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DESVENTURAS DOS PROFESSORES NA FORMAÇÃO PARA O CAPITAL

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Desventuras Dos professores na formação para

o capital

Série Educação Geral, Educação Superior e Formação Continuada do Educador

Editora Executiva

profa. Dra. maria de lourdes pinto de almeida – unoesc/unicamp

Conselho Editorial Educação Nacional

prof. Dr. afrânio mendes catani – usp

prof. Dra. anita Helena schlesener – ufpr/utp

profa. Dra. elisabete monteiro de aguiar pereira – unicamp

prof. Dr. João dos reis da silva Junior – ufscar

prof. Dr. José camilo dos santos filho – unicamp

prof. Dr. lindomar Boneti – puc / pr

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profa. Dra. maria eugenia montes castanho – puc / campinas

profa. Dra. maria Helena salgado Bagnato – unicamp

profa. Dra. margarita victoria rodríguez – ufms

profa. Dra. marilane Wolf paim – uffs

profa. Dra. maria do amparo Borges ferro – ufpi

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prof. Dr. sidney reinaldo da silva – utp / ifpr

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Conselho Editorial Educação Internacional

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prof. Dr. antonio Bolívar – facultad de ciencias de la educación/Granada

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prof. Dr. antonio teodoro – universidade lusófona de Humanidades e tecnologias

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profa. Dra. silvina larripa – universidad nacional de la plata

profa. Dra. silvina Gvirtz – universidad nacional de la plata

olinda evangelistaallan Kenji seki

artur Gomes de souzamauro titton

astrid Baecker avila

Desventuras Dos professores na formação para

o capital

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Desventuras dos professores na formação para o capital / olinda evangelista... [et al.]. -- campinas, sp : mercado de letras, 2019. – (Série Educação Geral, Educação Superior e Formação Continuada do Educador)

outros autores: allan Kenji seki, artur Gomes de souza, mauro titton, astrid Baecker avila Bibliografia.isBn 978-85-7591-549-3 1. educação 2. educação a distância 3. professores – formação i. evangelista, olinda. ii. seki, allan Kenji. iii. souza, artur Gomes de. iv. titton, mauro. v. avila, astrid Baecker. vi. série.

19-28858 cDD-370.71Índices para catálogo sistemático:

1. professores : formação : educação 370.71

capa e gerência editorial: vande rotta Gomidebordados utilizados para capa e abertura: olinda evangelista

preparação dos originais: editora mercado de letrasrevisão final dos autores

bibliotecária: cibele maria Dias – crB-8/9427

apoios institucionaisFAPE

CLACSO

Direitos reservaDos para a lÍnGua portuGuesa:© mercaDo De letras®

vr GomiDe merua João da cruz e souza, 53

telefax: (19) 3241-7514 – cep 13070-116campinas sp Brasil

[email protected]

1a ediçãoAGOSTO / 2019

impressão DiGitalIMPRESSO NO BRASIL

esta obra está protegida pela lei 9610/98.É proibida sua reprodução parcial ou totalsem a autorização prévia do editor. o infratorestará sujeito às penalidades previstas na lei.

sumÁrio

prefÁcio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

Selma Venco

apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

Olinda Evangelista

capítulo IDesterro Docente e formação Humana

nos Governos petistas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

Astrid Baecker Avila, Mauro Titton e

Olinda Evangelista

capítulo II o crescimento perverso Das

licenciaturas privaDas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

Allan Kenji Seki, Artur Gomes de Souza e

Olinda Evangelista

capítulo III 72 Horas em 16 minutos: Qual escola

para o professor Brasileiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107

Olinda Evangelista, Allan Kenji Seki e

Artur Gomes de Souza

capítulo IV vitÓria Da eaD ou Do capital? . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147

Olinda Evangelista, Allan Kenji Seki e

Artur Gomes de Souza

capítulo Vo laBirinto Dos DaDos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189

Artur Gomes de Souza, Olinda Evangelista eAllan Kenji Seki

posfÁcio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217

João Zanardini

apÊnDice . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221

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prefÁcio

Prefaciar um livro é sempre uma honra traduzida igualmente em plena responsabilidade. Os sentimentos são agudizados quando a obra é organizada pela Profª. Drª. Olinda Evangelista e por dois pesquisadores, por ela formados, os professores Allan Kenji Seki e Artur Gomes de Souza. A brilhante trajetória acadêmica de Olinda, sustentada por sofisticado embasamento teórico e engajamento político, sempre em defesa da igualdade e do direito à educação pública e socialmente referenciada, está refletida ao longo dos capítulos elaborados pelo trio afinado nas críticas que adequadamente constroem em suas análises.

A presente publicação preenche importante lacuna no conhecimento científico ao divulgar os resultados de pesquisa sobre o ensino superior, em particular aquele voltado à formação de professores, e proporcionar às leitoras e aos leitores o contato e o aprofundamento acerca da opção política forjada ao longo de décadas, que conferiu ao setor privado a possibilidade de construir uma verdadeira fábrica de diplomas no país, altamente lucrativa. Sustento que a indignação – amparada pelo encantamento dos dados e análises tecidas – acomete o/a leitor/a da apresentação ao final do livro, pois levantam o véu da produção, como diria Marx, no âmbito de um amplo espectro sobre o tema, o qual proponho um olhar em

8 eDitora mercaDo De letras – eDucação

3D: um macro, que observe o contexto político no qual se inscreve o país ao privilegiar uma dada educação. Inspirada por Milton Santos (1999) indago: qual Nação se quis/quer construir baseada em uma educação sucateada e entregue ao setor privado, cujos princípios são estritamente orientados pelo lucro?

Nos parece cristalina a eleição da política que filia a inserção do país na conjuntura internacional e, sobretudo na divisão internacional do trabalho, à educação. Formar professoras e professores descautelosamente é arbitrar uma posição subalterna no já iníquo sistema capitalista e mormente desprover de pensamento crítico a população, dado seu efeito em cascata na sociedade.

A opção por licenciaturas de baixa qualidade, com crescente ensino a distância, reafirma a posição de dependência em relação aos países centrais e persegue a receita impingida pelo Banco Mundial desde, particularmente, os anos 1990: Brasil, concentre-se na erradicação do analfabetismo e nos anos iniciais; abandone o sonho do desenvolvimento tecnológico, da produção da ciência e, preferencialmente, torne-se um país monocultor.

O destaque feito por Avila, Titton e Evangelista reafirma a adesão dos governos petistas às demandas dos organismos multilaterais, particularmente Unesco e OCDE, que, de fato, como demonstram os/as autores/as, se expressou em avanços substantivos na transferência de recursos públicos aos agentes privados e na rotulação dos movimentos em defesa da educação pública como dogmáticos e, complemento, avessos ao desenvolvimento do país. Relembrando que esse mesmo tom de discurso foi empregado por Margareth Thatcher no combate ao Estado Burocrático e em defesa do Estado Gerencial, sinônimo de escancaramento das portas ao livre mercado e de içar a bandeira do cerceamento dos direitos à população.

É escandaloso o fato que além do lucro logrado pelas empresas educacionais, há elevado investimento público na

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educação privada. Segundo a presente obra “As despesas com o Fies e o Prouni foram elevadas de R$ 1,565 bilhão, em 2003, para R$ 19,570 bilhões, em 2016, um crescimento de 1.150,68%”.

A dimensão meso concerne ao sentido social e político da entrega da formação de professores ao setor privado. Para além do lucro, quais princípios orientam a constituição dos cursos nos centros universitários? Certamente, é o descaso e o descompromisso com a educação de qualidade. As empresas educacionais comercializam a educação e cultivam ilusões. Uma mercadoria cujo marketing edifica-se na falácia do emprego, mas qual emprego? Se, por um lado, os diplomas de nível superior auxiliam a blindar contra o desemprego, por outro, tal premissa só é válida para postos de trabalho não demandantes de graduação, um moto-contínuo que pereniza e ratifica a hereditariedade proletarizante (Bertaux 1979).

E, por fim, a dimensão micro, alusiva à formação propriamente dita e seus desdobramentos diretos e indiretos aos indivíduos e consequentemente à sociedade. Para além do debate relativo à facilmente contestável qualidade da educação oferecida pelas empresas, a qual, por si só, seria móbil suficiente para críticas e mobilização, a crescente oferta feita a distância reúne e nutre valores caros ao capitalismo. O esfacelamento dos coletivos e a eliminação do trabalho vivo são sonhos de consumo do sistema. O ensino a distância reúne ambos e promove uma hiperindividualização entre os que dele participam. O mundo cada vez mais organizado celularmente traz e trará, indubitavelmente, desdobramentos propícios para o aumento da concorrência entre iguais e, consequentemente, um arrefecimento de valores solidários e aquecimento de outros mais mercantis.

Supondo hipoteticamente que os/as estudantes oriundos das diversas licenciaturas obtenham colocação e se tornem professoras e professores: quais serão suas condições de trabalho? Vivenciarão relações de trabalho não precárias?

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Uma profissão altamente feminizada e, como apresenta a pesquisa retratada no livro, praticamente oito em cada 10 matrículas nas licenciaturas em EaD são ocupadas por mulheres; e outros 67% em cursos presenciais. Esses dados indicam que a presença feminina permanece forte no trabalho docente. Tal característica é sinônimo de desvalorização social, baixos salários e péssimas condições de trabalho. Isso ocorre em todas as ocupações e profissões com alta presença feminina: confecção, telemarketing, enfermagem, engenharias, medicina e, obviamente, educação, sobretudo a básica, mas atinge diretamente os/as que atuam nas faculdades privadas. É possível exemplificar pelos resultados da pesquisa ora apresentada: nas Faculdades Anhanguera há uma média de 1.737 alunos por professor; uma disciplina que contemplaria 72 horas de curso em uma universidade pública, leva exatos 16 minutos para concluí-la.

Essas dimensões da vida profissional ensejam, mesmo que contem com os direitos vinculados ao trabalho, um tipo de precariedade subjetiva: o sentimento de não poder realizar sua atividade profissional como a pessoa almeja, como idealizou para se transformar por meio do trabalho. E torna-se um forte estímulo para o abandono da carreira.

Ensaiando um equilíbrio frente às conclusões entristecedoras promovidas pelo estudo, ressalto que o livro é um marco e um convite à reflexão e nos municia com importante ferramenta para enfrentar e resistir. A venda do país, a perda de direitos e a máxima exploração da população não podem nos levar à inanição e ao desencantamento do mundo. Por isso recorro a Jean-Paul Sartre para finalizar esse texto e enaltecer a acurada análise feita pela equipe. Escreve ele:

Curar-nos-emos? Sim. A violência, como a lança de Aquiles, pode cicatrizar as feridas que abriu. Hoje, estamos presos, humilhados, doentes de medo: estamos muito em baixo. [...] Cada dia retrocedemos frente à contenda, mas podem estar certos de que a não evitaremos: eles, os assassinos, precisam

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dela; seguem revoluteando em redor de nós e espancam a multidão. Assim, acabará o tempo dos bruxos e dos feitiços: terão que ser espancados ou apodrecer nos campos. É o momento final da dialética: condenam essa guerra, mas não se atrevem, todavia, a declarar-se solidários com os combatentes; não tenham medo, os colonos e os mercenários obrigá-los-ão a dar este passo. Talvez, então, encurralados contra a parede, desenfreareis por fim essa violência nova suscitada pelos velhos crimes acumulados. Mas isso, como costuma dizer-se, é outra história. A história do homem. Estou certo de que já se aproxima o momento em que nos uniremos a quem a está fazendo. (Jean-Paul Sartre 1961)

Ele se referia à guerra da Argélia...e nós temos a nossa própria guerra.

Selma VencoVerão, 2019

Referências

BERTAUX, Daniel (1979). Destinos pessoais e estrutura de classe: para uma crítica da antroponimia política. Rio de Janeiro: Zahar.

SANTOS, Milton (2000). Os deficientes cívicos. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fol/brasil500/dc_3_9.htm. Acesso em: 15/04/2019.

SARTRE, Jean-Paul (1961[2002]). “Préface”, in: FANON, Frantz Les damnés de la terre. Paris: La Découverte.

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apresentação

Eis que esse anjo me disseApertando a minha mão

Com um sorriso entre dentesVai bicho desafinar

O coro dos contentes(Torquato Neto 1982)

O livro que trazemos à luz para escrutínio dos leitores discute o problema da formação do professor no Brasil a partir dos anos 2000, especialmente no que se refere às instituições de ensino superior nas quais tal preparo ocorre. As determinações mais gerais da qualificação do magistério nacional e os desdobramentos sociais inscritos na definição dos conteúdos e de seus loci privilegiados evidenciam que a atividade diuturna de produção e reprodução da consciência burguesa constitui um fenômeno a ser cuidadosamente estudado.

Após os anos de 1990, vivemos ajustes econômicos e políticos profundos; as disputas classistas deram lugar a uma razão histórica, neoliberal e imperialista, cuja hegemonia balizou o Estado e um sem número de organizações da Sociedade Civil. A formação docente tornou-se um ponto vital da reforma educacional então desencadeada. Decorreu desse processo histórico um educador progressivamente soterrado pelos interesses burgueses, pelas

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demandas do capital. Entre 2003 e 2015, durante os governos de Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2016), do Partido dos Trabalhadores, os professores foram atingidos de milhares de jeitos. No âmbito da formação, foram premidos pelos materiais didáticos; pela punção de seus fundos de existência para pagamento da formação inicial; pela imposição da frequência à escolas de nível superior não universitárias; pela rarefação teórico-prática de seus cursos; pela submissão à modalidade de Educação a Distância (EaD). Este ataque não foi desferido só pelo Ministério da Educação; outros órgãos federais promoveram formação docente no interior de seus projetos.1 No plano do trabalho, depararam-se com a diminuição dos concursos públicos; o aumento dos contratos temporários, na casa dos 900 mil; o aumento da jornada de trabalho; o excesso de alunos em sala; o não recebimento do piso salarial nacional; a ausência de plano de carreira; as diretrizes curriculares; o controle por meio das avaliações; o gerencialismo espraiado nas escolas.

Nosso estudo demonstrou, de modo mais aprofundado, o gigantismo da “fábrica de professores” e do vasto mercado da certificação em nível superior no Brasil. Tal mercado cresceu sob o slogan “democratização do acesso” ao ensino superior; por seu intermédio se produziria trabalhadores de qualidade, capacitados para empregos com salários de nível superior. Todavia, a consequência desse projeto desenhado para os futuros professores da Escola Básica brasileira – por interesses nacionais e internacionais do grande capital – redundou, em 2006 e 2007, na explosão de grandes escolas particulares. Em primeiro lugar, o Estado fomentou a EaD no interior de suas instituições; a seguir, a esfera privada tomou conta do “negócio”; depois, a esfera particular, isto é, as escolas com fins lucrativos apropriaram-se da mercadoria e passaram a vendê-la majoritariamente na modalidade EaD em instituições monopolizadas. Assim, surgiu e cresceu um fenômeno

1. É o caso do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), ação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que qua-lifica educadores para áreas de reforma agrária, entre outras atividades.

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cruel: um mercado reservado cujo robustecimento se concretizaria em meados da primeira década do século XXI.

Nossa investigação, além da coleta de documentos e levantamento de bibliografia, centrou-se na coleta de informações nos microdados do Censo da Educação Superior (2003-2015). Da sistematização e análise dos dados sintetizamos cinco movimentos na formação docente em nível superior no país: 1) a oferta em Instituições de Ensino Superior (IES) privadas (instituições sem fins lucrativos – confessionais, comunitárias e filantrópicas – e instituições com fins lucrativos denominadas particulares) de matrículas em licenciaturas chegou a 61,7% em 2015, cabendo à esfera pública 39,3%; 2) no interior das IES privadas, diminuíram as matrículas em licenciatura presencial e cresceram na EaD; 3) o maior número de estudantes está nas IES com fins lucrativos; 4) as matrículas nas escolas públicas, nas duas modalidades, cresceram em números absolutos, mas diminuíram percentualmente; 5) está em curso nas escolas particulares novo modelo de licenciatura, ou seja, o ser humano e social em formação está subsumido na potência de compra e venda da matrícula em si mesma, quiçá no valor da instituição. Estudantes e IES são friamente negociados por fundos de investimentos e nas ofertas públicas de ações nas bolsas de valores. Conquanto a privatização – ou o processo de financeirização – tenha tomado dimensões preocupantes no Ensino Superior em geral, no âmbito da formação docente ele é evidência de uma crueldade ilimitada. O crescimento exponencial das grandes escolas particulares vocacionadas ao preparo do magistério encontrou na modalidade EaD um campo específico de produção de lucro, suportada entretanto por um vasto programa de concessão de bolsas, públicas e privadas.

Outro aspecto de suma importância aqui tratado, com menor profundidade, refere-se às políticas de preparo do magistério concretizadas sob a forma de cursos iniciais e continuados. Com base em dados garimpados em portais de diferentes órgãos governamentais, coligimos grande quantidade de informações sobre o imenso número de ações que alvejaram os professores

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em seu processo de formação. A análise evidenciou que foi dada atenção especial à concepção de formação com o fito de alterá-la, adequando-a às demandas do capital, fosse por meio da negociação e incorporação de diretrizes de Organismos Multilaterais (OM), fosse por meio de Aparelhos Privados de Hegemonia. O preparo de mão de obra dócil e disponível a baixo preço norteou a grande variedade de programas, cercando o professor por todos os lados. Não poucas vezes este profissional foi reduzido a instrumento, localizado entre o futuro trabalhador e o mercado de trabalho.

A hegemonia do capital na definição das políticas de formação e sua subordinação à concepção burguesa de escolarização elegeu as “habilidades e competências” necessárias ao mundo do trabalho e a travestiram de essência humana. Resta claro que se tratou de obliterar a possibilidade – inscrita nas contradições da apropriação do conhecimento e nas relações sociais internas à escola – da emergência da consciência de classe do trabalhador brasileiro.

Tendo em vista expor e discutir esse movimento, o presente livro conta com cinco capítulos, resultado de pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Avila, Titton e Evangelista mostram no primeiro capítulo, Desterro docente e formação humana nos governos petistas, que o projeto formativo iniciado na década de 1990 não foi rompido. A tendência de expansão das matrículas nos cursos de licenciatura – muito especialmente no de pedagogia – majoritariamente na modalidade EaD e sob perspectiva não universitária, consolidou-se. As orientações de OM são claras nos documentos governamentais; todavia, as contradições imanentes ao desenvolvimento histórico permitem vislumbrar resistências ao desterro docente operado por este projeto formativo.

No segundo capítulo, O crescimento perverso das licenciaturas privadas, Seki, Souza e Evangelista tematizam a entrega da formação docente à iniciativa privada sob as formas de Centros Universitários, Institutos, Faculdades e Universidades. Sob a aparente pulverização do preparo do magistério jaz a ascendência das Instituições de Ensino Superior (IES) particulares na oferta de

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formação e a proeminência da modalidade de Educação a Distância (EaD). Conquanto a Universidade tenha permanecido como lócus dominante, a formação opera-se sob o comando das instituições privadas e subordinada à concepção de Ensino Superior ou terciário, segundo inspiração bancomundialista.

No terceiro capítulo, 72 horas em 16 minutos: qual escola para o professor brasileiro?, Seki, Souza e Evangelista discutem o avanço exponencial da esfera privada sobre as matrículas públicas e sua simultânea adesão à modalidade a distância entre 2003 e 2015, no Brasil, verificáveis no incremento de 10% (84.980) nas matrículas em licenciaturas presenciais e de 993% (511.451) em EaD. Desses números decorreu a conclusão histórica de que o contingente principal de brasileiros trabalhadores é formado via privatização da qualificação dos profissionais da escola pública. Coube à administração federal o papel de propor, supervisionar e avaliar o cumprimento das orientações pelas IES privadas, assim como oferecer as condições concretas para que sua expansão ocorresse de forma segura e novos nichos de mercado fossem criados. Nas IES particulares o estudante foi tratado – e ainda o é – como número de matrícula, importante por sua potência de compra e venda na bolsa de valores. Tal fenômeno adquire proeminência após 2006 e 2007, coincidindo com a grave crise do capital naquele período e em 2008.

O quarto capítulo, Vitória da EaD ou do capital?, escrito pelos mesmos autores acima, permite verificar que no interior da esfera privada floresceu a formação docente particular, expondo-se a face perversa da transformação da educação em bem mercadejável, agudizado a partir dos anos de 2000. Discutem as ameaças decorrentes da progressiva submissão das instituições e dos conteúdos da qualificação do magistério às novas formas de oferta sob o comando do capital e seus marcos normativos. O cenário descrito é resultado da reforma do ensino superior engendrada durante os governos neoliberais, articulada às diretrizes do Banco Mundial que o postulou como “ensino terciário”, configurando dois movimentos históricos importantes: o desmonte do modelo universitário e a privatização em larga escala do preparo do

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professorado no Brasil. No último capítulo, O labirinto dos dados, os autores apresentam uma breve discussão sobre o processo de coleta de informações nos microdados dos Censos da Educação Superior, ressaltando as agruras dos pesquisadores em face de dados nem sempre consistentes.

De outra parte, não apenas a coleta dos microdados apresentou dificuldades; encontrar a documentação completa relativa aos Governos Lula e Dilma foi um esforço inaudito. O fato de grande parte da informação estar disponível na Internet não quer dizer que sejam encontráveis. Nem sempre as informações estão completas; muitos documentos não trazem data ou autoria; documentos oficiais às vezes são encontrados em páginas não oficiais; alguns documentos oficiais são encontrados em páginas estrangeiras; inúmeros documentos de OM sobre o Brasil não estão em língua portuguesa; páginas oficiais que deveriam congregar todo o acervo relativo à sua denominação não o fazem; há mudanças nas páginas com o consequente desparecimento de documentos e informações, entre outros problemas. O desejo de compreender, e evidenciar, o sentido último da política de formação docente empreendida no período em exame levou-nos a produzir muitíssimas informações que não puderam ser aqui convenientemente analisadas. Estão sistematizadas na última parte do livro, Apêndice, disponíveis aos estudiosos que queiram consultá-las ou tomá-las para análise.

A expectativa alimentada pelos autores é a de que a ordenação das informações oferecidas ao leitor interessado possa contribuir para a compreensão da grave situação em que se encontram os aspirantes ao magistério no país. Ao mesmo tempo, esperam que suas reflexões possam fecundar ações políticas que operem a contrapelo da tendência dominante de esvaziar teoricamente a formação docente e, por decorrência, trabalhar a favor da emergência de uma consciência política que nos leve, a todos e todas, a cerrar fileiras na defesa inconteste da escola pública brasileira.

Olinda EvangelistaFlorianópolis, abril de 201