada e preocupada pelo pedagógico.

Queremos avançar na discussão e compreender que o pedagógico não é algo única e exclusivamente relacionado à sala de aula, mas intrínseco à escola, nos seus mais variados espaços e momentos. É essa idéia de pedagógico que nos faz admiti-lo como algo inerente à administração escolar. O pedagógico está sendo entendimento como uma ação e relação simbolicamente mediada entre os sujeitos atores da escola, independente do espaço e do momento em que ela ocorra. Isso não significa dizer que a sala de aula esteja sendo esquecida como espaço onde o pedagógico acontece, porque nela os processos de ensino e de aprendizagem constituem necessariamente sua condição fundante.

Da administração escolar à sala de aula ou da sala de aula à administração escolar, existem contornos ainda não efetivamente discutidos na literatura da administração escolar, embora, atualmente, alguns estudiosos (NÓVOA, 1999) arrisquem em dizer que a eficácia da escola não depende necessariamente do que ocorre na sala de aula, nem tampouco da gestão escolar, até porque a gestão escolar sempre esteve vinculada às relações de poder, ao exercício da burocracia. A tendência é fomentar uma discussão plural que enraizada nos “estabelecimentos de ensino”, com suas características próprias, possa articular a gestão escolar e a sala de aula. Assim, a perspectiva de conjunto na compreensão da eficácia escolar consiste na busca de desvelar a complexidade técnica, política, simbólica, humana, organizacional que perpassa a constituição institucional da escola. Pensando assim,

“As escolas constituem uma territorialidade espacial e cultural, onde se exprime o jogo dos actores educativos internos e externos; por isso, a sua análise só tem verdadeiro sentido se conseguir mobilizar todas as dimensões pessoais, simbólicas e políticas da vida escolar, não reduzindo o pensamento e acção educativa a perspectivas técnicas, de gestão ou de eficácia stricto sensu” (NÓVOA, 1999, p.16).

Devido à tendência de reduzir, na escola, as práticas administrativas e as práticas docentes (não colocamos pedagógica aqui por entendermos que práticas pedagógicas não são restritivas ao professor) ao seu caráter técnico, burocrático, assistimos à sua

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colonização.7 Pinto (1996) nos esclarece que a colonização da escola é conseqüência da burocracia excessiva e do formalismo exacerbado, fazendo com que na escola predomine a racionalidade instrumental. Sendo a escola – um espaço e momento do mundo da vida8 que objetiva a socialização da cultura, a formação da personalidade e a apropriação do saber deve primar pela racionalidade comunicativa, caso contrário estará desenvolvendo um tipo de formação que muito pouco contribui para a autonomia e emancipação dos sujeitos. Não temos sujeitos autônomos e emancipados, quando na escola se privilegia a manipulação, a influência e dominação na relações entre os sujeitos-atores da escola.

Como o administrativo e o pedagógico estabelecem conexões entre si, no interior da escola, é possível afirmarmos que uma prática docente capaz de intervir de maneira crítica e criativa na formação dos sujeitos depende, de um lado, de práticas administrativas mais democráticas e emancipatórias, já que a prática docente colonizada pode ser entendida como prolongamento das práticas burocráticas da administração escolar; de outro lado, de uma formação acadêmica capaz de imprimir autonomia profissional, intelectual e pessoal. Por sua vez, práticas administrativas menos arbitrárias exigem que as pensemos a partir de uma nova racionalidade capaz de romper com a unilateralidade da tecnoburocracia.

A escola precisa investir na possibilidade de formar sujeitos e não se forma sujeitos autônomos, emancipados e livres, esquecendo que as relações intersubjetivas constituem a maneira mais apropriada para desenvolver essa possibilidade de formação, haja vista que nessas relações existem as condições para o livre questionamento e, consequentemente, do possível entendimento. A escola precisa encarar as relações intersubjetivas como uma condição fundante para que o ensino e a aprendizagem aconteçam. Nessas relações os sujeitos se

7 O fenômeno da colonização ocorre quando as relações intersubjetivas são corrompidas e atropeladas em nome da eficiência, objetividade, produtividade sistêmicas. Em outras palavras, quando a racionalidade instrumental sobrepõe-se à racionalidade comunicativa. 8 Habermas (2000, 1999, 1990) acredita que a sociedade está constituída em dois mundos: o sistêmico e o vivido. O sistêmico é aquele controlado pelos mecanismos do poder (Estado) e do dinheiro (mercado). Nesse mundo, as ações e as relações entre os sujeitos são tecidas pela lógica do controle, da arbitrariedade, da dominação e instrumentalização. O vivido é o espaço social onde os sujeitos procuram estabelecer relações comunicativas, buscando compreenderem reciprocamente acerca do mundo social, objetivo e subjetivo. É tendência freqüente no capitalismo atual ‘colonizar’ o mundo vivido, tornando ‘submisso’ aos objetivos do mundo sistêmico.

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formam na medida em que tomam decisão, respeitam e problematizam as concepções dos outros, argumentam a sua concepção, buscam se entender sobre a realidade.

As relações intersubjetivas – como condição fundante dos processos ensino e aprendizagem – constituem uma crítica à pedagogia tradicional, nova, tecnicista e histórico-social dos conteúdos que vêem fragmentariamente as condições necessárias e formais que engendram o pedagógico. A primeira porque o professor como dono do saber não admite que o (seu) saber seja problematizado, questionado. Problematizar o saber do professor é afrontá-lo diante de sua ‘autoridade profissional’. A segunda porque o aluno, mesmo sendo considerado centro da realização do trabalho escolar, acaba por não interiorizar a sua condição de sujeito autorizado que fala e ouve no processo ensino-aprendizagem. A terceira porque a demasiada importância atribuída aos meios e às técnicas emperra a autonomia dos sujeitos e a democracia no espaço institucional escolar. A quarta porque os conteúdos podem nos ‘alertar’ acerca da realidade, mas jamais podem assumir por si o estabelecimento das relações intersubjetivas. Os conteúdos têm uma dimensão pedagógica fundamental, quando articulados e questionados de forma intersubjetiva.

Está ficando claro que as tendências pedagógicas discutidas no Brasil não dão conta de reconhecer a autenticidade do pedagógico, haja vista suas perspectivas fracionárias e enviesadas. O pedagógico requer uma compreensão sustentada na interseção entre o professor, o aluno, os conteúdos e os meios. O pedagógico como ação e relação mediada simbólica e comunicativamente requer a presença de sujeitos dispostos a se entenderem sobre a realidade, a vida, o conhecimento. É também no campo da intersubejtividade que o questionamento e a revisão do conhecimento se colocam como possibilidades pedagógicas. Ao discutir a racionalidade comunicativa, Boufleuer (1997, p. 55-56) afirma:

“..., para a educação potencializar-se plenamente enquanto ação comunicativa é importante que os saberes científicos, os valores culturais, as normas sociais, enfim tudo o que é apresentado como conhecimento, seja percebido como entendimento historicamente construído, passível de revisão”.

Em geral, é notório que as nossas escolas dão mais ênfase aos conteúdos fechados, dogmaticamente transmitidos do que no processo de problematização e revisão que ele poderão sofrer no processo ensino-

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aprendizagem. As nossas crianças e adolescentes entram na escola para receber e ‘absorver’ conteúdos programáticos, não para se constituírem sujeitos que pensam, falam sobre si e sobre a realidade que lhes cerca, colocando em xeque a sua própria função no interior da sociedade.

c) O pedagógico e o administrativo na escola: interconectividade necessária

Uma nova definição de racionalidade para administração escolar tem a ver com necessariamente com a sutura que estamos tentando estabelecer entre o pedagógico e o administrativo. É uma racionalidade administrativa que se vincula ao pedagógico da escola, por considerá-la como seu próprio eixo. Não conseguimos enxergar uma racionalidade administrativa democrática e emancipatória distante do pedagógico da escola. Aliás, no nosso entender, o que a faz democrática é exatamente a sua interconexão com o pedagógico.

Temos razões teóricas e práticas de sobra para perceber o administrativo desvinculado do pedagógico. Na realidade escolar o que nos parece é que o pedagógico e o administrativo não precisam, nem devem coexistir. Vejamos quais as razões que fortalecem no interior da escola a desvinculação entre o pedagógico e o administrativo. A primeira diz respeito ao fato de que o pedagógico relaciona-se fundamentalmente à prática docente. Esse fato provoca uma cisão que aparece cristalizada na distinção entre as atividade-meio e as atividades-fim. A segunda vem corroborar com a primeira, já que na escola dispomos de dois campos de atividades distintos entre si: as atividades-meio e atividades-fim. É da responsabilidade dos professores, supervisores e de outros profissionais da educação que lidam mais diretamente com a aprendizagem dos educandos a realização das atividades-fim, cabendo aos diretores, secretários e demais profissionais que desempenham funções complementares e de assistência ao educando a concretização das atividades-meio. A terceira que abrange as duas anteriores diz respeito ao conceito da administração que tem como objeto central de sua prática a racionalização e utilização de recursos para realização de fins. É um conceito fundamentado nos pressupostos da racionalidade instrumental que mantém inalterado os mecanismos de burocratização, dominação e manipulação entre os sujeitos. A perspectiva instrumentalista da administração faz do diretor escolar um profissional que lida com a operacionalização das decisões advindas dos órgãos superiores e das possíveis decisões no interior da escola, sem poder participar do

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pedagógico da escola. É um diretor técnico, fiscalizador e implementador dos interesses estatais na escola. O diretor se distancia do pedagógico na escola não por mera coincidência, mas porque atribui-se a ele a responsabilidade última de cumprir e gerenciar as atividades-meio. Corroborando essa constatação, Paro (1993, p.133) nos diz:

“Envolvido, assim, com os inúmeros problemas da escola e enredado nas malhas burocráticas das determinações formais emanadas dos órgãos superiores, o diretor se vê grandemente tolhido em sua função de educador, já que pouco tempo lhe resta para dedicar-se às atividades mais diretamente ligadas aos problemas pedagógicos no interior de sua escola”.

A descolonização teórica e prática da administração escolar passa pelo exercício de sua função pedagógica. É o pedagógico entendido como ação e relação simbolicamente mediada entre os sujeitos que nos faz compreender que o pedagógico é possível de acontecer nas práticas administrativas da escola. A interconexão entre o administrativo e o pedagógico na escola nos parece ser uma iniciativa que anda na contramão da literatura vigente, pois temos uma vasta literatura que, embora nos pareça crítica, reforça a administração escolar como mecanismo da racionalidade instrumental, por não enxergá-la além de uma visão tecnicista que a concebe como atividade-meio. Essa interconexão não acontece efetivamente diante do pensamento e da ação que acabam mantendo uma concepção instrumentalista de racionalidade administrativa.

Uma administração vinculada ao pedagógico significa a construção de sua própria identidade epistemológica no interior da educação.9 Para nós, a identidade epistemológica de um profissional da educação, seja ele professor, diretor, supervisor, coordenador reside na sua prática pedagógica, por isso que o objeto central da administração escolar está sendo compreendido como a prática administrativa interessada e preocupada com o seu próprio fazer pedagógico. Vejamos como isso ocorre: é a administração assumindo sua condição pedagógica que pode lidar mais aberta e coletivamente com o pedagógico que se

9 Gamboa (1996) admite que a educação se constitui num campo de conflitos entre as ciências aplicadas e ciências da ação. E nesse meio encontra-se a administração da educação como um campo que enfrenta crises de identidade, legitimidade e racionalidade. Ao desenvolvermos uma compreensão da racionalidade administrativa a partir da teoria da ação comunicativa, almejamos desenvolver uma espécie de descolonização da administração, uma vez que o seu eixo não consiste necessariamente na aplicabilidade de técnicas, métodos e procedimentos, geralmente advindos da administração empresarial, mas na prática administrativa voltada para o pedagógico na escola.

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realiza na sala de aula. Uma administração escolar calcada na rede democrática e plural da comunicação se manifesta como um duplo caminho pedagógico: a) na medida em que se realiza intersubjetivamente já acontece no seu interior o pedagógico; b) na medida em que se desburocratiza visa atender o pedagógico. Aqui sim esse pedagógico pode ser entendido como escolha coletiva de conteúdos, definição de objetivos e de estratégias de ensino, cabendo ao diretor ajudar na sua implementação. O diretor torna-se um coadjuvante do professor, quando assume na prática a sua condição de partícipe no processo de decisão acerca do pedagógico.

Embora se encontre uma enorme propagação de que o administrativo e o pedagógico se articulam ou devem se articular, são poucos os trabalhos que procuram efetivamente estabelecer essa articulação. Encontramos possibilidades efetivas de articulação em Barbosa (1997) e Boufleuer (1997). Convém colocarmos, mesmo que resumidamente, a contribuição destes autores para a superação do velho dilema que persiste na administração escolar: o distanciamento entre o administrativo e o pedagógico na prática do diretor escolar. Barbosa (1997), colocando-se diante desta problemática, propõe que o “administrativo versus o pedagógico” seja recolocado no sentido de suprimir a excludência que um sofre diante do outro, já que eles estariam (ou deveriam estar) imbricados. Barbosa insiste no imbricamento entre administrativo e pedagógico por meio da compreensão de que a relação humana consiste em objeto de formação. Para demonstrar esse imbricamento, o referido autor expressa que a ação administrativa acontece “entre e para pessoas”, o que já nos possibilita destacar o caráter formativo e pedagógico da ação administrativa, uma vez que é na relação humana que o processo formativo se concretiza.

Boufleuer (1997) estabelece a articulação a partir do sentido político e administrativo das práticas escolares. Para ele, a administração como um “trabalho relativo ao processo de decisão e de implementação das mesmas” (BOUFLEUER, 1997, p. 91), já nos encaminha para a direção de admitir que a administração se faz por dentro dela mesma como uma ação política. Diferente de Paro (1997), em Boufleuer não é a administração que viabiliza o político, porque ela se constitui inerentemente como uma ação política, na medida em que consiste na tomada de decisão acerca do pedagógico na escola.

Concluindo...

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A definição de uma racionalidade administrativa que se materializa simbólica e comunicativamente busca superar a crise já evidente no paradigma vigente da administração. É uma administração que vê na linguagem ou mais concretamente na fala de alguém possibilidades de entendimento, de decisão. Não temos como vislumbrar uma gestão democrática e emancipatória na escola pública, quando as relações intersubejtivas são corrompidas pelos mecanismos do mundo sistêmico; quando as relações entre os sujeitos-atores da escola acontecem de forma vertical e arbitrária, por isso que muito pouco consensual. No consenso, as idéias do diretor escolar incorporam-se às idéias dos demais participantes do discurso escolar, por isso que o consenso tem a força de melhor aglutinar as idéias, as perspectivas e anseios dos que fazem a escola pública.

No agir comunicativo da administração escolar, o poder arbitrário exercido pelo diretor na escola se desloca para um processo de relações e decisões que se dá no nível da intersubjetividade entre os sujeitos. Se estamos compreendendo a racionalidade administrativa como sendo processos e relações concretizados coletiva e comunicativamente entre os sujeitos, Pinto (1996, p.154) reforça a nossa escola teórica, dizendo:

“Não conseguimos encontrar entre os diversos paradigmas administrativos ..., algum que, como a teoria de Habermas, fundamente de forma tão clara os mecanismos participativos de tomada de decisão”.

A racionalidade comunicativa, além de favorecer uma compreensão de racionalidade democrática e emancipatória, possibilita-nos entender que o pedagógico como ação e relação mediadas simbolicamente não se restringe ao espaço da sala de aula, à ação do professor. São as relações intersubjetivas que ocorrem também na prática administrativa que fazem desta prática também pedagógica.

Enfim, o distanciamento do pedagógico e do administrativo se materializa na escola no discurso e na prática dos profissionais da educação a partir de dois aspectos: 1) que o pedagógico está relacionado ao professor, à sala de aula; 2) que o administrativo é da ordem do cumprimento das ordens emanadas dos órgãos superiores. O reforço deste distanciamento é o exemplo nítido de que o pedagógico e o administrativo não coexistem. O nosso esforço, contrariando a este, é o de entender que a interconexão entre o administrativo e pedagógico é possível, desde que o pedagógico não se restrinja ao professor e que o administrativo não se encastela nas amarras do mundo sistêmico. O

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pedagógico e o administrativo se imbricam na medida que aceitamos as relações intersubjetivas como uma condição fundamental para o desenvolvimento de um novo pensamento e de uma nova ação no interior das escolas públicas brasileiras.

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O Professor e a Categoria Profissional: a construção da consciência política1

Vera Lúcia Aparecida de Castro Dobbeck2

RESUMO: Este estudo aborda a construção da consciência política dos professores. Os sujeitos são três professoras da rede pública de ensino do Estado de São Paulo e compreende o período de 1978 a 1989. Foram colhidos relatos, história de vida de cada professora, destacando-se o período de sua formação e, no exercício profissional, a sua participação nas manifestações políticas e sua relação com a entidade profissional. Os relatos, enquanto estratégia metodológica, constituíram-se em um momento privilegiado do processo de formação destas professoras. Dentre os fatores significativos de sua formação, foram apontados: o gosto pela leitura, o processo contínuo de sua formação e a força de sua experiência. As relações estabelecidas, durante a formação e no exercício profissional, também foram determinantes no processo de construção da consciência política de cada uma.

Palavras-chave: Conhecimento; Práxis; Participação

ABSTRACT: The aim of this paper is to investigate the teachers' political conscience. Three teachers from the public network of the State of Sao Paulo were taken as the subject and the analysis covers from 1978 to 1989. The statements, the life’s history of each teacher, were gathered, covering the historical period of their education, their relationship with the professional entity and their participation in the political manifestations of this category. The data, considered as methodological strategy, is a highly privileged moment in these teachers' lives. The teachers have selected, among the most important facts in their education: to read even more, the continual process of their education, and the strength their experiences have developed in the process. It will be noted that the relations established by these interviewed teachers, even before their performance as teachers and then, during the professional practice, show their extreme importance in the political conscience’s process of each one.

Key words: Knowledge; Práxis; Participation

1 Este texto é uma síntese da Dissertação de Mestrado, orientada pela Profª Drª Sonia Teresinha de Sousa Penin e defendida em setembro de 2000.2 Mestre pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

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Educação, poder e cidadania

Este trabalho aborda a questão do processo de construção da consciência política do professor. Os sujeitos deste estudo são os professores da rede pública de ensino do Estado de São Paulo. Tal estudo consiste na análise dos relatos autobiográficos de três professoras da rede. Seu objetivo é compreender o percurso de cada professor no processo de sua formação profissional, na constituição de sua cidadania, rumo à sua efetiva participação nos destinos da sociedade.

A preocupação com o tema teve seu início com acontecimentos históricos ocorridos durante meu processo de formação (década de 60) e acentuou-se quando, em 1978, os professores, a exemplo de outras categorias profissionais, se organizam e saem às ruas, exigindo do Governo melhores salários e melhores condições de ensino. Desta forma, O movimento dos professores se constituiu em momento histórico na práxis destes professores.

A partir deste ano, com a retomada. do movimento sindical, até então desarticulado em função do regime militar, os professores também se mobilizam. No caso dos professores paulistas, isto se dá em um movimento para assumir a direção da sua entidade representativa, a APEOESP- Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, que se encontra em mãos de pessoas, que demonstraram historicamente, não terem nenhum compromisso com a categoria.

Este movimento começa com um grande trabalho de articulação desenvolvido pelas lideranças emergentes, e mais tarde, em 1979, desenvolvido pela entidade, a partir da posse da nova Diretoria eleita, constituída, agora, por professores que vieram do movimento. O próprio movimento de recuperação da entidade foi um processo de luta e de crescimento, não só da liderança, mas de parte dos professores que começavam a atuar. O início deste processo já se dá a partir de maio de 1977.

Após duas greves – 1978 e 1979 – e com a assunção da Diretoria da APEOESP, a entidade passa por um processo de reorganização interna, alterando radicalmente sua estrutura, implantando instâncias de participação como, por exemplo; os congressos, a instituição dos representantes de escola (REs) e do Conselho de Representantes (C.R.), com o objetivo de torná-la democrática, possibilitando, desta forma, a participação efetiva dos professores. Juntamente com estas instâncias, a entidade passa a investir na formação dos professores e, assim, institui os cursos de formação sindical.

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Educação, poder e cidadania

Ao longo dos anos, verifica-se que a entidade cresceu substancialmente em número de associados. Hoje se constitui no maior sindicato da América Latina, com 140.000 associados, tendo mobilizado, ao longo de suas ações, um grande número de professores. Apesar disto, este caminho não tem sido fácil e nem sempre tem conseguido atingir grande parte dos professores. Atualmente a categoria se constitui de 220.000 e conta com cerca de 10.000 militantes.

O trabalho desenvolvido, no sentido de trazer os professores para dentro da entidade, fazê-los participar dos destinos da categoria, com vistas ao exercício pleno da cidadania e ao seu envolvimento nas lutas da sociedade como um todo, é árduo e nem sempre satisfatório.

Compreender os professores, seus processos de formação, se faz necessário, para que, a partir destes conhecimentos, as entidades onde atuam esses professores possam fundamentar a sua práxis. A compreensão de que o movimento educa precisa estar associada à compreensão de que seus processos individuais/coletivos de formação terão um papel decisivo no salto qualitativo rumo à consciência.

Assim sendo, este estudo é elaborado a partir da análise do relato de três professoras da rede pública de ensino e, através dele, podemos acompanhar e compreender cada processo de formação. Aqui, o relato autobiográfico de cada professor é tomado enquanto um momento privilegiado de seu processo de formação, conforme destaca o Prof. Antonio Nóvoa e outros autores, que consideram o relato, não só enquanto uma metodologia na abordagem do objeto de estudo, mas também, o relato em si, como momento importante do processo de formação.

Os professores, ao fazerem o relato de seu percurso, destacam aquilo que realmente foi formador em sua vida profissional. Esta forma de abordagem contribui para a construção de sua identidade e lhes confere um sentimento de pertença à sua categoria profissional.

Assim , ao entendermos o relato neste sentido, este se constitui em um momento formador para estes professores.

Como fundamentação teórica na abordagem do tema buscou-se o aprofundamento em autores como Georg Luckács, Karel Kosik, Vazques Sanches, Antonio Gramsci e outros. Como referencial maior de abordagem na análise do processo histórico temos Marx .

Os professores selecionados têm em comum o fato de estarem há mais de 10 anos na profissão, no momento da pesquisa. O fato de terem sido selecionadas três professoras se deve à característica marcante da categoria que é o fato de ser maciçamente constituída por

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mulheres. Particularmente nesta escola, havia somente dois professores do sexo masculino, sendo que um deles estava no início de carreira e o outro era um engenheiro que, naquele momento, tinha assumido algumas aulas de matemática. Enfim, nenhum deles atendia o pré-requisito fundamental, que era o de ter, pelo menos, dez anos de carreira.

As professoras entrevistadas, no momento da pesquisa, trabalham em uma mesma escola, pois consideramos que não havia, naquele momento, um corpo docente fixo de cada escola, dada a mobilidade com a qual se caracterizava a categoria dos professores.

A rede estadual de ensino, naquele momento, tem em seu quadro uma grande quantidade de professores contratados a título precário (não concursados) que, em função disto, mudavam de escola ao final de cada ano letivo, pois se submetiam à nova classificação no processo de atribuição de aulas, que ocorria no início de cada ano, ou, simplesmente, estavam substituindo algum professor e tinham que deixar as aulas, à medida que a licença terminava . Além disto, os professores, em geral, trabalham em duas ou mais escolas para poderem compor suas jornadas de trabalho e, desta forma, ao selecionarmos estas professoras, consideramos estarmos trabalhando com professores da rede, portanto não necessariamente exclusivos daquela escola.

O pré–requisito, tempo de magistério, se coloca como essencial para que pudéssemos perceber o percurso destes professores ao longo dos anos, particularmente após o ano de 78, quando ocorre a primeira greve do magistério, e quando uma vanguarda de professores politizados assume o sindicato da classe, por via eleitoral. Explicitada a metodologia passamos agora à análise dos depoimentos.

As professoras selecionadas são: Profª Alice, Profª Beatriz e Profª Tomiko.

Os relatos foram tomados de forma livre e só houve a interferência do pesquisador, à medida que havia necessidade de algum esclarecimento a respeito de algum fato relatado. A ordenação se deu em função da cronologia de cada uma e o caminho seguido, foi o percurso de sua formação, entendendo-se aqui, a vida antes da escola, durante o processo escolar e já no exercício da profissão. Desta maneira, cada professor pôde destacar, em seu relato, o que considera como elemento efetivamente formador. Ao fazer a seleção daquilo que foi formador em sua vida, o professor põe em evidência uma dupla dinâmica: o seu percurso de vida e a dos significados que lhe atribui.

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Educação, poder e cidadania

Os relatos foram colhidos no sentido de se buscar respostas para a seguinte questão:

"Por sou como sou e tenho as idéias que tenho?"

A professora Alice nasceu em Barretos, interior de São Paulo, e em seu relato afirma que, sendo neta de pequenos produtores e filha de pequeno comerciante da cidade de Ribeirão Preto (cidade grande do interior de São Paulo), não teve grandes problemas para estudar. Desde pequena, salienta em seu relato, sempre teve um desejo incontrolável pela leitura. Afirma que tinha que ter sempre alguma coisa para ler, nem que fosse uma revista em quadrinhos.

Quando chegou ao momento de fazer sua opção profissional, como já tinha um envolvimento com o esporte, pois jogava vôlei na seleção da cidade, teve a intenção de optar por Educação Física. Como em sua cidade não havia nenhuma Faculdade de Educação Física para fazer o curso, teria que ir para outra cidade. Neste caso, encontra a proibição de seu pai e como também, naquele momento, em sua cidade, instala-se uma Faculdade de Ciências Humanas, fica indecisa se opta pelo curso de Letras ou de História, tendo ficado com o primeiro.

O relato que faz de seu percurso durante sua infância e sua passagem pelo primeiro e segundo graus destaca sempre o seu gosto pelo estudo, pela leitura. Destaca-se sempre como uma criança que tem muito interesse pela leitura e quer sempre saber mais sobre as coisas e, desta forma, ao longo de sua vida, alguns acontecimentos ficaram como pontos de interrogação, só tendo conseguido compreendê-los bem mais tarde.

Como um dos fatos marcantes, cita a sua situação enquanto secretária do Secretário de Finanças de sua cidade (Ribeirão Preto), referindo-se aos momentos em que tinha a necessidade de tomar decisões a respeito da vida dos funcionários e como desconhecia as leis e não tinha nenhuma orientação por parte do Secretário, ficava completamente perdida e angustiada, pois sabia que seu encaminhamento teria repercussões na vida dos funcionários. Assim, começa a estudar o estatuto dos funcionários e quando não consegue ali as respostas, procura a CLT para que pudesse tratar adequadamente cada caso. Pontua que este é o primeiro momento em que se depara com a questão da justiça. Cita ainda em seu relato um outro momento marcante, quando cursava o segundo grau em sua cidade, em uma escola religiosa, e houve uma mobilização, um movimento dos alunos que queriam sair da escola em solidariedade aos alunos da USP.

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Naquele momento, ela não conseguia entender solidariedade a quê. Os alunos também não entendiam, mas, ao saírem da escola para a rua, passavam pela porta onde se encontrava uma freira que ia retirando o emblema da escola do bolso da blusa de cada aluna. Ao sair para a rua, encontra a cavalaria e vê, muito assustada, a pata dos cavalos sobre ela, entendendo menos ainda o que estava acontecendo.Outro fato marcante, também destacado pela professora foi a prisão de uma freira (Madre Maurina) diretora do Orfanato Santana, em Ribeirão Preto. Tal acontecimento ficou envolto em uma atmosfera de sigilo e perplexidade na cidade, não tendo tido também, naquele momento, condições de entender.

Ingressa no curso superior (Faculdade de Letras) a contragosto, pois queria cursar algo relacionado com o esporte. Como é impedida de sair de sua cidade por seu pai, opta por este curso. Durante a sua realização, juntamente com outras alunas, descontentes com as aulas de literatura, e por iniciativa de uma colega, organizam um grupo para aprofundar o conteúdo trabalhado em sala de aula e, quando o diretor fica sabendo do fato, chama cada um dos componentes do grupo em sua sala e diz que, a partir daquele momento, estão proibidas as reuniões e que a amiga que havia feito a proposta de organização do grupo já havia sido transferida para a PUC de Campinas.

Em seu relato destaca também o seu contato com o Prof. Maurício Tragtemberg, que os chamava à reflexão e questionava o fato de estarem estudando, não só para “analisar poemas”, mas para refletir sobre o momento em que viviam. Assim sendo, sua disposição para a reflexão se acentua cada vez mais e busca incessantemente entender as questões que permaneciam sem explicação.Em 1975, ingressa no magistério . Em 1978 encontra-se dando aulas em uma escola na região Oeste da Capital, escola esta famosa por ter um corpo docente preparado, organizado e atuante politicamente . Muitos dos professores desta escola eram professores também da Universidade de São Paulo.

Neste meio, aos poucos, começa, a partir das conversas e discussões presenciadas, a entender, com clareza, as questões que para ela permaneciam sem explicação.

A partir daí, atende ao chamado da entidade, inconformada por ter ficado tanto tempo sem compreender os graves fatos ocorridos ao seu redor e se insere, com muita disposição, no movimento dos professores, de forma muito atuante. Exerce um papel de liderança do movimento e,

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ao mesmo tempo, constrói sua forma de ser professor, estabelecendo uma relação democrática e solidária com seus pares e seus alunos.

É professora de Português da rede estadual e da rede municipal de ensino, tendo, neste caso, exercido o cargo de Diretora da Unidade em que trabalha, eleita por seus pares. Como professora, assume a responsabilidade pela formação dos cidadãos, exercendo seu trabalho de forma crítica e comprometida.

A segunda professora entrevistada é a professora Beatriz. Filha de bóias frias, com uma família constituída por 4 irmãos teve todas as dificuldades para ingressar na escola (ingressa aos 10 anos) e, como é obrigada a ficar fora da escola todos os anos durante o período de colheita, conclui o ensino fundamental aos 24 anos de idade. Neste período tem o seu percurso determinado pelo percurso de seu pai, que anda constantemente à procura de trabalho. Quando saem do campo, igualmente à procura de trabalho e vão para a cidade, a professora Beatriz continua estudando e trabalhando em casas de família. Ao chegar à cidade, não consegue permanecer na escola pública, dizendo ser “muito puxada”, pois não consegue aprender latim, indo assim para uma escola particular por algum tempo, pois tem sérias limitações financeiras.

Desta forma, como afirmei , só conclui esta fase escolar aos 24 anos. Casa-se com um pastor da igreja evangélica e vai para a cidade de Iguape (interior de São Paulo), onde faz o curso normal (magistério). Formada, começa a dar aulas de recuperação e aos poucos consegue aulas de literatura infantil tendo, neste momento, um salário superior ao salário de seu marido, que é pastor. Consegue então mobiliar sua casa e seu marido fica entusiasmado com a profissão de professor e ingressa em uma faculdade de Teologia. Hoje dá aulas de história na rede pública. Como seu marido é pastor, fica à mercê de sua igreja para se instalar onde esta determina, sendo assim, mais uma vez, ela tem que se mudar e volta para Bernardino de Campos, cidade em que nasceu (interior do Estado de São Paulo). Lá, encontrando dificuldades para conseguir aulas, resolve fazer um curso superior em uma Faculdade particular do Paraná, levando mais tempo para ir e vir do que o tempo de dispensado para assistir às aulas. Após quatro anos conclui a faculdade (Letras) e já pode assumir aulas de português. Presta concurso por quatro vezes e na última vez é aprovada. Isto também ocorre com seu marido, que é aprovado para a cadeira de história e logo é chamado para assumir aulas em Osasco, cidade da Grande São Paulo. Ela permanece com os filhos (já são 4) em sua cidade e, mais tarde, é chamada para dar aulas

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também em Osasco. Para complementar sua carga, assume aulas também em Taboão da Serra, cidade também localizada na Grande São Paulo, e passa a viver daqui para ali para dar conta de sua jornada. Em seu relato, em nenhum momento fala de questões que estejam distantes deste seu mundo mais imediato.Já como efetiva, tem uma jornada de aulas exaustiva, tendo sua vida profissional condicionada às dificuldades que encontra na sua vida privada, como, por exemplo, cuidar da casa, dos filhos e etc... A professora é mãe de quatro filhos do sexo masculino e somados à presença do marido somam 5 homens a quem ela afirma “dever cuidados”.

Quando fala da categoria profissional, destaca o fato de que para ela é tudo muito difícil. Não faz nenhuma colocação a este respeito com clareza, mas o fato de ser mulher e de assumir todas as tarefas que a sociedade capitalista lhe atribui, dificulta o exercício da profissão.

Tem grandes dificuldades no que se refere ao exercício da profissão. Sente-se despreparada, sozinha, e ainda não tem nenhum tempo disponível para estudar, para preparar aulas. Entende como inúteis todas as iniciativas da escola referentes ao planejamento, à troca de experiência. Diz não poder e diz que os professores não podem inovar porque o Diretor não permite. Há de se notar que todas as professoras trabalham em uma mesma escola e ela é a única a destacar esta questão. As outras professoras afirmam em seus relatos que têm plena liberdade para desenvolver seu trabalho na escola. No caso desta professora, um fato que se destaca é o de que casada com um pastor e tendo assumido sua opção religiosa, ela tem uma visão resignada diante da vida. Mais do que isto, ela se coloca distante do mundo. Como conseqüência, ensina seus filhos a não se envolverem com as coisas deste mundo, mais do que isto, não se envolve em nada também. Apesar de ter tido sua formação durante o período da ditadura, nenhuma colocação é feita com relação a este período. O que se destaca em seu relato são as dificuldades, que julga particulares, encontradas em sua vida, não fazendo, em nenhum momento, uma análise mais geral da sociedade. Quanto aos movimentos e, em particular, o movimento dos professores, fala dele como algo extrínseco. Não participou de nenhuma mobilização, apesar do empenho da entidade, a não ser nas mobilizações havidas no final da década de 80, restringindo-se a não dar aulas para não ficar em situação difícil com os outros professores. Mesmo assim, só parou onde os professores como um todo pararam, permanecendo, muitas vezes, dando aulas em uma escola e parada na

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outra. Relata nunca ter ido a qualquer manifestação e afirma que seu marido ia .Justifica-se dizendo que precisava ficar sempre em casa para por as coisas da casa em dia. Tem um posicionamento resignado diante da situação em que se encontram os professores e desconhece todos os caminhos trilhados pela entidade antes da chegada à greve, mesmo com todo o trabalho desenvolvido pela entidade. A terceira professora é a profª Tomiko, filha de comerciantes, nascida na cidade de Promissão no interior de São Paulo.

Faz parte de uma família formada por pais e quatro filhos, sendo a única mulher entre eles. Muito cedo, sem dificuldades, entrou na escola. Aliás, seu ingresso se deu antes do 6 anos, o que causou muita estranheza na cidade. Em seu relato destaca a necessidade de sempre estar buscando coisas para ler. Tinha acesso a livros em casa, mas emprestava livros dos amigos e lia tudo o que lhe caia às mãos. Destaca este fato com muita propriedade em seu relato. Desta forma, afirma ter lido “de tudo” em sua vida. De contos de fadas a livros de história. Leu durante muito tempo a revista Seleções, de origem americana.

Quanto ao seu percurso escolar, fez o primeiro grau na escola pública e o segundo, por pura contingência (curso normal), também na escola pública. A opção pelo curso normal se deu, em função de não ter outra escolha em sua cidade e mesmo para a instalação deste curso houve a necessidade de se compor uma turma de pelo menos 15 alunos. Outro fato determinante foi o de que não queria deixar seus amigos de escola. Assim fez o curso normal.

Destaca, em seu relato, que durante a realização do curso normal fica sabendo da prisão de pessoas (jovens estudantes, filhos da classe mais abastada da cidade) e a explicação que é dada é que são comunistas. Como definição do termo é afirmado e divulgado que os comunistas são aqueles que tolhem a liberdade das pessoas. Ela já havia lido sobre o comunismo nas leituras que fazia da revista Seleções, mas aquelas explicações e estas agora não a satisfazem. Estes acontecimentos permanecem por muito tempo sem explicação.Já formada, vem para São Paulo, começa a dar aulas e quando há um concurso público é aprovada, voltando para sua cidade para a aguardar a chamada.

Enquanto aguarda a chamada, dá aulas em uma cidade próxima a Promissão e, após um período de um ano, é chamada, ingressando em Osasco, cidade da Região Metropolitana de São Paulo.Mesmo após ter ingressado na profissão, está descontente e procura ainda outros cursos que lhe possibilitem desenvolver outras carreiras que

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lhe agradem. Diz gostar muito de Química e de outras profissões, que lhe possibilitem desenvolver seu trabalho sozinha. Assim, em sua passagem pela Escola de Sociologia e Política, depara-se com um outro acontecimento, que, em seu relato, tem um grande destaque.Era o ano de 1968. Um dia o diretor da Faculdade entrou na sala de aula e disse que os alunos estavam proibidos de participar de manifestações públicas, que havia sido decretada uma lei a respeito e que se alguém a desrespeitasse, seria expulso da escola.

Os alunos ficaram surpresos. Naquela escola, e em seu curso, professores e alunos não discutiam outras coisas que não fossem referentes ao próprio curso. Na verdade, o diretor falava do decreto 477, que proibia a participação dos estudantes em mobilizações. Como já traz consigo algumas indagações para as quais não obteve resposta e agora se depara com mais esta questão, resolve, por conta própria, tentar entender o que realmente ocorria.

Assim sendo, passa a procurar livros sobre o Golpe e 64 e sobre os países que adotam o comunismo como sistema de governo. Lê muito. Lê tudo sobre os países da chamada Cortina de Ferro, sobre movimentos de contestação e cada vez mais vai construindo sua visão crítica do mundo, aproximando-se cada vez mais dos movimentos de contestação ao regime autoritário que se instalou no país após 64 e dos movimentos da oposição.

Após a conclusão do curso de Biblioteconomia, constata que já aprendeu a gostar de ser professora e já possui um lugar nesta profissão, permanecendo assim nela. No caso de Biblioteconomia, não se julga suficientemente competente para tal.Como professora, ingressa em uma escola em Osasco, Zona Norte da cidade, e dedica-se intensamente à profissão. Quando do movimento de 78 (primeira greve do magistério), engaja-se nele por ter consigo um sentimento de solidariedade, herdado de seu pai, a noção de coletivo e a convicção da necessidade da luta para a conquista das reivindicações, que se colocam naquele momento. Neste momento de sua vida, já traz consigo o sentido de categoria profissional e a responsabilidade inerente a ela.

É assim que responde ao chamado da entidade de Classe (APEOESP), como um momento de colocar em prática seu sentimento de solidariedade, seu inconformismo diante das injustiças e de lutar pelos seus direitos, atuando firmemente na organização dos professores, conclamando seus pares e exigindo deles um posicionamento. Sua postura, em relação ao exercício da profissão, é de responsabilidade para

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com a formação de cidadãos plenos e, assim, não poupa esforços, estudando, cada vez mais, para poder dar uma boa aula, indo atrás de material para enriquecê-las e conclamando seus pares para o enfrentamento do desafio que é a carreira de professor.

A construção da consciência

Tendo como pressuposto que o indivíduo se constitui em uma práxis sintética, tomamos estes depoimentos enquanto tais e, através deles, podemos conhecer os caminhos trilhados por estas professoras no processo de sua formação e, conseqüentemente, no processo de construção de sua consciência política e na constituição de sua identidade.

Estas narrativas, sem dúvida, constituem-se em uma releitura, em uma reestruturação e numa re-significação de fatos constituintes de suas histórias de vida e que, no momento do relato, pelo fato das professoras tê-los destacado, evidencia sua importância no processo de formação de cada uma.

A oportunidade de debruçar-se sobre a história de suas vidas, propiciou-lhes, não só ter a compreensão do significado de cada momento destacado na narrativa, mas constituiu-se em um processo de articulação e de constituição de sentidos.

A análise destes relatos nos permitiu compreender os processos de formação destas professoras e destacar elementos importantes e mesmo determinantes em tal processo. Dentre eles, podemos salientar a importância que a leitura adquire neste processo e antes mesmo da leitura, a importância da “curiosidade em conhecer”. Também podemos destacar o processo constante de formação a que estiveram e estão subordinadas as professoras e a força que a sua experiência adquire em cada caso.

Como conclusão geral, podemos constatar, que as relações estabelecidas pelas professoras investigadas, antes da chegada à profissão e no exercício profissional, indicam a importância “desta relação” no processo de construção da consciência política de cada uma.

Este estudo permite que os próprios professores ocupem o lugar de sujeito no processo de sua formação.

Acreditando ter caminhado no sentido da construção do conhecimento e da instauração da mudança, pensamos que, através da elaboração deste trabalho, pudemos propiciar, a estes professores e a nós, este momento de reflexão rumo à consciência e, à história da educação, destacar elementos que nos permitam conhecer melhor esta

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categoria profissional. O mais importante é que, nesta oportunidade, pudemos permitir que os próprios professores ocupassem o seu lugar de “sujeito” no processo de sua formação.

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Filosofia na Educação

Comunidade de Investigação Escolar: uma colcha de retalhos

Raquel Martins Fernandes1

RESUMO: O objetivo deste trabalho é conhecer o conceito de comunidade de investigação do Programa Filosofia para Crianças de Matthew Lipman. Ele mostra que a investigação filosófica é frutífera no aspecto de facilitadora da busca de significado que a educação carece. Na comunidade é preciso que os participantes se ouçam e possam estar abertos a novas idéias. Pretende-se observar como esta proposta exige uma mudança epistemológica-ética: deixar de estruturar o conhecimento e suas relações hierarquicamente, para fazê-lo privilegiando a interação, como na metáfora da rede de Capra, onde cada ponto da rede tem sua função e participação na mesma.

Palavras-chave: Investigação filosófica; Paradigma; Ruptura epistemológica-ética

ABSTRACT: Community Investigation in the School. The objective of this study is to investigate the concept of COMMUNITY OF INVESTIGATION in Mathew Lipman's Program of Philosophy for Children. Lipman shows that philosophical investigation is fruitful as facilitator of the search for meaning that education needs. In a community it is necessary that participants listen and be open to new ideas. This study observes how this proposal requires epistemological-ethical ruptures: to stop structuring knowledge and its relations hierarchically, and to privilege interaction, such as in Capra's metaphor of a net in which each part has its function and participation.

Keywords: Philosophical investigation; Paradigm, Epistemological-ethical ruptures

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, IE/UFMT; professora do Departamento de Filosofia / UFMT.

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Filosofia na Educação

Sobre a caracterização da comunidade de investigação

O objetivo do trabalho, que aqui se descreve, foi conhecer o conceito de comunidade de investigação do Programa Filosofia para Crianças de Matthew Lipman, a partir da leitura das principais obras do autor que trabalham o tema: O Pensar na Educação, Filosofia na sala de aula, e Filosofia vai à escola (dentre outras), e observar sua aplicabilidade.2 Este termo foi utilizado, primeiramente, por Charles Peirce, definido como conjunto de cientistas em uma pesquisa genuína. John Dewey transfere a idéia de problematização da comunidade de investigação para a educação. Lipman faz a seguinte ressalva: “se o bom pensar deve transformar-se no principal objetivo dentro da sala de aula, deverá este ser desenvolvido segundo os preceitos da investigação científica ou da investigação filosófica?” (cf. LIPMAN, 1995). Lipman mostra que a investigação filosófica é mais frutífera no aspecto de facilitadora da busca de significado de que a educação carece.3 A saber, este filósofo almeja através do Programa Filosofia para Crianças: a iniciação filosófica de crianças e jovens e a educação para o pensar, ou seja, não deixar morrer nestas crianças a ânsia, característica, principalmente, em tenra idade, por perguntas e levá-las a perguntarem-se sempre pelo sentido do que fazem, ouvem e pensam.4

“Um programa de raciocínio, de leitura e de comunicação e expressão deveria concentrar-se na estimulação das habilidades de pensamento e proporcionar às crianças a oportunidade de pensarem filosoficamente sobre idéias que lhes interessam, através de uma investigação dialógica cooperativa.” (LIPMAN, 1990, p. 121)

Nesta citação, Lipman reforça a necessidade da filosofia e fala sobre as habilidades cognitivas ou de pensamento, ou seja, capacidades de pensar, que ao serem estimuladas podem permitir um pensar melhor.5

Um pensar melhor seria, para o autor, um pensar de ordem superior ou pensar complexo (cf. LIPMAN, 1995: parte I, cap. 1), que engloba a

2 Nas salas de aula do Colégio Pitágoras e Palomar, dos primeiros anos do ensino fundamental. (Belo Horizonte - MG)3 Sobre a busca de significado na educação, ver Filosofia na sala de aula, cap. 03.4 Sobre as perguntas que as crianças fazem e como explorar seu conteúdo filosófico, ver Filosofia na sala de aula, pp. 61-65 e 148-54.5 Classificadas pelo autor em quatro grandes grupos: habilidades de raciocínio, de investigação,de tradução e de organização de informações, para maiores detalhes conferir na parte I, cap. 2 do livro O Pensar na Educação e para uma introdução ao assunto ver o segundo capítulo de Filosofia na sala de aula.

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metacognição e é formado por três dimensões trifásicas a crítica, criativa e cuidadosa. No sentido de que o pensar melhor só assim funcionaria (como um motor trifásico) se seus três modos constituintes estiverem trabalhando harmoniosamente (cf. BÜTTNER, 1999, p. 66-76).

Este pensar é superior a outros não do ponto de vista hierárquico, mas apenas em nível de complexidade e, portanto, abrangência e coerência. No livro O Pensar na Educação o autor trabalha a noção de criticidade (parte II) e criatividade (parte III), já a noção do cuidado está no artigo recente Caring as Thinking. Percebe-se a relação do pensar com outras dimensões, principalmente, com o reconhecimento do outro, como afirma o próprio autor no prefácio do livro ?Qué es filosofia para niños?:

“Por ‘seres razonables’ quiero decir, no simplesmente seres que tratem de ser guiados por razones en su propria conducta, sino que estén también abiertos a los razonamientos de otros. Por tanto, la razonabilidad implica mente abierta y respeto mutuo además de un pensar crítico, creativo y cuidadoso.” (LIPMAN, in: KOHAN, 1997, p. 07)

Assim, a comunidade de investigação possibilitaria o desenvolvimento da investigação dialógica,6 privilegiando a reflexão e estimulando as habilidades cognitivas, visando um aprimoramento conjunto do pensar. E com o raciocínio cooperativo seria possível a produção da autonomia do pensar de cada componente da comunidade de investigação (SHARP, 1998, p. 28-9), já que o pensar de ordem superior é alcançado através do diálogo autêntico – disciplinado pela lógica; onde cada indivíduo deve reconhecer a falibilidade de suas idéias. Para isso é preciso que os participantes se ouçam, possam desenvolver suas idéias sem medo, sempre abertos a novas idéias, fazendo perguntas relevantes, respeitando os colegas, pensando sobre o que falaram e falarão e reconhecendo a falibilidade de suas idéias.7

Na comunidade de investigação são utilizados textos que procuram provocar os alunos, para que se voltem sobre a sua realidade concreta repensando-a. “Para o pensar de ordem superior precisamos de textos que incorporam e, portanto, modelam, tanto a racionalidade quanto a criatividade.” (LIPMAN, 1995, p. 313).8 Produzindo um texto que seja favorável à criatividade e ao diálogo, ao mesmo tempo que à

6 Baseando-se em Buber, Lipman separa o dialógico da mera conversa em O Pensar na Educação, parte IV, cap. 14; como também pode-se perceber em Ann Sharp, Uma Nova Educação, p. 50-68.7 Dentre outras atitudes, ver O Pensar na Educação, parte IV.

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racionalidade9 e seu monólogo. É indispensável a responsabilidade do professor (cf. SHARP, 1998, p. 176-80) com o andamento da discussão, ele deve incentivar a participação de todos, o respeito entre os colegas e a manutenção do diálogo dentro de uma certa lógica. O professor não ocupa uma posição ‘meta’ em relação ao debate e aos alunos, não impõe opiniões ou atitudes, conduzindo o diálogo ao filosófico respeitando os temas que a própria comunidade quer discutir. Susan Garder sugere em seu texto Investigação não é uma mera conversa (1997)10 três atitudes essenciais na comunidade de investigação, que devem ser assumidas, principalmente, pelo coordenador: Instigar o aprofundamento – buscar causas, não deixar a discussão desviar, não subjugar os alunos, nem exigir-lhes demasiadamente; Sensibilidade filosófica – o coordenador deve saber distinguir questões filosóficas e manter a discussão filosófica; Tenacidade – deve-se manter o prazer de pensar na busca conjunta pela verdade, o coordenador deve ter ‘ideais norteadores’ com cuidado para não controlar a discussão e não perceber outros enigmas filosóficos que não estavam previstos.

Sobre o pensamento sistêmico

Pretendeu-se observar como esta nova atitude proposta em sala de aula exige uma mudança epistemológica: deixar de estruturar o conhecimento e suas relações hierarquicamente, para fazê-lo privilegiando a interação, como na metáfora da rede proposta por Capra (1996), onde cada ponto da rede tem sua função e participação na constituição de toda realidade da mesma.

O universo, na compreensão mecanicista, era concebido como um sistema mecânico com suas roldanas e eixos movimentando-se de maneiras racionalmente deduzíveis pela ciência fundamental - a física. Em uma análise reducionista que percebia o mundo de forma linear. No pensamento sistêmico o “mundo seria um todo integrado” que “reconhece a interdependência fundamental de todos os fenômenos, e o fato de que, enquanto indivíduos e sociedades, estamos todos encaixados nos processos cíclicos da natureza (e, em última análise, somos dependentes

8 Sugere-se a leitura das próprias novelas filosóficas ou sobre elas em Uma Nova Educação, pp. 131-142.9 Para um breve conceito de razoabilidade e evitar mau entendidos: SHARP, op.cit., pp. 16-7.10 GARDER, Susan. Filosofia e o incentivo à investigação filosófica.

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desses processos).” (CAPRA, 1996, p. 25) Ao invés, de uma concepção antropocêntrica, esta concepção não separa os seres de seu meio natural, num questionamento à visão de qualquer tipo de dominação e hierarquia como natural.

Se os valores tornam-se ecocêntricos, então, o cuidar da natureza corresponde ao cuidar de si próprio. O eu entendido como se expandindo e identificando-se com a natureza, um pensar responsável sobre suas ações, já que elas podem desestruturar todo o universo do qual faz parte o eu - “se temos a percepção, ou a experiência, ecológica profunda de sermos parte da teia da vida, então estaremos (em oposição ao deveríamos estar) inclinados a cuidar de toda a natureza viva.” (CAPRA, 1996, p. 29). Daí, percebe-se também a noção de comunidade como um todo integrado de relações. As diferenças entre os níveis de sistemas sob a forma de rede seriam de complexidade apenas. “Em outras palavras, a teia da vida consiste em redes dentro de redes.” (CAPRA, 1996, p. 45)

O nome ‘sistêmico’ refere-se a sistemas orgânicos. A teoria sistêmica centra-se nas relações entre organismos e sistemas. O sistema é visto como um todo, não pode ser reduzido a uma de suas partes. As partes não revelam o todo separadamente, mas apenas em relação, ou seja, as partes não podem ser entendidas fora do contexto. Não é possível explicar a vida de um ser sem o estudo de seu meio ambiente. Nesse sentido, a teoria sistêmica produz um pensamento ‘contextual’ ou ‘ambientalista’. A visão da teoria sistêmica torna-se holística em oposição à visão reducionista e deixa de ser linear. Além disso, a metáfora do conhecimento como edifício cede lugar à metáfora da rede. “Quando percebemos a realidade como uma rede de relações, nossas descrições também formam uma rede interconectada de concepções e de moldes, na qual não há fundamentos.” (CAPRA, 1996, p. 48). Nenhum fato ou ciência é fundamental, as diversas áreas do conhecimento são apenas diferentes níveis sistêmicos.

Há aqui um rompimento com a objetividade científica concebida tradicionalmente. O observador humano e o procedimento de observação influem nos resultados obtidos, no conhecimento formulado. Há um rompimento epistemológico claro, que está bem expresso na frase de Heisenberg, citada por Capra: “O que observamos não é a natureza em si, mas a natureza exposta ao nosso método de questionamento.” (CAPRA, 1996, p. 49). Como se vive em um sistema de redes extremamente complexo e o modo de observar interfere no que é conhecido, não se pode mais falar em certeza do conhecimento científico,

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e sim, em um ‘conhecimento aproximado’ de uma teia infinita com partes interconexas. Não se pode falar de verdade em termos de “correspondência precisa entre a descrição e o fenômeno descrito.”

“Desse modo, o pensamento sistêmico envolve uma mudança da ciência objetiva para a ciência ‘epistêmica’, para um arcabouço no qual a epistemologia - ‘o método de questionamento’- torna-se parte integral das teorias científicas.” (Ibid., p.49)

Neste sentido, seria a comunidade de investigação uma rede de idéias? Ou uma colcha de retalhos?

Se entendida como um todo que se constitui de fragmentos (idéias), cuidadosamente (re) aproveitados e (re)construídos, onde há um respeito pelos retalhos constituídos por cada indivíduo, que juntos tecem uma colcha e nada se perde – o erro, a falta e o excesso são espaços para o recriar artesanal, humano e aconchegante. Normalmente o termo colcha de retalhos é utilizado de forma pejorativa em oposição ao pensamento metódico e analítico. Talvez estejam, os que assim o fazem, deixando de perceber a importância do processo intersubjetivo para uma construção e internalização efetiva de significados.

É possível uma comunidade de investigação em um modelo mecanicista?

1. Se há uma relação de dominação no ambiente escolar, como todos podem investigar conjuntamente?2. Se a certeza do conhecimento científico é constantemente afirmada, como considerar a possibilidade do erro durante a investigação?3. Se há uma relação de competição no ambiente escolar, como os alunos serão sinceros ao dar opiniões ou admitir erros?4. Se a auto-afirmação é um valor por todos almejado, como ouvir o outro? Como ter prazer em investigar com o outro?5. Uma proposta que reconhece a interferência da forma de conhecer no processo de ensino e aprendizagem, onde o conteúdo não estaria estritamente definido, limitando as possibilidades de desenvolvimento mental dos alunos; pode coexistir com modelos lineares, de conteúdos fragmentados, descontextualizados e fechados?6. Como produzir um ambiente de diálogo, em que todos cooperem com as questões propostas, trabalhando em parceria e visando um fim, se o

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reconhecimento de um indivíduo é mais importante que a integração do grupo?

Essas questões mostram a dificuldade da comunidade de investigação realizar-se em um ambiente de compressões mecanicistas e apontam para a necessidade de uma base epistemológica diferente onde a comunidade se realizaria.

A comunidade de investigação pode ser entendida como uma rede, numa interdependência entre os alunos a partir de suas idéias e cada aluno seria uma rede de idéias... Se não houver uma interação entre as idéias do aluno, ele não aprimora o pensar. E se não houver uma interação entre os alunos, a investigação não progride em busca de soluções para os problemas. Um ambiente escolar fechado, com respostas todas prontas, uma estrutura dogmática imposta a todos, não importando o contexto, contrapõe os elementos básicos de uma comunidade de investigação, pois não há interação, o que coloca em dúvida também a internalização (os alunos estão transformando os elementos culturais em também seus ou apenas decorando conteúdos para as provas?). Daí, surge a grande dificuldade prática dos professores em implantar a comunidade de investigação em um modelo educacional, nesses moldes.

A expressão: pensar de ordem superior, utilizada por Lipman, para definir o pensar melhor que o elementar, pode sugerir um pensar inferior hierarquicamente. Quando ele diz: pensar complexo, ameniza a suspeita em relação a possíveis escalas de valor sobre o pensar. A noção de complexidade nos remete a escalas/níveis de complexidade diferentes, sem no entanto, variar hierarquicamente. O que acontece em um nível inferior de complexidade tem aspectos básicos semelhantes a um nível superior que só varia em termos de emaranhamento de idéias.A suspeita de uma variação não hierárquica entre formas mais ou menos complexas de pensar, que se assemelhariam a noção de sistemas do paradigma ecológico, fica mais forte se forem discutidas as habilidades de pensamento. Um movimento cognitivo de uma pessoa pode ser melhor ou pior. Embora todos possam pensar, alguns podem pensar melhor que outros ao desempenhar operações cognitivas se possuírem uma capacidade mais refinada para tal. As habilidades cognitivas variam de acordo com a seqüência em que se dão, com a coordenação que fazem entre si, ou com a expansão de uma mesma habilidade; sendo possível identificar habilidades mais complexas que outras. Mesmo que se envolva em longas ‘cadeias dedutivas’ desempenham-se atos mentais até relativamente simples, que apenas se conjugam em uma variação

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mais complexa. Portanto, as habilidades cognitivas diferem, são miscíveis, mas não se encontram hierarquicamente distribuídas:

“Defendo uma posição contextual, não hierárquica, da excelência no pensamento. Da maneira como vejo a questão, nenhuma habilidade cognitiva é, por si só, melhor que outras, assim como as palavras não são, sozinhas, nem certas nem erradas. Em ambos os exemplos é o contexto que determina o que deve ser considerado como melhor e aquilo que deve ser considerado como pior.” (LIPMAN, 1995, p. 79).

Assim como, na teoria sistêmica, os sistemas variariam em níveis de complexidade, o mesmo aconteceria com as habilidades de pensamento. Assim como, na teoria sistêmica, uma parte do sistema não pode ser entendida fora do seu contexto, o mesmo se dá com as habilidades cognitivas. E o argumento utilizado quanto às habilidades cognitivas pode ser estendido para o pensar da comunidade como um todo, que por sinal as executa:

“Mas, assim como em uma orquestra existem famílias como as dos instrumentos de sopro, dos metais e das cordas, do mesmo modo existem diferentes famílias de habilidades cognitivas (...) Todos sabemos perfeitamente que um desempenho musical esplêndido pode ser arruinado se apenas um único instrumentista tiver um desempenho abaixo dos padrões aceitáveis. Do mesmo modo, a mobilização e a perfeição das habilidades cognitivas que formam o pensar crítico não podem desprezar nenhuma destas habilidades sem colocar em risco o processo como um todo.” (LIPMAN, 1995, p. 184)

Uma sociedade composta por homens acríticos, incapazes de proferir juízos ou estabelecer critérios que os nortearão não pode ser democrática, ou possui uma democracia fragilizada. Como escolher um candidato se não se sabe deliberar sobre sua própria vida? Como comparar candidatos se não se dispõe de critérios para isso? Está aqui expresso o motivo pelo qual Lipman considera importante o desenvolvimento do julgamento na escola, pois ajudar os alunos a pensar por si próprios sem praticar a arte de julgar, seria o mesmo que não lhes dar as ferramentas para o pensar; obstruindo os critérios da sala de aula. Educar para o pensar por uma democracia eficiente - pode ser um lema do Programa Filosofia para Crianças.

Se naquela pequena escola é formada uma comunidade de investigação, que auxilia o pensar bem de forma democrática, e se outra escola também o faz; o bairro; a cidade; o estado; o país; e enfim, o mundo em uma verdadeira comunidade de investigação.

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Nesta perspectiva, faz-se o caminho inverso da teia da vida, imagina-se um ‘micro-organismo’ com relações mútuas entre suas ‘células’ formando um todo (esta é a ‘primeira’ comunidade de investigação), que acaba juntando-se a um outro micro-organismo e formando um organismo, e assim sucessivamente, em níveis diferentes de sistemas que se relacionam sob a forma de rede.

Na teia da vida, porém, são redes dentro de redes já observáveis no universo.

Pensar dentro de uma nova proposta educacional, que rompe com processos educacionais hierárquicos e repressivos, já abre uma nova perspectiva sobre a viabilização da comunidade de investigação, inclusive, em todos os níveis, mesmo que isso não signifique que chegaremos a uma comunidade de investigação ampliada, já significa um avanço, a tentativa.

Sobre as relações éticas e epistemológicas observadas

Foi possível observar em sala de aula a formação de comunidades de investigação, embora estas precisem ser construídas e reconstruídas continuamente. Isso significa que a comunidade foi observada naqueles momentos e pode não ser observada nas mesmas salas em outra situação.

As principais rupturas epistemológicas observadas foram: embricamento entre teoria e prática; falibilismo, necessidade de se considerar o erro como parte da investigação; contextualismo, trazendo significados, limites e direções para a investigação; e aplicação, a necessidade de aplicar os conceitos para construir significados. (WUENSCH, 1999, p. 195-7).

Essas rupturas epistemológicas têm as seguintes conseqüências atitudinais: aproximação entre professor e aluno, o primeiro instiga o aprofundamento filosófico não se posicionando como ‘dono da verdade’; os alunos tornam-se capazes de trabalhar o próprio pensar;11

11 Depoimentos de alunos do 3º ano do ensino fundamental: “Você pensa sobre o que você pensa sobre aquilo.” e “Tem vez que eu posso pensar naquilo que estou a pensar.”

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a perspectiva de construção do conhecimento, que pelo seu caráter social, aproxima-se do construtivismo sócio-histórico de Vygostky (LIPMAN, 1997) por fim, mudanças em termos da conduta moral dos indivíduos aproximando-se do ‘idealizado’ e da perspectiva de ‘cooperação’.12

Essas conseqüências atitudinais provam a inter-relação das dimensões éticas e epistemológicas nos seguintes termos:◆ a ruptura epistêmica produz a ruptura ética;13

◆ a ruptura ética é necessária para a epistêmica; ◆ daí, ser difícil precisar uma relação de causa-efeito,14 mas possível defender a necessidade da ligação entre os dois domínios e da ruptura conjunta.

Por fim, é possível relacionar o Programa Filosofia para Crianças com a teoria sistêmica sob estes aspectos: (episteme) o pesquisador e o modo de pesquisar determinam a compreensão dos resultados, daí um saber limitado e a relação de proximidade entre teoria e prática; (ética) a rede pressupõe um compromisso com o todo, como na comunidade de investigação.

A cooperação entre os indivíduos se faz necessária, a visão sistêmica nas ciências também – uma ruptura epistemológica frente aos padrões de até então – contudo: como introduzir no ambiente educacional uma disciplina cooperativa, num sistema competitivo? É necessário: que a comunidade de investigação seja assumida de forma global, transdisciplinar e que sirva de apoio para re-significar a educação em seus objetivos e conteúdos.

Para ilustrar o projeto que se tem pela frente, um depoimento de uma aluna do 3º ano do ensino fundamental: “Acho errado não ter filosofia para todas as crianças, pois as crianças são o futuro da nação e do mundo.”15

12 Depoimento de um aluno do 3º ano do ensino fundamental: “Eu acho que meu comportamento mudou, já estou falando ‘por favor’, ‘com licença’.”13 Por ruptura ética entenda-se mudanças atitudinais necessárias para uma convivência democrática. O viver em comunidade pressupõe a não-hierarquização epistêmica e também ética, dentro de um conjunto de relações ‘absolutistas’ no contexto brasileiro e ‘competitivas’ no contexto global as mudanças precisam ocorrer de forma brusca, no sentido de novas relações homem-sociedade-natureza.14 E nem é este o propósito aqui.15 Os depoimentos foram registrados a partir da observação feita em sala de aula, sendo espontâneos, ou seja, não foram feitas perguntas direcionadas, os depoimentos surgiram no

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decorrer das discussões. É possível, no entanto, um pesquisador-educador, no sentido vygotskiano, onde os elementos pesquisados são construídos e tornam-se aprofundamento e aprendizagem de toda comunidade.

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Filosofia na educação

Integração e Interdisciplinaridade como Princípios: paradoxos de uma meta1

Sandra Maria Vinagre Paes2

RESUMO: Um dos objetivos desta investigação é analisar o Programa de Pós-graduação em Educação do Instituto de Educação, para verificar possíveis influências sobre a opção do discente, pela subjetividade expressa na Produção Científica. O mestrado do Instituto de Educação da UFMT, ao princípio, propunha-se integrado e interdisciplinar. Entretanto, a interdisciplinaridade proposta não é alcançada, uma vez que esta pressupõe a interação, ou seja, a troca e a inter-relação de saberes. Pode-se apreender que o ensino interdisciplinar busca sanar o problema da fragmentação e sobreposição de conhecimentos, objetivando uma reorganização. Este é um dos paradoxos do Programa Integrado de Pós-graduação do Instituto de Educação da UFMT.

Palavras-chave: Integração; Interdisciplinaridade; Subjetividade

ABSTRACT: Integration and Interdisciplinarity as Principles: Paradoxes of an Aim. One of the objectives of this investigation is to analyze the Program of Masters degree in Education of the Institute of Education, to verify possible influences of the subjectivity expressed in the Scientific Production on the option of the student. At the beginning, the Masters degree Course of mentioned Institute proposes itself as integrated and interdisciplinary. However, the interdisciplinary proposal is not reached once it presupposes the interaction, that is to say, the change and the interrelation of knowledges. It can be apprehended that the interdisciplinary teaching pretends to solve the problem of the fragmentation and sobreposition of knowledge, objectifying a reorganization. This is one of the paradoxes of the Integrated Program of Masters degree of the Institute of Education of UFMT.

Keywords: Integration; Interdisciplinarity; Subjectivity

21 Extraído da Tese de Doutorado de VINAGRE PAES, Sandra Maria. A Tendência à Subjetividade na Produção Científica: o caso do Instituto de Educação da UFMT. Brasília, DF: UnB, 2000. 2 Professora doutora do Departamento de Teoria e Fundamentos da Educação do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso.

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Filosofia na educação

O Programa de Pós-graduação em Educação do IE/UFMT, desde 1992 propõe-se a ser um Programa Integrado e Interdisciplinar das diversas Licenciaturas da UFMT que se ocupam da formação de professores para as escolas públicas de Mato Grosso.

“Em 1992, o Programa sofre a mais profunda reformulação, promovendo uma maior articulação das linhas de pesquisa da Pedagogia (Instituto de Educação) e abrindo outras, a partir da associação com diversos departamentos das licenciaturas.

O Programa promove completa reformulação a partir de sua avaliação, abrindo-se para o conjunto das licenciaturas. Trata-se em primeiro lugar de fortalecer a ação da UFMT na área de Educação, acelerar o processo de capacitação de docentes, articular ações até então pulverizadas e assegurar maior impacto na contribuição da UFMT na sociedade ou especialmente no sistema público de ensino. A propalada interdisciplinaridade só pode ocorrer através de projetos e programas com objetivos comuns ou afins, a riqueza acadêmica que se pode ter a partir dessa associação é inquestionável. É bom frisar que essa concepção não concorre com os diversos anseios de pós-graduação nos bacharelados, ao contrário, cria experiência e desobstrui as diversas áreas de conhecimento para o seu próprio desenvolvimento, contando com parceiros na educação mais preparados para a interposição interdisciplinar. É uma solução para a superação do atual estágio de desenvolvimento desta Instituição Universitária. Esse processo passará necessariamente por soma de esforços, superação das individualizações departamentais e por construções de posturas e práticas acadêmicas hoje ainda novas” (PPG/EDU/UFMT, 1992: 9-10).

Indiscutivelmente, o Programa de Pós-graduação em Educação do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, muito embora, do ponto de vista quantitativo, não estabeleça nenhuma meta em relação à produção de conhecimento dos discentes, é possível aventar que a reformulação do Programa de Pós-graduação, e a reorganização das Linhas de Pesquisa, suscitam uma ampliação quantitativa dessa produção, principalmente no mestrado. É perceptível no Gráfico 1, abaixo, o crescimento numérico das dissertações defendidas após a reformulação.

Mormente o grande aumento numérico de dissertações defendidas, as duas características propostas precisam ser analisadas. Para isso, é fundamental que me reporte ao artigo A interdisciplinaridade no fazer pedagógico, de Pereira, Leite e Cavour (1991), onde inicialmente as autoras buscam distinguir o conceito de interação e integração. Esse artigo mostra que integração é composta pela “justaposição, o estar-ao-lado, em última instância, a reprodução” (idem: 289). Enquanto que, interação significa: “a prática dialógica, a especificidade de funções e

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papéis, a tarefa comum, a troca, a ajuda, a cooperação e, sobretudo, a ação refletida” (idem, ibidem).

A interdisciplinaridade é, portanto, uma forma de trabalho pedagógico que implica mais na interação que na integração, pois esta pressupõe “uma sintonia e uma adesão recíproca, uma mudança de atitude frente a um fato a ser conhecido” (FAZENDA, apud PEREIRA et alii, 1991: 289). Assim, a interdisciplinaridade não significa apenas a coexistência ou a justaposição de saberes; é necessário uma desconstrução para a realização de uma nova síntese, numa ordem totalmente diversa da anterior. Segundo Japiassu (1976), a interdisciplinaridade requer a reciprocidade dos conhecimentos, ou seja, “...a substituição de uma concepção fragmentária para unitária do ser humano” (apud PEREIRA et alii, op. cit. p. 288). Corrigindo a fragmentação e sobreposição de conhecimentos, objetivando uma reorganização dos mesmos em outras bases e não apenas a sua integração – justaposição.

Em entrevista realizada com alguns coordenadores do programa, é possível transcrever a seguinte posição:

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“A partir de 1997, tentou-se fazer uma integração através da disciplina obrigatória, com professores de outras áreas e não mais só de cultura e sociedade, foi interessante mas, não é fácil. Tentou-se também integrar os 2 Seminários de Pesquisa, e posteriormente com um projeto integrado de pesquisa, porém esse esbarrou numa dificuldade, a reformulação proposta pela CAPES nesse ano, pois precisaríamos primeiro definir: integrar, o que, as linhas de pesquisa? as pessoas? as áreas? (...) Existe possibilidade, mas até agora não conseguimos". (Entrevistado 1).

Frente a esta colocação clara de que ainda não existe interdisciplinaridade no programa, mas que isso é possível, muito embora difícil, cabe o seguinte questionamento: há interesse em torná-lo de fato interdisciplinar? Isso é bom para todo o Programa, alunos, professores, coordenadores de linhas de pesquisa, comunidade? Para responder a essas questões seria necessário um amplo debate ou a criação de fóruns para a discussão destes problemas e não apenas a constituição de equipes de reformulação.

No artigo Ensino integrado: uma revisão histórico - crítica do modelo implantado no ensino superior da área de saúde no Brasil (1964-1978), Gastaldo, Meyer e Bordas (1991) levantam que o ensino integrado é uma tentativa de se realizar a interdisciplinaridade, através de núcleos de interesse ou tópicos comuns a todos os alunos, nos termos de um período básico de aprendizagem.

Percebo que nessa modalidade de ensino, além de existirem momentos comuns, onde os conhecimentos seriam tratados a partir de seus eixos de interação, deveriam também existir momentos, em que as ciências fossem trabalhadas isoladamente, para não permitir uma perda epistemológica, principalmente, em se tratando de ciências tão diferentes. Outro elemento imprescindível para o ensino interdisciplinar é um planejamento constante, que viabilize os eixos norteadores dos momentos conjuntos, sem permitir que eles se desvirtuem em instâncias de controle. Para tanto, as autoras dão as seguintes sugestões:

“Esse processo deve ser uma construção coletiva de professores e alunos, que considere a comunidade onde se insere, com suas expectativas e necessidades. É nesse fazer, que gera conflitos e disputas internas pelo poder, que se inicia o aprendizado da crítica, da politização e da construção do conhecimento, por parte de todos” (idem, ibidem, p. 262).

Essa atividade dialógica proposta por Gastaldo et alii (1991), está completamente de acordo com a posição de Habermas em Pensamento pós – metafísico. analisado por Macedo (1993), ao dizer que esse autor

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trabalha a teoria da ação comunicativa como fundamental para que haja a intersubjetividade, e dessa feita, realize a interdisciplinaridade. A ação comunicativa poderá propiciar a interação entre os sujeitos comunicantes, nesse caso os orientadores, gerando uma racionalidade na busca de eixos norteadores do trabalho interdisciplinar.

Como a unicidade do social é condição sine qua non para a emergência da interdisciplinaridade, é possível pensar na interação de diferentes ciências, sem que essas percam a sua especificidade. Ou melhor dizendo, nesse modo de trabalho pedagógico, a especificidade das ciências torna-se secundária, pela prática da suspeita crítica.

Dando a palavra a Macedo, tem-se sua posição a respeito da suspeita crítica:

“...na superação dos limites que se auto-impõem aos diversos cientistas das diferentes áreas o caminho é o da suspeita crítica, pois uma vez que se especializa o conhecimento, passa-se a formar o homem sem capacidade de problematizar as fronteiras dentro das quais está situada a ‘sua ciência’ e, com isso, sem a responsabilidade ética pela utilização dos conteúdos que domina” (MACEDO, op. cit. p. 43).

A união de várias ciências em torno de um eixo comum minimiza a ação das ciências de forma individual para torná-la uma temática unitária. Esse processo de transformação da ciência em temáticas, com eixos integradores, deixa as ciências menos rígidas e mais abertas às mudanças, operando por mimetismo transformações nos sujeitos. O discurso científico atual, se propõe a promover mudanças nos sujeitos, respeitando a complexidade das relações entre o cognitivo e o não cognitivo, pela adoção da dialogicidade (capacidade de diálogo entre as ciências).

Essas interfaces dialógicas são mais fáceis e significativas se ocorrem através das relações intersubjetivas. Nessas relações o processo da dialogicidade é mediado pela emoção, pela paixão, através da linguagem comunicativa de sentido comum. É o sentido comum da dialogicidade que consubstancia a interdisciplinaridade.

Se a dialogicidade é fundamental para a interdisciplinaridade, e se esta, se faz presente no Programa de Pós-graduação do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, então, talvez possamos dizer que o modo como ele foi organizado permite a comunicação entre as ciências e também entre os sujeitos, propiciando a intersubjetividade.

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Porém, ao mergulhar na organização do Programa percebe-se que cada Linha de Pesquisa é autônoma para propor suas disciplinas ou temáticas a serem trabalhadas, não havendo preocupação nem com a inter-relação entre as ciências o que poderia gerar a interdisciplinaridade, nem com a multidisciplinaridade. Dessa feita, pode-se apreender que o Programa não é de fato interdisciplinar, nem existe em seu bojo a intersubjetividade.

Bibliografia

GASTALDO, et alii. Ensino integrado: uma revisão histórico-crítica do modelo implantado no ensino superior da área de saúde no Brasil (1964-1978). In: Educação e Sociedade. 12 (39): 246 – 264. Campinas, SP: Papirus, agosto, 1991.

MACEDO, Elizabeth Fernandes de. Pensando a escola e o currículo à luz da teoria de J. Habermas. In: Em Aberto, Brasília, 12 (58): 38 – 44, abr./jun., 1993.

PEREIRA, Maria Clara Infante et alii. A interdisciplinaridade no fazer pedagógico. In: Educação e Sociedade. 12 (39): 286 – 296. Campinas, SP: Papirus, agosto, 1991.

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO. Cuiabá: UFMT, 1992. (mimeografado).

VINAGRE PAES, Sandra Maria. A Tendência à Subjetividade na Produção Científica: o caso do Instituto de Educação da UFMT. Brasília, DF: UnB, 2000. (Tese de Doutorado).

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Filosofia na educação

Educação, Epistemologia e a Crise dos Paradigmas

Silas Borges Monteiro1

RESUMO: A proposta desse trabalho é, a partir de uma abordagem filosófica, colocar em questão a tradição metafísica nos seus desdobramentos para as teorias da educação. O argumento central é de que tanto o conhecimento científico quanto o conhecimento filosófico podem ser compreendidos sob referências não metafísicas, incorporando elementos como: transição, crise, provisoriedade, historicidade, construção etc., com a intenção de favorecer a elaboração de teorias educacionais que superem as dicotomias que tradicionalmente estão presentes nas discussões da educação.

Palavras-chave: Filosofia da educação, teorias do conhecimento.

ABSTRACT: The proposal of this paper is, from a philosophical approach, to discuss the metaphysical tradition and its implications to educational theories. The principal argument is the scientific and philosophical knowledge can be understood by no metaphysical references, including elements like: transition, crises, provisiority, historicity, construction etc., with the intention of to facilitate the construction educational theories that overcome the dichotomies that traditionally are in educational debates.

Keywords: Philosophy of education; theory of knowledge.

1 Professor, Departamento de Teoria e Fundamentos da Educação, Instituto de Educação / UFMT; doutorando, Faculdade de Educação / USP.

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Em termos bem gerais, podemos identificar, a partir história da filosofia, duas matrizes teóricas: a metafísica e a não-metafísica. Explicarei melhor. Há uma tradição que entende ser a metafísica a filosofia primeira, aquela filosofia que dá fundamento e sustentação a todo conhecimento ocidental. Entende, também, que há uma hierarquia entre os conhecimentos, sendo que a metafísica está acima de todos os outros.

Por outro lado, há uma tradição filosófica que rejeita tal supremacia da filosofia sobre outros conhecimento. A isso estou chamando de matriz teórica não-metafísica.

Alguém poderia objetar dizendo que, no fundo, é apenas uma tradição, bastando aos leitores da filosofia concordarem ou não com ela. De certa forma, isso é correto. A tradição ocidental concedeu vitória aos argumentos socrático-platônicos, que visavam a um tipo de explicação do mundo e das relações sociais que fosse universal, ou seja, as realizações da filosofia seriam perenes e válidas em qualquer contexto. Para o pensamento metafísico, não deveria existir lugar para mudanças, crises ou qualquer outro vocabulário que traduzisse a idéia de provisoriedade.

Mas, filósofos como Heráclito, cuja concepção de mundo era oposta a de Platão – metafísico por excelência –, entendia que tudo é movimento e mudança. As coisas, idéias ou valores não são: tornam-se. E como sabemos, para Platão - bem como para Parmênides – o que é, é o que é. Mudanças referem-se à sombra, ao superficial.

São duas formas de entender o mundo. A primeira, metafísica, busca universais que dêem conteúdo a um projeto determinado a priori, conquistado pelo uso da razão instrumentalizado pela filosofia. A segunda, não metafísica, responde às exigências das circunstância, da contingência, da história.

Dito isso, creio que já é possível perceber que falar em crise, como sugere o título desse texto, será tomar como lugar de partida a referência não-metafísica; uma opção que faz mais sentido para mim, pois vejo tudo em constante movimento.

Além das razões filosóficas, compreendo que a denominação do nosso tempo remete à mesma idéia, isto é, a modernidade: um tempo de constantes mudanças. Sua própria denominação sugere algo vazio de conteúdo, conforme diz Otávio Paz.2 Parece que esta experiência moderna tem muito a ver com este vazio. Ao mesmo tempo (aí está o seu

2 PAZ (s/d, p. 135).

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caráter paradoxal) a vacuidade deste tempo também sugere possibilidades, uma vez que tudo pode estar por vir.

Berman, citando Karl Marx, diz que modernidade é "fazer parte de um universo no qual tudo o que é sólido desmancha no ar".3 Parece que de fato este tempo chamado de moderno tem algo com que intranqüiliza a existência humana, trazendo como experiência a ambigüidade e insegurança.

O projeto da modernidade, situado em torno do século XVI, põe em questão os valores e conceitos estabelecidos pela sociedade que, no caso, eram tidos como absolutos.

O primeiro esforço da modernidade é distinguir ciência, arte e moral em ramos específicos do conhecimento humano. Se antes, a ciência e arte deveriam servir à moral, neste novo cenário isso não fazia mais sentido. Esta rejeição ao absoluto extra-humano desencadeia uma série de eventos na história das nações e do pensamento ocidentais. Apenas para citar dois exemplos: a Revolução Francesa e o Iluminismo, com seu programa de desencantamento do mundo, visando a substituição da imaginação pelo saber.

A palavra moderno foi usada no mesmo sentido que lhe atribuíram nos séculos XIX e XX, primeiramente por Jean-Jacques Rousseau. Aqui já encontramos o germe de um tempo que caminha "à beira do abismo",4 fruto da instabilidade provocada pela falta de tutoria de instituições com poderes absolutos, como era a experiência de vida na Idade Média. Este projeto de autonomia leva junto de si certo desamparo, e este é a marca do novo tempo.

Contudo, esta nova vivência não mais sob o controle das instituições medievais, elege outro poder que criam ser capaz de conduzir o sentido das ciências e da sociedade: a razão. E é o mesmo Rousseau que irá responder à academia de Dijon a seguinte pergunta referente às conquistas da sociedade diante deste novo poder racional: "o progresso das ciências e das artes contribuirá para purificar ou para corromper os nossos costumes"?

Para lhe dar resposta – do modo eloqüente que lhe mereceu o prêmio e algumas inimizades – Rousseau fez as seguintes perguntas (...): há alguma razão de peso para substituirmos o conhecimento vulgar que temos da natureza e da vida que partilhamos com os homens e mulheres da nossa sociedade pelo conhecimento científico produzido por poucos e inacessível à maioria? Contribuirá a ciência pra diminuir o fosso

3 BERMAN (1993, p. 15)4 BERMAN (1993, p. 17).

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crescente na nossa sociedade entre o que se é e o que se aparenta ser, o saber dizer e o saber fazer, entre a teoria e a prática? Essas perguntas (...) Rousseau responde (...) com um redondo não.5

Mesmo assim, a sociedade européia assiste grande desenvolvimento das ciências. Não estando mais sob a égide da religião, o saber tomou rumo diverso do que tinha durante toda Idade Média. Tornou-se veloz, não censurado, com uma preocupação clara: controlar a natureza.

A seguir, apresentarei os principais argumentos que deram sustentação à modernidade. Inicialmente, o que chamo de saber científico, ou seja, o esforço da realização de um saber que respondesse às investigações da natureza. Depois, o saber filosófico que, da mesma forma que a ciência, procura responder universalmente ao problema do pensamento.

O saber científico

As bases epistemológicas da modernidade foram lançadas logo em seu início, e, de certo modo, igualmente totalitárias aos da Idade Média, uma vez que nega o caráter racional de outras formas de conhecimento, como o senso comum, o cultural, por serem tidos como não sustentados por princípios epistemológicos das ciências naturais. Esta forma de acesso ao conhecimento

"está consubstanciada, como crescente definição, na teoria heliocêntrica do movimento dos planetas de Copérnico, nas leis de Kepler sobre as órbitas dos planetas, nas leis de Galileu sobre a queda dos corpos, na grande síntese de ordem cósmica de Newton e finalmente na consciência filosófica que lhe conferem Bacon e sobretudo Descartes".6

Convém observar que a mudança de referencial da ciência moderna distinta da antiga e da medieval, é que não se deseja apenas fundar uma ciência que conheça mais profundamente a realidade: sua pretensão é de universalizar o saber, de modo que fosse possível evitar qualquer forma de controle individual sobre a verdade, ou seja, prescindindo da evidência da experiência imediata, esta nova forma de ciência distancia o senso comum do saber científico, tornando-o acessível apenas a especialistas.

5 SANTOS (1996, p. 7).6 SANTOS (1996, p. 11).

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Mourão,7 ao criticar o dogmatismo assumido por determinados cientistas, observa que a história da ciência é composta por constantes transições de paradigmas.

"A história da ciência é uma sucessão de paradigmas. O primeiro paradigma surgiu com a revolução copernicana, que permitia o homem libertar-se do geocentrismo em que vivia. O homem deixou de ser o centro do Universo. O segundo foi a revolução cartesiana, que tornou o cosmo acessível à razão. A capacidade de análise lógica, fez com que o homem assumisse o domínio da ciência e da técnica e se transformasse no arquiteto de idéias do mundo futuro. O terceiro foi a revolução darwiniana, que reconduziu o homem à natureza e libertou-o do antropocentrismo. O quarto é a revolução sistêmica, que está permitindo reintegrar os conhecimentos como um todo coerente."

Estes paradigmas apontados por Mourão, expressam o conhecimento de um mundo favorecido pelas condições de estabilidade e de causalidade, de modo que é possível prever o comportamento dos fenômenos e controlá-los. é a idéia de um mundo máquina.

Isso trouxe conseqüências para as ciências sociais, que julgaram poder aplicar, na medida do possível, os mesmos princípios epistemológicos e metodológicos das ciências naturais. Isso leva Durkheim a elaborar, por exemplo, uma teoria geral do suicídio.8 Ciências sociais e naturais prerrogam a capacidade de conhecer por meio do uso adequado de seus paradigmas.

Essa extrema confiança na capacidade da razão de conhecer, prever e prover, cuja pretensão era a de oferecer melhores condições de vida humana, bem expressa pelo movimento Iluminista, foi abalada diante de episódios históricos tais como as guerras mundiais, o surgimento das doenças inimagináveis, a ganância excessiva por acúmulo de capital, gerando processos perversos de exclusão e alienação, instalação de regimes autoritários etc.

Isso alertou pensadores e cientistas sobre a possibilidade de que a razão não é onipotente para conduzir os destinos da sociedade humana. Temos instalada uma crise das meta-narrativas,9 e de uma suspeita da capacidade da ciência em conduzir o progresso humano. Ainda temos como a resposta mais apropriada a que Rousseau deu à Academia de Dijon: não, a ciência não conduz ao progresso das artes e dos costumes.

7 MOURÃO (1996, p. 5-7).8 DURKHEIM (1992).9 LYOTARD (1986).

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Nesse sentido, vivemos um tempo de crise de paradigmas. Chega-se até mesmo a confrontar sobre a pertinência em se falar atualmente em paradigma, uma vez que este termo representa uma forma de ver o mundo que está em processo de superação.10 Mourão, em seu artigo Cientistas sabe-tudo são sempre reacionários, aponta para o surgimento do quinto paradigma da ciência, observando que quem acreditou em certezas produziu mais atraso do que progresso da ciência.

Com uma fala iconoclasta, Mourão observa que "as ideologias em geral retardam o progresso das ciências até serem revistas ou rejeitadas". Na ciência nada é absoluto. A própria verdade é relativa. Uma hipótese ou uma descoberta não são jamais uma aquisição total do saber, mas sempre um fragmento do saber que impõe uma reorganização do saber anterior, com alteração do próprio paradigma anterior que permitiu que a ciência compreendesse e aceitasse. Diante dos avanços das ciências, pode-se falar, atualmente, em ciências da complexidade, ou seja, a explicação não mecanicista do comportamento de determinados fenômenos. Estas ciências propõe uma forma de visão unificada da natureza, onde faz pouco sentido a distinção entre o orgânico e o inorgânico, entre os seres vivos e matéria inerte e mesmo entre o humano e não humano.11

"As ciências da complexidade devem desembocar numa visão unificada da natureza. A evolução simbionômica - teoria geral da auto organização e da dinâmica dos sistemas complexos - permitirá traçar vias possíveis de evolução das sociedades humanas em direção ao nascimento do simbionte e do homem simbiótico. As evoluções analítica, sistêmica e caótica se fundirão em uma interpretação racional e sensível ao mundo. Novas indústrias irão surgir, tais como as bioindústrias e as ecoindústrias, no contexto da indústria de informação. Disciplinas irão surgir: biótica, neobiologia, macrobiologia, ciências das redes, ciências cognitivas e bioinformática. Estes serão os instrumentos metodológicos e técnicos da revolução do terceiro milênio."12

10 PLASTINO (1995).11 SANTOS (1996, p. 37).12 MOURÃO (1996).

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O saber filosófico

Do ponto de vista filosófico, podemos explicar o segundo paradigma apontado por Mourão: "a revolução cartesiana" cuja proposta era a de tornar o cosmo acessível à razão. Foi a capacidade de análise e de lógica que fez com que o homem assumisse o domínio da ciência e da técnica e se transformasse no arquiteto de idéias do mundo futuro.

Esse desejo de domínio racional do mundo não era exclusivo a Descartes, apesar de ser sua melhor expressão. Temos, contrapondo às suas elaborações, John Locke, denominado entre os empiristas inglês.

O racionalismo cartesiano tem suas bases em seus estudos matemáticos. Descartes tende a ver o desconhecido como um termo ignorado, mas que será necessariamente descoberto desde que, a partir do já conhecido, seja construída uma cadeia de razões que a ele conduza. No seu livro Discurso do método, aponta o preceito metodológico básico que é considerar como verdadeiro o que for evidente, ou seja, o que for intuído com clareza e precisão. Esse preceito metodológico só é possível se for instituído aquilo que se chama de dúvida metodológica, isto é, apenas levando a dúvida às últimas conseqüências, se pode, com mais garantia, chegar ao cerne da certeza. Exacerbando a dúvida, Descartes põe em cheque a objetividade do conhecimento científico. Contudo, resta uma certeza diante de dúvida: se duvido, penso. Essa é a certeza subjetiva: eu penso. E se penso, por conseqüência da cadeia de razões, concluo que existo. Existo, porque penso. Surge, então, a primeira certeza sobre um existente: penso, logo existo. “Se deixasse de pensar, deixaria totalmente de existir”, afirma Descartes.

Portanto, o conhecimento é algo eminentemente subjetivo na medida que seu fundamento sustenta-se sobre a convicção racional e não imediata da realidade. Deste modo, institui a razão como único instrumento capaz de compreender a realidade, ou melhor dizendo, de representar a realidade, uma vez que, para Descartes, conhecer é representar internamente a realidade exterior, com as mesmas bases dicotômicas entre a substância (razão) e extensão (corpo).

Por outro lado, temos John Locke com sua conhecida tábula rasa, metáfora que usa para explicar a condição humana ‘a priori’ para o conhecimento. Para ele, o fator primordial deste processo é que o conhecimento se dará, necessariamente, pelas experiência. Por isso, se diz que Locke é empirista, ou seja, a experiência é a única fonte de

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conhecimento, responsável pelas idéias da razão e controlando, o tempo todo, o trabalho próprio da razão.

Subjetivistas e objetivistas, contudo, concordam no ponto de que há separação, quase uma alienação, entre sujeito que conhece o objeto que é conhecido.

Temos, portanto, o estabelecimento dos dois marcos que sustentam o início do discurso filosófico da modernidade: objetivismo e subjetivismo. A partir daí, não foram poucos os esforços de solucionar este dualismo entre o mundo interior e exterior, mente em real, substância e extensão, sujeito e objeto. Filósofos como Kant e Hegel elaboraram soluções filosóficas para este dilema. Kant, invertendo copernicamente a atenção que era dado ao real, tomando agora, como base, o sujeito e não mais o cosmo. Desta inversão surgem suas questões básicas sobre o pensar, o querer e o julgar. Hegel remete a razão à história, que integra sujeito e objeto no todo real, na razão absoluta, no espírito absoluto.

Heidegger em seu livro Ser e Tempo13 observa a mesma revisão por que passam as ciências, constatando que isso faz parte do seu próprio movimento, uma vez que a profundidade de uma ciência se vê na sua capacidade de revisão de seus conceitos, submetendo-os, constantemente, à análise e críticas de seus fundamentos:

"O 'movimento' próprio das ciências se desenrola através da revisão mais ou menos radical e invisível para elas próprias dos conceitos fundamentais. O nível de uma ciência determina-se pela sua capacidade de sofrer uma crise em seus conceitos fundamentais. Nessas crises imanentes da ciência, vacila e se vê abalado o relacionamento das investigações positivas com as próprias coisas em si mesmas. Hoje em dia, surgem tendências em quase todas as disciplinas no sentido de colocar as pesquisas em novos fundamentos." (§3)

Isso justifica seu projeto de rever os fundamentos sob os quais se constrói o discurso filosófico, que, no seu caso, é a reorientação da filosofia na busca dos fundamentos ontológicos do ser, temática abandonada por Sócrates e tratada como metafísica especulativa; Heidegger introduz categorias como de cotidianidade, mundanalidade, buscando maior concretude às duas discussões. O ser humano não pode ser pensado ausente do conceito de mundo e de sua experiência de mundanalidade. O ser é ser aí (dasein), é ser-no-mundo.

13 HEIDEGGER (1989).

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"De início, é preciso encontrar-se (bem ou mal), encontrar-se aí e sentir-se (de certa forma), antes mesmo de orientar; se Sein und Zeit explora certos sentimentos em profundidade, como o medo e a angústia, não é para fazer existencialismo, mas para destacar, graças a estas experiências reveladoras, uma ligação ao real, mais fundamental que a relação sujeito-objeto; pelo conhecimento, nós colocamos os objetos na nossa frente; o sentimento da situação prece este frete-a-frente, impondo-nos um mundo."14

A mesma discussão sobre angústia e medo colocam sob suspeita a razão cartesiana, uma vez que antes do eu penso, Heidegger indica eu sou, e sou-no-mundo.

Nesse sentido, as discussões sobre o dualismo entre o sujeito e objeto, mente e real, mente e corpo, como diz Searle, "o problema mente-corpo não é um problema mais real que o estômago-digestão".15

Portanto, é com certa dificuldade que se sustentam assertivas que mantém a relação dualista entre sujeito-objeto como fundamento ontológico do ser humano.

O paradigma emergente

Conforme aponta Boaventura Santos, estamos em processo de constituição de um novo paradigma social e científico, ou como ele designa, o "paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente".

"Com esta designação quero significar que a natureza da revolução científica que atravessamos é estruturalmente diferente da que ocorreu no século XVI. Sendo uma revolução científica que ocorre numa sociedade ela própria revolucionada pela ciência, o paradigma a emergir dela não pode ser apenas um paradigma científico (o paradigma de um conhecimento prudente), tem que ser também um paradigma social (o paradigma de uma vida decente)."16

Temos, portanto, dois discursos de naturezas diferentes, o discurso das ciências e o discurso filosófico; do mesmo modo, ambos opõem sujeito e objeto, ou seja, objetividade do discurso científico e a subjetividade do discurso filosófico. Que solução podemos apontar? Newton Aquiles von Zuben, indica a solução sugerida por Ricoeur:

"Não há linguagem comum que unificaria de modo eqüitativo o discurso científico e o discurso filosófico. Ricoeur sugere que se os dialetize: 'É necessário entrar

14 RICOEUR (1989, p. 98).15 SEARLE (1995, p. 21).16 SANTOS (1996, p. 37).

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numa dialética cerrada entre corpo-próprio e o corpo-objeto e instruir relações especiais entre descrição do cogito e a psicologia empirista clássica'. (...) Ricoeur defende diferentemente o ponto de vista do sujeito. Ele não elimina o ponto de vista objetivo e não reduz ao ponto de vista da reflexão. Ao contrário, ele tenta dialetizá-los."17

E em que nível se dá essa dialética? No nível hermenêutico, ou seja, no esforço de superar a distância que se interpõe entre o objeto e o sujeito. Como ele diz, "Toda hermenêutica é assim, explícita ou implicitamente, compreensão de si mesmo através do desvio da compreensão do outro".18

Nesse sentido, dissolve-se os dualismos entre sujeito e objeto, conhecedor e conhecido, mental e real.

Paradigma emergente e a educação

E em que medida esta discussão afeta a educação?Nesse contexto de surgimento de um paradigma emergente, as

implicações para educação são necessárias, uma vez que a educação trata com conhecimento - e portanto, ciência - e com a postura do professor, profissional responsável (não único) pelo processo educacional. A primeira questão que se põe é, de que modo a educação trata o processo de construção do conhecimento? Sob que paradigma as ciências são tratadas nas cartilhas dos livros didáticos? Que contribuições a Escola Pública oferece para o processo de discussão e revisão dos paradigmas emergentes? Temos a convicção de que estas questões têm implicações profundas sobre o trabalho pedagógico do professor. E por meio das discussões destes modelos de ciência, pela análise, reflexão e crítica, a educação poderá avançar em termos de pertinência e qualidade.

Ainda mais se tomarmos a educação como atividade social ligada ao conhecimento e à formação do indivíduo, temos que ela se pauta sobre modelos, ou tais paradigmas. E aqui reside o problema: a educação parece estar em descompasso diante dos processos de revisão dos modelos estabelecidos que dicotomizam sujeito e objeto. Ela tem transitado de teoria para teoria, de prática para prática, quase sempre de maneira dogmática. O paradigma de ruptura entre sujeito e objeto permanece. Basta ver a existência, ainda, entre aqueles que "pensam" e os que "fazem", entre os que pesquisam e os que ensinam. Ainda estamos relativamente distantes das propostas que integram o

17 ZUBEN (1989, p. 162-163).18 RICOEUR (1988, p. 18).

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ensino e extensão, ensino e pesquisa, graduação e pós-graduação, formação inicial e formação continuada. Parece-nos que o equívoco do senso comum, ao dizer que a "teoria na prática é outra" - reforçando o dualismo entre o racional e o real, permeia a educação.

Retomando Heidegger, com sua crítica à filosofia clássica perdida em discussões metafísicas especulativas, propõe uma reflexão assentada na concretude da vida, com conceitos de cotidianidade; mundanalidade. Nesse sentido, a educação, no quadro da revisão dos paradigmas, deveria afinar-se na direção da construção de um fazer reflexivo e de uma reflexão engajada, onde o sujeito e objeto se encontram implicados no processo de formação.

Bibliografia

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BRANDÃO, Zaia. A crise dos paradigmas e a educação. São Paulo, SP: Cortez Editora. 1995.

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LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno. Rio de Janeiro, RJ: José Olympio Editora. 1986.

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PAZ, Octávio. Signos em rotação. São Paulo, SP: Editora Perspectiva, s/d.

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RICOEUR, Paul. O conflito das interpretações. Porto, Portugal: Rés Editora. 1988.

RICOEUR, Paul. O conflito das interpretações. Porto, Portugal: Rés Editora. 1989.

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Filosofia na educação

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Superando Estranhezas e Reeducando para Conexões: uma discussão sobre natureza e cultura

José Carlos Leite

RESUMO: O texto analisa os estranhamentos causados por nossas obsoletas representações que foram herdadas da cultura do ocidente. Tais representações estão em descompasso ou defasadas com aquilo que a ciência de nossos dias nos mostraram ser a realidade. Tendo a teoria de sistema como foco, propõe que atualizemos nossas representações. Este talvez seja o maior desafio educacional de nossos dias

Palavras-chave: representação, sistema, educação

ABSTRACT: The text analyses the estranhamentos caused for our obsolete representations that had been inherited of the west culture. Such representations are in exaggeration or unbalanced with what the science of our days in had shown them to be the reality. Having the system theory as focus, it considers that let us bring up to date our representations. Perhaps this is the biggest educational challenge of our days.

Keywords: representation, system, education.

Doutor em Comunicação e Semiótica - PUC/SP. Prof. do Departamento de Filosofia da UFMT, em Cuiabá, e Coordenador da Linha de Pesquisa Filosofia da Ciência e Epistemologia no citado Departamento.

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Introdução

"Há um desassossego no ar. Temos a sensação de estar na orla do tempo, entre um presente quase a terminar e um futuro que ainda não nasceu".

Boaventura de Sousa Santos

A sociedade do presente, caracterizada por seus múltiplos paradoxos e contradições, é o alvo do presente texto. Buscaremos entender como chegamos a este estado de coisas: uma sociedade portadora de mil soluções e que, ao mesmo tempo, padece de uma grande impotência em resolver coisas prosaicas - ou aparentemente prosaicas - como prover água, comida, casa, lazer, informação, segurança... para os seus membros. Estas são questões básicas para a sobrevivência. Queremos entender como chegamos a este "grande desconforto" que é viver neste mundo tão inovador e tão arcaico ao mesmo tempo.

No mesmo instante em que desbravamos mares, florestas, o cume dos montes, as profundeza dos mares e chegamos aos lugares mais recônditos da Terra (sem mencionar que, cruzando os ares, saímos de nossa estratosfera e chegamos até à Lua; ou que levamos artefatos até Marte, e hoje, estes mesmos artefatos atravessam o Sistema Solar para se perderem na imensidão do cosmo),1 temos medo de sair, à noite, para dar uma volta, a pé, ao redor de nosso quarteirão, com receio de não mais voltar vivo para casa.

Em pesquisa concluída recentemente tratamos das elaborações ou representações do homem ocidental a respeito de si e da natureza - que ele julga estar separada dele (cf. LEITE, 2001). Representações estas que herdamos de culturas do passado (seja a judaico-cristã - que hibridiza com a grega, no início do segundo milênio - seja a racional moderna) e que, não somente moldaram a nossa cultura como também, hoje, se encontram em descompasso com aquilo que vimos a descobrir ser a realidade.

Uma nova realidade emerge a partir de algumas abordagens científicas, filosóficas e de movimentos culturais que entraram em cena em nossa cultura, especialmente a partir da segunda metade do século XX.

1 Ver Sagan, 1998

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Entre as abordagens científicas que emergiram, podem ser apontadas, especialmente, aquelas que nos foram legadas pela ciência básica do século XX, como é o caso da física ou biologia, por exemplo. Mudanças no modo de ver e conceber o mundo, nestas, assim como em inúmeras outras áreas do saber, aliado também aos questionamentos que ocorreram no âmbito de outros segmentos da cultura, tais como da Filosofia, das Artes, assim como da chamada Tradição,2 levaram muitos pensadores, oriundos dos mais diferentes campos do saber, a reformular suas concepções; sejam elas de natureza epistémica ou ôntica.

Estas novas concepções ou abordagens a respeito do saber e do ser se hibridizaram, se somaram ao caldo cultural de contestação dos anos 60, gerando toda uma "crítica" ao conhecimento que produzimos, à maneira como concebemos a Natureza, ao modo como nos estruturamos socialmente, ao jeito como organizarmos nossas vidas e nos relacionamos conosco mesmos e com o ambiente no qual estamos inseridos, possibilitando outras formas de ver o mundo ou de conceber a realidade. Tal realidade - nela incluído o homem, suas representações e a natureza que lhe é exterior (que vimos a saber, paradoxalmente, tanto pela mão da ciência contemporânea com também pela da "sabedoria ancestral" ou da "Tradição") - se caracteriza por relações de interdependência, ou mesmo por uma certa conaturalidade entre processo mentais e materiais (e/ou energéticos)3.

Esta nova mundividência ou cosmovisão, propiciada pelo novo conhecimento e/ou saber - que na verdade não é ela de todo "nova", simplesmente havia sido "esquecida" ou "deletada" de nossa memória

2 Termo que tem duas acepções básicas: a primeira refere-se a uma maneira de pensar e de agir, que é uma herança do passado e que está, geralmente, associado aos conceitos de hábito, costume, conservação de algo ao longo do tempo. A outra concepção concerne a saberes, valores, herdados e transmitidos pelas chamadas grandes tradições espirituais e/ou religiosas, como é o caso da judaica, cristã, budista, sufi, entre outras. Neste segundo sentido é que o termo está sendo aqui usado. Para Nicolescu (1986) e outros pensadores que trabalham sob a ótica transdisciplinar, a tradição é um conjunto de doutrinas e práticas religiosas ou morais que são transmitidas - geralmente por meio da palavra ou exemplo - de geração a geração. Ver ainda o documento da UNESCO (1991) que trata da interface entre a Ciência e a Tradição. No presente texto, estaremos falando de tradição no sentido de experiência e/ou sabedoria interior e que foi "preservada" seja pelas grandes tradições religiosas bem como pelas chamadas "culturas nativas". Entenda por estas, as culturas dos povos ameríndios - e outros - que ficaram, de certo modo, "imunes" ao contágio da cultura nascida às margens do Mediterrâneo, até muito recentemente, quando a globalização não completara seu processo de penetração em praticamente todas as diversas formas culturais, no nosso planeta.3 Entre os autores e obras que tratam a realidade numa perspectiva de continuidade ver, entre outros, Ibri (1992), Peirce (1931-1938), Vieira (1994), Chardin (1978).

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ancestral, ao ser "invadida" de modo quase que exclusivo por valores, princípios, crenças, técnicas, construídas por uma cultura que é branca, classista e masculina (e originária das bordas do Mediterrâneo) - tornou-se como que incompatível com as novas exigências, as quais podemos nominar de sócio-ambientais, de nossos dias.

Estamos hoje, a duras penas - e, talvez, já um pouco meio tarde - a descobrir que o modo como passamos a conceber o mundo, como estruturamos nossas relações com a natureza e conosco mesmos já não estão compatíveis com os "novos tempos". Muitos pensadores da sociedade e/ou da cultura de nossos dias vêm nos alertando que caso não redefinamos os nossos modos de ser e de viver - e parece-nos que o caminho deveria ser por um processo de reeducação em seu sentido amplo - estaremos (nossa espécie) cavando nossa própria sepultura.4

Como bem nos lembrou Ferguson (1995, p. 138), já há cerca de 20 anos, a ciência apenas vem reafirmar "paradoxos e intuições com as quais a humanidade tem, com freqüência, esbarrado", mas que obstinadamente, procurou ignorar. E estamos a descobrir que nossas instituições sociais, nossos modos de vida - resultantes que são de nossa maneira de ver o mundo - têm violado "os modos de ser" da natureza. E, como exemplo, Ferguson diz que, temos obstinadamente tentado "congelar" aquilo que é, por natureza, dinâmico e móvel; montamos hierarquias de poder, que são artificiais; passamos a viver uma vida voltada para a competição - (que gera o conflito quando não o confronto com o outro, com o "diferente") - quando a exigência atual parece ser de cooperação, de soma de esforços.

Como se não bastasse, nos estruturamos socialmente - tanto ao nível teórico quanto prático - para exercer o domínio sobre a natureza. Nós nos posicionamos, em relação a ela, não somente como se estivéssemos do lado de fora, mas também no topo de uma hierarquia de seres que não somente classificamos, mas nos demos o direito de os submeter. Ao fazer isto, deixamos, não somente de perceber e de nos integrar a esta mesma Natureza, como também de participar de seu "melhor fluxo".

As conseqüências mais imediatas desta nossa atitude, nos lembra Esteves (2000), é um afastamento, não somente da natureza da qual fazemos parte, mas também de nós mesmos.

E pensamos que poderíamos acrescentar a estas palavras de Sérgio Esteves - achamos que sem nenhum exagero - que nos tornamos

4 Ver, especialmente, D´Ambrosio (1999) e Morin (2000).

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um "estranho" não somente para com a natureza que julgamos ser algo externo a nós, como também nos tornamos um "estranho" para conosco mesmos.

Continuamos a não saber quem somos de fato. Uma dualidade? Mente e corpo, matéria e espírito? Ou somos uma unidade destas duas "substâncias" diluídas no "mar maior" da Natureza ou da Realidade que também ele é uno? Nós nos definimos de um modo, e imediatamente, duvidamos se somos aquilo mesmo que nos "auto" denominamos. Parece-nos que, cada vez mais, tende a se tornar um consenso que o homem não é lá tão sábio quanto se supôs. Muitos autores já têm substituído a denominação do homo sapiens sapiens, por homo sapiens demens.5

Dissemos que há dois "sistema de mundo" ou dois modos de representações básicos ou fundantes da cultura do ocidente. O primeiro surge num passado remoto nas bordas orientais do Mediterrâneo e é mítico-religioso; o outro é um tempo mais recente, e é de natureza racional ou científica. Em ambos o mundo se apresentam como estranhos entre si.

Estamos considerando estes "sistemas moldadores" de nossa cultura, como "os responsáveis" por nossa situação de estranhamento. Situação esta que se dá, não apenas ao nível da representação, mas ao nível da vivência6.

Veremos, a seguir, como eles emergiram e se desenvolveram no seio de nossa cultura; ou talvez seja melhor dizer como eles se constituíram no próprio cerne de nossa cultura por estes longos séculos.

O nosso legado cultural

No primeiro sistema - que genericamente estaremos chamando de "judaico", e que se desdobra mais tarde no judaico-cristão e no islâmico - a natureza foi concebida para atender aos caprichos do homem. No segundo, o racional e/ou científico, a natureza é vista como um ser "estúpido", que o homem, um ser dotado de razão e inteligência, vai "acossá-la e obrigá-la", a se "submeter a seus caprichos", como propôs Francis Bacon, no início do século XVII.

No sistema judaico a estranheza entre o homem e mundo se dá pelo fato de que o criador e ordenador tanto do mundo quanto do homem

5 Entre tais autores lembramos Edgar Morin, Leonardo Boff, Humberto Mariotti, citados na Bibliografia, ao final.6 Mais detalhes sobres estas questões podem ser obtidos em Leite, 2001.

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(Javé) se situar ou se colocar à parte dos mesmos. Em que pese o cristianismo tentar, mais tarde, aproximar o divino do humano (o Cristo "foi o deus que se fez homem") ainda predominaram - no seio da cultura cristã - as representações de estranhamentos oriundas do judaísmo.7

No sistema de representações dito racional e/ou científico, o homem, um ser essencialmente relacional, também foi visto como um estranho em relação ao mundo. Estamos pressupondo que Descartes, ao tentar romper com as representações da cultura de seu tempo - que tivera como legado tanto o universo greco-romano quanto o judaico-cristão - inaugura uma nova relação de estranheza. No pensamento cartesiano8, de modo especial, o "outro" (objeto) deve ser ordenado, separado, analisado, afastado enfim, para que possa ser apreendido pelo sujeito. Em uma das regras do método está explícita a sua recomendação de que devemos tudo ordenar em nosso conhecimento, "mesmo que não encontremos naturalmente esta ordem do lado da realidade".9

Estamos considerando que nossa cultura, dita ocidental, foi "formatada", de modo especial, por ambos modelos, fazendo surgir o que estamos chamando de relações de estranhamento ou de estranheza dos homens entre si e destes com o meio.

Destas relações de estranheza, estamos pressupondo, nasceram os grandes problemas que foram gerados na nossa cultura. Como, por exemplo, a dificuldade em aceitar o diverso ou o diferente. Daí decorre a intolerância, que se manifesta na não-aceitação do outro. Seja o "outro" aquele que pertence a uma cultura diferente da minha - com sua "outra" religião ou "outra" língua, por exemplo; ou o "outro", o que tem a "cor", ou até mesmo sexo diferente do meu. Ou ainda, o "outro", o que participa de um saber diferente: do senso comum em oposição ao saber dito científico. Ou ainda, o "outro" aquele que é diverso de minha ou nossa espécie: animal, vegetal.

7 Na Bíblia - conjunto de livros que espelham as culturas judaica e cristã (esta em seus primórdios) - as representações de estranhamentos aludidas podem ser verificadas.

8 Estamos falando de Descartes - de modo particular - pelo fato de que ele tem sido considerado, por muitos dos intérpretes das crises da sociedade de hoje como aquele que inaugura ou funda o pensamento moderno. Mas não ignoramos que a "fundação" da modernidade conta com outras contribuições importantes como a de Copérnico, Galileu, Newton, Kant... Este último como que dá continuidade ao projeto cartesiano.9 Ver Porto filho (1997, p. 13-14). Este cita Eduardo Prado de Mendonça (autor de O Mundo Precisa de Filosofia. Rio de Janeiro, Agir). Prado de Mendonça faz uma radiografia das conseqüências do método de Descartes para a nossa cultura. Ver de modo especialmente as pp. 186-187, de op. cit. de Prado de Mendonça.

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Em que pese - no "segundo modelo" (o racional/científico) - o "ordenador do mundo", o sujeito (com sua mente, a razão), já não ser tão "estranho" a este mesmo mundo, tal como o foi o do teísmo judaico-cristão, a relação de estranheza continua, pois a razão é quem passará não somente a arbitrar sobre o mundo, mas também a lhe dar e a lhe conferir sentido.

No pensamento de Kant, que praticamente dá continuidade ao de Descartes, as formas a priori não são do mundo - da "natureza externa" ao homem - mas, sim do sujeito, da razão, que é visto(a) como separado(a) do mundo. Mente/razão e corpo são entidades distintas. Razão (intelecto) e mundo - seja o nosso corpo, seja o mundo com o que o sujeito se relaciona - são vistos como separados.

Que outra forma - ou outras formas de ver ou conceber o mundo - poderia quebrar ou romper as relações de estranhamento referidas?

Esta foi a pergunta que nos orientou na investigação que encetamos no decurso do doutoramento e nos serviu de fio condutor para a fundamentação de nossa hipótese. Pressupomos investigação que poderia haver uma outra (ou outras) forma(s) de conceber o mundo para que se pudesse romper com ou quebrar as relações de estranheza que houve e ainda há entre natureza e cultura e que herdamos de nossos antepassados. Esta investigação encontra-se hoje sistematizada em Leite (2001).

A superação da estranheza.

Pensamos que a superação destas relações de estranheza tornou-se possível com o surgimento - especialmente a partir da segunda metade do século XX - de outras formulações teóricas, ou representações sobre o mundo e o homem ou sobre homem/mundo (estes serão agora vistos como que formando uma unidade, um sistema inseparável). Tais formulações possibilitam, hoje, "quebrar" ou "romper" as relações de estranheza, seja a teísta (judaico-cristã), seja a racionalista (herdeira de Descartes, Kant, Hegel...) que vem moldando nossa cultura - não somente nos últimos três ou quatro séculos, como é o caso desta última - mas já "desde a noite dos tempos", quando o homem vem buscando desvendar o enigma da ordem e do caos que se encontra tanto dentro de si como no mundo ao seu entorno.10

10 "Desde a noite dos tempos, a mente humana permanece obcecada pela idéia de lei e de ordem, que dão sentido ao Universo onde vivemos e à nossa própria vida" (ver Nicolescu, 1999, p. 14). Isto que afirma Basarab Nicolesco pode ser constatado no pensamento grego do qual somos também herdeiros diretos. Ao tratar do "regresso do caos" nas ciências,

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Esta foi, portanto, nossa hipótese de trabalho e desenvolvida com mais detalhes em nossa tese de doutoramento, já referida. O presente texto é, pode-se dizer, uma miniatura da tese.

Estaremos chamando tais formulações - que, conforme já referido, surgiram após a segunda metade do século XX e que podem servir para romper com a cadeia (ou cadeias) de estranhezas entre natureza e cultura - pelo nome genérico de "abordagens sistêmicas" e/ou complexas por conjugarem termos (ou realidades) que foram vistos(as) como que estando separados(as): lei e acaso, ordem e desordem (caos), verdade e incerteza, mente e matéria, sujeito e objeto, desordem e organização, cismogênese (de cisma, dispersão, desvio) e cosmogênese (nucleação, geração, nascimento)...11 Ou talvez estes pares de oposição ainda preservem a simplificação, ainda estejam marcados pelo reducionismo que herdamos da ciência clássica.12 Talvez as "tríades", presente em diferentes pensadores (ver, entre outros, Peirce, Morin, D´Ambrosio, citados ma bibliografia) expressem melhor a complexidade de que se descobre ser portador o nosso universo. Edgar Morin fala, por exemplo, do "anel tetralógico" composto por ordem/desordem/organização que leva às interações, que por sua vez

Edgar Morin diz que o pensamento grego clássico dissociou, cronologicamente o "caos original"(*) [dos primórdios] ao "universo organizado", que se seguiu. E diz mais: esquecendo Heráclito, os gregos da era clássica, "opunham logicamente ubris, a desmedida arrebatada, à diké, à lei e o equilíbrio" (ver MORIN, 1977, p. 59). Neste trabalho, Morin busca resgatar o papel genético da desordem no nosso universo e o faz de um modo deveras original no nosso entender (ver, da obra acima citada, na Primeira Parte, o Capítulo I - pag. 37 e seg.). (*) Este se faz presente no mito de Urano que - como o sabem os estudiosos da mitologia grega - copula com a mãe, Gaia, gerando os Titãs, criaturas que vivem em acirrado conflito, até que Zeus - filho do Titã Cronos -, os aprisiona, restabelecendo a ordem (ver PHILIP,1996, p. 58-59). Neste mito pode-se também inferir o papel do tempo na construção da ordem no universo cosmológico dos gregos. Antes era o caos, o puro caos; e, depois, o tempo construiu a ordem. Esta seria a filha do tempo, como também parece sugerir a ciência, ou melhor, a cosmologia de nossos dias.11 Ver Morin, 1977 - especialmente p. 66.12 Ciência que surge nos séculos XVI e XVII, tendo como principais protagonistas Bacon, Descartes, Galileu, Newton...; é chamada também de "moderna" e "newtoniana". Ela se estabelece em base nas noções de objetos dissecáveis, ordem, causalidade simples, entre outras, reinando, quase que absoluta até o início do século XX, quando então começa a ser colocada em cheque por outro - ou outros - modelos de ciência (ver MORIN, 1977, 93, e ARANTES, 1995). No modelo da ciência clássica as noções de desordem, caos, organização, gênese, entre outras, estavam ausentes; ou quando se fizeram tentativas de introduzi-las - como foi o caso de pensadores como Jacob Boehme (1575-1624), Johann Wolfang Goethe (1749-1832), Charles S. Peirce (1839-1914), Rudolf Steiner (1861-1925), só para citar alguns - tais tentativas foram recusadas por tal ciência.

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conduz às diferentes gêneses (cf. MORIN, 1977, p. 58 e seg.). O pensamento peirceano, ou sua semiótica, é todo ele(a) fundamentado(a) em tríades (a este respeito ver SANTAELLA, 1992). E, por fim, Ubiratan D´Ambrosio ao se referir ao "contínuo da vida" diz que ele consiste numa dinâmica triádica: a realidade informa o indivíduo que, por sua vez, processa essas informações e executa uma ação que modifica a realidade que informa o indivíduo que..." (cf. D´AMBROSIO, 1999, p. 41).

A abordagem sistêmica tem por pressuposto que todos os seres se relacionam. O universo seria composto de diferentes sistemas que se relacionam entre si. Ao fazerem, permutam, seja matéria/energia, informação, afetando-se mutuamente. O pressuposto é que o homem e o mundo, mente e corpo/matéria, os diferentes seres - vivos e não vivos - que compõem a paisagem ou o cenário do mundo não são ou não estão separados; estão em constante relação, interação, seja entre si seja com o ambiente no seu entorno; trocam matéria/energia, informação, estão em processos de semiose...

Estamos considerando que: a) "abordagem(s) sistêmica(s) e a "visão transdisciplinar" que lhe é subjacente - podem vir a se constituir num grande arcabouço teórico (ou mesmo numa eficaz ferramenta epistemológica) para nos auxiliar no entendimento das "relações" que ocorrem tanto no nosso entorno, quanto no universo distante; b) eventualmente, tais abordagens poderão vir a contribuir para a substituição de concepções ou "sistemas de mundo" simplificadores, redutores, os quais serviram de suporte para a nossa dita civilização ocidental.

A noção de sistema

Um sistema pode ser definido como

"um agregado de coisas (de qualquer natureza: átomos, estrelas, galáxias, células, notas musicais, conceitos, juízos, etc.) que apresenta um conjunto de relações entre seus elementos tal que os mesmos possam partilhar propriedades comuns. Ou seja, um elemento do sistema possui uma propriedade partilhada, podendo perdê-la ao desligar-se do mesmo. Ou ainda, todo apresenta propriedades que as partes isoladas não apresentam" (cf. VIEIRA, 1993, p. 29).

Desta definição pode-se então destacar os seguintes elementos: "coisas" que se relacionam; e, ao fazê-lo, partilham propriedades; tais propriedades podem se perder fora do "agregado"; e, finalmente, as propriedades são diferenciadas, estando as "coisas" articuladas (ou não) ao sistema.

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Os sistemas podem ser classificados basicamente em três tipos: isolados, fechados e abertos.

O primeiro se caracteriza por não trocar energia, matéria e informação. Este tipo é, praticamente, uma ficção. Não existe um sistema isolado de fato. Somente o Universo o seria. Mas hoje não está mais assegurado se, de fato, há apenas "este Universo". Fala-se, em algumas abordagens cosmológicas, que podem existir outros universos, além do nosso. Conjectura-se a existência não do "universo" mas de um "pluri-universo".13 E nestes "possíveis outros universos", certamente, haveriam outras leis e outras regras para sua "natureza". Esta também certamente seria outra (cf. MORIN, op. cit., p. 53). Claro, são hipóteses, especulações.

Mas voltemos às caracterizações de "sistemas" considerando que apenas existe "um Universo" e que este é um sistema isolado para facilitar nossa compreensão.14

O Universo como um todo, um sistema isolado, conforme já referido, é denominado de master system. Dentro dele se situam os sub-sistemas que nos apresentam hoje a moderna cosmologia: os aglomerados de galáxias, as galáxias, os sub-sistemas que as compõem. Um sub-sistema como o nosso (o Solar) parece ser "típico" nas galáxias. E seguem os demais sub-sistemas internos ao Solar como, por exemplo, os que são constituídos pelos planetas. Se tomarmos a Terra teremos outros sub-sistemas que compõem o Sistema Terra, (ou sub-sistema Terra, uma vez que faz parte de outro, o Solar).

Como um sistema isolado, o nosso Universo não executaria nenhuma troca, seja de matéria, de energia ou de informação com outro sistema - considerando que ele é único. Daí decorre que, com o tempo, ele tenderia para um estado de máxima entropia, caso consideremos a

13 Ver as obras de Barrow & Silk e Penrose, citados na bibliografia. Morin (1977, p. 67) especula, tendo por base a cosmologia de nossos dias, se este nosso universo não poderia ser considerado um "bago em um universo em cachos". 14 Uma rápida observação: veja o artifício de que lançamos mão; simplificamos a realidade (que é complexa) para facilitar sua compreensão. Quando a realidade se apresenta muito complexa tentamos simplificá-la, reduzi-la para que nossa mente cartesiana a compreenda. Estamos consciente deste nosso vício espistemológico. Talvez até tenhamos mesmo que proceder assim. O que devemos estar atentos é não deixar que esta "exigência epistêmica" ultrapasse para o plano ôntico. A realidade não é simples; ela é complexa. De fato, há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia". E certamente se o autor de Hamlet vivesse no século XX iria acrescentar também: a nossa "vã ciência" (aquela que foi hegemônica pelo menos até meados do citado século).

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validade da Segunda Lei da Termodinâmica. Devemos lembrar que esta lei apenas se aplica a sistemas isolados (cf. SHAPIRO, 1999, p. 61).

Depois dessa digressão vamos à caracterização do sistema fechado. Este se caracteriza por trocar informação, mas não trocar matéria e/ou energia como o meio. O nosso cérebro seria um sistema deste tipo.

E, por fim, o terceiro tipo, o sistema aberto que é aquele que troca matéria, energia e informação com o meio. Um protótipo deste tipo de sistema seria o ser humano e os demais organismos vivos por extensão. Mas hoje, químicos e biólogos, especialmente, consideram também o nosso planeta como um sistema aberto. Por ser um sistema aberto que nele a vida emergiu (ver SHAPIRO, 1997) e tudo o que ela implica, hoje, em termos de auto-organização.

Vale notar que, praticamente, todos os sub-sistemas são abertos em algum nível, a considerar que o conceito de informação é hoje muito ampliado.15 Neste sentido, o nosso cérebro pode também ser considerado um sistema aberto também. Ele está isolado em nosso crânio e, no entanto, permuta informação com o meio circundante. Por isso, diz-se que, como ele não podia aí crescer, ele se expandiu para fora do crânio. E o fez nos diversificados produtos da cultura.16

Costuma-se ainda classificar os sistemas, a partir de alguns de seus chamados parâmetros básicos. Tais parâmetros seriam o da "permanência", da "relação com o meio" e o da "criação da autonomia" (VIEIRA, 1993). Todos os sistemas "vivem" em algum nível este processo. Outra classificação dos parâmetros sistêmicos seriam: composição, conectividade, estrutura, integridade, funcionalidade e organização. Tais parâmetros chamados também de evolutivos "caminham", em um eixo crescente, na direção a uma maior complexidade (cf. VIEIRA, op cit). Aliás, parece haver uma tendência, hoje, na cosmologia, em ver a história do universo como a de um sistema que "caminha" (ou que "caminhou" até então) em direção a uma maior

15 Por exemplo, na perspectiva de Norbert Wiener (considerado um dos fundadores da cibernética) e Claude Shannon (que formulou a teoria matemática da informação), não apenas os sistemas vivos trocam informações, as máquinas também o fazem. Vale notar, como assinalou Solange Silva, que neste autores a "informação é reduzida (...) a um conjunto de sinais abstratos despojado de qualquer significado" (ver SILVA, 2000, p. 11-12). Se tomarmos a formulações desenvolvidas pelo semioticista Charles Peirce sobre a cosmologia evolutiva veremos que todos os sistemas seriam abertos em algum nível, uma vez que estão em constante processo de semiose.16 Ver, a este respeito, Santaella (2000) e Rosnay (1997).

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complexidade ou a uma maior complexificação: do átomo para o homo (REEVES, 1986) ou da alga para o cibionte (ROSNAY, 1997).

Outro teórico que nos apresenta uma importante contribuição para a noção de sistema é Heinz von Foerster. Ele trata dos chamados "sistemas auto-reprodutores"; qual seja, aqueles que constróem a si mesmos. E o fazem, utilizando recursos, retirados do ambiente. Assim, ao mesmo tempo que são independentes - uma vez que são auto-reprodutores - são também dependentes uma vez que precisam da energia vinda do meio. É por isso que a individualidade (autoprodução) implica a indispensabilidade do outro (o que está no ambiente externo). O indivíduo autoprodutor precisa do outro para se produzir e vice-versa.17

Para Foerster a "autoprodução é, em última análise, uma produção conjunta" (apud MARIOTTI, 2000, p. 216).

Outros autores falam de auto-organização (cf. Jairo da Silva, 1996) ou auto-poiésis,18 conceitos usados, hoje, seja por físicos, químicos, biólogos, antropólogos e outros ólogos, para designar o processo evolutivo que é auto-criativo e auto-organizativo. Assim, acredita-se que há em todo universo um processo auto-poiético - os seguidores da semiótica peirceana diriam que este processo é semiótico - que possibilitou "a organização espontânea da matéria e das energias originárias" culminando no ser vivo e, deste, ao homo sapiens sapiens que já está em vias de se transformar no "homo simbioticus", como quer o biólogo e estudioso das redes Joël de Rosnay.19

Talvez uma das mais significativas contribuições que vieram da ciência da segunda metade do século XX foi a noção de que a natureza é polissistêmica e auto-gerativa: passamos do núcleo ao átomo; do átomo à molécula; da molécula à célula; da célula ao organismo; e do organismo à sociedade".20 E a sociedade (ou sociedades) elaboram, entre outras coisas, suas representações ou seus "corpos teóricos". Estes, no presente texto, estão sendo considerados também como sistemas; ou melhor, subsistemas, uma vez que tais "corpos teóricos" estão relacionados com outros subsistemas (físicos-químicos, biológicos...).

17 Ver Foerster, 1993.18 Poiésis: termo grego que significa produção; foi resgatado pelos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela, ao qual acrescentaram o prefixo auto.19 Cf. Rosnay, 1997.20 Cf. Morin, 1997, p. 107, e Reeves et al., 1997.

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Pois não são destes que aqueles(as) emergiram (e emergem)? Veremos mais à frente como se deu esta emergência.21

Já é lugar comum afirmar que está nas mudanças que ocorrem na física de partículas, no início do século XX, o locus e o início das grande transformações que iriam operar nas nossas concepções de mundo. Especialmente com o "átomo de Bohr",22 uma "nova realidade" emerge. Assim, não mudou apenas a nossa concepção de realidade ao nível da matéria fundamental. Mudaram também nossas concepções sobre outras realidades que não as meramente materiais. Deste modo,

21 A emergência é a qualidade ou propriedade dum sistema que apresenta um caráter de novidade em relação às "qualidades ou propriedades dos componente considerados isoladamente ou dispostos de maneira diferente num outro tipo de sistema". Ou é "produto da organização que, embora inseparável do sistema enquanto todo, aparece não só ao nível global, mas eventualmente também ao nível dos componentes" (ver MORIN, 1997, p. 104-105) ou que este produto referido, o qual dispõe de qualidades próprias, retroage sobre as próprias atividades do sistema do qual se torna inseparável (MORIN, 1998, p. 199).22 Como muitos já o sabem, o modelo atômico proposto por Bohr, na segunda década do século XX, (chamado "modelo quântico do átomo") veio substituir o modelo o proposto por Joseph Thompson (para quem o átomo seria como um pudim de passas) e "aperfeiçoar" o proposto por Ernest Rutherford (o deste, basicamente, reproduzia o do sistema solar: um núcleo, ao centro, com elétrons girando em torno de tal núcleo). A novidade do "átomo de Bohr" está no fato do físico dinamarquês incorporar ao modelo de Rutherford o conceito quântico de energia. Bohr apresentou, em 1913, um modelo no qual o "elétron só pode se mover em determinadas órbitas, situadas a distância precisas do núcleo, nas quais não irradia energia". Apenas quando excitado, ele pode "saltar" de uma órbita à outra; e o faz trocando energia com o meio. A refutação do modelo de Rutherford tem por base as leis da física clássica: ele não se sustentava pelo fato de que, ao irradiar energia, os elétrons tenderiam para o centro, ao serem atraídos pela força da gravidade. Diz Arantes (1995) que o "lance audacioso" da parte de Bohr consistiu em incorporar ao 'modelo planetário' o conceito quântico de energia" (conceito este, descoberto em 1900, por Max Planck). Neste "novo" átomo, a troca de energia com o meio se dá "apenas quando o elétron passa de um desses 'estados estacionários' a outro. Desse modo, quando recebe, do ambiente externo, um quantum de energia, "o átomo salta de sua órbita original para outra órbita estável mais afastada do núcleo". Por isso que se diz que o átomo está em "estado excitado". Pouco depois, ele retorna ao "estado fundamental", ainda seguindo o raciocínio de Arantes. Como o elétron salta de volta à órbita primitiva ele devolve ao meio exterior o quantum de energia excedente, na forma de fóton ou 'pacote' de radiação eletromagnética", ainda conforme Arantes. O modelo de Bohr foi depois aperfeiçoado por outros representantes da chamada Escola de Copenhague - especialmente Werner Heisenberg - que como seu "princípio de incerteza" ajudou a esclarecer (pelo menos, em parte) a bizarra maneira de se comportar a matéria, ao nível microscópio, que o modelo atômico de Bohr apresentara, uma vez que no "seu átomo", o elétron saltava de uma órbita a outra, sem que ocupasse um espaço intermediário. Detalhes sobre estes modelos atômicos, ver Arantes (op cit). Quanto às implicações para a ontologia advindas com o "átomo de Bohr", ver Morin (1997). O que importa assinalar aqui é que a realidade microfísica descrita pela chamada Escola de Copenhague como que nos escapou por não encaixar nos nossos modelos de ordem até então estabelecidos. Ou no dizer de Morin, esta nova realidade "escapa ao conceito de

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as mudanças que se deram ao nível da matéria fundamental vão atingir de raspão, não somente a epistemologia, mas também a própria ontologia (cf. MORIN, op. Cit.).

Houve, com a física de partículas, como que a necessidade de outra concepção de realidade - ou outra ontologia (se seguirmos Mário Bunge - apud Vieira, 1993) - uma vez que a antiga, baseada no noção de objetos isoláveis, dissecáveis, já não era adequada para lidar com o mundo quântico. Morin nos apresenta o porquê desta inadequação, ao nos falar da nova natureza - ou da "natureza da Natureza", como ele prefere - que emerge no século XX.

"Enquanto objeto, a partícula perdeu toda a substância, toda a clareza, toda a distinção, por vezes até toda a realidade; converteu-se em nó górdio de interações e de trocas. Para defini-la, é preciso recorrer às interações das quais participa e, quando faz parte dum átomo, às interacções que tecem a organização deste átomo.

Nestas condições, não só a explicação reducionista já não convém ao átomo, dado que nenhum dos seus caracteres ou das suas qualidades pode ser induzido a partir dos caracteres próprios às suas partículas, mas são os traços e caracteres das partículas que, no átomo, só podem ser compreendidos em referência à organização deste sistema. As partículas têm as propriedades do sistema muito mais do que o sistema as propriedades das partículas" (ver MORIN, 1977, p. 95-96).

Assim, até o átomo - considerado, até o início do século XX, a partícula fundamental - é também ele um "sistema", ou melhor, um sub-sistema.

Outra fonte (que além da física de partícula) que vai fornecer o combustível ou o solo para a teoria do sistema vem da cosmologia. Quando a cosmologia pós-hubbleana23 nos mostrou que este nosso universo era muito mais do que uma mera "rotação relojoeira de satélites em torno de um astro" e passou a concebe-lo como uma infinidade de "conjuntos organizadores que se mantêm a si mesmos por regulações espontâneas" (ver MORIN, 1977, p. 95-96), fez-se necessária outra concepção de realidade ou outra ontologia para dar conta deste "novo mundo", que nascia ante os olhos incrédulos (até mesmo dos astrônomos)24. Este "novo mundo" foi possibilitado pela mudanças

ordem por escapar à ordem dos conceitos" (ver MORIN, 1977, p. 42).23 Uma caracterização rápida desta cosmologia pode ser vista em Morin,1997, p. 43-44 e em Baliunas, 1997.24 Ver Baliunas, op. cit..

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ocorridas em nossas concepções sobre a realidade, bem como pela invenção dos grandes telescópios (a partir do início do século XX) e de equipamentos que passaram a "enxergar" para além da faixa da luz visível do espctro eletomagnético, como é o caso dos telescópios de raios gama, x, bem como os rádio-telescópios e similares.

Morin menciona ainda as fontes vindas da biologia moderna que incorpora no seu seio a noção de sistema. Ela somente o faz depois de se liberar das arcaicas noções de "matéria viva" e de "principio vital" (tão caras à antiga biologia), 25 bem como a da sociologia que, "desde sua fundação, considerou a sociedade como sistema".

O conceito de sistema - de que já nos falava Galileu, sem, no entanto, dizer o que era (conforme MORIN, op. cit., p. 98) - passou, assim, a ser um conceito chave a que muitos teóricos; hoje, muitos a ele recorrem para explicar como é e como "opera" a realidade. O próprio texto de Morin em pauta, é uma tentativa de explicar a "nova" natureza da Natureza, tendo como eixo central o conceito de sistema. Assim, a teoria de sistema, muito mais do que uma ferramenta epistemológica é vista hoje como uma teoria (ou proteoria) para dar conta da realidade (Vieira, 1993, 1994).

Morin assinala que o conceito de sistema esteve por toda a parte, mas que somente com o trabalho seminal de Ludwig von Bertalanffy26 - durante os anos 50 - que se "instaura a problemática sistêmica"; e, nos anos 60, ela se espalha "com êxitos diversos". E que, embora a Teoria Geral de Sistema (a que inaugura von Bertalanffy) comporte aspectos radicalmente inovadores, "nunca tentou a teoria geral do sistema; assim como se "omitiu aprofundar o seu próprio fundamento e refletir sobre o conceito de sistema". E Morin conclui seu raciocínio, dizendo que a idéia preliminar - interrogar a idéia de sistema - "ainda está por fazer".27

Não é nosso propósito aqui esgotar o que seria esta teoria, ou prototeoria, como prefere Jorge Vieira. Vamos aqui apenas apresentar o

25 Para esta, no dizer de Morin, a vida, ao invés de ser uma emanação ou emergência da organização viva, era, antes, uma emanação ou emergência de um princípio vital (ver MORIN, op. cit., p. 105).26 Ver Bertalanffy, 1973.27 Parece-nos que o seu ambicioso trabalho O Método (em 4 Volumes), pelo pouco que o conhecemos, é uma tentativa de aplicar a teoria geral de sistema (articuladas como outras teorias, evidentemente) para desvendar as diferentes "naturezas" (física, biológica, epistemológica, noosférica...) da Natureza. A referência à idéia de omissão em aprofundar o próprio fundamento de sistema se encontra no volume 1 de o Método o qual trata da "natureza da Natureza"; os demais volumes de O Método - 2, 3 e 4 - têm como sub-títulos "vida da vida", "conhecimento do conhecimento" e "as idéias", respectivamente.

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que vem a ser os chamados parâmetros sistêmicos 28. Vieira, tendo por base a obra de Mário Bunge, nos apresenta, num belo artigo intitulado "Universo Complexo" (ver VIEIRA, 1993) os chamados parâmetros sistêmicos. São eles: permanência, conectividade, integralidade, funcionalidade, organização, complexidade e autonomia.

Morin também trata destes parâmetros - ou de alguns dos mencionados acima por Vieira - e que ele o chama de princípios sistêmicos. E destaca dois deles: a organização e a interação. Estes se fazem presentes em todos os sistemas, qual sejam "todos os objectos-chaves da física, da biologia, da sociologia, da astronomia, átomos, moléculas, células, organismos, sociedades, astros e galáxias" (ver Morin, 1997, p. 100).

Tal como Vieira, Morin estende a noção de sistema para realidades como átomo, moléculas e mesmo para a área da noosfera (ver Morin, 1998). Este último termo foi cunhado originalmente pelo teólogo e paleontólogo francês Theilhard Chardin e é explorado por Morin. Grosso modo, significa as produções que apareceram com a entrada do homo no "cenário" da evolução. Karl Popper chamou tais produções de "mundo três" (apud MORIN, 1988, p. 140).

Para Chardin (1978, p. 23) tudo era (e é) gênese. E esta se dá num processo evolutivo de continuidade e crescimento em complexidade. Assim, o Universo se caracteriza por um processo dinâmico que se manifesta nas suas diferentes formas de gêneses ao longo do mesmo processo. Assim temos a comogênese, a biogênese, a antropogênese e a noogênese. Esta se manifesta nos processo que ele chamou de "espirituais" e que outros antropólogos chamam de cultura. Para Morin (1998, p. 145) "as representações, símbolos, mitos, idéias, são englobadas ao mesmo tempo pelas noções de cultura e de noosfera".

Tal como Morin, estamos considerando que também estas realidades - as englobadas pela noção de cultura e de noosfera - como sistemas. Pois como ele lembra, "fora dos sistemas só existe a dispersão particular" (cf. MORIN, op.cit.).

28 Consideramos que a teoria de sistemas é uma rica fonte explicativa. Foi a ferramenta auxiliar mais adequada para fundamentar a hipótese do trabalho de conclusão do doutorado já referido. Qual seja: as nossas representações que possuem uma base física - ou bio-antropo-física - têm mudado mais lentamente do que a nossa ambiência física. Por isso, talvez elas possam estar se tornando uma ameaça - por quê se fizeram obsoletas ao evoluírem em descompasso com outras criações sociais (as tecnologias destrutivas que inventamos, por exemplo). Caso não mudemos nossas representações estas poderão conduzir nossa espécie - assim como outras - mais rapidamente para a extinção.

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Eis a grande mudança que as pesquisas na área da física de partículas, da cosmologia, da biologia e da antropologia e mesmo a teologia (no caso de Chardin), entre tantas outras, trouxeram, no século XX para a ontologia.

Houve o esboroamento da base (conforme Morin fez questão de frisar no seu Método - Vol. I). Antes da primeira década do século XX, tudo era reduzido a unidade elementar - incluindo aí (e sobretudo) o átomo. E, eis que, a partir da segunda metade do século XX, a realidade - nos seus mais diferentes matizes - "torna-se" sistêmica.

Esta é talvez a grande emergência no campo, não somente das ciências particulares mas também da ontologia, nos últimos anos. Como, pode-se notar, a noção de emergência é básica para explicar o surgimento de algo totalmente inovador na realidade (ver as diferentes gêneses de que fala nos Chardin, acima). Por exemplo, o aparecimento do organismo vivo: este surge de uma matéria, meramente físico-química, a qual se sistematiza, a partir de um dado momento (calcula-se que foi há cerca de 3, 5 bilhões de anos), de modo diferente da anterior. Ou ainda os processos de construção e/ou decodificação de signos, que emergem quando da entrada do homo sapiens sapiens na cena da realidade. Homo este que aparece após a emergência do neo-córtex.

Um novo ator no palco do mundo

Como se dá ou o que provocou o aparecimento (ou emergência) do neo-córtex. Em outras palavra: por quê e como ele surge? Acredita-se que a "emergência" do neo-córtex aparece em função da necessidade que o organismo teve de responder a um novo desafio, ou a uma situação de maior complexidade apresentada pelo meio (cf. Vieira, 1993). Certamente foi uma conjugação de fatores que levaram a emergência do neo-córtex - e do homo sapiens sapiens, por conseqüência.

Há uma hipótese - apresentada pelo paleontólogo francês Yvens Copens - de que o neo-córtex tenha aparecido (ou tenha como causa, se não imediata, pelo menos remota) pela ocorrência de um evento sísmico de grandes proporções. Trata-se do deslocamento de placas tectônicas, que fizeram como que uma parte do ambiente geológico da África Oriental "saltasse" para maiores altitudes. Este fato trouxe como conseqüências (a longo prazo) alterações do clima, considerado o grande responsável pelas grandes mudanças no "roteiro da vida". Assim, a projeção de rochas passou a afetar, numa região ao Leste da África, o deslocamento das correntes de vento, o clima, e, como conseqüência, o

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índice pluviométrico. Este, por sua vez, vai contribuir mais diretamente para a constituição de um novo tipo de fauna, criando um bioma diverso da floresta: assim ali onde antes existia a floresta vai se transformar, lentamente, em savana. Neste novo sítio/ambiente, cuja flora vai se transmutando de mata para savana um de seus elementos faunísticos - o ancestral comum de nossa espécie e a dos grandes primatas africanos - vai ser particularmente afetado pelas mudanças (lembre-se, as mudanças na geo-morfologia afetaram as precipitações, que afetou o clima, que afetou a flora...). No novo bioma que se formou, o organismo (ou sistema orgânico) do referido "ancestral comum" precisou responder aos novos desafios. Lentamente passou a caminhar, ao invés de "andar em árvores" (pois já não há árvores para "andar" ou pendurar), a se equilibrar em dois pés (não mais em quatro).

Isto ocorreu para que tivesse as mãos liberadas para se defender de (e também atacar) outros predadores? Ou para confeccionar utensílios de que agora precisava para sobreviver? Ao que tudo indica, este ambiente passou a ser de "outra ordem", de maior complexidade, se comparado ao anterior, ao qual seu organismo estava habituado, estava adaptado.29

29 Esta é uma das hipótese para o aumento do cérebro - e o posterior aparecimento do neo-córtex que possibilitaria a noosfera, (ou os seres da cultura) de que nos fala Chardin, Morin, entre outros. Sobre esta hipótese da emergência do "pré-humano", provocada por um evento geológico de grande magnitude que redundou no chamado "afundamento do Vale do Rift", há cerca de 7 milhões, ver Reeves et al., 1997, p. 98-99, e Larousse Cultural (Vols. 20 e 21). Trata-se de seqüência de depressões relativamente estreitas que se estendem desde o vale do Rio Jordão (na Jordânia) até ao curso inferior do Rio Zambeze (em Moçambique - África Oriental). São fossas de afundamento - que mais tarde têm suas bordas elevadas em algumas partes, como é o caso do Ruwenzori (maciço situado na fronteira entre o Zaire e Uganda que se estende por cerca de 100 Km), cuja parte mais alta chega a mais de 5000 metros - que vão provocar as mudanças referidas no ambiente: do lado oriental do Vale do Rift, vai predominar a savana; e a floresta, do lado ocidental. Os ancestrais comuns ao homem e aos grandes macacos africanos (gorilas e chimpanzés) viviam em espessa floresta que recobriam o território africano até a ocorrência deste evento. Os paleobotânicos confirmam as alterações da flora: a floresta regrediu dando lugar à savana, na região que corresponde, hoje, aos países do Quênia, Etiópia e Tanzânia, onde foram encontradas os ancestrais mais próximos do homo sapiens, os chamados pré-hominídeos. Desse modo, duas populações se separam e segue caminhos evolutivos diferenciados. Mais detalhes sobre isto ver a obra de Reeves et al., acima referida. Nesta obra, o citado já citado Yvens Coppens - um dos paleontólogos que participou da descoberta de Lucy(*), na Etiópia, em 1974, nos conta - com argumentos muitos convincentes - como o "afundamento do Vale do Rift" pode ter sido decisivo para a "emergência" do humano. Assim, àquela pergunta "altamente filosófica" quem somos nós? um evolucionista responderia com a maior naturalidade: "somos um macaco que caiu do galho". Só isso, nada mais. Ou tudo isso (se quiserem também). (*) O fóssil de Lucy que

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Por isto, desenvolveu-se, bem mais tarde (lembre-se Lucy viveu há cerca 3 milhões de anos e ainda não é considerada plenamente humana), naqueles "ancestrais comuns" - os que se estabeleceram (ou adaptaram-se) na savana - o neo-córtex. Foi o preço que se pagou pela seca. Para os seres que permaneceram na floresta, o ambiente não "cobrou" nenhuma "mudança brusca". Talvez por isso continuaram primatas, e tão só.

Assim é plausível a hipótese de que os novos desafios que foram colocados para os primatas em um novo eco-sistema (há cerca 7 milhões) é que faz com que aumentasse o tamanho do cérebro e fizesse com que mais tarde emergisse o neo-córtex, o chamado "terceiro cérebro". Este processo iniciou, quando os ancestrais dos humanos tiveram que descer das árvores e correr pela savana. Toda estas mudanças no ambiente e, por decorrência, no organismo vão possibilitar o aparecimento de nosso universo simbólico. Universo este que fez com que povoássemos o globo terrestre - e mesmos o sistema solar - com os seres noosféricos.

Este novo organismo, agora dotado do neo-córtex, vai fazer com que, milhares de anos depois, nas bordas orientais do mediterrâneo, povos cananeus marginais e oprimidos ("camponeses 'enfeudados', mercenários e aventureiros, pastores transeuntes, pastores e camponeses nômades, artesãos itinerantes e sacerdotes descontentes) em processo de ruptura com a sociedade cananéia, fundasse um sistema representacional que recebeu o nome de religião judaica (que depois se transmuta para judaico-cristã).30

E é este mesmo neo-córtex é quem vai possibilitar que também criemos esta outra magnifica invenção humana chamada ciência moderna - a que nasce na Europa Renascentista. Estamos considerando

ficou famoso pela seguinte razão: viveu há cerca de 3,5 milhões de anos. Ele indicializou que Lucy tanto pendurava pelas árvores como também caminhava pela savana. Assim, acredita-se que Lucy possa ser um dos elos entre o homo e os grandes primatas.30 Dentre as cinco "conclusões mais importantes" do estudo que Nomam L. Gottwald efetuou sobre as "tribos de Iahweh" destacamos aqui a quarta: "a religião de Iahweh foi um instrumento decisivo da sociedade para cimentar e motivar a constelação peculiar de unificação e descentralização dos padrões socioculturais indispensáveis para o ótimo funcionamento do sistema social e, in extremis, para a mera sobrevivência do sistema" (ver GOTTWALD, 1986, p. 13). O que defendemos em nossa tese de doutoramento referida, entre outras coisas, é que este sistema criado pelas "tribos cananéias desgarradas" pode ter sido eficaz para aquele povo (ou aqueles povos, uma vez que eram diversos), naquele momento em que foi elaborada, mas que hoje, o seu sistema - que ainda perdura (mutatis mutantis) depois de cerca de 3000 mil anos - já não nos serve mais. Está em descompasso com os nossos dias.

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Filosofia na educação

que esta ciência, ao lado da religião judaico-cristã, bem como aquela que surge com os habitantes das cercanias dos mares Egeu e Jônico - Grécia - e denominada filosofia, entre outras invenções ou sistemas noosféricos de nossa cultura, nos forneceram os elementos que hoje podem estar a nos conduzir, nesta nossa frágil e fugaz aventura31 por este planeta, a um beco sem saída. Pois não estamos "matando quem nos sustenta" - nosso ambiente - tendo por base as invenções (representações) que nos forneceram tanto a religião, a ciência e a filosofia?

Estamos considerando que os sistemas representacionais ou os signos, criados outrora nas cercanias do Mediterrâneo - e que como o tempo se globalizaram - tornaram-se hoje inadequados por nos conduzir a uma percepção de que o homem está separado ou desconectado do meio do qual ele emergiu e do qual faz parte. Este meio foi quem nos fez; e nós, por outro lado, estamos também a refazê-lo - talvez numa direção contrária àquela a que este meio "se dirige". Estamos pressupondo que talvez nos faça falta, hoje, outros modos de conceber a nós mesmos e ao mundo. Talvez precisemos construir ou consolidar outras concepções ontológicas nas quais nos vejamos todos umbilicalmente interligados.

Pois não somos todos e tudo - conforme vimos - subsistemas, em relação? Inclusive os nossos chamados sistemas simbólicos (na verdade também eles sub-sistemas) se fizeram em interação com o ambiente biofísico e social. O subsistema físico-químico - do qual emergiu o biológico e que nos antecedeu no tempo - criou as condições para o aparecimento do simbólico, que emerge com a nossa espécie (o homo). Não foi este que fez aquele. Na belíssima narrativa da criação, no livro do Gênese, Deus primeiro cria o mundo; a seguir o homem. Mas será que não poder-se-ia propor a ordem inversa? Que teríamos sido nós - os filhos do mundo - quem criamos os deuses. Basta estarmos de olhos abertos para o processo evolutivo - que as ciências da natureza nos apresentam - e ver quem antecedeu a quem no tempo.

Assim, parece-nos, não somos apenas criaturas (do mundo, ou do meio); somos também criadores (de mundos - teorias científicas, tecnologias... - e de deuses - religião, arte, filosofia...). Nisto, talvez, reside a maior complexidade da humanidade e que, especialmente após o nascimento da Filosofia na Grécia, estamos tentando desvendar.

À guisa de conclusão

31 Especialmente se comparada à trajetória cosmo, e mesma à da vida.

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Filosofia na educação

Talvez a maior tarefa ou o grande desafio da educação de nossos dias seja o de "atualizar" - para nós mesmos e para as próximas gerações - as informações que as diferentes áreas da cultura (especialmente as legadas pela Ciência Contemporânea) nos possibilitaram. Parece que a realidade é bem diferente daquilo que nos legaram nossos antepassados, seja através da Religião, da Filosofia ou mesmo da Ciência.

Por isso assinalamos que há um certo descompasso que precisa ser equacionado entre as representações ou signos que a cultura do ocidente construiu a respeito da realidade e aquilo que os deferentes campos do saber nos apresentou nos últimos 50 anos a respeito desta mesma realidade.

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História da educação

A Gênese das Instituições de Educação Superior do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba: primeiras aproximações

Décio Gatti Júnior1

RESUMO: Trata-se da comunicação dos resultados alcançados em investigação centrada no exame da especificidade dos processos de gênese das Instituições de Educação Superior do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. A pesquisa está sendo desenvolvida a partir do exame sócio-histórico dos processos de constituição das IES mais antigas da região, por meio da consulta a bibliografia existente; do exame dos documentos institucionais, tais como: atas e projetos de criação, notícias veiculadas na imprensa, etc.; construção de documentos, a partir do recolhimento de depoimentos orais. Apreender a especificidade dos processos de constituição dessas instituições é o mote desta investigação o que pode contribuir para um conhecimento mais aprofundado da situação da Educação Superior na região.

Palavras-Chave: História; Educação Superior; Triângulo Mineiro

ABSTRACT: The Genesis of Institutions of Higher Education in the Triangle and Alto Paranaiba Regions of Minas Gerais: First Approaches. This paper relates the results reached in investigation focused on the examination of the specificity of the processes of the genesis of Institutions of Higher Education in the Triangle and Alto Paranaiba regions of Minas Gerais, Brazil. Research is being developed from the social historical examination of the processes of the constitution of the oldest Institutions of Higher Education in the region through the consultation of the existent bibliography; from the examination of institutional documents, such as minutes and projects, news conveyed by the press, etc; and construction of documents from gathering of oral testimony. Understanding the specificity of the processes of the constitution of these institutions is the theme of this investigation which can contribute to a deeper knowledge of the situation of Higher Education in the region.

Keywords: History; Higher Education; Triangle Region of Minas Gerais

1 Doutor em Educação: História e Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor de História da Educação do Centro Universitário do Triângulo e da Universidade Federal de Uberlândia.

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História da educação

Trata-se da comunicação dos primeiros resultados de investigação no campo da História da Educação, especialmente no campo da História das Instituições Educacionais, visando a com-preensão do processo de gênese e de desenvolvimento das Institui-ções de Educação Superior do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.

O caráter tardio da implantação da educação escolarizada nesta região do Estado de Minas Gerais, fez com que o período coberto pela investigação inicie-se na década de trinta do Séc. XIX, época da instalação das primeiras faculdades da região e vá até a nossa época, ou seja, o final do Séc. XX.

Esta pesquisa vem sendo desenvolvida desde 1998, no interior da linha de pesquisa A Instituição de Educação Superior do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Universitário do Triângulo.

Até o momento, foram analisadas, por meio de monografias de base elaboradas por mestrandos, quatro instituições, a Universidade Federal de Uberlândia e o Centro Universitário do Triângulo, de Uberlândia; A Faculdade de Agronomia e Zootecnia de Uberaba, de Uberaba e as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras de Patrocínio e a Faculdade de Fisioterapia de Patrocínio.

O universo completo de instituições é integrado por dezoito Instituições de Educação Superior, em um total de sete cidades, incluindo: Araguari, Araxá, Ituiutaba, Patos de Minas, Patrocínio, Uberaba e Uberlândia.

A finalidade da investigação vincula-se a possibilidade de efetivar a construção de uma interpretação acerca dos processos que levaram a gênese e a consolidação dessas instituições universitárias na região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.

Nessa pesquisa, o olhar desenvolvido é o sócio-histórico, beneficiando-se do intenso processo de renovação teórico-metodo-lógica vivenciado pela historiografia contemporânea, na qual vem sendo valorizada a utilização tanto dos aportes teóricos oriundos do campo da História quanto das evidências, sendo que estas não se limitam mais aos documentos escritos, mas abarcam fontes orais, iconográficas, etc.

Nesse sentido, o processo de construção de interpretação acerca da vida das Instituições de Educação Superior beneficia-se, sobretudo dos avanços significativos dos estudos sobre representações sociais, cultura escolar, elite, trabalho, grupos e classe sociais, bem como da constituição de tradições historiográficas mais sólidas no campos da História Oral, História da Imprensa, História da Ciência, etc.

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História da educação

Para a efetivação dessas investigações foram consultadas diversas fontes de informação, tais como: bibliografia nacional e internacional sobre o assunto, seja por meio da leitura de textos mais teóricos ou mesmo resultados de investigações sobre a temática instituições educacionais publicados em forma de livro.

Além disso, é importante ressaltar que foram utilizados os resultados já alcançados em pesquisa nesse campo temático provenientes das investigações realizadas pelos mestrandos do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Universitário do Triângulo, disponíveis em forma de dissertação.

A Educação Superior no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba

Diferentemente de outras regiões da América Latina, o caráter tardio da implantação dos processos de escolarização nesta região do Brasil fez com que a Educação Superior só se desenvolve-se em meados do Séc. XX. A região, porém, viveu o boom educacional do final dos anos sessenta, com a implantação de diversas instituições privadas de Educação Superior. Nos anos setenta foram implantadas duas instituições de Educação Superior públicas na região, a de Medicina, em Uberaba e a Universidade Federal de Uberlândia, em Uberlândia.

A maior parte destas instituições, porém, tem sua origem fundacional - sua natureza jurídica refere-se a um patrimônio e não a uma associação de pessoas, o que implica na fixação, anteriormente ou posteriormente a morte de um ou mais doadores, de finalidades para a utilização de um determinado patrimônio. Soma-se a isso, o fato, de que muitas destas instituições têm forte apoio comunitário para sua existência.

O desenvolvimento de investigações e estudos dessa natureza poderão conduzir à constatação e compreensão da verdadeira situação da cultura e da educação na região e ainda disponibilizar análises, reflexões e dados aos pesquisadores e alunos para o desenvolvimento de suas pesquisas e dissertações.

A necessidade da presente investigação se evidencia quando se constata, em uma primeira aproximação, que os sistemas de educação da região, especificamente da Educação Superior, carecem dos dados básicos necessários para estabelecer o diagnóstico de seus problemas e necessidades. Daí decorre que as análises e estudos sobre sua situação são muito escassos e incompletos, podendo descaracterizar seu real perfil.

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História da educação

As políticas locais e regionais de educação se apresentam sem os instrumentos necessários para definir com segurança os rumos e as formas de intervenção. As próprias IES parecem estar desprovidas das condições de se situar no conjunto de suas parceiras e de participar de uma política regional de educação inserida no cenário nacional.

Essa primeira constatação exige que se parta para uma análise mais rigorosa da situação e da atuação das IES a fim de que sejam estabelecidos os seus problemas e as suas potencialidades para cumprir a missão cultural e social que lhes compete neste contexto regional.

A região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba é um centro de referência econômico e cultural para o Centro-Oeste e se constitui em pólo de confluência de diferentes demandas científicas e culturais. Seu sistema de Educação Superior integra 7 cidades com 18 IES em uma área que as separa em no máximo 200 km, para onde convergem alunos de toda a região que aspiram desenvolver seus conhecimentos culturais, científicos e profissionais, conforme descrito no Quadro 1.

Para atender a essas aspirações, as IES necessitam de conhecimentos acumulados com elevado nível de qualidade e de pesquisas capazes de contribuir com eficiência para o desenvolvimento e a intervenção no meio social.

Em seu panorama científico e cultural, a região se caracteriza como um espaço emergente à busca de centros de referência e sustentação que poderiam ser assumidos pelas suas Instituições de Educação Superior. Daí, surge a preocupação em saber se as atuais IES da região estão em condições de responder a essas necessidades e anseios.

Uma análise provisória e imediata parece mostrar que as IES da região, quase todas muito recentes e provenientes de antigas escolas do Ensino Fundamental e Médio, ainda não tiveram o tempo de maturação e a experiência acumulada necessários para se instalarem plenamente no universo da Educação Superior.

Parecem oferecer resistências e dificuldades em implementar novas tecnologias e novas formas de ensino mais condizentes com a Educação Superior. A tradição de pesquisa institucionalizada não se mostra consolidada e a produção científica ainda não aparece com força suficiente para sustentar os objetivos da Educação Superior frente aos avanços atualmente necessários à qualidade dos conhecimentos, ao desenvolvimento da tecnologia e da sociedade e à formação para a cidadania.

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Quadro 1. Relação das Instituições de Educação Superior da Região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, por município

CIDADES INSTITUIÇÕES

1. Araguari 1. Faculdade de Filosofia e Letras de Araguari2. Centro Universitário do Triângulo (Campus Araguari)

2. Araxá 3. Faculdades de Ciências Gerenciais do Alto Paranaíba4. Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Araxá5. Centro Universitário do Triângulo (Campus Araxá)

3. Ituiutaba 6. Instituto Superior de Ensino e Pesquisa de Ituiutaba7. Escola Superior de Ciências Contábeis e Administração

4. Patos de Minas

8. Fac. de Ciências da Administração de Patos de Minas9. Fac. de Filosofia, Ciências e Letras de Patos de Minas

5. Patrocínio 10. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Patrocínio11. Faculdade de Fisioterapia de Patrocínio

6. Uberaba 12. Universidade de Uberaba13. Faculdade de Ciências Econômicas do Triângulo Mineiro14. Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro15. Faculdade de Educação16. Faculdade de Agronomia e Zootecnia de Uberaba

7. Uberlândia 17. Universidade Federal de Uberlândia18. Centro Universitário do Triângulo

Fonte: SESU/MEC

O conhecimento fundamentado das necessidades regionais e da atuação das diversas IES poderá propiciar tomadas de decisão na definição da especificidade de cada Instituição e do lugar que lhe compete no contexto social e acadêmico regional e nacional.

A educação, nestes tempos de globalização econômica e de pós-modernidade cultural, tem sido considerada, pelas novas situações da sociedade e dos indivíduos, como um caminho capaz de orientar as respostas às necessidades emergentes. A qualidade aparece como a marca das novas formas de organização, produção e vida na sociedade.

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A educação é vista como um dos principais instrumentos geradores dessa qualidade, ainda que esta seja encarada de formas diferenciadas e conflitantes. A administração e a economia se preocupam com a qualidade dos resultados a ser alcançada pelo GQT - Gerenciamento da Qualidade Total; a cultura pós-moderna busca a qualidade dos indivíduos na trama do cotidiano e em sua subjetividade; os movimentos sociais desejam uma educação que garanta a qualidade de vida social no exercício da cidadania.

À Educação hoje compete estar atenta a esses apelos e passá-los pelo crivo da crítica. Cresce a convicção de que a atitude mais urgente da educação consiste em situar a pretendida qualidade no conhecimento e na prática aprofundados do processo de ensino-aprendizagem que exigem, dentre outros fatores, a formação aprimorada do docente pesquisador e o estudo cuidadoso dos aspectos organizacionais das Instituições de Educação Superior.

A qualificação do professor do ensino superior, como um elemento decisivo da qualidade da educação, se apresenta como problemática em vista dos empecilhos provocados tanto pela carência de uma formação pedagógica específica, quanto por uma tendência empiricista que deixa os conhecimentos da educação e das formas didáticas e metodológicas de ensino à experiência prática do docente e ao aproveitamento pragmático das qualidades já incorporadas pelo mesmo.

Há uma urgente necessidade de conhecer a situação dos professores no exercício de sua docência e as possibilidades das Instituições em proporcionar uma formação consistente aos alunos, voltada às suas reais necessidades de desenvolvimento cultural e de preparo para o exercício profissional e técnico.

Não se pretende que as IES da Região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba estejam no nível das grandes universidades dos centros mais desenvolvidos do País. Entretanto, elas se inserem no conjunto da Educação Superior nacional e têm a importante função de integrar a Região no contexto da produção e apropriação do conhecimento e da cultura nacional.

Assim, também delas se exige uma qualidade compatível com essa missão de ser força geradora e propulsora da cultura, do saber e da tecnologia na região.

Desta forma, a presente investigação não pretende satisfazer-se com o levantamento de dados, mas visa sobretudo envolver os estudiosos e pesquisadores da educação nas discussões destas

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História da educação

questões, por meio do conhecimento dos processos de gênese, desenvolvimento e configuração atual das IES, possibilitando-lhes o oferecimento de assessoria e apoio efetivos às IES da região no cumprimento de suas funções públicas no cenário educacional regional.

Deste modo, os objetivos que estão norteadores da investigação em curso tem por finalidade ampliar a compreensão da Educação Superior no Brasil pelo conhecimento dos processos de gênese, desenvolvimento e a configuração atual de suas instituições na região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, por meio de estratégias de pesquisa que possibilitem estabelecer os parâmetros definidores das funções das Instituições de Educação Superior no contexto atual, partindo tanto das novas disposições legais quanto das discussões gestadas no seio da sociedade civil, caracterizar o processo de gênese e desenvolvimento das IES da região e apreender a configuração das IES da região pela caracterização e análise:

da estrutura organizacional em seus aspectos acadêmicos e administrativos;

da infra-estrutura material disponível; da produção no ensino, na pesquisa e na extensão; do atendimento às demandas locais e regionais; da formação e atuação do seu corpo docente; do perfil e do fluxo de seu corpo discente.

Sem dúvida, o esforço de coleta de dados empreendido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Pedagógicas - INEP, especialmente durante as avaliações constantes do Exame Nacional de Cursos, tem ajudado nosso trabalho investigativo, mas estes dados referem-se exclusivamente a situação atual das IES nacionais. Na investigação que pretende-se dar continuidade busca-se compreender as motivações e interesses particulares que têm configurado a ação dessas instituições na região do triângulo mineiro e Alto Paranaíba.

Uma análise provisória e imediata parece mostrar que as IES da região, quase todas muito recentes e provenientes de antigas escolas de ensino fundamental e médio, ainda não tiveram o tempo de maturação e a experiência acumulada necessários para se instalarem plenamente no universo da Educação Superior. A dedicação quase que exclusiva às atividades de Ensino e a ausência da pesquisa consolidada e mesmo do contato com a pesquisa em geral são marcas dessas instituições de

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Anísio Teixeira: Vida, Obras e Movimento

Francisco Gilson Rebouças Porto Júnior1

RESUMO: O presente estudo faz um percurso sobre a vida, realizações e o pensamento de Anísio Teixeira, apontando-o como grande educador, administrador e filósofo brasileiro. Faz-se um recorte das realizações de Anísio como reitor da Universidade de Brasília, especialmente no período do Golpe Militar.

Palavras-chave: Anísio Teixeira; Universidade de Brasília; História da Educação.

ABSTRACT: The present study it makes a passage on the life, accomplishments and the thought of Anísio Teixeira, pointing it as great educator, administrator and Brazilian philosopher. A scissoring of the accomplishments of Anísio becomes as director of the University of Brasilia, especially in the period of the Military Blow.

Keywords: Anísio Teixeira; University of Brasilia; History of Education.

1 Faculdade de Educação, Universidade de Brasília.

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Introdução

Falar sobre um educador de tamanha importância não é, deveras, uma tarefa simples, mas por demais complicada. Nesta breve tentativa de resgatar uma parte da história educacional brasileira, tentarei traçar a visão deste educador que teve sempre em destaque a importância da gratuidade do ensino e de uma educação para todos, indo assim ao encontro dos ideais da Escola Nova.

Se traçarmos um breve histórico da vida deste educador, desde o seu nascimento na Bahia (em Caetité), em 12 de julho de 1900 até a sua impetuosa visão educacional e atuação firme, muito poderíamos dizer de Anísio Teixeira.

Advogado de formação, segundo Hermes Lima em seu livro Anísio Teixeira Estadista da Educação, Anísio sempre esteve apegado a uma visão de educação:

"... as duas orientações metodológicas que Anísio se manteve invariavelmente fiel: não há educação sem teoria da educação, nem educação sem o diagnóstico das situações que está chamada a resolver" (p.64).

Podemos imputar a Anísio Teixeira uma grande importância no cenário educacional brasileiro: ao iniciar seus estudos pós-graduados nos Estados Unidos entra em contato com a corrente pragmatista que se desenvolvia em vários países.

Os últimos anos do século XIX e os primeiros vinte anos do século XX são ricos nas visões educacionais: Dewey com seus escritos sobre Escola e Sociedade, Escola e a Criança, Democracia e educação; a criação da “Verein Für Kinderspsychologie” em Berlim Associação para a psicologia da criança; William James com suas Palestras pedagógicas; Freud com sua Ciência dos Sonhos e Dora; Ellen Key com A Criança do Século; Kropotkin com Campos, fábricas e oficinas; a fundação da primeira Escola Moderna por Francisco Ferrer; Lay com a Didática experimental; fundação da “Maison des enfants” em Roma por Maria Montessori; fundação École de l’Hermitage por Decroly em Bruxelas e da “Landerziehungsheim” de Holf-Oberkurch por Tobler na Suíça; fundação da escola Ferrer em Lausanne; Meumann com suas Lições para a introdução a Pedagogia experimental 1911-1915; Otto com a escola do futuro na Alemanha; Claparéde e Bovet com Maison des Petits na Suíça; A escola ativa de Ferriére e o início da experiência de Freinet em Bar-sur-Loup, para apenas citarmos a riqueza deste período.

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E é influenciado por estas visões emergentes que Anísio Teixeira vê a necessidade de uma teoria educacional indissociável de um saber prático. Anísio passa a assumir uma posição filosófica firmada no exemplo de John Dewey. Dewey foi um progressista social. Concebia a educação como um processo de recriação ou reconstrução do educando por meio da experimentação. Propunha a educação em e para o educando, sendo Anísio um dos precursores desta visão no meio educacional brasileiro.

Anísio passa a ter a visão de que o ambiente social é fundamental na escola e que, como a família já não educava como no passado, a instituição 'escola' deveria ter tal posição, diagnosticando e aplicando os meios curativos necessários.

Anísio também era político, apesar de não militar em partidos. Era extremamente atento as dificuldades por que passavam o país. Em seus escritos é expressivo um humanismo democrático e um humanismo socialista, que coincidem e dão as mãos em diversos de seus pensamentos políticos. Podemos verificar isso por ocasião do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), em que o ideário da democratização de oportunidades, mediante a expansão da educação na rede pública e gratuita para as classes menos favorecidas, o que rendeu a Anísio o título de 'comunista', apesar de não o ser. Segundo Vanilda Paiva, Anísio:

"Em 35 sai do governo e se exila na Bahia até 1946. Na ditadura Vargas ele ficou fora do governo. Para o governo que é semi-militar Anísio era um subversivo. Como muitos liberais eram. Em 64 ele volta a ser perseguido por ser liberal. Porque nesse período - final dos anos 40 até 64 - ele foi a principal figura educacional por ter ocupado postos centrais do Ministério da Educação. O INEP cuidava de tudo que dizia respeito à educação primária - da construção à pesquisa. Com a Capes ele interferia no ensino superior. Liberais e comunistas foram perseguidos. Anísio também foi fundador do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), a primeira instituição a ser fechada com o golpe militar. Roland Corbusier, Candido Mendes de Almeida, Guerreiro Ramos, Álvaro Vieira Pinto e, é claro, Hélio Jaguaribe. Anísio estava em toda essa movimentação, até contraditória, porque envolve católicos, liberais, comunistas, nacionalistas. Todos foram perseguidos pelo golpe." (PAIVA apud LAGÔA, Ana. A Utopia da educação pública.)

Em seu livro Educação não é privilégio, Anísio concebia a:

A escola pública universal e gratuita não é doutrina especificamente socialista, como não é socialista a doutrina dos sindicatos e do direito organizacional dos trabalhadores; antes são estes os pontos fundamentais por que se afirmou e

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possivelmente ainda se afirma a viabilidade do capitalismo ou o remédio e o freio para os desvios que o tornariam intolerável."(p. 55)

Anísio não foi apenas um educador teórico, mas como administrador ocupou os cargos de Inspetor-Geral do Ensino da Secretaria do Interior, Justiça e Instrução Pública na Bahia (1924-1929); de Diretor Geral de Instrução Pública na cidade do Rio de Janeiro (1931); Secretário da Educação e Saúde em Salvador (1945-1950); Secretário de Educação e Saúde da Bahia 1947-1950; diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) e da Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES (1951 e 1964; e investiu ainda na criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) em 1955, na Universidade de Brasília - UnB (1960), tornando-se membro do Conselho Federal de Educação em 1962 e, posteriormente Reitor da UnB 1964. Anísio tinha como meta a reconstrução dos ideais de uma escola pública e gratuita nos diversos níveis.

Anísio e seu pensamento

Anísio era um sonhador: pensava em educação como um processo capaz de restaurar e quebrar as diferenças tão impregnadas na sociedade de seu tempo e, envolvido no pragmatismo deweyano, achava que a escola poderia ser este instrumento de quebra.

Idealizava a educação e a escola em pelo menos cinco aspectos:

A educação é um direito

Anísio considerava a educação como um bem que não poderia ser negado, fazendo parte da formação do ser humano, de fato, um direito. Formula uma teoria democrática de educação comum, que seria pública e, em seu livro Educação é um direito, apresenta um plano para a estruturação e o financiamento dos sistemas estaduais de ensino, fundamentando-os em sua experiência quando Secretário de Educação e Saúde da Bahia.

A educação não é um privilégio

Para Anísio, a educação era dever e baseada numa consciência fundante:

"A consciência da necessidade da escola, tão difícil de criar em outras épocas, chegou-nos, assim, de imprevisto, total e sôfrega, a exigir, a impor a ampliação das facilidades escolares. Não podemos ludibriar essa consciência. O dever do governo - dever democrático, dever constitucional, dever imprescritível - é o de

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oferecer ao brasileiro uma escola primária capaz de lhe dar a formação fundamental indispensável ao seu trabalho comum, uma escola média capaz de atender à variedade de suas aptidões e das ocupações diversificadas de nível médio, e uma escola superior capaz de lhe dar a mais alta cultura e, ao mesmo tempo, a mais delicada especialização. Todos sabemos quanto estamos longe dessas metas, mas o desafio do desenvolvimento brasileiro é o de atingi-las, no mais curto prazo possível, sob pena de perecermos ao peso do nosso próprio progresso." (TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. op. cit., p.33).

A educação de base deve ser geral e humanista

Para Anísio a educação envolvia a participação da sociedade e dos movimentos que nela ocorrem, daí a necessidade de ser geral. Em seu livro Educação no Brasil (1969), Anísio afirmava:

“.... a educação formal é parte do contexto cultural da sociedade, atuando como expressão de sua continuidade e desenvolvimento. Quando a sociedade, sempre de algum modo em mudança, ou evolução, sofre uma intensificação ou aceleramento desse processo, o fator de educação, refletindo a mudança, atua como força de resistência ou de renovação, concorrendo para dificultar ou facilitar o processo de readaptação social inerente à função característica da educação dentro do processo cultural.”

A escola pública é a máquina que prepara a democracia

Referindo-se a escola pública, Anísio aponta-a como mecanismo necessário, porém reconhece os problemas existentes na máquina 'ideal' em vista do 'real':

"Proclamamos a compulsoriedade da escola. Deixamo-la a cargo dos Estados, o que foi sábio. Mas não a procuramos enraizar na comunidade local. Os municípios ficaram com uma competência supletiva. Pobres e sem recursos criaram uma escola marginal. E a situação, hoje, é a que se vê. Escolas estaduais administradas à distância, não de todo más, alienadas, porém, do espírito local e dependentes em tudo e por tudo do poder central do Estado. Enquanto as escolas eram poucas, o Estado ainda lhes dava a devida atenção. Com o crescimento do sistema escolar e a expansão das demais obrigações do Estado, vem-se tornando, cada vez mais difícil, ao Estado, administrar a sua escola. Ante o imediatismo de certas necessidades materiais do progresso geral de cada unidade, a escola vem sendo relegada no plano geral de govêrno e, por outro lado, o tipo de centralização administrativa excessivamente compacto estabelecido pelos governos estaduais impede a atenção individual às escolas, o que leva a administrá-las como se fôssem unidades de um exército uniforme e homogêneo, espalhado por todo o território" (TEIXEIRA, Anísio. O ensino cabe à sociedade. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.31, n.74, 1959. p.290-298)

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O professor tem de ser capacitado democraticamente

Anísio encarava a formação do docente e sua constante (re)capacitação como algo vital. Em reportagem afirmou:

"O magistério constitui uma das profissões em que a formação nunca se encerra, devendo o professor, terminado o curso regular, continuar pela prática e tirocínio o seu desenvolvimento... Hoje, além dessa prática e dêsse tirocínio... procura-se dar ao professor estágios, cursos e seminários destinados a apressar e sistematizar as conquistas que sòmente uma muito longa prática, e aos mais capazes, poderia dar. É o chamado "training in service", educação no cargo em expansão em tôdas as profissões de natureza, simultâneamente científica e artística." (TEIXEIRA, Anísio. Curso, estágio e seminário para formação do professor. Entrevista. Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 20 abr. 1958).

Estes eram alguns dos muitos ideais que tanto fizeram de Anísio um educador admirado e odiado por seus opositores, entre estes os defensores da escola particular e da educação religiosa. Anísio passa a ser um dos líderes intelectuais no movimento de luta em defesa da escola pública e laica e, com o início dos trabalhos para a elaboração da LDB, transforma-se no principal opositor de Dom Hélder e Carlos Lacerda, representantes da esfera católica privatista, que queriam entregar os recursos públicos às escolas privadas.

Anísio Teixeira foi o representante de um movimento por meio da qual lideranças políticas executivas procuraram estabelecer a ponte entre ciência e política. Segundo a professora Libânia Xavier em seu artigo intitulado “Reformar a escola, modernizar a cultura: Anísio Teixeira e a Educação Republicana”,

[Abriu-se] "espaço para a participação dos intelectuais na burocracia estatal, estabelecendo o comprometimento deles com as formulações da esfera política e, ao mesmo tempo, condicionando a legitimação da política à validação dos cientistas."

E nisto Anísio destaca-se, pois à frente da CAPES, deixou claro as deficiências verificadas nos diferentes níveis de ensino (primário, secundário geral e profissional, e superior), fazendo comparações com outros países, notadamente com os Estados Unidos, o que gerou afirmações de que era americanófilo.

Mas o pensamento de Anísio Teixeira não permaneceu apenas na escola pública, foi mais à frente do seu tempo e incluiu também a Universidade. Neste campo havia concebido e gerado a Universidade do Distrito Federal UDF em 1935, que reunia os educadores mais

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brilhantes do Brasil, tais como: Afrânio Peixoto, Gilberto Freyre, Hermes Lima, Roquette Pinto e, que fora fechada durante o Estado Novo. Durante todo o período do governo de Getúlio Vargas como ditador, Anísio foi afastado da vida pública. Permaneceu assim até o final do período do Estado Novo1937-1945, sendo que suas atividades permaneceram no campo da tradução de livros e correspondência com amigos e educadores.

Volta ao cenário educacional brasileiro em 1947, quando foi convidado pelo governador da Bahia, Otávio Mangabeira, para o cargo de Secretário de Educação e Saúde. Durante o período de 1947-1950, organizou os conselhos municipais de educação e fundou o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, conhecido como Escola-Parque. Nela, procurava oferecer à criança uma educação ativa e integral, da alimentação até a preparação para o trabalho e a cidadania bem próximo do contexto de Dewey/Kilpatrick. Este modelo inovador de escola foi considerado parâmetro internacional e divulgado pela Unesco em outros países.

Porém um grande sonho não seria esquecido e, retorna ao pensamento da educação superior: junta-se a Darcy Ribeiro e a outros intelectuais brasileiros e, no governo de Juscelino Kubitschek, criam uma Universidade modelo. Ribeiro relembra este período:

“Seguiram-se anos de trabalho alegre e fecundo, centrado principalmente no planejamento do sistema educacional que se iria implantar na nova capital – Escolas-parque e Escolas-classe. Inclusive e principalmente a criação da Universidade de Brasília, cuja concepção interessou vivamente a toda a inteligência brasileira, especialmente à comunidade científica. Anísio e eu discutíamos sem parar, quase sempre concordamos, mas às vezes discordávamos. Isto foi o que ocorreu, por exemplo, quando Anísio se fixou na idéia de que a UnB só devia ter cursos de pós-graduação. Afinal, concordou comigo e com o nosso grupo acadêmico, que era indispensável um corpo estudantil de base, sobre qual os sábios se exercessem, fecundamente, cultivando os mais talentosos para que eles próprios se multiplicassem. Mas a procupação de Anísio com a pós-graduação frutificou e foi na UnB, que se institucionalizou o 4º nível, como procedimento orgânico da universidade brasileira” (RIBEIRO, Darcy. A Invenção da Universidade de Brasília 1961-1995. Cartas: falas, reflexões, memórias. Brasília: Gabinete do Senador Darcy Ribeiro, 1995, p.35,36).

A UnB: modelo de vanguarda educacional

Desde a sua criação pela lei 3.998, de 15 de dezembro de 1961, a Universidade de Brasília tinha uma missão social muito forte, baseada

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nos princípios de gratuidade e igualdade. Estava na frente das expectativas educacionais e destacava-se como um modelo para as demais. Segundo Cunha e Góes:

"As novidades da Universidade de Brasília, de caráter estritamente organizacional e pedagógico, fizeram com que sobre ela recaíssem as iras dos reitores das universidades arcaicas, que se sentiam ameaçadas no conforto de seu poder pelos ventos da renovação que sopravam no ensino superior".(CUNHA, Luiz Antônio e GÓES, Moacyr de. O Golpe na Educação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985, p.81.)

Nas palavras do então Presidente da República, João Goulart, a UnB:

"Não se tratava apenas de acrescentar uma universidade mais às que já temos... O desafio... era o de conceber e planejar uma universidade modelada em bases novas que, para tôdas as demais, constituísse um estímulo e complemento... Planejada à luz da experiência nacional e internacional. Destinada a cumprir funções específicas de assessoramento aos poderes públicos em todos os campos de saber". (PLANO ORIENTADOR DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA,1962)

A Universidade de Brasília foi pensada

“(...) desde o seu primeiro momento, como um órgão de assessoramento público revestido de duas características fundamentais. Por um lado, a alta qualificação científica e, por outro lado, a completa liberdade docente e a perfeita autonomia acadêmica. Ela não poderia, por isto, ter nenhuma hierarquização interna que não fosse a dos títulos e graus acadêmicos, nem sofrer qualquer sujeição externa que coagisse seu auto-governo. Este é um imperativo inelutável para a universidade, porque, por mais sábios que sejam os seus sábios, se estes sábios tiverem uma corrente amarrada nos pés, se estes sábios estiverem com medo, mal servirão como professores, mal servirão absolutamente como assessores livre, e menos ainda para o exercício da função crucial de consciência crítica da Nação” (RIBEIRO, Darcy. A Invenção da Universidade de Brasília 1961-1995. op. cit., p.146 )

Isto estava bem dentro dos princípios tão proclamados por Anísio Teixeira e outros na visão de “liberdade”. Em seu livro A Educação e a Crise Brasileira(1956), Anísio defende a Universidade e a liberdade que esta deve ter. Ao recapitular a tradição de liberdade e razão da Grécia em seu período clássico, Anísio proclama:

“Somente quando as instituições do saber estão com a sua independência salvaguardada e a livre circulação desse saber assegura a conduta deliberada e

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refletida dos homens e a crítica e revisão constante de suas leis e instituições, é que teremos um regime de liberdade, como a concebeu a inteligência humana naquele minuto de esplendor em que teve, na Grécia, a revelação do seu poder não só de contemplar o mundo, mas de transformá-lo...” (p.263)

“E que as universidades não serão o que devem ser se não cultivarem a consciência da independência do saber e se não souberem que a supremacia do saber, graças a essa independência, é levar a um novo saber. E para isto precisam de viver em uma atmosfera de autonomia e estímulos vigorosos de experimentação, ensaio e renovação. Não é por simples acidente que as universidades se constituem em comunidades de mestres e discípulos, casando a experiência de uns com o ardor e a mocidade dos outros.” (p. 271)

Em vista deste apego aos princípios escolanovistas, não se poderia escolher administradores melhores do que os próprios idealizadores e, assim se dá: o Reitor escolhido para a Universidade de Brasília, foi o professor Darcy Ribeiro que assume em 5 de Janeiro de 1962, contando com um quadro capacitado e com uma extrema visão do papel que a Universidade de Brasília deveria ter. Entre estes estavam: Anísio Teixeira(Conselho Federal de Educação), Hermes Lima(Conselho Federal de Educação), Abgar Renault(Conselho Federal de Educação), Oswaldo Trigueiro(Ministro do STE), Frei Mateus Rocha(Provincial da Ordem Dominiciana no Brasil), Alcides da Rocha Miranda(Presidente da Fundação Cultural de Brasília) e João Moojen de Oliveira(Secretário de Agricultura do DF), que passaram a compor o Conselho Diretor da Fundação Universidade de Brasília(FUB).

O professor Darcy Ribeiro afasta-se em 19 de setembro de 1962, assumindo Frei Mateus Rocha até 24 de Janeiro de 1963, quando o professor Darcy retorna ao cargo, que deixaria novamente em 19 de junho de 1963. Nestes períodos Darcy assumiu o cargo de Ministro da Educação, e depois, de Chefe da Casa Civil da Presidência.

Anísio Teixeira assume a Presidência do Conselho Diretor da Fundação Universidade de Brasília, sendo o 4º reitor da UnB, cargo que ocuparia até 13 de abril de 1964, quando todos os membros do Conselho Diretor são exonerados pelo governo provisório dos golpistas militares. Para Vice-Reitor é indicado o professor Edgar Albuquerque Graeff. Posteriormente assume este cargo o professor Dr. Almir Godofredo de Almeida e Castro que anteriormente tinha trabalhando no INEP.

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Anísio, a UnB e o Golpe Militar

Ao assumir o cargo, Anísio deixa claro o seu papel e suas pretensões à frente da UnB:

"- Estou plenamente identificado com a idéia, com o plano e com o período de realização em que a Universidade de Brasília já se acha. Começamos o nosso trabalho com o sentimento de que o Professor Darcy Ribeiro é um homem absolutamente insubstituível na Reitoria da Universidade de Brasília. O que pretendemos fazer é não diminuir a sua obra criadora, mas ajudá-la, no período em que aqui permanecemos.... Desejo que êsse meu período de administração não seja uma pausa, mas uma contribuição de continuidade a obra de Darcy Ribeiro.... Meu esquema de trabalho, falando de modo geral (pois ainda terei um encontro com os professôres, daqui a instantes, quando ventilaremos os assuntos de imediato interêsse), poderia ser englobado no seguinte:

A construção da Universidade. Que essa construção continue em sua marcha acelerada, e que o ano de 1964 já nos encontre com um proveitoso progresso, inclusive no que se refere à urbanização de tôda a área da Cidade Universitária, do "campus", como dizemos aqui:

Estabelecer um profundo entrosamento com o campo da administração pròpriamente dita, hoje entregue ao dedicado Doutor Bichat Rodrigues:

Acelerar a dinamização da atividade acadêmica". (TEIXEIRA, Anísio. Fazer de Brasília um modêlo para a educação no País. Entrevista. Correio Braziliense. Brasília, 21 jun. 1963)

Anísio reconhecia as dificuldades que enfrentaria, não só devido a sua formação e princípios, mas às próprias condições da época:

"Mas, ao mesmo tempo, no que se refere ao assunto que nos interessa no momento, o sistema escolar, por exemplo, pode ser implantado com inovações muito dificilmente realizáveis em outros centros urbanos, onde certos conceitos já estão cristalizados, onde muitas vêzes a mentalidade reinante é impermeável às inovações". (TEIXEIRA, Anísio. Fazer de Brasília um modêlo para a educação no País. Op.cit.)

À frente da UnB, não deixou que 'a mentalidade reinante' deixasse esfriar seu ânimo e vigor em busca de uma educação mais igualitária, gratuita e laica. Passou a por em prática a proclamação que fizera em janeiro de 1963, quando apontava aquele ano como o 'Ano da Educação':

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História da educação

"O programa que... esboçou o Presidente conta com recursos - primeiro sinal de sua seriedade - e obedece a um planejamento e a certa sistematização. Não vai realizá-lo só o govêrno federal, mas todos os governos estaduais e todos os municipais...E a grande operação não é da simples expansão das escolas, mas a do seu aperfeiçoamento e de sua expansão, após melhorar-lhe a qualidade.... Dos muitos aspectos do nôvo plano nacional de educação, quero assim, acima de todos, sublinhar êste. O plano trienal para que nos convocou o Presidente da República não é, pois, mais uma panacéia educacional, mas o esfôrço total da nação para implantar um sistema educacional que nos emancipe e forme o nacional como se formaria o imigrante de que antes podíamos depender. A escola brasileira terá de ser uma escola que em nada se envergonhe das escolas dos países desenvolvidos. É assim que a queremos - nós, das classes privilegiadas - para os nossos filhos. É assim que a devemos desejar para o povo brasileiro" (TEIXEIRA, Anísio. 1963: ano da educação. Boletim Informativo CAPES. Rio de Janeiro, n.122, jan. 1963. p.1-2)

E assim também foi sonhada a UnB: como cultivadora de talentos, inovadora em seus aspectos acadêmicos e pedagógicos, moderna em suas concepções e, acima de tudo, composta por educadores que incentivavam um espírito crítico, aliás marca deste período.

Mesmo com vistas a promissores dias para a educação, as transformações econômicas, sociais e políticas instáveis levaram a uma mudança drástica. Na visão de Roberto Campos, o Golpe Militar de 1964 foi resultado de

“(...) uma crise sistêmica. Uma perda de eficiência e um colapso da disciplina, seja sindical, seja militar. Marchávamos para uma situação caótica...” (CAMPOS apud COUTO, Ronaldo Costa. Memória Viva do Regime Militar Brasil 1964-1985. Rio de Janeiro: Record, 1999, p.35)

Por que tornaram-se tão difíceis aqueles dias? Esta é uma questão que muitos historiadores fazem-se. Para muitos seriam piores do que a Ditadura do Estado Novo. Na concepção de Buffa e Nosella:

"A repressão de 1964, diferentemente da de 1935-37, surpreende os educadores no momento em que seu debate teórico-crítico e revolucionário ampliara-se enormemente". (BUFFA, Ester e NOSELLA, Paolo. A Educação Negada: Introdução ao Estudo da Educação Brasileira Contemporânea. São Paulo: Cortez Editora, 1991, p.120)

Fica evidente a posição de seus idealizadores, incluindo Anísio Teixeira que não se dobraria aos ditames militares. Nas palavras de Ribeiro:

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História da educação

“É explicável, por conseguinte, a animosidade que provocamos. Aquela universidade, nascida do otimismo da era de Juscelino, do reformismo da era Jango e do utopismo dos melhores cientistas brasileiros – que podendo antever o Brasil que pode ser, desesperam-se com o Brasil que é – não era compatível com nenhuma ordem ditatorial de objetivos antinacionais e antipopulares. A verdade inteira é que a UnB não era domesticável por nenhum sistema regressivo e repressivo. O contexto político que corresponde a ela, como atmosfera em que pode respirar e viver é o da democracia. Isto porque só em liberdade ela poderia e poderá devotar-se ao povo brasileiro com a capacidade de serví-lo não no que ele é – ou fizeram dele -, mas no que há de ser, por sua própria vontade e esforço”.( RIBEIRO, Darcy. A Invenção da Universidade de Brasília 1961-1995. op. cit., p.147)

Em 9 de Abril de 1964 o Comando Supremo da Revolução baixa o Ato Institucional n.º 1, que concentra poderes no governo(exclusivo poder de decretar estado de sítio e de apresentar emendas), impõe punições a civis(suspensão de poderes políticos por dez anos e cassar mandatos de parlamentares, bem como suspendendo por seis meses as garantias constitucionais de estabilidade dos servidores públicos) e militares que considere subversivos. De posse deste ‘ato jurídico legal’ invadem, com suas forças militares as instalações da Universidade de Brasília no mesmo dia. Nenhuma pessoa pôde entrar ou sair das dependências da Universidade, sendo professores presos. Nas recordações do professor Darcy Ribeiro claro sofrimento por que passaram estes professores e funcionários:

“Quando, amanhã, o Brasil – e dentro dele a Universidade de Brasília – conquistar a alforria para retomar o comando de seus próprios destinos, precisaremos recordar estes dias trágicos da travessia do túnel da iniqüidade. Entre eles, principalmente, o da invasão de 1964, em que, depois de assaltada por tropas motorizadas, a UnB teve diversos professores presos levados a um pátio militar para serem ali desnudados e assim humilhados por toda uma tarde. Este quadro de um magote de professores gordos e magros, velhuscos, uns secos de carnes, outros barrigudos, esquálidos, dois deles enfermos, todos nus num pátio policial não deve ser esquecido jamais: é o dia da vergonha.” (RIBEIRO, Darcy. A Invenção da Universidade de Brasília 1961-1995. op. cit., p.148)

Em 13 de abril de 1964 Anísio, bem como todos os membros do Conselho Diretor, são exonerados e é nomeado para o cargo o reitor pró-tempore Zeferino Vaz. Segundo a ata da 22ª Reunião do Conselho Diretor da Fundação Universidade de Brasília, na qual foi eleito o Presidente do Conselho Diretor e Reitor da UnB, em 04.06.1964, por ordem do Ministro da Educação e Cultura o senhor Ministro Doutor Flávio

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História da educação

Suplicy de Lacerda, fica evidente a tentativa de validar o ato golpista que afastava Anísio Teixeira e o Conselho Diretor legítimo:

“(...) o Senhor Ministro da Educação tomou a palavra, congratulando-se com os presentes e com a Universidade, pelo auspicioso acontecimento que vinha trazer para essa Entidade, na qualidade de membros do Conselho Diretor, a colaboração de eminentes homens públicos, não só aos problemas da educação superior, como longamente experimentados em diferentes e relevantes setores da vida pública cultural da nação. Notadamente, referiu-se ao Senhor Reitor “pró-tempore”, nome de alta projeção nos meios científicos nacionais e internacionais, o qual vinha prestando relevantes serviços à Universidade, na fase transitória de intervenção levada à efeito na Instituição, em decorrência do Movimento Revolucionário de trinta e hum de março (....) Em seguida, o reitor “pró-tempore” professor Doutor Zeferino Vaz, agradeceu as palavras do Senhor Ministro e manifestou a sua convicção de que a Fundação Universidade de Brasília, orientada por aquêle Conselho, constituído de legítimos representantes da cultura brasileira, todos eles padrões de dignidade, lograria atingir, em tôda a plenitude, os objetivos par que foi criada a Universidade, salientou, outrossim, que tendo tomado desde logo as providências indispensáveis para repôr no seu normal funcionamento a Universidade de Brasília esta já se achava de nôvo em condições de cumprir os seus altos destinos culturais e ser, efetivamente, a universidade modêlo do país.” (21ª a 27ª Atas do Conselho Diretor da Fundação Universidade de Brasília 1964).

Algumas Considerações

No curto período em que Anísio Teixeira comandou efetivamente a Universidade de Brasília(UnB), podemos ver estampado o sonho de uma universidade que poderia dar educação, de fato, a todas às classes, independente de seu 'status' social.

Manteve-se numa linha de atuação progressista, mas sem nunca perder de vista os ideais que tanto fizeram de sua vida uma ligação permanente com a educação: os ideais do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Estava atento às modificações por que passavam a sociedade de seu tempo e, queria uma universidade que também estivesse.

Quer à frente do INEP, quer no Conselho Nacional de Educação, bem como na Universidade de Brasília, Anísio não era domesticável, mas atuante. Sonhou e concretizou uma universidade sólida e representante de valores sociais ligados à gratuidade e ao laicismo na educação. Quando a universidade viu-se submetida, não submeteu-se, o que lhe constou sua estabilidade e posição. Quando a universidade foi silenciada, não calou-se, mas continuou a ‘gritar’ sua posição e princípios por meio de seus escritos.

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História da educação

Quando os militares, que se consideravam os donos do poder (e naquele momento estavam realmente sendo) conceberam uma universidade servil, podemos imaginar a rejeição de todos àqueles que tinham os mesmos ideais de Anísio e Darcy: estes tinham gerado uma idéia e, esta idéia era agora uma realidade – a UnB não aceitaria ser castrada.

“Frente à altivez do professorado da UnB, só restou ao deseducador com méritos de aio doméstico, recrutado pela ditadura para liquidar a Universidade de Brasília, pôr-se a procurar não quadros de reposição, que não existiam, mas quem se animasse a simular competências mínimas para continuar ditando os cursos interrompidos, diante de estudantes perplexos. A história posterior é o do passo da claudicação acadêmica à repressão policial que submeteu a UnB ao regime castrense que ela sofre até agora”. (RIBEIRO, Darcy. A Invenção da Universidade de Brasília 1961-1995. op. cit., p.148)

Esta visão, transmitida como de ‘pai para filho’ – de Anísio Teixeira e outros para professores e alunos da UnB – ficou evidente quando da destituição de 15 professores, em 1965, que segundo RIBEIRO(1995) ficou conhecido como “o episódio histórico: é o dia da diáspora ...dia em que 210 professores deixaram a Universidade de Brasília, a cidade, e a maioria deles o País”. (RIBEIRO, Darcy. A Invenção da Universidade de Brasília 1961-1995. op. cit., p.148).

Anísio foi silenciado em 11 de março de 1971, mas seus escritos continuam a “falar”a todos os que mantem o sonho de uma escola pública e gratuita.

Político com certeza, filósofo da educação sem dúvida, visionário talvez, mas brilhante e equilibrado seriam os mais apropriados dos muitos adjetivos que poderiam ser atribuídos a este educador, mas o que mais representa Anísio Teixeira seria o de sonhador.

“Quando penso na obra de Anísio Teixeira convenço-me cada vez mais de que não é nos congressos de centenas de delegados, nem nos conselhos de dezenas de membros, nem mesmo nas comissões de três ou quatro técnicos que são delineados os grandes planos. É nas discussões em que o ascendente espiritual de um só, ouvindo e escolhendo as opiniões autorizadas, determinam as medidas decisivas. Não sei onde li, certa vez, um conceito de Emerson que dizia: ‘Uma grande instituição não é, na realidade, senão a sombra prolongada de um homem’. Ora, a Secretaria da Educação do Distrito Federal com o seu Instituto de Educação e Escola de Professores, com o seu Instituto de Pesquisas Educacionais, com sua Universidade do Distrito Federal e outros departamentos, é uma grande instituição que ficará, na história da educação brasileira, como a sombra prolongada de Anísio Teixeira.” (CARVALHO, Delgado de. Anísio, Vulcão

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História da educação

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Psicologia social e educacional

Alguns Aspectos das Representações Sociais de Professores da UFMT acerca de sua Atividade Profissional

Eugênia Coelho Paredes, coordenadora; Denize Cristina de Oliveira (USP/UERJ), Carlo Ralph De Musis (UNIC), consultores; Daniela B. S. Freire Andrade, Solange T.

Gonçalves Dias, Sumaya Persona de Carvalho, doutorandas; Lúcia Shiguemi Kawahara, Sandra P. Tavares Carvalho, Sandra Geiss Lorensini, mestres; Antonia Gedy S. D. Corrêa, Larissa S. Freire Spinelli, Miriam Ross Milani, Rinalda B. Carlos,

mestrandas1

RESUMO: Tomando a Teoria das Representações Sociais de Moscovici como fundamentação, e utilizando os softwares SPSS, EVOC e ALCESTE, foram buscadas as possíveis representações sociais de quase quatro centenas de professores acerca de suas atividades acadêmicas. Eles se representam como seres ensinantes, cujos atributos pessoais sustentam o projeto pedagógico da universidade. Contraditoriamente, vivem um estado de insatisfação, atribuído às condições objetivas de trabalho. Diante das dificuldades, enfrentam o desafio da construção da pesquisa, da busca pela qualificação e do fortalecimento da extensão como estratégias para a manutenção de seu lugar de dínamo e catalisador da UFMT.

Palavras-chave: Representações Sociais, Análise Lexical, Análise Estrutural, Professores.

ABSTRACT: Taking the Theory of Social Representations of Moscovici as theoretical framework and using the softwares SPSS, EVOC and ALCESTE, the possible Social Representations of almost four hundreds of professors concerning their academic activities were looked for. The professors represented themselves as teachers, whose personal attributes sustain the pedagogic project of the university. On the other hand they live a dissatisfaction state, attributed to the objective conditions of work. Due to the difficulties, they face the challenge of the construction of the research, of the search for their professional qualification and invigoration of the extension as strategies for the maintenance of their position of dynamo and catalytic of the Federal University of Mato Grosso.

Keywords: Social Representations, Lexical Analysis, Structural Analysis, Professors.

1 Da Universidade Federal de Mato Grosso

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Psicologia social e educacional

1. Introdução

No exato centro da América do Sul, no oeste brasileiro, em Cuiabá, surgiu, há trinta anos, a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Em seu campus do Coxipó circulam, ao correr de três décadas, valores, atitudes e crenças a respeito dos mais variados aspectos da vida acadêmica. O presente trabalho se apresenta como proposta de mapeamento dessa realidade, dessa dimensão relativamente oculta, fugidia, considerada pouco quantificável, mas intensamente poderosa na condução dos comportamentos humanos: as representações sociais (RS) e seus espaços de sombra e alumbramento.

Tratou-se de pesquisar um universo em rotação: atores, cenários e circunstâncias movem-se continuamente. Se em seu início, os professores eram filhos da terra, hoje são, em sua maioria, migrantes em busca de trabalho e espaço profissional. Se os professores antigos alimentavam um ideal de construir a UFMT, os atuais vivenciam a crise da Universidade Pública Brasileira. A tarefa dos anos setenta voltava-se para a construção dos blocos de edifícios e à constituição dos departamentos, institutos e faculdades. Nos últimos anos o desafio caracteriza-se pela necessidade do fortalecimento dos grupos de pesquisa, dos cursos de pós-graduação, como forma de resistir à ameaça da avaliação das universidades, imposta pelo projeto do Ministério da Educação e Cultura.

A escolha da categoria docente como população alvo deste projeto de pesquisa se deve ao fato de que ela seja a responsável pela dinâmica institucional nos mais diferentes níveis da atividade universitária. É, assim, uma tentativa de se esboçar um esquivo, escorregadio, talvez inexeqüível perfil do professor da UFMT.

2. A amostra e sua relação com o universo

Trabalham, atualmente, no Coxipó, 1006 docentes, dos quais pretendeu-se trabalhar com 520 indivíduos. A amostra foi definida a partir do critério de proporcionalidade, que levou em consideração o número total de professores do campus cuiabano e sua lotação nos diferentes Institutos e Faculdades, assim dispostos:

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Psicologia social e educacional

Tabela 1. Distribuição de professores por Institutos e Faculdades, e amostra tomada em cada unidade.

INSTITUTO / FACULDADE N AMOSTRABIOLOGIA 31 16DIREITO 40 21ADMINISTRAÇÃO, ECONOMIA, CIÊNCIAS

CONTÁBEIS

76 39MEDICINA VETERINÁRIA 62 32CIÊNCIAS MÉDICAS 134 69EDUCAÇÃO FÍSICA 28 14ENFERMAGEM E NUTRIÇÃO 82 42ENGENHARIA FLORESTAL 30 16TECNOLOGIA E ENGENHARIA 82 42CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA 145 75CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS 108 56EDUCAÇÃO 62 32LINGUAGENS 92 48CIÊNCIAS SOCIAIS 34 18TOTAL 1006 520

3. Reverencial teórico

Uma das mais significativas potencialidades humana refere-se a capacidade de representar. Ao longo da história da humanidade o representar esteve presente, por exemplo, na escrita pictográfica, no teatro grego, no ato político de ser representante de uma coletividade. Spink (1993: 168) ressalta que a noção de representação tem sido explorada em diferentes disciplinas, tais como antropologia, economia, psicologia e psicanálise. A discussão sobre representação volta-se para o (...) poder das idéias de criar um universo simbólico compartilhado que possibilita a ação no quotidiano, de sustentar identidades grupais e de institucionalizar determinadas práticas sociais.

Dentro da Psicologia Social, com Serge Moscovici, no começo da década de sessenta, inaugura-se o estudo das Representações Sociais como um campo de saber estruturado. Na obra La Psychanalyse-son image e son public, editada originalmente na França em 1961, e traduzida em 1978 para o português, Moscovici apresenta sua primeira tentativa no sentido de sistematizar as propostas da nascente teoria. Futuras contribuições aparecem nos trabalhos dos pesquisadores que

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Psicologia social e educacional

desenvolvem e ampliam o conceito de representação social. Jodelet, citada por Sá (1996: 32) explica RS como sendo (...) uma forma de conhecimento socialmente elaborada e partilhada que tem um objetivo prático e concorre para a construção de uma realidade comum a um conjunto social.

A proposta de Moscovici rompe com o modelo norte-americano de trabalhar as questões da Psicologia Social, de caráter individualista, uma vez que a dimensão social passa a ser efetivamente levada em conta.

Segundo Jovchelovitch & Guareschi (1994: 20):

"É quando as pessoas se encontram para falar, argumentar, discutir o cotidiano, ou quando elas estão expostas às instituições, aos meios de comunicação, aos mitos e à herança histórico-cultural de suas sociedades, que as Representações Sociais são formadas."

O conceito de representação social marca a noção de homem enquanto sujeito fabricador de significados. Neste raciocínio, depreende-se que as Representações Sociais são marcadas por appartenance.2 Os sujeitos envolvidos na mesma trama social partilham representações que se encontram inseridas na rede de relações que entretêm.

As RS objetivam a diferenciação entre os universos consensuais e reificados. Para Sá (1998), o universo reificado é o saber científico formalmente elaborado, enquanto que o universo consensual caracteriza-se pela construção estabelecida nas interações sociais cotidianas, o território do senso comum, domínio privilegiado das RS. É interessante anotar que este trabalho persegue as construções do senso comum que profissionais afeitos a ciências diversas edificam na convivência cotidiana.

Na construção do senso comum estão presentes dois processos formadores de sua configuração estrutural denominados objetivação e ancoragem. Esta é processo de classificação, categorização de um objeto ou idéia acompanhada de uma dimensão valorativa construída historicamente, aquela o movimento de associar um conceito a uma imagem.

Jean–Claude Abric elaborou a Teoria do Núcleo Central, a título de complementação à teoria de Moscovici. Suas proposições básicas indicam que a representação social possui uma organização com características específicas e uma hierarquização dos elementos que a

2 Palavra francesa que significa pertença, dependência.

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compõem se estruturando em torno de um núcleo central (NC), este constituído de um ou mais elementos que dão à representação um significado.

"Como NC compreende-se (...) um subconjunto da representação, composta de um ou alguns elementos cuja ausência desestruturaria a representação ou lhe daria uma significação completamente diferente." (ABRIC, 1994, citado por SÁ, 1996: 67)

O NC aponta para funções, sendo uma geradora e outra organizadora. É ele determinado em parte pela natureza do objeto representado, e, em parte, pela relação que o sujeito ou o grupo mantêm com tal objeto. É definidor da homogeneidade de um grupo social, sendo determinado pela história desse grupo e ligado à sua memória coletiva. O NC é determinado pelas condições históricas, sociológicas e ideológicas, marcado pela memória coletiva do grupo, bem como pelo sistema de normas. Sendo normativo, é resistente a mudança, e sua função é garantir a continuidade da representação.

Paralelo a idéia de centralidade surge o conceito de sistema periférico, onde ocorrem atualizações e contextualizações da dimensão normativa, quebrando o consenso e remetendo a representação à mobilidade, à flexibilidade e à expressão individualizada.

A principal função do sistema periférico é a promoção da interface entre a realidade concreta e o núcleo central, garantindo a ancoragem da representação na realidade do momento, através da concretização, regulação e adaptação do NC da representação, defendendo sua significação como um amortecedor do impacto causado pelo confronto das diferentes significações de um mesmo objeto.

Nesta pesquisa foram buscados os conteúdos das representações sociais e delas as estruturas e suas modificações. Inúmeras, têm sido as abordagens que discutem o trabalho docente com ênfases diversas em dimensões que expressam e refletem a complexidade da atividade, nos planos pessoal e profissional.

A partir de sua análise a respeito da identidade do professor, Nóvoa (1992) afirma que ele vive uma crise gerada pela ênfase dada aos conteúdos curriculares e metodológicos. Denuncia que os estudiosos da educação se esqueceram do professor enquanto pessoa e, como tal, sujeito às pressões cotidianas. Sugere, portanto, que as pesquisas voltem-se para o desenvolvimento da identidade do professor, considerando a sua vida pessoal e profissional.

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Psicologia social e educacional

Nóvoa (1992: 10) acredita que a profissão docente

"(...) precisa de se dizer e de se contar: é uma maneira de a compreender em toda a sua complexidade humana e científica. É que ser professor obriga a opções constantes, que cruzam as nossas maneira de ser como a nossa maneira de ensinar, e que desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser."

Tomamos, ainda, como referência os estudos de Baptista (1997) sobre a identidade do professor da universidade brasileira. Ela defende o princípio de que a constituição da identidade coletiva desta categoria começa a ser compreendida juntamente com a reconstituição da história da universidade. Esta funcionaria como uma estrutura mediadora do entendimento das histórias individuais e coletivas.

Baptista (1997) identifica cinco momentos significativos para a construção da identidade do professor divididos cronologicamente: 1) do período colonial até a década de 30, quando do surgimento dos primeiros cursos superiores no Brasil; 2) 1931, marcado como o ano em que as universidades brasileiras elaboram seu estatuto; 3) a década de 50 a 64 quando se institui o caráter de professor produtor do conhecimento; 4) o ano de 64 como o marco inicial da construção coletiva da identidade estabelecendo um padrão único, 5) da década de 70 até os dias atuais voltada para a coexistência de uma imagem dupla (positiva e negativa) do professor, interiorizada de forma irrefletida e automática.

A Psicologia Social, ao estudar o processo de construção da identidade, destaca a noção de pertencimento dos indivíduos às categorias biológica, psicológica, cultural, social e ideológica, que funcionam como referências para um processo de identificação.

Santos (1998: 152-153) afirma que:

"Ter uma identidade é, ao mesmo tempo, ser alguém único, com características idiossincráticas e ser alguém igual aos outros, no sentido de compartilhar com o grupo significados comuns. (...) A identidade, portanto, se forma no jogo das relações sociais na medida em que o sujeito se apropria das regras, valores, normas e formas de pensar de sua cultura.

Ciampa (1985), procura revelar a complexidade teórica do tema e enfatiza a dialética na discussão de pólos contraditórios, porém coexistentes que compõem a identidade tais como: diferença e igualdade, transformação e permanência, individual e social, totalidade e parte, anjo e besta, uno e múltiplo.

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Codo (1985:64) mostra que aspectos estruturais contributivos à construção da identidade se definem a partir do reconhecimento recíproco dos indivíduos identificados através de um determinado grupo social e a sua prática, interpretada como trabalho. Dentro de uma concepção materialista dialética o autor ainda aponta a história da humanidade enquanto a história das relações de trabalho como fator característico da substância humana. Ele mostra que (...) é pelo agir, pelo fazer, que alguém se torna algo.(...) nós somos nossas ações, nós nos fazemos pela prática.”

Andrade (1998:142), afirma que a concepção de identidade como uma representação social predominou no Congresso de Toulouse e ensina: Identidade é uma representação do ator social, do ‘eu’, um fenômeno cognitivo em que o ator social, o ‘eu’, é o objeto de conhecimento. Revela que a identidade é composta por várias facetas mutantes, que podem manter um certo grau de contradição entre si, desde que regidas por uma organização coerente e estável. Adiante, baseando-se em Bourdieu e Gramsci, sustenta que a representação social possui ao mesmo tempo um caráter conservador e revolucionário e que a atividade representativa é um processo de construção social da realidade, apontando o caráter individual e social da representação de si mesmo.

Borsoi (1995), salienta que a categoria profissional não é o único elemento estruturador da identidade. Aponta também o papel da família, da escola e da mídia. Adiante analisa que as revoluções produtivas e as crescentes modificações nos processos de trabalho remetem a um constante redimensionamento da identidade dos homens.

O estudo da identidade remete, portanto, às dimensões individuais e grupais. A Teoria das Representações Sociais foi escolhida para estabelecer o suporte teórico vez que possibilita uma discussão articulada entre os aspectos psicológicos e sociológicos, o que se aproxima das discussões de Nóvoa e Baptista, quando estes se preocupam em estudar a vida pessoal e profissional do professor como conjunto indissociável.

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4. Instrumentos, dados e análise

4.1 O Questionário ALFAInicialmente foi preparado um questionário denominado ALFA,

aplicado em 397 docentes, sendo, concomitantemente, administrados itens configurados como de associações livres.

O grupo de aplicadoras, constituído por nove alunas do Programa de Pós-Graduação em Educação, buscou contatar todos os indivíduos da amostra definida, todavia a cota não foi alcançada porque alguns docentes encontravam-se indisponíveis, outros se declararam discordantes da participação.

O questionário ALFA constava de perguntas, com respostas fechadas em sua maioria. Elas foram organizadas a partir de categorias que os pesquisadores julgaram relevantes, após extensa discussão e troca de informações com alguns membros do corpo docente.

O material coletado foi submetido aos tratamentos estatísticos permitidos pelo software SPSS (Statistical Package for Social Sciences), que permitiram uma apreciação censitária do grupo mas também contribuíram ao entendimento de algumas correlações entre níveis de expectativa, valores e investimentos que os docentes apresentavam em relação à sua vida profissional.

Em dezembro de 1999, coletados os dados, vistos a partir da titulação e classe dos indivíduos componentes, mostravam a seguinte configuração:

Tabela 2. Docentes, por classe, nível e qualificação, em termos percentuais.

CLASSE/NÍVEL GRADUADOS ESPECIALISTAS MESTRES DOUTORES TOTAL

AUXILIAR I 85.7 34.3 3.6 19.9

AUXILIAR II 2.9 7.4 0.6 2.7

AUXILIAR III 6.5 2.4 3.4 3.8

AUXILIAR IV 12.0 1.2 1.7 4.4

ASSISTENTE I 0.9 30.1 1.7 14.2

ASSISTENTE II .9 10.8 5.2

ASSISTENTE III .9 6.6 1.7 3.5

ASSISTENTE IV 2.9 4.6 13.3 7.6

(continua)

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(continuação)

CLASSE/NÍVEL GRADUADOS ESPECIALISTAS MESTRES DOUTORES TOTAL

ADJUNTO I 2.8 1.2 32.8 6.5

ADJUNTO II 0.9 1.8 5.2 1.9

ADJUNTO III 5.6 3.0 10.3 4.6

ADJUNTO IV 2.9 21.3 25.3 39.7 24.3

TITULAR 2.9 1.9 3.4 1.4

TOTAL 100.0% 100.0% 100.0% 100.0% 100.0%

Algumas considerações, que possivelmente orientarão a leitura das RS, devem ser formuladas a propósito dos dados acima apresentados:1. A alta concentração de professores inseridos na Classe Auxiliar I explica-se pelo elevado número de docentes contratados como substitutos, que não se movimentam, por ascensão ou progressão, no quadro da carreira.2. Em oposição, a Classe de Titulares mostra um esvaziamento, que reflete o estar sendo tratada, por sucessivas administrações, como algo em extinção. A centena de professores Titulares existente nas décadas de setenta e oitenta, ao optar pela aposentadoria, não foi reposta.3. A convergência de docentes para a Classe de Adjunto, Nível IV, explica-se, em parte, como resultado do represamento causado pela ausência de concursos de acesso à titularidade. Acrescente-se ainda que, dentre os adjuntos, 31.3% são titulados apenas no nível de mestrado. São os professores que se moveram na carreira por decurso de tempo ou que mereceram ascensão à Classe de Adjunto por força de Resolução do Conselho de Ensino e Pesquisa – CONSEPE. Possível peculiaridade ao quadro da UFMT, verifica-se que, do total de especialistas que deveriam estar acomodados na classe de professores auxiliares, 7.3% são assistentes, e 30.6% são adjuntos.

4.2 As Associações Livres e o EVOCO EVOC é um software prestante à análise de vocábulos. Sua

tela de abertura apresenta o conjunto de programas a que ele submete

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as palavras para realizar as análises fatorial e de tipificação ou de agrupamento.

Figura 1. Tela de abertura do software EVOC, mostrando os diversos passos que percorre.

De fato o EVOC constitui-se em um conjunto de programas que permitem uma análise de evocações. Ele foi construído na França, por Pierre Verges e seus colaboradores, e neste estudo foi utilizada a versão 2.0, de 1999, que roda sobre plataforma Windows. Dos diversos quadros, que representam passos da análise, alguns se prestam a preparação e depuração do corpus, que neste caso foi constituído por quase 800 palavras diferentes entre si. Efetuadas as análises iniciais, as subseqüentes oferecem sugestões de categorização para os vocábulos, forma agrupamentos, analisa os valores de freqüência, a ordem de evocação, calcula médias simples e ponderadas e fornece um quadro com quatro casas.

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O ALFA prestou-se à coleta de dados para identificação da estrutura e do Núcleo Central das Representações Sociais a partir da apresentação de uma expressão geradora: “ser professor da UFMT”, que conduzia os sujeitos a oferecer uma lista de atributos por livre associação. Tais atributos, uma vez processados pelo EVOC, apresentam-se, ao final, em uma casa de quatro quadros com a seguinte configuração:

Figura 2. O quadro de quatro casas do EVOC

MÉDIA DAS MÉDIAS PONDERADAS POR ORDEM DE EVOCAÇÃO

NUCLEO ELEMENTOSCENTRAL INTERMEDIÁRIOS

MÉDIA DA FREQUÊNCIA

DAS PALAVRAS

ELEMENTOS SISTEMAINTERMEDIÁRIOS PERIFÉRICO

Embora o software forneça uma lista de possíveis categorias, neste estudo três grupos de juizes, operando independentemente, analisaram as palavras dicionarizadas, apensando-as a uma dúzia de classes categoriais, conforme ver-se-á a seguir.

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Tabela 3. Categorias, por palavras diferentes e ocorrências, em números absolutos e percentuais

CATEGORIAS Nº PALAVRAS % PALAVRAS Nº OCORRÊNCIAS % OCORRÊNCIAS

BEM-ESTAR 59 7.77 235 8.13CARÊNCIAS 34 4.47 84 2.90CIDADANIA 38 5.00 150 5.19CONFORMISMO 08 1.05 31 1.07FUTURO 30 3.95 100 3.46MAL-ESTAR 158 20.81 450 15.58PESSOAL 158 20.81 732 25.34PRODUÇÃO 17 2.23 232 8.03PROFISSÃO/TRABALHO 105 13.83 313 10.83QUALIFICAÇÃO 28 3.68 178 6.16RELACIONAMENTOS 60 7.90 182 6.30RETRIBUIÇÃO 22 2.89 153 5.29SEM CATEGORIA 42 5.53 48 1.66TOTAL 759 99.92 2888 99.94

Rearranjando as categorias, a partir do número de palavras diferentes encontradas em cada uma delas ou, a partir do número total de ocorrências teremos:

Tabela 4. Hipóteses para análise: 1 privilegiando o número de palavras diferentes, e 2 distinguindo o número de ocorrências.

Hipótese 1 Hipótese 2

Categorias Palavras Ocorrências Categorias Palavras Ocorrências

Mal-Estar 158 450 Pessoal 158 732

Pessoal 158 732 Mal-Estar 158 450

Prof./Trabalho 105 313 Prof./Trabalho 105 313

Relacionamentos 60 182 Bem-Estar 59 235

Bem-Estar 59 235 Produção 17 232

Sem Categoria 42 48 Relacionamentos 60 182

(continua)

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(continuação)

Hipótese 1 Hipótese 2

Cidadania 38 150 Qualificação 28 178

Carências 34 84 Retribuição 22 153

Futuro 30 100 Cidadania 38 150

Qualificação 28 178 Futuro 30 100

Retribuição 22 153 Carências 34 84

Produção 17 232 Sem Categoria 42 48

Conformismo 08 31 Conformismo 08 31

Total 759 2888 Total 759 2888

Encontramos duas categorias, MAL-ESTAR e PESSOAL, que apresentam o mesmo número de palavras diferentes (158), o que parece garantir, aparentemente, igual peso. Percorrendo o número de ocorrências havidas nas categorias é possível verificar que, enquanto MAL-ESTAR abriga 15.58% do total de palavras, PESSOAL contém 25.34%, o que a torna uma categoria com maior ocorrência de atributos, embora com um nível de dispersão maior. No extremo oposto CONFORMISMO (08) e PRODUÇÃO (17), apresentam-se como as categorias mais fracas. Entretanto será dentro da categoria PRODUÇÃO que iremos encontrar a palavra com o maior índice de ocorrência: o atributo PESQUISA, que comparece 101 vezes. É esse intrincado jogo de relações que o EVOC não esconde, mas que se mostra exigente da atenção e experiência do pesquisador.

Nos dados processados pelo EVOC, o professor da UFMT considera as qualidades pessoais de docentes, as características pessoais dos indivíduos, e suas experiências de mal-estar dentro da instituição, como identificadoras de si, enquanto profissional, frente à sua atividade docente.

Para fornecer um panorama geral dos resultados parece relevante que sejam mostradas as palavras com maior índice de ocorrência, enunciadas ao lado das categorias em que se acomodam. Os atributos destacados já parecem proceder a indicações do possível conteúdo das RS.

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Vai ser possível visualizar, por exemplo, que a categoria PESSOAL mostra-se como a maior contribuinte à formação do ranking, no que é seguida pela categoria PRODUÇÃO.

Tabela 5. Categorias, com seus principais atributos, por número de ocorrência

CATEGORIA N ATRIBUTOS N

BEM-ESTAR 59PRAZER 34SATISFAÇÃO 30REALIZAÇÃO 21

CARÊNCIAS 34FALTA DE INFRA- ESTRUTURA 20FALTA DE APOIO INSTITUCIONAL 11FALTA DE RECONHECIMENTO 05

CIDADANIA 38LUTAS 54COMPROMISSO SOCIAL 27POLÍTICAS 10

CONFORMISMO 08ABNEGAÇÃO 17RESIGNAÇÃO 05ACOMODAÇÃO 04

FUTURO 30DESAFIO 16ESPERANÇA 13FUTURO 10

MAL-ESTAR 158BAIXOS SALÁRIOS 58DIFICULDADES 33SACRIFÍCIOS 21

PESSOAL 158DEDICAÇÃO 95RESPONSABILIDADE 84CONHECIMENTOS 56

PRODUÇÃO 17PESQUISA 101ENSINO 60EXTENSÃO 18

(continua)

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(continuação)

CATEGORIA N ATRIBUTOS N

QUALIFICAÇÃO 28ESTUDO 48QUALIFICAÇÃO 31ATUALIZAÇÃO 26

RELACIONAMENTOS 60ALUNOS 22ÉTICA 17RELACIONAMENTO 10

PROFISSÃO/TRABALHO 105TRABALHO 69PROFISSIONALISMO 21APRENDIZAGEM 17

RETRIBUIÇÃO 22STATUS 52RESPEITO 19PRESTÍGIO 17

SEM CATEGORIA 42

É necessário, agora, ver como se acomodam categorias e atributos, nos quadrantes que o EVOC permite construir. Ao contrário do que se poderia imaginar, nem todos atributos com maior ranking de freqüência estão presentes no Núcleo Central (NC). O atributo PESQUISA se alojará entre os elementos intermediários. A explicação provém de que para identificação da estrutura da representação cruza-se a freqüência das palavras com a média da ordem de evocação de cada atributo. E é disso que resultam as quatro casas que se seguem:

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Figura 3. Atributos que compõem o NC, os elementos intermediários e periféricos.

4.24

NÚCLEO CENTRAL F OME ELEM. INTERMEDIÁRIOS F OME

COMPROMISSO 47 3,255 BAIXOS SALÁRIOS 58 4,328

CONHECIMENTOS 56 3,286 ESTUDAR 48 4,354

DEDICAÇÃO 95 3,032 LUTAS 54 4,463

ENSINO 60 3,417 PESQUISAS 101 4,376

RESPONSABILIDADES 84 2,512

STATUS 52 3,615

TRABALHO 69 3,304

18

ELEM. INTERMEDIÁRIOS ELEM. PERIFÉRICOS

DIFICULDADES 33 3,424 ALUNOS 22 4,318

PRAZER 34 3,794 ATUALIZAÇÃO 26 4,346

PROFISSIONALISMO 21 3,000 COMPROMISSO SOCIAL 27 4,556

REALIZAÇÃO 21 3,952 CRIATIVIDADE 24 4,583

RESPEITO 19 4,000 EXTENSÃO 18 5,278

SACRIFÍCIOS 21 3,048 FALTA DE INFRA-ESTRUTURA 20 4,450

SATISFAÇÃO 30 3,633 IDEALISMO 19 4,526

PERSISTÊNCIA 23 4,261

QUALIFICAÇÃO 31 4,290

O Núcleo Central das Representações mostra atributos que podemos ordenar pela média da ordem de evocações (OME), ou pela freqüência (F) dos atributos:

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Tabela 6. Atributos, ordenados por OME e por F.

ATRIBUTOS F OME ATRIBUTOS F OME

RESPONSABILIDADES 84 2,512 DEDICAÇÃO 95 3,032

DEDICAÇÃO 95 3,032 RESPONSABILIDADES 84 2,512

COMPROMISSO 47 3,255 TRABALHO 69 3,304

CONHECIMENTOS 56 3,286 ENSINO 60 3,417

TRABALHO 69 3,304 CONHECIMENTOS 56 3,286

ENSINO 60 3,417 STATUS 52 3,615

STATUS 52 3,615 COMPROMISSO 47 3,255

Em ambas alternativas encontramos no topo dois atributos: DEDICAÇÃO e RESPONSABILIDADE, características que o professor atribui a si mesmo, como qualidades de caráter pessoal. É um bom indicador para se mostrar que o NC delineado aponta para um grupo de atributos que se colocam, em sua maioria, dentro da categoria PESSOAL, derivados da produção diretamente imputável ao docente.

Verificou-se a ausência do atributo PESQUISA no NC. Embora tal palavra apresente o maior índice de ocorrência, ela não se constitui em um atributo prontamente evocado, sendo definido como um elemento intermediário. Não é diferente o que ocorre com o atributo BAIXOS SALÁRIOS. Pode-se ver no quadrante superior direito que tais atributos foram evocados, em média, como a quarta palavra mencionada pelos indivíduos. Compare-se essa posição com a do atributo RESPONSABILIDADES, que apareceu, em média, na segunda evocação.

Quanto aos elementos intermediários (quadrantes superior direito e inferior esquerdo), estes mostram atributos que se colocam em dois pólos antagônicos: de um lado BAIXOS SALÁRIOS, LUTAS, DIFICULDADES e SACRIFÍCIOS, do outro PRAZER, REALIZAÇÃO e SATISFAÇÃO. Entremeados, situam-se os verbetes que remetem às ações de PESQUISAR, ESTUDAR, REALIZAR, e, ainda, aos atributos PROFISSIONALISMO e RESPEITO.

Qual a leitura possível até aqui? O que se pode depreender de tais dados? O professor da UFMT toma como ponto pacífico que dele se origine a energia que move a vida acadêmica. Ao correr da existência da UFMT seus docentes construíram uma representação de si mesmos como pilares e sustentáculos da vida acadêmica e isto constitui o cerne

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das RS que entretêm a respeito de si mesmos, enquanto no desempenho das atividades profissionais.

O NC mostra uma composição que em tudo se assemelha à da construção da UFMT, que sempre derivou, fora e para além dos documentos e dos discursos oficiais, na tarefa cotidiana, do esforço de seus docentes, segundo se depreende dos elementos capturados pela pesquisa.

Os dados desta fase de coleta e análise clamam por uma contextualização que vai ser possibilitada pelo conteúdo verbal carreado pelas entrevistas, nas quais se constata que o primeiro quadro regular da universidade foi formado por profissionais que, em sua maioria, indispunham de preparação didático-pedagógica e que reinventavam, à luz de sua competência técnica pessoal, os caminhos para a discussão dos saberes e trocas com o corpo discente.

Criada oficialmente em 1970, agregando professores oriundos dos núcleos geradores que foram a Faculdade Federal de Direito e o Instituto de Ciências e Letras de Cuiabá, já no meio da década, ao custo de imensos sacrifícios pessoais, levas de professores dirigiram-se, anualmente, aos centros de excelência do país, em busca de qualificação no nível de mestrado e doutorado. Tal movimento construiu os alicerces do NC, no qual os conhecimentos encontram-se pareados ao compromisso, à dedicação, às responsabilidades com que se encarava o trabalho, o ensino. A titulação sempre foi, igualmente, fonte de status, que também provinha da excelência que se construía para a atividade docente.

Edificaram-se, assim, significados para o “ser professor da UFMT”, e o NC não pode ser lido somente como um elenco de palavras que constituem o cerne das RS, mas como revelador de um processo social de construção das mesmas RS, que fica submerso na história calada da instituição, quer pela ausência ou retração de tantos de seus atores, quer pela função perversa da memória social, que, por força de movimentos e de interesses, lança ao limbo os trajetos percorridos.

Os elementos intermediários apontam para a realidade imediata, para a trama presente. Assim os elementos periféricos (quadrante inferior direito) apresentam-se voltados ao cotidiano profissional do professor: alunos, atualização, qualificação, criatividade e falta de infra-estrutura ocupam esse espaço.

Que perfil é esse que de si, neste momento, traça o professor da UFMT? As principais indicações, detectadas na análise conjunta dos dados do Questionário Alfa e do EVOC são as seguintes:

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1. Docente parece não experimentar dúvidas de que seus mais adequados descritores estejam associados às características pessoais, que respondem por um quarto de todas as indicações (25.34%). São importantes, igualmente, os elementos que constituem o que se denominou como mal-estar (15.58%), no desempenho de suas atividades profissionais;

2. Docente a si atribui baixo nível de conformismo em oposição a uma boa dose de cidadania. Ao que parece é a partir dos elementos da retribuição (status, respeito, prestigio) e da cidadania (lutas, compromisso social, políticas) que ele se desapega do conformismo e busca seu bem-estar;

3. Papel docente no ensino e na pesquisa estão correlacionados, assim como o papel docente na pesquisa e o nível de investimento que o professor faz em sua carreira. Quando se questionou sobre investimento na carreira fez-se o esclarecimento de que esse fator dizia respeito à pesquisa, publicação, qualificação, aquisição de livros e/ou equipamentos e participação em eventos científicos, atividades que dependem, como regra, de iniciativa e custeio por parte do docente;

4. Professor se representa em uma situação na qual sujeita-se à desvalorização, sacrifícios, dificuldades e baixos salários, propiciatórios a um sentimento de mal-estar, compensado por comportamentos típicos da relação de emprego, da produção e da qualificação;

5. A linha emancipatória do grupo pode estar presente na tendência segundo a qual quanto maior o investimento na carreira maior a importância atribuída à pesquisa. Além disso, a análise conjuntural parece ser mais bem desenvolvida entre os professores com maior titulação e envolvimento na carreira, o que, por sua vez, faz oscilar a perspectiva de futuro, caracterizando-a, entre estes, de forma pessimista. Esta parece ser uma das possibilidades de ressignificação da realidade e construção de novos pressupostos para a identidade do professor da UFMT.

4.3. Entrevistas e ALCESTEForam realizadas 49 entrevistas, com docentes de todos os

Institutos e Faculdades. O material coletado recebeu formatação específica para processamento pelo software ALCESTE, um programa

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desenvolvido na França por Max Reinert, aqui utilizado em sua versão 4.0, de 1999.

Algumas variáveis foram consideradas para a preparação do texto a ser analisado: sexo, instituto ou faculdade de lotação, titulação máxima obtida pelo entrevistado, classe em que se enquadra, tipo de vínculo que mantém com a instituição, tempo de casa e idade.Com base nos dados processados pelo programa de análise textual, o corpus constituído pelas entrevistas se organizou em cinco classes, que podem ser visualizadas no seguinte dendrograma:

Figura 4. Dendrograma, as classes e suas ligações.

----|----|----|----|----|----|----|----|----|----|

Cl. 1 ( 285uce) |-------------+ 15 |---------+ Cl. 3 ( 265uce) |-------------+ | 16 |-------------------+ Cl. 2 ( 338uce) |-----------------------+ | 17 |---+ Cl. 5 ( 737uce) |-------------------------------------------+ | 18 |+Cl. 4 ( 175uce) |-----------------------------------------------+

Segundo a leitura interpretativa dos resultados, foram estabelecidos, para cada classe, nomes que servem como descritores das mesmas:

C 1: CONFLITOSC 2: RELAÇÕES PESSOAIS E ENGAJAMENTO POLÍTICOC 3: PRÁTICA DOCENTE E FORMAÇÃO PROFISSIONALC 4: CIRCUNSTÂNCIAS E CRITÉRIOS DE INGRESSO NA UFMTC 5: ANÁLISE CONJUNTURAL DA PROFISSÃO

Observa-se, no dendrograma, a existência de uma forte aproximação entre as classes 1 e 3. Ambas mostram sua ligação com a classe 2. A classe 5 acopla-se a esse conjunto das três primeiras, justificando sua designação de análise conjuntural. A classe 4 se apresenta com maior diferenciação no cotejo com as outras.

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A partir do relatório oferecido pelo ALCESTE, analisou-se a força de ligação das palavras em cada classe, bem como o contexto em que elas emergiram. A discussão das categorias permitiu identificar a qualidade da contribuição de cada classe, em um discurso articulado do grupo.

A classe 1 surge mais fortemente no nível da problematização que o professor faz sobre a função social da universidade e do seu papel social. Este processo é vivenciado como uma pressão social caracterizada como algo próximo a uma cobrança, que se dá em três níveis: social, institucional e individual. Essa classe também tem uma apresentação em outras categorias, com as quais se encontra menos envolvida, realizando uma indicação das mesmas. É aí que ela toca nas relações de conflito, na prática docente e na infra-estrutura. A ponte entre essas três categorias e a função social é a capacidade de analise conjuntural que o professor mostra-se interessado em fazer.

O professor fala de seus conflitos a partir da competência acadêmica, das relações interpessoais na universidade e o papel social da UFMT. Pode-se perceber argumentos que dão indícios da preocupação do professor no que se refere à competência acadêmica, no sentido de dar cumprimento ao papel social que dele se espera. Tais percepções parecem ser vivenciadas como cobranças advindas dos níveis social, institucional e individual. A função social da UFMT surge como cobrança e crítica da sociedade ao professor.

As relações interpessoais são permeadas por conflitos e estereótipos. A classe 1 delineia um conteúdo ligado à relação entre conflitos e cobranças, onde a competência acadêmica é questionada a partir de um discurso marcado por expressões do tipo - pôxa!, está entendendo?-, significativas do ponto de vista afetivo, em um movimento que ora assemelha-se a um desabafo, ora a um pedido de empatia e identificação. Nesta classe o professor problematiza a ética de suas relações com os colegas, e seus reflexos na articulação política da sua categoria. Dependendo das relações interpessoais que estabelece, ele se coloca mais, ou menos, próximo das instâncias representativas da categoria.

Na classe 2 delineia-se um universo relacional mais denso, concentrando aspectos das relações pessoais e coletivas. A dimensão pessoal revela maior fluidez nas trocas sociais que se sustentam nas esferas micro e macrossocial, intradepartamental e interpessoal. Entretanto, na medida em que o professor se refere às suas relações

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com outros departamentos, ou mesmo com as instâncias administrativas superiores, tal aspecto não se confirma.

No âmbito coletivo observa-se que o professor pensa o engajamento político a partir de sua participação na ADUFMAT, a associação que congrega a classe. A participação tende a se dissipar em função da percepção experimentada pelo professor da existência de vínculos pessoais preferenciais se sobrepondo aos ideais de relações democráticas.

O afastamento que o professor experimenta em relação a ADUFMAT é nomeado como falta de envolvimento, constituindo-se, por um lado como uma resposta à discordância para com os processos decisórios da categoria, e, por outro, uma ausência de reação, um descomprometimento.

A classe 3 caracteriza a prática docente referente às faltas e necessidades experienciadas. As faltas são apontadas nos eixos da formação pedagógica e de infra-estrutura. No que concerne à formação pedagógica parece haver um distanciamento entre o saber e o saber fazer. O professor enfatiza a contraposição do saber técnico com o saber pedagógico. Como reflexo da formação o professor assinala a relação professor-aluno caracterizando-a pela cumplicidade e comprometimento profissionais, apontando para uma relação entre competência e sedução.

A infra-estrutura aparece através de problemas cotidianos que emperram o projeto pedagógico do professor.

Nesta classe observa-se o apontamento para a superação voltada para os cursos de capacitação continuada.

Na classe 4 a temática sobre a forma de ingresso na UFMT configurou-se como eixo para o professor discorrer sobre a intersecção da história institucional com sua história de vida pessoal, familiar e profissional. Evidencia-se uma tendência à aproximação gradual da condição de professor substituto à de professor efetivo, inserido plenamente no quadro regular de docentes da instituição. À medida que se desenvolve tal percurso, corre, em paralelo, a adesão mais ampla e mais profunda do destino pessoal ao institucional.

A forma de ingresso percorre um gradiente que abrange desde simples entrevistas e testes de seleção até concurso público de provas e títulos. Neste contexto, surgem dimensões informais como os convites advindos de contatos profissionais extra-acadêmicos.

É aqui que se retoma a discussão provocada pelos dados do NC, obtido através do EVOC: as formas de ingresso a UFMT contribuíram, decisivamente, para a construção, ao longo do tempo, da RS do

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professor. As trajetórias pessoais, que afirmamos por vezes negadas pela função perversa da memória social vertida nos textos oficiais, afloram entremeadas à construção da própria universidade, denunciando que as adesões pessoais, tanto à carreira, quanto à qualificação e exercício profissional, demandaram decisões e esforços do quadro docente, mais que da instituição.

Na classe 5 o professor faz uma análise de conjuntura. Busca subsídios no eixo temporal para compreender o presente e delinear o seu futuro na UFMT. A temática central desta classe gira em torno das insatisfações, desconfortos e desprazeres do professor.

Na dimensão presente pode-se dizer que o professor nomeia o seu mal-estar caracterizado por aspectos tais como: baixos salários, aposentadoria precoce, ameaça de privatização e da morte institucional. O professor revela conflitos da ordem de escolha entre aposentadoria e investimento na carreira. Parece acreditar que só a qualificação pode proporcionar o equilíbrio da auto-estima em relação a seu papel docente.

O enfrentamento ao mal-estar parece ser contraposto com a imagem social de profissional sério, potente e capaz de auxiliar a sociedade no sentido da luta pela cidadania.

Na dimensão do futuro, o professor nomeia as suas perspectivas voltadas para a potencialização da UFMT, tomando a capacitação como estratégia para conseguí-la, estando a pesquisa implícita neste processo.

A partir dos dados fornecidos em formato de dendrograma, pode-se destacar a forte relação entre as classes 1 e 3, o que aponta a proximidade dos conteúdos destas. A falta, compreendida enquanto problematização, e a cobrança podem ser tomadas como eixos aproximativos das classes. Enquanto na classe 1 a falta é apontada a partir de uma cobrança explícita na fala do professor, na classe 3 a cobrança pode ser identificada implicitamente na preocupação com a competência acadêmica marcada pelas limitações da formação pedagógica do professor.

O ponto de aproximação que se evidencia nas classes 1, 2 e 3 concentra-se na questão das relações interpessoais (especialmente nas que são entretidas com os que se encontram mais próximos) e seus reflexos no projeto político-pedagógico da instituição.

Nas relações entre as classes 1, 2, 3 e 5 observa-se a capacidade do professor problematizar e analisar aspectos de sua profissão.

A classe 5 caracteriza-se por ser aquela que se mostra mais significativa no que concerne aos dados textuais, uma vez que suas

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freqüências e os 2 são os mais altos. As palavras aparecem associadas, formando um corpo e uma estrutura bem definidos, cuja temática revela uma análise conjuntural da profissão, e, provavelmente por isso, esteja mais próxima das classes 1, 2 e 3.

A classe 4 se diferencia das demais em função de seu caráter mais narrativo e menos analítico.

5. Aproximação das análises do EVOC e do ALCESTE, a partir da categoria pessoal

A significativa presença da categoria PESSOAL no quadrante superior esquerdo processado pelo EVOC, o locus em que se alojam os atributos que apontam para o núcleo central das representações sociais, sugeriu uma análise aproximativa entre os resultados oriundos do EVOC e aqueles fornecidos pelo ALCESTE. A presença dos atributos pesquisa, extensão e qualificação no sistema periférico, contextualizados mediante uso do material das entrevistas, também remetem a considerações relevantes.

No quadrante referido constatou-se a existência de uma forte tendência do professor em se definir através de atributos pessoais tais como competência, responsabilidade, dedicação. O questionamento voltava-se para buscar e conhecer a forma pela qual uma tendência similar pudesse estar contemplada nas entrevistas. Assim, a pergunta proposta como ponto de partida para a análise foi: como o professor se caracteriza a partir de adjetivos, verbos, e expressões? De forma subsidiária, visando amplificar o entendimento, utilizou-se o conceito de identidade enquanto representação do eu, de um eu voltado à atividade prática, ao trabalho, e a um grupo de pertencimento.

1. Classe 1: sujeito da açãoO professor parece se perceber como sujeito, consciente da sua

função social. Através das expressões “eu leio”, “eu me pergunto”, “eu vou assistir a um filme”, “eu me preocupo”, pode-se dizer que ele se representa como um sujeito que busca informações através das quais problematiza sua realidade, percebendo as relações de conflito, bem como seus reflexos na sua identidade pessoal e profissional.

É possível observar a dinâmica da atitude do professor com relação ao investimento na profissão que oscila entre desgaste emocional e a potencialização da credibilidade na carreira. A questão da competência no campo da investigação científica se apresenta, inclusive, no questionamento que estabelece em relação a este trabalho de pesquisa.

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2. Classe 2: sociabilidade e engajamento políticoO professor possui uma competência social evidenciada na forma

de envolvimento no âmbito das relações pessoais imediatas, qualificadas, por ele mesmo, como excelentes ou muito boas, mais próximas e respeitosas no que se refere à relação professor-aluno.

Na dimensão institucional, o professor se caracteriza como desprovido de envolvimento e de comprometimento, mantendo relações por vezes apenas suportáveis e de competição.

Nos dois casos, encontra-se na fala do professor a compreensão de sua sociabilidade.

3. Classe 3: mediação e competência técnico-pedagógicaO docente se percebe como engajado em sua prática

pedagógica, preocupado com a construção do conhecimento, com seu discernimento no que concerne à mediação, implicando na sua capacidade interpretativa do outro - o aluno.

O professor se representa como capacitado a se transformar e buscar uma faceta mais humanitária no processo de sua formação pedagógica.

A procura pela competência técnica aparece diretamente associada à relação professor-aluno. Quanto mais competente possa ser o professor, menores são as chances de uma relação permeada pela descaracterização da sua autoridade legitima.

4. Classe 4: autonomia na construção da carreira docenteEvidencia-se a potência do professor, e mais ainda, isto se dá

quando vivenciou os rituais de seleção e concurso público para acesso à carreira e ao quadro regular, processos em que ocorre uma exposição e aprovação da sua competência técnica. Observa-se, então, a significativa autonomia que o professor percebe quanto à administração pessoal de sua carreira e de sua ascensão funcional.

5. Classe 5: competência acadêmica e capacidade para construir a excelência

A problemática ligada à questão da excelência da Universidade Pública põe em causa a competência do professor, na forma de pressão social, identificada e analisada por ele. A essa força de coação, que aponta para a degeneração, a degradação da competência da Universidade e de seu professor, ele reage reafirmando o seu perfil de pesquisador, o seu status social reconhecido pela comunidade, e seu projeto de futuro para a sua carreira e para a UFMT. É aqui que o docente se caracteriza como esperançoso e desejante. O professor acredita em um melhor destino para a UFMT, e se coloca como sujeito

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histórico capaz de tomar, frear e reconduzir para melhores caminhos o indesejado projeto de privatização da universidade pública.

Pode-se dizer que, de forma geral, o professor problematiza e analisa as suas competências sejam elas de sociabilidade, técnico-pedagógicas ou acadêmicas.

Nas análises dos quadrantes e das classes processados pelos softwares EVOC e ALCESTE, respectivamente, evidenciou-se um interessante movimento dos atributos ensino, pesquisa, extensão e qualificação.

Embora pesquisa tivesse sido o atributo mais evocado, ainda assim ele permaneceu no sistema periférico, o que não aconteceu com o atributo ensino, menos evocado, entretanto presente no núcleo central. Levando em conta o princípio de identidade, que aponta para a noção de que o homem se constrói no seu fazer, traduzido na forma de trabalho, constata-se que a representação do professor da UFMT centraliza-se no ensino e não na pesquisa e extensão.

Considerando a função do sistema periférico, que se presta ao reconhecimento das necessidades de mudança e de promover a adaptação à realidade imediata, tem-se na pesquisa, extensão e qualificação três atributos que, pela análise das classes, funcionam como ferramentas de reação e resistência do professor à conjuntura política da universidade brasileira, uma vez que os mesmos são reconhecidos como indicadores que regem a avaliação institucional proposta pelo MEC e que atinge a imagem social do professor, refletindo em sua identidade.

Ainda no sistema periférico, pode-se destacar a presença da insatisfação do professor evidenciada pelos atributos BAIXOS SALÁRIOS, DIFICULDADES, SACRIFÍCIOS, FALTA DE INFRA-ESTRUTURA, contrapostos aos atributos relacionados a bem-estar e retribuição tais como: PRAZER, REALIZAÇÃO SATISFAÇÃO E RESPEITO. É quando se põe em evidência o quanto pode o sistema periférico funcionar no sentido de oferecer sustentação ao núcleo central.

6. Considerações finais

O professor da UFMT se representa como responsável por fazer a universidade delinear e seguir uma direção. Para ele, suas características pessoais são o que sustenta a vida acadêmica. Procedem dele as decisões quanto às ações de ensinar, se qualificar, pesquisar e trabalhar com a comunidade, para conseguir manter e justificar sua trajetória enquanto professor de uma universidade pública. O professor

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da UFMT se representa como um ser ensinante, cujos atributos pessoais sustentam o projeto pedagógico da universidade.

Contraditoriamente, vive um estado de insatisfação, atribuído às condições objetivas de trabalho. Diante das dificuldades, enfrenta o desafio da construção da pesquisa, da busca pela qualificação e do fortalecimento da extensão como estratégias para a manutenção de seu lugar de dínamo e catalisador da UFMT.

O prumo e o rumo estão em suas mãos.

7. Bibliografia

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Notas de leitura / Resumos / Resenhas

Discutindo o Projeto de Educação Assistida por Meios Interativos na Universidade Federal Fluminense

Helena Amaral da Fontoura1

Luiz Antonio Botelho Andrade2

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo sinalizar questões que precisam ser discutidas no âmbito da Educação à Distância (EAD) pelas Universidades que estão implementando iniciativas neste setor, no sentido de clarificar e qualificar as possíveis posições a serem tomadas. Pretendemos, também, divulgar e comentar alguns pontos do documento elaborado pelo grupo da Universidade Federal Fluminense organizado pela PROAC (Pró-Reitoria de Assuntos Acadêmicos) para discutir e redigir o Projeto Pedagógico da UFF. Inicialmente, contextualizamos as questões epistemológicas, operacionais e políticas, articulando a idéia de projeto em construção, para, então, discutir os pontos-chave do Projeto Pedagógico da UFF para esta modalidade educativa. Propomos um convite à discussão, na medida em que sabemos ser esta uma área limite, de urgência, que se apresenta como necessária mas que tem sua dimensão de desconhecimento ainda muito grande.

1 Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense.2 Instituto de Biologia, Universidade Federal Fluminense.

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Notas de leitura / Resumos / Resenhas

A Importância da Formação de Grupos de Estudos para os Acadêmicos do Curso de Licenciatura Plena em Educação Básica de 1ª A 4ª Séries Modalidade a Distância de Alta Floresta Oferecido pelo Instituto de Educação / NEAD / UFMT

Solange dos Santos, Dirceu Blanski , Jocelita G. Tozzi 1*

RESUMO: "A partir dos anos 70, a EAD começou a distinguir-se como modalidade não convencional de educação, capaz de atender com grande perspectiva de eficiência e qualidade os anseios de universalização do ensino e também como meio apropriado à permanente atualização dos conhecimentos gerados de forma cada vez mais intensa pela ciência e cultura humana” (Nunes, l999). Comumente os alunos têm fortes influências dos métodos tradicionais calcados na presencialidade e são pouco educados a estudar a partir de seu próprio esforço. Diante das características da EAD, ser estudante nesta modalidade significa ter capacidade de auto-organizar-se, ou seja, é necessário aprender a aprender e isso constitui-se como recurso importante para o estudante a distância, mesmo para os projetos que sejam fortemente baseados nas recepções grupais é preciso que o indivíduo seja considerado como único, com características que lhes sejam próprias e por isso mesmo respeitadas. No município de Alta Floresta, é bastante visível a preocupação dos acadêmicos em procurar se organizar em grupos de estudo encontrando nesta forma de organização, uma maneira diferenciada de estudar nesta modalidade, que possa contribuir com uma compreensão mais eficaz dos conteúdos e reflexões que o curso propõe em cada área de conhecimento. Neste sentido, é visível na nossa experiência, ainda que bastante incipiente, que a organização dos acadêmicos em grupos de estudos organizados por eles mesmos com dias e horários estipulados para reflexões, debates, e trocas de experiências tem sido significativa. Os acadêmicos

1 Orientadores Acadêmicos do NEAD – Alta Floresta* Contato: Solange dos Santos – NEAD/Alta Floresta/MT – E-mail: [email protected]. End. Postal: Sec. Mun. Educação de Alta Floresta. Cx. Postal 209 – CEP:78580-000. Fone:521-4918.

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Notas de leitura / Resumos / Resenhas

oriundos destes grupos, demonstram ter maior segurança e facilidade em expor sua compreensão acerca dos conceitos estudados, bem como articulação destes, com a sua prática profissional e vivência na sociedade; isso tem sido demonstrado tanto no contato estabelecido com o orientador acadêmico como na produção das avaliações formais.

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Notas de leitura / Resumos / Resenhas

Os Conhecimentos Profissionais em Professores de Matemática

Maria Elizabete Rambo Kochhann1

Marta Maria Pontin Darsie2

RESUMO: Nosso trabalho tem como tema os conhecimentos profissionais da docência em Educação Matemática onde propomos investigar a presença desses conhecimentos nos professores egressos da UFMT/CUR, que atuam na rede pública do ensino fundamental de Rondonópolis/MT. O referencial teórico construído nesse trabalho, considera os conhecimentos da docência sobre o ponto de vista de educadores/pesquisadores de diferentes países. A partir dessa revisão foi possível elencar conhecimentos profissionais necessários a atuação do professor de matemática, dentre os quais optamos por investigar os seguintes: conhecimentos psicopedagógicos; conhecimento do contexto; conhecimento didático-metodológico, conhecimento do conteúdo matemático; conhecimento da ciência e conhecimento pessoal profissional. A nossa proposta para esta comunicação é apresentarmos os critérios e instrumentos utilizados para a localização e seleção dos professores sujeitos de nossa investigação e explicitarmos as definições teóricas a cerca dos conhecimentos profissionais dos professores de matemática com os quais estamos trabalhando em nossa pesquisa.

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação/ IE/ UFMT. Contatos: Rondonópolis/MT - Av. Central, 425 - Bairro Sagrada Família - CEP: 78.735-200. E-mail: [email protected] Professora-orientadora, Programa de Pós-Graduação em Educação e Departamento de Ensino e Organização Escolar, IE / UFMT.

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Informes da pesquisa e da pós-graduação

Apresentação

As dissertações defendidas no primeiro semestres de 2001 confirmam a existência de uma amadurecida articulação entre a produção desses trabalhos e o desenvolvimento das linhas de pesquisa no Programa. Essa tendência expressa também o impacto positivo que a recente reformulação ocorrida no PPGE teve sobre os trabalhos produzidos.Ainda que neste momento o numero de defesas não mostre a atual dinâmica de crescimento do Programa os indicadores de produtividade permitem prever que, em breve tempo, haverá um aumento significativo de dissertações concluídas.

A historia recente do Programa mostra que ele passa atualmente por um efetivo processo de consolidação.Existe, neste momento, todo um esforço para que ele possa afirmar-se como uma referencia para a pesquisa em educação no Centro Oeste. Neste sentido todas as dissertações, cujos resumos estamos publicando neste numero da Revista de Educação Publica, demonstram qualidades acadêmicas que esperamos recebam o reconhecimento de estudiosos e pesquisadores da educação.

Informo que todas as dissertações defendidas no PPGE estão à disposição do público no CETEDE, biblioteca especializada em educação localizada no Instituto de Educação da UFMT

Manoel Francisco de Vasconcelos MottaCoordenador do Programa

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Informes da pesquisa e da pós-graduação

Defesas de dissertações no primeiro semestre/ 2001

Título Autor Professores componentes da banca Data

O diretor e suas concepções de educação: Influência na efetividade do processo de ensino em escolas da rede pública de Cuiabá

Suely Aparecida Lopes de Freitas

Dr.ª Maria José Pereira Monteiro de Almeida (UNICAMP)Dr.ª Izumi Nozaki (UFMT)Dr. Sérgio Roberto de Paulo (presidente)

26/01/ 2001

Universidade Federal de Mato Grosso: mémórias de uma conquista

Renata Neves Tavares

Dr.ª Maria de Lourdes Fávero (UFRJ)Dr.ª Maria Lúcia R. Muller (UFMT)Dr.ª Artemis A M Torres (presidente)

29/01/ 2001

A evasão nos cursos de graduação da Universidade Federal de Mato Grosso, campus universitário Cuiabá – 1985/2 a 1995/2

Tereza Christina Mertens Aguiar Veloso

Dr.ª Marília Costa Morosini (UFRGS)Dr.ª Maria Ignez Jofre Tanus (UFMT)Dr. Edson Pacheco de Almeida (presidente)

30/01/ 2001

Contextos convencionais: um americano aprendendo no Brasil

Julie Kellen de Campos Borges

Dr.ª Marilda do Couto Cavalcanti (UNICAMP)Dr.ª Maria Inês Pagliarini Cox (UFMT)Prof.ª Dr.ª Ana Antônia de Assis Peterson (presidente)

13/02/ 2001

Educação Ambiental: a representação social dos catadores de materiais reciclados de Cuiabá-MT – estudo de caso

José Aparecido Thenquini

Dr.ª Rosa Maria Melloni (USP)Dr.ª Miramy Macedo (UFMT)Dr.ª Ermelinda Maria De Lamônica Freire (presidente)

08/03/ 2001

Novos Rumos da educação matemática: uma visão histórica e epistemológica de cálculo

Alexandre Silva Abido

Dr.ª Circe Mary Silva da Silva Dynnikov (UFES)Dr. Sérgio Roberto de Paulo (UFMT)Dr. Michael Otte (presidente)

08/03/ 2001

Sucesso/Fracasso escolar: o pensamento do professor das séries iniciais de Cuiabá – Mato Grosso

Célia Regina Teixeira Shimazu

Dr. Miguel Gonzalez Arroyo (UFMG)Dr.ª Izumi Nozaki (UFMT)Dr. Paulo Speller (presidente)

13/03/2001

Migração e rotatividade escolar na área madeireira de Sinop/MT

Maria Ivonete de Souza

Dr.ª Lígia Martha Coimbra da Costa Coelho (UNIRIO)Dr. João Carlos Barrozo (UFMT)Prof. Dr. Izumi Nozaki (presidente)

30/03/2001

Rev. Educ. Pública, Cuiabá, v. 10, n. 18, jul.-dez. 2001.176

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Informes da pesquisa e da pós-graduação

Título Autor Professores componentes da banca Data

Educação libertadora e educação à distância: a perspectiva do educador militante de Colíder

Rosa Maria Camargo da Silva

Dr. José Eustáquio Romão (CES/JF)Dr. Paulo Speller (UFMT)Dr. Antônio Carlos Máximo (presidente)

03/03/ 2001

Escolarização e trabalho: o desafio do discente trabalhador no ambiente rural: um estudo de caso

Maria de Fátima Ribeiro Barbosa

Dr. Sírio López Velasco (FURG)Dr Gernano Guarim Neto (UFMT)Dr.ª Miramy Macedo (presidente)

02/05/ 2001

Contribuições ao ensino fundamental: elementos da prática pedagógica do (a) professor (a) de ciências

Simone Maria Marques

Dr. José Francisco Vianna (UFMS)Dr. Sérgio Roberto de Paulo (UFMT)Dr.ª Mauricéa Nunes (presidente)

02/05/ 2001

Da grafia à ortografia: o percurso de aquisição da escrita ortográfica de alunos da 2.ª série do Ensino Fundamental

Cézar Afonso Borges

Dr.ª Maria Elias Soares (UFCE)Dr.ª Maria Inês Pagliarini Cox (UFMT)Drª Alice Maria Teixeira de Sabóia (presidente)

18/06/ 2001

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