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Desgaste mental no trabalho docente em tempos de regularização de fluxo

Renata Paparelli

PUC-SP

O mal-estar docente – algumas falas

O que parece é que a carga toda, a culpa toda, todas as falhas da educação ficam só para os professores, que são mal preparados, que não têm capacitação, que não se reciclam dentro dos conteúdos, que não buscam se alimentar de coisas novas (...) Quando você olha de cima, lá embaixo uma pessoa parece uma formiguinha. Então, se você não descer até lá, você não vai saber o tamanho real dela.


Você não é professor com dedicação exclusiva, você precisa estar em mil lugares ao mesmo tempo... Então, realmente não sobra tempo nem para a família nem para nada, imagina para você estar preparando... Nem na escola não tem tempo. Porque as reuniões são muito poucas.


Mas, o que está complicado, na verdade, é o trabalho em si, o trabalho em sala de aula, o trabalho com os alunos. Porque eu estou te falando, que por você não conseguir, você fica em um mal-estar...


Alguns professores ainda estão interessados, tem gente que já não tenta mais isso. Alguns saem mesmo, muita gente larga o emprego, vai procurar outra coisa, outra área. (...) Então, o que muita gente, ao invés de se exonerar e procurar outro emprego faz? Trabalha menos, faz menos, um negócio que não te dê tanto desgosto. Dá desgosto? Acho que dá sim, não vejo muita gente, não vejo muito professor saindo feliz daqui da escola em todas as manhãs (...) Eu vou agüentar até me aposentar, pretendo.


E já fui muito feliz, já fui muito feliz. Tenho assim, histórias infinitas para contar da minha felicidade, em dando aula, da gratificação, da gratidão familiar, do aluno. (...) Então, porque tem professor, realmente azedo, que não tem empatia com o aluno, mas eu sou obrigada também a pensar: “-Será que eu envelheci e fiquei ranzinza ou será que realmente a escola mudou?”

O sentido do trabalho docente

Ao mesmo tempo: - compromisso com o trabalho em Educação - sobre-implicação - reconhecimento do trabalho gera muita

satisfação - felicidade que resulta da aprendizagem do

aluno - trabalho autoral, deixa marcas no mundo - compromisso com formação das novas gerações - sentido grande do trabalho docente

Contexto do trabalho docente Anos 1980

1. O acesso à escola está garantido para a

maioria da população.

2. Permanência das crianças no EF: 27% das

crianças concluem no Brasil e 32% no estado de

São Paulo.

3. O aluno brasileiro permanece em média 8,5

anos na escola; só 3% concluem o EF sem

repetência.


4. Repetência incide principalmente sobre os alunos mais pobres da rede pública.

5. Dois terços das crianças brasileiras não se beneficiam da escola (crianças que nunca tiveram acesso à escola + crianças que tiveram acesso, mas já foram excluídas + crianças que estão na escola, mas são multi-repetentes).


Escola excludente:

- muitos ingressam, poucos concluem

- reprovação não propicia aprovação – aluno reprovado tem menor chance de ser aprovado no ano seguinte

- alunos perseveram, “desistem” depois de muito tempo sendo reprovados

Contexto do trabalho docente - Anos1990 Os Programas de Regularização do Fluxo Escolar

Característica: mecanismos que impedem as reprovações ou buscam ajustar a idade do aluno à série cursada por ele (diferente dos programas que buscam o sucesso escolar) - Classes de Aceleração - Progressão Continuada - Promoção Automática - Ciclos de Aprendizagem

Contexto do trabalho docente - Anos1990 Os Programas de Regularização do Fluxo Escolar

CONSEQUÊNCIAS:

- Diminuição dos índices de reprovação e evasão

- Diminuição da defasagem série-idade

- Qualidade de ensino?

- Pioram as condições de trabalho Intensifica-se a exclusão na escola -

sutilização dos mecanismos de exclusão dos estudantes

Impedimento à ação de reprovar os alunos: perda do controle docente, aumento da indisciplina e do desinteresse

O processo de exclusão dos alunos passou a ser visível para o docente: aluno que era excluído da escola nas primeiras séries do EF, agora permanece

As políticas de regularização de fluxo escolar - materialização da lógica produtivista na educação (novos fatores de desgaste docente?)

Cenário da década de 1990

Reestruturação produtiva;

Mudanças no mundo do trabalho;

Esgotamento do regime de acumulação fordista;

Globalização;

Implementação de políticas neoliberais;

Estado mínimo;

Eficiência, produtividade, empregabilidade, discurso da flexibilização das práticas;

Adequar a educação às exigências do padrão de acumulação flexível.

Transformações no mundo do trabalho Intensificação do trabalho docente –

ampliação das atribuições (gestão, planejamento etc.) + aumento de alunos por turma

Novas tecnologias – responder e-mails, administrar blogs

Precarização dos contratos de trabalho Medo do desemprego Exigências de formação continuada Flexibilização – das férias, da jornada de

trabalho Sobrecarga de trabalho

Transformações no trabalho educacional

Na Educação:

- Reestruturação do trabalho docente: polivalência, desqualificação, desprofissionalização e

intensificação do trabalho, precarização/flexibilização do trabalho e das relações de emprego, flexibilização dos processos educacionais (estruturas curriculares, avaliação).

incorporação da lógica da empregabilidade e da responsabilização exclusivamente individual dos próprios trabalhadores pelo seu sucesso profissional e pelos resultados educacionais

Desgaste mental docente

As políticas de regularização de fluxo escolar - materialização da lógica produtivista na educação (novos fatores de desgaste docente?)

Tentativas docentes de enfrentamento - estratégias para minimizar o desgaste no trabalho - renúncia ao papel de educador.

Desistência de educar = renúncia ao sentido do trabalho docente = intenso desgaste mental.

Sofrimento mental docente

- vem se intensificando o abandono do magistério pelos professores da rede pública de ensino do Estado de São Paulo desde o início dos anos noventa

- vem aumentando o número de professores afastados, readaptados...

- nas escolas, é forte a sensação de que os trabalhadores da educação estão desgastados, “estressadas”, com problemas de saúde, esgotados.

Problemas de saúde dos professores (pesquisas)

- problemas de voz

- problemas ósteo-musculares – LER/DORT (corrigir caderno na carteira do aluno; ficar muito em pé; carregar material pesado, escrever na lousa...)

- problemas mentais

Problemas de saúde dos professores (pesquisas)

- Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional - exaustão emocional (desgaste e esvaziamento

afetivo); - despersonalização (reação negativa,

insensibilidade ou afastamento excessivo dos alunos);

- grande envolvimento (missão) e diminuição do envolvimento (sentimento fracasso no trabalho).

Insônia, fadiga, irritabilidade, tristeza, desinteresse, apatia, angústia, tremores e inquietação, (síndrome depressiva ou ansiosa)

Formas de enfrentamento

-Caráter coletivo

-Participação dos trabalhadores

-Sentido da flexibilidade – controle

- sofrimento criativo – permite reinventar, transformar

a realidade

- sofrimento patogênico – formas de minimizar o

desgaste, que representam, muitas vezes, a renúncia à

educação.

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