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Problemata: R. Intern. Fil. v. 5. n. 2 (2014), p. 99-124 e-ISSN 2236-8612 doi:http://dx.doi.org/10.7443/problemata.v5i2.20581 Desobediência Civil como luta por reconhecimento: Um contraponto às concepções liberais Thiago Ferrare Pinto * recebido: 09/2014 aprovado: 12/2014 Resumo: Concebida nos moldes da teoria política liberal, a desobediência civil justifica-se enquanto reafirmação dos pressupostos da legitimação do poder político: a atuação do Estado teria como fonte de validade o respeito aos direitos fundamentais, de modo que a violação de tais prerrogativas justificaria o descumprimento de medidas oficiais. O ponto a ser aqui asseverado diz respeito ao fato de que essa concepção de desobediência extrai seu fundamento da ideia segundo a qual o sujeito mantém com a ordenação jurídico-política um vínculo puramente externo. A mudança qualitativa na percepção de tal vínculo pode ser alcançada a partir do conceito hegeliano de reconhecimento (anerkennung). Isso porque tal conceito implica a centralidade da luta como requisito fundamental para a plena constituição do sujeito; em outras palavras, defende-se que a individuação só se faz possível pela mediação de instâncias universais: para Hegel, a família, a sociedade civil e o Estado. Assim compreendida, a relação indivíduo/poder político deixa de ser algo a respeito de que o primeiro possa dispor sem prejuízo, de modo que a desobediência ao direito, ao invés de negação absoluta, adquire a forma de uma reafirmação critica da ordem vigente no sentido de expansão dos padrões de reconhecimento nela institucionalizados. Nos marcos desse modelo, torna-se possível pensar novas articulações em torno das pautas dos movimentos sociais emancipatórios, notadamente em face da necessidade de apreender a transformação social como um processo imanente, ou seja, um processo de ressignificação das normas universais que é engendrado sob o pano de fundo de um mundo da vida que oferece o sentido geral dos padrões de justiça a serem buscados no campo da luta política. Palavras-chave: Desobediência Civil, Reconhecimento, Liberalismo Político. Abstract: Designed along the lines of liberal political theory, civil disobedience is justified as reaffirmation of the assumptions of legitimacy of political power: the State's action * Mestrando em Teoria e Filosofia do Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Em@il: [email protected]

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Problemata: R. Intern. Fil. v. 5. n. 2 (2014), p. 99-124 e-ISSN 2236-8612 doi:http://dx.doi.org/10.7443/problemata.v5i2.20581

Desobediência Civil como luta por reconhecimento: Um contraponto às concepções liberais

Thiago Ferrare Pinto*

recebido: 09/2014 aprovado: 12/2014

Resumo: Concebida nos moldes da teoria política liberal, a desobediência civil justifica-se enquanto reafirmação dos pressupostos da legitimação do poder político: a atuação do Estado teria como fonte de validade o respeito aos direitos fundamentais, de modo que a violação de tais prerrogativas justificaria o descumprimento de medidas oficiais. O ponto a ser aqui asseverado diz respeito ao fato de que essa concepção de desobediência extrai seu fundamento da ideia segundo a qual o sujeito mantém com a ordenação jurídico-política um vínculo puramente externo. A mudança qualitativa na percepção de tal vínculo pode ser alcançada a partir do conceito hegeliano de reconhecimento (anerkennung). Isso porque tal conceito implica a centralidade da luta como requisito fundamental para a plena constituição do sujeito; em outras palavras, defende-se que a individuação só se faz possível pela mediação de instâncias universais: para Hegel, a família, a sociedade civil e o Estado. Assim compreendida, a relação indivíduo/poder político deixa de ser algo a respeito de que o primeiro possa dispor sem prejuízo, de modo que a desobediência ao direito, ao invés de negação absoluta, adquire a forma de uma reafirmação critica da ordem vigente no sentido de expansão dos padrões de reconhecimento nela institucionalizados. Nos marcos desse modelo, torna-se possível pensar novas articulações em torno das pautas dos movimentos sociais emancipatórios, notadamente em face da necessidade de apreender a transformação social como um processo imanente, ou seja, um processo de ressignificação das normas universais que é engendrado sob o pano de fundo de um mundo da vida que oferece o sentido geral dos padrões de justiça a serem buscados no campo da luta política. Palavras-chave: Desobediência Civil, Reconhecimento, Liberalismo Político.

Abstract: Designed along the lines of liberal political theory, civil disobedience is justified as reaffirmation of the assumptions of legitimacy of political power: the State's action

                                                                                                                         * Mestrando em Teoria e Filosofia do Direito pela Universidade do Estado

do Rio de Janeiro – UERJ. Em@il: [email protected]

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would have as a source of validity respect for fundamental rights, so that the violation of such activities justify the breach of official measures. The point being asserted here is the fact that this conception of disobedience draws its foundation the idea that the subject keeps with the legal and political order a purely external link. The qualitative change in the perception of such a link can be reached from the Hegelian concept of recognition (Anerkennung). This is because such a concept implies the centrality of the struggle as a fundamental requirement for the full constitution of the subject; in other words, it is argued that individuation is only made possible through the mediation of universal instances: for Hegel, the family, civil society and the state. Thus understood, the relationship individual / political power ceases to be something about the first can avail without prejudice, so that disobedience to the law, rather than absolute denial, takes the form of a restatement criticizes the existing order in the sense expansion of institutionalized her pattern recognition. Within the framework of this model, it is possible to think new joints around the agendas of emancipatory social movements, notably because of the need to grasp the social transformation as an immanent process, ie a reframing process of universal standards that is engendered in the backdrop of a world of life that provides the overall direction of standards of justice to be pursued in the field of political struggle. Keywords: Civil Disobedience, Recognition, Political Liberalism.

Introdução

Cortar as cabeças da Hidra: segundo Platão1, seria essa

a única e exígua função das leis do Estado. Com isso se quer dizer que tentar unir o corpo político em vias de desconstituição é uma missão tardia, que somente pode cooperar para o adiamento daquilo que é inexorável, ou seja, o dilaceramento dos vínculos éticos. Tendo ganhado novos contornos no medievo, tal compreensão da função do direito positivo – concepção que marca, de modo geral, o comunitarismo grego – não resiste aos processos de modernização política. De fato, a filosofia política moderna se constrói a partir da pressuposição do desacoplamento do sujeito em relação ao seu contexto social, algo que corresponde, em termos prático-políticos, à sujeição absoluta do corpo ao intelecto.

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Estendido sobre a mesa, o corpo se objetifica; objetificado o corpo, esvai-se irrevogavelmente qualquer vestígio de alma enquanto fonte de vida:

That contrary Both Elements, and Passions liv’d at peace In her, who caus’d all Civill warre to cease. She, after whom, what forme soe’re we see, Is discord, and rude incongruitte, Shee, shee is dead, she’s dead;2

A morte da alma do mundo dá a indicação do novo

sentido da ação política. Não mais se vinculando ao fazer valer as normas éticas da comunidade, ela assume a função básica de prover a manutenção e expansão do poder em face da rede ilimitada de interações estratégicas entre os indivíduos isolados3. Se é a inclinação à autopreservação que dá sentido à conduta subjetiva, há que se dispor de um meio eficaz à ordenação daquilo que é essencialmente caótico; tal meio é a força.

Pela força se alcança o ser humano em sua essência, em sua natureza forjada ao redor de “um sentimento que não se abandona nunca”4: o receio do castigo ou, na formulação de Hobbes5, o medo da morte violenta. Algo deve ser dito, porém, a respeito do expediente técnico de que lança mão o poder político com o objetivo de conferir sentido àquilo que, sem a sua intervenção vertical e determinante, permanece desordenado. Trata-se do direito, que aqui se toma em sua roupagem distintamente moderna. Assim compreendido, o fenômeno jurídico assume a forma de um método astucioso de manejar o instrumental político; em outras palavras, os padrões oficiais de conduta são concebidos a partir de sua cisão em relação ao mundo da vida compartilhado. Se é assim, à verticalidade da coação jurídica corresponde o distanciamento abrupto do binômio facticidade-validade: o direito moderno se absolutiza enquanto exigência puramente contrafactual.

O advento da força jurídica como expediente ordenador é de grande relevância para a abordagem do problema da desobediência civil. Isso porque a modernização política resultou, a partir do processo acima referido, na transformação do direito no meio último de agregação no seio das sociedades complexas. Como corolário dessa configuração histórica, tem-se que, por meio do direito, o Estado “interioriza a tensão entre a consciência subjetiva dos cidadãos e o espírito objetivo das instituições”6, o que significa dizer que a crítica do poder passa

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a dirigir-se primordialmente ao direito posto – e passa também a articular-se na gramática jurídico-positiva. Diante de tal status da ordem jurídica, tem-se que a desobediência civil tende a ganhar a roupagem de desobediência ao direito, de onde se segue que apreender as possibilidades de emancipação social passa a significar também apreender os potenciais emancipatórios do fenômeno jurídico enquanto conjunto de normas que estruturam a interação social.

Eis onde se localiza o objeto do presente trabalho. Pretende-se analisar os potenciais reativos da desobediência civil a partir de sua compreensão enquanto trajeto de crítica imanente a certa figura de consciência historicamente determinada. Na direção de tal formulação, são analisadas as linhas gerais da concepção liberal de desobediência civil (2), bem como seus pressupostos rotineiramente camuflados (3). O redirecionamento da compreensão da desobediência se faz pelo recurso à estratégia hegeliana de destranscendentalização da racionalidade crítica (4). O passo seguinte se volta à mais diretiva ideia no sentido da reformulação da desobediência civil: o modelo hegeliano da luta por reconhecimento, que aqui se toma na interpretação que lhe é dada por Axel Honneth a partir da assimilação de alguns pontos fundamentais do projeto dialético de Theodor Adorno (5). Trata-se ainda da perspectiva segundo a qual o modelo da luta por reconhecimento pode ser tomado como uma teoria da justiça nos moldes contemporâneos (6), a fim de se opor tal modelo, já a título de conclusão, às premissas atomistas do pensamento político liberal.

O modelo liberal de desobediência civil: luta pela autopreservação

A filosofia social moderna se constrói por oposição a certos ideais da teoria política clássica. Naquilo que mais de perto nos interessa, pode-se dizer que tal oposição toma por objeto duas ideias, ambas formuladas por Aristóteles7: em primeiro lugar, trata-se da tese do zoon politikon, o ser político cuja autossuficiência somente se alcança na comunidade; em segundo, da ideia correlata segundo a qual a pólis tem precedência em relação ao indivíduo isolado. Veja-se brevemente o sentido da contraposição moderna a tais ideias.

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Articulando dimensões filosófico-políticas de sua física – articulação que se expressa na advertência no sentido de que “o que cada coisa é quando o seu crescimento se completa nós chamamos de natureza de cada coisa”8 -, Aristóteles põe em relevo a natureza política do ser humano. Daí se segue que o sujeito isolado não se encontra plenamente constituído enquanto está fora da comunidade política: o impulso à autossuficiência o leva à interação social. Ao impulso na direção da autossuficiência a teoria social moderna opõe o impulso à autoconservação, de modo que não mais se pode supor a existência de atos voluntários que não estejam voltados ao benefício exclusivo daquele que o pratica9. Da universalização desse ideal egoísta de autoconservação se pode extrair o pressuposto liberal que inverte o primeiro dos postulados aristotélicos: a ideia de que, muitos antes de adentrar a comunidade política, o sujeito já se encontra plenamente constituído em suas capacidades prático-cognitivas.

Corolário dessa inversão de premissas é também o abandono da segunda das teses de Aristóteles referidas acima. Se os processos de constituição e autorrealização individuais tomam forma a despeito da inserção comunitária do sujeito, não há mais sentido em se falar de anterioridade da pólis. Assim se vê nascer a ideia que constitui o âmago dos projetos liberais mais desenvolvidos: o atomismo ou, na formulação mais difundida, o individualismo metodológico. A plenitude do sujeito isolado do mundo passa a ser a fonte de toda normatividade social, não mais se concebendo um poder legítimo que não esteja justificado no foro íntimo de cada um dos indivíduos.

Até aqui, porém, a exposição transcorreu como se a emergência do paradigma liberal tivesse se dado abruptamente; tal não é verdade. Transformações sociopolíticas de grande envergadura constituem o substrato material dessas novas orientações, o que se torna evidente quando se tem em vista o fato de que as primeiras formulações na direção da teoria política liberal surgem como tentativas de resposta a questões historicamente dadas10. Não interessa aqui, porém, fazer sentido das condicionantes históricas do advento de tal vertente filosófico-política; longe disso – e nos limites exíguos do objeto do presente trabalho -, a apreensão do modelo liberal de desobediência civil requer precipuamente a reconstrução das

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linhas gerais das formulações teóricas em que as ideias da autopreservação e do individualismo de método ganham forma enquanto orientações diretivas na construção das bases fundamentais de um poder político legítimo.

A fim de levar a efeito tal reconstrução, cumpre refazer brevemente o caminho pelo qual, de Maquiavel a Locke, ganham força os pressupostos do modelo liberal de desobediência. Tratando da questão sobre se é melhor ser temido ou amado, Maquiavel assim compreende a fonte do ódio do povo em relação ao príncipe:

Deve, portanto, o príncipe fazer-se temer de maneira que, se não se fizer amado, pelo menos evite o ódio, pois é fácil ser ao mesmo tempo temido e não odiado, o que sucederá uma vez que se abstenha de se apoderar dos bens e das mulheres dos seus cidadãos e dos seus súditos, e, mesmo sendo obrigado a derramar o sangue de alguém, poderá fazê-lo quando houver justificativa conveniente e causa manifesta11.

Interessa aqui compreender o sentido da ideia de justificativa conveniente para o exercício do poder político. Fundamentalmente, assim se apresenta a questão: toda manifestação do poder político deve justificar-se à luz das exigências de manutenção e incremento de poder, de onde resulta que qualquer concessão que se faça aos súditos – à liberdade dos súditos - deve permitir-se interpretar como estratégia para a perpetuação de tal poder. O que daí se segue é que não há margem alguma para a desobediência, uma vez que as eventuais prerrogativas individuais somente são exigíveis quando podem ser somadas ao cálculo direcionado à estabilidade do príncipe.

Nessa medida, e embora tenha antecipado o padrão de atuação política que veio a se hegemonizar no solo moderno, Maquiavel ainda não alcança a plenitude dos pressupostos da desobediência. De fato, é Hobbes quem, avançando a hipótese contratualista, põe na mesa a essência da filosofia liberal: haja vista que todos os atos individuais estão voltados ao benefício de quem os pratica – é dizer, à autopreservação -, é pelo pacto de cada um com cada um dos indivíduos que se forma o poder político legítimo12. A superação do estado de natureza, portanto, é a passagem do caos à ordem legítima, ou seja, à ordem cujos mandamentos encontram-se autorizados perante os participantes

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da comunidade política. Ocorre, porém, que o Leviatã ainda tem algo do príncipe maquiaveliano: no dizer de Hobbes, a pessoa constituída no poder pela multidão está autorizada a usar a força e os recursos de todos “da maneira que considerar conveniente”13, ainda que essa conveniência seja sempre voltada estrategicamente à paz e à defesa comum.

John Locke vê na solução hobbesiana uma espécie de contradição interna. Se a saída do estado de natureza resulta da limitação do direito dos membros da comunidade, como conceber um estado civil em que o poder do governante seja ainda ilimitado?14 Tal significaria, ao contrário, a perpetuação do estado originário em um novo nível, agora com o desequilíbrio – em favor do Leviatã – quanto à possibilidade de uso da força. Seria essa a razão, ainda na linha argumentativa de Locke, pela qual a afirmação de Hobbes no sentido de que “todo súdito tem liberdade em todas aquelas coisas cujo direito não pode ser transferido por um pacto”15 permaneceria desprovida de qualquer consequência relevante, já que no trato cotidiano da ação política o soberano agiria conforme lhe é indicado pelas diretrizes voltadas à garantia da ordem social.

A partir desses pressupostos, portanto, Locke dá conteúdo ao contrato constitutivo do estado civil, conteúdo que deriva do direito natural que rege o estado de natureza:

O “estado de natureza” é regido por um direito natural que se impõe a todos, e com respeito à razão, que é este direito, toda a humanidade aprende que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deve lesar o outro em sua vida, sua saúde, sua liberdade ou seus bens16.

Se é assim, a atividade do poder político somente é justa à medida que se baseia em tais preceitos do direito natural17, de onde se retira a completude dos pressupostos do modelo liberal de desobediência. Ligada intrinsecamente à autopreservação, a ação individual “deve estar livre de qualquer poder superior na terra, [...] desconhecendo outra regra além da lei da natureza”18. Com isso se quer dizer que o ser humano, “incapaz de dispor de sua própria vida, não poderia, por convenção ou por seu próprio consentimento, [...] reconhecer em quem quer que seja um poder arbitrário absoluto para dispor de sua vida quando lhe aprouver”19. Resta formulada, portanto, a concepção liberal de desobediência civil: diante de uma medida

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oficial que viole as prerrogativas que lhe são outorgadas pelo direito natural, o indivíduo pode e deve – já que esse é um imperativo proveniente de seu impulso à autoconservação – desobedecer; em outras palavras, deve ele estar sempre disposto a proteger sua liberdade em face das tendências expansivas da comunidade política organizada.

Alcançado este ponto, surge a questão a respeito do sentido da desobediência nas correntes liberais contemporâneas. Ao que parece, porém, nada há que distancie substancialmente tais correntes das formulações dos filósofos já analisados, em especial da formulação de Locke. De fato, o artifício argumentativo do contrato foi recuperado, já a partir da segunda metade do século XX, em termos de posição original20 para a escolha dos princípios organizadores da prática social e em termos de uma relação produtiva entre pactos de seguro e de leilão21. Em ambos os casos, subsiste o núcleo distintivo do projeto liberal: a desobediência à ordem posta justifica-se enquanto meio de proteção de direitos, ou seja, enquanto estratégia anti-utilitarista e contramajoritária. Com isso não se quer dizer, por óbvio, que não haja variações importantes entre esses distintos momentos da cultura filosófica liberal; na verdade, pretende-se apenas realçar o fato de que, ainda que as referências ao direito natural percam peso em favor de projetos que se pretendem mais concretos e menos metafísicos22, permanece o foco no exercício da liberdade enquanto reforço e garantia de prerrogativas individuais e invioláveis. Acessando pressupostos: a fragmentação do sujeito autocrático

O avanço na direção da construção argumentativa de uma concepção alternativa de desobediência civil pressupõe o aprofundamento na análise crítica de um dos pilares do liberalismo político. Já tendo sido referido no tópico anterior, tal pressuposto aparece em sua plenitude na resposta à seguinte questão: o que define o sujeito que, no âmago do projeto liberal, celebra contratos constitutivos do poder legítimo, figura na posição original e participa do leilão voltado à distribuição justa dos bens sociais? Define-o a fragmentação23.

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Às voltas com sua cega busca pela autopreservação, o sujeito prático só reconhece no mundo aquilo que é produto de sua vontade carente de conteúdo socialmente compartilhado. A instância de validade, portanto, se absolutiza enquanto moralidade subjetivizada: os critérios da crítica legitimadora são supostamente acessíveis a todo e qualquer indivíduo que se proponha a agir racionalmente24, de onde se segue que a interação social não constitui padrões normativos objetivos, senão que reproduz aqueles padrões que foram alcançados pela razão autocrática do sujeito. Ao objeto carente de sentido, portanto, corresponde o sujeito doador de sentido25.

Sob o ponto de vista histórico, tal concepção de sujeito deita suas raízes a partir de um entrelaçamento com o desenvolvimento da ordem capitalista. De fato, o século XIX viu surgir um novo padrão de exercício da liberdade, que é justamente aquele que se desenrola na forma de “atos isolados e racionais de troca entre proprietários isolados de mercadorias”26. Aqui se vê a efetivação histórica do ideário burguês da propriedade privada como esfera negativa intangível; mais do que isso, como esfera negativa à qual corresponde o sentido da realização individual na forma de negação absoluta de determinações sociais. Naquilo que mais de perto nos interessa, foi Lukács quem diagnosticou a tendência patológica desse modelo liberal de exercício da liberdade:

De um lado, os homens quebram, dissolvem e abandonam constantemente os elos “naturais”, irracionais e “efetivos”, mas, por outro e ao mesmo tempo, erguem em torno de si, nessa realidade criada por eles mesmos, “produzida por eles mesmos”, uma espécie de segunda natureza, cujo desdobramento se lhes opõe com a mesma regularidade impiedosa que o faziam outrora os poderes naturais irracionais (mais precisamente: as relações sociais que lhes apareciam sob essa forma)27.

A referência à ideia de segunda natureza28 só pode ser compreendida aqui à luz do status subalterno com que a filosofia moderna marcou a natureza: um puro dado cujos aspectos qualitativos são irrelevantes. Nesse sentido, o referido trecho guia-nos à percepção daquilo em que se converteu a versão liberal do ideal moderno de autodeterminação. Calcular com a maior antecedência possível a direção da reprodução imediata

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do mundo social e “adotar uma posição em que esses efeitos ofereçam as melhores oportunidades para seus fins”29: eis o seu sentido preciso no âmbito da sociedade capitalista.

Quer isso dizer, em resumo, que o grandioso projeto de emancipação pelo esclarecimento – o projeto de superar a menoridade30 a partir da crença no sujeito e em sua capacidade de orientar-se autonomamente no pensamento31 - acabou por converter a capacidade cognitiva do indivíduo em uma espécie de máquina de fazer cálculos; máquina essa que toma por objeto tanto as diretrizes do mundo social quanto os impulsos do sujeito fragmentado. Nesse último sentido, o intelecto dominador orienta o agir racional a se fazer valer diante daquilo que é intuição. Assim é que os talentos do sujeito – mas também os seus defeitos -, à medida que são apropriados pelas leis formais da produção mercantil, tornam-se coisas que assumem, tais quais as mercadorias comuns, valores positivos ou negativos de acordo com os critérios de reprodução simbólica e material que dão conteúdo à segunda natureza na ordem capitalista. Nesses termos, o sujeito passa a estranhar-se de si mesmo, sofrendo a angústia de ver partes de sua personalidade sendo apropriadas por leis abstratas sobre as quais não tem controle; dito de outro modo, o sujeito fragmentado passa a contemplar-se a si mesmo: “a personalidade torna-se o espectador impotente de tudo o que ocorre com sua própria existência, parcela isolada e integrada a um sistema estranho”32.

Mais caras ao nosso intento, porém, são as consequências do direcionamento do cálculo ao mundo social. Aqui se torna evidente o limitado alcance crítico do modelo liberal de desobediência. De modo geral, se o ato de desobedecer permanece vinculado às exigências de proteção da liberdade individual, tem-se que sua efetivação se dá na forma do reforço dos limites formais do poder político. Resta oculto, porém, o corolário mais importante de tal modelo: embora por meio dela se busque avançar no caminho da justiça liberal, a desobediência, à medida que está vinculada a pressupostos atomistas, se converte em um modo de reprodução acrítico da segunda natureza que caracteriza as sociedades capitalistas. Com isso se quer dizer que, tal qual se dá com a absolutização da liberdade puramente negativa, a escusa à obediência é aqui algo inofensivo, sem qualquer alcance verdadeiramente transformador.

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Mas não é só. Aspectos ainda mais relevantes da limitação dos potenciais críticos da concepção liberal de desobediência podem ser acessados a partir do acionamento de uma outra perspectiva. Trata-se de vê-la como atrelada intrinsecamente aos desdobramentos mais gerais da ideia kantiana de coisa em si33; ideia que, na terminologia do autor, guarda referência a um âmbito a respeito do qual se pode tão somente pensar, mas não propriamente conhecer. Fundamental é perceber que a racionalidade que se limita à dimensão subjetiva da experiência deixa para fora de si, conforme já referido, o mundo como puro caos. A consequência prático-política dessa inflexão metodológica é clara: “sob o título de fatos brutos, a injustiça social [...] é sacramentada como algo eternamente intangível”34. Assim compreendida, a injustiça não pode ser superada; ela é um dado inexorável de cujas consequências os indivíduos tentam isoladamente se esquivar.

Uma concepção alternativa da desobediência civil deve, portanto, abandonar esses pressupostos em favor de outro sentido de crítica. Trata-se de articular, no dizer de Descartes35, um novo ponto arquimediano que – não mais estando restrito ao sujeito autocrático - nos permita fincar com mais profundidade a alavanca da crítica transformadora. Tal ponto, na linha argumentativa aqui proposta, se alcança com Hegel. De Hobbes a Hegel: no caminho da (re)politização da vida social

À luz das premissas atomistas do pensamento liberal, tem-se que o caráter irracional do mundo justifica o fato de que o principal desafio de tal corrente teórica consiste na explicação da natureza e alcance do meio pelo qual se dá a passagem de um estado desorganizado – ou potencialmente desorganizado, como em Locke36 - de coexistência social para um estado civil com poder político formalmente estruturado. Acontece, porém, que Hegel abandona essas premissas, e o faz em favor de um novo ponto de partida: a consciência natural37. Designando o conjunto das normas que espontaneamente regulam as relações interpessoais, tal ideia muda a direção do desafio a ser enfrentado pelo sistema hegeliano, afastando-o da necessidade

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do recurso às figuras externas e transcendentes que caracterizam as teorias do contrato.

De fato, se as estruturas normativas que regulam a interação social funcionam como pressuposto da destranscendentalização da racionalidade crítica, é preciso pensar o modo pelo qual formas mais rudimentares de interação evoluem na direção de formas mais complexas; em outras palavras, é preciso pensar a operação da crítica enquanto processo imanente. Diante desse desafio, ganha relevo a dimensão propriamente teórica do projeto de Hegel, em especial seu conceito de experiência.

Na forma como foi exposto na introdução à Fenomenologia do Espírito, tal conceito pode ser compreendido como uma tentativa de superar as consequências deletérias do idealismo subjetivo de Kant. Nesse sentido, o ponto fundamental da oposição de Hegel diz respeito ao abismo instransponível que, nos marcos do idealismo subjetivo, estrutura as relações entre facticidade e validade: “a objetividade kantiana é apenas subjetiva, enquanto os pensamentos, segundo Kant, - embora sejam determinações universais e necessárias - são contudo somente nossos pensamentos, e diferentes do que a coisa é em si"38. Posto isso, faz-se possível compreender a concepção hegeliana de experiência como uma exigência de apreensão da figura de consciência historicamente determinada tal como ela se apresenta em si e para si39.

Corolário dessa inversão de pressupostos é o fato de que Hegel retira do sujeito autocrático a plenitude da estrutura da racionalidade crítica, lançando-a no mundo; tal movimento – que representa a base fundante de sua concepção de critica – tem como ponto de partida a referida ideia de consciência natural, enquanto por esta se compreende o emaranhado entre realidade e racionalidade, o sistema do em-si pensado40. É com base nessa noção que Hegel pretende superar as cisões operadas no terreno da filosofia moderna, levando adiante o exercício genuíno da dialética do esclarecimento. A ser reconhecido e superado, portanto, encontra-se o fato de que na filosofia critica pré-hegeliana o padrão de validação do conhecimento guarda uma incomensurável externalidade em relação ao próprio conhecimento, de onde resulta que o objeto ao qual tal padrão se dirige – na terminologia de Hegel, o saber fenomenal – não deve necessariamente reconhecê-lo enquanto padrão41; em outros

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termos, o em-si da consciência, compreendido como mundo da vida compartilhado, não se vincula de modo necessário à critérios de validade que não prestem honra à estrutura consciente da realidade, à facticidade.

A dar maior consistência à sua concepção de racionalidade crítica, o projeto hegeliano conta ainda com um expediente por meio do qual a historicidade passa a ser concebida como um elemento constitutivo da experiência: trata-se na figura do nós. No dizer de Hegel, a filosofia deve abandonar a pretensão ingênua de “aprender a nadar sem entrar na água”42, o que significa dizer que à pretensão de neutralidade axiológica deve sobrepor-se uma perspectiva que, não sendo externa à interação sujeito-objeto, permita a visualização da nova figura de consciência não como algo causal e extrínseco, mas sim como produto da negação determinada daquilo que a antecede. Ao nós, portanto, faz-se evidente a história de formação do em-si da consciência; história que, segundo Hegel43, transcorre por trás das costas da consciência, visto que esta permanece envolvida no desespero da experiência da perda de sua verdade.

Posto isso – e retomando o fim do item anterior -, dá-se que a compreensão da injustiça social como um dado imutável não resiste à investida hegeliana no sentido da reformulação da estrutura autocrítica da consciência: “esse fetiche desfaz-se diante da intelecção de que as coisas não simplesmente são assim e não de outra forma, mas de que elas vieram a ser sob certas condições”44. Uma questão importante permanece, porém, sem resposta. Tomando de empréstimo a terminologia de Hegel, Lukács assim a formula:

No momento em que o conhecimento readquirido, o “verdadeiro”, como o descreve Hegel na Fenomenologia, torna-se “aquele delírio báquico no qual nenhum membro escapa à embriaguez”, onde a razão parece ter levantado o véu do santuário de Zeus para descobrir a si mesma – segundo a alegoria de Novalis – como desvelamento do enigma, levanta-se novamente, mas agora de maneira totalmente concreta, a questão decisiva desse pensamento: a questão do sujeito da ação, da gênese45.

Afastando-nos da identidade entre sujeito e objeto a que Lukács chega como solução dessa questão46, interessa

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investigar o substrato material da experiência, é dizer, a fonte mais profunda do impulso crítico que aponta na direção de figuras de consciência mais complexas e estruturadas.

O impulso à luta como tensão inerente à vida compartilhada: sofrimento e liberdade

Na realização de tal investigação, toma-se como ponto de partida uma ideia muito cara às formulações mais transformadoras da dialética materialista: a história real, dizem Adorno e Horkheimer47, constrói-se a partir do sofrimento real. Na hipótese interpretativa que aqui se sustenta, a leitura da filosofia prática hegeliana proposta por Axel Honneth deve muito às intuições que, na esteira da ideia acima referida, foram desenvolvidas por Adorno no contexto de uma filosofia crítica que “mantém-se viva porque se perdeu o instante de sua realização”48. Tão somente sob esse pano de fundo, ao que nos parece, se pode alcançar o sentido da ação social transformadora cujas raízes remontam, conforme se passa a ver, à relação intrínseca entre a injustiça social experimentada como sofrimento e a liberdade concebida como superação imanente dessa injustiça.

No item anterior deixou-se claro a inversão de perspectiva levada a efeito pelo projeto hegeliano: descentrado o sujeito que a filosofia crítica até então concebia como o exclusivo doador de sentido ao mundo, pode-se compreender a atual figura de consciência como produto do devir histórico. Uma filosofia política que se pretenda materialista, porém, não pode contentar-se com tal ideia. De fato, até aqui nada se disse em favor de uma interpretação que impeça a progressão do espírito de caminhar no sentido de um idealismo mistificante49. É nesse ponto que se faz relevante o recurso à Adorno: dando vazão ao elemento libertador que orienta Nietzsche – elemento que remonta à compreensão nietzscheana do conceito como igualação do não-igual50 -, o autor assevera a necessidade de se deslocar o caráter impositivo da realidade para fora da região do espírito e do sujeito51. As consequências desse direcionamento são tão complexas quanto transformadoras.

Antes do mais, entre elas se inclui o despertar de nossa atenção para o fato de que “a imediatidade possui uma história

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interna”52: o mundo das relações sociais possui uma história que é aquela do processo pelo qual, através da mediação do conceito, certos indivíduos foram incluídos e outros excluídos; outros, ainda, não eram incluídos e mais tarde o foram. A essa perspectiva de análise deve ser somada a percepção das condições intersubjetivas da integridade psíquica do sujeito descentrado. Recorrendo a Hegel, Honneth lembra que “a formação do Eu prático está ligada à pressuposição do reconhecimento recíproco entre dois sujeitos”53, de onde resulta que “só quando dois sujeitos se veem confirmados em sua autonomia por seu respectivo defrontante eles podem chegar de maneira complementária a uma compreensão de si mesmos como um Eu autonomamente agente e individuado”54. Assim dispostas essas duas ideias, percebe-se a força da formulação de Adorno e Horkheimer com que se iniciou o presente tópico: a ausência de reconhecimento perante a instância universal do conceito, à medida que representa um impedimento à plena constituição da individualidade do sujeito, não é experimentada como mera insatisfação de um interesse contingente; antes, o sujeito a percebe na forma de sentimentos de perda de seu próprio valor55, ou seja, na forma de sofrimento.

Dito sofrimento, dada a pressuposição da formação intersubjetiva da subjetividade, adquire um papel central enquanto impulso à crítica. Tal ponto, porém, não pode ser compreendido sem uma rápida digressão. Segundo Nietzsche, “apenas por que o homem se esquece enquanto sujeito e, com efeito, enquanto sujeito artisticamente criador, ele vive com certa tranquilidade, com alguma segurança e consequência”56. De fato, vimos que é pela sobreposição do cálculo racional aos impulsos individuais mais genuínos que o sujeito da filosofia liberal dispõe-se a adentrar o estado político. Diante disso, é preciso asseverar que a apreensão dos potenciais emancipatórios do sofrimento passa necessariamente pela reabilitação da estrutura pulsional e intuitiva do sujeito: “na coisa, o potencial de suas qualidades espera pelo sujeito qualitativo, não por seu resíduo transcendental, ainda que o sujeito só se fortaleça para tanto por meio da limitação própria à divisão do trabalho”57.

Assim posta a questão, o modelo hegeliano de luta por reconhecimento assume a forma de uma teoria social de teor de normativo58, já que a interação entre indivíduos incorpora o potencial moral que tende a expressar-se como exigência de

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confirmação social de pretensões de autonomia e individuação. Daqui emerge um sentido transformado de liberdade. Antes compreendida como negação absoluta das determinações sociais, ela agora consiste na determinação do sujeito a partir de um conteúdo que não lhe é estranho59, ou seja, um conteúdo cuja mediação lhe é indispensável enquanto requisito para a constituição saudável de sua personalidade. Na leitura materialista que Honneth faz de Hegel, esse modelo de liberdade assume a forma da resistência60.

Resistir é lutar por reconhecimento61, é buscar para o sentimento de injustiça um modo de expressão. Nesse ponto, é novamente Adorno quem torna evidente a amplitude da contraposição que tal concepção de liberdade representa em face da ação inofensiva que marca a liberdade negativa:

Em contraposição aos fantasmas da profundidade que, na história do espírito, sempre se deram muito bem com aquilo que existe, muito trivial para eles, a resistência seria a verdadeira medida da profundidade. O poder do existente erige as fachadas contra as quais se debate a consciência. Essa deve ousar atravessá-las. Somente isso arrancaria o postulado da profundidade à ideologia. O momento especulativo sobrevive em tal resistência: aquilo que não deixa sua lei ser prescrita pelos fatos dados, transcende-os ainda no contato mais estreito com os objetos e na recusa à transcendência sacrossanta. Lá onde o pensamento se projeta para alem daquilo a que, resistindo, ele está ligado, acha-se a sua liberdade. Essa segue o ímpeto expressivo do sujeito. A necessidade de dar voz ao sofrimento é condição de toda verdade62.

Nesse trajeto que vai do sofrimento à liberdade através do impulso ao reconhecimento também a desobediência assume um novo sentido. Na linha do conceito reformulado de liberdade, desobedecer às normas estruturantes da figura universal – às normas jurídicas, via de regra - converte-se em meio de exposição daquilo que, à luz dessa figura, permanece como não-igual. A história coagulada63 nas interações sociais mediadas pelo conceito inevitavelmente inacabado pode agora ser expressa, já que o sujeito concreto – aquele que, tal qual o sujeito do Juízo Reflexionante de Kant64, sente prazer e desprazer em face dos estímulos que recebe do mundo – é capaz de engendrar a experiência da transcendência imanente65. Dar

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voz ao sofrimento: eis, portanto, o sentido preciso da desobediência civil enquanto luta por reconhecimento.

Superando oposições: sobre o sentido do contraponto

Uma leitura apressada do argumento aqui desenvolvido pode dar origem à ilusão de que o modelo de desobediência que se buscou fundamentar consiste em uma simples alternativa àquele de proveniência liberal. Tal não é verdade. De fato, não é na forma do simples abandono que se faz a passagem de uma concepção à outra; longe disso, o modelo da luta pretende ser uma superação imanente – uma superação pela assimilação crítica - das patologias em que recaem as correntes liberais. Veja-se o sentido dessa relação.

Muito já se falou sobre a estratégia de que se vale a grande parte dos teóricos liberais quando diante do desafio de fundamentar os princípios da ordem social legítima: o recurso à transcendência é a alternativa única para quem opera com o pressuposto da cisão abstrata entre objetividade e subjetividade. Desse modo, a instância de validade permanece desacoplada de qualquer contexto fático-normativo, daí resultando que a aferição da justiça das configurações de vida se faz pela subsunção desse substrato a princípios colhidos dalhures66. O sentido do modelo de desobediência que se concebe a partir desse pano de fundo já foi reiterado à exaustão: a negativa de cumprimento das normas sociais se justifica como reprodução de tais princípios abstratos e, nessa medida, resulta na reposição acrítica das estruturas injustas da interação social.

O ponto a ser aqui considerado diz respeito à necessidade de se ter em vista que, na forma como tem sido recuperado por Honneth67, o modelo hegeliano da luta por reconhecimento incorpora a essência principiológica da justiça liberal, embora o faça a partir de uma articulação intrínseca entre tais princípios e o contexto ético compartilhado do qual eles supostamente derivam. Assim é que, partindo da asserção de Hegel segundo a qual "o sistema do direito é o reino da liberdade efetivada"68, Honneth quer ver na Filosofia do Direito "o núcleo de uma teoria da justiça que visa à garantia universal das condições intersubjetivas de auto-realização individual"69.

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É preciso ter em mente, porém, que a aproximação proposta por Honneth não se justifica de modo casuístico; o autor pretende, na verdade, que a incorporação da contrafactualidade que distingue a teoria liberal seja um imperativo resultante de necessidades intrínsecas ao próprio modelo filosófico-político pensado por Hegel70. Eis como se encontra expressa a fonte última de tais necessidades:

Every reconstructive procedure of social criticism faces the problem that it cannot really justify what makes the ideals from its own culture chosen to be a reference point normatively defensible or desirable in the first place. That is, the moral principles that are contingently available in the value horizon of a given society initially lack any guarantee that they are in a certain way valid for its members71.

Com isso se indica que é da exigência de superação do caráter contingente da crítica social que deriva a urgência da aproximação em relação aos postulados básicos das teorias da justiça de viés liberal. Em outras palavras, a localização histórica e social da crítica deve atrelar-se ao postulado de uma direção evolutiva da sociedade, já que só assim os impulsos reconstrutivos da ordem universal podem ser compreendidos em sua unidade. Nesse sentido, àquilo que o liberalismo político costuma chamar de princípios de justiça dá-se o nome, no contexto da proposta de Honneth, de conceito de racionalização social72. É por esse meio que se torna presente um critério normativo que, tomando a forma da “antecipação hipotética de um estado último aproximado”73, permite a distinção entre os caminhos de progresso e regresso no sentido da emancipação social. Mais do que isso, é também a partir daí que se torna possível perceber aqueles horizontes subculturais de interpretação – ou seja, aquelas gramáticas que resultam da tentativa de se dar à fala os sentimentos mais profundos de desrespeito – como encarnações da razão social74.

Posto isso, se torna evidente o modo como a desobediência - cuja origem, no modelo aqui desenvolvido, remonta à necessidade de constituição saudável da personalidade do sujeito - também se justifica enquanto realização de princípios de justiça. Esses princípios, porém, não se sustentam em uma ligação extrínseca e casual com o mundo dos fatos: é do contexto ético – ou seja, do terreno das interações

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sociais marcadas por impulsos morais direcionados ao reconhecimento – que advém seu sentido e conteúdo.

Conclusão

Na esteira dos pressupostos da filosofia social moderna, o modelo tradicional de desobediência civil toma a forma de negação radical da ordem posta. Compreendida nesses termos, a escusa à obediência efetiva-se como reafirmação das bases legitimadoras do Estado liberal: se o poder oficial se sustenta no respeito aos direitos individuais, é tão somente a incursão indevida na esfera desses direitos que justifica a desobediência. A noção hegeliana de luta por reconhecimento ganha relevância na tentativa de superação imanente de tal modelo. À medida que implica o abandono de certas premissas do pensamento liberal, a reconstrução dessa noção em termos de uma concepção transformada de desobediência civil exige a elucidação do caminho que leva a um novo sentido de crítica. A título de conclusão, retome-se as linhas gerais desse trajeto argumentativo.

A compreensão da liberdade a partir da exigência de autopreservação implica a redução da ação humana ao simples comportamento adaptativo. Diante do caos incontrolável do mundo social, o padrão estratégico de comportamento se absolutiza, de modo que é pelo cálculo sobre os seus próprios interesses que o sujeito adentra a comunidade política e é também pelo cálculo voltado à dominação que o Estado regula o convívio social. À medida que dá forma à interação prática de cada um dos indivíduos com o conjunto das normas sociais, a razão voltada a fins revela a essência de sua patologia: o exercício da liberdade é convertido em reprodução acrítica da segunda natureza capitalista, de onde resulta que as injustiças sociais não podem ser acessadas em sua necessidade histórica.

Ciente dessas consequências do atomismo, Hegel articulou um novo ponto de partida para sua filosofia prática. Assim é que o recurso à ideia de consciência natural permite acessar a estrutura da atual figura da consciência como produto do devir histórico, é dizer, como produto de uma sucessão de negações determinadas. Nesses termos, o mundo social não mais se deixa compreender como puro caos a ser dominado a partir de

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fora; ao contrário, a estrutura consciente da realidade exige critérios de validade que, nos marcos da razão destranscendentalizada, superem o abismo que até então mantinha dispersos os elementos da facticidade e da validade. Daí se segue uma concepção peculiar de crítica.

Em sua dimensão prático-política, tal concepção implica o abandono da tarefa a que se dedicou a vertente mais clássica da filosofia liberal: se o pressuposto da crítica é o emaranhado entre conceito e realidade, não há mais sentido no recurso a figuras transcendentes para explicação da passagem do estado natural ao estado político. Longe disso, é preciso pensar a evolução da estrutura normativa do mundo na direção de formas mais inclusivas de interação social. Se é assim, surge logo a pergunta sobre o substrato da experiência, ou seja, sobre a fonte mais profunda dos impulsos à crítica. Nesse ponto, há que se ter em vista a necessidade de reabilitação da estrutura pulsional do sujeito. De fato, é só assim que se faz compreensível a ideia segundo a qual a crítica da injustiça social é engendrada a partir do sofrimento que tal injustiça gera no sujeito. O modelo transformado de desobediência, portanto, concebe a escusa ao cumprimento das ordens oficiais não mais como um ato puramente negativo, mas como postura reconstrutiva perante aquilo que é historicamente dado: enquanto luta por reconhecimento, a desobediência civil é meio de se dar voz ao sofrimento.

Por fim, note-se que a concepção de desobediência aqui desenvolvida não pretende ser uma simples alternativa àquela de origem liberal. A estrutura principiológica das formulações liberais tem espaço no novo modelo, embora haja aqui uma profunda alteração no fundamento de tal estrutura. De fato, se é verdade que as exigências de reconhecimento em muito se assemelham aos princípios de justiça característicos da vertente liberal, também o é que a fonte de normatividade dos dois modelos em nada se confunde: a confirmação intersubjetiva das pretensões de autonomia é concebida como pressuposto para a individuação do sujeito, de onde se segue que é a tensão inerente à vida social que aponta no sentido do cumprimento das exigências de reconhecimento.

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Thiago Ferrare Pinto

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