destrua me - tahereh mafi (warner)

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Page 1: Destrua me - tahereh mafi (warner)
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Sumário

Folha de Rosto

Sumário

Créditos

Prólogo

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Page 3: Destrua me - tahereh mafi (warner)

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15

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Capítulo 16

Capítulo 17

Capítulo 18

Capítulo 19

Capítulo 20

Capítulo 21

Capítulo 22

Capítulo 23

Redes Sociais

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Destrua-me

Tahereh Mafi

TraduçãoMaria Angela Amorim De Paschoal

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Saiba Mais

Estilhaça-me

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Juliette nunca sesentiu como umapessoa normal.Nunca foi como asoutras meninas desua idade. Omotivo: ela nãopodia tocarninguém. Seu toqueera capaz de ferir e

até matar.

Durante anos, Juliette feriu e, segundoseus pais, arruinou o que estava à suavolta com um simples toque, o que alevou a ser presa numa cela.

Todo dia era escuro e igual para Julietteaté a chegada de um companheiro de

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cela, Adam. Dentro do cubículo escuro,Juliette não tinha notícias do mundo láfora. Adam ia atualizando-a de tudo.

Juliette não entendeu bem o que estavaacontecendo quando foi retirada daquelacela e supostamente libertada, ao ladode Adam, e se vê em uma encruzilhada,com a possibilidade de retomar suavida, mas por caminhos tortuosos etotalmente desconhecidos.

“Estilhaça-me” é um romance fantástico,que intriga, angustia e prende o leitor atéa última página com uma história surrealque mistura amor, medo, aventura emistério e traz um desfechosurpreendente.

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Liberta-me (lançamento)

Liberta-me é osegundo livro datrilogia de TaherehMafi. Se noprimeiro, Estilhaça-me, importavagarantir asobrevivência efugir dasatrocidades do

Restabelecimento, em Liberta-me épossível sentir toda a sensibilidade etristeza que emanam do coração daheroína, Juliette.

Abandonada à própria sorte,

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impossibilitada de tocar qualquer serhumano, Juliette vai procurar entenderos movimentos de seu coração, amaneira como seus sentimentos seconfundem e até onde ela poderealmente ir para ter o controle de suaprópria vida. Uma metáfora para a vidade jovens de todas as idades quetambém enfrentam uma espécie dedistopia moderna, em que dúvidas emedos caminham lado a lado com aesperança, o desejo e o amor.

A bela escrita de Tahereh Mafi está devolta ainda mais vigorosa e extasiante.

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Copyright © 2012 by Tahereh MafiCopyright © 2013 Editora Novo Conceito

Todos os direitos reservados.

Esta é uma obra de ficção. Nomes,personagens, lugares e acontecimentos

descritos são produtos da imaginação do autor.Qualquer semelhança com nomes, datas eacontecimentos reais é mera coincidência.

Edição: Edgar Costa SilvaPreparação de Texto: Alline Salles

Diagramação ePUB: Brendon Wiermann

Este livro segue as regras da Nova Ortografiada Língua Portuguesa.

Dados Internacionais de Catalogação naPublicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Mafi, Tahereh

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Destrua-me / Tahereh Mafi; [tradução MariaAngela Amorim de Paschoal]. — RibeirãoPreto, SP: Novo Conceito Editora, 2012.

Título original: Destroy me

ISBN 978-85-8163-029-8

Ficção norte-americana I. Título.

12-00226 CDD-813

Índices para catálogo sistemático:Ficção: Literatura norte-americana 813

Rua Dr. Hugo Fortes, 1.885 — Parque

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Industrial Lagoinha14095-260 — Ribeirão Preto — SP

www.editoranovoconceito.com.br

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Prólogo

Atiraram em mim.

E por incrível que pareça, um ferimentoa bala dói muito mais do que eu haviaimaginado.

Minha pele está fria e pegajosa, estoufazendo um esforço enorme pararespirar. A dor no meu braço direito éexcruciante, e tenho dificuldade em meconcentrar. Tento fechar os olhos com

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força, ranger meus dentes, e me forço aprestar atenção.

O caos é insuportável.

Várias pessoas estão gritando e muitasdelas estão me tocando, e desejo quealguém remova aquelas mãos do meucorpo. Elas não param de gritar —Senhor! — como se ainda estivessemesperando por mim para lhes dar ordens,como se não soubessem o que fazer semminha ajuda. Perceber isso me deixaexausto.

— Senhor, pode me escutar? — Outrogrito. Mas desta vez, uma voz que nãodetesto.

— Senhor, por favor, está me

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escutando...

— Levei um tiro, Delalieu. — É o queconsigo balbuciar. Abro meus olhos.Vejo seus olhos marejados. — Nãoestou surdo.

De repente todo o barulho desaparece.Os soldados se calam. Delalieu me olha.Preocupado.

Dou um suspiro.

— Me leva de volta — digo a ele, memexendo um pouco. Parece que o mundoestá rodando, mas de repente seestabiliza. — Alerte os médicos e peçaque preparem um leito para a nossachegada. Enquanto isso suspenda meubraço, e continue a pressionar

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diretamente no ferimento. A bala trincouou quebrou alguma coisa e vou precisarde cirurgia.

Delalieu não diz nada por um momentolongo demais.

— É bom saber que está bem, senhor. —Sua voz parece nervosa, trêmula. — Ébom ver que o senhor está bem.

— Isso foi uma ordem, tenente.

— Claro — ele responde prontamente,com a cabeça curvada. — Certamente,senhor. Como devo instruir os soldados?

— Encontre-a — digo a ele. Estáficando cada vez mais difícil falar.Respiro com dificuldade e passo uma

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mão trêmula pela minha testa. Estoutranspirando copiosamente, e esse fatonão me passa despercebido.

— Sim, senhor. — Ele tenta melevantar, mas eu seguro seu braço.

— Uma última coisa.

— Senhor?

— Kent — digo, minha voz parecedesigual agora. — Faça com que eles odeixem vivo para mim.

Delalieu ergue os olhos, arregalados.

— O soldado Adam Kent, senhor?

— Sim. — Olho dentro de seus olhos.— Eu mesmo quero lidar com ele.

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Capítulo 1

Delalieu está parado aos pés da minhacama com uma prancheta na mão.

Sua visita é a segunda que recebo estamanhã. A primeira foi dos meusmédicos, que confirmaram que correutudo bem na cirurgia. De acordo comeles, se eu ficar em repouso estasemana, as novas medicações que mederam devem acelerar o processo decura. Também disseram que eu poderia

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retornar às minhas atividades diárias embreve, mas iria precisar usar uma tipoiapor um mês, no mínimo.

Disse a eles que era uma teoriainteressante.

— Minhas calças, Delalieu. — Estousentado, tentando estabilizar minhacabeça devido aos enjoos provocadospelos remédios. Meu braço direito nãoserve para nada agora.

Ergo meus olhos. Delalieu está meencarando sem piscar. Seu pomo deadão está se movendo para cima e parabaixo.

Seguro um suspiro.

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— O que é? — Uso meu braço esquerdopara me apoiar no colchão e me obrigo ame endireitar. Reúno toda a energia queme sobrou e consigo me segurar nabeirada da cama. Faço um sinal com amão para afastar Delalieu e evitar queele venha me ajudar; fecho os olhos paranão sentir a dor e a tontura. — Conte oque aconteceu — digo a ele. — Não fazsentido prolongar as más notícias.

Sua voz hesita ao declarar:

— O soldado Adam Kent escapou,senhor.

Meus olhos piscam e fica tudo brancosob minhas pálpebras.

Respiro fundo e tento passar a mão boa

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pelos meus cabelos. Eles estão ásperose cobertos pelo que parece ser terramisturada com meu próprio sangue. Ficotentado a dar um soco na parede com opunho que me restou.

Ao invés disso, faço uma pausa para merecompor.

De repente percebo com mais nitideztudo o que se passa à minha volta, oscheiros, os pequenos ruídos e os passosdo lado de fora da porta. Detesto essascalças de algodão áspero que colocaramem mim. Detesto não estar usandomeias. Quero tomar um banho. Quero metrocar.

Quero colocar uma bala na coluna

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vertebral de Adam Kent.

— Pistas — exijo. Vou em direção aobanheiro e estremeço só em sentir o argelado em contato com minha pele;ainda estou sem camisa. Tento memanter calmo. — Não me diga que metrouxe essa informação sem fornecernenhuma pista.

Minha mente parece um armário ondeestão, cuidadosamente, organizadas asemoções humanas. Quase posso ver meucérebro funcionando, armazenandopensamentos e imagens. Ponho de ladoas coisas que não me são úteis. Meconcentro apenas no que precisa serfeito: os componentes básicos desobrevivência e a infinidade de coisas

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que preciso fazer durante o dia.

— É claro — Delalieu responde. Omedo em sua voz me incomoda umpouco; tento deixar isso de lado. — Sim,senhor — ele diz —, nós acreditamossaber para onde ele deve ter ido e temosmotivo para acreditar que o soldadoKent e a — e a garota — bem, como osoldado Kishimoto também fugiu —temos razão para acreditar que elesestão juntos, senhor.

Os compartimentos do meu cérebroestão rangendo para se abrir.Lembranças. Teorias. Sussurros esensações.

Empurro tudo para longe.

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— Claro que sim. — Sacudo a cabeça.Me arrependo. Fecho meus olhosnovamente para evitar a tonturarepentina. — Não me dê umainformação que eu mesmo já deduzi —consigo dizer. — Quero algo concreto.Me dê uma pista real, tenente, ou só meprocure quando tiver uma.

— Um carro — ele completarapidamente. — Notificaram o roubo deum carro, senhor, e conseguimos rastreá-lo a um local desconhecido, mas entãoele desapareceu do radar. Foi como setivesse deixado de existir, senhor.

Ergo os olhos. Estou atento ao que elediz.

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— Seguimos as pistas que ele deixou nonosso radar — ele diz, falando commais calma agora — e elas nos levarama um trecho isolado, a um enormeterreno baldio. Vasculhamos a área enão encontramos nada.

— É alguma coisa, pelo menos. —Massageio o pescoço, lutando contra afraqueza que sinto dentro dos meusossos. — Encontro você na Sala L emuma hora.

— Mas, senhor — ele comenta, os olhospresos no meu braço —, o senhor vaiprecisar de assistência médica — estáem tratamento — vai precisar de ajudapara se recuperar...

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— Está dispensado.

Ele hesita.

Então concorda:

— Sim, senhor.

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Capítulo 2

Consigo tomar banho sem desmaiar.

Foi um banho de gato, com a esponja,mas mesmo assim me sinto melhor.Tenho uma tolerância extremamentebaixa para a desordem; ela ofende meuser. Tomo banho diariamente. Faço seisrefeições ao dia. Dedico duas horastodos os dias para treinamento eexercícios físicos. E detesto andardescalço.

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No entanto, estou aqui parado agora, nu,faminto, cansado e descalço no meucloset. Isso não é nada bom.

Meu closet é separado em várias seções.Camisas, gravatas, calças, blazers, ebotas. Meias, luvas, cachecóis ecasacos. Tudo arrumado de acordo coma cor, e depois com os tons de cada cor.Cada peça de roupa guardada aqui foiescolhida meticulosamente, e feita sobmedida para servir perfeitamente no meucorpo. Não me sinto eu mesmo até estarcompletamente vestido; faz parte dequem eu sou e de como começo o dia.

Agora não tenho a mínima ideia do quedevo vestir.

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Minhas mãos tremem ao pegar umvidrinho azul que me deram essa manhã.Coloco duas das pílulas quadradas naminha língua e as deixo dissolver. Nãotenho certeza para que elas servem; sósei que ajudam a recuperar o sangue queperdi. Me encosto na parede até minhacabeça clarear e sentir mais força nospés.

Isso, uma tarefa tão simples. Está sendoum obstáculo que eu não esperava.

Primeiro coloco as meias; um prazersimples que exige mais esforço do queatirar num homem. Por um instante pensono que os paramédicos fizeram com asminhas roupas. As roupas, digo a mimme s mo , apenas roupas; estou me

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concentrando apenas nas roupas agora.

Nada mais. Nenhum outro detalhe.

Botas. Meias. Calças. Suéter. Meucasaco militar com tantos botões.

Tantos botões que ela arrancou.

É um pequeno lembrete, mas o suficientepara me atingir.

Tento afastar essas lembranças, mas elasnão querem ir embora, e quanto mais eutento ignorá-las, mais elas semultiplicam num monstro que não podeser subjugado. Não percebo que caí deencontro à parede, até sentir a friagemsubindo pela minha pele; estourespirando com dificuldade e apertando

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os olhos com força para afastar arepentina onda de humilhação.

Eu sabia que ela estava assustada, atémesmo apavorada, mas nunca pensei queesses sentimentos fossem relacionadosdiretamente a mim. Eu tinhaacompanhado sua evolução duranteaquele tempo que passamos juntos; àmedida que as semanas passavam elaparecia cada vez mais à vontade. Maisfeliz. Tranquila.

Tinha chegado a pensar que ela haviavislumbrado um futuro para nós dois;que ela desejava estar ao meu lado, massimplesmente achava isso impossível.

Nunca tinha suspeitado que o motivo por

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trás de sua recém-descoberta felicidadeestivesse relacionado a Kent.

Passei a mão na ferida do meu rosto;cobri minha boca. As coisas que euhavia dito a ela.

Uma respiração entrecortada.

O modo como a toquei.

Meu rosto enrijece.

Se fosse apenas uma atração sexual,tenho certeza que não sentiria umahumilhação tão insuportável. Mas euqueria muito mais do que apenas seucorpo.

De repente imploro para minha mente seconcentrar apenas nas paredes. Paredes.

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Paredes brancas. Blocos de concreto.Cômodos vazios. Espaços abertos.

Construo paredes até que elas começama desmoronar, e então me forço aconstruir outras para ocuparem seulugar. Construo e construo e fico sem memover até minha mente estar limpa,desinfetada, não contendo nada mais queum pequeno cômodo branco. Uma únicalâmpada pendurada no teto.

Limpo. Intocado. Intacto.

Pisco para afastar a avalanche que estáprestes a inundar o pequeno mundo queconstruí; engulo com força o medo quesobe pela minha garganta. Empurro asparedes criando mais espaço no

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cômodo, para poder respirar com maisfacilidade. Até ser capaz de ficar em pé.

Às vezes desejo sair por uns instantesdo meu corpo. Quero poder deixar paratrás esse corpo cansado, mas minhascorrentes são tantas, a carga pesadademais. Essa vida é tudo o que mesobrou. E eu sei que não serei capaz deme olhar no espelho pelo resto do dia.

Subitamente fico revoltado comigomesmo. Tenho que sair daqui o maisrápido possível, ou meus pensamentosirão se rebelar contra mim. Tomo umadecisão apressada pela primeira vez,presto pouca atenção ao que estouvestindo. Coloco um par de calçaslimpas e saio sem camisa. Enfio meu

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braço sadio na manga de um blazer edeixo o outro ombro cobrir a tipoia quesegura meu braço ferido. Estou ridículovestido assim, mas amanhã encontrareiuma solução.

Antes tenho que sair desse quarto.

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Capítulo 3

Delalieu é a única pessoa que não meodeia.

Ele ainda passa a maior parte do tempona minha presença se curvando de medo,mas, de certa forma, não está a fim deme derrubar. Posso sentir isso, apesarde não entender. Provavelmente ele é aúnica pessoa neste prédio que está felizpor eu não ter morrido.

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Levanto a mão para afastar os soldadosque se apressam em minha direçãoquando abro a porta. É preciso muitaconcentração para que meus dedos nãotremam quando limpo o brilho datranspiração que cobre minha testa, masnão vou me permitir um momento defraqueza. Esses homens não temem pelaminha segurança; eles querem apenasolhar mais de perto o triste espetáculoque me tornei. Eles querem ser osprimeiros a ver as rachaduras na minhasanidade. Mas eu não tenho a menorvontade de virar um objeto decuriosidade.

Meu trabalho é liderar.

Levei um tiro; não será fatal. Há outras

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coisas para serem resolvidas; eu ireiresolvê-las.

Esse ferimento será esquecido.

O nome dela não mais será mencionado.

Meus dedos cerram e descerramenquanto caminho em direção à Sala L.Nunca havia percebido como essescorredores eram compridos e aquantidade de soldados que sealinhavam nos saguões. Não há comoevitar os olhares curiosos e suadecepção pelo fato de eu não termorrido. Nem preciso olhar para elespara saber o que estão pensando. Massaber como eles se sentem me deixaainda mais determinado a viver uma

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vida longa.

Não vou dar a satisfação da minha mortea ninguém.

— Não — recuso o chá e o café pelaquarta vez. — Não bebo cafeína,Delalieu. Por que você sempre insisteem servir isso às refeições?

— Pensei que o senhor pudesse mudarde ideia, senhor.

Ergo os olhos. Delalieu está dandoaquele sorriso estranho, vacilante. E eunão tenho certeza, mas acho que eleacabou de fazer uma piada.

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— Por quê? — Estendo a mão parapegar um pedaço de pão. — Souperfeitamente capaz de ficar de olhosbem abertos. Só um idiota iria dependerda energia de um grão ou de uma folhapara ficar acordado durante todo o dia.

Delalieu não está mais sorrindo.

— Sim — ele diz. — Com certeza,senhor. — E olha para sua própriacomida. Vejo quando ele afasta suaxícara de café com os dedos.

Coloco o pão de volta no meu prato.

— Minhas convicções — digo para ele,num tom manso dessa vez — nãodeveriam influenciar as suas com tantafacilidade. Você deve defender suas

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ideias, Delalieu. Formular argumentosclaros e lógicos. Mesmo que eudiscorde.

— Claro, senhor — ele murmura. Elenão diz nada por alguns segundos, masentão vejo que ele pega a xícara de cafénovamente.

Delalieu.

Acho que ele é meu único parceiro paraconversas.

Ele foi designado para esse setor pelomeu pai e, desde então, recebeu ordenspara continuar aqui até que não sejamais capaz de trabalhar. E embora eleseja provavelmente uns quarenta e cincoanos mais velho do que eu, ele insiste

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em trabalhar diretamente sob meucomando. Conheço Delalieu desde queeu era criança; costumava vê-lo emnossa casa, participando das muitasreuniões que aconteciam lá nos anosanteriores ao Restabelecimento tomar ocontrole.

Havia incontáveis reuniões na minhacasa.

Meu pai estava sempre planejandocoisas, fomentando discussões econversas sussurradas das quais nuncapude participar. Os homens quecompareciam àqueles encontros são osque estão no poder do mundo agora,então, quando olho para Delalieu nãoconsigo deixar de pensar por que ele

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nunca ambicionou coisas maisimportantes. Ele fez parte desse regimedesde o início, mas, de certa forma,parece satisfeito em morrer comosempre foi. É sua escolha continuarsubserviente, mesmo quando lhe dou aoportunidade de expressar sua opinião;ele se recusa a ser promovido, mesmoquando lhe ofereço um aumento desalário. E embora aprecie sua lealdade,sua dedicação me enerva. Ele parecenão almejar nada que já não possua.

Eu não deveria confiar nele.

Ainda assim, eu confio.

Mas comecei a enlouquecer por falta deum papo amigo. Não posso manter nada

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mais além de uma distância fria dosmeus soldados, não apenas porque elesquerem me ver morto, mas tambémporque tenho responsabilidades comolíder, e tenho de tomar decisõesimparciais. Estou condenado a uma vidade solidão, uma na qual não tenhocompanheiros, e viver apenas na minhamente. Procurei construir em mimmesmo um líder temido, e fui bem-sucedido; ninguém questionará minhaautoridade ou expressará uma opiniãocontrária à minha. Ninguém fala comigoa não ser como o comandante-chefe eregente do Setor 45. Amizade não é umacoisa que eu já vivenciei. Nem comocriança, nem agora.

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Exceto.

Há um mês, abri uma exceção a essaregra. Houve uma pessoa que me olhavadiretamente nos olhos. A mesma pessoaque falava comigo sem censura, alguémque não tinha medo de expressar raiva esentimentos verdadeiros e puros naminha presença; a única que já ousou medesafiar, que já levantou a voz paramim...

Aperto os olhos com força pelo queparece ser a décima vez num só dia.Solto meu punho em volta do garfo e odeixo cair sobre a mesa. Meu braçocomeçou a latejar novamente e tentoalcançar as pílulas que estão guardadasno meu bolso.

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— O senhor não deveria tomar mais doque oito comprimidos num período devinte e quatro horas, senhor.

Abro a tampa e jogo mais três pílulas naboca. Realmente gostaria que minhasmãos parassem de tremer. Meusmúsculos estão contraídos, tensosdemais. Muito esticados.

Não espero as pílulas derreterem.Mastigo uma a uma, triturando seuamargor. Tem algo de nojento nelas, umsabor metálico que me ajuda aconcentrar.

— Me fale sobre Kent.

Delalieu derruba sua xícara de café.

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Os ajudantes da sala de jantar haviam seretirado a meu pedido; Delalieu nãorecebe ajuda de ninguém quando seatrapalha para limpar a bagunça. Ficorecostado na cadeira, olhando para aparede atrás dele, calculando os minutosque perdi hoje.

— Deixe o café.

— Eu... sim, é claro, desculpe, senhor.

— Pare com isso.

Delalieu deixa cair os guardanaposensopados. Suas mãos estão paralisadas,pairando sobre seu prato.

— Fale.

Observo sua garganta se mexer quando

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ele engole em seco e hesita.

— Não sabemos, senhor — elemurmura. — Deveria ser impossívelencontrar aquele prédio, muito menosentrar lá. Ele está trancado e suas travasenferrujadas. Porém, quando oencontramos — ele diz —, quando oencontramos, estava... a porta havia sidodestruída. E não temos certeza comoconseguiram fazer isso.

Me sento.

— O que você quer dizer comdestruída?

Ele sacode a cabeça.

— Foi... muito estranho, senhor. A porta

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havia sido... destroçada. Como se umanimal a tivesse dilacerado com suasgarras. Sobrou apenas um enormeburaco no meio da armação.

Me levanto rápido demais, segurando namesa para me apoiar. Mal consigorespirar ao pensar nisso, napossibilidade do que deve teracontecido. E não posso evitar o prazerdoloroso de lembrar seu nome uma vezmais, porque eu sei que deve ter sidoela. Ela deve ter feito algoextraordinário, e eu nem estava lá paratestemunhar.

— Chame o transporte — ordeno a ele.— Encontrarei você no Quadrante emexatamente dez minutos.

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— Senhor?

Já estou saindo pela porta.

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Capítulo 4

A porta está estraçalhada ao meio.Exatamente como se feito por umanimal. É verdade.

Para um observador despreparado, essaseria a única explicação, mas nem assimisso faria sentido. Nenhum animal vivopoderia destroçar todas essas camadasde aço reforçado sem amputar seuspróprios membros.

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E ela não é um animal.

Ela é uma criatura meiga e mortal.Gentil, tímida e assustadora. Ela estácompletamente fora de controle e nãotem nem ideia do que é capaz de fazer. Emuito embora me odeie, não consigodeixar de estar fascinado por ela. Estouencantado pela sua pretensa inocência;até mesmo invejoso do poder que eladetém tão despretensiosamente. Queriatanto fazer parte do seu mundo. Querosaber o que se passa na sua mente, sentiro que ela sente. Deve ser um pesoterrível de se carregar.

E agora, ela está solta lá fora, em algumlugar, liberta na sociedade.

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Que belo desastre.

Deslizo meus dedos pelas bordasfarpadas do buraco, com cuidado paranão me cortar. Não houve nenhumplanejamento naquilo, nenhumapremeditação. Somente um fervorangustiante, aparentemente pronto adestruir essa porta. Fico imaginando seela sabia o que estava fazendo quandotudo aconteceu, ou se foi simplesmentetão inesperado para ela como naqueledia que rompeu aquela parede deconcreto para chegar a mim.

Tenho que segurar um sorriso. Imagino oque ela se lembra daquele dia. Todosoldado com o qual trabalhei passou poruma simulação sabendo exatamente o

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que esperar, mas, propositadamente,ocultei os detalhes dela. Acreditava quea experiência deveria ser a mais realistapossível; esperava que os elementosrealistas disponíveis fossem conferirautenticidade ao evento. Mais do quequalquer outra coisa, queria que elativesse uma oportunidade para explorarsua verdadeira natureza — exercitar suaforça num espaço seguro — e, devido aoseu passado, eu sabia que uma criançaseria a motivação perfeita. Mas nuncapoderia ter previsto resultados tãorevolucionários. Seu desempenho foialém de todas as minhas expectativas. Eembora eu quisesse discutir os efeitoscom ela mais tarde, quando a encontreiela já estava planejando sua fuga.

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Meu sorriso fraqueja.

— Gostaria de entrar, senhor? — A vozde Delalieu me traz de volta ao presente.— Não há muito para se ver lá dentro,mas é interessante perceber que oburaco é do tamanho exato para alguémpoder passar. Parece claro para mim,senhor, qual era o objetivo.

Aceno com a cabeça, distraído. Meusolhos catalogam cuidadosamente asdimensões do buraco; tento imaginarcomo deve ter sido para ela estar aqui,tentando abrir passagem. Desejodesesperadamente conversar com elasobre tudo isso.

Meu coração dá um salto repentino.

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Lembro mais uma vez que ela não estámais comigo. Ela não vive mais na base.

A culpa por ela ter partido é minha.Acreditei que ela estava finalmente indobem, e isso atrapalhou minha avaliação.Eu deveria estar prestando mais atençãoaos detalhes. Aos meus soldados. Perdia noção de quais eram meus objetivos eminha maior razão; o verdadeiro motivode trazê-la para a base. Fui um idiota.Descuidado.

Mas a verdade é que eu estava distraído.

Por ela.

Quando ela chegou, era tão teimosa einfantil, mas à medida que as semanaspassaram ela pareceu se adaptar;

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parecia menos ansiosa, e de certo modoestava menos assustada. Tento melembrar de que seus progressos nãotiveram nada a ver comigo.

Tinham a ver com Kent.

Uma traição que de algum modo pareciaimpossível. Que ela fosse me trocar porum ser robótico, um idiota semsentimentos como o Kent. Seuspensamentos são tão vazios, tão semsentido; é como conversar com umalâmpada de mesa. Não entendo o que elepode ter oferecido a ela, o que ela deveter visto nele, a não ser como uminstrumento de fuga.

Ela ainda não entendeu que não há futuro

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para ela no mundo das pessoas comuns.Ela não tem lugar na companhia depessoas que nunca a entenderão. E eutenho que pegá-la de volta.

Só percebo que disse essas últimaspalavras em voz alta quando Delalieudiz:

— Temos tropas por todo o setorprocurando por ela — ele explica. — Ejá alertamos os setores vizinhos, no casodo grupo deles atravessar...

— O que? — Dou meia volta, minha vozbaixa e ameaçadora. — O que vocêacabou de dizer?

O rosto de Delalieu se transformou numamáscara branca.

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— Fiquei inconsciente por uma noite! Evocês já alertaram os outros setoresdessa catástrofe...

— Imaginei que o senhor quisesseencontrá-los, senhor, e pensei, se elesforem buscar refúgio em algum outrolugar...

Faço uma pausa para respirar, para meconcentrar.

— Sinto muito, senhor, achei que seriamais seguro...

— Ela está com dois dos meus própriossoldados, tenente. Nenhum deles é tãoburro a ponto de levá-la para outrosetor. Eles não têm nem as ferramentas,nem a permissão para poder atravessar a

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fronteira do setor.

— Mas...

— Eles partiram há um dia. Estãoterrivelmente feridos e precisam deajuda. Estão viajando a pé e com umveículo roubado fácil de ser rastreado.Qual a distância — pergunto a ele, afrustração aparecendo na minha voz —que eles devem ter percorrido?

Delalieu não diz nada.

— Você enviou um alerta nacional.Notificou múltiplos setores, o quesignifica que o país todo sabe agora oque aconteceu. Isso significa que asCapitais receberam a notícia. O quesignifica isso? — Cerro os punhos. — O

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que acha que isso significa, tenente?

Por um instante ele não consegue dizernada.

Então:

— Senhor — ele fala sobressaltado. —Por favor, me perdoe.

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Capítulo 5

Delalieu me segue até minha porta.

— Junte as tropas no Quadrante amanhãàs dez horas — digo a ele como formade despedida. — Terei que fazer umpronunciamento sobre essesacontecimentos recentes o melhor quepuder.

— Sim, senhor — Delalieu responde.Ele não ergue os olhos. Ele não me olha

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nos olhos desde que saímos do depósito.

Tenho outras coisas com que mepreocupar.

Sem contar a estupidez de Delalieu,existe uma infinidade de outras coisasque preciso cuidar no momento. Nãoposso me permitir mais problemas, enão posso me distrair. Não por ela. Nãopor Delalieu. Nem por ninguém. Tenhoque me concentrar.

Esse é um momento horrível para ter umferimento à bala.

Notícias da nossa situação já seespalharam em nível nacional. Civis esetores vizinhos agora estão cientes danossa pequena rebelião, e temos que

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abafar os rumores o mais rápidopossível. De algum modo, tenho queneutralizar os alertas que Delalieu jáenviou e, simultaneamente, suprimirqualquer tipo de revolta entre oscidadãos. Eles já estão ansiosos pararesistir, e qualquer fagulha decontrovérsia irá reacender seu fervor.Muitos deles já morreram e eles aindaparecem não entender que ficar contra oRestabelecimento é atrair ainda maisdestruição. Os civis devem serpacificados.

Não quero guerra no meu setor.

Agora, mais do que nunca, preciso estarno controle de mim mesmo e de minhasresponsabilidades. No entanto, meu

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cérebro está disperso, meu corpocansado e ferido. O dia todo estiveprestes a desabar, e não sei o que fazer.Não tenho ideia de como consertar essabagunça. Essa fraqueza é algodesconhecido para o meu ser.

Em apenas dois dias uma garotaconseguiu me incapacitar.

Já tomei mais algumas daquelas pílulasnojentas, mas me sinto ainda mais fracodo que me sentia essa manhã. Pensei quepoderia ignorar a dor e a inconveniênciade um ombro ferido, mas ascomplicações se recusam a ceder. Agoraestou totalmente dependente do que vaime acompanhar nessas próximassemanas de frustração. Remédios,

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médicos, horas na cama.

Tudo isso por um beijo.

É quase insuportável.

— Estarei no escritório o resto do dia— digo a Delalieu. — Mande minhasrefeições para meu quarto, e não meperturbe, a menos que haja algum novoacontecimento.

— Sim, senhor.

— Isso é tudo, tenente.

— Sim, senhor.

Nem tinha percebido como estava mesentindo doente até a porta do quarto se

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fechar atrás de mim. Vou cambaleanteaté a cama e me agarro na beirada paranão cair. Estou transpirando novamentee decido tirar o casaco extra que estavausando lá fora para nosso passeio.Arranco o blazer que tinha jogadodescuidadamente por cima do meuombro ferido e caio de costas na cama.De repente estou gelado. Minha mãotreme enquanto procuro apertar o botãopara chamar o médico.

Preciso que alguém troque os curativosdo meu ferimento. Preciso comer algomais substancial. E, mais do que nunca,preciso de um banho de verdade, o queparece impossível.

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Alguém está parado ao meu lado.

Pisco os olhos várias vezes, mas sóconsigo visualizar o perfil da pessoa.Um rosto fica entrando e saindo de focovárias vezes até que finalmente desisto.Meus olhos se fecham. Minha cabeçaparece que vai explodir. A dor estádilacerando meus ossos e subindo pelomeu pescoço; tons vermelhos, amarelose azuis se mesclam sob minhaspálpebras. Percebo apenas trechos deuma conversa perto de mim.

— parece que está surgindo umafebre...

— talvez sedá-lo...

— quantas ele tomou?...

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Eles vão me matar, eu percebo. É aoportunidade perfeita. Estou fraco eincapaz de me defender, e alguémfinalmente chegou para me eliminar. Éisso. Meu momento. Chegou. E de certomodo não consigo aceitar o fato.

Dou uma pancada forte em direção àsvozes; um som inumano escapa da minhagarganta. Algo duro bate no meu punho ecai no chão. Mãos estranhas agarrammeu braço direito e me seguram nolugar. Alguma coisa está me prendendoem volta dos tornozelos, do meu punho.Estou me debatendo contra essas novasamarras e chutando o ar como um louco.A escuridão parece estar descendosobre meus olhos, meus ouvidos, minha

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garganta. Não consigo respirar, escutarou enxergar com clareza, e o sufocodesse momento é tamanho e tãoapavorante que tenho certeza queenlouqueci.

Alguma coisa fria e pontuda belisca meubraço.

Só tenho um momento para refletirnaquela dor antes que ela tome conta demim.

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Capítulo 6

— Juliette — murmuro. — O que estáfazendo aqui?

Estou parcialmente vestido, mepreparando para meu dia, e ainda émuito cedo para visitas. Essas horasanteriores ao nascer do sol são meusúnicos momentos de paz, e ninguémdeveria estar aqui. Parece impossívelque ela tenha conseguido burlar avigilância e ter acesso aos meus

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alojamentos particulares.

Alguém deveria tê-la impedido.

Ao invés disso, ela está parada na minhaporta, me olhando. Já a havia vistotantas vezes, mas dessa vez é diferente— estou sentindo uma dor quase físicasó de olhar para ela. Mas de certo modoainda me sinto atraído, desejando estarperto dela.

— Me desculpe — ela diz, e estátorcendo as mãos e evitando me olhar defrente. — Sinto tanto, tanto.

Observo suas roupas.

É um vestido verde-escuro com mangasjustas; um corte simples feito de algodão

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com lycra que molda as curvas maciasdo seu corpo. Ele combina com os tonsde verde dos olhos dela de um jeito queeu não esperava. É um dos muitosvestidos que escolhi para ela. Achei queiria gostar de ganhar algumas coisasbonitas depois de ter ficado tanto tempoengaiolada como um animal. E não seibem se consigo explicar, mas sinto umorgulho estranho de ela estar vestindoalgo que eu mesmo escolhera.

— Desculpe — ela diz, pela terceiravez.

Mais uma vez fico aturdido em pensarcomo ela conseguiu chegar aqui. No meuquarto. Olhando para mim enquantoainda estou sem camisa. Seu cabelo é

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tão longo que cai até o meio das costas;tenho que me segurar para conter minhavontade de passar as mãos sobre eles.Ela é tão linda.

Não entendo por que está sedesculpando.

Ela fecha a porta atrás de si. Caminhaem minha direção. Meu coração batedescompassado agora, e não é algonatural para mim. Não costumo reagirdesse modo. Não costumo perder ocontrole. Eu a vejo todos os dias econsigo manter uma aparência dedignidade, mas tem alguma coisa errada;isso não está certo.

Ela está tocando meu braço.

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Está deslizando seus dedos pela curvado meu ombro, e o toque da sua pele emcontato com a minha me dá vontade degritar. A dor é intolerável, mas nãoconsigo falar; estou paralisado.

Tenho vontade de dizer para ela parar,para ir embora, mas um pedaço de mimestá em conflito. Estou feliz em tê-laperto de mim, mesmo que isso doa,mesmo que isso não faça nenhumsentido. Mas eu não consigo alcançá-la,não posso abraçá-la como sempre quisfazer.

Ela olha para mim.

Ela me examina cuidadosamente comseus olhos azuis-esverdeados e de

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repente me sinto culpado, sem entendero porquê. Porém, tem algo em seu olharque me faz sentir insignificante, como seela houvesse percebido que sou vaziopor dentro. Ela descobriu as rachadurasnessa armadura que venho usando háanos, todos os dias, e isso me deixapetrificado.

Essa garota sabia exatamente como medestruir.

Ela pousa as mãos no meu ombro.

E então agarra meu ombro, enfia seusdedos na minha pele como se estivessetentando rasgá-la. A agonia é tão cegaque, dessa vez, chego realmente a gritar.Caio de joelhos à sua frente e ela torce

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meu braço, girando-o para trás até euficar sem fôlego, tentando permanecercalmo, lutando para não me entregar àdor.

— Juliette — falo ofegante —, porfavor...

Ela passa a mão livre pelos meuscabelos, joga minha cabeça para tráspara que eu seja forçado a encarar seusolhos. E então se curva e se aproximados meus ouvidos, seus lábios quasetocando meu rosto.

— Você me ama? — ela sussurra.

— O que? — Respiro fundo. — O quevocê está fazendo?

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— Você ainda me ama? — ela perguntanovamente, seus dedos agora deslizandopelos contornos do meu rosto, pela linhado meu maxilar.

— Sim — digo a ela. — Ainda a amo.

Ela sorri.

É um sorriso inocente, tão meigo quefico realmente chocado quando suasmãos se apertam em torno do meu braço.Ela torce meu ombro para trás a talponto, que tenho certeza que o deslocou.Meus olhos veem faíscas quando eladiz:

— Está quase acabado agora.

— O que? — pergunto, desesperado,

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tentando olhar em volta. — O que estáquase acabado...

— Só um pouco mais e eu vou embora.

— Não — não, não vá —, onde estáindo...

— Você vai ficar bem — ela declara.— Eu prometo.

— Não — estou respirando comdificuldade —, não...

Subitamente ela me empurra para frentee eu acordo tão rápido que me falta o ar.

Pisco várias vezes até perceber que eutinha acordado no meio da noite. Umaescuridão completa me envolve portodos os cantos do quarto. Meu peito

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está arfando; meu braço está preso elatejando, e eu percebo que o efeito dosmedicamentos contra a dor já passou.Tem um pequeno controle remoto presodebaixo da minha mão; aperto o botãopara liberar mais uma dose.

Demoro alguns minutos para meestabilizar. Meus pensamentoslentamente se recuperam do pânico.

Juliette.

Não posso controlar um pesadelo, masseu nome vai ser a única coisa que voume permitir recordar quando estiveracordado.

A humilhação que sinto não me permitemais que isso.

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Capítulo 7

— Bom, isso é embaraçoso. Meu filho,amarrado como um animal.

Estou quase convencido que estou tendooutro pesadelo. Abro meus olhoslentamente; olho para o teto. Não façonenhum movimento brusco, mas possosentir a força das correias em volta dosmeus punhos e nos dois tornozelos. Meubraço ferido ainda está na tipoia eapoiado no meu peito. E embora a dor

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no meu ombro ainda esteja lá, jádiminuiu bastante. Me sinto mais forte.Até minha mente está mais clara, maisalerta. Mas então sinto o gosto de algoamargo na boca e imagino há quantotempo estou nessa cama.

— Você realmente achou que eu nãoficaria sabendo? — ele pergunta,divertido.

Ele se aproxima da minha cama, seuspassos reverberando dentro de mim.

— Você fez Delalieu choramingardesculpas por me incomodar, suplicandopara meus homens culpá-lo pelainconveniência dessa visita inesperada.Sem dúvidas, você apavora aquele

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velho, que está simplesmente fazendo otrabalho dele, quando a verdade é, euteria descoberto tudo, mesmo sem ele terme contado. Isso — ele diz — não é otipo de trapalhada que se pode esconder.Você é um idiota por pensar o contrário.

Sinto um leve puxão nas minhas pernas epercebo que ele está soltando asamarras. O toque da sua mão na minhapele é abrupto e inesperado, e isso mexealguma coisa dentro de mim, algoobscuro e profundo que me faz sentirfisicamente mal. Sinto o gosto do vômitono fundo da minha garganta. É precisotodo o meu autocontrole para nãovomitar em cima dele.

— Sente-se meu filho. Você deve estar

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bem melhor agora. Não descansouquando deveria, e agora isso foicorrigido. Você está inconsciente há trêsdias, e eu cheguei aqui há vinte e setehoras. Agora, levante-se. Isso é ridículo.

Ainda estou olhando para o teto.Respirando com dificuldade.

Ele muda de tática.

— Sabe — ele diz com cuidado —, naverdade eu ouvi uma história beminteressante sobre você. — Ele se sentana beirada da minha cama; o colchãorange e estala sob o peso dele. —Gostaria de ouvi-la?

Minha mão esquerda começa a tremer.Cerro os dedos sobre os lençóis.

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— Soldado 45B-76423. Fletcher,Seamus. — Ele faz uma pausa. — Onome lhe é familiar?

Aperto meus olhos com força.

— Imagine minha surpresa — elecontinua — quando escuto que meu filhofinalmente fez a coisa certa. Que elefinalmente tomou a iniciativa edispensou um soldado traiçoeiro queandava roubando dos nossos depósitosde suprimentos. Fiquei sabendo quevocê lhe deu um tiro na testa. — Umarisada. — Dei os parabéns para mimmesmo. Disse que você tinha finalmentese juntado aos seus, que finalmenteaprendeu a liderar corretamente. Fiqueiquase orgulhoso. Por isso, fiquei ainda

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mais surpreso ao saber que a família deFletcher ainda está viva. — Ele bateusuas mãos uma na outra com força. — Ésurpreendente, é claro, porque você,entre todos os demais deveria saber asregras. Traidores vêm de famílias detraidores, e uma traição significa mortepara todos.

Ele apoia sua mão no meu peito.

Estou levantando muros no meu cérebronovamente. Paredes brancas. Blocos deconcreto. Cômodos vazios e espaçosabertos.

Não existe nada dentro de mim. Nada ládentro.

— É engraçado. — Ele continua

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pensativo agora. — Porque eu disse amim mesmo que esperaria para discutirisso com você. Mas, de certo modo,esse momento parece bem adequado,não acha? — Posso ouvir o sorriso dele.— Dizer a você como estoudesapontado. Muito embora não possadizer que esteja surpreso. — Ele dá umsuspiro. — Num único mês você perdeudois soldados, não conseguiu controlaruma garota clinicamente demente,abalou um setor inteiro, e encorajou arevolta entre os cidadãos. E, porincrível que pareça, não estouabsolutamente surpreso.

Suas mãos se movem; se demoram nosmeus ombros.

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Paredes brancas, penso.

Blocos de concreto.

Cômodos vazios. Espaço aberto.

Nada existe dentro de mim. Nada ládentro.

— Mas o pior de tudo — ele continua— não é o fato de você ter conseguidome humilhar ao subverter a ordem queeu tinha finalmente conseguidoestabelecer. Nem que, de algum modo,você conseguiu levar um tiro durante osacontecimentos. Mas que demonstrassesimpatia pela família de um traidor —ele diz, rindo, sua voz num tom feliz ealegre. — Isso é imperdoável.

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Meus olhos estão abertos agora,piscando sob a forte luz fluorescenteacima da minha cabeça, concentrado nospontos brancos que borram minha visão.Não vou me mover. Não vou falar.

Suas mãos se fecham em torno da minhagarganta.

O movimento é tão abrupto e violentoque quase fico aliviado. Uma parte demim sempre espera que ele vá fazer issoalgum dia; que talvez ele realmente medeixe morrer dessa vez. Mas isso nuncaacontece. Nunca dura o bastante.

Tortura nunca é tortura quando existealguma esperança de alívio.

Ele me solta logo e consegue exatamente

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o que quer. Dou um salto para cima,tossindo e espirrando, finalmenteemitindo um som que reconhece suapresença nesse quarto. Meu corpo todoestá tremendo agora, meus músculosestão enrijecidos pelo ataque e por terpermanecido imóvel por tanto tempo.Estou suando frio; minha respiração édifícil e dolorida.

— Você tem muita sorte — ele declara,suas palavras suaves demais. Ele estáem pé agora, não mais tão perto do meurosto. — Sorte que eu estava aqui paraacertar as coisas. Sorte que eu tivetempo de corrigir seu erro.

Fico paralisado.

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O quarto começa a girar.

— Consegui localizar a esposa dele —ele diz. — A esposa de Fletcher e seustrês filhos. Acho que eles lhe mandaramlembranças. — Uma pausa. — Bom,isso foi antes que os mandasse matar,então acho que isso não importa muitoagora, mas meus homens disseram queeles lhe mandaram um alô. Parece queela se lembrava de você — ele diz,rindo baixinho. — A esposa. Ela disseque você lhe fez uma visita antes de todoesse... aborrecimento ocorrer. Disse quevocê estava sempre visitando oscomplexos. Se informando sobre oscivis.

Murmuro apenas as duas palavras que

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consigo balbuciar.

— Saia daqui.

— Esse é o meu garoto! — ele diz,acenando a mão na minha direção. —Um tolo dócil e patético. Às vezes ficotão revoltado com você que tenhovontade de eu mesmo lhe dar um tiro.Mas então penso que deve ser isso o quegostaria que eu fizesse, não é? Poder meculpar pela sua própria derrota? E eupenso que não, é melhor deixá-lo morrerpela sua própria estupidez.

Olho para frente sem compreender, meusdedos crispados sobre os lençóis.

— Agora me conte — ele pede —, oque aconteceu com seu braço? Delalieu

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e os outros homens parecem não terideia do que aconteceu.

Não digo nada.

— Envergonhado demais para admitirque foi ferido por um de seus própriossoldados, então?

Fecho meus olhos.

— E quanto à garota? — ele indaga. —Como ela conseguiu escapar? Fugiu comum de seus homens, não foi?

Agarro os lençóis com tanta força quemeus punhos começam a tremer.

— Me diga — ele diz, se aproximandodos meus ouvidos. — Como vocêlidaria com um traidor desse tipo? Vai

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visitar a família dele também? Ser gentilcom a esposa dele?

Não queria dizer isso em voz alta, masnão consigo me segurar dessa vez.

— Vou matá-lo.

Ele dá uma sonora gargalhada que maisparece um uivo. Bate a mão na minhacabeça e bagunça meu cabelo com osmesmos dedos que há pouco apertavamo meu pescoço.

— Muito melhor. Agora levante. Temostrabalho a fazer.

E eu penso que sim, não me importariade fazer o tipo de trabalho quedesapareceria com Adam Kent desse

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mundo.

Um traidor desse tipo não merece viver.

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Capítulo 8

Estou no chuveiro há tanto tempo queperdi a noção do tempo.

Isso nunca me aconteceu antes.

Tudo está fora de lugar, desequilibrado.Estou inseguro quanto às minhasdecisões, duvidando de tudo que acheique acreditava, e pela primeira vez navida, estou genuinamente exausto,acabado.

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Meu pai está aqui.

Estamos dormindo sob o mesmo teto;algo que eu esperava não ter quevivenciar novamente. Mas ele está aquina base, hospedado em seus própriosalojamentos até estar bem seguro antesde partir. O que significa que ele vairesolver nossos problemas, causandoestragos no Setor 45. O que significaque estarei reduzido a ser seu fantoche emenino de recados, porque meu painunca aparece para ninguém, a não serpara aqueles que está prestes a matar.

Ele é o comandante supremo doRestabelecimento e prefere impor suasordens anonimamente. Ele viaja paratodos os lugares, sempre com o mesmo

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grupo selecionado de soldados, secomunica apenas através dos seushomens, e somente em raríssimascircunstâncias se afasta da Capital.

Notícias da sua chegada no Setor 45 jáse espalharam pela base, e muitoprovavelmente apavorou meus soldados.Porque sua presença, real ou imaginária,significa apenas uma coisa: tortura.

Há muito tempo não me sentia umcovarde.

Mas isso, isso é uma bênção. Essemomento demorado — essa ilusão — deforça. Estar fora da cama e ser capaz detomar um banho: é uma pequena vitória.Os médicos envolveram meu braço

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ferido num tipo de plástico impermeávelpara o chuveiro, e eu finalmente mesinto capaz de ficar em pé sozinho. Osenjoos passaram, a tontura foi embora.Eu deveria ser capaz de pensar commais clareza agora, no entanto, minhasideias ainda parecem muito confusas.

Me forço para não ficar pensando nela,mas estou começando a perceber quenão sou forte o bastante; ainda não, eprincipalmente quando ainda estouativamente procurando por ela. Isso setornou uma impossibilidade física.

Hoje, preciso voltar ao quarto dela.

Preciso procurar nas suas coisas poralguma pista que me ajude a encontrá-la.

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Os beliches e os armários de Kent e deKishimoto já foram vasculhados; nadaincriminador foi encontrado. Masordenei aos meus homens que deixassemo quarto dela — o quarto de Juliette —exatamente como estava. Ninguém, a nãoser eu mesmo, tinha permissão paraentrar naquele espaço. Não até que euolhasse tudo antes.

E isso, de acordo com meu pai, seriaminha primeira tarefa.

— Isso é tudo, Delalieu. Se precisar demais alguma coisa eu lhe informo.

Ele está me seguindo por todos os

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lugares, mais do que habitualmente.Aparentemente ele veio me procurarquando não compareci à reunião que eumesmo havia agendado há dois dias, eteve o prazer de me encontrar delirante eenlouquecido. Não sei como, mas eleconseguiu se culpar por tudo isso.

Se fosse outra pessoa, eu o teriarebaixado.

— Sim, senhor. Desculpe, senhor. E porfavor, me perdoe — nunca pretendicausar nenhum problema adicional...

— Está tudo bem, tenente.

— Sinto muito, senhor — ele murmura.Seus ombros caem. Sua cabeça se curva.

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Suas desculpas estão me deixandoincomodado.

— Faça as tropas se reagruparem às 13horas. Devido a esses novosacontecimentos, preciso me dirigir aeles.

— Sim, senhor — ele diz. Acena com acabeça sem levantar o olhar.

— Está dispensado.

— Senhor. — Ele faz continência edesaparece.

Estou sozinho em frente à porta doquarto dela.

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Engraçado como fiquei acostumado avisitá-la aqui; como sentia uma sensaçãoestranha de aconchego ao saber que elae eu estávamos vivendo no mesmoprédio. Sua presença aqui na basemudou tudo para mim; as semanas queela passou aqui foram as primeiras emque eu realmente tive prazer em morarnesses alojamentos. Eu aguardavaansiosamente por suas explosões. Seusataques de raiva. Seus argumentosridículos. Gostava quando ela gritavacomigo; eu a teria parabenizado se elativesse chegado a me dar um tapa nacara. Estava sempre a provocando,brincando com suas emoções. Queriaque ela entrasse em contato com a garota

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que havia dentro dela, aprisionada pelomedo. Queria que ela se libertasse dassuas próprias amarras.

Porque apesar de ela aparentar timidezdentro dos limites do seu isolamento,aqui fora — no meio do caos, destruição— eu sabia que ela se tornaria algocompletamente diferente. Estava apenasà espera. Cada dia esperandopacientemente que ela entendesse adimensão do seu novo potencial; semnunca ter percebido que a havia deixadoaos cuidados do único soldado quepoderia roubá-la de mim.

Eu deveria me matar por isso.

Ao invés disso, abro a porta.

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Quando atravesso o umbral, o paineldesliza e se fecha às minhas costas. Mevejo sozinho, parado aqui, no últimolugar que ela tocou. A cama está desfeitae bagunçada, as portas do armárioescancaradas, a janela quebrada,temporariamente fechada com fita crepe.Sinto uma dor profunda e nervosa nomeu estômago que prefiro ignorar.

Concentração.

Entro no banheiro e examino seusartigos de higiene, os armários, atémesmo dentro do chuveiro.

Nada.

Volto para a cama e passo a mão sobreo edredom amarrotado, os travesseiros

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empelotados. Demoro um pouco paraavaliar a evidência de que ela estevepresente nesse quarto, e arranco asroupas da cama. Lençóis, fronhas,edredom e colcha; tudo jogado ao chão.Examino minuciosamente cadacentímetro dos travesseiros, do colchão,e da estrutura da cama, e novamente nãoencontro nada.

A mesinha de cabeceira. Nada.

Debaixo da cama. Nada.

As luminárias, o papel de parede, cadapeça de roupa no seu armário. Nada.

Somente quando estou me dirigindo àporta é que toco algo com meus pés.Olho para baixo. Ali, preso debaixo da

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minha bota está um retângulo grosso,desbotado. Um caderninho simples edespretensioso que cabia na palma daminha mão.

E fico tão surpreso que por um momentonão consigo nem me mexer.

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Capítulo 9

Como posso ter esquecido?

Este caderninho estava no seu bolso nodia que ela estava preparando a fuga. Euo tinha encontrado um pouco antes deKent colocar uma arma na minha cabeça,e em algum momento durante aquelecaos, devo tê-lo deixado cair. E chego àconclusão que era isso o que estavaprocurando aquele tempo todo.

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Me curvo para pegá-lo, retirandocuidadosamente as lascas e os cacos devidro das suas páginas. Minha mão nãoestá firme, meu coração está martelandonos meus ouvidos. Não tenho ideia doque ele pode conter. Fotos. Mensagens.Pensamentos embaralhados e ideiasainda malformadas.

Podia ser qualquer coisa.

Viro o caderninho na minha mão, meusdedos se lembrando da superfície ásperae gasta. A capa tem um tom de marromapagado, mas não posso afirmar se foimanchado pelo uso ou pelo tempo, ou sesempre foi dessa cor. Imagino há quantotempo ela o possui. Onde será que ela oadquiriu.

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Dou um passo em falso para trás, minhaspernas batem na cama. Meus joelhoscedem, e me seguro na ponta do colchão.Respiro fracamente e fecho meus olhos.

Eu tinha visto uma filmagem do períodoque ela passou no hospício, mas foicompletamente inútil. A iluminação eramuito fraca; a pequena janela malconseguia clarear os cantos escuros doquarto dela. Ela era frequentementeapenas uma forma indistinta; umasombra escura que poderia passar semser notada. Nossas câmeras só serviampara detectar seus movimentos — etalvez num momento de sorte, quando osol a iluminava pelo ângulo certo —,mas ela raramente se movia. Na maior

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parte do tempo ela ficava sentadaparada, muito quieta, na sua cama ounum canto escuro. Ela quase nuncafalava. E quando o fazia, nunca era compalavras. Ela falava somente emnúmeros.

Contando.

Havia algo de surreal nela, sentada ali.Não conseguia nem ver seu rosto; nãoera capaz de discernir o contorno do seucorpo. Mesmo assim ela me fascinava.Que ela pudesse ser tão calma, tãoquieta. Ela se sentava num lugar durantehoras de uma vez, imóvel, e sempreimaginei o que se passava em sua mente,o que ela poderia estar pensando, comoela podia existir num mundo assim

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solitário. Mais do que qualquer outracoisa, eu queria que ela falasse.

Estava desesperado para ouvir sua voz.

Sempre desejei que ela falasse umalíngua que eu pudesse entender. Penseique poderíamos começar com algosimples. Talvez algo ininteligível. Mas aprimeira vez que a peguei falando frenteà câmera, não consegui afastar meuolhar dela. Fiquei sentado ali, parado,com os nervos tensionados, quando elatocou a parede com a mão e contou.

4.572.

Observei enquanto ela contava. Até4.572.

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Demorou cinco horas.

Só mais tarde percebi que ela estavacontando suas próprias respirações.

Não consegui deixar de pensar neladepois disso. Eu estava disperso bemantes de ela chegar à base,constantemente pensando no que elaestava fazendo e se ela iria falarnovamente. Se estava contando em vozalta, ou estava contando na sua cabeça.Será que ela já havia pensado em letras?Sentenças completas? Estava com raiva?Triste? Por que ela parecia tão calmapara uma garota que havia sidoconsiderada um animal perturbado etemperamental. Era um truque?

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Eu tinha visto todos os relatóriosdocumentando os momentos críticos desua vida. Tinha lido todos os detalhesdos seus históricos médicos e policiais;tinha colocado em ordem asreclamações da escola, as anotações dosmédicos, sua sentença oficial emitidapelo Restabelecimento, e até mesmo oquestionário do hospício respondido porseus pais. Sabia que ela tinha sidoretirada da escola aos 14 anos, quehavia passado por uma série de testes esido forçada a tomar várias — eperigosas — drogas experimentais, alémde se submeter a sessões deeletrochoque. Em dois anos ela haviaentrado e saído de nove diferentes

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centros de detenção juvenil e foiexaminada por mais de cinquentamédicos diferentes. Todos eles adescreveram como um monstro.Chamaram-na de um perigo para asociedade e uma ameaça à humanidade.Uma garota que iria destruir nossomundo e já tinha começado assassinandouma criança pequena. Aos 16 anos, seuspais sugeriram que ela fosse internada.E foi o que aconteceu.

Nada disso fazia sentido para mim.

Uma garota rejeitada pela sociedade,pela sua própria família — ela devia termuitos sentimentos reprimidos. Raiva.Depressão. Ressentimento. Onde estavatudo isso?

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Ela não era nada parecida com os outrospacientes do hospício — aqueles queeram realmente perturbados. Algunspassavam horas se lançando contra aparede, quebrando osso e fraturandocrânios. Outros eram tão perturbadosque rasgavam a própria pele até tirarsangue, literalmente se rasgando empedaços. Alguns conversavam consigomesmos em voz alta, dando risadas,cantando e discutindo. A maioriarasgava as próprias roupas, satisfeitosem dormir e ficar despidos na suaprópria sujeira. Ela era a única quetomava banho com regularidade oulavava as próprias roupas. Fazia suasrefeições calmamente, sempre comendo

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tudo que lhe ofereciam. E passava amaior parte do tempo olhando pelajanela.

Ela ficou trancafiada por 264 dias e nãoperdeu seu senso de humanidade. Queriasaber como ela conseguiu reprimir tantacoisa; como ela adquiriu tanta calmaexterior. Pedi uma análise do seucomportamento em relação aos outrospacientes, porque queria fazer umacomparação. Queria saber se seucomportamento era normal.

Não era.

Observei o perfil modesto dessa garotaque eu não podia ver nem conhecer, esenti um respeito enorme por ela. Passei

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a admirá-la e invejar sua calma — suatranquilidade perante tudo a que foiforçada a enfrentar. Não sei se entendiexatamente o que era que estavasentindo naquela época, mas sabia que aqueria toda para mim.

Queria conhecer seus segredos.

E então um dia, ela se levantou na suacela e caminhou até a janela. Era demanhã bem cedo, o sol havia acabado denascer; pela primeira vez pudevislumbrar seu rosto. Ela pressionou apalma da mão na janela e sussurrou duaspalavras, só uma vez.

Me perdoa.

Aperto o botão para retroceder a fita

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várias vezes.

Nunca poderia contar a ninguém queestava incrivelmente fascinado por ela.Tinha que inventar falsos motivos, umaindiferença aparente — uma arrogância— em relação a ela. Ela seria nossaarma e nada mais, apenas uminstrumento de tortura inovador.

Um detalhe que não me importava nemum pouco.

Minha pesquisa me havia levado deencontro aos seus arquivos por puroacaso. Coincidência. Não fui atrás delaà procura de uma arma; nunca fui. Bemantes de eu ter visto seu filme, e bem,bem antes de ter trocado uma só palavra

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com ela, estava pesquisando outra coisa.Para outro fim.

Meus motivos eram só meus.

Usá-la como arma foi uma história quecriei para o meu pai; precisava de umadesculpa para ter acesso a ela, para ter apermissão necessária para estudar seusarquivos. Foi uma charada que tive queinventar para me justificar perante meussoldados e para a centena de câmerasque monitoram minha existência. Não atrouxe para a base para explorar suashabilidades. E certamente não esperavame apaixonar por ela no meio dissotudo.

Mas essas verdades e minha verdadeira

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motivação vão para o túmulo comigo.

Caio na cama com força. Bato a mão natesta, e a esfrego pelo meu rosto. Nuncateria mandado Kent ficar com ela se eumesmo tivesse podido fazer isso. Cadajogada minha foi um erro. Vi cadaesforço calculado falhar. Eu apenasqueria ver como ela interagia com outrapessoa. Imaginava se ela seria diferente;se as expectativas que eu havia criadoem relação a ela se acabariam ao vê-laconversando naturalmente com alguém.Porém, vê-la conversar com outrapessoa me deixou maluco. Estava comciúmes. Ridículo. Queria que elasoubesse quem eu era; queria que elaconversasse comigo. E foi então que

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percebi: essa sensação estranha einexplicável de que talvez ela fosse aúnica pessoa do mundo pela qual eupoderia realmente me importar.

Me forço a me sentar. Arrisco um olharpara o caderno ainda preso em minhamão.

Eu a perdi.

Ela me odeia.

Ela me odeia e eu a rejeito, e talveznunca mais a verei, e a culpa é todaminha. Esse caderninho talvez seja aúnica coisa que me restou dela. Minhamão ainda está pairando sobre a capa,tentando abri-lo, para poder encontrá-lanovamente, mesmo que seja só por um

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instante, mesmo que seja apenas nopapel. Mas parte de mim está com medo.Talvez isso não acabe bem. Talvez nãoseja o que eu gostaria de ver. E meacudam se isso for algum tipo de diáriocontendo seus pensamentos esentimentos pelo Kent, posso até mejogar pela janela.

Coloco o punho cerrado de encontro àminha testa. Respiro fundo edemoradamente.

Finalmente o abro. Meus olhos descempara a primeira página.

E só então começo a perceber aimportância do que encontrei.

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Continuo a pensar que devopermanecer calma, que tudo isso éfruto da minha imaginação, que tudovai ficar bem e alguém vai abrir aporta e me deixar sair. Continuo apensar que isso vai acontecer porqueesse tipo de coisa não acontece pura esimplesmente. Isso não acontece. Aspessoas não são esquecidas dessemodo. Não são abandonadas assim.

Isso simplesmente não acontece.

Meu rosto está coberto de sangue dequando eles me jogaram no chão, eminhas mãos estão tremendo, mesmoquando escrevo isso. Essa caneta éminha válvula de escape, minha única

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voz, porque não tenho ninguém comquem conversar, nenhuma mente alémda minha para mergulhar e todos osbotes salva-vidas estão ocupados etodas as boias estão quebradas e nãosei nadar, não consigo nadar nãoconsigo nadar e está cada vez maisdifícil. É como se houvesse um milhãode gritos presos dentro do meu peito,mas tenho que mantê-los presos ládentro porque para que gritar se nãotem ninguém para escutar seus gritos eninguém vai me escutar aqui. Ninguémjamais me ouvirá novamente.

Aprendi a ficar olhando para as coisas.

As paredes. Minhas mãos. Asrachaduras na parede. As linhas nos

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meus dedos. Os tons de cinza noconcreto. O formato de minhas unhas.Escolho uma coisa e fico olhandohoras para ela. Conto as horas naminha cabeça contando os segundos àmedida que eles passam. Conto os diasque passam enumerando-os. Hoje é odia dois. Hoje é o segundo dia. Hoje éum dia.

Hoje.

Está muito frio. Está tão frio está tãofrio.

Por favor por favor por favor

Fecho o caderno com força.

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Minha mão está trêmula novamente, edessa vez não consigo evitar. Dessa vezo tremor está vindo do fundo do meu ser,de uma percepção profunda do tenho nasmãos. Esse diário não é do tempo queela passou aqui. Não tem nada a vercomigo, ou Kent, ou ninguém. Essediário é um documento dos seus diaspassados no manicômio.

E, de repente, esse pequeno edesgastado caderno é mais importantepara mim do que qualquer outra coisaque eu já tenha possuído.

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Capítulo 10

Nem eu mesmo sei como consigo voltartão depressa para meu quarto. Tudo quesei é que tranquei a porta do quarto,destranquei a porta do escritório só parame trancar lá dentro, e agora estousentado aqui na minha mesa, pilhas depapel e material sigiloso são colocadasde lado, e fico olhando para aquela capaesfarrapada de algo que tenho muitomedo de ler. Existe algo pessoal nesse

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diário; parece que contém sentimentosde solidão, os momentos maisvulneráveis da vida de alguém. Elaescreveu o que está nessas páginas nomomento mais lúgubre de sua vida de 17anos, e estou prestes a conseguirexatamente o que sempre quis.

Um olhar na sua mente.

E embora essa espera esteja acabandocomigo, também estou terrivelmenteciente de como isso pode ter umresultado negativo. De repente não tenhomais certeza se realmente quero saber.No entanto, sei que quero.Definitivamente sim.

Então, abro o livro, e viro para a página

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seguinte. Dia três.

Hoje começo o dia gritando.

E aquelas quatro palavras me atingemmais fundo do que qualquer dor física.

Meu peito está subindo e descendo,minha respiração resfolegante. Tenhoque me forçar a continuar a ler.

Logo percebo que as páginas estão forade ordem. Parece que ela voltou para ocomeço depois que chegou ao final dodiário, e percebeu que não tinha maisespaço. Ela escreveu nas margens, sobre

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os parágrafos, com letras minúsculas equase ilegíveis. Existem númerosrabiscados por cima de tudo, às vezes omesmo número se repete várias e váriasvezes. Algumas vezes a mesma palavraé escrita e reescrita, circulada esublinhada. E quase todas as páginastêm sentenças e parágrafos quase queinteiramente riscados.

É um completo caos.

Meu coração se contrai ao perceberisso, com essa prova do que ela deve terpassado. Havia imaginado como eladeve ter sofrido durante todo essetempo, trancada em condições sombriase pavorosas. Mas ver isso pessoalmente— queria não estar certo.

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E agora, mesmo quando tento ler emordem cronológica, descubro que souincapaz de acompanhar o método queela usou para numerar tudo; o sistemaque ela criou nessas páginas é algo quesó ela seria capaz de decifrar. Possoapenas folhear o material e procurartrechos que estão escritos com maiscoerência.

Meus olhos ficam presos a umapassagem em particular.

É uma coisa estranha, não conhecer apaz. Saber que não importa onde vocêfor, não existe um santuário. Que aameaça da dor estará sempre ali bem

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perto. Não estou protegida dentrodessas quatro paredes, nunca me sentiprotegida ao sair de minha casa, enunca consegui estar segura noscatorze anos que vivi dentro de casa. Ohospício mata pessoas todos os dias, omundo já aprendeu a me temer, e meular é o mesmo lugar onde meu pai meprendia no quarto todas as noites eminha mãe gritava comigo por ser aaberração que ela foi forçada a criar.

Ele sempre disse que era meu rosto.

Havia alguma coisa no meu rosto,minha mãe dizia, que ela nãoconseguia suportar. Algo nos meusolhos, no modo como eu olhava para

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ela, o simples fato de eu existir. Elasempre dizia para eu parar de olharpara ela. Ela costumava gritar issopara mim. Como se eu fosse atacá-la.Pare de me olhar, ela gritava. Vocêpare de olhar para mim, ela gritava.

Uma vez ela colocou minha mão nofogo.

Só para ver se iria queimar, ela disse.Só para verificar se era uma mãocomum, ela dizia.

Eu tinha 6 anos então.

Me lembro disso, pois era meuaniversário.

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Joguei o caderno no chão.

Me levanto num instante, tentandoacalmar meu coração. Passo a mãopelos cabelos, meus dedos seguram asraízes. Essas palavras me tocam, me sãotão familiares. A história de uma criançamaltratada pelos pais. Trancada ejogada fora. É algo que eu entendo bem.

Nunca li nada parecido antes. Nuncahavia lido nada que tocasse direto nomeu coração. E eu sei que não deveria.Sei que de algum modo isso não vaiajudar, não vai me ensinar nada, não vaime dar nenhuma pista sobre onde elapode ter ido. Já sei que ler tudo isso vaime enlouquecer.

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Mas não consigo deixar de pegar odiário dela mais uma vez.

Abro-o novamente.

Será que já estou louca?

Será que isso já aconteceu?

Como saberei um dia?

Meu interfone toca tão repentinamenteque quase caio da cadeira, e tenho queme segurar na parede por trás da minhamesa. Minhas mãos não param detremer; minha testa está coberta de suor.

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Meu braço ferido começa a queimar, eminhas pernas de repente estão fracasdemais para me aguentar de pé. Tenhoque focar toda a minha energia emparecer normal quando receber amensagem.

— O quê? — pergunto.

— Senhor, estava pensando, se o senhorainda estava... bem, a reunião, senhor, amenos é claro que eu entendi o horárioerrado. Desculpe, não deveria tê-loincomodado...

— Oh, pelo amor de Deus, Delalieu. —Tento afastar o tremor da minha voz. —Pare de se desculpar. Estou a caminho.

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— Sim, senhor — ele diz. — Obrigado,senhor.

Desligo o aparelho.

E então seguro o caderno, o enfio nomeu bolso e vou em direção à porta.

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Capítulo 11

Estou parado na borda do pátio sobre oQuadrante, olhando para milhares derostos me encarando. Esses são meussoldados. Parados em fila em seusuniformes de reunião. Camisas pretas,calças pretas, botas pretas.

Sem armas.

Punhos esquerdos pressionados aospeitos.

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Faço um esforço para me concentrar —e me importar — com a tarefa à minhafrente; mas de um jeito ou de outro nãoconsigo evitar sentir a presença daquelecaderno guardado no meu bolso, seuvolume pressionando minha perna e metorturando com seus segredos.

Não sou eu mesmo.

Meus pensamentos estão emaranhadosem palavras que não são minhas.Respiro fundo para clarear minhacabeça; flexiono os dedos da mão.

— Setor 45 — proclamo, falandodiretamente no microfone.

Eles se movem imediatamente,abaixando a mão esquerda e colocando

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o punho direito de encontro ao peito.

— Temos uma série de coisasimportantes para discutir hoje — digo aeles. — A primeira de todas é bemaparente. — Faço um gesto com meubraço. Estudo seus rostoscuidadosamente desprovidos deemoção.

Seus pensamentos traiçoeiros sãoóbvios.

Eles pensam que sou uma criançamaluca. Não me respeitam; não são leaisa mim. Eles estão desapontados queestou ali frente a eles; zangado;revoltado até, mas não fui morto porcausa desse ferimento.

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Mas eles temem a mim.

E isso é tudo de que preciso.

— Fui ferido — digo — enquantoperseguia dois de nossos soldadosdesertores. Soldado Adam Kent eSoldado Kenji Kishimoto planejaramsua fuga num esforço para sequestrarJuliette Ferrars, nosso mais novo eimportante ativo para o Setor 45. Elesforam acusados do crime de capturar edeter a Srta. Ferrars contra a suavontade. Porém, e mais importante, elesforam devidamente condenados portraição contra o Restabelecimento.Quando forem encontrados serãoexecutados sumariamente.

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O terror, eu percebo, é um dossentimentos mais fáceis de seidentificar. Até mesmo no rosto estoicode um soldado.

— Em segundo lugar — digo, dessa vezmais lentamente —, num esforço paraapressar o processo de estabilizar oSetor 45, acalmar seus cidadãos, e osubsequente caos resultante dessesrecentes acontecimentos, o comandantesupremo do Restabelecimento se juntoua nós na base. Ele chegou — informo aeles — a menos de trinta e seis horas.

Alguns homens abaixaram os punhos.Esqueceram por um momento de simesmos. Seus olhos estão arregalados.

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Petrificados.

— Vocês irão recepcioná-lo — digo.

Eles caem de joelhos.

É estranho deter esse tipo de poder.Gostaria de saber se meu pai estáorgulhoso do que criou. Ser capaz defazer milhares de homens caírem dejoelhos com apenas algumas palavras;apenas ao me ouvirem dizer o seu título.É o tipo de coisa horrorosa e viciante.

Conto cinco compassos na minhacabeça.

— Levantar.

Eles levantam. E então marcham.

Cinco passos para trás, para frente,

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parados no lugar. Levantam seus braçosesquerdos, curvam os dedos e formampunhos, e se ajoelham num joelho só.Dessa vez não permito que se levantem.

— Preparem-se, cavalheiros — digo aeles. — Não descansaremos até queKent e Kishimoto sejam encontrados eque a Srta. Ferrars seja trazida de voltaà base. Vou me reunir com o comandantesupremo nas próximas vinte e quatrohoras; nossa mais nova missão seráclaramente definida. Nesse ínterimvocês têm que entender duas coisas:primeiro, iremos neutralizar a tensãoque se criou entre os cidadãos e nosesforçar para lembrarmos a eles de suaspromessas para nosso novo mundo. E

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em segundo lugar, garantiremosencontrar os soldados Kent e Kishimoto.— Paro. Olho em volta, meconcentrando em seus rostos. — Deixeque o destino deles sirva como exemplopara vocês. Não aceitamos traidores noRestabelecimento. E nós nãoperdoamos.

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Capítulo 12

Um dos homens do meu pai está meesperando do lado de fora da minhaporta.

Olho de relance em sua direção, masnão o suficiente para reconhecer suasfeições.

— Diga qual o assunto, soldado.

— Senhor — ele diz —, recebi ordenspara lhe informar que o comandante

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supremo solicita sua presença em seusalojamentos para o jantar às vinte horas.

— Considere sua mensagem recebida.— Dou um passo para abrir minha porta.

Ele dá um passo à frente, bloqueandominha passagem.

Viro o corpo para olhar para ele.

Ele está parado a alguns passos dedistância de mim: um ato implícito dedesrespeito; um nível de intimidade quenem mesmo Delalieu se permite. Noentanto, ao contrário dos meus homens,os bajuladores que cercam meu pai seconsideram especiais. Ser um membroda guarda de elite do comandantesupremo é considerado um privilégio e

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uma honra. Eles se reportam diretamentea ele.

E nesse exato momento, esse soldadoestá tentando provar que é superior amim.

Ele tem inveja de mim. Pensa que souindigno de ser o filho do comandantesupremo do Restabelecimento. Isso estápraticamente escrito no rosto dele.

Tenho que segurar meu impulso de cairno riso quando encaro seus frios olhoscinza e o buraco negro que é sua alma.Ele tem as mangas enroladas na alturado cotovelo, suas tatuagens militaresclaramente definidas e à mostra. Oscírculos concêntricos de tinta preta em

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volta dos seus braços são acentuados emvermelho, verde e azul, o único sinalpara indicar que ele é um soldado depatente elevada. É um ritual doentio doqual sempre fiz questão de me recusar aparticipar.

O soldado ainda está me encarando.

Inclino minha cabeça em sua direção,ergo minhas sobrancelhas.

— Recebi ordens — ele declara — deesperar uma resposta oral aceitandoesse convite.

Demoro um pouco, pensando nas minhasescolhas, mas não havia nenhuma.

Eu, como todos os fantoches desse

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mundo, sou completamente subservienteaos desejos do meu pai. É verdade quesou forçado a lutar todos os dias: quenunca serei capaz de enfrentar o homemque tem seus punhos cerrados em voltada minha espinha vertebral.

Isso me faz odiar a mim mesmo.

Encaro os olhos do soldado e imagino,por um breve momento, qual o nomedele, antes de perceber que não meimporto com isso.

— Considere-o aceito.

— Sim, s...

— E da próxima vez, soldado, não seaproxime a menos de um metro e meio

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de distância de mim, sem pedirpermissão.

Ele pisca os olhos, confuso.

— Senhor, eu...

— Você está confuso — o interrompo.— Acredita que trabalhar com ocomandante supremo lhe dá imunidadedas regras que governam a vida dosoutros soldados. Veja, você está errado.

Seu rosto se enrijece.

— Nunca se esqueça — digo baixinhoagora — que se eu quisesse o seuemprego, eu o teria. E não se esqueça deque o homem que você serve tãoansiosamente é o mesmo homem que me

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ensinou a atirar com uma arma de fogoquando eu tinha apenas nove anos deidade.

Suas narinas se dilatam. Ele olha diretopara frente.

— Entregue sua mensagem, soldado. Eentão relembre isso e nunca mais falecomigo novamente.

Os olhos dele agora estão presos numponto diretamente atrás de mim, seusombros rígidos.

Espero.

Seu maxilar ainda está rígido.Lentamente ele levanta sua mão emsaudação.

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— Está dispensado — digo.

Tranco a porta do meu quarto e meencosto nela. Preciso de apenas ummomento. Pego o vidrinho que está namesinha de cabeceira e tiro duas pílulasquadradas; as jogo na boca, fechandomeus olhos enquanto se dissolvem.

A escuridão atrás das minhas pálpebrasé um alívio reconfortante.

Até que a lembrança do rosto dela seimpõe à minha percepção.

Me sento na cama e deixo a cabeça cairna minha mão. Não deveria estarpensando nela agora. Tenho horas de

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papelada para separar e o estresse dapresença do meu pai para aguentar.Jantar com ele vai ser um espetáculo.Um espetáculo de arrasar a alma.

Fecho meus olhos com força e faço umpequeno esforço para construir asparedes que com certeza limpariamminha mente. Mas dessa vez elas nãofuncionam. O rosto dela insiste emsurgir subitamente, seu diário meprovocando lá no fundo do meu bolso.

E começo a perceber que tem umapequena parte de mim que não desejaafastar os pensamentos dela. Uma partede mim gosta da tortura.

Essa garota está me destruindo.

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Uma garota que passou o último anointernada num sanatório de loucos. Umagarota que tentou me matar porque eu abeijei. Uma garota que fugiu com outrohomem só para se afastar de mim.

É claro que essa é a garota por quem euiria me apaixonar.

Coloco a mão na boca.

Estou perdendo a cabeça.

Tiro minhas botas. Me enfio na cama edeixo a cabeça cair nos travesseiros.

Ela dormiu aqui, penso. Ela dormiu naminha cama. Ela acordou na minha

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cama. Ela estava aqui e deixei que elaescapasse.

Falhei.

Perdi.

Nem percebo que tirei o diário dela dobolso e o estou segurando em frente dorosto. Olhando para ele. Estudando suacapa desbotada numa tentativa deentender onde ela pode ter adquiridoisso. Ela deve ter roubado de algumlugar, embora não consiga imaginaronde.

Há tantas coisas que eu gostaria deperguntar a ela. Tantas coisas quegostaria de lhe dizer.

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Ao invés disso, abro seu diário e leio.

Às vezes fecho meus olhos e pinto essasparedescom cores diferentes.

Imagino que estou usando meiasquentinhas e estou sentada perto dofogo. Imagino que alguém me deu umlivro para ler, uma história para melevar para longe da tortura da minhaprópria mente. Quero ser alguém emalgum outro lugar com alguma outracoisa a ocupar minha cabeça. Querocorrer, quero sentir o vento batendonos cabelos. Quero fingir que isso ésimplesmente uma história dentro deoutra história. Que essa cela é apenas

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um cenário, que essas mãos não mepertencem, que essa janela dá para umlugar lindo, se pelo menos euconseguisse abri-la. Finjo que essafronha é limpa, finjo que a cama émacia. Finjo e finjo e finjo até que omundo fica maravilhoso por trás dosmeus olhos e já não consigo maiscontê-lo. Mas então meus olhos seabrem e sou agarrada pela gargantapor um par de mãos que não param deme sufocar sufocar sufocar...

Meus pensamentos, acho, logo serãoouvidos.

Minha mente, espero, logo serádescoberta.

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O diário cai da minha mão e bate no meupeito. Passo a mão pelo rosto, pelo meucabelo. Massageio o pescoço e me puxocom força para cima a ponto de bater acabeça na cabeceira da cama, e naverdade fico grato a isso. Me demoroum pouco sentindo a dor.

E viro a página.

Imagino o que eles estão pensando.Meus pais. Imagino onde estão. Pensose eles estão bem agora, se estãofelizes agora,se eles finalmenteconseguiram o que queriam.Imagino se

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minha mãe vai querer ter outro filho.Imagino se alguém vai ter a bondadede me matar, e imagino se o infernonão é melhor do que aqui. Imaginocomo está meu rosto agora. Imagino sealgum dia vou poder respirar o arfresco novamente.

Imagino tantas outras coisas.

Às vezes fico acordada durante diassimplesmente contando tudo queencontro. Conto as paredes, asrachaduras na parede, meus dedos dospés e das mãos. Conto as molas dacama, os fios do cobertor, quantospassos para ir para frente e para trásno meu quarto. Conto meus dentes e

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cada fio de cabelo na minha cabeça e onúmero de segundos em que consigoprender minha respiração.

Mas às vezes fico tão cansada queesqueço que não tenho mais permissãopara desejar mais nada, e me descubrodesejando a única coisa que semprequis. A única coisa com a qual sempresonhei.

Sempre desejei ter um amigo.

Sonho com isso. Imagino como seria.Sorrir e receber um sorriso de volta.Ter alguém em quem confiar que nãoiria jogar as coisas em mim, nemcolocar minhas mãos no fogo ou mebater por ter nascido. Alguém que iria

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saber que fui colocada para fora decasa e tentaria me achar, que nuncateria medo de mim.

Alguém que soubesse que eu nunca omachucaria.

Me vejo num canto desse quarto e enfioa cabeça nos meus joelhos e mebalanço para frente e para trás parafrente e para trás para frente e paratrás e desejo e desejo e desejo coisasimpossíveis até cair no sono de tantochorar.

Imagino como seria ter um amigo.

E então imagino quem mais está presoneste hospício. Imagino de onde estãovindo os outros gritos.

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Imagino se estão vindo de mim.

Tento me concentrar, dizendo a mimmesmo que são palavras vazias, masestou mentindo. Porque, de algum modo,simplesmente ler essas palavras édemais; e pensar nela sofrendo está medeixando agoniado.

Saber que ela vivenciou isso.

Ela foi colocada nesse inferno pelospróprios pais, abandonada e maltratadaa vida inteira. Empatia é uma emoçãoque eu não conhecia, mas agora tomaconta de mim, me levando para ummundo que eu não sabia que podia

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penetrar. E embora sempre tenhaacreditado que ela e eu tivéssemos muitacoisa em comum, não sabia que podiasentir isso com tanta profundidade.

Isso está me matando.

Fico em pé. Começo a andar pelo quartoaté acalmar meus nervos para continuara leitura. Então respiro fundo.

E viro a página.

Tem alguma coisa fervilhando dentrode mim.

Algo que nunca ousei descobrir, algoque tenho medo de saber. Tem uma

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parte de mim lutando para se libertarda jaula onde estou presa, batendo nasportas do meu coração, suplicandopara ser libertada.

Suplicando para ir embora.

Todos os dias sinto que revivo o mesmopesadelo. Abro a boca para gritar,para lutar, para girar meus punhos,mas minhas cordas vocais estãocortadas, meus braços estão pesados edensos como se estivessem presos nocimento molhado e eu estou gritandomas ninguém me ouve, ninguém seaproxima e estou enjaulada. E isso estáacabando comigo.

Sempre tive de bancar a submissa,

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subserviente, um pano de chãosuplicante e passivo que fazia todomundo se sentir seguro e confortável.Minha existência se tornou uma lutapara provar que eu era inofensiva, nãouma ameaça, que eu era capaz de viverentre outros seres humanos sem feri-los.

E estou tão cansada tão cansada tãocansada e às vezes chego a ficar comraiva.

Não sei o que está acontecendocomigo.

— Meu Deus, Juliette. — Suspiro.

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E caio de joelhos.

— Chame o transporte imediatamente.— Preciso sair. Preciso sair daquiagora.

— Senhor? Isso é, sim, senhor, é claro...mas onde...

— Tenho que visitar os complexos —digo. — Tenho que fazer minhas rondasantes do meu compromisso dessa noite.— Isso é tanto verdade quanto mentira.Porém agora estou disposto a fazerqualquer coisa que me afaste dessediário.

— Ah, certamente, senhor. Gostaria que

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o acompanhasse?

— Isso não será necessário, tenente, masobrigado pela oferta.

— Eu... se-senhor — ele gagueja. — Éclaro, é u-uma honra servi-lo, senhor,ajudá-lo...

Deus do céu, onde estou com a cabeça.Eu nunca digo obrigado a Delalieu. Émuito provável que o pobre homem váter um infarto agora.

— Estarei pronto para sair em dezminutos — interrompo.

Ele começa a gaguejar, mas para. Entãodiz:

— Sim, senhor. Obrigado, senhor.

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Estou pressionando a boca com o punhoquando a ligação é desconectada.

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Capítulo 13

Tínhamos lares. Antes.

De todos os tipos diferentes.

Casas térreas. Sobrados. Casas de trêsandares.

Comprávamos enfeites para o jardim eluzinhas pisca-pisca, aprendíamos aandar de bicicleta sem rodinhas.Adquirimos vidas confinadas em 1,2 e 3andares já construídos, andares

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contidos em estruturas que nãopodíamos mudar.

Vivemos nesses andares por algumtempo.

Seguimos a história que nos eracontada, o texto preso em cada metrodo espaço que havíamos conquistado.Ficamos contentes com a mudança noenredo que redirecionou nossa vida.Assinamos nas linhas pontilhadas porcoisas pelas quais não nosimportávamos realmente. Comíamoscoisas que não deveríamos, gastávamosdinheiro quando não podíamos,esquecíamos a Terra que tínhamos dehabitar e desperdiçávamosdesperdiçávamos desperdiçávamos

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tudo. Comida. Água. Recursos.

Logo, os céus ficaram cinza com apoluição química, e as plantas e osanimais ficaram doentes devido àmodificação genética. E doenças seimpregnaram no nosso ar, nas nossasrefeições, nossos sangues e nossascasas. A comida desapareceu. Aspessoas estavam morrendo. Nossoimpério estava caindo aos pedaços.

O Restabelecimento disse que nosajudariam. Nos salvariam.Reconstruiriam nossa sociedade.

Ao invés disso, eles nos destroçaram.

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Gosto de visitar os complexos.

É um lugar estranho para se buscarrefúgio, mas sinto alguma coisa ao vertantos civis num espaço tão vasto eaberto que me faz lembrar da minhamissão. Fico tanto tempo preso noslimites dos muros do quartel-general doSetor 45, que frequentemente meesqueço dos rostos daqueles por quemlutamos e daqueles com quem estamoslutando.

Gosto de me lembrar.

Geralmente, visito cada aglomerado doscomplexos; cumprimento os moradores epergunto sobre suas condições de vida.Não consigo deixar de ficar curioso em

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saber como é a vida deles agora. Porqueenquanto o mundo se transformouinteiramente para eles, meu mundocontinuou o mesmo. Disciplinado.Isolado. Desolador.

Houve um tempo quando as coisas forammelhores, quando meu pai não era tãoirritado. Eu tinha cerca de 4 anos. Elecostumava me fazer sentar em seu colo ebrincar com seus bolsos. Eu podia pegaro que quisesse, desde que meuargumento fosse bem convincente. Eraseu jeito de brincar.

Mas tudo isso foi antes.

Aperto meu casaco no corpo, sentindo otecido se encostar nas minhas costas.

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Vacilo sem querer.

A vida que tenho agora é a única queimporta. O sufoco, o luxo, as noites maldormidas, e os corpos dos mortos.Sempre me ensinaram a me concentrarno poder e na dor, em ganhar e infligir.

Não lamento nada.

Aceito tudo.

É o único modo que encontrei decontinuar vivendo nesse corpomaltratado. Esvazio minha mente dascoisas que me infestam e sobrecarregamminha alma, e aceito o que puder dospequenos prazeres que aparecem àminha frente. Não sei o que é ter umavida normal; não sei como simpatizar

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com os cidadãos que perderam suascasas. Não faço ideia de como era avida deles antes de o Restabelecimentotomar o poder.

Por isso gosto de passear peloscomplexos.

Gosto de ver como as outras pessoasvivem; gosto de ter o poder de fazer comque respondam às minhas perguntas. Docontrário não teria como saber.

Mas o momento é errado.

Não prestei muita atenção ao relógioquando saí da base, e não percebi que osol estava se pondo. A maioria dos civisestá voltando para casa para descansar ànoite, seus corpos curvados, encolhidos

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pelo frio enquanto se encaminhavam emdireção aos aglomerados de metal quedividem com pelo menos outras trêsfamílias.

As casas improvisadas são construídasc o m containers de navios de dozemetros quadrados; eles são empilhadoslado a lado e um em cima do outro,agrupados em grupos de cinco ou seis.Cada container foi isolado; equipadocom duas janelas e uma porta. Escadaspara o andar superior foram colocadasde cada lado de fora da estrutura. Ostetos são alinhados com painéis solaresque fornecem eletricidade gratuita paracada grupo.

É algo do qual muito me orgulho.

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Porque foi minha ideia.

Quando estávamos procurando porabrigos temporários para os civis,sugeri reformar os velhos containers decarga que ocupavam as docas de todosos portos do mundo. Não apenas erambaratos, facilmente reaproveitados, ealtamente adaptáveis, mas podiam serempilhados, eram portáteis econstruídos independentemente do climado lugar. Eles exigiam o mínimo deconstrução e, com a equipe certa,milhares de unidades habitacionaispoderiam estar prontas em alguns dias.

Dei essa ideia para meu pai, pensandoque essa seria a opção mais eficiente;uma solução temporária que seria menos

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desumana do que barracas; algo queofereceria um abrigo real e confiável.Mas o resultado foi tão eficiente que oRestabelecimento não viu necessidadede renovação. Aqui, num terreno quecostumava ser um lixão, assentamosmilhares de containers; aglomerados decubos retangulares e desbotados que sãofáceis de monitorar e vigiar.

As pessoas ainda acreditam que essa éuma solução temporária. Que um diavoltarão para as lembranças de suasantigas vidas e as coisas serão lindas ebrilhantes novamente. Mas tudo isso émentira.

O Restabelecimento não tem planos demudá-los de onde estão.

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Os civis devem permanecer nessas áreasregulamentadas; esses containers setornaram suas prisões. Tudo foinumerado. As pessoas, suas casas, seugrau de importância para oRestabelecimento.

Aqui, eles se tornaram parte de umenorme experimento. Um mundo no qualtrabalham para manter as necessidadesde um regime que faz promessas quenunca serão cumpridas.

Essa é a minha vida.

Esse triste mundo.

Na maior parte do tempo, me sinto comoum civil; e é provavelmente por isso quevim até aqui. É como se estivesse indo

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de uma prisão para outra; numaexistência onde não há escape, não hárefúgio. Quando até mesmo minha menteme trai.

Eu deveria ser mais forte do que isso.

Tenho treinado há mais de uma década.Tenho trabalhado todos os dias paraaprimorar minhas forças física e mental.Tenho 1 metro e 79 de altura e 77 quilosde músculos. Fui preparado parasobreviver, para maximizar a resistênciae a energia, e fico perfeitamente àvontade segurando uma arma. Possodesmontar, limpar, recarregar, desarmare remontar mais de 150 tipos de armasde fogo. Posso atirar no centro de umalvo, de praticamente qualquer

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distância. Posso quebrar o pescoço deuma pessoa com a lateral da mão. Possoparalisar temporariamente um homemcom apenas os nós dos meus dedos.

No campo de batalha, sou capaz de medesconectar dos movimentos queaprendi a memorizar. Criei a reputaçãode ser alguém frio, um monstro que nãoteme nada nem ninguém.

Mas tudo isso é ilusório.

Porque a verdade é que não passo de umcovarde.

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Capítulo 14

O sol está se pondo.

Logo vou ter que retornar à base, ondevou me sentar quieto e ouvir meu paifalar, em vez de mandar bala na suaboca aberta.

Então tento ganhar tempo.

Fico parado e ouço barulhos vindos delonge e observo as crianças correrem,enquanto seus pais as levam para casa.

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Penso se um dia eles vão crescer obastante para sacar que os cartões doRegistro do Restabelecimento naverdade estão rastreando todos seusmovimentos. Que o dinheiro que seuspais recebem pelo trabalho em algumadas muitas fábricas existentes ali émonitorado de perto. Essas criançascrescerão e finalmente entenderão quetudo que elas fazem está gravado, cadaconversa é dissecada para se descobrirmurmúrios de rebeliões. Eles não sabemque estão sendo criados perfis para cadacidadão, e que cada arquivo é bemgrosso com documentação das suasamizades, relacionamentos, e hábitos detrabalho; até mesmo como gostam depassar seu tempo livre.

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Sabemos tudo sobre todo mundo.

Demais.

Tanto é verdade que raramente melembro que estamos lidando com gentede verdade, seres vivos, até vê-los noscomplexos. Sei de cor o nome de quasetodos os cidadãos do Setor 45. Gosto desaber quem vive na minha jurisdição,não importa se são soldados ou civis.

Foi assim que tomei conhecimento, porexemplo, que o soldado SeamusFletcher, 45B-76423, batia na esposa enos filhos todas as noites.

Eu sabia que ele estava gastando todoseu dinheiro em bebidas; sabia que ele

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estava deixando sua família passarfome. Monitorei os dólares REST queele gastava nas nossas centrais deabastecimento e observei atentamente afamília dele no complexo. Sabia queseus três filhos tinham menos de 10 anose não comiam há semanas; sabia queeles haviam estado inúmeras vezes noposto médico do complexo para tratarde ossos quebrados e levar pontos emmachucados. Fiquei sabendo que ele deuum soco na boca de sua filha de 9 anos ecortou o lábio dela, fraturou o maxilar equebrou dois de seus dentes da frente; esoube que sua esposa estava grávida.Também fiquei sabendo que certa noiteele bateu nela com tanta força que elaperdeu a criança na manhã seguinte.

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Eu sei por que estava lá.

Eu estava parando em cada residência,visitando os civis, fazendo perguntassobre sua saúde e como estavam suasvidas. Queria saber de suas condiçõesde trabalho e se algum membro de suasfamílias precisaria estar de quarentena.

Ela estava em casa naquele dia. Aesposa de Fletcher. Seu nariz estavaquebrado e seus olhos estavam tãoinchados que ela nem conseguia abri-losdireito. Seu corpo era tão magro e frágil,sua pele tão pálida, que achei que elairia se quebrar em duas ao sentar-se.Quando lhe perguntei sobre osmachucados, ela evitou meus olhos.

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Disse que tinha caído; que por causa dasua queda ela havia perdido a criançaque carregava e conseguiu tambémquebrar o nariz no acidente.

Acenei com a cabeça. Agradeci por suacooperação ao responder minhasperguntas.

E então convoquei uma reunião.

Estou ciente que a maioria dos meussoldados rouba dos armazéns dos nossoscomplexos. Analiso os relatórioscuidadosamente e sei que temsuprimentos desaparecendo o tempotodo. Mas permito essas pequenasinfrações porque elas não perturbam osistema. Alguns pães ou pedaços de

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sabão a mais deixam meus soldadosmais animados; eles trabalham mais seestiverem saudáveis, e a maioria delesmantém esposa, filhos e parentes. Entãoessa é uma concessão que faço.

Mas algumas coisas não posso perdoar.

Não me considero um moralista. Nãofilosofo sobre a vida ou me importo comas leis e princípios que governam a vidadas pessoas. Não pretendo saber adiferença entre o certo e o errado. Masprocuro viver sob certo código de vida.E às vezes, eu acho, tenho que aprendera atirar antes.

Seamus Fletcher estava matando suafamília. E eu lhe dei um tiro na testa

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porque achei que assim seria menosdoloroso do que destroçá-lo com minhaspróprias mãos.

Mas meu pai completou o trabalho queFletcher havia começado. Meu paimandou matar os três filhos dele e suamulher, tudo por causa de um bêbadocretino que deveria ter cuidado deles.Ele era o pai deles, o marido dela, e arazão de eles terem tido uma morte tãobrutal e inesperada.

E alguns dias eu imagino por que insistoem continuar vivendo.

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Capítulo 15

De volta à base, sigo direto em frente.

Ignoro os soldados e suas continênciaspor onde passo, sem prestar atenção àmistura de curiosidade e desconfiançaem seus olhos. Nem tinha percebido quehavia tomado esse caminho ao chegar àbase; mas meu corpo parece saber maisdo que minha mente, do que precisaagora. Meus passos são pesados;regulares, o som das minhas botas ecoa

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ao longo do piso de pedras conformechego aos andares de baixo.

Não venho aqui há quase duas semanas.

O quarto fora reformado desde a últimavez em que estive aqui; o painel devidro e a parede de concreto foramsubstituídos. E pelo que sei ela foi aúltima pessoa a usar esse quarto.

Eu mesma a havia trazido aqui.

Empurro as duas portas giratórias dovestiário que fica na sala adjacente aodeque de simulação. Minha mão procurano escuro pelo interruptor; as luzespiscam uma vez antes de se acenderem.Um zumbido monótono de eletricidadevibra nesses cômodos vastos. Tudo está

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quieto, abandonado.

Exatamente como eu gosto.

Tiro minhas roupas o mais rápido queconsigo, devido aos ferimentos. Aindatenho duas horas antes do esperadojantar com meu pai, então eu não deveriaestar tão ansioso assim, mas meusnervos não estão ajudando. Tudo pareceestar vindo para cima de mim de umavez só. Meus fracassos. Minha covardia.Minha estupidez.

Às vezes fico tão cansado dessa vida.

Estou em pé, descalço no concreto, sóusando a tipoia no meu braço,detestando como esse ferimento medeixa constantemente para baixo. Pego o

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shorts guardado no meu armário e ovisto o mais rapidamente possível, meencostando à parede para me apoiar.Quando finalmente fico ereto, fecho aporta do armário e entro no cômodo aolado.

Aperto mais um interruptor, e o sistemaoperacional principal começa afuncionar. Os computadores emitem umsinal sonoro e uns flashes se acendemenquanto o programa se prepara; passoos dedos pelo teclado.

Costumamos usar esses cômodos parasimulações.

Manipulamos a tecnologia para criarlugares e experiências que existem

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apenas na mente humana.

Não apenas somos capazes de criar ocenário, mas também podemos controlaros mínimos detalhes. Sons, cheiros,falsa segurança, paranoia. O programafoi originalmente criado para ajudarsoldados em missões específicas, etambém para ajudá-los a superar medosque, do contrário, iria incapacitá-los nocampo de batalha.

Eu o uso para meus próprios fins.

Costumava vir aqui todos os dias antesde ela chegar à base. Aqui era meu portoseguro; minha única fuga do mundo.Apenas gostaria que não precisasse deum uniforme. Esse short é engomado e

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desconfortável, o poliéster coça e irritaa pele. Mas é forrado com uma químicaespecial que reage com a minha pele ealimenta o sensor com informações; meajudam a me situar na experiência e mepermitirá correr por quilômetros semprecisar correr de verdade, murosfísicos no meu ambiente real. E para queo processo seja o mais eficientepossível, tenho que vestir quase nada.As câmeras são hipersensíveis ao calordo corpo, e funcionam melhor quandonão entra em contato com materiaissintéticos.

Espero que esse detalhe fique anotadopara a próxima geração do programa.

A central me solicita dados;

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rapidamente entro com o código deacesso que me garante permissão paralevantar o histórico das últimassimulações. Olho para o alto por sobremeu ombro enquanto o computadorprocessa os dados; olho de relance pelorecém-consertado espelho de duas facesque vê o cômodo principal. Ainda nãoacredito que ela quebrou uma paredeinteira de vidro e concreto e continuou acaminhar sem um arranhão.

Inacreditável.

A máquina bipa duas vezes; me vironovamente. Os programas que soliciteiestão carregados e prontos para seremexecutados.

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O arquivo dela é o primeiro da lista.

Respiro fundo; tento afastar aslembranças. Não me arrependo de tê-lafeito passar por uma experiência tãohorrível. Não sei se ao final ela teria sepermitido perder o controle —finalmente habitar seu próprio corpo —se eu não tivesse encontrado um modoeficiente de provocá-la. Ultimamenterealmente acredito que isso a ajudou,exatamente como eu pretendia. Mas eudesejaria que ela não tivesse apontadouma arma na minha cara e saltado pelajanela logo depois.

Suspiro devagar mais uma vez,acalmando minha respiração.

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E seleciono a simulação que me motivoua vir até aqui.

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Capítulo 16

Estou parado no cômodo principal.

Me encarando.

Essa é uma simulação bem simples. Nãoprecisei trocar de roupa nem mexer nomeu cabelo, nem alterar o pisocarpetado. Não fiz nada a não ser criaruma duplicata de mim mesmo e lheentregar uma arma.

Ele não para de me encarar.

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Um.

Ele curva ligeiramente a cabeça.

— Você está pronto? — Uma pausa. —Está com medo?

Meu coração bate em disparada.

Ele ergue seu braço. Sorri um pouco.

— Não se preocupe — ele diz. — Estáquase terminado agora.

Dois.

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— Só um pouco mais e eu vou embora— ele diz, apontando a arma para aminha testa.

Minhas mãos estão suadas. Meu pulsoestá acelerado.

— Você vai ficar bem — ele mente. —Prometo.

Três.

Bummm.

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Capítulo 17

— Tem certeza de que não está comfome? — meu pai pergunta, aindamastigando. — Isso está realmente muitobom.

Me mexo na cadeira. Me concentro nosvincos bem passados das calças queestou usando.

— Hum? — ele indaga. Posso vê-losorrindo.

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Estou intensamente ciente dos soldadosalinhados nas paredes desta sala. Elesempre os mantém perto de si, e sempreem constante competição uns com osoutros. Sua primeira tarefa eradeterminar qual era o elo mais fracodentre os onze. Aquele com o argumentomais convincente poderia dispor do seualvo.

Meu pai acha essas práticas divertidas.

— Receio não estar com muita fome. Osremédios — minto — acabam com meuapetite.

— Ah — ele replica. Ouço o barulho deseus talheres quando ele os deposita namesa. — É claro. Que inconveniência.

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Não digo nada.

— Podem se retirar.

Duas palavras e seus homens sedispersam em questão de segundos. Aporta se fecha atrás deles.

— Olhe para mim — ele ordena.

Levanto o olhar, meus olhoscuidadosamente desprovidos deemoção. Odeio seu rosto. Não suportoolhar muito tempo para ele; não gosto daexperiência de observar como ele édesumano. Ele não se tortura pelo quefaz ou pelo modo que vive. Na verdadeele gosta disso. Ele adora a adrenalinado poder; ele se vê como uma entidadeinvencível.

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E, de certo modo, não está errado.

Passei a crer que o homem maisperigoso do mundo é aquele que nãosente remorso. Aquele que nunca sedesculpa e, portanto, não procura operdão. Porque no final, são nossasemoções que nos torna fracos, nãonossas ações.

Viro o rosto.

— O que encontrou? — ele perguntasem preâmbulos.

Minha mente vai imediatamente para odiário que está guardado no meu bolso,mas não faço nenhum comentário. Nempisco. As pessoas raramente percebemque, na maioria das vezes, mentem com

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os lábios e dizem a verdade com osolhos. Coloque um homem num cômodocom algo que ele tenha escondido, eentão pergunte onde ele a escondeu; elevai dizer que não sabe; vai dizer quevocê pegou a pessoa errada; mas quasesempre ele vai olhar na direção certa. Eagora meu pai está me examinando,esperando ver para onde vou olhar, oque direi a seguir.

Mantenho meus ombros relaxados erespiro devagar, imperceptivelmente,para amansar meu coração. Nãorespondo. Finjo estar perdido em meuspensamentos.

— Filho?

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Ergo o olhar. Finjo surpresa.

— Sim?

— O que achou? Quando revistou oquarto dela hoje?

Solto o ar. Sacudo a cabeça quando merecosto na cadeira.

— Vidros quebrados. Uma camadesarrumada. O armário dela,escancarado. Ela levou apenas algunsitens de higiene pessoal e algumasroupas extras e roupas de baixo. —Nada disso era sem sentido. Nada dissoera mentira.

Ouço quando ele suspira. Ele afasta seuprato.

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Sinto o contorno do caderninho delaqueimando minha perna.

— E você diz que não sabe para ondeela pode ter ido?

— Apenas sei que ela, Kent e Kishimotodevem estar juntos — explico a ele. —Delalieu diz que roubaram um carro,mas as pistas desapareceram na entradade um enorme terreno baldio. Fizemosas tropas vasculharem aquela áreadurante dias, mas não encontramos nada.

— E onde — ele pergunta — planejaprocurar a seguir? Você acha que elescruzaram para outro setor? — A vozdele está estranha. Divertida.

Olho seu rosto sorridente.

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Ele só está me fazendo essas perguntaspara me testar. Ele tem suas própriasrespostas, sua solução já preparada. Elequer me ver falhar ao responderincorretamente. Está tentando provarque, sem ele, eu tomaria as decisõeserradas.

Ele está se divertindo às minhas custas.

— Não — digo a ele, com a voz sólidae firme. — Não acho que vão fazer algotão idiota como atravessar para outrosetor. Eles não têm acesso, meios oucapacidade para isso. Ambos os homensestão severamente feridos, perdendosangue rapidamente, e estão distantes dequalquer ajuda de emergência.Provavelmente estão mortos agora. A

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garota talvez seja a única sobrevivente,e ela não pode ter ido muito longe, poisnão conhece como andar por aquelasáreas. Ela ficou isolada muito tempo;tudo nesse lugar é completamenteestranho para ela. Além do que, ela nãosabe dirigir, e se por acaso elaconseguisse dirigir um veículo, teríamossido informados da propriedaderoubada. Se levarmos em consideraçãoseu estado geral de saúde, suapropensão a se esgotar fisicamentemuito rápido, e a falta de acesso àcomida, água e atenção médica, ela deveestar desmaiada num raio de dezquilômetros desse suposto terrenobaldio. Temos que encontrá-la antes quemorra congelada.

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Meu pai pigarreia.

— Sim — ele diz —, são teoriasinteressantes. E, talvez, sob outrascircunstâncias, elas poderiam até serverdadeiras. Mas você está seesquecendo de me falar do detalhe maisimportante.

Olho nos olhos dele.

— Ela não é normal — ele conclui,recostado à sua cadeira. — E ela não é aúnica da sua espécie.

Meu coração acelera. Pisco rápidodemais.

— Ah, vamos lá, você não suspeitou denada? Não criou nenhuma hipótese? —

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Ele ri. — Parece impossível,estatisticamente, que ela seja a únicadesse tipo que foi produzida pelo nossomundo. Você sabia disso, mas não quisacreditar. E eu vim aqui para lhe dizerque é verdade. — Ele curva a cabeçaligeiramente em minha direção. Dá umsorriso largo e vibrante. — Existemmuitos deles. E eles a recrutaram.

— Não. — Solto o ar.

— Eles se infiltraram em suas tropas.Vivem no seu meio em segredo. E agoraroubaram seu brinquedinho e fugiramcom ele. Só Deus sabe como esperammanipulá-la em seu próprio benefício.

— Como pode ter tanta certeza? —

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indago. — Como sabe que elesconseguiram levá-la com eles? Kentestava meio morto quando o deixei...

— Preste atenção, filho. Estou lheafirmando que eles não são normais.Eles não seguem suas regras; não hánenhuma lógica que os oriente. Você nãotem ideia das esquisitices de que sãocapazes. — Uma pausa. — Além domais, tenho conhecimento já há algumtempo, de um grupo deles que vivedisfarçado nessa área. Mas durante todoesse tempo eles sempre se mantiveramafastados. Eles não interferem em meusmétodos, e achei melhor deixá-losmorrer sozinhos sem causar um pânicodesnecessário na nossa população civil.

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Você entende, é claro — ele diz. —Afinal de contas, é muito difícil conterpelo menos um deles. Eles são a coisamais bizarra de se ver.

— Você sabia? — Estou de pé agora.Tentando ficar calmo. — Você sabia daexistência deles, durante todo essetempo, e assim mesmo não fez nada?Não disse nada?

— Não julguei necessário.

— E agora? — exijo.

— Agora parece pertinente.

— Inacreditável! — Levanto as mãospara o alto. — Que você escondesse demim tal informação! Quando sabia dos

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meus planos para ela... quando sabia osacrifício que foi trazê-la aqui...

— Acalme-se — ele pede. Ele estica aspernas; apoia o tornozelo de uma pernano joelho da outra. — Vamos encontrá-los. Esse terreno abandonado queDelalieu mencionou — a área onde ocarro deixou de ser rastreado? Esse é onosso ponto de partida. Eles devemestar escondidos nos subterrâneos.Devemos encontrar a entrada e osdestruir em silêncio, por dentro. Entãoos teremos punido, e evitamos que oresto se revolte e inspire a rebelião nonosso povo.

Ele se inclina para frente.

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— Os civis escutam tudo. E, nomomento, estão vibrando com um novotipo de energia. Estão se sentindomotivados ao perceberem que um delesconseguiu escapar e que você saiuferido no processo. Isso faz nossasdefesas parecerem fracas e fáceis deserem penetradas. Precisamos destruiressa percepção reequilibrando abalança. O medo irá retornar tudo paraseu devido lugar.

— Mas eles estão procurando — digo aele. — Meus homens. Eles vasculham aárea todos os dias e ainda nãoencontraram nada. Como pode tercerteza que iremos descobrir algumacoisa, afinal de contas?

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— Porque — ele explica — você vailiderá-los. Todas as noites. Depois dotoque de recolher, enquanto os civisdormem. Você não vai interromper asbuscas durante o dia; não vai dar a elesmotivo para terem o que falar. Aja emsilêncio, meu filho. Não mostre suasjogadas. Vou permanecer na base esupervisionar suas responsabilidadescom meus homens; vou dar ordens aDelalieu se for necessário. E nesseínterim, você irá encontrá-los, para queeu possa destruí-los o mais rápidopossível. Essa loucura já está durandotempo demais — ele diz — e eu nãoestou mais a fim de ser generoso.

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Capítulo 18

Sinto muito. Sinto muito. Sinto muito.Sinto muito. Sinto muito. Sinto muito.Sinto muito. Sinto muito. Sinto muito.Sinto muito. Sinto muito. Sinto muito.Sinto muito. Sinto muito. Sinto muito.Sinto muito. Sinto muito. Sinto muito.Sinto muito. Sinto muito. Sinto muito.Sinto muito. Sinto muito. Sinto muito.Sinto muito. Sinto muito. Sinto muito.Sinto muito. Sinto muito. Sinto muito.

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Sinto muito. Sinto muito. Sinto muito.Sinto muito. Sinto muito. Sinto muito.Sinto muito. Sinto muito. Sinto muito.Sinto muito mesmo por favor meperdoe.

Foi um acidente.

Me perdoe

Por favor me perdoe

Há pouca coisa que eu permito que aspessoas descubram a meu respeito. Háainda menos coisas que estou disposto apartilhar sobre mim mesmo. E entre asmuitas coisas que nunca discuti comninguém, é esta.

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Gosto de tomar banhos demorados.

Sempre tive uma obsessão por limpezadesde que era pequeno. Sempre fui tãofocado em morte e destruição que achoque compenso isso me mantendo o maisintacto possível. Tomo chuveiradas comfrequência. Escovo e passo fio dentalnos dentes pelo menos três vezes ao dia.Corto meu cabelo toda semana. Esfregominhas mãos e unhas antes de me deitare assim que acordo. Tenho umapreocupação doentia em usar apenasroupas que acabaram de ser lavadas. Etodas as vezes que passo por algumaemoção mais forte, a única coisa queacalma meus nervos é um banho bemdemorado.

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Então é isso que vou fazer agora.

Os médicos me ensinaram como prendermeu braço ferido no mesmo plástico queeles usaram antes, então possomergulhar abaixo da superfície semproblemas. Afundo minha cabeça por umlongo período, seguro a respiração esolto o ar pelo nariz. Sinto as borbulhasvirem à tona.

A água morna me faz sentir leve. Elacarrega meu peso para mim,compreendendo que preciso de ummomento para aliviar meus ombrosdesse peso. Para fechar meus olhos erelaxar.

Meu rosto rompe a superfície da água.

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Não abro meus olhos; apenas meu narize minha boca respiram o oxigênio dooutro lado. Faço respirações curtas eregulares para acalmar a mente. Já é tãotarde que nem sei mais que horas são;tudo que sei é que a temperatura caiusignificativamente, e o ar frio estáfazendo cócegas no meu nariz. É umasensação estranha, ter 98 por cento domeu corpo boiando numa temperaturaquente e agradável, enquanto meuslábios e meu nariz se contraem com ofrio.

Mergulho meu rosto na água novamente.

Poderia viver aqui para sempre, euacho. Viver onde a gravidade não sabeque eu existo. Aqui estou solto, sem

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restrições das amarras da vida. Sou umcorpo diferente, uma concha diferente, emeu corpo é levado pelas mãos dosamigos. Tantas noites desejei poder cairno sono debaixo desse lençol.

Mergulho mais fundo.

Em uma semana, minha vida inteiramudou.

Minhas prioridades mudaram de foco.Minha concentração, destruída. Tudocom que me importo agora se resume auma pessoa e, pela primeira vez na vida,não sou eu mesmo. Suas palavras estãomarcadas na minha mente. Não consigoparar de imaginar como ela deve tersido, não consigo deixar de imaginar o

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que ela deve ter vivenciado. Encontrarseu diário me deixou arrasado. Meussentimentos por ela saíram do controle.Nunca estive tão desesperado para vê-la, para conversar com ela.

Quero que ela saiba que eu entendoagora. Que eu não entendia antes. Ela eeu somos iguais; em mais de umamaneira que eu possa ter imaginado.

Porém, agora, ela está fora do meualcance. Ela foi para algum lugar comestranhos que não a conhecem e não seimportam com ela do mesmo jeito queeu. Ela foi parar num ambiente estranhosem tempo para se adaptar e estoupreocupado com ela. Uma pessoa nasituação dela — com seu passado —

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não se recupera da noite para o dia. Eagora, uma de duas coisas está prestes aacontecer: ou ela vai se fecharcompletamente, ou vai explodir.

Sento rápido demais, rompendo abarreira da água, ofegante.

Afasto o cabelo molhado do rosto. Meencosto na parede azulejada, deixando oar frio me acalmar, clarear meuspensamentos.

Tenho que encontrá-la antes que ela sedestrua.

Nunca antes quis cooperar com meu pai,nunca concordei com seus motivos ouseus métodos. Mas, nesse instante, estoudisposto a fazer qualquer coisa para tê-

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la de volta.

E estou ansioso pela oportunidade depular no pescoço de Kent.

O cretino traidor. O idiota que acha queconquistou uma garota bonita. Ele nãotem ideia de quem ela seja. Não imaginano que ela pode se transformar.

E se ele pensa que é o par ideal paraela, está muito enganado, ele ainda émais idiota do que eu imaginava.

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Capítulo 19

— Onde está o café? — pergunto, meusolhos examinando a mesa.

Delalieu derruba o garfo. O talher deprata cai ruidosamente sobre os pratosde porcelana. Ele ergue os olhos,assustados.

— Senhor?

— Gostaria de experimentar — digo aele, tentando passar manteiga na torrada

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com a mão esquerda. Olho em suadireção. — Você está sempre falandosobre o café, não é? Pensei em...

Delalieu dá um salto da mesa sem dizeruma palavra. Sai correndo pela porta.

Dou uma risada silenciosa para o meuprato.

Delalieu traz a bandeja do chá e cafépessoalmente e a coloca perto da minhacadeira. Suas mãos tremem enquanto eledespeja o líquido escuro numa xícara dechá, a coloca sobre um pires, põe sobrea mesa e a empurra em minha direção.

Espero até ele se sentar para tomar um

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g o l e . É uma bebida estranha,terrivelmente amarga; nada como euimaginava. Olho para ele surpreso porsaber que um homem como Delalieucomeça seu dia tomando um líquido degosto tão forte e horrível. Descubro umnovo respeito pelo homem.

— Não é tão ruim assim — digo a ele.

Seu rosto se abre num sorriso tãogrande, tão sereno, que imagino se eleme entendeu mal. Ele está praticamenteradiante quando responde:

— Tomo o meu com creme e açúcar. Ogosto fica bem melhor do que...

— Açúcar. — Abaixo a xícara. Fechosos lábios e me controlo para não sorrir.

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— Você coloca açúcar nisso. Claro quesim. Isso faz mais sentido.

— Gostaria de um pouco, senhor?

Levanto minha mão. Sacudo a cabeça.

— Chame as tropas, tenente. Vamossuspender as missões durante o dia e, aoinvés disso, faremos incursões noturnasdepois do toque de recolher. Você vaipermanecer na base — digo a ele —onde o supremo dará as ordens atravésde seus homens; cumpra as ordens queeles derem. Eu mesmo vou liderar ogrupo. — Paro. Olho direto nos olhosdele. — Não se fala mais nada do queaconteceu. Não há nada para os civisverem ou falarem. Você entende?

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— Sim, senhor — ele diz, esquecendo ocafé. — Vou dar as ordensimediatamente.

— Ótimo.

Ele se levanta.

Eu aceno com a cabeça.

Ele se retira.

Estou começando a sentir esperançapela primeira vez desde que ela foiembora. Vamos encontrá-la. Agora, comessa nova informação — com umexército inteiro contra um grupo derebeldes despreparados — pareceimpossível não vencermos.

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Respiro fundo. Tomo outro gole do café.

Estou surpreso ao perceber como gosteido seu gosto amargo.

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Capítulo 20

Meu pai está à minha espera quandovolto para meu quarto.

— As ordens foram dadas — digo a elesem olhar em sua direção. — Vamosmobilizar as tropas hoje à noite. —Hesito. — Bem, se pode me desculpar,tenho outros assuntos para tratar.

— Qual a sensação? — ele indaga. —De estar tão incapacitado? — ele

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pergunta sorrindo. — Como vocêaguenta se ver no espelho, sabendo quefoi atacado por um de seus própriossubordinados?

Faço uma pausa do lado de fora da portaque leva ao meu escritório.

— O que você quer?

— Qual — é seu interesse por essagarota? — ele indaga.

Minhas costas enrijecem.

— Ela é mais do que apenas umaexperiência para você, não é?

Giro o corpo lentamente. Ele estáparado no meio do meu quarto, com asmãos nos bolsos, e com um sorriso

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aparentando nojo.

— Do que você está falando?

— Dê uma olhada em si mesmo — elediz. — Eu ainda nem disse o nome delae parece que você vai desabar. — Elesacode a cabeça, ainda me examinandode perto. — Seu rosto está pálido, suamão que funciona está crispada. Estácom a respiração ofegante e seu corpoestá tenso. — Uma pausa. — Você setraiu, filho. Você se acha muito esperto— ele diz —, mas se esquece de quemlhe ensinou todos os truques.

Fico quente e gelado ao mesmo tempo.Tento relaxar as mãos, mas não consigo.Quero dizer a ele que não há nada

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errado, mas repentinamente estou mesentindo meio zonzo, desejando tercomido um pouco mais no café damanhã, e ao mesmo tempo desejandonão ter comido nada.

— Tenho trabalho a fazer — consigodizer.

— Me diga — ele pergunta — que vocênão se importa se ela morrer junto comos outros.

— O quê? — As palavras trêmulas enervosas escapam rápido demais dosmeus lábios.

Meu pai abaixa o olhar. Ele cerra edescerra os punhos.

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— Você já me desapontou de tantasmaneiras — ele diz com a vozaparentemente suave. — Por favor, nãofaça isso novamente.

Por um momento sinto como se estivessefora do meu corpo, me olhando pelaperspectiva dele. Vejo meu rosto, meubraço ferido, essas pernas que derepente parecem incapazes de carregarmeu peso. Fendas começam a se criar aolongo do meu rosto, pelos meus braços,meu tronco e minhas pernas.

Imagino que seja assim que alguémdesmorona.

Não percebo que ele disse meu nome,até ele repeti-lo uma segunda vez.

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— O que você quer de mim? —pergunto, surpreso, ao perceber comopareço calmo. — Você entrou no meuquarto sem permissão; fica parado aí eme acusa de coisas que ainda nemconsegui entender. Estou seguindo suasregras, suas ordens. Vamos partir hoje ànoite; vamos encontrar o esconderijodeles. Você pode destruí-los do jeitoque achar melhor.

— E sua garota? — ele diz inclinando acabeça em minha direção. — SuaJuliette?

Me contraio ao ouvir o nome dela. Meupulso bate tão forte que parece umsussurro.

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— Se eu desse três tiros na cabeça dela,como se sentiria? — Ele me encara. Meobserva. — Desapontado, porque vocêperdeu seu brinquedinho de estimação?Ou arrasado porque perdeu a garota queama?

O tempo nesse momento parece estarmais lento, se derretendo à minha volta.

— Seria um desperdício — digo,ignorando o tremor que sinto por dentro,e que ameaça transbordar — perder algono qual investi tanto tempo.

Ele sorri.

— É bom saber que você vê as coisasdessa forma — ele diz. — Mas projetossão facilmente substituíveis. E tenho

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certeza que poderemos encontrar um usomelhor e mais prático para seu tempo.

Pisco os olhos devagar. Parte do meupeito está destroçado.

— Claro. — Me ouço dizer.

— Sabia que entenderia. — Ele dá umtapinha no meu ombro machucado aosair do quarto. Meus joelhos quase sedobram. — Valeu o esforço, filho. Masela nos custou muito tempo e dinheiro ese provou completamente inútil. Dessemodo estaremos nos livrando de váriasinconveniências ao mesmo tempo.Vamos considerar isso um efeitocolateral. — Ele me dá um últimosorriso antes de passar por mim e sair

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pela porta.

Caio de encontro à parede.

E me amontoo no chão.

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Capítulo 21

É só engolir as lágrimas com bastantefrequência que elas vão começar aparecer ácido escorrendo pela suagarganta. É aquele momento terrívelquando você está sentada quieta tãoquieta porque você não quer que avejam chorar você não quer chorar, masseus lábios não param de tremer e seusolhos estão cheios até a borda comsúplica e eu imploro e por favor e me

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desculpe e tenha piedade e talvez dessavez será diferente mas é sempre igual.Não tem onde se esconder. Ninguém aoseu lado.

Acenda uma vela para mim, eucostumava murmurar para o nada.

Alguém

Qualquer um

Se você está aí fora

Por favor me diga que pode sentir essefogo.

É o dia cinco das nossas patrulhas, enada ainda.

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Lidero o grupo todas as noites,marchando em silêncio nessas paisagensfrias de inverno. Procuramos porpassagens escondidas, bueiroscamuflados — qualquer indicação deque possa existir outro mundo sobnossos pés.

E toda noite retornamos para a base semnada.

A futilidade desses últimos dias meatinge, amortecendo meus sentidos, medeixando numa espécie de torpor doqual não consigo me livrar. Todo diaacordo procurando uma solução para osproblemas que eu mesmo provoquei,mas não tenho ideia de como consertarisso.

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Se ela está lá fora, iremos encontrá-la. Eele a matará.

Só para me ensinar uma lição.

Minha única esperança é encontrá-laprimeiro. Talvez possa escondê-la. Oudizer a ela para fugir. Ou fingir que elajá está morta. Ou talvez convencê-lo queela é diferente, melhor que os outros;que vale a pena deixá-la viver.

Pareço um idiota patético edesesperado.

Sou uma criança novamente, meescondendo nos cantos escuros erezando para ele não me encontrar.Esperando que ele esteja de bom humorhoje. Que talvez tudo dê certo. Que

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talvez minha mãe não vá estar gritandodessa vez.

Incrível como eu rapidamente mereverto para outra versão de mim mesmona presença dele.

Fico entorpecido.

Tenho realizado minhas tarefasmecanicamente; isso exige apenas umesforço mínimo. Andar é simples.Comer é algo ao qual me acostumei.

Não consigo parar de ler seu diário.

Meu coração sofre, de certo modo, masnão consigo deixar de virar as páginas.Sinto como se estivesse batendo nummuro invisível, como se meu rosto

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estivesse envolto em plástico e eu nãopudesse respirar, não pudesse ver, nemouvir qualquer som a não ser as batidasdo meu próprio coração pulsando nosmeus ouvidos.

Quis poucas coisas nessa vida.

Não pedi nada a ninguém.

E, agora, tudo que estou pedindo é outrachance. Uma oportunidade de vê-lanovamente. Mas a menos que descubraum jeito de impedi-lo, essas palavrassão as únicas coisas que restarão dela.

Esses parágrafos e essas sentenças.Essas cartas.

Fiquei obcecado. Carrego esse

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caderninho comigo para todos os lugarespor onde vou, passo todo meu tempolivre tentando decifrar as palavras queela rabiscou nas margens, criandohistórias para acompanhar os númerosque ela escreveu.

Também notei que a última página estáfaltando. Arrancada.

Não consigo imaginar por que. Procureiuma centena de vezes no livro todo,procurando nas outras seções onde essapágina poderia estar, mas não acheinada. E de certa forma me sintoenganado, sabendo que tem um trechoque não vi. Não é nem mesmo o meudiário; não tenho nada a ver com isso,mas li as palavras dela tantas vezes que

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sinto que agora elas são minhas. Possopraticamente recitá-las de cor.

É estranho saber o que se passa nacabeça dela e não poder vê-la. Sinto queela está aqui, bem na minha frente. Sintoque a conheço tão intimamente, tãosecretamente. Fico seguro na companhiados seus pensamentos; de certo modo mesinto acolhido. Compreendido. Tantoque às vezes eu esqueço que foi elaquem colocou esse buraco de bala nomeu braço.

Quase esqueço que ela ainda me odeia,apesar de eu ter me apaixonado tãointensamente por ela.

E me apaixonei.

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Perdidamente.

Fui até o fundo do poço. Até o fim.Nunca me senti assim na minha vida.Nada parecido. Senti vergonha ecovardia, fraqueza e força. Conheci oterror e a indiferença, ódio de mimmesmo e repugnância geral. Vi coisasque não podem ser vistas.

E ainda assim nunca haviaexperimentado esse sentimento terrível,horrível e paralisante. Me sintoaleijado. Desesperado e fora decontrole. E está ficando pior. Todos osdias me sinto doente. Vazio e ferido pordentro.

O amor é um cretino perverso e sem

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coração.

Estou ficando louco.

Caio de costas na cama, completamentevestido. Casaco, botas, luvas. Estoucansado demais para tirar a roupa. Essasrondas noturnas têm me deixado poucotempo para dormir. Parece que estou emconstante estado de exaustão.

Minha cabeça cai no travesseiro e piscouma vez. Duas.

Desmaio.

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Capítulo 22

— Não. — Me ouço dizer. — Você nãodeveria estar aqui.

Ela está sentada na minha cama. Estáapoiada nos próprios cotovelos, com aspernas esticadas à sua frente, cruzadasnos tornozelos. E apesar de uma parte demim saber que devo estar sonhando, temum outro lado, uma parteesmagadoramente dominante que serecusa a aceitar isso. Parte de mim quer

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acreditar que ela está aqui, perto demim, usando esse vestidinho preto justoque fica exibindo suas pernas. Mas tudonela está diferente, estranhamentevibrante; as cores estão erradas. Seuslábios estão com um tom profundo derosa, bem intenso; seus olhos estãomaiores, mais escuros. Ela está usandosapatos que eu nunca a tinha visto usar.E o mais estranho de tudo: ela estásorrindo para mim.

— Oi — ela murmura.

É só uma palavra, mas meu coraçãodispara. Estou me afastando dela, quasebatendo a cabeça na cabeceira da cama,quando percebo que meu braço não estámais ferido. Olho para baixo, para mim

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mesmo. Meus dois braços estãofuncionando. Estou vestindo apenas umacamiseta e uma cueca.

Ela muda de posição num instante,ficando de joelhos antes de virrastejando para cima de mim. Ela sobeno meu colo. Agora está montada sobremim. De repente minha respiração seacelera.

Seus lábios encostam nos meus ouvidos.Suas palavras são meigas.

— Me beije — ela diz.

— Juliette...

— Vim até aqui. — Ela ainda estásorrindo para mim. É um sorriso raro,

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do tipo que ela nunca antes havia mepresenteado. Mas por estranho quepareça, agora ela é minha. Ela é minha eé perfeita e me quer, e não vou lutarcontra isso.

Não quero lutar.

Suas mãos estão puxando minhacamiseta, tirando-a pela cabeça.Jogando-a no chão. Ela se inclina ebeija meu pescoço, só uma vez, bemdevagarzinho. Meus olhos se fecham.

Não há palavras no mundo paradescrever o que estou sentindo.

Sinto suas mãos percorrerem meu peito,meu estômago; seus dedos deslizarempela beirada da minha cueca. Seu cabelo

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despenca para frente, roçando minhapele, e tenho que fechar os punhos paraevitar prendê-la na minha cama.

Cada terminação nervosa do meu corpoestá pulsando. Nunca me senti tão vivonem tão desesperado em toda a minhavida, e tenho certeza de que se elapudesse saber o que estou pensandonesse momento, ela sairia por aquelaporta e nunca mais voltaria.

Porque eu a quero.

Agora.

Aqui.

Em todo lugar.

Não quero nada entre nós.

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Quero tirar suas roupas, acender asluzes e quero estudá-la de perto. Queroabrir o zíper do seu vestido e medemorar em cada centímetro do seucorpo. Não consigo deixar de quererolhar para ela; de conhecê-la e a seustraços: o declive do seu nariz, a curvados seus lábios, a linha do seu rosto.Quero percorrer com meus dedos a pelemacia do seu pescoço e deslizar atéembaixo. Quero sentir o peso do corpodela sobre o meu, me envolvendo.

Não consigo pensar numa razão paraisso não ser certo nem real. Não consigome concentrar em nada mais, a não sernela sentada no meu colo, tocando meupeito, e me olhando nos olhos como se

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realmente me amasse.

Chego a imaginar que morri.

Mas bem quando eu me aproximo, ela seafasta, sorrindo antes de eu alcançá-la,nunca afastando seus olhos.

— Não se preocupe — ela sussurra. —Está quase acabado agora.

Suas palavras parecem tão estranhas, eao mesmo tempo tão familiares.

— O que quer dizer com isso?

— Só um pouco mais e eu vou embora.

— Não. — Estou piscando rápido,tentando segurá-la. — Não, não vá.Onde você está indo...

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— Você vai ficar bem — ela diz. —Prometo.

— Não...

Mas agora ela está segurando uma arma.

E a apontando para o meu coração.

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Capítulo 23

Essas letras são tudo que me sobrou.

26 amigos para quem contar minhahistória.

26 letras são tudo que eu preciso paracriar oceanos e ecossistemas. Possocombiná-las para formar planetas esistemas solares. Posso usar letraspara construir arranha-céus emetrópoles cheias de gente, lugares,

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coisas e ideias que são mais reais queessas quatro paredes.

Não preciso de nada além de palavraspara viver. Sem elas eu não existiria.

Porque essas palavras que escrevo sãoa única prova de que ainda estou viva.

Está extraordinariamente frio estamanhã.

Sugiro que a gente faça um passeiodescompromissado pelos complexosbem cedo só para ver se algum cidadãoparece suspeito ou deslocado. Estoucomeçando a imaginar se Kent eKishimoto, e todos os outros, estão

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vivendo em segredo entre as pessoas.Eles devem, afinal de contas, receberalguma ajuda para encontrar comida eágua — algo que os prenda à sociedade;duvido que possam plantar alguma coisadebaixo da terra. Mas é claro, são sósuposições. Eles podem ter alguém queconsegue plantar algo no ar.

Rapidamente dou instruções para meushomens; os oriento para se dispersareme continuarem sem chamar a atenção. Otrabalho deles é observar todo mundohoje, e relatar o que descobriram paramim.

Assim que se foram, fico sozinho paraolhar em volta e pensar. É um lugarperigoso para se esconder.

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Meu Deus, ela parecia tão real nos meussonhos.

Fecho os olhos, cobrindo o rosto com asmãos; meus dedos tocam meus lábios deleve. Posso sentir o toque dela. Naverdade, posso senti-la. Só de pensarnisso, meu coração acelera. Não sei oque vou fazer se continuar a ter sonhostão intensos com ela. Não vou ser capazde trabalhar direito.

Respiro fundo, controlando a respiraçãoe me concentrando. Deixo meus olhosperambularem naturalmente, não possoevitar me distrair com as criançascorrendo em volta. Parecem tãoanimadas e despreocupadas. Sei queparece estranho, mas fico triste ao ver

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que eles conseguiram encontrarfelicidade nessa vida. Elas não têm nemideia do que perderam; nem imaginamcomo o mundo costumava ser.

Alguma coisa se aproxima e bate nasminhas pernas.

Ouço um arquejo estranho e cansado; meviro.

É um cachorro.

Um cachorro cansado e faminto, tãomagro e frágil que parece que pode serlevado pelo vento. Mas ele está meolhando. Sem medo. Com a boca aberta.A língua balançando.

Tenho vontade de dar risada.

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Olho em volta rapidamente antes depegar o cachorro nos braços. Nãopreciso dar ao meu pai outro motivopara me castrar, e não confio que meussoldados não irão contar uma coisaassim.

Que eu estava brincando com umcachorro.

Posso até escutar as coisas que meu paiiria me dizer.

Carrego a criatura chorosa até uma dascasas que haviam sido desocupadasrecentemente — vi apenas três famíliassaindo para o trabalho — e me abaixopor trás de uma das cercas. O cachorroparece ser bem esperto para saber que

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agora não é hora de latir.

Tiro minhas luvas e ponho a mão nobolso para pegar um pãozinho doce quehavia trazido como café da manhã; nãotive tempo de comer nada antes desairmos hoje cedo. E embora eu nãofaça ideia do que um cachorro coma,exatamente, eu lhe dou o pãozinho.

O cachorro praticamente o agarra daminha mão.

Ele engole o pãozinho em duas bocadase começa a lamber os meus dedos,pulando no meu peito, todo empolgado,aproveitando o calor do meu casacoaberto. Não consigo segurar a risada queescapa dos meus lábios; nem quero. Há

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muito tempo não me sinto assim. E nãoposso evitar ficar espantado com opoder que animaizinhos tão pequenosexercem sobre nós; eles rompem nossasresistências com a maior facilidade.

Passo minhas mãos pelo seu pelosurrado, sentindo as pontas das costelasaparecendo em ângulos desconfortáveis.Mas o cachorro não parece se importarcom seu estado de inanição, pelo menosnão agora. Seu rabo está balançandofuriosamente, e ele fica pulando no meupeito para me olhar. Começo a pensarque deveria ter enfiado mais algunspãezinhos doces no meu bolso antes desair.

Algo estala.

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Ouço um suspiro.

Olho em volta.

Dou um pulo, alerta, procurando obarulho. Parecia bem perto. Alguém meviu. Alguém... Um civil. Ela já estáescapando, seu corpo apertado deencontro a uma das paredes da casa.

— Ei! — grito. — Você aí...

Ela para. Olha para cima.

Eu quase desmaio.

Juliette.

Ela está me olhando. Ela realmente estáaqui, olhando para mim, com os olhosarregalados e assustados. Minhas pernasparecem ser feitas de chumbo. Estou

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preso no chão, incapaz de dizer umapalavra sequer. Nem sei por ondecomeçar. São tantas coisas que gostariade dizer a ela, tantas coisas que eu nuncadisse, e eu estou simplesmente tão felizao vê-la.

— Deus, estou tão aliviado...

Ela desapareceu.

Olho em volta, em pânico, imaginandose estou começando a perder meu sensode realidade. Meus olhos se voltam parao cachorrinho que ainda está parado ali,esperando por mim, e eu olho para eleestupefato, imaginando o que haviaacontecido. Fico olhando para o lugaronde a vi, mas não vejo nada.

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Nada.

Passo a mão pelos cabelos, tão confuso,tão horrorizado e irritado comigomesmo, que fico tentado a arrancarminha cabeça.

O que está acontecendo comigo?

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Sobre aAutora

Tahereh Mafi é deConnecticut (EUA)e tem 25 anos. Éformada em Artes efala oito idiomas.Atualmente vive emOrange County,Califórnia.

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Em 2011, lançou seu primeiro livro,Estilhaça-me (Shatter Me), publicado noBrasil no ano seguinte. Após estrondososucesso, teve os direitos de sua obravendidos para 22 países e os estúdiosFox compraram os direitos de adaptaçãopara o cinema. Em 2013, lançou osegundo livro dessa trilogia, Liberta-me(Unravel Me).

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