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Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural 1 BUSCANDO A TRAVESSIA: A EXPERIÊNCIA COM A AGROECOLOGIA DE UM GRUPO NO ASSENTAMENTO BONSUCESSO (PEDRA GRANDE/RN) [email protected] Apresentação Oral-Desenvolvimento Rural, Territorial e regional ALDENÔR GOMES DA SILVA; JOAQUIM PINHEIRO DE ARAÚJO. UFRN, NATAL - RN - BRASIL. GT 9 - DESENVOLVIMENTO RURAL, TERRITORIAL E REGIONAL Buscando a travessia: a experiência com a agroecologia de um grupo no Assentamento Bonsucesso (Pedra Grande/RN) R E S U M O A premissa de que a natureza se constitui como um substrato inerte e infinito para a ação da sociedade norteou o processo civilizatório da industrialização com fortes influências nas atividades agropecuárias através de sua artificialização. Porém, uma diversidade de problemas globais e locais vem mostrando que as atividades humanas têm provocado mudanças na biosfera do planeta. Atividades agrícolas, como o desmatamento para a abertura de novas explorações agropecuárias, e as práticas calcadas nos padrões da revolução verde agrícola, predominantes desde o pós-guerra, tem um importante papel nessa crise. A agroecologia surge como uma resposta mais ampla à hegemonia do paradigma produtivista, seja químico ou orgânico, buscando construir uma saída para a agricultura referenciada no manejo ecológico dos recursos naturais que permita reconduzir o curso alterado da coevolução social e ecológica, reconhecendo a importância do conhecimento local quando entra em sinergia com o conhecimento científico.Através da análise de uma experiência coletiva de um grupo de agricultores do Assentamento Bonsucesso em Pedra Grande/RN que busca, a partir de atividades agropecuárias, segurança alimentar e geração de renda com apoio de uma assessoria técnica identificada com a concepção da agroecologia, buscou-se compreender os caminhos já percorridos e as relações entre as dimensões políticas, sociais e ambientais para o êxito desse processo. Acredita-se, contudo, que o grupo evoluiu bastante desde a sua fundação, em alguns aspectos que se baseiam na agroecologia. Mas, partindo-se do pressuposto de que não existem opções "puras", a hipótese da transição agroecológica sem ponto de chegada garantida se constituiu numa possibilidade real da afirmação do grupo pela agroecologia. AGROECOLOGIA ASSENTAMENTOS REVOLUÇÃO VERDE A B S T R A C T

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Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

1

BUSCANDO A TRAVESSIA: A EXPERIÊNCIA COM A AGROECOLO GIA DE

UM GRUPO NO ASSENTAMENTO BONSUCESSO (PEDRA GRANDE/RN) [email protected]

Apresentação Oral-Desenvolvimento Rural, Territorial e regional

ALDENÔR GOMES DA SILVA; JOAQUIM PINHEIRO DE ARAÚJO. UFRN, NATAL - RN - BRASIL.

GT 9 - DESENVOLVIMENTO RURAL, TERRITORIAL E

REGIONAL

Buscando a travessia: a experiência com a agroecologia de um grupo no Assentamento Bonsucesso (Pedra Grande/RN)

R E S U M O

A premissa de que a natureza se constitui como um substrato inerte e infinito para a ação da sociedade norteou o processo civilizatório da industrialização com fortes influências nas atividades agropecuárias através de sua artificialização. Porém, uma diversidade de problemas globais e locais vem mostrando que as atividades humanas têm provocado mudanças na biosfera do planeta. Atividades agrícolas, como o desmatamento para a abertura de novas explorações agropecuárias, e as práticas calcadas nos padrões da revolução verde agrícola, predominantes desde o pós-guerra, tem um importante papel nessa crise. A agroecologia surge como uma resposta mais ampla à hegemonia do paradigma produtivista, seja químico ou orgânico, buscando construir uma saída para a agricultura referenciada no manejo ecológico dos recursos naturais que permita reconduzir o curso alterado da coevolução social e ecológica, reconhecendo a importância do conhecimento local quando entra em sinergia com o conhecimento científico.Através da análise de uma experiência coletiva de um grupo de agricultores do Assentamento Bonsucesso em Pedra Grande/RN que busca, a partir de atividades agropecuárias, segurança alimentar e geração de renda com apoio de uma assessoria técnica identificada com a concepção da agroecologia, buscou-se compreender os caminhos já percorridos e as relações entre as dimensões políticas, sociais e ambientais para o êxito desse processo. Acredita-se, contudo, que o grupo evoluiu bastante desde a sua fundação, em alguns aspectos que se baseiam na agroecologia. Mas, partindo-se do pressuposto de que não existem opções "puras", a hipótese da transição agroecológica sem ponto de chegada garantida se constituiu numa possibilidade real da afirmação do grupo pela agroecologia.

AGROECOLOGIA ASSENTAMENTOS REVOLUÇÃO VERDE

A B S T R A C T

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The premise that nature constitutes itself like an inert and infinite that substratum for society’s action has guided the civilization process of industrialization with strong influence on agriculture and husbandry activities throughout a process that made it artificial. Nevertheless, a diversity of global and local problems shows that human activities have been inducing changes in the biosphere of the planet. The so called Agro-ecology appears as wider answer to the hegemony of the production paradigm, either chemical or organic, proposing a direction for the agriculture based on ecologic handling of natural resources that allows to lead back the modified course of the social and ecological co-evolution, recognizing the importance of the local knowledge when it enters in synergy with the scientific knowledge. Agro-ecology activities, as deforestation to opening of new agriculture and husbandry explorations areas and practices based on agricultural green revolution patterns, predominant since the postwar period, it has an important paper in this crisis. Through the analysis of a collective experience of a group at Assentamento Bonsucesso in Pedra Grande/RN growers that it search, beyond agriculture and husbandry activities, alimentary security and generation of income with support of technique guide identified with agro-ecology conception, seeks realize the cover ways already done and relation among politics, social and environment dimension for the success pf the process. Nonetheless, it is fact that the group evolved sufficiently since its foundation, in some aspects based on agriculture and husbandry. But, based on the tenet that there are not naïve options, the agro-ecology transition hypotheses without guaranteed end point becomes a real possibility of the group to choose agro-ecology. Agro-ecology Settlemen Green Revolution

Buscando a travessia: a experiência com a agroecologia de um grupo no Assentamento Bonsucesso (Pedra Grande/RN)1

“Somos condenados a fazer o caminho caminhando, não raro na noite escura, sem ver claramente a direção e sem poder identificar os empecilhos. E precisamos crer e esperar que o caminho nos conduza a algum lugar que seja

bom para se morar e demorar nele” Leonardo Boff2

Introdução

1 Este texto apresenta investigações iniciais da pesquisa que integra o IPODE (Sementes e brotos da transição: inovação, poder e desenvolvimento em áreas rurais do Brasil), apoiado pelo CNPq, integrando pesquisas desenvolvidas no PGDR/UFRGS em parceria com grupos da UFRN e da UFCG, sob a coordenação do Prof. Sérgio Schneider. 2 Extraído do livro Agroecologia militante: contribuições de Ênio Guterres. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2006.

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A premissa de que a natureza se constitui como um substrato inerte e infinito para a ação da sociedade norteou o processo civilizatório da industrialização com fortes influências nas atividades agropecuárias através de sua artificialização, com grande aceleração desde a segunda metade do século passado. Porém, uma diversidade de problemas globais e locais vem mostrando que as atividades humanas têm provocado mudanças na biosfera do planeta que, segundo cientistas que participaram do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, em relatório divulgado em fevereiro de 2007, geraram uma crise ecológica como aumento da temperatura, escassez de água, erosão e desertificação de solos de proporção catastróficas para a maioria da humanidade (LEITE, 2007).

Atividades agrícolas, como o desmatamento para a abertura de novas explorações agropecuárias, e as práticas calcadas nos padrões da revolução verde agrícola, predominantes desde o pós-guerra, tem um importante papel nessa crise. Segundo Altieri (2006), mais de 500 milhões de kg de pesticidas são aplicados anualmente nas monoculturas do mundo (91% dos 1,5 bilhões de terras aráveis estão sob monoculturas) para suprimir pragas, doenças e ervas invasoras, convencionalmente chamadas de daninhas. Esse modelo de produção agrícola tem gerado impactos ambientais de dimensões dramáticas para a vida silvestre, polinizadores, inimigos naturais e a biodiversidade em geral.

Os impactos se estendem também ao âmbito social com o aumento da incidência de doenças e contaminação de seres humanos, causando enormes gastos públicos para mitigar esse problema. Essa realidade está presente nos países desenvolvidos em geral e mais especificamente em países subdesenvolvido e em desenvolvimento como o Brasil, onde o uso dos pesticidas ainda são usados de forma mais ampla, sem uma legislação que, na prática, regulamente essas ações.

A ideologia da modernização da agricultura, baseada nos pacotes tecnológicos da revolução verde,3 sempre quis fazer crer que o abastecimento alimentar da população mundial não seria possível sem a adoção massiva de insumos químicos, fertilizantes, venenos, máquinas, sementes melhoradas e agora transgênicas. Esse pensamento é hegemônico nas últimas cinco décadas, orientando as políticas públicas de pesquisa, ensino, extensão e crédito, ganhando tamanha força que o potencial de matrizes tecnológicas alternativas, baseada em modelos sustentáveis, tornam-se coadjuvantes.

Na medida em que ficam mais evidentes os problemas socioambientais do modelo produtivista, o grande desafio contemporâneo é construir alternativas que superem uma polarização que na realidade significa uma falta de perspectiva, pois leva a humanidade a um impasse entre duas catástrofes: permanecer aprofundando o modelo da revolução verde4 mesmo tendo ciência da sua insustentabilidade porque continuará degradando os 3 Para Gonçalves (2004), a própria denominação revolução verde para o conjunto de transformações nas relações de poder por meio da tecnologia indica um forte caráter político e ideológico nessa proposta. Essa “revolução” se desenvolveu buscando deslocar o sentido social e político das lutas contra a fome e a miséria muito presentes no pós segunda guerra. O verde dessa revolução objetivava despolitizar o debate para a saída da crise, dando-lhe uma conotação meramente técnica. 4 Para a agricultura empresarial ou aquela familiar “consolidada” ou “capitalizada”, o enfrentamento da crise ecológica resultante na exploração agrícola, tem sido baseado no otimismo tecnológico de uma nova “revolução verde” ou “revolução verde verde” através de produtos “orgânicos” ou “limpos” criados por grandes grupos transnacionais que estão abocanhando esse novo mercado (CAPORAL, 2003).

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solos, contaminando as águas, reduzindo drasticamente a biodiversidade e acumulando problemas sociais e ambientais irreversíveis, porém garantido, no curto prazo, a produção alimentar mundial; a outra catástrofe seria a difusão de práticas sustentáveis, sem, no entanto, conseguir produção e produtividade condizente com a demanda mundial de alimentos.

Nos anos sessenta do Século XX, dentro do emergente movimento ambientalista, surgem as propostas de agriculturas alternativas, buscando dar respostas à crise socioambiental resultante dos modelos convencionais baseado nos pacotes agroquímicos. Como resultado desses movimentos, na década de noventa, aparece a proposta da agroecologia como um novo padrão de produção agropecuário e a possibilidade da população rural continuar vivendo no campo. Dentro desse processo, as estratégias de transição agroecológica têm se constituído, pelo seu caráter científico e político-social, em um movimento crescente, conquistando espaços e adeptos em várias partes do mundo, principalmente para a agricultura familiar e camponesa na América Latina (ALTIERI, 2000).

A agroecologia surge como uma resposta mais ampla à hegemonia do paradigma produtivista, seja químico ou orgânico, buscando construir uma saída para a agricultura referenciada no manejo ecológico dos recursos naturais que permita reconduzir o curso alterado da coevolução social e ecológica, reconhecendo a importância do conhecimento local quando entra em sinergia com o conhecimento científico. Na perspectiva agroecológica, os estabelecimentos pequenos e médios são o lócus privilegiado para desenvolverem seus princípios. Pois, será o conjunto desses estabelecimentos e suas policulturas que darão a diversidade, produtiva e socioambiental, fundamental para o equilíbrio da biodiversidade.

Porém, como é possível construir a travessia do atual estágio da agricultura para parâmetros sustentáveis baseado na agroecologia? Parece ser este um duplo desafio: alcançar, ao mesmo tempo, agricultura altamente produtiva e sustentável (GLIESSMAN, 2000). Por isso, é mister que se esclareça, que não se está simplesmente abandonando as práticas convencionais e retornando às práticas tradicionais. É fundamental que se adote um novo enfoque socioeconômico para a agricultura e o desenvolvimento rural que privilegie a conservação ambiental em torno de atividades diversificadas e em pequena escala através de métodos ecológicos modernos.

Quais os desafios e caminhos possíveis para a transição agroecológica? Através da análise de uma experiência coletiva de um grupo de agricultores que busca, a partir de atividades agropecuárias, segurança alimentar e geração de renda com apoio de uma assessoria técnica identificada com a concepção da agroecologia, fazer a travessia de uma agricultura convencional para uma atividade diversificada e sustentável. Nesse sentido, essa pesquisa buscou compreender, a partir de estudo do grupo do Assentamento Bonsucesso em Pedra Grande/RN, os caminhos já percorridos e as relações entre as dimensões políticas, sociais e ambientais para o êxito desse processo.

Isto significa não restringir as análises ao aspecto técnico-produtivo e nem em experiências pontuais, sem considerar sua importância com demonstração de viabilidade. Mas é imprescindível compreendê-lo como integrante de uma mudança de tendência mais ampla que deve estar presente na centralidade das políticas de Estado e nas iniciativas da sociedade civil. Nesse sentido, o objetivo é perceber como tem sido a relação do grupo com as propostas mais amplas enfatizadas pela assessoria como essenciais para a

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sustentabilidade. Como estão sendo equacionados esses dois “mundos”, aparentemente diferentes: a urgência dos agricultores em produzir e às idéias de sustentabilidade da assessoria técnica.

Tendo como base a agroecologia, parte-se da hipótese que o grupo em estudo se encaixa no que alguns autores como Buttel, Gliessman, Costabeber, têm elaborado como transição agroecológica. O grupo se enquadra naquela categoria de agricultores que adentraram no uso dos pacotes tecnológicos, intensivos em insumos químicos, como perspectiva de mobilidade social. Porém, em um processo com muitas contradições, já que esses agricultores/as ainda trazem consigo, inclusive nas suas práticas, as tradições campesinas como a diversificação da produção, guardar sementes para o próximo plantio e um vasto conhecimento sobre a fauna e flora local.

É esse o intuito dessa pesquisa: buscar entender o processo produtivo do grupo de Bonsucesso a partir da sua relação com a assessoria técnica e as perspectivas de êxito na sua tentativa em fazer a travessia para processos produtivos que sejam ao mesmo tempo sustentáveis e produtivos, em condições de contribuir na melhoria e diversificação da alimentação dessas famílias, assim como melhorar sua renda, tendo como alicerce os potenciais endógenos.

1. A sinergia entre a cultura campesina e a proposta agroecológica A importância de resgatar a cultura camponesa na discussão da proposta de

transição agroecológica é muito útil pelo entendimento que ela pode servir como uma espécie de ponto de partida para dialogar com outros conhecimentos, inclusive àquele produzido nas universidades e centros de pesquisas. A partir dessa interação é possível a construção de estratégias para a agricultura familiar, quer estejam nos assentamos rurais ou no seu entorno, que caminhem no sentido de uma maior autonomia em suas várias dimensões e no sentido de atingir uma maior sustentabilidade. Na agroecologia, é necessário interpretar a realidade de forma sistêmica e, para isso, a agregação do conhecimento do agricultor torna-se tão importante quanto à base teórica do extensionista (SILVEIRA & BALEM, 2004)

Para que isso aconteça, é necessário por parte das assessorias técnicas um desprendimento da carga preconceituosa, adquirida com referência ao saber popular camponês, no processo de formação acadêmica baseada na ideologia da modernização tecnológica da agricultura e difundida desde o auge da revolução verde. Esse paradigma de simplificação dos processos agrícolas, inclusive dos seus objetivos restritos ao econômico, impede a busca de alternativas ecológicas e socialmente apropriadas, assim como formas participativas e partilhadas de atuação profissional, nas quais o pacote tecnológico sofre ressignificação ou até substituição.

Para Shanin (2008), o século XIX foi marcado por um debate intenso sobre a definição de campesinato e qual a direção que ele estava se movendo em virtudes das mudanças desencadeadas pelo desenvolvimento do capitalismo. Hoje, no século XXI, constata-se que alguns elementos daquele debate realmente aconteceram como, por exemplo, a sua diminuição no conjunto da população, principalmente nos países mais avançados, além de permanecer a dificuldade em resolver a situação de pobreza da população rural, ficando sempre em aberto a perspectiva do êxodo.

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Por outro lado, sua redução não significou sua extinção. Além da permanência de uma significativa população que permanece no rural, atualmente está existindo, em virtude da vida cara na cidade e dificuldade das populações mais carentes se estabelecerem nas metrópoles, a criação e recriação do campesinato. Shanin (2008) cita, além do Brasil com a política de assentamentos rurais, as ex-repúblicas soviéticas como a Geórgia e Kazaquistão, onde pessoas estão retornando ao rural no intuito de se fixarem em seus ambientes étnicos. Com mais propriedade e calcado numa abrangente e cuidadosa experiência empírica, Van der Plueg (2006) fala num processo de “recampenização” do rural, a partir de estudos em países desenvolvidos da União Européia.

Desse processo é possível deduzir do que foi dito a respeito do campesinato com o que está acontecendo. Fica evidente que os recursos de sobrevivência desse segmento têm provado serem mais fortes do que se previam os setores que vaticinavam o seu fim. Várias características que estão garantindo sua sobrevivência são encontradas em várias partes do mundo, dando-lhe um sentido de unidade. Se por um lado, as iniciativas dos segmentos não-camponeses, assim como as decisões governamentais, geralmente são adversas à vida e à existência dos camponeses, eles têm mostrado uma capacidade de responder às situações adversas nas quais são submetidos, não ficando esperando por alguém que lhes tragam soluções. Shanin (2008) explica muito bem isso quando afirma que:

A flexibilização de adaptação, o objetivo de reproduzir o seu modo de vida e não de acumulação, o apoio e a ajuda mútua encontrados nas famílias e fora das famílias em comunidades camponesas, bem como a multiplicidade de soluções encontradas para o problema de como ganhar a vida são qualidades encontradas em todos os camponeses que sobrevivem às crises” (SHANIN, 2008, p. 25/28).

No interior da economia capitalista existe, além da economia de mercado e de Estado, a economia familiar que não é menos poderosa, relevante e capaz de resolver problemas do que são as duas primeiras. Para Shanin (2008), o centro da particularidade que garante a sobrevivência do campesinato é o seu modo de vida baseado na economia familiar. A essência do ser camponês é a sua capacidade de combinar muitas ocupações. Nunca é uma coisa só como nas profissões especializadas. É sempre uma combinação de muitos afazeres que são aprendidos ao longo da vida, através da convivência com os familiares e o meio em que vivem. Também não é algo que se aprende através da educação formal. Ele vai fazendo e aprendendo.

Para esse autor, a economia familiar continua existindo pela sua capacidade e eficiência em criar seus próprios modelos, estruturas e significados que não tem desaparecido com o tempo. Nesse sentido, os camponeses podem nos ensinar uma variedade de coisas que não sabemos como a questão da flexibilidade de respostas diante das crises. A partir do campesinato, é possível entendermos elementos das sociedades não-camponesas.

Conforme Almeida (1998), a proposição e aspiração de autonomia camponesa, em contraposição ao processo de heteronomização5, não pode ser vista como algo retrógrado e sim como uma lógica que se coaduna eficazmente do ponto de vista microeconômico e

5 Almeida toma emprestado esse conceito de Ivan Illich que significa, em última instância, a perda da agricultura camponesa se auto-regular. Seu sentido etimológico é aquele que recebe do exterior as leis que regem a sua conduta.

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tecnológico como dimensão da resistência capaz de frear o processo de marginalização ao qual está ameaçada a produção camponesa pela sociedade industrial em geral e da agricultura moderna em particular.

Portanto, se agarrar às tradições e tentar recuperar tecnologias e modos de vidas ancestrais, pode parecer reforçar um objetivo de enclausuramento do mundo moderno, mas, na realidade é uma “expressão de uma manifestação que foi ocultada, tornada anacrônica pelas formas sociais e produtivas associadas aos hábitos de vida e à agricultura moderna. Sob tais formas, a autonomia aparece como um protesto contra uma tentativa de abafamento” (Almeida, 1998, p. 153).

Essa autonomia relativa camponesa é perseguida em, pelo menos, quatro dimensões: 1) na estrutura de produção – quando busca uma maior independência dos insumos externos; 2) no consumo – quando diversifica a produção como estratégia para a subsistência familiar; 3) no domínio do tempo – quando busca gerir o seu próprio tempo de trabalho de acordo com as diferentes modalidades; e, 4) na relação com o mercado – quando busca novas formas de comercialização, aproximando-se dos consumidores.

Analisando o modelo francês, Sabourin et al (2004) afirmam que a proposta de transição agroecológica se aproxima das alternativas construídas pelos camponeses nos seguintes aspectos: na conversão para sistemas técnicos de agriculturas sustentáveis buscando novas formas de autonomia através do uso de poucos insumos externos e da diversificação nas novas formas de relação com a sociedade e os consumidores, priorizando a qualidade dos produtos, valorização do trabalho e saber camponês, nas novas formas de pensar os mercados buscando cadeias curtas e de proximidades e nas novas formas das atividades agropecuárias através da pluriatividade, multifuncionalidade, solidariedade e ação coletiva.

Nesse aspecto, busca-se construir uma proposta de agricultura que respeite os produtores, os consumidores e a natureza, mediante um pacto social renovado a partir do desengajamento do Estado para as políticas agrícolas que não estavam inseridas nas cadeias agroalimentares controladas por grandes corporações do setor. Esse vácuo foi ocupado criticamente por “projetos produtivos alternativos”, incentivados por setores da sociedade civil como ONG´s, pastorais e representações dos trabalhadores rurais.

O camponês prioriza o sistema de produção baseado na policultura e pecuária através de uma sábia combinação entre diferentes técnicas. Busca a utilização dos subprodutos de um período produtivo para outro, buscando: segurança contra as intempéries e as desigualdades da colheita, além de organizar o trabalho procurando estabelecer os ajustes entre a força de trabalho disponível e o ritmo do trabalho ao longo do ano. Para Wanderley (2001), o camponês tem o horizonte das gerações, quando busca, além da garantia do presente, um projeto da unidade de produção para o futuro. O seu saber tradicional e sua cultura própria é transmissível aos filhos, assim como as regras de parentesco, herança, formas de vida local.

Já Ploeg (2005), afirma que contra as tendências de exclusão provocadas pelo processo de mercantilização de toda a dinâmica da agricultura, o camponês atualmente busca continuar existindo reforçando as seguintes dimensões: Autonomia: novamente criada e simultaneamente convertidas em novas formas de desenvolvimento, em valor agregado, maior rentabilidade e maior nível de emprego; Agricultura mais econômica: distanciamento em relação aos principais mercados de insumos controlados pela agroindústria; Reconexão da agricultura com a natureza: fuga da concepção de produção

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agrícola artificializado em que terra e outros recursos naturais apenas aparecem como substratos para o processo produtivo; Pluriatividade: opções de outras atividades que contribuam para a reprodução familiar enquanto camponesa.

2. O contexto para uma nova concepção de assessoria e agricultura A ideologia produtivista, caracterizada pela necessidade incessante de incorporar

novas tecnologias, se fundamenta na lógica de que a produção aumentada é, intrinsecamente, socialmente desejável e de que todas as partes da sociedade se beneficiam com ela. Porém, oculta o modo de distribuição dos benefícios e custos sociais e ambientais que tais mudanças tecnológicas provocam. O aparente sucesso com o aumento de produtividade, no curto prazo, integra os riscos desse modelo (BUTTEL, 1995).

Os problemas macroecológicos decorrente desse modelo tem tido como reflexo a emergência do paradigma da sustentabilidade, mostrando o lado oculto dessa racionalidade econômica dominante. Para Herrero (1996), a síndrome da mudança global tem gerado uma consciência da insustentabilidade baseada em três fatores: a ameaça à seguridade global derivada da destruição do meio ambiente, ameaçando a economia e a sobrevivência humana; os limites ao crescimento pela impossibilidade de crescimento material ilimitado dentro de um planeta finito; a interdependência entre pobreza e riqueza, intricada na inter-relação entre desenvolvimento humano e meio ambiente.

Mesmo que de maneira não linear, essa percepção tem ganhado espaço na consciência em setores da população global, principalmente na parcela mais consciente com os problemas do mundo atual. Beck (2002), busca mostrar que os riscos provocados pela modernidade têm forçado os indivíduos a uma atitude crítica, formando uma consciência e politização em torno desses riscos que irá contribuir para o que define como o desenvolvimento da sub-política que se propõe a moldar à sociedade de baixo para cima. Nesse caso, “a sub-política se distingue da política porque permite que os agentes externos ao sistema político ou corporativo apareçam no cenário do planejamento social” (BECK, 2002, p. 34).

Mas, mesmo com a reação de setores que estão sofrendo impactos diretos da crise ecológica ou ainda àqueles que ganharam uma consciência ecológica da dimensão do problema, é preciso reconhecer a dificuldade em construir uma nova relação ser humano/natureza que dê substância para encontrar uma saída global para o caráter dramático da crise. Isso porque faz necessárias mudanças profundas no padrão insustentável de produção, inclusive no modelo de agricultura dominante, e de consumo na qual está inserido praticamente toda a população global.

Salvo uma parcela da sociedade que vem assumindo novas atitudes a partir de uma compreensão crítica em relação ao consumo, os setores que ainda estão fora do consumismo é menos por opção e mais em virtude de suas impossibilidades financeiras, porém buscando de diferentes formas adentrarem neste padrão. Portanto, a dificuldade de encontrar uma saída global é real, caracterizando uma crise civilizacional.

No Brasil, paralelo a esse questionamento do modelo produtivista e abordagens alternativas para a atividade agrícola, emerge também críticas e iniciativas que colocam em questão às ações da assistência técnica e extensão rural que impulsionaram esse modelo. Elas advêm primeiramente de instituições da sociedade civil e posteriormente de

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iniciativas governamentais a partir de reivindicações dos movimentos sociais rurais. A experiência em âmbito nacional do Projeto Lumiar (1997-2000) para os assentamentos é um exemplo que ganhou muita visibilidade.

O principal corpo teórico para repensar essa atividade, dando asas para o questionamento do modelo baseado na modernização da agricultura foi o conjunto da obra de Paulo Freire6 com críticas agudas à ação do extensionista como repassador de conhecimentos externos a partir de uma postura autoritária e anti-dialógica perante os agricultores. Mesmo que atualmente o seu enfoque tenha restrições por alguns setores quando busca elaborar uma concepção para a assessoria rural pública, a obra freireana, pela sua densidade analítica e seu caráter libertário, continua viva como referência para trabalhos de assessoria às populações como a dos assentamentos da reforma agrária, vítimas históricas da dinâmica da agricultura capitalista no Brasil.

Parece evidente que a prática da assessoria está sempre ancorada com os propósitos das mudanças que são almejadas para o espaço rural. Na proposta de modernização da agricultura, com seu caráter puramente mecânico, o centro de decisão da mudança não se achava na área em transformação, mas fora dela (FREIRE, 1971). Nesse caso, o pressuposto para o sucesso da intervenção técnica na implementação de um modelo de agricultura em que os insumos e o conhecimento vêm do externo ao local, daí a lógica dos pacotes e transferência de saber, se baseia numa relação vertical e hierárquica entre o técnico e o agricultor, com papéis muito bem definidos: o primeiro como vetor de um conhecimento para ser repassado para o segundo, o receptor.

A permanência e resistência de vastos e diferentes setores sociais como os camponeses, agricultores familiares, sem-terras, arrendatários, entre outros, que não sucumbiram ao processo de modernização da agricultura contribuíram para o surgimento de uma massa crítica no Brasil, significando uma maior visibilidade ao questionamento desse modelo e o surgimento de experiências de agriculturas alternativas, assim como novos enfoques para o trabalho da assessoria centrados em processos participativos com valorização dos potenciais endógenos e com um vínculo com as concepções anti-sistêmicas que colocam em cena outros saberes fundamentais nas práticas sociais de segmentos que resistem ao capitalismo global (SANTOS, 2006).

A busca pela construção social de uma nova agricultura tem contado com uma gama de atores, principalmente ONG´s e movimentos, que desde a década de 1980, usando o termo “agricultura alternativa”, vem questionando, do ponto de vista técnico e social, o sistema agroquímico dominante com suas tecnologias que contribuem para uma maior exclusão de parcelas significativas de agricultores e consolidam uma dependência da agricultura de insumos externos, além de causar impactos irreversíveis ao meio ambiente. Para esses setores, as atividades agrícolas só podem contribuir verdadeiramente para o desenvolvimento rural se elas estiverem intimamente relacionadas, em suas várias dimensões, com as populações locais.

A concepção e prática da assessoria devem estar vinculadas a um projeto mais amplo de busca de maior autonomia dos mercados oligopolizados, à montante e à jusante do setor agroalimentar, além de se conectarem com as elaborações dos setores sociais

6 Entre elas, destacam-se Pedagogia do Oprimido, com publicação em 1970 e Extensão ou comunicação?, lançado, primeiramente, no Chile em 1969 com o título Extensión o Comunicación? La Concientización en el Médio Rural. No Brasil, essa obra foi lançada em 1971.

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globais, principalmente àqueles localizados na periferia do capitalismo, que estão construindo processos de resistências contra a acumulação por espoliação7 através de formas capital-intensivas de produção agrícola, resultando na mercadificação por atacado da natureza em todas as suas formas (HARVEY, 2004).

Nesse sentido, a ênfase no debate e elaborações em torno da agroecologia como referência alternativa ao modelo produtivista. Essas buscas por novos caminhos e novos paradigmas de produção e de percepção sobre o rural e sua população que, sem desconsiderar seus dilemas, enxergam nesse ambiente um lugar singular, mas não isolado, que pode contribuir com perspectivas mais sustentáveis social e ambientalmente. Diante disso, mesmo sem se deter especificamente sobre o rural, campesinato ou agricultura familiar, algumas abordagens teóricas ajudam a compreender as características do mundo contemporâneo e os desafios de resistência e construção de alternativas para segmentos que, igualmente à população rural, são marginalizados pelo processo histórico de desenvolvimento do capitalismo, inclusive na sua fase atual.

Para Boaventura dos Santos (2006), é preciso emergir análises sociológicas que se contraponham a banalização da injustiça e da violência, reconstruindo o inconformismo e a indignação através de imagens e subjetividades desestabilizadoras que coloquem em cena outros saberes. Isso significa romper com o que ele define como a razão indolente ocidental que nega a existência social, econômica, cultural e política de tudo aquilo que não se apresenta no formato hegemônico da matriz institucional da globalização neoliberal.

Para pensar a resistência à exclusão e as possibilidades para a sua superação, Carvalho (2002) apóia-se no poder da identidade, referenciado nas obras de Castells da sociedade em rede e na capacidade de reação dos excluídos da globalização que, a partir de suas identidades coletivas e singulares, constroem a resistência e a possibilidade de projetos alternativos. A “Comunidade de resistência e de superação” proposta por Carvalho (2002) não é calcada no parentesco ou vizinhança, mas naquela surgida a partir da sociedade em rede que ao mesmo tempo em que impõe padrões comuns, propicia reações locais que nascem marcadas pela ampliação da comunicação e pelas novas práticas sociais (CASTELLS, 1999).

O conceito de multidão trabalhado por Hardt & Negri (2005) pode ajudar a pensar outras estratégias de participação e intervenção popular, inclusive no espaço rural. Pois ele abarca diferentes culturas e visões de mundo através de redes de partilha e possibilidades de colaboração de diferentes atores no que é comum dentro dessa rede, facilitado pelos avanços da comunicação. Ou ainda na história aberta descrita por Lowy (2005), retratando o pensamento de Walter Benjamin, quando afirma que o novo é possível porque o futuro não é conhecido antecipadamente através de leis naturais evolutivas. Para ele, nesse momento é essencial romper com a cultura positivista e produtivista hegemônicas. Mais do que isso, é necessário

Dar mais atenção aos movimentos internacionalistas contra a globalização neoliberal, e ao projeto da ecologia social de reconstrução de equilíbrio harmonioso entre as sociedades humanas e a natureza – em ações eminentemente universais, uma vez que concernem à humanidade em seu conjunto (LOWY, 2005, p. 153).

7 De acordo com Harvey (2004), a acumulação por espoliação se realiza a partir de um conjunto de processos, muitos deles violentos, que proporcionam ao capital um fundo de ativos, inclusive mão-de-obra a baixo custo.

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3 O Território do Mato Grande O município de Pedra Grande, onde está inserido o Assentamento Bonsucesso,

integra o Território do Mato Grande, é um dos três Territórios da Cidadania no Rio Grande do Norte. Apresenta uma área de 5.758,60 quilômetros quadrados e é formado pelos municípios de Bento Fernandes, Caiçara do Norte, Ceará - Mirim, Jandaíra, João Câmara, Maxaranguape, Parazinho, Pedra Grande, Poço Branco, Pureza, Rio do Fogo, São Bento do Norte, São Miguel do Gostoso, Touros e Taipu. Com uma população 203.499 habitantes, dos quais 105.371 (51,78%) vivem na área rural.

Essa região foi o cenário, no Rio Grande do Norte, da retomada da luta pela conquista da terra em grande escala no início da década de 1990, significando a consolidação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST no estado. A principal conseqüência desse processo é a atual existência de um grande número de assentamentos, contribuindo para a permanência de uma significativa população rural, além de uma dinâmica socioeconômica em torno da agricultura familiar e camponesa.

Nesse cenário, e particularmente em Pedra Grande, desenvolve-se uma agricultura diversificada tendo como principais produtos a mandioca, o caju e feijão, além de uma pecuária pouco dinâmica de corte e leite com vistas ao mercado de Natal. Um fator limitante ao desenvolvimento agrícola é a deficiência de água decorrente das características das chuvas concentradas em alguns meses do ano e ausência de infra-estrutura suficiente para aproveitar os recursos hídricos existentes. Na maior parte desse território, não é propício para açudes em virtude das características dos solos muito arenosos, impossibilitando a retenção da água.

3.1 O Assentamento Bonsucesso em Pedra Grande O Assentamento Bonsucesso, desapropriado e criado pelo INCRA em setembro de

1996, está localizado no município de Pedra Grande, nordeste do Estado do Rio Grande do Norte e com população aproximada de 4.017 habitantes. Bonsucesso é constituído de uma agrovila, possuindo uma comunidade de 69 famílias e em torno de 355 habitantes. A agrovila fica a 3 km da área urbana desse município, facilitando o fluxo de sua população do Assentamento para a cidade.

O principal acesso a esse município, partindo de Natal capital do Rio Grande do Norte, se dá pela rodovia BR-406 que liga Natal a João Câmara. Após 5 km desta cidade, toma-se a RN-120, também asfaltada, percorrendo mais 46 km até chegar em Pedra Grande, passando pelo município de Parazinho.

Através do sistema viário regional, o assentamento tem acesso a importantes centros regionais e locais de consumo, distando de Natal 133 km, de João Câmara 40 km e a 32 km de São Miguel do Gostoso. Diretamente por conexões locais, o assentamento mantém, ainda com mais freqüência, relações comerciais com as cidades mais próximas de Pedra Grande a 3 km e de Parazinho a 8 km. A seguir, tem-se um mapa do Território do Mato Grande (Figura 1), destacando o município de Pedra Grande.

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Figura 1 – Território de Mato Grande (destaque para o município de Pedra Grande)

Fonte: http://sit.mda.gov.br/images/mapas/caderno/tr_055_mato_grande_rn_fev_2008.jpg

4. A transição agroecológica e a experiência em Bonsucesso Em uma perspectiva de transição agroecológica, o mais importante para os sistemas

produtivos tradicionais, que não incluíram práticas de manejo e insumos do pacote da revolução verde como a lógica da monocultura e o uso intensivo de produtos químicos como essenciais nas suas atividades, é a valorização de suas práticas como ponto de partida para ampliá-las com os conhecimentos que a agroecologia vem acumulando nesses últimos anos. Isso porque, nesse caso, o ambiente e os recursos naturais não foram devastados, significando um maior equilíbrio do entorno e uma possibilidade de avançar nas práticas conservacionistas.

Já em sistemas que aderiram de forma intensiva à agricultura convencional, é necessário definir uma estratégia de transição de longa duração que significa construir os passos por onde e como começar. Pois, por exemplo, recuperar o solo que vinha sendo explorado intensivamente com fertilizantes e uso de agrotóxicos, substitui métodos convencionais de controle de pragas e doenças é um trabalho lento e paciencioso que exige vários anos. (GUTERRES, 2006).

A idéia da transição agroecológica significa ir além da substituição de insumos. Nesse sentido, é necessário demarcar a diferença entre agricultura alternativa, compreendida como um conjunto de práticas e tecnologias que permitem a utilização de certos insumos e não de outros e Agroecologia que é considerada como uma ciência que apresenta uma série de princípios e metodologia para estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossistemas, que busca não apenas a substituição de práticas convencionais baseadas no uso intensivo de insumos químicos por práticas também intensivas de insumos naturais, possibilitando a manutenção de outras dimensões essenciais como a dependência

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tecnológica exógena, que termina por excluir a produção em pequena escala, mantendo a mesma estrutura fundiária e social.

Uma perspectiva de transição agroecológica é mais do que somente a ecologia aplicada na atividade agrícola. Ela precisa assumir uma dimensão política e cultural, à medida que se amplia no sentido de incluir os seres humanos e seus impactos sobre ambientes agrícolas. Pois,

Os sistemas agrícolas se desenvolvem como resultado da co-evolução que ocorre entre cultura e ambiente, e uma agricultura verdadeiramente sustentável valoriza o componente humano, bem como o ecológico, e a interdependência que pode desenvolver-se entre ambos (GLIESSMAN, 2000, p. 590).

Para pensar o processo de transição agroecológica é fundamental um novo enfoque

social para a agricultura e o desenvolvimento rural, construindo aspectos de conservação dos recursos naturais, viabilidade de atividades em pequena escala e métodos ecológicos modernos para uma atividade produtiva que, tenha como ponto de partida, o conhecimento e os recursos locais e que seja, ao mesmo tempo, sustentável e com um grau de produtividade capaz de gerar produção diversificada que propicie condições de reprodução social das famílias e comunidades camponesas.

Para Costabeber (2004), a transição agroecológica é o processo gradual de mudança através do tempo nas formas de manejo e gestão dos agroecossistemas, tendo como meta a passagem de um sistema “convencional” (que pode ser mais ou menos dependente de insumos externos) a outro que incorporem princípios, métodos e tecnologias com base ecológica em um processo de ecologização da atividade produtiva, sem ter um momento final determinado.

Já para Gliessman (2000), diversos fatores estão encorajando os produtores a começarem esse processo de transição para a sustentabilidade, entre eles: a baixa margem de lucro das práticas convencionais, o desenvolvimento de novas práticas ecológicas que são vistas como viáveis, o aumento da consciência ambiental entre produtores, consumidores e governantes e, crescente mercado para produtos agrícolas cultivados e processados de forma alternativa.

Especificamente, sobre o processo produtivo, esse autor vai listar três passos que acredita representar níveis diferenciados no processo de transição agroecológica:

a) O incremento das práticas convencionais para reduzir o uso e consumo inputs caros, escassos e daninhos ao meio ambiente;

b) A substituição de inputs e práticas convencionais por práticas alternativas;

c) O redesenho do agroecossistema para que funcione em base a um novo conjunto de processos ecológicos. Considerado o processo mais difícil.

4.1 A experiência de Bonsucesso No Assentamento Bonsucesso, em meados do segundo semestre de 2005, foi

formado um grupo com nove assentados (todos homens) com o objetivo de impulsionar uma atividade na área coletiva do assentamento, visando geração de renda para suas

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famílias. O ponto de partida foi a elaboração de um projeto de irrigação para o Programa de Desenvolvimento Solidário – PDS, coordenado pelo governo do Rio Grande do Norte com financiamento e monitoramento do Banco Mundial.

O Projeto foi aprovado. Nele continha um sistema de irrigação para 2 hectares e o pacote de insumos para o plantio de melão (sementes, fertilizantes e agrotóxicos). Porém, como o recurso tardou para ser liberado, tinha acontecido uma defasagem em relação ao orçamento inicialmente previsto, impossibilitando assim o início das atividades. A TECHNE8, que estava iniciando um trabalho de assessoria neste assentamento pela ATES9 aceitou fazer um empréstimo de R$ 800,00 ao grupo para viabilizar o início da experiência.

De acordo com o técnico da TECHNE, foi colocada nos primeiros momentos com o grupo, a visão da instituição sobre a insustentabilidade, produtiva e ambiental, dessa opção em trabalhar com o melão através de pacotes agroquímicos, inclusive, baseado nas experiências que outros assentamentos tiveram com essa cultura na Região Oeste do estado, principalmente no município de Baraúna. Em contrapartida, o grupo se mostrou aberto em buscar construir uma transição produtiva baseada na diversificação da produção e substituição dos insumos químicos por fertilizantes e controle de pragas e doenças com produtos naturais endógenos.

O modelo convencional, caracterizado pelo uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes químicos foi o que predominou no início da atividade. Porém, à medida que o tempo avançava, a experiência ia mostrando seus problemas. Após a terceira colheita do melão, o grupo começou a perceber as dificuldades com essa cultura, inclusive os limites e riscos dessa atividade, voltada essencialmente para o comércio externos e um custo elevado para a produção, além de ser um produto muito perecível, fragilizando os produtores e fortalecendo o atravessador que sabe que os produtores não têm muita “margem de manobra”, ou vende o melão, ou ele rapidamente se estraga.

Desde então, foram aprofundando a discussão com o grupo, tanto sobre as conseqüências da opção pela produção convencional como a importância de iniciar novas experiências, inclusive re-valorizando práticas e culturas que são tradicionais na região, que eles tinham conhecimento e que historicamente foram à base para a alimentação da população local. Outro aspecto trabalhado no início foram os impactos no solo, no ambiente e na própria saúde das pessoas do grupo com a convivência cotidiana com produtos químicos. Nesse aspecto, aqui a re-significação foi muito importante, quando deixaram de chamar os produtos usados no controle de pragas e doenças de defensivos, aparentemente inofensivos que apenas defendem a cultura do melão, para caracterizá-los como agrotóxicos, dando-lhes um sentido de veneno, de perigo, significou uma reflexão sobre seu uso.

Diante dessa realidade a assessoria iniciou um processo de discussão com o grupo para buscar uma alternativa de transição produtiva, baseadas em práticas de conservação dos recursos naturais, diversificação da produção e priorização do comércio local, além da ênfase na soberania alimentar das famílias envolvidas como essencial para ser alcançada. Trazendo para a reflexão do grupo alguns aspectos como, por exemplo, o significado de no 8 Cooperativa de Trabalho Multidisciplinar Potiguar – TECHNE, criada em abril de 1988, com experiência em assessoria em áreas de assentamento, desde o Projeto Lumiar (1997-2000), integrante da Rede Pardal e que tem na agroecologia o referencial norteador de suas atividades. 9 Assessoria Técnica Social e Ambiental. Política pública de assessoria específica aos assentamentos da reforma agrária, sob a coordenação do INCRA.

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fim do dia de trabalho ter algo para levar para alimentar os animais criados no quintal e para a própria família.

Essas percepções podem ser comprovadas no depoimento de um dos componentes do grupo sobre o custo dos insumos para produzir o melão “estamos trabalhando para a loja” . A loja a que ele se refere é o comércio onde eles adquirem a semente, os fertilizantes e os agrotóxicos. Ou ainda, nessa fala de outro integrante do grupo:

No dia que a TECHNE passou um vídeo, mostrando agricultores que sempre levavam alguma coisa para casa, eu fiquei pensando, será que um dia a gente também vai conseguir isso? E hoje, é difícil um dia para a gente não levar coisa para um animal ou prá gente comer.

Esse novo olhar, (re)descobrindo práticas e possibilidades, vai contribuindo para

ganhar confiança, além de abrir canais para ir além na perspectiva da transição, saindo da lógica da monocultura e adentrando em processos baseados na diversificação, inclusive com plantações mais bem aceitas no comércio regional. Isso não significa que ainda não estejam presentes no grupo, ou em alguns de seus componentes, aspectos fundamentais da agricultura convencional como a única com viabilidade financeira. Eles continuam usando agrotóxicos e fertilizantes químicos, porém em uma quantidade muito inferior ao que se usavam anteriormente. Nota-se também que o grupo hoje é mais sensível às proposta da agroecologia, mesmo sem ter clareza de como fazer essa transição.

4.2 Um passo na diversificação O grupo começou a se constituir em uma referência no território do Mato Grande e

no próprio Rio Grande do Norte. Isso se deu, inicialmente pela sua capacidade em desenvolver as atividades de forma coletiva e com distribuição de tarefas. No entorno e no próprio assentamento, várias tentativas de ações nessa perspectiva foram frustradas, em que em pouco tempo terminava se desfazendo e individualizando as atividades. O outro aspecto que chamou atenção, como realçado anteriormente, foram as mudanças que o grupo começou a implementar com a diversificação da produção, uma maior preocupação com o autoconsumo e a disposição em buscar fazer a transição para a agroecologia.

Esses fatores o credenciaram para se integrarem no Projeto Semeando Agroecologia da Rede Pardal10 em que além de um acompanhamento sistemático, está propiciando ao grupo atividades de capacitação e um constante processo de intercâmbio com os outros grupos que participam do projeto. Além disso, o grupo foi beneficiado com um recurso, disponibilizado aos 35 grupos, para fazer um investimento em suas atividades.

Após uma série de discussão com apoio da assessoria técnica, o grupo decidiu fazer uso desse recurso para adquirir um rebanho de 20 matrizes de ovino e 01 reprodutor como estratégia para avançar na diversificação da produção e das possibilidades de alimento para

10 A Rede Pardal é uma articulação de entidades de assessoria rural que tem em comum a opção pela agroecologia. O Projeto Semeando Agroecologia, de duração de três anos, iniciado em 2007, abrange 35 grupos do estado que desenvolvem atividades em uma perspectiva agroecológica e de economia solidária com apóio às feiras livres em alguns municípios como São Miguel do Gostoso, Apodi, Janduís e Governador Dix-Sept Rosado. Tem a parceria da AVSF (Agrônomo e Veterinários Sem Fronteiras) e com financiamento da União Européia. Mais informações: www.redepardal.com.br

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consumo familiar e geração de renda. A lógica era que uma parte da produção da alimentação desses animais deveria vir dos restos de cultura do plantio da área coletiva. A outra parte viria da mata nativa e do plantio de forragem a ser feita, tanto no espaço coletivo como nos lotes individuais.

Uma outra vantagem da criação de ovinos vista pelo grupo é a produção de esterco dos animais que pode ser usado diretamente ou fazer composto para, posteriormente, ser usado na adubação da área coletiva. Como o grupo compra fertilizantes químicos, estava percebendo o aumento constante de preço desses insumos, que terminava sendo acompanhado pelo esterco.

O grupo estava inadimplente junto ao Pronaf11. Nas discussões com a assessoria foi analisado a possibilidade de negociarem com o banco como condição de acesso a novos projetos. Nesse processo surgia a dúvida sobre as vantagens e desvantagem, já que teriam que desembolsar ou vender algum animal para saírem da inadimplência, sem a certeza se conseguiriam novos créditos. Após um longo período de discussão, uma parte do grupo foi negociando suas dívidas e fazendo seus projetos, 05 deles já receberam o crédito, investindo em vacas e plantio de forragens. Os outros componentes do grupo já negociaram e seus projetos estão em andamento. Pensam em aproveitar o leite para fazer queijo e manteiga.

4.3 O aspecto de gênero

11 Todas as famílias acessaram o PRONAF A em 1997. O resultado foi desastroso. Todas ficaram inadimplentes, sem condições de acessarem novas linhas de crédito.

Figura 02 – Diversidade da produção agrícola na área coletiva em Bonsucesso Fonte: Intercâmbio estudantes do CEFEF

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No início, o grupo era formado apenas por nove homens que estavam trabalhando

na área coletiva. Paralelo a esse grupo, a assessoria técnica da TECHNE acompanhava um grupo de mulheres que estava se formando, incentivadas pela discussão de gênero, de maior participação das mulheres na vida do assentamento. Foi negociada com o grupo a possibilidade de uma parte da área coletiva ser usada para esse recém-formado grupo de mulheres para que elas pudessem iniciar uma atividade produtiva com hortaliças, aproveitando a água do poço já existente. A proposta foi aceita e cinco mulheres começaram o trabalho.

Porém, em virtude das dificuldades com a falta de infra-estrutura para a produção, a maioria não viu perspectivas na atividade e terminou abandonando essa experiência, ficando apenas uma delas. Posteriormente, entrou uma esposa de um integrante do grupo, contribuindo com a consolidação dessa atividade específica na área coletiva. É um subgrupo das mulheres dentro do grupo.

O que tem diferenciado a atividade dessas duas mulheres, em comparação aos homens, é que elas absorveram a idéia, mesmo que de forma genérica, da agroecologia. Na horta que elas cuidam não é feito uso de nenhum tipo de insumo químico, como comprova essa declaração de Nicinha, que é a principal referência dessa experiência:

Estou a mais de um ano trabalhando na horta coletiva com uma outra amiga, mas nunca usamos veneno. Aplicamos para matar as pragas usamos inseticidas a base de cal e cinza e deu certo. Na nossa horta não tem veneno.

Atualmente, a produção da horta de Bonsucesso, juntamente com a de outra horta

existente no Assentamento de Canto da Ilha de Cima e também assessorada pela TECHNE, distante a 23 km de Bonsucesso, tem atendido semanalmente a um grupo de consumidores de 30 pessoas, em Natal, através de sextas contendo frutas e verduras agroecológicas. Essa experiência motivou o grupo a conquistar consumidores na própria cidade de Pedra Grande e distritos próximos. Segundo Nicinha, são mais de 40 famílias no município que estão comprando, semanalmente, os produtos da horta.

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Alunos dos cursos de Tecnologia em Gestão Ambiental e Licenciatura em Geografia, do CEFET-

RN, visitam a experiência no assentamento Bonsucesso. 5 Algumas considerações preliminares

De acordo com o que se buscou relatar acima, esses agricultores e agricultoras experimentaram muitas das práticas do pacote da revolução verde. Isso não significa que ainda não tragam consigo práticas tradicionais, características do campesinato. Mas, no primeiro momento, foi visto que elas estavam marginalizadas nas suas estratégias de reprodução social.

Por um lado, a agricultura convencional, através dos insumos químicos e da monocultura, continua muito forte na região do Mato Grande, inclusive pela migração de vários produtores de melão que vieram do Oeste Potiguar e estão comprando e/ou arrendando terras no Mato Grande para o plantio daquela cultura. Essa presença recente instiga o imaginário dos agricultores familiares e do próprio grupo em optar por essa atividade. Além do melão, tem também, entre outras, as culturas do tomate e jerimum produzidas dentro do pacote agroquímico.

Também é importante acrescentar o incentivo da Petrobrás e órgãos públicos para o plantio de oleaginosas como, o girassol, para a produção de biodiesel, reproduzindo, sem remendos, o pacote nos moldes da revolução verde em que todos os insumos são exógenos ao local, inclusive as próprias culturas a serem plantadas. Essas tendências e opções macro nas políticas para a região criam uma tensão no grupo entre uma proposta mais sustentável que se aproxime da agroecologia ou uma lógica de agricultura convencional mais voltada à produção para mercados distantes e oligopolizados.

Portanto, acredita-se que a experiência no assentamento Bonsucesso não é idêntica ao de setores do campesinato que tiveram pouco contato com as inovações impulsionadas pela revolução verde, assim como também não são iguais aos de agricultores agroecológicos que estão convencidos da importância dessa proposta e que, portanto,

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praticam de forma consciente e militam, de diferentes formas, em defesa da agroecologia. Pelo menos, não e a realidade da maioria do grupo.

Acredita-se, contudo, que o grupo evoluiu bastante desde a sua fundação, em alguns aspectos que se baseiam na agroecologia. Mas, partindo-se do pressuposto de que não existem opções "puras", elas estão sempre recheadas de contradições por trazerem consigo práticas "agroecológicas" e "convencionais" sem muita reflexão sobre ambas. E nesse aspecto, a hipótese da transição agroecológica sem ponto de chegada garantida se constituiu numa possibilidade real da afirmação do grupo pela agroecologia. É evidente que esse processo depende de fatores internos ao grupo como sua dinâmica de funcionamento e êxito nas suas atividades, assim como das opções de políticas públicas mais gerais que, positiva ou negativamente, certamente irão impactar a existência do grupo. 6 Referência Bibliográfica ABRAMOVAY, R. Agricultura familiar e serviço público: novos desafios para a extensão rural. In: Cadernos de Ciência e Tecnologia. Brasília: Embrapa, v.15, n.1, jan/abr, 1998. _______________. Estratégias alternativas para a extensão rural e suas conseqüências para os processos de avaliação. Congresso Brasileiro de Economia, Administração e Sociologia Rural, XLV, Londrina. Anais, 2007. ALMEIDA, J. A construção social de uma nova agricultura. Porto Alegre: Ed. Universitária/UFRGS, 1999. BASTOS, F. Ambiente institucional no financiamento da agricultura familiar. Campinas: Editora Polis, 2006. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural. Brasília: MDA, 2004. BUAINAIN, A. (Coord.) et al. Agricultura familiar e inovação tecnológica no Brasil: características, desafios e obstáculos. Campinas: Editora UNICAMP, 2007. BUTTEL, F.H. Transiciones agroecológicas em el siglo XX: análisis preliminar. Em: Agricultura y sociedad. Nº 74 ene.mar./1995. CARVALHO, C. Agroecologia, movimento social e campesinato no Agreste. (Tese de Doutorado). Campina Grande: UFCG, 2008. (mimeo). CARVALHO, H. Comunidade de resistência e de superação. Curitiba: Mimeo, 2002 CAPORAL, F.; COSTABEBER, J. Agroecologia e Extensão Rural: contribuições para a promoção do desenvolvimento rural sustentável. Brasília: MDA/SAF/DATER, 2004. CAPORAL, F. Política Nacional de ATER: primeiros passos de sua implementação e alguns obstáculos e serem enfrentados. In: Assistência Técnica e Extensão Rural: construindo o conhecimento agroecológico. Edições Bagaço: 2006. CASTELLS, M. O poder da identidade. A era da informação: econômica, sociedade e cultura; Vol. 02. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1999. CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo/SP: Editora Xamã, 1996. COELHO, F. A arte das orientações técnicas no campo: concepção e métodos. Viçosa: Editora UFV, 2005. DIAS, M. Extensão para agricultores assentados: uma análise das boas intenções propostas pelo “serviço de ATES”. Brasília/DF: Caderno de Ciência & Tecnologia, 2004. DIAS, M (Org.) Extensão rural para qual desenvolvimento? Abordagens atuais sobre Extensão Rural. Universidade Federal de Viçosa, 2007.

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