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24 REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 Volume 9 - Número 2 - 2º Semestre 2009 Desova e fecundidade em peixes de água doce e marinhos Renato Braz de Araujo 1 RESUMO As formas e padrões de ciclo de vida dos peixes são as mais variadas dentre os vertebrados. Diversas estratégias reprodutivas contribuíram para o sucesso na ocupação de ambientes distintos. Assim, o tipo de desova, relacionado ao tipo de desenvolvimento ovocitário e à freqüência de liberação de ovócitos maduros em um período de reprodução, e a fecundidade, relacionada ao tamanho dos indivíduos e às condições ambientais, tanto em espécies de água doce como marinhas, apresentam variações consideráveis. Estudos sobre biologia reprodutiva de peixes de água doce e marinhos são cada vez mais necessários diante das conseqüências negativas das ações antropogênicas. Palavras-chave: Peixes, desova, fecundidade. Spawning and fecundity in freshwater and marine fishes ABSTRACT The forms and life cycle patterns of fishes are the most diversified among vertebrates. Several reproductive strategies contributed to the successful occupation in distinct environments. Thus, type of spawning related to oocyte development and to the frequency of release of mature oocytes in a reproductive period, and the fecundity related to the size of individuals and to the environmental conditions, freshwater as much as marine fishes, show considerable variations. Studies on reproductive biology of freshwater and marine fishes are more and more necessary due to negative consequences of anthropogenic actions. Keywords: Fishes, spawning, fecundity. INTRODUÇÃO Os vertebrados mais antigos e numerosos são os peixes, que compreendem cerca de 24.000 espécies, ocupando os mais diversos ambientes aquáticos desde grandes altitudes até as profundezas marinhas; aproximadamente 96% (23.400) das espécies são teleósteos (Vazzoler, 1996). As formas e padrões de ciclo de vida dos peixes são as mais variadas dentre os vertebrados. Diversas estratégias reprodutivas possibilitaram a obtenção de sucesso em ambientes distintos. Assim, o tipo de desova, relacionado ao tipo de desenvolvimento ovocitário e à freqüência de liberação de ovócitos maduros em um período de reprodução, e a fecundidade, relacionada ao tamanho dos indivíduos e às condições ambientais, tanto em espécies de água doce como marinhas, apresentam variações consideráveis. Os peixes são conhecidos pela elevada fecundidade, com indivíduos da maioria das espécies liberando centenas a milhões de ovócitos anualmente. A estabilidade populacional, considerando-se inicialmente desovas anuais igualmente intensas, raramente é atingida, e os números aumentam e diminuem conforme a pressão dos fatores abióticos (Nakatani et al., 2001). As flutuações podem ser irregulares ou cíclicas, dependendo da forma de

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Page 1: Desova

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REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228

Volume 9 - Número 2 - 2º Semestre 2009

Desova e fecundidade em peixes de água doce e marinhos Renato Braz de Araujo1

RESUMO

As formas e padrões de ciclo de vida dos peixes são as mais variadas dentre os vertebrados.

Diversas estratégias reprodutivas contribuíram para o sucesso na ocupação de ambientes distintos.

Assim, o tipo de desova, relacionado ao tipo de desenvolvimento ovocitário e à freqüência de

liberação de ovócitos maduros em um período de reprodução, e a fecundidade, relacionada ao

tamanho dos indivíduos e às condições ambientais, tanto em espécies de água doce como marinhas,

apresentam variações consideráveis. Estudos sobre biologia reprodutiva de peixes de água doce e

marinhos são cada vez mais necessários diante das conseqüências negativas das ações

antropogênicas.

Palavras-chave: Peixes, desova, fecundidade.

Spawning and fecundity in freshwater and marine fishes

ABSTRACT

The forms and life cycle patterns of fishes are the most diversified among vertebrates. Several

reproductive strategies contributed to the successful occupation in distinct environments. Thus, type

of spawning related to oocyte development and to the frequency of release of mature oocytes in a

reproductive period, and the fecundity related to the size of individuals and to the environmental

conditions, freshwater as much as marine fishes, show considerable variations. Studies on

reproductive biology of freshwater and marine fishes are more and more necessary due to negative

consequences of anthropogenic actions.

Keywords: Fishes, spawning, fecundity.

INTRODUÇÃO

Os vertebrados mais antigos e

numerosos são os peixes, que compreendem

cerca de 24.000 espécies, ocupando os mais

diversos ambientes aquáticos desde grandes

altitudes até as profundezas marinhas;

aproximadamente 96% (23.400) das espécies

são teleósteos (Vazzoler, 1996).

As formas e padrões de ciclo de vida dos

peixes são as mais variadas dentre os

vertebrados. Diversas estratégias reprodutivas

possibilitaram a obtenção de sucesso em

ambientes distintos. Assim, o tipo de desova,

relacionado ao tipo de desenvolvimento

ovocitário e à freqüência de liberação de

ovócitos maduros em um período de

reprodução, e a fecundidade, relacionada ao

tamanho dos indivíduos e às condições

ambientais, tanto em espécies de água doce

como marinhas, apresentam variações

consideráveis.

Os peixes são conhecidos pela elevada

fecundidade, com indivíduos da maioria das

espécies liberando centenas a milhões de

ovócitos anualmente. A estabilidade

populacional, considerando-se inicialmente

desovas anuais igualmente intensas, raramente é

atingida, e os números aumentam e diminuem

conforme a pressão dos fatores abióticos

(Nakatani et al., 2001). As flutuações podem ser

irregulares ou cíclicas, dependendo da forma de

Page 2: Desova

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variação desses fatores, e nem todas as espécies

em uma determinada área são igualmente

afetadas pelas mesmas mudanças ambientais

(Bond, 1979).

Os ovos podem ser liberados ou

depositados no substrato, em ninhos, guardados

pelos pais ou ainda carregados (Balon, 1984).

Os ovos podem ser pelágicos ou livres, quando

liberados diretamente na coluna d’água

derivando livremente com as correntes, sendo

que em algumas espécies podem conter gotas de

óleo para ajustar sua densidade à flutuação;

demersais quando são mais densos que a água e,

por isso, permanecem no substrato, podendo ser

adesivos ou não; adesivos, quando apresentam

membrana externa por muco que lhes confere

adesividade, ficando aderidos a substratos como

raízes de plantas, vegetação marginal ou em

ninhos. Normalmente, espécies que apresentam

ovos adesivos têm desova parcelada.

Desova

O tipo de desova de um peixe é

determinado pela interação entre dinâmica do

desenvolvimento ovocitário, freqüências de

desovas dentro de um período de reprodução e

do número desses períodos durante sua vida.

Tipo de desova é o modo como as fêmeas

liberam ovócitos maduros dentro de um período

reprodutivo.

De acordo com Wallace & Sellman

(1981) ocorrem os seguintes mecanismos de

desenvolvimento ovocitário:

1) sincrônico em um grupo: células

ovocitárias existentes nos ovários maturam

concomitantemente, sendo eliminadas de uma

só vez durante o período de desova;

2) sincrônico em dois grupos: a cada

período de reprodução evidenciam-se dois lotes

de ovócitos dentro dos ovários: o dos ovócitos

do estoque de reserva e aquele dos ovócitos que

irão maturar sincronicamente e serem

eliminados no período de desova;

3) sincrônico em mais de dois grupos: ao

lado do lote de ovócitos de estoque de reserva,

observam-se lotes de ovócitos em distintas fases

de desenvolvimento, sendo que os ovócitos que

compõem cada lote se desenvolvem

sincronicamente e, à medida que aqueles do lote

mais desenvolvido atingem a maturação

completa, são eliminados;

4) assincrônico: dentro dos ovários não

se observam lotes, estando presentes ovócitos

em todas as fases de desenvolvimento,

ocorrendo sua eliminação à medida que vão

atingindo a maturação completa.

De acordo com a freqüência de liberação

dos ovócitos, as desovas podem ser classificadas

em total ou parcelada (múltipla). Na desova

total, os ovócitos têm maturação sincrônica e

são eliminados em lote único. Em ambientes

tropicais, a desova total normalmente ocorre em

espécies de grande porte que realizam

migrações em longas distâncias e reproduzem

(Ribeiro et al., 2007).

Por outro lado, na desova parcelada ou

múltipla, os ovócitos maturam em lotes, sendo

eliminados a intervalos, durante a estação de

desova, ou mesmo podem exibir sazonalidade

na desova. Esse grupo inclui peixes com ampla

gama variação no número de posturas e período

envolvido na desova (Lowe-McConnell, 1999).

A contribuição da desova parcelada para o

aumento do número de ovócitos a serem postos

durante o período reprodutivo, possibilita maior

probabilidade de sobrevivência da espécie

(Nikolsky, 1963). Segundo McEvoy & McEvoy

(1992) esse tipo de desova constitui estratégia

reprodutiva desenvolvida para reduzir: 1)

predação de ovos e larvas; 2) risco de desova

em condições hidrográficas e climáticas

desfavoráveis e, 3) competição por locais de

desova.

O local de desova (ambientes lóticos,

semilóticos, lênticos, cativeiro) pode ser

relacionado com o tipo de desova, que por sua

vez também pode ser analisado em relação aos

cuidados com a prole, fecundação (interna ou

externa), tipo de ovos (livre ou adesivo),

fecundidade, duração da embriogênese e ao

comprimento da primeira maturação gonadal.

Vazzoler & Menezes (1992), analisando

comportamento reprodutivo de 87 espécies de

Characiformes da América do Sul, constataram

que as espécies migradoras apresentaram desova

total e alta fecundidade, as não-migradoras sem

cuidado parental possuem fecundidade

intermediária e aquelas com cuidado parental,

baixa fecundidade.

Investigando táticas reprodutivas de 68

espécies de teleósteos do alto rio Paraná,

Vazzoler (1996) verificou que das espécies com

desova total (26,8%), a maioria era constituída

Page 3: Desova

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pelas que realizam migrações reprodutivas

(63,6%); as restantes não migram (27,3%) e

uma minoria dispensa cuidado com a prole

(9,1%). Dentre as que apresentam desova

parcelada, a grande maioria (73,2%),

predominam as sedentárias (42,8%) e com

cuidado à prole (39,3%), seguidas pelas

espécies com fecundação interna (10,7%) e

migradoras (7,2%).

No Caribe, a sazonalidade da desova foi

estudada em 35 espécies marinhas de recifes

jamaicanos por Munro et al. (1973) e os padrões

de desova e número sazonal de jovens em 350

espécies em torno de Porto Rico por Erdman

(1977). Peixes de recifes compreendem: 1)

espécies pequenas com ovos demersais ou

incubação oral cujas larvas nunca entram no

plâncton e 2) espécies maiores que produzem

ovos que eclodem em larvas com curta vida

pelágica, metamorfoseando-se rapidamente em

formas adultas nunca encontradas no plâncton

oceânico, ou com uma longa vida larval ou pós-

larval pelágica oceânica na qual a maioria das

larvas pode derivar para longe do local de

desova (Lowe-McConnell, 1999).

Muitas espécies marinhas pequenas com

ovos demersais parecem desovar continuamente

durante o ano no Caribe, como o fazem os

pomacentrídeos comensais de anêmonas no atol

de Eneuetak, no oceano Pacífico (Allen, 1975).

No mar Vermelho, numerosas espécies de

pomacentrídeos, com seus tipos muito variados

de comportamento social de desova, se

reproduzem durante um extenso período, de

março-abril a setembro (Fischelson et al., 1974).

Nos recifes da Jamaica, os picos de

desova coincidem com as menores temperaturas

da água, enquanto a desova máxima ocorre nas

épocas das maiores temperaturas na parte sul da

Grande Barreira de Recifes (Lowe-McConnell,

1999).

Analisando dados sobre a sazonalidade

da desova em peixes tropicais, Johannes (1978)

considerou que existem pressões seletivas para

desova nas épocas mais calmas do ano, quando

as larvas pelágicas estão menos ameaçadas

pelas águas turbulentas de superfície e também

quando os giros próximos à costa têm melhor

chance de trazer de volta as larvas para o recife.

Segundo o autor, cerca de cinqüenta espécies de

peixes marinhos tropicais amplamente

distribuídos têm um ritmo lunar de desova, a

maioria delas desovando por volta da lua nova

ou lua cheia. Johannes (1978) sugeriu que pode

haver vantagens seletivas associadas com

desovas na maré de sigízia.

Na maioria das espécies marinhas, os

indivíduos desovam diversas vezes durante a

estação de desova, algumas com periodicidade

diária, outras semanal ou mensal, e mesmo com

várias desovas durante dois ou três dias por mês

(Lowe-McConnell, 1999). Para Sale (1978) esse

comportamento deveria promover uma ampla

dispersão dos descendentes. De acordo com

Thresher (1984), a maior parte dos produtores

de ovos pelágicos desova ao anoitecer, enquanto

os produtores de ovos demersais desovam antes

do amanhecer e durante o dia.

O potencial reprodutivo de uma

população de peixes depende principalmente do

sucesso de desova, do equilíbrio estrutural do

estoque reprodutor e da taxa de fertilização dos

óvulos. O sucesso da desova, que significa a

maximização da fecundidade individual e

populacional, depende de um bom

condicionamento físico das fêmeas e da

ocorrência de condições ambientais ótimas

durante os processos de maturação e fertilização

dos óvulos. A ação conjunta desses fatores pode

reduzir a incidência de atresia (reabsorção dos

ovócitos não viabilizados para a fertilização),

fenômeno que contribui diretamente para a

redução do potencial reprodutivo (Fonteles

Filho, 1989).

Fecundidade

O número de ovócitos que completam

seu desenvolvimento e são eventualmente

eliminados por fêmea de uma dada espécie

durante o período reprodutivo é considerado

como sendo fecundidade individual ou absoluta

(Nikolsky, 1963).

A fecundidade relativa, calculada em

relação ao peso corporal ou ao comprimento

total, é um valor indicativo da capacidade

reprodutiva individual de peixes (Shatunovskiy,

1988).

A fecundidade depende do volume da

cavidade celomática disponível para alojar os

ovários maduros e do tamanho (volume) desses

ovócitos. Na fase final de desenvolvimento os

ovócitos maduros apresentam tamanhos

Page 4: Desova

27

bastante diferentes. Em 101 espécies de peixes

marinhos e 33 de água doce da Europa, o

diâmetro desses ovócitos variou de 250 a 7000

μm, com valores modais localizados à esquerda

das distribuições (Wootton, 1991). Em 52

teleósteos que ocupam a bacia do alto rio

Paraná, Suzuki (1992) registrou uma amplitude

de diâmetro dos ovócitos de 427 a 4789 μm,

estando o valor modal também localizado à

esquerda da distribuição; o tamanho desses

ovócitos está associado ao comportamento

reprodutivo e não depende do porte das

espécies. Araujo (2001) constataram variação de

159 a 1749 μm na amplitude de diâmetro de

ovócitos de 38 ovários maduros de Aspidoras

fuscoguttatus, um cascudo comum em riachos

de cabeceiras da bacia do rio Preto (alto rio

Paraná) utilizado como peixe ornamental na

região de São José do Rio Preto, SP, sendo o

limite inferior menor que o da faixa obtida por

Suzuki (1992).

No Brasil, a maioria dos estudos sobre

fecundidade tem utilizado a metodologia

clássica, descrita por Vazzoler (1981), para

espécies com desova total e parcelada, que pode

ter levado a estimativas incorretas desse

parâmetro populacional, pois nem todos os

ovócitos vitelogênicos existentes nos ovários

são, obrigatoriamente, eliminados; muitos deles

podem sofrer atresia e serem absorvidos. Além

disso, nas espécies com desova parcelada, é

necessário definir a fecundidade por lote e a

freqüência de desova dentro do período

reprodutivo (Hunter & Goldberg, 1980) para

estimar quantos lotes de ovócitos são

eliminados durante do mesmo.

De acordo com Vazzoler (1996)

estimativas de fecundidade exigem análises

quanto à distribuição de freqüência de diâmetros

de ovócitos intra-ováricos e à anatomia

microscópica dos ovários. A estimativa da

fecundidade em peixes com desova parcelada,

feita com base em análises macroscópicas,

torna-se complexa devido à dificuldade de se

distinguir ovócitos de reserva daqueles ovócitos

em desenvolvimento (Bagenal, 1978). Assim, a

fecundidade poderá ser estimada de modo mais

consistente por meio de métodos volumétricos

(Vazzoler, 1981), gravimétricos ou

estereométricos (Isaac-Nahum et al., 1988).

Romagosa et al. (1990), utilizando

método volumétrico, encontraram fecundidade

média de 297.308 e 377.643 ovócitos em

fêmeas de pacu mantido em confinamento

durante o 1º (3º ano de vida) e o 2º período

reprodutivo (4º ano de vida), mostrando que a

fecundidade aumenta com a idade.

Tanto a fecundidade como o diâmetro de

ovócitos maduros apresentam variações inter e

intra-específicas, latitudinais, entre períodos

reprodutivos sucessivos e entre indivíduos de

mesmo tamanho em um mesmo período.

Vazzoler (1991) constatou variações latitudinais

na fecundidade de Micropogonias furnieri, um

cienídeo marinho que ocorre ao longo de toda a

costa brasileira, sendo mais elevada na costa

norte, onde a pressão ambiental é maior.

A fecundidade varia também com o

tamanho da fêmea, aumentando com o

crescimento, estando mais relacionada ao

comprimento do que à idade do indivíduo

(Vazzoler, 1996). De modo geral, em

Siluriformes e Characiformes as fêmeas são

maiores que os machos (Gomiero & Braga,

2007). Isso provavelmente está relacionado a

estratégias reprodutivas como a fecundidade que

aumenta com o tamanho dos indivíduos

(Agostinho & Julio Jr, 1999). De acordo com

Lagler et al. (1977), a fecundidade é

inversamente proporcional ao grau de cuidados

parentais.

Espécies reofílicas, tanto Siluriformes

como Characiformes, apresentam elevados

valores de fecundidade absoluta que variam de

200 mil a 4,64 milhões de ovócitos (Sato, 1999).

Fecundidade absoluta elevada também é uma

característica entre peixes que apresentam ovos

livres e entre aqueles que não apresentam

cuidado parental. Vários autores relacionaram

alta fecundidade absoluta com: a) migração

reprodutiva (Lowe-McConnell, 1969; Menezes

& Vazzoler, 1992) b) ausência de cuidado

parental (Nikolsky, 1963), c) ovos de diâmetro

pequeno (Elgar, 1990; Wootton, 1991) e d) ovos

livres (Lamas, 1993).

Estudando a reprodução de 23 espécies

de peixes da bacia do rio São Francisco, Sato

(1999) verificou que os valores de fecundidade

relativa ao peso das fêmeas indicaram, assim

como o número de ovócitos extruídos/g de

ovário, valores inferiores para os Siluriformes

Lophiosilurus alexandri Steindachner, 1876

(pacamã) e Rhinelepis aspera Agassiz, 1829

(cascudo-preto) e valores superiores para os

Page 5: Desova

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Characiformes Astyanax bimaculatus lacustris

(Reinhardt, 1874) (piaba-do-rabo-amarelo),

Curimata elegans Steindachner, 1875 (saguiru)

e Curimatella lepidura Eigenmann &

Eigenmann, 1889 (manjuba). Já para a

fecundidade relativa ao comprimento, o autor

registrou maiores valores para espécies

migradoras, para ambas as ordens

Characiformes e Siluriformes.

Dados sobre a contagem de ovócitos em

fêmeas de várias espécies marinhas foram

cotejados por Sale (1980). Grandes quantidades

de ovócitos são produzidas. Por exemplo, quatro

espécies de serranídeos examinadas por

Thompson & Munro (1978) produziram cerca

de 160 mil ovócitos por fêmea e Randall (1961)

contou 40 mil ovócitos maduros em uma fêmea

de Acanthurus triostegus (peixe-doutor).

Segundo Lowe-McConnell (1999), todos os

dados disponíveis levam à conclusão de que

mesmo espécies que mostram algum cuidado

parental com os ovos apresentam número

considerável de jovens por ano, uma vez que

produzem lotes de ovócitos em intervalos

freqüentes.

Investigando a fecundidade de Mugil

platanus (tainha), espécie comum em águas com

baixa salinidade (estuário), Romagosa et al.

(2000) verificaram que a fecundidade variou de

550,8 mil a 2,36 milhões ovócitos, mostrando

correlação positiva com o comprimento, peso do

corpo e peso das gônadas.

Araujo & Garutti (2002), estudando a

biologia reprodutiva de Aspidoras fuscoguttatus

(Callichthyidae), constataram que a fecundidade

individual variou de 51 a 166 ovócitos para

exemplares com 37,5 e 46,8 mm de

comprimento total. Em outras espécies da

mesma família informações sobre fecundidade

são assinaladas para Aspidoras menezesi (50 a

60 ovócitos), Corydoras paleatus (250 a 400

ovócitos), C. hastatus (30 a 60 ovócitos) e C.

pygmaeus (20 a 40 ovócitos), todas utilizadas

em aquariofilia e, portanto, obtidas em

condições artificiais (Burgess, 1989). Em

algumas espécies de Loricariidae (cascudos), a

fecundidade varia de 466 ovócitos em

Loricariichthys anus (Bruschi Jr et al., 1997) a

1784 ovócitos em Hypostomus affinis (Mazzoni

& Caramaschi, 1997).

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Apesar do processo reprodutivo ser um

dos aspectos mais estudados dentro do ciclo de

vida dos peixes, o volume de informações

disponíveis torna-se bastante reduzido quando

são comparados o número de espécies existentes

e o número daquelas sobre as quais existem

conhecimentos sobre algumas táticas

reprodutivas como desova e fecundidade. Esses

conhecimentos são fundamentais para nortear

medidas de administração, manejo e

preservação de nossa ictiofauna frente aos

impactos causados por ações antrópicas como

pesca, poluição, eliminação de áreas de desova e

de criadouros pelo barramento dos cursos de

água e destruição da vegetação marginal.

Portanto, pesquisas sobre biologia

reprodutiva de peixes de água doce e marinhos

tornam-se cada vez mais necessárias diante das

conseqüências negativas das ações antrópicas.

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[1] Laboratório de Ictiologia, Departamento de Zoologia e

Botânica, Instituto de Biociências, Letras e Ciências

Exatas e Centro de Aqüicultura da UNESP, R. Cristovão

Colombo 2265, 15054-000, São José do Rio Preto, SP.

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