desistencia voluntaria e arrependimento eficaz

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Pequeno texto que cuida dos institutos penais da desistencia voluntaria e do arrependimento eficaz de forma simples e informal.

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Page 1: Desistencia voluntaria e arrependimento eficaz

DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ

Rogério Roberto Gonçalves de Abreu

Inicialmente, aprendemos que o iter criminis, quando é “completinho”, começa na

cogitação (o agente pensa, idealiza, planeja, “bola” o crime em sua cabeça), passa pela

preparação (algo tipo, compra a arma e a munição, escolher o lugar da tocaia, coisas

assim), entra na execução (se fosse um homicídio, já seria a facada, disparo, o empurrão de

cima da ponte), dando início aos atos de compõem o crime propriamente dito e chega na

consumação (a vítima morre), quando todas as elementares estão finalmente reunidas. Em

alguns casos, há um epílogo chamado exaurimento. No homicídio não cabe tanto assim

falar em exaurimento, mas, para não perder a viagem, digo que poderia ser o “velório” da

vítima... (brincadeira, né?).

A cogitação e a preparação são fatos penalmente irrelevantes e, por isso,

impuníveis. Estão ainda na área do justo (atípico e lícito). Quando o agente entra finalmente

na fase de execução, começa a atacar efetivamente o bem jurídico protegido pela norma e,

assim, sua conduta já caracteriza um injusto penal. Se ele conseguir chegar à consumação,

será um crime consumado. Se, contra a sua vontade, não conseguir chegar ao objetivo

pretendido, responderá pelo crime na forma tentada.

E o que podemos dizer do sujeito que, iniciando a execução de um crime, decide

voluntariamente paralisar seu andamento e evitar o resultado, não chegando, por sua

própria vontade, à consumação? Pois é exatamente disso que cuida o art. 15 do Código

Penal ao tratar da desistência voluntária e do arrependimento eficaz.

A desistência voluntária e o arrependimento eficaz são institutos de direito penal que

possuem uma finalidade bem característica: incentivar o agente do crime a retornar ao

âmbito da licitude. Se, entrando na fase de execução, ele invade o universo da ilicitude,

através da “ponte de ouro” do CP, art. 15, ele poderá retornar ao universo da licitude e ser

beneficiado por isso. Na minha opinião, trata-se de uma causa legal de exclusão da

tipicidade, pois tem o efeito de excluir o enquadramento normativo do fato como “tentativa

de crime”, afastando a aplicação do CP, art. 14, II (norma de extensão temporal).

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Diz o CP, art. 15, que se o agente desistir de prosseguir na execução do crime

(desistência voluntária) ou agir novamente para evitar que o resultado se produza

(arrependimento eficaz) – desde que efetivamente impeça a consumação – responderá

apenas pelos atos já praticados.

Vejam que a desistência voluntária se caracteriza pelo fato de o agente

simplesmente desistir de prosseguir na execução do crime. Para que o resultado e a

consumação não se produzam basta que ele pare de agir. Segundo a conhecida “Fórmula

de Frank”, enquanto na desistência voluntária o agente pode prosseguir, mas não quer, na

tentativa do crime ele quer prosseguir, mas não pode. Assim, consiste em desistência

voluntária a conduta de quem entra numa casa para furtar bens e, subitamente, abandona

aquela iniciativa e vai embora. Outro exemplo: o agente efetua um disparo para matar

alguém e erra completamente o alvo; dispondo de outros projéteis, ele simplesmente para

de atirar e vai embora.

Por outro lado, o arrependimento eficaz depende de uma nova conduta do agente

para evitar a produção do resultado e, portanto, a consumação do crime. Se ele

simplesmente parar de agir, não conseguirá evitar o resultado. Por isso, precisa agir

novamente, só que agora “em sentido contrário”, para evitar a consumação. Consiste em

arrependimento eficaz a conduta de quem joga sua esposa do barco para matá-la afogada

e, antes do evento morte, arrepende-se, jogando uma bóia salva-vidas para içá-la ao barco

novamente. Percebam que se o agente simplesmente parasse de agir, o que ele fez já seria

suficiente para matar a vítima. Ele precisou, portanto, agir novamente para evitar o resultado

e somente com uma ação “em sentido contrário” ele conseguiria evitar a consumação.

Em qualquer caso, é preciso deixar bem claro que não pode haver consumação. Se

houver consumação, nem houve desistência, nem o arrependimento foi eficaz. O agente

responderá, no caso, pelo crime consumado. Voltando ao exemplo do sujeito que jogou a

mulher do barco, se ele a resgata ainda viva, mas ela vem a morrer antes de chegar ao

hospital, responderá por homicídio consumado.

E qual a consequência jurídica da desistência voluntária e do arrependimento eficaz?

O CP, art. 15, diz que o agente responde apenas pelos atos já praticados. Na verdade, o

agente responder pelos atos até aquele momento praticados e pelos resultados até então

produzidos. Isso mesmo: em alguns casos ele responde pelos resultados produzidos e, em

outros, mesmo sem qualquer resultado material, ele responderá pelos atos até então

praticados. Basta que esses atos e resultados já constituam crimes consumados por si

mesmos

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É melhor eu explicar com exemplos...

Imaginemos um sujeito que efetua um disparo de arma de fogo contra alguém com

intenção de matá-lo. A pontaria ruim lhe rende obter apenas uma lesão no braço da vítima.

Ai começa a choradeira: a vítima pede que não seja assassinada, pois tem filhos etc. O

agente, embora podendo prosseguir no crime, simplesmente desiste e vai embora.

Pergunto: qual foi o resultado até aqui produzido? Uma lesão. E essa lesão foi produzida por

vontade? Foi sim. Logo, embora o agente tenha iniciado a execução de um crime de

homicídio, como desistiu voluntariamente de consumá-lo, responderá por aquilo que já

tenha consumado até então: uma lesão corporal de natureza leve.

E se a vítima perder o braço por causa disso? Entramos na área dos chamados

crimes qualificados (ou agravados) pelo resultado. É óbvio que o disparo não tinha a

intenção de amputar-se um braço, até porque a intenção era de matar. Contudo, o

comportamento doloso de atirar na vítima rendeu ao agente uma lesão corporal dolosa com

um resultado não querido nem assumido, mas previsível e violador do cuidado objetivo

necessário. Em outras palavras, temos um crime preterdoloso: lesão corporal dolosa e

resultado mais grave (perda de um membro) culposo, o que nos leva a enquadrar o fato no

art. 129, §2º, III, com pena de reclusão de dois a oito anos.

Vejam, contudo, que o objetivo da desistência voluntária e do arrependimento eficaz

é convencer o agente de que, se ele desistir ou abandonar a tentativa, ele não responderá

pela tentativa do crime que ele começou. Nesse caso, o agente não responderá pela

tentativa de homicídio que ele cogitou, preparou e cuja execução iniciou. Responderá

apenas pelos atos praticados e resultados produzidos que constituam, por si sós, crimes já

consumados.

Vamos agora voltar ao exemplo do sujeito que joga a mulher do barco. Esse exemplo

é de arrependimento eficaz. Se o agente, para matar a mulher afogada, vem a jogá-la na

água e, arrependendo-se, antes que qualquer resultado ocorra, vem a resgatar a vítima.

Vejam só: embora um pouquinho apavorada, a mulher volta ao barco absolutamente ilesa.

Pergunto: houve arrependimento eficaz? Claro, o agente, agindo novamente, impediu o

homicídio que havia iniciado. Outra pergunta: houve com a mulher algum resultado natural

lesivo? Penso que não, até porque, como afirmei, ela volta ao barco “antes que qualquer

resultado ocorra”. Sendo assim, uma última pergunta: o agente praticou algum crime? A

resposta é negativa: se ele deve responder apenas pelos resultados já produzidos, não

tendo havido resultado algum (que se enquadre em norma penal incriminadora), não haverá

tipicidade com relação a qualquer crime.

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Um último exemplo, agora sem resultado e com responsabilidade penal residual.

Imaginemos que o agente invade a cada de alguém para furtar jóias. Entrando na casa e já

percebendo que está completamente vazia (o que tornará seu trabalho facílimo), reconhece

a foto de uma antiga professora que muito o ajudara na escola. Emocionado, o agente

desiste de consumar aquele furto e vai embora. Primeira pergunta: houve desistência

voluntária ou arrependimento eficaz? Desistência voluntária, pois o agente simplesmente

paralisou a execução, deixando de continuá-la. Segunda pergunta, houve algum resultado

naturalístico produzido: claro que não. Terceira pergunta, o agente praticou algum ato que,

independentemente de resultados naturalísticos, consiste em crime já consumado?

Resposta positiva: o agente praticou um crime consumado de invasão de domicílio. Tendo

que responder pelos atos até então praticados, responderá (residualmente) por um crime

consumado de invasão de domicílio (CP, 150).

Um lembrete final: uma vez que o objetivo da desistência voluntária e do

arrependimento eficaz é eliminar a responsabilidade penal pela tentativa do crime que o

agente inicialmente queria praticar, só podemos falar nesses dois institutos nos casos de

crimes que admitem a modalidade tentada. Assim, não cabe falar em desistência voluntária

ou arrependimento eficaz naqueles crimes que não admitem a forma tentada, como os

culposos, os unissubsistentes etc.