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1 IX ENCONTRO DA ABCP AT: Segurança pública e segurança nacional Sessões de AT 4 | 06/08/2014 - 16h30min às 18h30min Desigualdade, pobreza e violência metropolitana Letícia Maria Schabbach Universidade Federal do Rio Grande do Sul Brasília, DF 04 a 07 de agosto de 2014

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IX ENCONTRO DA ABCP

AT: Segurança pública e segurança nacional

Sessões de AT 4 | 06/08/2014 - 16h30min às 18h30min

Desigualdade, pobreza e violência metropolitana

Letícia Maria Schabbach

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Brasília, DF 04 a 07 de agosto de 2014

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Desigualdade, pobreza e violência metropolitana

Letícia Maria Schabbach, Universidade Federal do Rio Grande do Sul Resumo do trabalho: O estudo examinou quais fatores sociais intramunicipaisestão mais associados à violência letal e ao risco de morte violenta em Porto Alegre, no período entre 2000 e 2010 (considerando-se o último intervalo intercensitário). A metodologia utilizada foi a análise estatística multivariada (através de correlações bivariadas e regressões), que incorporou indicadores de violência letal (taxa de homicídios) e sociais (renda, escolaridade, provimento de serviços públicos), agregados em nível de bairro. Resultados preliminares demonstraram que os homicídios prevalecem em áreas mais pobres e com escasso provimento de serviços urbanos, ao passo que incidem menos em bairros de maior renda e escolaridade. Tais achados sugerem que a distribuição dos homicídios na capital do Rio Grande do Sul também representa, ao lado da renda, escolaridade, condições de moradia, um indicador de desigualdade intramunicipal, evidenciado pelo risco de morte violenta. Palavras-chave:Violência. Desigualdade. Microterritórios metropolitanos.

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1 INTRODUÇÃO

Opresente estudo analisa a relação entre fatos violentos – representados pelos

homicídios e lesões corporais seguidas de morte – e características sociais dos bairros onde

as mortes ocorreram, em três períodos diferentes: a) os primeiros cinco anos da década de

2000, b) os últimos cinco anos da década de 2000, c) os dois primeiros anos da década de

2010. Além de identificar os fatores correlacionados com os fatos violentos, pretendeu-se

examinar se essas associações permanecem os mesmos ao longo de 12 anos, vis-à-vis as

variações das manifestações de violência no espaço urbano e intra-urbano.

Aqui estamos examinando especificamente as manifestações cotidianas de violência

física, sem considerar outros tipos de violência (simbólica, política, etc.).Neste recorte, atos

violentos são os que atingem a integridade física da vítima, através do emprego da força (ou

da ameaça em fazê-lo), na sua forma bruta ou com a utilização de armas de fogo ou outros

objetos. Tais práticas são as que mais causam impacto social e interferem diretamente na

percepção da população acerca dos movimentos da criminalidade, por vezes contribuindo

com a configuração de uma atmosfera de insegurança onde ocorrem (ou onde se presume a

sua incidência).

Como medida de violência física, o indicador mais utilizado internacionalmente é o

homicídio, pois,de acordo com Fox e Zawitz (2002, p. 1, tradução nossa): “O homicídio é

interessante não apenas devido à sua gravidade, mas também porque é considerado por

estudiosos um barômetro bastante confiável do crime violento. Em nível nacional, nenhum

outro crime é medido tão acurada e precisamente”.

Além de graves, os homicídios são juridicamente padronizados, bem como

contabilizam uma cifra oculta inferior aos demais delitos. As pesquisas a ele concernentes

geralmente abrangem fontes primárias (por exemplo, entrevistas com apenados e pessoas

conhecidas da vítima e do agressor, pesquisa documental em prontuários de presos e em

processos judiciais), ou por fontes secundárias (estatísticas policiais e da área da saúde).

Ademais, o ato voluntário de matar outra pessoa é socialmente reprovado nas

sociedades desde tempos imemoriais, embora sempre houvesse casos de convalidação de

acordo com o contexto histórico: em legítima defesa, nas guerras, no exercício da atuação

policial sob determinadas condições legalmente previstas. A reprovação societária ao

homicídio faz com que ele seja proporcionalmente mais investigado e julgado

comparativamente aos outros crimes, ainda assim, existe um gap entre os casos conhecidos

pela polícia e os efetivamente esclarecidos, ou sentenciados1.

1 Na Inglaterra e Pais de Gales, a taxa de esclarecimento de homicídios – proporção de inquéritos remetidos à justiça sobre o total de ocorrências policiais registradas – foi de 90% em 1997, percentual bem superior aos dos outros delitos. (LEMGRUBER et al., 2000).

4

As pesquisas e informações sistemáticas sobre violência homicida em nível de país,

estados e municípios já esclareceram muitas de suas características gerais.

Considerando as 56.337 agressões intencionais fatais do ano de 2012 registradas na

base nacional de dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da

Saúde2:

a) quanto ao meio utilizado –40.077 (71%) foram provocadas por arma de fogo;

b) quanto às vítimas - 51.544 eram homens (91%) e 4.719 mulheres (8%). No tocante à idade, 30.072 das vítimas (53%) possuíam entre 15 e 29 anos3.

Dados aproximados a respeito dos perpetradores dos homicídios podem ser

acessados nas estatísticas prisionais. Dos condenados por homicídio que estavam presos

em 2012, 97% eram de homens e 3% de mulheres. 7% do total de presas foram

condenadas por homicídio, contra 12% dos presos. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, s/d)

No tocante à distribuição geográfica, o Mapa da Violência de 2010 – que contemplou o

período 1997 a 2007 (WAISELFISZ, 2010) - mostrou que as taxas brasileiras permaneceram

praticamente inalteradas, passando de 25,4 para 25,2 homicídios por 100.000 habitantes.

Neste período, os homicídios cresceram, em termos absolutos, nas seguintes regiões:

Norte(98%), Nordeste (77%), Sul (63%) e Centro Oeste (34%). Por sua vez, a região

Sudeste foi a única a registrar decréscimo das mortes, em -20%, embora os estados de

Minas Gerais e do Espírito Santo tenham apresentado variações positivas, em 214% e 32%,

respectivamente.

Quanto aos municípios, o citado Mapa assinalou uma reversão do crescimento dos

homicídios: eles estagnaram ou caíram nas capitais e regiões metropolitanas, e cresceram

nas cidades interioranas.

No caso de Porto Alegre, visualizamos a seguinte tendência, considerando-se todos

os anos do período 1991 a 2012:

2 Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/nirs.def 3Após promulgação do Estatuto da Juventude (Lei 12.852 de 05 de agosto de 2013, artigo 1º, § 1º), o Brasil passou a considerar jovem o indivíduo com idade entre 15 e 29 anos, ampliando o limite superior de 24 anos utilizado anteriormente nas pesquisas específicas.

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Gráfico 1 – Distribuição das taxas de homicídio em Porto Alegre – RS, 1991 a 2012.

Fontes: MINISTÉRIO DA SAÚDE. Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Disponível em: <www.datasus.gov.br>; IBGE. Censos Demográficos e Contagens Populacionais. Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Cálculos efetuados pela autora.

Nota: Consideraram-se os homicídios por local de ocorrência.

Vê-se no gráfico 1 que as taxas de homicídio por 100.000 habitantes de Porto Alegre

oscilaram entre18 (o menor valor, em 2003) e48 (o maior valor, em 2007). O número

absoluto de mortes nestes dois anos foi de 226 e 688, respectivamente. No início da série,

em 1991, ocorreram 372 homicídios, o que corresponde a uma taxa de 29 homicídios por

100.000 habitantes, e, no último ano, 601, com uma taxa de 43 homicídios por 100.000

habitantes. Considerando a variação entre a taxa inicial e a final, houve um crescimento de

45%. Já a média das variações anuais, que dilui as oscilações internas do período, ficou em

3%.

43

37

37

41

47

48

37

41

41

37

40

36

39

33

31

36

30

29

24

18

30

29

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50

2012

2011

2010

2009

2008

2007

2006

2005

2004

2003

2002

2001

2000

1999

1998

1997

1996

1995

1994

1993

1992

1991

6

2 Desigualdade, pobreza e violência

2.1 Desigualdade

Podemos conceituar desigualdade social como a existência de relações hierárquicas

entre os grupos sociais, sendo estas produzidas pela distribuição diferenciada de recursos

socialmente valorados, tais como renda e propriedades, escolaridade, capital político,

prestígio, dentre outros. Nesta configuração as posições superiores usufruem de vantagens

e privilégios (poder, prestígio, status) em relação às inferiores (GALLIANO, 1981). Atributos

como classe social de pertencimento, profissão, afiliação religiosa, gênero, etnia, idade

incidem diretamente nas posições ocupadas pelos indivíduos.

Trata-se de um fato social encontrado, em maior ou menor grau, em todas as

sociedades de todas as épocas históricas. Enquanto fenômeno multidimensional, a

desigualdade não se resume à pobreza ou à privação de renda, envolvendo um conjunto de

processos sociais, de mecanismos e de experiências coletivas (DUBET, 2003)

Conforme a abordagem das capacitações de Amartya Sen, desigualdade seriaa

ausência de liberdade decorrente da privação das capacidades vitais dos indivíduos4. Neste

sentido, o aumento das liberdades substantivas dos cidadãos incrementa suas capacidades

individuais de produzir bem-estar. Tais liberdades incluem: liberdades econômicas como a

participação no comércio e na produção;liberdades políticas através de eleições e livre

expressão do pensamento; oportunidades sociais através do acesso a políticas de saúde e

educação; garantias de transparência e segurança protetora. (SEN, 2010).

Quanto às dinâmicas atuais relacionadas com a desigualdade em nível mundial,

Dubet(2003) destaca três situações: as desigualdades reduzidas, as aumentadas e as

multiplicadas. Dentre as primeiras, ressalta que, desde a década de 1970,as barreiras

instransponíveis foram reduzidas a níveis mais sutis de desigualdade (por exemplo, o

modelo de carro, o convênio de saúde, o destino das férias), houve uma expansão do

acesso a bens de consumo e as mulheres ingressaram maciçamente no mercado de

trabalho. Entre as desigualdades aumentadas cita a fragmentação do trabalho que dividiu os

trabalhadores entre empregados, desempregados e informais, bem como exacerbou as

diferenças em termos de sexo, idade, educação e origem étnica. Diante disto, o que se

observa atualmente são vários conjuntos profissionais construídos a partir de diferentes

4 Capacidades vitais envolvem, dentre outros aspectos: vida com duração normal; saúde e integridade física (com relação à agressão e à discriminação social ou reprodutiva); sentidos, imaginação e pensamento; emoções, capacidade de ter vínculos não discriminatórios, liberdade do medo e do trauma opressivos; razão prática; ludicidade; viver em harmonia com a natureza e outras espécies (NUSSBAUM, 2000 apud THERBORN, 2001, p. 130). Para Comim e Bagolin (2002) a abordagem da capacitação é um quadro para a análise de vários arranjos sociais, desigualdade, justiça, pobreza, qualidade de vida e bem estar, porém, não é uma teoria substantiva acerca de cada uma destas questões.

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contratos de trabalho, renda e posição nas áreas de atividade específicas. Por fim, as

desigualdades multiplicadas referem-se a registros como: a permanência da desigualdade

de gênero (diferenças salariais e de posto de trabalho, dupla jornada) em paralelo à maior

participação feminina no mercado de trabalho; a integração segregada dos imigrantes na

França, com a criação de zonas étnicas de confinamento nos bairros mais pobres; a

desigualdade entre classes de idade (por exemplo, os jovens são mais atingidos pelo

desemprego e pela incerteza do que os adultos); e as desigualdades regionais quanto à

saúde, transporte, educação, salário, renda e oferta de emprego.

Na América Latina, a desigualdade social existe desde a ocupação do continente e

está relacionada com os modelos de desenvolvimento adotados por seus países. Segundo

dados do Banco Mundial, o índice deGinida região da América Latina e Caribe foi de 51

(média de 2004 a 2010), enquanto que o mundial atingiu 41. Não obstante, nos últimos anos

verifica-se um leve declínio da desigualdade na região, em torno de 5% do índice, que

passou de 51,6 em 2004 para 49,1 em 2010, conforme dados do Banco Mundial.5

Além de histórica, a desigualdade latino-americana tem raízes estruturais, como

aparece neste trecho de informe da Comisión Económica para América Latina y el Caribe

(CEPAL, 2000, p. 15, tradução nossa),

[...] ela [a inequidade] reflete estruturas econômicas, sociais, de gênero e étnicas altamente segregadas que se reproduzem intergeracionalmente através de múltiplos canais. Portanto, o eixo deste esforço deve ser romper os canais de reprodução intergeracional da pobreza e da desigualdade – o educativo, o ocupacional, o patrimonial e o demográfico – e as barreiras da discriminação por gênero e etnia, que agravam os seus efeitos.

Para a operacionalização deste conceito em indicadores, pesquisadores têm

procurado ampliar a gama de variáveis contempladas, no sentido de ir além de sua

dimensão mais específica, de privação de renda. Todavia, mesmo que partindo de um

conceito mais abrangente, a ausência de dados correspondentes, principalmente para

microterritórios, muitas vezes não permite a incorporação de outras dimensões além da

renda.

O proxy de desigualdade mais utilizado é o índice de GINI (ou o seu similar, o Índice L

de Theil) que mede o grau de concentração de determinada distribuição (renda familiar per

capita, rendimento dos responsáveis por domicilio, concentração fundiária, etc.). Outro

indicador similar é a razão de renda, que mede a incidência relativa dos rendimentos altos

sobre os baixos em determinada população, como é o caso da razão entre a renda média

5Considerando todos os 214 países mapeados pelo Banco Mundial, o declínio do GINI global foi de 4% entre 2004 e 2010, passando de 41,8 para 39,9.

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dos 10% mais ricos ea dos 40% mais pobres em determinado espaço social, utilizado no

Atlas do Desenvolvimento Humano do PNUD.

Ao comparar países, Therborn (2001), por exemplo, utiliza como indicadores de

desigualdade renda (PIB per capita), expectativa de vida e mortalidade infantil. Em nível

intramunicipal, Barcellos et alii (1986, p. 88) identificaram a distribuição desigual de meios

coletivos de consumo providos pelo Estado (educação, transporte coletivo, serviços de

saúde, previdênciasocial, habitação e lazer) na cidade de Porto Alegre, demonstrando a

carência destes nas áreas debaixa renda, onde se observa o comprometimento das

condições de vida da população.

Estes são exemplos de agregações mais abrangentes – países, bairros - distintas

daquelas tradicionalmente vinculadas à noção de desigualdade: indivíduos, grupos e

classes sociais. A comparação entre unidades de análise mais amplas requer, portanto, o

uso de informações correspondentes e disponíveis para todos os espaços.

2.2 Pobreza

Em geral, as definições de pobreza acompanham estratégias para mensurá-la, e

estas, por sua vez, associam-se à implementação de políticas sociais direcionadas aos

setores mais pobres da população, as quais têm, em anos recentes, focalizado os canais

intergeracionaise intrafamiliares de reprodução da privação.

Apresentamos aqui a definição da CEPAL (2000, p. 83), nestes termos:

A noção de pobreza expressa situações de carência de recursos econômicos ou de condições de vida que a sociedade considera básicos de acordo com normas sociais de referência que refletem direitos sociais mínimos e objetivos públicos. Estas normas expressam-se em termos tanto absolutos quanto relativos, e são variáveis no tempo e nos diferentes espaços nacionais.

A esta definição acrescentamos que os padrões de referência para definir pobreza

variam não apenas entre os países, mas também internamente a eles, dentro de estados e

municípios.

Os critérios utilizados para medir pobreza são vários, envolvendo, por exemplo,

conforme o informe da CEPAL (2000)6:

a) Aspectos monetários - a pobreza indica a carência de renda suficiente em relação

a um limite de ingresso absoluto – a linha de pobreza – que pode ser estabelecida

de diferentes formas: através da renda familiar, do custo de uma cesta básica de

consumo individual ou familiar (abrangendo alimentos, moradia, vestuário, artigos

domésticos, etc.), do total de calorias diárias consumidas, de um valor monetário

6 Também em Comin e Bagolin (2002).

9

diário em moeda nacional. A intensidade da pobreza, neste caso, representaria a

distância entre os indivíduos ou famílias e a linha da pobreza.

b) Satisfação de necessidades fundamentais ou básicas – além do custo da cesta

básica, este critério inclui o acesso a serviços básicos (saúde e educação, água

potável, coleta de lixo, rede de esgoto, energia e transporte público). Para Comin e

Bagolin (2002) esta perspectiva privilegia como unidade de análise os domicílios,

ao invés dos indivíduos.

c) Capacidades (ou capacitações) que dispõem os indivíduos para uma vida digna,

na perspectiva de Amartya Sen, supracitado - De acordo com este enfoque, o

bem-estar não se associa apenas com renda, bens ou serviços, mas com a

adequação entre os meios econômicos e a propensão das pessoas em convertê-

los em capacidades para atuar em ambientes sociais particulares.

A pobreza é definida, então, não como uma carência de bens frente a necessidades fundamentais, e sim de acordo com a realização de certas funções básicas e a aquisição das capacidades correspondentes. Lutar contra a pobreza consistiria então em oferecer as possibilidades para emancipar-se dela (CEPAL, 2000, p. 78)

Em adendo, Comin e Bagolin (2002) salientam que, porquanto os indivíduos são

diferentes, as suas capacitações não podem ser avaliadas exclusivamente com base nos

recursos que possuem, devendo ser incorporado o que eles são capazes de ser ou fazer por

com tais recursos. Neste sentido,ascapacitações são sempre possibilidades.

d) Exclusão social - dentro de uma visão mais ampla do que a perspectiva individual,

é uma situação relacionada coma não participação em quatro sistemas

deintegração social – o democrático e jurídico, o do mercado de trabalho, o de

proteção social, e o a família e comunidade.

A exclusão plasma-se em trajetórias individuais nas quais se acumulam e reforçam privações e rupturas, acompanhadas de mecanismos de rejeição, que em muitos casos são comuns a grupos de pessoas que compartilham certa característica (de gênero, étnica, religiosa). Isto se expressa, por exemplo, em barreiras para o desempenho de certos ofícios, o confinamento a empregos que não favorecem a mobilidade social, ou na discriminação em outros aspectos da vida cotidiana. [...] Pobreza e ausência de cidadania muitas vezes andam de mãos dadas. (CEPAL, 2000, p. 84 e 45)

Em adendo, Comin e Bagolin(2002) ressaltam que a pobreza envolve aspectos

absolutos (quando independe do padrão particular de vida ou bem estar da sociedade) e

relativos (quando se leva em conta o estilo de vida da sociedade).

10

Sendo umfenômeno com múltiplas dimensões e causas entrelaçadas, é impossível

ter-se uma visão completa da pobreza com apenas um indicador. Diante disto, desde

meados da década de 1990 estão sendo elaborados por agências internacionais como a

ONU e o Banco Mundial, indicadores compostos e/ou sintéticos, que buscam medir a

pobreza para além da renda ou de outro critério monetário. Entre estes, podemos citar o

Índicede Pobreza Humana do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(PNUD), que incorpora baixa longevidade, falta de educação básica e limitado acesso a

serviços básicos. Outro indicador é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH, cujos baixos

valores indicam menor desenvolvimento), que contempla os componentes de renda,

educação e saúde.

Pobreza não se confunde com desigualdade, esta última sendoum conceito relacional.

Uma pode existir sem a outra: sociedades podem ser pobres sem ser desiguais, ou não

possuírem distâncias demasiado largas entre as suas posições superiores e inferiores. A

seleção de um ou outro dos fenômenos tem a ver com estratégias distintas de mobilização e

intervenção social, conforme Therborn (2001, p. 132-133):

Preocupar-se com a desigualdade, em vez de apenas com a pobreza, significa preocupar-se com a maneira como toda a sociedade é estruturada e não apenas com o seu pior aspecto. Assim sendo, a preocupação com a desigualdade é mais propícia à auto-organização e mobilização dos próprios desfavorecidos, ao conflito social e à transformação social em grande escala do que a preocupação com a pobreza, pois esta tem uma orientação mais naturalmente filantrópica. Na política igualitária, pode ser mais fácil voltar-se basicamente para a desigualdade dos ricos, como um alvo da crítica social.

3.2 – Relaçãoentre desigualdade, pobreza e violência

No Brasil,a desigualdade social é recorrentemente citada como uma das principais

causas da violência e da criminalidade, tanto em estudos acadêmicos quanto em debates

públicos.

Para Pinheiro (1997), a desigualdade, a pobreza e a exclusão social resultantes das

políticas neoliberais seriam propulsoras da violência urbana. Além disto, o alto índice de

jovens e pobres envolvidos com o crime demonstra a relação entre pobreza e violência, para

eles a criminalidade torna-se um canal mais rápido de mobilidade social (PINHEIR0, 1997,

p. 46).

Cardia (1998, p. 136) comenta que a maior violência ocorre em áreas urbanas com

pouca infraestrutura: ruas sem asfalto, sem iluminação pública, de difícil acesso para

veículos, com transporte público deficiente, poucas e precárias escolas públicas e

espaçoscoletivos.

11

Em paralelo, as pesquisas sobre a relação entre desigualdade e homicídios

apresentam resultados divergentes, conforme o nível de agregaçãoconsiderado.

Entre países, dados da Organização Mundial da Saúde sinalizam que os países

pobres e mais desiguais tendem a apresentar taxas de homicídio mais altas do que os

países mais ricos e igualitários, como mostram Cano e Santos (2001, p. 82). Já entre

estados brasileiros, os mesmos autores não encontraramassociação estatisticamente

significativa entre desigualdade de renda (medida pelo Índice L de Theil) e taxas de

homicídios.

Analisando várias pesquisas sobre homicídios, Soares (2008)comenta que o impacto

da desigualdade de renda sobre os homicídiosdentro dos países (entre estados, entre

cidades ou entre áreas metropolitanas) não é tão forte nem tão consistentea ponto de

requerer uma teoria específica.

Todavia, há um consenso entre os pesquisadores brasileiros, com base em achados

empíricos, de que a desigualdade e a pobreza são preditoras da violência homicidaatuam

mais no interior das cidades, especialmente as metropolitanas. Por exemplo, pesquisas

realizadas em vários municípios brasileiros, desde a década de 1990, permitiram concluir

que os homicídios prevalecem em áreas mais pobres, com maior analfabetismo,

urbanização precária e baixos níveis de satisfação das necessidades básicas e de

provimento de serviços públicos. Em contrapartida, nas áreas centrais ou mais nobres, com

maior concentração ou circulação de riquezas, são mais frequentes os crimes contra o

patrimônio.

Para Cano e Santos (2001), a maior incidência da violência letal em bairros pobres

revela que a renda é um fator de proteção contra a violência letal, pois os indivíduos com

renda alta são menos propensos a serem mortos do que os de renda baixa. A renda elevada

permite maiores gastos com serviços e equipamentos de segurança e a moradia em zonas

com maior qualidade de vida e mais policiadas. Já Soares (2008) comenta que as favelas

possuem muitas condições facilitadoras e poucas dissuasórias da violência letal,

comparativamente às áreas nobres e de classe média.

Em nosso estudo anterior relativo ao município de Porto Alegre (SCHABBACH,

2013), no qual utilizamos como unidades de análise as delegacias distritais de polícia,

verificamos que os homicídios prevalecem em áreas de maior proporção de adolescentes,

mais pobres, de menor escolaridade e com menor provimento de serviços urbanos (rede

geral de esgoto). Em contrapartida, eles incidem menos em espaços cujos habitantes

possuem maior renda e escolaridade e onde a desigualdade de renda é mais acentuada.

Tais achados permitiram concluir que a distribuição diferenciada da violência letal também

representa, ao lado da renda, escolaridade, moradia, estilo de vida, um indicador de

desigualdade em nível intramunicipal.

12

No âmbito da sociologia criminal a constatação da existência de relação entre

desigualdade, pobreza e violência no interior das cidades remete à abordagem da Ecologia

Humana (ou Escola de Chicago),que defendia que as distâncias geográficas

encontradasnas cidades representam distâncias sociais, expressadas nos

seguintesdiferenciais: infraestrutura urbana, valor do solo, qualidade das moradias,

provimentode serviços sociais básicos, e maior ou menor segurança. Para alguns de seus

principais representantes, como Park e outros (1925), Burgess (1924) e Mckenzie (1924), a

expansão urbana acelerada (resultante de processos como: crescimento das cidades,

divisão do trabalho, multiplicação dos meios de transporte e de comunicação, perda de

influência das formas tradicionais de controle social) produz indícios de desintegração

social, representados pelocrescimento de doenças e crimes, a prostituição, as desordens, a

insanidade e os suicídios (EUFRÁSIO, 1999, p. 88-89). Além disto, quando o crescimento e

a modernização não são acompanhados por uma infraestrutura apropriada, surgem áreas

socialmente desorganizadas e segregadas, como as favelas e os guetos, onde são mais

incidentes as práticas criminais e violentas.

3 METODOLOGIA

Para responder às questões centrais da pesquisa – quais os fatores (positiva ou

negativamente) correlacionados com a violência entre os bairros de Porto Alegre? Estes

fatores permanecem constantes ao longo do tempo? – utilizamos dados secundários obtidos

de duas fontes: a Secretaria de Segurança do estado do RS (variável dependente = eventos

letais, soma de homicídios e lesões corporais seguidas de morte) e o IBGE (variáveis

independentes = dados socioeconômicos).

As unidades de análise representam os bairros oficiais contabilizados pelo IBGE no

Censo Demográfico de 2000. Informações de bairros criados posteriormente e que não

apareciam naquele Censo foram incorporados aos bairros de origem e/ou mais próximos.

Dividimos o intervalo temporal de doze anos em três períodos, com as agregações

correspondentes:

a) Cinco anos iniciais da década de 2000 – média das ocorrências de eventos letais

contabilizados entre 2000 e 2004, dados do Censo Demográfico de 2000.

b) Cinco anos finais da década de 2000 – média das ocorrências de eventos letais

contabilizados entre 2005 e 2009, média das informações dos Censos Demográficos

de 2000 e 2010.

c) Dois anos iniciais da década de 2010 – média das ocorrências de eventos letais

contabilizados entre 2010 e 2011, dados do Censo Demográfico de 2010.

Para a elaboração das variáveis dependentes e independentes seguimos os

procedimentos a seguir.

13

3.1 Variável Dependente

A variável dependente é representada pela soma entre homicídios e lesões corporais

seguidas de morte, transformada em taxa de eventos letais por 100.000 habitantes para

cada bairro considerado.

As informações referem-seàs ocorrências policiais de homicídio e lesões corporais

com morte, cujos dados sobre o local do fato (endereço, ponto de referência) foram

indexados para os respectivos bairros. Como se observa na tabela 1, do conjunto de

ocorrências relativas a estes dois fatos (4.316), em 3.146 casos (73%) foi possível identificar

o bairro, sendo estes, então, aproveitados para o estudo intramunicipal, esperando-se que

os casos descartados (por ausência ou erro de informação) estejam distribuídos

aleatoriamente no conjunto dos bairros.

Tabela 1 – Distribuição dos dados aproveitados e não aproveitados de homicídios e lesões corporais seguidas de morte, 2000 a 2011

Ocorrências 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Total

Co

m

Bai

rro

Homicídio 226 222 225 172 189 194 176 256 394 331 342 378 3.105

Lesão corporal seguida de

8 6 4 2 4 1 2 2 5 3 3 1 41

Aproveitados 234 228 229 174 193 195 178 258 399 334 345 379 3.146

Sem

Bai

rro

Táxi, ônibus ou presídio 1 0 0 0 0 3 1 5 1 1 0 0 12

Hospital ou DML 11 8 70 22 23 22 16 17 12 21 12 12 246

Informação incompleta 15 16 31 48 40 65 48 79 5 3 3 2 355

Nenhuma informação

43 30 84 70 79 71 47 97 9 8 6 4 548

Outra cidade ou repetido

0 0 3 1 1 2 0 1 0 0 0 1 9

Descartados 70 54 188 141 143 163 112 199 27 33 21 19 1.170

Total 304 282 417 315 336 358 290 457 426 367 366 398 4.316

% aproveitados 77% 81% 55% 55% 57% 54% 61% 56% 94% 91% 94% 95% 73%

Fonte: Secretaria de Segurança Pública do RS. Informações das ocorrências policiais indexadas e organizadas pela autora. Cálculos efetuados pela autora.

Os casos indexados para bairros ainda não legalizados ou criados depois de 2010

foram incorporados aos bairros originários ou próximos.

a) Elaboração da variável taxa de eventos letais por 100.000 habitantes

A partir da distribuição das ocorrências pelos bairros, elaboramos taxas de crimes

letais, utilizando a população residente como denominador, e multiplicando por 100.000, que

é o procedimento usual em pesquisas nacionais ou internacionais sobre homicídios.

Aqui temos um problema quanto aos bairros pouco populosos, sua reduzida

população infla a taxa de homicídios, mesmo que que estes sejam pouco frequentes.

Embora tenhamos utilizado médias móveis de eventos letais (de 2000 a 2004, de 2005 a

2009, e de 2010 e 2011), este procedimento não equilibrou as altas taxas de eventos letais

em bairros de menor população. Assim, estipulamos como corte uma população de 5.000

14

habitantes (referente ao ano de 2010), descartando para a análise multivariada os bairros

com população inferior aeste limite, mantendo, assim, 64 bairros porto-alegrenses.

Por fim, aplicando para a nossa amostra de casos a mesma a incidência de vítimas

jovens entre os óbitos registrados pelo SIM – Ministério da Saúde, temos que em 51%

(média do período) das mortes, a vítima possui entre 15 e 29 anos. Isto é, para feitos de

análise causal, taxas de eventos letais e de eventos letais com vítima jovem são altamente

correlacionadas, como veremos adiante.

3.2 Variáveis Independentes

As variáveis independentes foram elaboradas a partir das informações

sóciodemográficasdo IBGE em nível de bairros, disponibilizadas nos Censos Demográficos

de 2010 e 2000 (e média intercensitária). A partir daí, foram calculados os seguintes

indicadores:

a) População jovem - % de pessoas entre 15 e 29 anos de idade sobre a população total.

b) População idosa - % de pessoas de 65 ou mais anos de idade sobre a população total.

c) Riqueza - % dos responsáveis que recebem mais de 10 salários mínimos mensais sobre

o total de responsáveispor domicílios particulares permanentes.

d) Pobreza - % dos responsáveis que recebem até 2 salários mínimos mensais sobre o

total de responsáveispor domicílios particulares permanentes; número médio de

moradores por domicílio particular permanente (densidade por domicílio).

e) Presença de ricos sobre pobres – Razão entre o % de responsáveis que recebem mais

de 10 salários mínimos sobre o % de responsáveis que recebem até 2 salários mínimos.

f) Mulher responsável - % dos responsáveis do sexo feminino sobre o total de

responsáveispor domicílios particulares permanentes.

g) Escolaridade - % de responsáveis alfabetizados sobre o total de responsáveispor

domicílios particulares permanentes.

h) Serviços públicos - % de domicílios particulares permanentescom esgoto da rede geral e

% de domicílios com água da rede geral.

Estas variáveis foram submetidas a um teste de multicolinearidade (considerando um

coeficiente de Pierson igual ou acima de 0,800), resultando nas combinações expostas no

quadro a seguir, onde as variáveis mantidas aparecem à esquerda, em negrito.

15

Variáveis

Colineares mantidas

Colineares excluídas (e coeficiente de correlação de Pierson)

Três períodos Período 2000 a 2004 Período 2004 a

2005 Período 2010 e

2011 Dependentes

Taxa geral de eventos letais

Taxa de eventos letais de jovens (0,997**) Idem (0,997**) Idem (0,996**)

Ind

epen

den

tes

Média de moradores p/dom.

% Idosos (-0,860**) Idem (-0,861**) Idem (-0,846**)

Responsáveis alfabetizados (-0,846**) Idem (-0,848**) Idem (-0,839**)

% Responsáveis com + 10 SM

% de responsáveis com até 2 SM (-0,911**) Idem (-0,904**) Idem (-0,852**)

Razão entre ricos e pobres (0,854**) Idem (0,891**) Idem (0,917**)

% de jovens de 15 a 29 anos

Sem alta colinearidade com outras independentes.

% responsáveis do sexo feminino % dom. com esgoto da rede geral % dom. com água da rede geral

Quadro 1 – Correlações bivariadas iguais ou acima de 0,800.

Notas: **. Correlationissignificantatthe 0.01 level (2-tailed); *. Correlationissignificantatthe 0.05 level (2-tailed). Fonte: Pesquisa

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Para realizarmos a análise das associações entre as variáveis dependentes e

independentes, utilizamos três procedimentosno software SPSS®, relativamente aos três

intervalos temporais: a) Exame das correlações de Pierson; b) Análise de regressões

lineares; c) Análise de correspondências múltiplas, com gráficos dispondo as variáveis e os

casos associados.

Os resultados são apresentados a seguir de acordo com o tipo de análise realizado,

buscando-se estimar a influencia das variáveis independentes sobre a dependente, ou seja,

as taxas de crimes letais. Os três intervalos temporais são examinados em conjunto.

4.1 Correlações bivariadas com a variável dependente

Variáveis independentes Período 2000 a 2004 Período 2004 a 2005 Período 2010 e 2011

Média de moradores por domicílio 0,391** 0,533** 0,582** % de jovens de 15 a 29 anos 0,349** 0,422** 0,371** % Responsáveis com + 10 SM -0,519** -0,543** -0,557** % de domicílios com esgoto da rede geral -0,388** -0,401** -0,387**

% de domicílios com responsável do sexo feminino -0,226 -0,164 -0,850

% de domicílios com água da rede geral -0,195 -0,177 -0,126

Variáveis dependentes (taxas gerais de eventos letais anteriores)

Taxa geral de eventos letais Não se aplica (2000 a 2004) 0,800** (2004 a 2005) 0,847**

(2000 a 2004) 0,683**

Quadro 2 - Correlações das variáveis independentes com a dependente nos três períodos.

Fonte: Pesquisa.

16

Percebe-se no quadro acima que as variáveis altamente associadas com a taxa de

eventos letais nos três períodos são: média de moradores por domicílio e população jovem.

A primeira representa também pobreza e é antípoda de escolaridade e população idosa. Em

contrapartida os indicadoresque, embora associados com a violência, representam fatores

bloqueadores de sua incidência, são: riqueza (% de responsáveis que recebem mais de 10

salários mínimos) e provimento de serviços públicos (esgoto da rede geral).

Os valores dos coeficientes de correlação de Pierson relativos às principais

correlações são praticamente os mesmos nos três períodos.

Além disto, as altas correlações entre as taxas de eventos letais de um período

específico e os períodos anteriores revelam que a violência tende a incidirnos mesmos

locais dos períodos anteriores, dentro de certa “dependência de trajetória”.

4.2 Regressões lineares nos três períodos

Para retermos os fatores mais influentes das taxas de eventos letais dos bairros,

consideraremos apenas os resultados significativos em p <= 0,05.

Coefficientsa

Model

AdjustedR2 = 0,213 UnstandardizedCoefficients

StandardizedCoeff

icients

t Sig. B Std. Error Beta

1 (Constant) -8,390 252,175 -,033 ,974

JOVEM2000 313,955 672,112 ,073 ,467 ,642

MOR_DOM2000 -5,940 51,645 -,039 -,115 ,909

CHEFMUL2000 -49,749 256,819 -,047 -,194 ,847

MAIS10SM2000 -141,990 87,955 -,439 -1,614 ,112

ESGOTO2000 -35,565 41,484 -,139 -,857 ,395

AGUA2000 102,196 204,074 ,074 ,501 ,618

Quadro 3 – Coeficientes da regressão linear do 1º período – 2000 a 2004

Fonte: Pesquisa.

17

Coefficientsa

Model

AdjustedR2 = 0,343 UnstandardizedCoefficients

StandardizedCo

efficients

t Sig. B Std. Error Beta

1 (Constant) -1069,940 470,694 -2,273 ,027

MOR_DOM2005 139,837 51,273 ,682 2,727 ,008

JOVEM2005 155,168 633,542 ,035 ,245 ,807

CHEFMUL2005 646,639 380,153 ,347 1,701 ,094

RESP10_2005 14,472 125,445 ,027 ,115 ,909

ESGOTO2005 -142,110 76,417 -,321 -1,860 ,068

AGUA2005 530,537 434,106 ,169 1,222 ,227

Quadro 4 – Coeficientes da regressão linear do 2º período – 2005 a 2009

Fonte: Pesquisa.

Coefficientsa

Model

Adjusted R2 = 0,357 UnstandardizedCoefficients

StandardizedCo

efficients

t Sig. B Std. Error Beta

1 (Constant) -312,684 199,511 -1,567 ,123

MOR_DOM2010 52,256 18,359 ,502 2,846 ,006

JOVEM2010 66,395 224,226 ,041 ,296 ,768

RESPMULHER2010 146,969 163,916 ,138 ,897 ,374

MAIS10_2010 -67,967 61,365 -,195 -1,108 ,273

ESGOTO2010 -14,676 32,469 -,066 -,452 ,653

AGUA2010 145,216 188,574 ,091 ,770 ,444

Quadro 5 – Regressão linear do 3º período – 2010 e 2011

Fonte: Pesquisa.

Analisando os coeficientesderegressão dos três períodos constamos que, enquanto

no primeiro período nenhuma variável destacou-se como influente da taxa de evento letal,

nos dois últimos períodos, ao contrário, percebe-se nitidamente o peso da variável média de

moradores por domicílio. Lembra-se que esta variável está positivamente correlacionada

com pobreza e negativamente com escolaridade e proporção de idosos.

O modelo ganha robustez ao longo dos três períodos, considerando o aumento

crescente dos R2 ajustados (quadrado da correlação múltipla, que passou de 21% para 34%

e finalmente para 36%), que mostra a proporção da variância da variável dependente

explicada por cada equação7.

7Quanto mais próximo de 1 (ou 100), mais o modelo se ajusta aos dados.

18

4.3 – Análise de correspondência múltiplas – distribuição das variáveis e casos nos gráficos de dois eixos

A intenção aqui é verificar como se distribuem nos gráficos biplots dos três períodos as

variáveis e os casos. Para facilitar a identificação das variáveis e casos mais próximos

(correlacionados) com as taxas de eventos letais, marcamos a área com uma figura em

vermelho.

Gráfico2 – Distribuição das variáveis e bairros no período 2000 a 2004

Fonte: Pesquisa

Variância explicada: 75,8%

19

Gráfico 3 – Distribuição das variáveis e bairros no período 2005 a 2009

Fonte: Pesquisa

Variância explicada: 77,7%

20

Gráfico 4 – Distribuição das variáveis e bairros no período 2010 e 2011

Fonte: Pesquisa.

Ao se examinar os três gráficos em conjunto, percebe-seque as variáveis altamente

relacionadas com a incidência de violência letal nos 64 bairros de Porto Alegre são: média

de moradores por domicílio e % de jovens na população. As áreas destacadas em vermelho

sinalizam a aglutinação das variáveis e indivíduos (bairros) típicos em torno da incidência da

violência.

A esta configuração opõem-se as variáveis % de responsáveis que recebem mais de

10 salários mínimos e % de domicílios com esgoto da rede geral, atinentesaosindicadores

de alta renda e provimento de serviços públicos.

Já as variáveis % de responsáveis do sexo feminino e % de domicílios com água da

rede geral apresentaram coeficientes de correlação não significativos, embora na direção

esperada, ou seja, evitando as mortes.

As variâncias explicadas pelo modelo são altas, variando entre 75% e 77% nos

períodosexaminados.

Variância explicada: 75,3%

21

5 CONCLUSÃO

Os resultados do estudo sugerem que a incidência de violência representa um

indicador de desigualdade altamente correlacionado com renda, nível de escolaridade,

condição de moradia, provimento de serviços públicos nos micro-espaços urbanos,

sobretudo dos metropolitanos.

Além do mais, percebeu-se que a relação entre violência letal, juventude, pobreza,

densidade domiciliar e menor provimento de serviços públicos manteve-se intacta ao longo

do período 2000 a 2011. Também ficou evidenciado que os eventos letais reproduzem-se

nos mesmos bairros, onde as taxas subsequentes são influenciadas pelas antecedentes, em

uma espécie de dependência de trajetória de sua letalidade.

Estas são constatações graves quando se reconhece o movimento crescente de

implementação de politicas sociais (mormente de enfrentamento da pobreza) desde o início

desde século no País, acompanhado, em anos mais recentes, por programas preventivos da

violência. Vários estudos sobre o Programa Bolsa Família, por exemplo, mostram que a

transferência de renda para famílias pobres ou extremamente pobres vêm trazendo

resultados efetivos quanto à redução da desigualdade (ao menos de renda), ou, no mínimo,

a diminuição da pobreza extrema. Quanto aos projetos preventivos do Programa Nacional

de Segurança Pública (PRONASCI) implantados a partir de 2007, inexistem até este

momentoavaliações consistentes sobre sua efetividade.

Certamente os programas de enfrentamento da pobreza devem considerar outros

aspectos para além da melhoria da renda, tais como escolaridade, participação social,

cultural e política, capacitações, e, ainda, a redução da violência nos espaços sociais.

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23

APENDICE – Taxas de eventos letais e rankings decrescentes dos 64 bairros com 5.000 ou mais habitantes (em 2010) conforme a taxa – Ordem alfabética do nome

Bairros com 5.000 ou mais habitantes x Taxas de eventos letais

por 100.000 habitantes

2000 a 2004 2005 a 2009 2010 e 2011

Taxa Ranking Taxa Ranking Taxa Ranking

1 - Agronomia 30,0 10 40,2 9 28,6 17

2 - Arquipélago 35,6 7 41,8 8 36,0 11

3 - Auxiliadora 0,0 64 6,1 46 5,2 50

4 - Azenha 8,9 43 10,4 33 18,6 30

5 - Bela Vista 0,0 65 1,9 58 0,0 59

6 - Belém Novo (inclui Chapéu do Sol) 13,1 26 16,3 23 22,6 21

7 - Belém Velho (Inclui Campo Novo e Aberta dos Morros) 43,2 6 54,8 3 61,8 5

8 - Boa Vista 9,2 39 2,3 57 0,0 58

9 - Bom Jesus 47,5 4 59,0 2 31,8 13

10 - Bonfim 14,1 23 7,0 45 8,6 45

11 - Camaquã 5,5 57 11,5 31 9,9 41

12 - Cascata 9,1 41 16,1 24 17,3 32

13 - Cavalhada 12,1 28 26,0 14 37,7 10

14 - Centro Histórico 20,1 15 14,7 26 14,0 34

15 - Chácara das Pedras 2,8 61 5,5 47 0,0 54

16 - Cidade Baixa 4,8 58 9,7 35 12,1 37

17 - Coronel Aparício Borges 9,7 37 14,8 25 10,8 40

18 - Cristal 53,2 1 51,6 4 52,0 7

19 - Cristo Redentor 8,7 44 3,7 53 0,0 55

20 - Espírito Santo 14,0 24 7,1 43 8,9 43

21 - Farrapos 10,6 33 21,1 17 29,0 16

22 - Floresta 17,4 19 10,7 32 6,7 47

23 - Glória 9,1 42 22,0 15 19,9 23

24 - Higienópolis 2,2 62 0,0 63 0,0 63

25 - Hípica 5,8 55 5,4 48 25,2 18

26 - Humaitá 32,5 9 27,3 13 60,9 6

27 - Independência 12,5 27 0,0 60 0,0 60

28 - Ipanema (inclui Jardim Isabel) 8,3 45 8,3 39 11,8 38

29 - Jardim Botânico 7,0 52 8,3 38 0,0 53

30 - Jardim do Carvalho 18,5 17 17,0 22 19,4 26

31 - Jardim do Salso 11,7 29 0,0 61 0,0 61

32 - Jardim Itu-Sabará 7,1 51 7,0 44 15,7 33

33 - Jardim Lindóia 8,2 46 8,1 40 13,5 36

34 - Lageado 5,8 54 0,0 62 0,0 62

35 - Lomba do Pinheiro 35,5 8 29,3 12 40,8 8

36 - Mário Quintana (Inclui Morro Santana) 50,3 2 85,5 1 108,0 1

37 - Medianeira 14,5 22 13,3 28 8,6 44

38 – MeninoDeus 7,4 49 3,3 55 1,6 52

39 - Moinhos de Vento 9,9 35 18,3 19 13,8 35

24

40 - Mont'Serrat 2,0 63 0,0 64 0,0 64

41 - Nonoai 11,2 32 7,6 42 19,4 27

42 - Partenon 7,2 50 10,3 34 10,9 39

43 - Passo da Areia 11,3 31 4,3 51 6,4 49

44 - Petrópolis 2,9 60 3,3 56 0,0 57

45 - Ponta Grossa 48,6 3 4,0 52 29,5 14

46 - Restinga 20,4 14 45,3 6 67,9 4

47 - Rio Branco 9,4 38 4,9 49 9,3 42

48 - Rubem Berta (inclui Passo das Pedras) 22,1 13 45,5 5 71,5 2

49 - Santa Cecília 6,9 53 3,5 54 0,0 56

50 - Santa Teresa 25,9 11 35,3 10 40,3 9

51 - Santana 5,7 56 8,6 37 4,8 51

52 - Santo Antônio 4,2 59 4,4 50 19,0 29

53 - São Geraldo 9,2 40 14,1 27 24,1 19

54 - São João 18,1 18 17,1 21 20,1 22

55 - São José 9,7 36 13,3 29 19,5 25

56 - São Sebastião 18,6 16 12,3 30 23,0 20

57 - Sarandi 22,2 12 33,0 11 34,3 12

58 - Serraria 13,9 25 20,6 18 68,0 3

59 - Teresópolis 15,6 21 21,4 16 6,6 48

60 - Tristeza 7,9 47 7,7 41 18,5 31

61 - Vila Ipiranga 10,5 34 1,9 59 7,2 46

62 - Vila Jardim 46,3 5 42,7 7 29,2 15

63 - Vila João Pessoa 11,4 30 17,5 20 19,8 24

64 - Vila Nova 7,8 48 9,2 36 19,3 28