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42 | Vox Objetiva DESTINO: GUADALAJARA A rotina pré-Pan dos atletas mineiros e a intensa saga pela vitória André Martins Fernanda Carvalho

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A rotina pré-Pan dos atletas mineiros e a intensa saga pela vitória

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42 | Vox Objetiva

DESTINO: GUADALAJARAA rotina pré-Pan dos atletas mineiros e a intensa saga pela vitóriaAndré MartinsFernanda Carvalho

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De 14 a 30 de outubro a 16ª edição do principal evento esportivo das Américas acontecerá na terra da tequi-

la e dos sombreros. Será uma oportunidade a mais para os atletas brasileiros provarem que a aguerrida postura típica do povo deste país não se estende apenas à forma como encara os obstáculos cotidianos. A combatividade e a resignação se refl etem também nas piscinas, nas mon-

tanhas, nos tatames, nos campos de prova e nos ginásios.Dentre o grupo que compõe a, cada vez maior,

delegação brasileira, estão diversos potenciais heróis e heroínas do esporte mineiro. A reportagem da Vox Objetiva foi atrás de alguns deles, representantes da natação, karatê, tiro e mountain bike. Saiba quem são e o q ue estão fazendo para ganhar o pódio.

beleza e fúria no tatameAndré Martins

nhou a medalha de prata e carim-bou o passaporte internacional.

Desde então, a preparação tem sido intensa. O dia dela começa cedo, às 6h30. A primeira refeição do dia inclui café com leite, meio pão, uma barrinha de cereal e fru-tas. Ela faz dois treinos de duas ho-ras cada, um pela manhã e o outro pela tarde, de domingo a domingo.

“É quando procuro aperfeiçoar os golpes, a velocidade e o ritmo de luta”, explica. Jéssica cursa ainda o sexto período de Fisioterapia e faz estágio na faculdade e em um hospital da cidade. É difícil conci-liar tudo isso com os treinamentos fora do estado e com os amistosos e torneios internacionais. Antes da maior competição das Américas, ela viaja para a Turquia e Alema-nha, onde competirá em torneio

aberto. “Quando tenho um tempi-nho, tento reunir com minha famí-lia, amigos, namorado, cachorro”, arremata sorrindo.

A dedicação e vontade da carate-ca mineira inspira o treinador. Para essa jovem guerreira, todo elogio é pouco. “Ela é muito rápida. Não dá chances para as adversárias, além disso é uma ótima pessoa”, afi rma.

Em outubro, Jés-sica faz sua estreia em Panamericanos. Ela sabe do desafi o e da responsabilida-de nela depositada. “Será um campeo-nato muito difícil. Todas as atletas estarão bem prepa-radas e são promis-soras. Tenho certa preocupação em não conseguir fa-zer o meu melhor, embora tenha trei-nado e me dedica-do bastante”.

Ela faz o que pode e confi a em

trechos bíblicos de encorajamento nos quais procura “descanso” ao fi m de cada atribulado e intenso dia de treinos. Quando o coração bater mais forte na segunda quin-zena do mês que se aproxima, ela certamente fará várias preces antes de pisar no tatame. Tomara Deus que assim como o lapidado rosto de menina, seu desempenho em cada uma das lutas seja não menos que irretocável.

Os frascos de creme e perfume, o rímel, os batons e a maquiagem

dividem espaço com os kimonos e luvas na mochila de Jéssica Dalt Cândido, única mineira da equipe brasileira de karatê que em outubro embarca para o Pan do México. O ri-tual que antecede as lutas da caçula da seleção vai além dos gritos e dos golpes aplicados em uma rival ima-ginária. Se aquecer é tão importante quanto entrar no ta-tame com a aparên-cia irrepreensível.

Quem vê esta pouso-alegrense de 22 anos lutando hoje, não imagina que tudo começou há 15 anos, quan-do o treinador João Batista Rodrigues viu algo a mais na garotinha esperta que pulava na ar-quibancada de um ginásio em Caxam-bu torcendo pelo ir-mão em uma com-petição regional. O convite foi feito e Jéssica não recusou.

As expectativas do sensei se consolidaram ao longo da cami-nhada juntos. Hoje, a pupila de João é nove vezes campeã mineira, seis vezes campeã brasileira e tetra-campeã sulamericana e panameri-cana na categoria - 50 kg. A vaga para os Jogos de Guadalajara veio no último Sulamericano em Medel-lín, Colômbia, onde Jéssica aboca-

Div

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Como quase todo menino brasi-leiro, Nicolas tinha o sonho de

ser jogador de futebol. Mas, aos seis, o irmão o empurrou em uma pisci-na e mudou o destino do atleta. O garoto se afogou e teve que ser sal-vo. Depois disso, a mãe decidiu que ele deveria perder o medo da água e aprender a nadar.

Ele conseguiu e foi além. Nicolas Nilo César de Oliveira começou ao acaso e hoje é um dos melhores do Brasil na prova 100 metros livres, fi-cando atrás apenas de César Cielo. Já ganhou medalhas em importan-tes competições como o Pan do Rio, em 2007. Levou duas de ouro em casa, foi bronze no Mundial de Pis-cina Curta em Dubai/2010, foi duas vezes prata e três bronze no Troféu José Finkel 2011, além de ter batido vários recordes sulamericanos.

Nicolas é o homem da velocida-de. A competitividade desde crian-ça foi um dos maiores impulsos para se tornar o campeão de hoje. Nas competições, ele optou, desde o início, por provas que requerem muita agilidade, na modalidade crawl: 200 e 100 metros livre.

O mineiro da capital se prepara agora para o Pan Guadalajara, mas apenas como um “treino de luxo”

para a Olimpíada. “Ficou uma data muito complicada para a natação, porque a gente precisa de um treino bem específico e temos que seguir um calendário. O meu foco ficou mais para a Olimpíada, mas não quer dizer que eu não dê importân-cia ao Pan. O Brasil o estima muito, então eu também levo muito a sé-rio”, explica o nadador.

Os treinos para competições for-mam um ciclo de, no mínimo, dez semanas. Nas primeiras, a prática é chamada de base. O objetivo é re-cuperar a forma, ganhar ou perder peso, se necessário. Logo depois, começa o treinamento específico. Nesse período, o nadador corrige viradas, saídas e detalhes de pro-va, além de exercitar a velocidade. Quando faltam duas ou três sema-nas, começa o período de descan-so, o que não quer dizer parar com tudo. O nadador continua o que fa-zia antes, mas tranquilamente. Ao invés de praticar 20 tiros, pratica cinco, por exemplo.

Nicolas mora, desde 2005, nos Estados Unidos, onde ganhou uma bolsa de atleta para estudar e se aperfeiçoar com mais de 60 nadado-res. O treinamento é de segunda a sábado, com variação de três a cinco

horas diárias. Além do contato com a piscina e o tempo de musculação, ele ainda precisa se preocupar com a alimentação, dormir bem, cuidar do preparo físico, do corpo e da mente. “Natação é muito na base da sensibi-lidade. Temos que sentir muito bem a água. É um meio que não é o nosso. Por isso é um esporte muito diferen-te”, completa o recordista.

Graças à natação, o velocista das piscinas conhece pessoas de todos os cantos do mundo. Já viajou para muitos países e adentrou diversas culturas. “Foi através do esporte que eu fiz economia e me especializei em comércio exterior nos Estados Uni-dos. É o maior prêmio que ganhei

Das águas para o mundoFernanda Carvalho

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dela. E mesmo depois de viajar o mundo inteiro, eu ain-da tenho a certeza de que o Brasil é o melhor lugar para fi car e morar. O carisma, a mescla e a cultura que a gente tem, não há em nenhuma outra parte do planeta”.

Em julho de 2007, no Rio de Janeiro, Thiago Pereira, Rodrigo Castro, Lucas Salatt a e Nicolas Oliveira forma-vam a equipe brasileira para a prova de 4 x 200 metros livre. O Brasil estava atrás da equipe norte-americana na terceira parcial. Mas Nicolas Nilo, como é chamado nos Estados Unidos, surpreendeu a todos nos últimos 200 metros. Como o mais novo do revezamento, supe-

rou o estadunidense e venceu pelo Brasil. Motivo de orgulho para o pai – que tão raras vezes teve oportuni-dade de presenciar a performance do fi lho de perto –, para toda a família, os amigos e para a nação.

O mineiro veloz, de 24 anos e 1,97 metros de altura, promete surpreender novamente no Pan do México. E, mais ainda, é uma aposta para a tão sonhada e espera-da Olimpíada de Londres 2012, talvez a última do na-dador, que é, também, apaixonado pelo diploma que tem em mãos. O ouro, defi nitivamente, aterrissará no Brasil em breve.

O México traz boas lem-branças ao carabinis-

ta Mauro Salles. Em 1978, quando disputava um campeonato mundial na categoria júnior naquele país, ele viveu uma expe-riência inesquecível. “Em um determinado momen-to da competição deu uma ventania danada. Tinha um americano muito bom atirando ao meu lado. De-cidi esperar o vento parar, ele não”. Mauro foi muito bem, o oponente, mui-to mal. “Nesse dia eu fui campeão”, lembra com um sorriso nostálgico.

O engenheiro e belo-horizontino de 51 anos, talvez o mais experiente de toda a delegação brasileira cre-denciada para a competição, nasceu numa família com inegável tradição no tiro. O avô, João de Salles, foi ati-rador de arma curta e o pai, Edimar Salles, hoje com 83 anos, é o atual campeão mundial de veteranos.

Mauro começou a atirar com cinco anos de idade. Tomou gos-to pelo esporte ao acompanhar o pai em treinamentos. O tiro era um hobby que acabou virando coisa sé-ria. Em competições internacionais, ele já pisou em mais de 30 países. Só de Panamericanos, Mauro parti-cipou de três: Mar Del Plata (1995), Winnipeg (1999) e Santo Domingo

O alvoAndré Martins

(2003). Agora, no México, tentará sua maior façanha. O bom desempenho em Guadalajara será determinante para o que ele mais quer: beliscar a vaga na categoria carabina deitado nos Jogos Olímpicos de Londres.

Desde que conseguiu o índice, a vida de Mauro não é o que se pode chamar de tranquila. Ele divide as 24 horas diárias entre o trabalho, o fi lho, a esposa e os treinamentos. No fi m da tarde, depois de cumprir o expediente ou fazer aquelas horas extras para compensar ausências em decorrência de competições, ele prepara o equipamento. Favorecido pela tecnologia, Mauro consegue treinar ali mesmo, na extensa sala de seu apartamento. “Eu ponho um

sensor debaixo do cano da carabina, a carrego com munições já utiliza-das e ligo cabos no computador. O som do tiro em seco, que não é real, é o sufi ciente para que o microfone precise o local que seria atingido pelo projétil. Depois tenho acesso a todo o relatório de análise”, explica.

A preparação não fi ca só nisso. Uma ou duas vezes na semana, Mauro atira “para valer” em seu estande em Itabirito. É necessário se submeter às condições atmosfé-ricas. O sol que se esconde em uma nuvem e o vento que sopra forte são fatores que infl uenciam. Em con-dições adversas é preciso calcular. Um pouco de sorte também não faz mal a ninguém.

Luiz

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O peso da bala e a dinâmica de movimento no ar são observados com cuidado. A equipe brasileira realiza testes sistemáticos na Ingla-terra para chegar à munição ideal, aquela que faz um trajeto regular. O traje utilizado nas competições pode não parecer o mais confortá-vel no tropicalíssimo Brasil. É cons-tituído de diversas camadas de teci-do emborrachado. E como perde-se

peso com elas... Um mal necessário. Para conseguir estabilidade, algo de suma importância para se atirar bem, é preciso suar a camisa.

O treinamento físico é funda-mental. Um carabinista pode per-manecer numa mesma posição por horas a fio. Na academia, o professor Lucas Lobato montou um esquema de treino voltado para os grupos musculares mais

usados por Mauro. “Deu certo. Me ajudou bastante”, sentencia. Mas pouco adianta ter condições físicas quando o controle emocio-nal está distante. Em 2007, Mau-ro conheceu, por meio do colega Stênio Yamamoto, a neurolinguís-tica, que contribuiu para a classi-ficação deste ano. “Eu comecei a trabalhar as minhas formas de pensamento. Muitas vezes a ma-neira como você pensa ao atirar te atrapalha”, esclarece.

Mauro está de malas prontas para o Rio de Janeiro, onde fará uma série de treinamentos com a equipe antes de embarcar para Guadalaja-ra no dia 10 de outubro. É preciso ir com antecedência para sentir o cli-ma e não ser pego desprevenido. Lá ele encontrará os maiores rivais, os americanos. Será desafiador, mas a vontade dele, tamanha que é, já não pode ser mais domada.

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Às nove horas, Erika Gramiscelli acorda e toma café da manhã, saudável e baseado no treino do dia.

“Estourando” 10h30, ela sai com a bicicleta. O treina-mento segue uma planilha e varia conforme a época do ano e as competições mais importantes. A qualida-de da alimentação e a hidratação são fatores essenciais para a mineira de 27 anos. O preparo durante todo o ano é rígido e intenso, assim como o esporte pelo qual ela vive: o mountain bike.

Na preparação para o Pan Guadalajara, Erika inten-sificou os treinos. O que ela faria em um ano, agora realiza em, aproximadamente, dois meses. Agosto foi o período dos exercícios de base, o mesmo que acontece no início do ano. É uma prática longa, de resistência,

em asfalto. “É um pouco tedioso, porque você sai de casa e fica quatro, cinco horas em cima da bike, peda-lando em baixa intensidade. Mas é um treinamento es-sencial para aguentar o peso da competição”, explica a atleta. Em setembro, Erika passou para os exercícios específicos, com mais “explosão”, por exemplo, na su-bida em circuitos de mountain bike.

Com o foco no Pan, a mineira diminuiu o calendá-rio pessoal de provas. De 25 a 30, ela passou para, no máximo, 20 corridas anuais. “Competi naquilo que ser-via de preparação para os Jogos. Agora sim, estou em época de competições quase toda semana”. São quatro anos de dedicação para uma prova dessas, que dura, em média, duas horas apenas.

Fernanda Carvalho

Fortaleza em cima de bikes

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Além do ciclismo de estrada e em circuitos, ela pratica natação, corrida a pé, musculação, alonga-mentos e tem um grande cuidado com lesões. “Eu estou com uma grave no joelho. Não é nada que vá me atrapalhar, mas estou tomando muito cuidado, fazendo fi siotera-pia diariamente”.

A trajetória de Erika começou há muito tempo. Aos 12 anos, ela ga-nhou a primeira bicicleta e, com ape-nas 14, já estava competindo. Na pri-meira prova foi vencedora e, pouco tempo depois, foi vitoriosa do Iron Biker, a competição mais longa da América Latina. A sensação de liber-dade e o incentivo pelas primeiras provas ganhas fi zeram com que ela deixasse os estudos e muitas outras coisas para viver da bike. Atualmen-te, é tetracampeã brasileira e já parti-cipou das principais competições in-ternacionais, vencendo, inclusive, a maior ídolo de quanto tinha 14 anos, Roberta Stopa.

Depois de muita luta e dedica-ção, a mineira não pensa em parar, quer conquistar uma vaga nos Jogos Olímpicos e continuar a carreira. “O mountain bike é um esporte de qui-lometragem, de longo prazo. Dá pra praticar até uns 40 anos bem”. Além da bicicleta, ela pretende cursar Di-reito para lutar contra os desmandos no esporte. “É muita coisa ruim que acontece. Dinheiro que não é aplica-do onde deve, falta de incentivo aos atletas, além de injustiças pessoais que prejudicam os que ‘peitam’ os grandes. Eu quase não consegui ir para o Pan por causa da postura de um técnico que queria me expulsar de uma prova para dar oportuni-dade a uma novata. Eu resolvi lutar pelo meu direito e, no fi nal das con-tas, alcancei meu objetivo”, relata a atleta indignada com a injustiça.

Batalhadora, Erika é uma gran-de aposta para a conquista de mais uma medalha para o Brasil. E, como o Pan é 95% uma prévia do que acontecerá nos Jogos Olímpicos, se-gundo ela, há uma grande chance de que a vaga do Brasil esteja garan-tida no mountain bike. Só seria me-lhor se o país descobrisse que, com incentivo, a vontade de vencer pela nação seria ainda maior.

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