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REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISoutubro | novembro | dezembro 2010 | v. 77 — n. 4 — ano XXVIII

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REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISoutubro | novembro | dezembro 2010 | v. 77 — n. 4 — ano XXVIII

CONSULTA N. 812.412

Despesa total com pessoal: inclusão dos gastos com reajuste e revisão geral anual de vencimentos e do valor do Imposto de Renda Retido na Fonte

[...] é cediço que o princípio do orçamento bruto está consagrado no art. 6º da Lei Federal n. 4.320/64 e traduz a ideia de que todas as receitas e despesas devem constar no orçamento em seus valores brutos, vedadas quaisquer deduções. Portanto, esse princípio obriga o registro — de natureza escritural — do IRRF como despesa de pessoal, já que esse imposto integra o salário bruto pago pela Administração Pública.

RELATOR: CONSELHEIRO EDUARDO CARONE COSTA

RELATÓRIO

Tratam os autos da Consulta n. 812.412, subscrita pelo Prefeito Municipal de Carmo

do Paranaíba, Helder Costa Boaventura, por meio da qual apresenta os seguintes

questionamentos:

1 — Os gastos com reajuste e com a revisão geral anual de vencimentos, prevista no inciso X do art. 37 da Constituição, devem ser considerados na despesa total com pessoal, para efeitos do cálculo do comprometimento da Receita Corrente Líquida?

2 — É possível a exclusão dos valores referentes ao Imposto de Renda Retido na Fonte do somatório dos gastos com pessoal, constante no art. 18 da LRF?

Do exame dos pressupostos de conhecimento da presente consulta, ressai que a autoridade

consulente tem legitimidade para apresentá-la, consoante as disposições do art. 210, inciso

I, do Regimento Interno deste Tribunal, aprovado por meio da Resolução TC n. 12/2008.

Cumpre observar que a matéria consubstanciada nas questões, acima enumeradas, guarda

adequação com o disposto no art. 76, inciso IX, da Constituição do Estado de Minas Gerais,

EMENTA: Consulta — Prefeitura Municipal — Despesa total com pessoal (art. 18 da LRF) — I. Gastos com reajuste e revisão geral anual de vencimentos. Inclusão. Despesa típica de pessoal. Art. 37, xV, da CR/88. II. Imposto de Renda Retido na Fonte. Inclusão. Observância do princípio do orçamento bruto. Art. 6º da Lei Federal n. 4.320/64.

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segundo o qual compete à Corte de Contas emitir parecer em consulta sobre matéria que tenha repercussão financeira, contábil, orçamentária, operacional e patrimonial.

Demais disso, entendo que, em tese, é de todo pertinente que esta egrégia Corte esclareça as dúvidas suscitadas pelos jurisdicionados e estabeleça as diretrizes que poderão auxiliá-los na condução das medidas e ações oriundas da gestão administrativa, viabilizando o cumprimento da missão pedagógica afeta aos Tribunais de Contas.

Desse modo, presentes os requisitos de admissibilidade estatuídos nas disposições regimentais em vigor, recebo a presente consulta e o faço estribado na dicção do art. 211 do Regimento Interno.

Em 9 de fevereiro de 2010, recebi a referida consulta e encaminhei os autos à douta Auditoria, que emitiu o parecer a fls. 07-20.

É o relatório.

MéRITO

No mérito, respondo, em tese, à primeira indagação apresentada, nos termos do parecer do ilustre Auditor Hamilton Coelho, que assim expressou:

O primeiro questionamento refere-se à inclusão dos ‘gastos com reajuste e com a revisão geral anual de vencimentos, prevista no inciso X do art. 37 da Constituição’ no somatório da despesa com pessoal descrito no art. 18 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Recordo que a aludida revisão anual tem por fim preservar o poder de compra da remuneração do servidor. Assim leciona a célebre administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

‘A revisão anual, presume-se que tenha por objetivo atualizar as remunerações de modo a acompanhar a evolução do poder aquisitivo da moeda (destaquei); se assim não fosse, não haveria razão para tornar obrigatória a sua revisão anual, no mesmo índice e na mesma data para todos. Essa revisão anual constitui direito dos servidores, o que não impede revisões outras, feitas com o objetivo de reestruturar ou conceder melhorias a carreiras determinadas, por outras razões que não a de atualização do poder aquisitivo dos vencimentos e subsídios’ (Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 500).

Os acréscimos decorrentes da revisão obrigatória ou de reajuste estatuído em lei serão incorporados aos vencimentos do servidor de maneira definitiva, por força do estabelecido no inciso XV do já citado art. 37 da Constituição da República:

‘Art. 37 [...]

[...]

XV — o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I’ (destaquei).

Incorporados aos subsídios e vencimentos dos servidores, tais valores não poderiam ser contabilizados separadamente. Configurarão, necessariamente, despesa típica de pessoal, conforme descrição do art. 18 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que indica ‘quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas

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e variáveis, subsídios [...] inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais’. Por conclusão, o crescimento da despesa necessariamente será considerado na apuração do limite global de despesas com pessoal do ente, fixado no art. 19 da LRF.

A Lei de Responsabilidade Fiscal traz ainda disposições específicas quanto à revisão anual obrigatória, consignadas no art. 22, parágrafo único, I, e no art. 71 da própria Lei de Responsabilidade Fiscal. O primeiro dispositivo excepciona a revisão, de fundo constitucional, do “congelamento” de despesas a que se sujeita o órgão quando atinge 95% do limite de gastos com pessoal. Já o segundo tinha por fim limitar a elevação de gastos nos exercícios subsequentes à entrada em vigor da LRF.

Nenhum dos dispositivos, contudo, que busca preservar o poder de compra dos vencimentos do servidor a despeito de qualquer contingência, prevê hipótese de subtração das despesas decorrentes da revisão geral anual da remuneração do somatório de gastos com pessoal.

Acerca da segunda indagação, que versa sobre a possibilidade de “exclusão dos valores referentes ao Imposto de Renda Retido na Fonte do somatório dos gastos com pessoal, constante no art. 18 da LRF”, já me posicionei sobre o tema em outra assentada.

Com efeito, o Processo n. 658.165, que trata da Prestação de Contas da Câmara Municipal de Esmeraldas do exercício de 2001, foi por mim relatado nas sessões da Primeira Câmara datadas de 16/12/2003 e 27/04/2004, quando me manifestei sobre a matéria nos seguintes termos:

Segundo a leitura que faço das disposições contidas no § 1º do art. 29-A da Carta Magna, dispositivo acrescido ao texto constitucional pela Emenda n. 25/2000, o legislador instituiu o referido limite para controlar o montante de recursos financeiros que, efetivamente, é desembolsado pelas Câmaras Municipais com a respectiva folha de pagamento, incluídos os subsídios dos vereadores.

Por sua vez, também é sabido que o produto da arrecadação do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, pelos entes municipais, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem pertence aos respectivos municípios, nos termos do inciso I do art. 158 da Carta Política da República de 1988.

Dessa forma, e considerando que, a meu juízo, o enfoque do legislador é eminentemente financeiro, razão pela qual o intérprete não deve se ater apenas ao aspecto contábil; e, ainda, que o referido tributo constitui receita municipal, para aferição do limite ora sob exame deve ser deduzido o montante correspondente ao Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) do total bruto da folha de pagamento da Câmara Municipal.

Vale dizer, e apenas para efeito de cálculo do limite em questão, embora a despesa com a folha de pagamento, incluído o subsídio dos vereadores, seja contabilizada pelo valor bruto, como salientou o órgão técnico, o que é, realmente, despendido pelo erário — sob o enfoque financeiro — constitui o valor bruto da folha menos o IRRF.

E por que nessa análise, como se poderá cogitar, não são consideradas outras consignações descontadas na folha de pagamento dos agentes públicos, como, por exemplo, contribuição previdenciária, mas apenas o Imposto de Renda Retido na Fonte?

A razão é singela, porque o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), nesse caso específico, e como já salientado, constitui receita municipal, por força de mandamento constitucional.

Ou seja, a Câmara Municipal, como unidade do orçamento municipal, e por não ser órgão arrecadador de receitas, faz a retenção devida do IRRF, observada a legislação

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pertinente, e repassa os valores retidos de seus agentes públicos ao Executivo, para atendimento do princípio da unidade da tesouraria.

Nesse caso, e isso é de clareza solar, o valor efetivamente despendido pelo erário, ou o valor da despesa real da edilidade, em termos financeiros, é o valor bruto da folha de pagamento deduzido o montante do Imposto de Renda Retido na Fonte dos agentes públicos que compõem a respectiva folha, pois o valor desse tributo que é retido retorna aos cofres municipais como receita pública.

[...]

Por tudo isso, não acolho a metodologia utilizada pelo órgão técnico para aferição do limite previsto no § 1º do art. 29-A da Constituição Federal, porquanto, repita-se, o fim colimado pelo legislador é eminentemente financeiro e, não, escritural.

Por essa razão, e para efeito de cálculo desse limite, não posso deixar de deduzir do valor bruto da folha de pagamento, pelo menos a minha consciência não permite, o montante retido a título de IRRF, haja vista que o valor do vencimento ou do subsídio desembolsado pelos cofres públicos é subtraído desse imposto, que constitui receita pública.

Frise-se que, como bem salientou o douto Auditor, “A questão levantada é polêmica, tem sido

objeto de controvérsia entre estudiosos e provocado decisões divergentes entre as cortes

de contas do país.” Entretanto, diversamente do entendimento esposado pela Auditoria,

mantenho minha convicção de que é possível a dedução dos valores referentes ao Imposto

de Renda Retido na Fonte do somatório dos gastos com pessoal previsto no art. 18 da LRF.

Nestes termos, acolho o parecer do ilustre Auditor apenas na parte relativa à primeira

indagação e respondo afirmativamente quanto ao segundo ponto, entendendo como

esclarecidas as dúvidas aventadas na inicial.

Em sendo aprovado, este pronunciamento deverá ter cópia encaminhada à Biblioteca desta

Corte, responsável pelo gerenciamento do banco de dados que disponibiliza a pesquisa das

consultas para as providências cabíveis.

Na sessão do dia 23/06/10 pediu vista dos autos o Conselheiro Antônio Carlos Andrada.

Retorno de VistaCONSELHEIRO ANTÔNIO CARLOS ANDRADA

RELATÓRIO

Versam os autos sobre consulta formulada pelo Sr. Helder Costa Boaventura, Prefeito

Municipal de Carmo do Paranaíba, à época, nos seguintes termos, em síntese:

1 — Os gastos com reajuste e com a revisão geral anual de vencimentos, prevista no inciso

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X do art. 37 da Constituição, devem ser considerados na despesa total com pessoal, para efeitos do cálculo do comprometimento da Receita Corrente Líquida?

2 — É possível a exclusão dos valores referentes ao Imposto de Renda Retido na Fonte do somatório dos gastos com pessoal, constante no art. 18 da LRF?

O relator, Conselheiro Eduardo Carone Costa, enviou a consulta à Auditoria para que se pronunciasse sobre o assunto.

Sobre a revisão geral anual, o ilustre Auditor Hamilton Coelho citou o inciso XV do art. 37 da Constituição da República, que garante o direito de revisão geral anual para os servidores públicos. O ilustre Auditor opinou, ainda, no sentido de que os valores correspondentes a essa revisão integram a despesa total de pessoal para fins de verificação dos limites impostos pela LRF. No entanto, ressalvou que tais valores não estão sujeitos a contingenciamento, caso o percentual de alerta de 95% do limite tenha sido atingido ou ultrapassado o percentual máximo de aumento da despesa total com pessoal, conforme dispõem o art. 22, parágrafo único, inciso I, e o art. 71 da LRF.

No que diz respeito ao Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), o ilustre Auditor ressaltou que a questão sobre a exclusão do IRRF da despesa total com pessoal é controversa, tendo sido alvo de debates no IV Fórum IRB/PROMOEX (2007). Por fim, o Auditor concluiu que o IRRF não pode ser excluído da despesa total com pessoal, dado que tal exclusão não está contemplada pelo rol taxativo que consta no inciso VI, do § 1º, do art. 19 da LRF.

O Conselheiro Relator, Eduardo Carone Costa, expressou seu entendimento, em relação ao primeiro questionamento, no mesmo sentido do Auditor Hamilton Coelho.

Em relação ao segundo questionamento, o Conselheiro Eduardo Carone Costa se posicionou de forma contrária ao parecer da douta Auditoria, de forma a considerar possível a exclusão do IRRF da despesa total com pessoal.

Após a apresentação do voto do Conselheiro Relator, diante das minhas dúvidas a respeito do assunto, pedi vista dos autos, para tomar maior conhecimento do tema e, dessa forma, poder emitir meu juízo.

É o relatório, em síntese.

MéRITO

Em relação ao primeiro questionamento, o parecer da douta Auditoria esclareceu que os valores correspondentes à revisão geral anual são considerados no cálculo da despesa total com pessoal, mas não estão sujeitos a contingenciamento, caso a despesa total com pessoal ultrapasse o percentual de alerta de 95% do limite imposto pela LRF. O Conselheiro Relator Eduardo Carone Costa corroborou com esse entendimento.

Na mesma linha, afino-me com o parecer da Auditoria e com o Conselheiro Relator Eduardo Carone Costa. No entanto, entendo ser importante a realização de uma diferenciação entre

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o reajuste e a revisão geral anual.1 De fato, ambos integram a Despesa Total com Pessoal porque não estão expressamente previstos como exclusões da despesa total com pessoal, conforme o inciso VI,2 do § 1º, do art. 19 da LRF. No entanto, ao contrário do reajuste, a revisão geral anual3 pode ser realizada mesmo quando ultrapassado o limite prudencial4 de 95% do limite da despesa total com pessoal, conforme o inciso I do art. 22 da LRF e a 3ª edição do Manual de Demonstrativos Fiscais5 da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), volume III, válido para o exercício de 2011, aplicado à União, Estados e Municípios, mais uma vez na linha do nobre relator.

Em relação ao IRRF, cumpre assinalar que, na sessão do Tribunal Pleno de 18/08/2010, ficou consignada uma mudança de entendimento desta Corte acerca da contabilização de valores relativos ao desconto do IRRF, de sorte que, segundo o decisum, tais retenções devem, para todos os efeitos, integrar tanto a base de receita do ente como também compor os gastos totais com pessoal.

Em face do deliberado naquela assentada, gostaria apenas de reforçar os argumentos que justificam a inclusão do Imposto de Renda das despesas totais com pessoal do ente federativo.

Nessa linha de raciocínio, vale o registro do Auditor Hamilton Coelho que, em seu parecer, se posicionou de forma contrária à exclusão desse imposto da despesa total com pessoal, citando os estudos e debates desenvolvidos no âmbito do IV Fórum do Instituto Ruy Barbosa (IRB) — Programa de Modernização do Sistema de Controle Externo dos Estados, Distrito Federal e Municípios Brasileiros (PROMOEX).6 Naquele encontro, o representante do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul (TCE/RS), citando o Parecer n. 69/2000 e o Parecer Coletivo n. 02/2002, defendeu que o registro do Imposto de Renda é meramente escritural, não havendo ingresso financeiro efetivo de receita.

A representante da Secretaria do Tesouro Nacional rebateu o argumento usado pelo TCE-RS, dizendo que a LRF não trata de matérias exclusivamente sob a ótica financeira, mas também orçamentária. Nesse sentido, a representante da STN afirmou, ainda, que o registro de

1 No que diz respeito ao conceito de revisão geral anual e à definição de reajuste, a Consulta n. 786.092, de minha relatoria, sessão do dia 16/09/2009, contém maiores esclarecimentos.

2 Art. 19. [...] § 1° Na verificação do atendimento dos limites definidos neste artigo, não serão computadas as despesas: I — de indenização por demissão de servidores ou empregados; II — relativas a incentivos à demissão voluntária; III — derivadas da aplicação do disposto no inciso II do § 6º do art. 57 da Constituição; IV — decorrentes de decisão judicial e da competência de período anterior ao da apuração a que se refere o § 2° do art. 18; V — com pessoal, do Distrito Federal e dos Estados do Amapá e Roraima, custeadas com recursos transferidos pela União na forma dos incisos XIII e XIV do art. 21 da Constituição e do art. 31 da Emenda Constitucional n. 19; VI — com inativos, ainda que por intermédio de fundo específico, custeadas por recursos provenientes: a) da arrecadação de contribuições dos segurados; b) da compensação financeira de que trata o § 9º do art. 201 da Constituição; c) das demais receitas diretamente arrecadadas por fundo vinculado a tal finalidade, inclusive o produto da alienação de bens, direitos e ativos, bem como seu superávit financeiro.

3 A revisão geral anual é referenciada no inciso X do art. 37 da Carta Magna.

4 Apesar disso, de acordo com a Lei Federal n. 10.331, de 18 de dezembro de 2001, a revisão geral anual está condicionada ao atendimento dos limites da despesa total com pessoal, no que diz respeito aos servidores públicos federais.

5 Ver p. 30. Disponível em: <http://www.tesouro.fazenda.gov.br/legislacao/download/contabilidade/port_249/MDF_Volume_ III_3edicao. pdf>.

6 O relato minucioso desse encontro, no que diz respeito ao IRRF, consta em um estudo em desenvolvimento na Assessoria Técnica de Estudos e Normatização desta Corte de Contas.

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valores líquidos, ou seja, excluídos do IRRF, fere o princípio do orçamento bruto, e que o art. 19 da LRF não prevê o IRRF como item a ser excluído da despesa total com pessoal. O mesmo posicionamento foi assumido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Ministério Público da União (MPU).

Nesses termos, é cediço que o princípio do orçamento bruto7 está consagrado no art. 6º da Lei Federal n. 4.320/64 e traduz a ideia de que todas as receitas e despesas devem constar no orçamento em seus valores brutos, vedadas quaisquer deduções. Portanto, esse princípio obriga o registro — de natureza escritural — do IRRF como despesa de pessoal, já que esse imposto integra o salário bruto pago pela Administração Pública.

Nesse particular, é necessário que se faça uma distinção. De fato, o real contribuinte do Imposto de Renda é o servidor ou o empregado. Dessa forma, quando as empresas privadas realizam a retenção e o recolhimento do IRRF aos cofres públicos, há o efetivo ingresso financeiro de receita na esfera governamental, mas, no caso em tela, quando o ente governamental ocupa, também, a figura de empregador, não ocorre a movimentação financeira, em sentido estrito do termo, porque é o próprio poder público o devedor e o destinatário da receita proveniente desse imposto.

Assim, para efeito de escrituração, ao mesmo tempo em que o IRRF é despesa ao compor o salário bruto do servidor ou empregado, é também registrado como receita do mesmo ente.

Tendo em vista que a Lei de Responsabilidade Fiscal não revogou dispositivos da Lei Federal n. 4.320/64, as disposições de ambas as leis devem ser harmonizadas. Dessa forma, ao interpretar a Lei de Responsabilidade Fiscal, em especial os limites por ela descritos, o princípio do orçamento bruto não pode ser desconsiderado. Isso implica considerar o IRRF no cálculo da despesa de pessoal.

Está aí o cerne da questão. Nestes termos, peço vênia ao relator para discordar de seu posicionamento no sentido de adotar apenas o enfoque financeiro ao considerar o IRRF somente como receita do ente público.

Vale ainda mencionar que, no retorno de vista da Consulta n. 676.672, esclareci que a retenção do IRRF pela Administração Pública não significa que não houve o correspondente gasto. Na oportunidade, posicionei-me no seguinte sentido:

[...] Tenho que a obrigação dos entes públicos, ante o princípio do equilíbrio fiscal e o princípio constitucional da eficiência, é computar como despesa com pessoal todos os gastos [e consequentemente o IRRF] empreendidos em razão da existência dos servidores e empregados públicos. Isso porque os limites quanto às despesas com pessoal foram criados buscando impedir que a arrecadação estatal seja completamente absorvida pelo mero funcionamento da “máquina” da Administração.

[...]

Ademais, trazemos hoje ao Plenário documento elaborado pela Diretoria de Finanças desta Corte, que atesta que nos relatórios de gestão fiscal elaborados pelo próprio TCE/MG os valores referentes ao Imposto de Renda Retido na Fonte (folha de pagamento dos servidores) são computados no montante da despesa bruta com pessoal do Tribunal.

7 Vander Gontijo, COFF/CD, Brasília, 2004. Disponível em: <http://www.profpito.com/princorc.html>.

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Nesse sentido, a exclusão do IRRF da despesa total com pessoal poderia distorcer a finalidade da LRF de limitar o comprometimento dos recursos públicos com despesas de natureza remuneratória, dado que o IRRF integra o salário bruto do servidor ou empregado.

Acrescento, ainda, conforme disposição expressa da 3ª edição do Manual8 de Demonstrativos Fiscais da Secretaria do Tesouro Nacional, volume III, que o IRRF não pode ser deduzido do cálculo da despesa total com pessoal. Esse manual esclareceu quais despesas não poderiam ser deduzidas para fins de verificação dos limites da LRF: a) despesas com inativos e pensionistas custeadas com recursos não vinculados; b) valores transferidos em decorrência da compensação financeira entre diversos regimes de previdência; c) o Imposto de Renda Retido na Fonte, que constitui, em realidade, receita tributária do ente empregador.

Não se pode olvidar que a STN é competente para estabelecer os parâmetros e referenciais contábeis não só para a União, mas também para os Estados e Municípios brasileiros. Isso é importante, inclusive, para evitar um tratamento desigual aos jurisdicionados, na medida em que uma orientação desta Corte de Contas poderia estar em flagrante oposição com uma orientação da STN, dificultando a obtenção de recursos federais por um determinado município, situação esta que já foi verificada na prática.

Na mesma linha, no site9 do Tribunal de Contas de São Paulo é possível encontrar a Nota n. 1097/2007/CCONT-STN,10 da Secretaria do Tesouro Nacional, que esclarece vários aspectos sobre o cálculo da Despesa Total com Pessoal para fins de verificação dos limites impostos pela LRF. Sobre o IRRF, essa nota esclarece que:

[...] 47. Tem se tornado frequente a prática de excluir o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) dos servidores, tanto da receita como da despesa, como forma de flexibilizar os limites aplicáveis à DTP [Despesa Total com Pessoal]. O argumento para tal exclusão é que, por ser tributo de competência da União, não deve nem compor a receita corrente de estado ou município. Esse argumento não encontra abrigo à luz do que determina a Constituição, nos arts. 157 e 158.

48. Não há dúvidas, portanto, quanto à inclusão do IRRF na RCL [Receita Corrente Líquida], cabendo apenas discutir se o registro deve dar-se como transferência da União ou como receita tributária dos demais entes (Portaria STN n. 212/2001), já que o recurso não passa pelo orçamento da União e é diretamente retido pelos Estados e Municípios. De outro, o IRRF não faz parte do conceito de DTP [Despesa Total com Pessoal], razão que já seria bastante para atestar o absurdo da exclusão. Não bastasse isso, o IRRF também não está mencionado nas exclusões listadas exaustivamente. O mesmo entendimento parece ser compartilhado pelo Procurador-Geral da República que impetrou a ADI n. 3.484 contra o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte- TCE/RN por excluir o IRRF dos servidores públicos do cômputo da DTP [Despesa Total com Pessoal]. Após a arguição de inconstitucionalidade, o TCE/RN revogou o dispositivo impugnado fazendo com que ficasse a ADI prejudicada por perda superveniente de objeto. Caminhos idênticos foram percorridos por ADI impetradas contra os Tribunais de Contas de Rondônia e Roraima. Ressalte-se que, em todos os casos, o STF não se recusou a julgar a ação; apenas não pode fazê-lo devido à revogação citada. A prática, que parece afrontar a capacidade de defesa

8 Ver p. 14.

9 Disponível em: <www.tcm.sp.gov.br/promex_sc/documentos/NotaSeleneComPessoal5.doc>.

10 Coordenação Geral de Contabilidade da Secretaria do Tesouro Nacional.

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da lei pelo Judiciário brasileiro, cedo ou tarde terá fim. O Grupo entendeu que não há sustentação legal para a exclusão do IRRF e que, eventualmente, o mesmo recurso a ADI poderia ser trilhado com relação a outras burlas na aplicação da LRF.

Apenas para fins de informação adicional, os últimos relatórios11,12 de gestão fiscal (referentes ao 1º quadrimestre de 2010) desta Corte de Contas e dos Poderes do Estado de Minas Gerais não apresentaram menção sobre a exclusão do IRRF do cálculo da despesa total com pessoal ou da receita corrente líquida.

Assim, estes são os esclarecimentos que presto ao consulente e aos meus pares.

Conclusão: diante do exposto, concluo que tanto o reajuste como a revisão geral anual integram a Despesa Total com Pessoal porque não estão expressamente previstos como exclusões da despesa total com pessoal, conforme o inciso VI, do § 1º, do art. 19 da LRF. Sobre o Imposto de Renda Retido na Fonte, reitero o meu posicionamento já explicitado na Consulta n. 676.672 sobre a impossibilidade de excluir esse imposto do cálculo da despesa total com pessoal.

É o parecer que submeto à consideração de meus pares.

11 Disponível em: <http://www.tce.mg.gov.br/IMG/PrestaContas/RGF/2010/RGF%20-%201%C2%BA%20quadrim%20 2010.pdf>.

12 Disponível em : <http://www.fazenda.mg.gov.br/governo/contadoria_geral/gestaofiscal/ano2010/1quadrimestre2010.pdf>.

A Consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 1º/09/10 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Elmo Braz, Conselheiro Antônio Carlos Andrada, Conselheira Adriene Andrade e Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz que: quanto ao item 1, aprovaram por unanimidade o parecer exarado pelo relator, Conselheiro Eduardo Carone Costa; e, quanto ao item 2, aprovaram o voto vista proferido pelo Conselheiro Antônio Carlos Andrada, vencido o Conselheiro Relator. Impedido o Conselheiro Substituto Hamilton Coelho.