desenvolvimento pós-embrionário dos decápoda

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Saude & em revista Ambiente FASES DO DESENVOLVIMENTO LARVAR E METAMORFOSE EM CRUSTACEA DECAPODA – ARTIGO DE REVISÃO 1,2 Lohengrin Dias de Almeida Fernandes 2 Sérgio Luiz Costa Bonecker 1 Instituto de Biociências, Universidade do Grande Rio – Prof. José de Souza Herdy – 2 UNIGRANRIO; Instituto de Biologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Resumo Crustáceos formam um grupo heterogêneo de artrópodos freqüentemente com pelo menos duas fases distintas na vida: fase larvar e fase adulta. Este modelo clássico de desenvolvimento com uma fase larvar é denominado indireto ou metamórfico, devido à existência de uma mudança radical no plano corporal básico. No entanto, sabe-se atualmente que existem muitos padrões de desenvolvimento e diferentes larvas. Os diferentes conceitos de larvas usados na atualidade geram problemas de identificação de novas espécies e de taxonomia em geral. Atualmente, o modelo de desenvolvimento mais aceito para os crustáceos inclui até quatro fases larvares separadas por mudanças morfológicas e de comportamento (metamorfose). No presente trabalho, são fornecidos argumentos que buscam uma melhor definição das fases do desenvolvimento dos crustáceos. Palavras-chave: Crustacea, metamorfose, desenvolvimento larvar. Abstract Crustaceans form a heterogeneous group of Arthropods commonly with at least two distinct phases in its life: larval phase and adult phase. This classic concept of development which includes a larval phase is called indirect or metamorphic because the existence of radical changes into a new bauplan. However, we know now that there are many patterns of development and also many distinct larvae. Different concepts of larvae used in the present result in misidentification of new species and a taxonomic problem. Currently, the main pattern of development for the crustaceans includes up to four larval phases, each one exhibiting distinct morphology and behavior. In the present work, new arguments are provided towards a best definition of the developmental phases for the crustaceans. Keywords: Crustacea, metamorphosis, larval development. 11 Saúde & Ambiente em Revista, Duque de Caxias, v.1, n.2, p.11-17, jul-dez 2006

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Page 1: Desenvolvimento Pós-embrionário Dos Decápoda

Saude &

em revista

Ambiente

FASES DO DESENVOLVIMENTO LARVAR E METAMORFOSE

EM CRUSTACEA DECAPODA – ARTIGO DE REVISÃO

1,2Lohengrin Dias de Almeida Fernandes2Sérgio Luiz Costa Bonecker

1 Instituto de Biociências, Universidade do Grande Rio – Prof. José de Souza Herdy – 2UNIGRANRIO; Instituto de Biologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ.

Resumo

Crustáceos formam um grupo heterogêneo de artrópodos freqüentemente com pelo

menos duas fases distintas na vida: fase larvar e fase adulta. Este modelo clássico de

desenvolvimento com uma fase larvar é denominado indireto ou metamórfico, devido à

existência de uma mudança radical no plano corporal básico. No entanto, sabe-se

atualmente que existem muitos padrões de desenvolvimento e diferentes larvas. Os

diferentes conceitos de larvas usados na atualidade geram problemas de identificação de

novas espécies e de taxonomia em geral. Atualmente, o modelo de desenvolvimento mais

aceito para os crustáceos inclui até quatro fases larvares separadas por mudanças

morfológicas e de comportamento (metamorfose). No presente trabalho, são fornecidos

argumentos que buscam uma melhor definição das fases do desenvolvimento dos

crustáceos.

Palavras-chave: Crustacea, metamorfose, desenvolvimento larvar.

Abstract

Crustaceans form a heterogeneous group of Arthropods commonly with at least two

distinct phases in its life: larval phase and adult phase. This classic concept of development

which includes a larval phase is called indirect or metamorphic because the existence of

radical changes into a new bauplan. However, we know now that there are many patterns of

development and also many distinct larvae. Different concepts of larvae used in the present

result in misidentification of new species and a taxonomic problem. Currently, the main

pattern of development for the crustaceans includes up to four larval phases, each one

exhibiting distinct morphology and behavior. In the present work, new arguments are

provided towards a best definition of the developmental phases for the crustaceans.

Keywords: Crustacea, metamorphosis, larval development.

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Introdução

Crustáceos formam um grupo

heterogêneo de espécies animais com

hábitos de vida distintos. A maioria, no

entanto, tem em comum pelo menos um

período da vida no ambiente pelágico,

geralmente uma larva, com altas

densidades e freqüências em todos os

oceanos. Durante esses períodos, é comum

alcançarem densidades altas o suficiente

para representarem o segundo grupo mais

abundante nas regiões costeiras brasileiras,

superados apenas por copépodes (Brandini

et al. 1997).

A maioria das espécies de crustáceos

conhecidas atualmente troca o ambiente

pelágico por uma vida adulta bentônica.

Antes mesmo dessa mudança, durante o

desenvolvimento larvar, diferentes fases

experimentam formas de vida distintas,

umas dependentes dos apêndices cefálicos

para natação e captura de alimentos, e

outras com morfologia e hábitos similares

aos dos adultos (Anger 2001). Nesse

sentido, pode haver pouca semelhança na

morfologia e no comportamento entre as

fases iniciais e as fases reprodutivas,

separadas no tempo por sucessivas mudas

(Gore 1985). Essas mudanças morfológicas

experimentadas pela maioria das espécies

de crustáceos representam freqüentemente

um desafio ao taxonomista que não conheça

previamente o desenvolvimento larvar

(figura 1).

Não são raros os casos de espécies

que recebem nomes distintos para alguma

fase do desenvolvimento larvar (tabela 1) e

simultaneamente para o adulto. De acordo

com o Cód igo In te rnac iona l de

Nomenclatura Zoológica (ICZN 2000) um

nome novo não se torna inválido se baseado

em apenas uma parte do animal ou um

estádio de seu ciclo de vida. No entanto,

quando se combina as cerca de 40 mil

espécies de crustáceos viventes (Brusca e

Brusca 2003) com as diferentes fases

larvares (nauplius, zoea, etc), o número de

planos corporais aumenta e dificulta a

identificação do taxonomista.

Tabela 1: Nomenclatura utilizada por alguns autores para

as fases do desenvolvimento larvar de Decapoda.

Em síntese, a importância em se

estudar larvas de crustáceos pode ser

exemplificada pelas palavras de Martin &

Davis (2001, p. 9): “...estudos de

sistemática e filogenia de crustáceos

envolvem há muito os caracteres larvares.

Para muitos grupos de crustáceos, um

estudo das relações sistemáticas é um

estudo da larva...”. Scheltema (1975) vai

a l ém e a c re s cen ta o pape l do

desenvolvimento larvar na dispersão de

populações, no fluxo gênico e na busca por

locais com as melhores condições à

sobrevivência.

O objetivo do presente trabalho é

redefinir as fases do desenvolvimento com

Figura 1: Modelo tradicional

de desenvolvimento ontogenético

para os crustáceos.

Autor Fases seqüenciais do desenvolvimento

I II III IV

Ortmann (1893) nauplius protozoea e zoea mysis e macrura megalopa

Heldt (1938) nauplius protozoea mysis pós-larva

Gurney (1942) nauplius protozoea zoea pós-larva

Barnich (1996) nauplius protozoea zoea decapodito

Pohle et al.(1999) nauplius protozoea mysis decapodito

Anger (2001) nauplius zoea decapodito

Fernandes (2006) nauplius protozoea zoea (=mysis) decapodito

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base na revisão dos principais conceitos

aplicados por diferentes autores à ontogenia

dos crustáceos. A definição clara de cada

fase deve ajudar a esclarecer quantas são e

onde estão as metamorfoses no

desenvolvimento, fato ainda pouco

estudado na literatura.

Revisão da Literatura

A primeira descrição de uma larva de

crustáceo decápode data de 1767, quando

Linnaeus descreveu Cancer germanus,

pensando se tratar de um indivíduo adulto.

Pouco tempo depois, em 1778, foi a vez de

Slabber, cuja descrição de Monoculus taurus

foi baseada em larvas. Outras espécies

foram descritas a partir de larvas, incluindo

Zoea pelagica Bosc 1802, Zoea clavata Bosc

1802 e Megalopa armata Leach 1813, cujos

gêneros tornaram-se as denominações

atualmente mais usadas para as fases

larvares dos braquiuros (Williamson 1915;

Gurney 1942; Williamson 1982). Esses e

outros gêneros (larval genera, sensu

Gurney 1942) são usados na atualidade

como denominações particulares das fases

larvares de determinados grupos

taxonômicos (tabela 2).

Apesar de não haver consenso sobre

quem reconheceu a existência de uma fase

larvar no ciclo de vida dos decápodes

(Gurney 1942; Williamson 1982; Anger

2001), um dos primeiros seguramente foi

Thompson (1828). A partir da constatação

de que dos ovos de Cancer pagurus

eclodiam zoeas, Thompson afirmou que os

crustáceos decápodes passam ao longo do

desenvolvimento por uma metamorfose e

concluiu que todas as espécies do gênero

Zoea t ra tavam-se de descr i ções

equivocadas da primeira fase larvar dos

braquiúros. Foram necessários 12 anos e

muita discussão até que se aceitou

definitivamente a existência de uma

metamorfose para a maioria dos crustáceos

decápodes. Apesar disso, a correta

identificação da fase do desenvolvimento

em que um indivíduo se encontra é ainda

hoje difícil e controversa. De acordo com

Minelli et al. (2006), o modelo atualmente

mais aceito para o desenvolvimento

ontogenético dos artrópodes considera o

intervalo entre mudas na divisão de fases,

estádios, estágios e instares. A

metamorfose, que poderia auxiliar na

divisão das etapas do desenvolvimento, é

geralmente associada a apenas uma

mudança brusca no modo de vida do

indivíduo, sem relação com as fases.

E s s a v i s ã o t r a d i c i o n a l d e

desenvolvimento indireto, em que as fases

anteriores à metamorfose são consideradas

como larvas e aquelas posteriores como

adultos, não se aplica satisfatoriamente, por

exemplo, a insetos holometábolos e a

crustáceos decápodes. Nesses casos, entre

o período larvar e o adulto existe uma fase

de transição denominada pupa ou pós-larva.

Mas nem todas as espécies seguem esse

modelo de desenvolvimento e, como

conseqüência, muitos autores ainda

utilizam uma denominação particular para

cada família ao invés de uma única e

padronizada para todas as famílias, como

proposta por Wi l l iamson (1982).

Geralmente, o nome original do gênero é

aplicado àquela fase do desenvolvimento

(larval genera) e assim, Zoea tornou-se

zoea – primeira fase do desenvolvimento de

Brachyura, Phyl losoma tornou-se

phyllosoma – primeira fase de Palinuridae,

dentre outros. Esses gêneros descritos a

partir de indivíduos não-adultos tornaram-

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se em sua maioria sinônimos de espécies

anteriormente descritas (tabela 2).

Tabela 2: Fases larvares, número de estádios

correspondentes e principais gêneros descritos a partir de

larvas em algumas famílias de crustáceos decápodes.

Larval genera referem-se a gêneros descritos com base em

larvas.

Discussão

Como nos demais artrópodos, desenvolvimento e

crescimento em decápodos aparentam ser processos

descontínuos. Os caracteres morfológicos e de

comportamento das fases iniciais do desenvolvimento de

um crustáceo decápode, tais como a forma do corpo, o

número de apêndices e a profundidade de permanência na

água, não correspondem geralmente àqueles das formas

adultas. As mudanças, mais ou menos graduais, que

conduzem a forma larvar até a forma final definitiva

freqüentemente acontecem sincronizadas a ciclos de muda

e sob o controle hormonal, como apontado por Wenner

(1985), Anger (2001) e Minelli et al. (2006).

Nos casos em que as diferenças entre estádios

seqüenciais são consideradas “sutis”, usualmente quando

envolvem no máximo o ganho ou a perda de poucas cerdas,

o desenvolvimento é considerado anamórfico (Knowlton

Família Fases Estádios Larval genera

Penaeidae Nauplius

Protozoea

Zoea

Decapodito

3-9

3

2-5

1-6

Cerataspis Gray 1828

Cryptopus Latreille 1834

Loxopis Dana 1852

Rachitia Dana 1852

Sergestidae Nauplius

Protozoea

Zoea

Decapodito

2

3

2

muitos

Elaphocaris Dohrn 1870

Acanthosoma Claus 1863

Mastigopus Leuckart 1853

Podopsis Thompson 1829

Sciacaris Bate 1888

Xylaphocaris Bate 1888

Palaemonidae Zoea

Decapodito

5-12

1

Mesocaris Ortmann 1893

Odontolophus Bate 1888

Retrocaris Ortmann 1893

Alpheidae Zoea

Decapodito

9

1

Anebocaris Bate 1888

Diaphoropus Bate 1888

Parathanas Bate 1888

Palinuridae Zoea

Decapodito

6-15

1

Phyllosoma Leach 1817

Phyllamphiom Reinhardt 1850

Scyllaridae Zoea

Decapodito

6-15

1

Pseudibacus Guérin-Méneville 1855

Puerulus Ortman 1897

Majidae e outros

Brachyura

Zoea

Decapodito

2-9

1

Zoea Bosc 1803

Megalopa Leach 1813

1974). Exemplos desse tipo de desenvolvimento ocorrem

em muitos Palaemonidae, Alpheidae, Atiidae e alguns

Stenopodidae. Por outro lado, nos casos em que as

diferenças morfológicas observadas entre dois estádios

seqüenciais resultam na alteração do comportamento do

indivíduo, por exemplo no modo de locomoção ou no hábito

alimentar, o desenvolvimento é considerado indireto,

metamórfico, bifásico ou completo (Gore 1985; Nielsen

1994).

O modelo de desenvolvimento atualmente mais

aceito pela maioria dos autores para os decápodes com

desenvolvimento indireto inclui um período embrionário

(dentro de um ovo), um período larvar e um período adulto,

reprodutivo ou não, separados por apenas uma

metamorfose. Gurney (1942) foi um dos primeiros a

destacar as dificuldades em se definir com clareza os

termos usados na descrição dos diferentes períodos do

desenvolvimento, em especial metamorfose.

Diversas tentativas em definir metamorfose

ilustram os vários pontos de vista sobre a questão. Na

definição mais simples, metamorfose implica em

mudanças graduais ao longo do desenvolvimento

(Thompson 1828). Dentre as definições mais recentes,

metamorfose é considerada uma alteração cardinal na

estrutura do animal, determinada pela reorganização de

estados morfológicos e funcionais de determinados órgãos

(Shatrov 1991). Com base nessas e em outras definições

de metamorfose, desenvolvidas especialmente para

insetos (Snodgrass 1956; Wilbur 1980; Highnam 1981;

Locke 1981; 1985; Sehnal 1985), o conceito adotado aqui

pode ser resumido como a troca de estados de caracteres

ao longo do desenvolvimento ontogenético acompanhada

de mudanças no comportamento do indivíduo.

A simples aquisição de cerdas em um conjunto de

apêndices não implica dessa forma em metamorfose, a

menos que os novos estados dos apêndices resultem em

uma nova função, como a natação. Essa definição,

independente de ser ou não aplicável a todos os casos, é

usada para justificar a existência de mais que uma

metamorfose no desenvolvimento típico dos decápodes,

cada uma delas separando conjuntos de estádios mais ou

menos semelhantes em fases do desenvolvimento. Esse

modelo está de acordo com a separação feita

anteriormente por Williamson (1982; 1992) em estádios e

fases do desenvolvimento.

Segundo Gore (1985), o tipo de desenvolvimento

mais comum entre as espécies de crustáceos decápodes

envolve uma metamorfose em que mudanças morfológicas

e funcionais radicais ocorrem durante a passagem da larva

para o decapodito. Isto frequentemente resulta em uma

forma de transição que pode ter atributos adultos em

vários níveis. As mudanças que ocorrem ao longo do

desenvolvimento podem ser agrupadas de acordo com

semelhanças na forma e no comportamento em fases do

desenvolvimento larvar e, mais raramente pós-larvar. O

mesmo acontece para outros artrópodos, tais como para os

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pterigotos holometábolos, cujo desenvolvimento é

marcado por uma fase pré-adulta (=pós-larvar) de

transição entre a larva e o adulto denominada pupa. Não é

consenso o uso do termo pós-larva para a fase de transição

dos crustáceos, de modo que muitos autores preferem

chamá-la de decapodito ou megalopa. Somada essa fase

de transição, a seqüência do desenvolvimento envolve

diferentes fases com uma ou mais mudanças da forma e de

comportamento (metamorfose). Os principais caracteres

que definem cada uma dessas fase encontram-se

discutidos abaixo.

Nauplius: primeira fase do desenvolvimento dos

crustáceos, quando são funcionais apenas as primeiras

antenas, as segundas antenas e as mandíbulas. Nessa

fase, as primeiras antenas são unirremes e tipicamente

sustentam duas ou três cerdas longas apicais. Ao contrário,

as segundas antenas e mandíbulas são birremes. Demais

apêndices estão ausentes ou rudimentares nessa fase

típica de Dendrobranchiata. Também não é bem marcada

externamente a segmentação do corpo, especialmente nos

estádios iniciais. Apesar de possuírem mandíbulas,

parecem depender em grande parte das reservas internas

de vitelo.

Outros caracteres dessa fase são um olho naupliar

mediano, um labro voltado posteriormente e cobrindo a

boca, e um escudo cefálico. Essa fase é considerada

amplamente distribuída entre os crustáceos, com

ocorrência entre Cephalocarida, Branchiopoda, Ostracoda,

Mystacocarida, Copepoda, Cirripedia, Ascothoracida,

Facetotecta, Euphausiacea e Malacostraca (Martin e Davis

2001; Brusca e Brusca 2003).

De acordo com Sollaud (1923) e Garstang e

Gurney (1938), existe uma estreita relação entre a fase de

nauplius e a larva protaspis de Trilobitas. Por outro lado,

Dahms (2000) põe sob suspeita essa relação filogenética e

afirma ser a natação naupliar associada à filtração pelos

apêndices um estado de caráter plesiomórfico para

Crustacea. Existem comumente cinco a seis estádios

naupliares em Penaeoidea e até dois em Sergestoidea.

Protozoea: fase larvar pós-naupliar exclusiva de

Dendrobranchiata, embora os caracteres típicos dessa fase

– escama antenal segmentada na ponta, telso bifurcado,

pleópodos ausentes, pereópodos em broto – possam ser

observados nos primeiros estádios larvares de carídeos

(Gurney 1942). Embora Williamson (1957, 1982) e Anger

(2001) atribuam a denominação protozoea aos três

primeiros estádios da fase zoea propriamente dita, essa

deve ser considerada uma fase distinta. Dentre as

mudanças morfológicas e de comportamento destacadas

de forma geral para todos os estádios dessa fase está o uso

conjunto dos apêndices cefálicos e torácicos na natação. As

diferenças entre os estádios dessa fase encontram-se

sumarizadas em diversos estudos (Williamson 1982;

Barnich 1996; Santos e Lindley 2001). Em Sergestoidea,

essa fase foi originalmente denominada elaphocaris.

Zoea: fase larvar comum à maioria dos decápodes,

quando os apêndices torácicos substituem definitivamente

os cefálicos na natação. Muitas denominações diferentes

são usadas ainda atualmente para essa fase em diferentes

grupos de Crustacea: copepodito (Copepoda), cypris

(Cirripedia), calyptopis e furcilia (Euphausiacea), amphion

(Amphionidacea), mysis (Decapoda: Penaeidea) e

phyllosoma (Decapoda: Palinuridea) (Williamson 1982). O

número de estádios de zoea é variável de dois (Majidae) a

mais de dez (Palinuridae). Um dos aspectos mais

relevantes na identificação de uma zoea é o completo

desenvolvimento e uso dos maxilípodos na natação. Na

maioria dos casos, essa fase é considerada a última do

desenvolvimento larvar, quando tem origem o decapodito

(Gore 1985).

Decapodito: fase do desenvolvimento seguinte à

fase zoea. Outras denominações comuns para essa fase

são pós-larva, megalopa, puerulus, pseudibacus, nisto,

glaucothöe e eryoneicus. As mudanças morfológicas e de

comportamento incluem o uso dos pleópodos para a

natação em lugar dos apêndices torácicos e a adoção de

uma vida epibentônica/bentônica, mais dependente do

substrato que a fase anterior. Essas mudanças são

apontadas por Williamson (1982), Gore (1985) e Pohle et

al. (1999), dentre outros, para justificar a existência de

uma metamorfose na passagem de zoea para decapodito

(=megalopa) em Brachyura. Como dito anteriormente, não

há consenso sobre o uso do termo decapodito no lugar de

megalopa ou pós-larva para a fase do desenvolvimento

posterior à fase de zoea. O problema reside na

determinação do fim do período larvar, nem sempre nítido.

Tradicionalmente, considera-se que a passagem da

condição de larva para adulto não-reprodutivo (juvenil)

ocorre por meio de uma metamorfose. O uso do termo

decapodito aqui se baseia na aceitação da proposta de

Kaestner (1980), Williamson (1982) e Anger (2001) para

se evitar as confusões advindas do uso do termo pós-larva

tanto para a última fase do desenvolvimento larvar como

para o primeiro juvenil. O uso do termo pós-larva, de

acordo com Anger (2001) deve ser restrito à fase de

transição entre a última larva e o primeiro adulto não-

reprodutivo (juvenil) quando as alterações na morfologia

externa do indivíduo são graduais e não resultam em

mudanças abruptas de comportamento. As principais

mudanças de comportamento que justificam a existência

dessa fase de transição estão ligadas mais ao

desenvolvimento de órgãos internos (gônadas e glândulas)

e aos apêndices reprodutores. Exemplos desse tipo de

desenvolvimento ocorrem em Penaeidea e Caridea.

Conclusão

Crustáceos decápodes possuem uma ampla

variação no desenvolvimento larvar. São reconhecidas

quatro fases distintas – nauplius, protozoea, zoea e

decapodito – e diagnosticadas a partir da morfologia e do

comportamento.

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Dentre os caracteres mais importantes na

definição morfológica de uma fase, encontram-se o

desenvolvimento dos apêndices e dos tagmas corporais.

Em adição, cada novo estado de um caráter deve vir

acompanhado de uma mudança no comportamento, em

geral um novo modo de locomoção ou de obter alimentos.

Ao longo do desenvolvimento, pode ser notado o

aparecimento seqüencial de apêndices, desde os mais

anteriores (cefálicos) aos posteriores (abdominais),

acompanhado da troca da natação pela marcha. Essa

seqüência é marcada por mais de uma metamorfose, que

separam cada uma das fases do desenvolvimento. De

acordo com o desenvolvimento dos apêndices, a primeira

fase – nauplius – é definida pela presença de apenas

primeiras antenas, segundas antenas e mandíbula, todos

utilizados na natação. Após um variado número de estádios

dessa fase, uma metamorfose dá origem à fase de

protozoea, em que os primeiros apêndices torácicos

colaboram com os cefálicos na natação. A próxima fase,

zoea, é definida pela atuação exclusiva dos apêndices

torácicos na natação e a troca de função – natação-

alimentação – dos cefálicos. A última fase antes do adulto

não-reprodutivo (juvenil) é marcada pela natação

abdominal e marcha torácica.

A existência de mais de uma metamorfose no

desenvolvimento dos crustáceos sugere que as trocas de

forma e função de partes do corpo desses animais são mais

comuns e menos drásticas que apontado anteriormente.

Em síntese, a metamorfose é uma mudança de forma e

função que resulta em um novo modo de vida, geralmente

ligada aos modos de deslocamento, alimentação e

reprodução.

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Saúde & Ambiente em Revista, Duque de Caxias, v.1, n.2, p.11-17, jul-dez 2006

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Recebido em / Received: Agosto de 2006

Aceito em/ Accepted: Novembro de 2006