desenvolvimento e desumanidade. duas faces da mesma moeda? · uma dessas faces, chamada...
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Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v.1, n.7, outubro 2008 1
Desenvolvimento e desumanidade. Duas faces da mesma moeda?
Cláudia Cristina Lopes Machado
Lafaiete Santos Neves
Lúcia Izabel C. Sermann
Luiz Augusto Martins Kleinmayer
Resumo
Há várias abordagens conceituais sobre a globalização. Uma delas, hegemônica, representa os preceitos
neoliberais, em que prevalece a visão econômica do mundo, cujas conseqüências têm sido, em muitos
momentos, devastadora para a vida. Todavia, há outras possibilidades, mais amplas e abrangentes para
tentar entender e explicar os processos da globalização. O presente artigo, portanto, tem como objetivo
analisar o cenário da globalização no período pós-guerra, indicando possibilidades de uma conversão
ética do modelo econômico vigente. Para tanto, está estruturado em seções. A primeira tratará do
contexto da segunda metade do século XX, período da formação de grandes blocos econômicos, da
globalização da pobreza, da exclusão pela tecnologia, do salto evolutivo dos meios de comunicação e da
devastação ambiental. O segundo momento será destinado a algumas reflexões acerca das imperativas
mudanças do comportamento humano, que já se fazem em curso, no século XXI. Nessa direção, a Teoria
da Complexidade convida todos a uma outra leitura de mundo que possibilite a difusão dos saberes. Os
efeitos desse entrelaçamento são, pois, vividos em todas as dimensões. O artigo em tela será finalizado
com as considerações acerca da sustentabilidade dos novos tempos com base no conceito do
desenvolvimento que envolve diversas dimensões, incluindo as educacionais e éticas.
Palavras-chave: globalização neoliberal; desenvolvimento e exclusão; teoria da complexidade.
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Introdução
Planeta Terra. Uma moeda e várias faces, vários saberes e viveres. Um planeta vivo que agoniza
pela forma com que os seres humanos vêm produzindo mundos pela ótica da individualização e da
racionalidade instrumental dos processos da vida. Uma dessas faces, chamada globalização, abarca
outras definições, mas somente uma delas, a da globalização econômica, tornou-se hegemônica e, ainda
hoje, comanda ações legitimadas por uma lógica mercantil, de acumulação de riquezas.
O objetivo deste artigo é analisar o cenário da globalização no período pós-guerra, indicando
possibilidades de uma conversão ética do modelo econômico vigente. Discorre-se sobre produção
hodierna de um mundo que privilegia a individualização gerando a exclusão e a pobreza. Evidencia-se,
ainda, a possibilidade de haver e de viver outras formas de globalização que não, somente, a hegemônica
e que todas auxiliam a caminhada em direção à cidadania planetária.
Trata-se de um estudo bibliográfico que propõe um diálogo entre a realidade da globalização e os
diferentes olhares sobre essa temática. Para tanto, as reflexões, aqui propostas, são iluminadas pelo
pensamento de autores clássicos das ciências sociais como: Celso Furtado, Boaventura de Sousa
Santos, Francisco de Oliveira , Clélio Campolina, Ulrich Beck, Edgar Morin e Leonardo Boff .
1 Globalização e pobreza
Entender a globalização no seu lado mais perverso, que é a ampliação da exclusão social, da
pobreza, do desemprego, fruto das transformações econômicas do capitalismo do pós-segunda guerra
mundial, é fundamental para pensar em uma outra globalização possível.
O capitalismo do pós-guerra tem como marco fundamental a mudança do eixo hegemônico da
Europa para os EUA. A construção dessa nova hegemonia se dá a partir de uma nova configuração do
Estado liberal, derrotado pela crise de 1929. Surge dessa maior crise capitalista mundial o novo Estado
Keynesiano, como um Estado forte, com poder de intervenção na ordem econômica para superar a crise
capitalista. É o Estado o grande indutor do desenvolvimento econômico, com políticas de investimentos
para gerar emprego, renda e consumo e, assim, tirar o capitalismo da sua maior crise.
O enfrentamento das conseqüências sociais da crise fortalece a concepção do Estado provedor, ou
seja, o Estado que irá responder pelas políticas públicas, de previdência social, saúde, educação, obras
públicas para geração de emprego e renda.
Sob o aspecto da produção capitalista, o modelo produtivo é o fordista/taylorista, marcado pela
produção em massa, grande incorporação de força de trabalho e a produção empurrando a demanda.
Tal modelo se expande para todo o mundo capitalista. A América Latina viveu o auge desse modelo
até os anos de 1980.
A ascensão econômica japonesa na pós-segunda guerra, especialmente, após os anos de 1960,
busca com êxito romper com o modelo fordista de produção. Após os anos de 1960, a partir da
experiência da Toyota, os japoneses desenvolvem a produção flexível, com elevada inovação tecnológica
e de produtos, sistema just in time, pequenas plantas produtivas, baixa incorporação de força de trabalho,
alta produtividade e produção puxada pela demanda. (HARVEY, 2000).
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Essa revolução no processo de produção capitalista, a partir da indústria automotiva japonesa, tem um
efeito imediato no mercado mundial. Com o elevado nível de desemprego e aumento da produtividade da força
de trabalho, os japoneses ganham o mercado mundial. Os japoneses forçam, assim, os norte-americanos e
europeus a terem de partir também para a apropriação desse novo paradigma produtivo. Isso agrava mais
ainda a questão do emprego, renda e consumo nos países capitalistas centrais com efeitos imediatos nos
países periféricos, por terem adotado o mesmo paradigma produtivo. (FURTADO, 1996).
Um outro elemento importante para entender essas mudanças no modo de produção capitalista é a
constituição do cartel do petróleo pela Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP), que a
partir dos anos de 1970, passa a constituir um monopólio na distribuição do petróleo para os países
demandantes desse insumo fundamental para o funcionamento das economias capitalistas, centrados na
produção automobilística. A elevação do preço do barril do petróleo força uma nova onda de inovação
tecnológica para responder a essa nova conjuntura internacional.
Sob a ótica do emprego, da renda e do consumo, essas transformações econômicas geram
profundos problemas sociais, pois milhares de postos de trabalho são eliminados por esse novo
paradigma produtivo. Tal processo não poderia ser detido por tratar-se de uma estratégia de
competitividade da indústria de ponta no mercado internacional.
A situação econômica e social nos países centrais e periféricos se agrava mais pelo excedente em
petrodólares gerados pelos países produtores de petróleo os quais, não tendo onde colocar esse
excedente monetário, aplicam nas economias dos países do capitalismo central em ativos ou no mercado
financeiro internacional. Essa disponibilidade de petrodólares leva os bancos internacionais a aplicarem
esse dinheiro nos mercados emergentes, particularmente na América Latina, agravando a situação das
dívidas internas e externas desses países.
O modelo de estado Keynesiano ou de Bem-Estar Social também foi adotado nos países periférico-
dependentes como o Brasil, na pós-crise de 1929.
Na América Latina, esse modelo de Estado se deu nos marcos de regimes ditatoriais com o
primeiro Governo Vargas que, após chegar ao poder pela Revolução de 1930, mantém- se nele com o
Golpe de 1937, governando o Brasil por 15 anos, sendo deposto no pós-segunda guerra em 1945.
O período pós-segunda guerra mundial até o início da década de 1970 ficou marcado como os anos
dourados do capitalismo. Economia em franco crescimento, forte intervenção do Estado na economia,
construção do Estado de Bem-Estar Social ou Estado Keynesiano. (CAMPOLINA e CROCCO, 2006).
Já a década de 1970, no seu final, apresenta um processo de aceleração inflacionária com a crise
energética mundial a partir da crise do petróleo. Essa crise se alastra por toda a economia capitalista
central e periférica e leva ao questionamento do papel do Estado na Economia, propondo para superar a
crise a diminuição do tamanho do Estado, sua saída da economia como proprietário de empresas
estatais, promotor dos serviços públicos, especialmente na saúde e na educação.
É um Estado que, para honrar seus compromissos com a dívida interna e externa, deveria passar
por uma ampla reforma, enxugando os gastos públicos para gerar um superavit primário, ou seja,
arrecadar mais e gastar menos para pagar os juros da dívida pública. Essa realidade põe em xeque o
Estado Keynesiano.
Nessa onda de reformas, todos os serviços públicos são atingidos, assim como as empresas
estatais.
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No serviço público, o Estado passa a contingenciar investimentos diretos, sucateando esses
serviços, levando à precarização as relações de trabalho com as terceirizações e as privatizações nas
ares de siderurgia, telecomunicações e sistema bancário. Na área da seguridade social, o Estado impõe a
reforma da previdência, obrigando os trabalhadores a ampliarem seu tempo de serviço para prolongar o
tempo de aposentadoria.
Para cumprir com os compromissos das dívidas interna e externa, junto aos bancos e às agências
internacionais, o governo brasileiro, desde o início dos anos 90, adota a partir do Governo Collor de Mello,
a agenda neoliberal. Tal agenda impõe o Estado enxuto, as privatizações das empresas estatais, o
controle dos investimentos diretos do Estado, para gerar o superavit primário para honrar os
compromissos das dívidas públicas. As reformas da previdência, as metas de inflação, o rígido controle
salarial, os contingenciamentos dos recursos orçamentários para as áreas de educação, saúde,
habitação, saneamento, fazem parte do receituário do Fundo Monetário Internacional para o controle das
economias periféricas.
Essas medidas adotadas representam exatamente as prescrições do “consenso neoliberal” que
representam a forma de globalização hegemônica. Nesse sentido, explicitando essa relação, Boaventura
de Sousa Santos (2002, p.29-30) cita algumas das orientações dessa política econômica:
As economias nacionais devem abrir-se ao mercado mundial e os preçosdomésticos devem tendencialmente adequar-se aos preços internacionais; deveser dada prioridade à economia de exportação; as políticas monetárias e fiscaisdevem ser orientadas para a redução da inflação e da dívida pública e para avigilância sobre a balança de pagamentos; os direitos de propriedade privadadevem ser claros e invioláveis; o sector empresarial do Estado deve serprivatizado; a tomada de decisão privada, apoiada por preços estáveis, deveditar os padrões nacionais de especialização; a mobilidade dos recursos, dosinvestimentos e dos lucros; a regulação estatal da economia deve ser mínima;deve reduzir-se o peso das políticas sociais no orçamento do Estado, reduzindoo montante das transferências sociais, eliminando a universalidade, etransformando-as em meras medidas compensatórias em relação aos estratossociais inequivocamente vulnerabilizados pela actuação do mercado.
Porém, diante do fato de essas medidas terem agravado a questão social, ampliando o
desemprego, gerando a desindustrialização de centros industriais tradicionais, os governos se viram
obrigados a adotarem medidas para minimizarem esse agravamento do quadro social. As medidas
adotadas visam conter a insatisfação social, diminuir o índice de evasão escolar, de violência nos grandes
centros urbanos. Foram, assim, implementadas a bolsa-escola, bolsa- família e medidas similares para
responder à pressão social.
Na verdade, o que se tem é o desmonte do precário Estado de Bem-Estar Social, que sequer foi
consolidado no Brasil (OLIVEIRA, 1995). Nesse mesmo processo, a proposta hegemônica de
globalização também não se mostra suficiente para auxiliar na redução das desigualdades e da pobreza
existentes no mundo, muito pelo contrário. Assim, é em razão dos “crescentes conflitos no interior do
campo hegemônico e da resistência que tem vindo a ser protagonizada pelo campo subalterno ou contra-
hegemônico” (SANTOS, 2002, p. 27) que essa globalização passa a sofrer certo enfraquecimento, dando
espaço para o surgimento de outras formas de globalização.
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2 Uma outra globalização possível
O Estado de Bem-Estar tem-se mostrado, como visto, ineficiente para atender o bem-estar de todos. As
emergências surgidas a partir de políticas desenvolvimentistas parecem multifacetar a moeda do jogo do
progresso. Em um dos lados dessa moeda, encontram-se países ricos, desenvolvidos, centrais, detentores das
mais altas tecnologias e riquezas. De outro, o resto do mundo. Os desqualificados, sem especialização, sem
emprego, sem renda, mas com família, muitas vezes numerosas, que parecem multiplicar, assim, a desgraça.
Antagonicamente, um estado de mal-estar coletivo começa a assolar os seres vivos. A pressão pela
análise crítica da realidade parte de todos os lados. Os pobres anseiam por dignidade mínima, e os ricos
parecem desejar não ver nem conviver com a pobreza.
De que forma a globalização, nos seus sentidos difusos, poderá ser repensada em direção à
solução de algumas dessas questões? Será possível promover processos mínimos de globalização de
felicidade? Nessa direção, o teólogo brasileiro Leonardo Boff iluminará parte deste estudo, por suas
considerações acerca da felicidade e das condições mínimas de dignidade humana.
Boff (2008), portanto, dedica-se muito a refletir acerca da possibilidade de haver felicidade num
mundo infeliz, no qual mais da metade da população mundial sofre vivendo abaixo do nível da pobreza e
em meio a tantos desastres ambientais, fruto da arbitrária ação (de dominação) do ser humano.
Para o autor, um lado (recente) da moeda da história humana diz respeito aos avanços tecnológicos e
suas utilizações. O progresso material e a acumulação de bens e riquezas, eixo do sistema econômico
capitalista vigente, trazem benefícios, até então impensáveis, aos seres humanos. As conquistas tecnológicas
da terceira revolução científica retardam a morte, otimizam processos de produção, potencializam meios de
comunicação e automatizam pensamentos, na chamada inteligência artificial.
A Nanotecnologia, que Dreifuss descreve em sua obra “A época das Perplexidades” (1996), como
dispositivos inteligentes hiperminiaturizados, que funcionam em escala atômica, potencializa os serviços
inteligentes prestados aos seres vivos. O autor chama a confluência dos componentes tecnológicos
inteligentes, a serviço das sociedades, de complexo capacitador teleinfocomputrônico, que, segundo ele,
podem chegar, por meio de experiências, à criação de redes neurais vivas.
As ciências biológicas também são brindadas pelas duas faces da moeda dos avanços tecnológicos.
Destacado por Edgar Morin, a biotecnologia é também prodigiosa para o melhor e o pior. “De um lado,
permitirão padronizações, em benefício dos seres humanos, jamais alcançados. Por outro, permitirão à
medicina preditiva o controle, pela mente do próprio cérebro”. (MORIN, 2005, p.74).
Um outro lado dessa moeda, continua Boff (2004), contudo, mais sombrio e perverso, diz respeito
às conseqüências da busca desenfreada pelo crescimento econômico do mundo globalizado. Cabe aqui a
questão: globalizado para quem? Enquanto uns poucos incluídos aproveitam-se da pujança
desenvolvimentista, a grande maioria dos viventes (sobre) vive às conseqüências dessa globalização e
sofrem a indiferença por encontrarem-se à margem do seleto universo dos “bem sucedidos na vida”.
Assim, desemprego, fome, miséria, violência, devastação dos recursos naturais, entre tantas outras
mazelas, parecem reduzir a possibilidade de um futuro comum para as tão discursadas gerações futuras.
Nesse contexto, escreve-se: “o ser mais ameaçado da criação não são as baleias, mas os pobres,
condenados a morrer prematuramente. [...] Tudo é feito sob um regime de grande exploração e de cruel
exclusão”. (BOFF, 2004, p.156).
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Nesse sentido, Boff (2008) faz-se valer de dados estatísticos para sustentar seus pensamentos e, mais
uma vez, questiona como é possível haver felicidade quando, no mundo todo, 1125 bilionários possuem
riqueza igual ou superior à riqueza do conjunto de países onde vive cerca de 60% da humanidade?
Em outro momento, Boff (2004), utilizando-se metaforicamente da Terra como uma nave, escreve:
“nesta nave-Terra um quinto da população viaja na parte reservada aos passageiros e consomem 80%
das reservas disponíveis para a viagem. Os outros quatro quintos viajam no compartimento de carga.
Passam frio e fome” (BOFF, 2004, p.155). Assim, viver nesta nave, em tempos de capitalismo globalizado
parece caracterizar-se um risco. “Há o risco de que a cultura dos satisfeitos se feche em seu egoísmo
consumista e cinicamente ignore a devastação das massas pobres do mundo” (BOFF, 2004, p.158) e,
complementariamente, há toda a sorte de outros riscos, incontroláveis, invisíveis e inesperados, à vida.
Ulrich Beck (1998), alinhado à ótica de Boff, apresenta o conceito de sociedade de risco para
adjetivar a sociedade moderna, a qual chama sociedade reflexiva. A reflexividade, segundo o autor, dá-se
na medida em que se vive numa sociedade de risco inventada pela própria modernidade a qual se
apresenta como individualista e praticante da ética da auto-realização e do sucesso pessoais.
O risco hodierno se fortalece, entre outros fatores, segundo o autor, por meio, também, do avanço
tecnológico global, onde tempo e espaço ganham dimensões dificilmente imaginadas, permitindo, assim,
de forma paradoxal, que a humanidade tenha acesso ilimitado aos meios mais sofisticados de
comunicação e, ao mesmo tempo, sofra os efeitos do distanciamento provocado pelas relações virtuais.
Em continuidade, para Beck (1998) os riscos socioambientais seguem os pobres, uma vez que
ricos podem escolher (e pagar) para morarem em áreas com menor risco ou com menos pobres. De
forma antagônica, o consumo desenfreado desses (ricos) transforma-se em combustível para o
aceleramento dos riscos os quais, novamente, são, por eles, evitados. Dito de outra forma, por meio de
exemplo: pobres vivem ao lado de “esgoto a céu aberto” e sofrem as conseqüências desde viver, ou seja,
problemas de saúde, da falta de saneamento básico e poluição ambiental. Ricos não vivem ao lado de
córregos, porque podem pagar para que os dejetos sejam despejados bem longe de suas casas e de
suas vistas – mas, também, poluem o meio ambiente e não ficam doentes por isso.
Parece, portanto, não haver consciência do mundo desigual e desumano que vem sendo construído
e legitimado por meio de práticas, igualmente, hegemônicas e perversas das sociedades modernas.
Entende-se, por conseguinte, que há necessidade de se produzir ciência com consciência de que estão
a serviço das diferentes formas de vida, independentemente de classes ou partidos.
Faz-se necessário, portanto, alargar o campo dos sentidos contemporâneos, embasados numa
racionalidade centrada na lógica de mercado, que parece não estar respondendo às expectativas criadas
em torno do ideal de um mundo feliz e próspero.
Na direção de ciência com consciência, a Teoria da Complexidade convida a leituras de mundo que
possibilite a difusão dos saberes e cujos efeitos do entrelaçamento desses são, ao mesmo tempo produto
e produtores de outras abordagens possíveis. Em suas palavras: “a complexidade é cada vez uma
cumplicidade de desconstrução e de criação, de transformação do todo sobre as partes e das partes
sobre o todo” (MORIN, 2002, p.45).
Em uma de suas obras, Edgar Morin (2002) citando Ernesto Sabato imprime o pensamento de que “a
renúncia ao melhor dos mundos não significa a renúncia a um mundo melhor”. Renunciar ao melhor dos
mundos, dessa forma significa renunciar às falsas promessas da ciência superespecializada em produzir
sucesso econômico que leve ao progresso humano abrangente e homogêneo, ao mesmo tempo em que diz
respeito à renúncia aos excessos e às ganâncias em direção ao equilíbrio cósmico e, por conseguinte, a um
mundo melhor.
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Por meio desse pensamento, Morin busca tensionar o campo das superespecializações da
modernidade, que buscam o entendimento do todo por meio do entendimento da menor de suas partes,
para, depois, juntá-las em um todo fragmentado e desconexo.
Assim, os especialistas, os quais chama, metaforicamente, de gafanhotos (simpáticos quando isolados e
predadores em bando) impõem o silêncio e eliminam a escuta, frutos da divergência e da discrepância não
suportadas. Diz ele: “Precisamos de ‘mundiólogos’, referindo-se ao fato de se haver a necessidade de
especialistas nos assuntos mundiais, coletivos, e não, apenas, de uma pequena minoria de incluídos”.
A reforma do pensamento, destacada pelo autor, precisa superar as especializações em direção a
uma pluralidade epistemológica, que seja competente para ver questões econômicas associadas às
sociais, éticas, ambientais, culturais, entre outros saberes. Nessa direção, parece não haver espaço para
produção de mundo em caixinhas organizadas racionalmente.
O mundo é um caos e uma vertigem em movimento, enfatiza Morin (2002) e tentar entendê-lo por
lentes de sistemas unos, como o sistema econômico vigente, é, segundo o autor, continuar acreditando
na ilusão de que o progresso é uma necessidade histórica e de que este levaria ao progresso humano, à
felicidade ideal e ao bem-estar para todos. Tais promessas não se cumpriram e, em seus lugares, há a
incerteza com relação à possibilidade de haver futuro.
A nave-Terra, adjetivada por Boff (2004), parece estar “navegando na noite e na neblina” (MORIN,
2002, p.47).
Que bússola seria capaz de guiar os seres humanos por entre tal neblina? Para Morin (2002), a
bússola da reforma do pensamento. Uma reforma em direção a uma episteme da complexidade,
necessária para se viver no e com o caos, passa pelo entendimento da vida a partir da aceitação do
imponderável e do “equilíbrio entre antagonismos”, como destacou, um dia, Gilberto Freyre. Um equilíbrio,
contudo, não conformista, nem assistencialista, mas sim como um processo em direção à autonomia do
sujeito como protagonista de sua história.
Uma reforma, como enfatiza Boff (2004), capaz de deslocar o eixo da lógica dos meios a serviço da
acumulação excludente para uma lógica dos fins em função do bem-estar comum do planeta Terra ou,
uma ponte entre o Norte e o Sul, dizeres do autor.
Todavia, como fortalecer a epistemologia da complexidade diante dos hegemonismos opressores
como, por exemplo, de um sistema econômico que, na prática, globaliza a pobreza e a miséria enquanto
que as riquezas mundiais concentram-se em poucas pessoas e em poucos locais? Como pensar em um
equilíbrio entre antagonismos sendo que o sistema dominante afasta a dúvida, a crítica e faz reinar o
silêncio da aceitação?
Nessa direção, sem pretensão de resolver os problemas do mundo, mas trazendo a abordagem do
pensamento complexo para o campo da disputa dos sentidos presentes, Edgar Morin (2002) entende
estarem em curso, concomitantemente, duas globalizações: a econômica e a que chama de minoritária.
A primeira unificação mundial, focada no mercado, tem neste um fim por si só. Como já destacado a
partir do século XIX, o crescimento econômico trabalhou como regulador econômico, elevando concomi-
tantemente oferta e demanda e destruindo civilizações rurais e culturas tradicionais em nome do progresso.
Nessa direção, as melhorias significativas na qualidade de vida são experimentadas por poucos
enquanto muitos vivenciam a degradação da biosfera e do que Morin (2005) chama de psicosfera, ou
seja, dos aspectos substantivos do ser humano, como, por exemplo, a compaixão – pelos sofrimentos
outros. Tais degradações dificultam o processo de superação da lógica da construção do mundo vigente.
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Uma lógica de mercado que parece repartir o bolo, depois de crescido, apenas com especuladores,
acionistas e mercados internacionais, deixando sem comida e sem dignidade todos aqueles que,
localmente, participaram de sua produção, comprova o pensamento moriniano.
Uma globalização de fé no desenvolvimento e na promessa de entrega de bens e bem-estar,
impulsionados pela revolução científica transformadora. Uma lógica de consumo e de exploração dos recursos
existentes que se apresenta insana na solução dos problemas que produz. As altas taxas de natalidade, muito
mais concentradas nos países pobres a partir da segunda metade do século XX, aliadas aos avanços
tecnológicos, tensionam, ainda mais, o campo que norteia os pobres, agravando a possibilidade de (bom)
gerenciamento do caos. Em crescimento exponencial encontram-se, também, as degradações ambientais com
conseqüências que já assolam a vida de todos e projetam um futuro (in) sustentável.
Todavia, em decorrência do não cumprimento, por parte do sistema de crenças no capitalismo
globalizado, o autor em tela sinaliza uma outra globalização em curso, minoritária, que começa no seio
das nações dominadoras e protagonistas da primeira globalização.
Se, por um lado, a primeira globalização parece buscar a dominação das questões econômicas,
unificando as (altas) taxas de juros pelo empréstimo monetário aos países pobres, periféricos, em
desenvolvimento ou qualquer outro adjetivo desejado, a segunda globalização parece pretender
evidenciar que a vida não pode continuar a ser mercantilizada da forma como ainda tem sido.
Dessa maneira, uma segunda globalização refere-se a uma outra abordagem universal de construção
de conhecimento que leva em consideração não apenas o conhecimento científico como verdade absoluta,
mas também os conhecimentos tradicionais, como os saberes ecológicos das tribos indígenas, por exemplo,
que têm sido renegados à condição de superstição ou conhecimentos não-válidos.
Uma segunda globalização que, segundo Morin (2002), ao incluir os conhecimentos excluídos,
tende a resgatar ideais humanistas, antiescravagistas, antiintervencionalista ao mesmo tempo em que
caminha para uma cidadania planetária muito pautada nas idéias dos direitos humanos e, parafraseando
Bruno Latour, não humanos também.
Mas, por que minoritária se diz respeito a um sistema global? Porque se constitui, por assim dizer,
numa contracorrente à dominação hegemônica, pela lógica do mercado, do produtivismo, da quantidade e
do conhecimento científico como único e verdadeiro.
Aos poucos, segundo o autor, parece haver um contramovimento ao modo de vida utilitário e à
compulsão pelo consumo, indo em direção a uma possibilidade de viver as singularidades. Uma
globalização minoritária das experiências locais, nativas, das tradições, da cotidianidade, da não-violência,
da gratuidade e da solidariedade.
Em direção a outra globalização possível, Boaventura de Sousa Santos (2002) discorre acerca do
fato de estar em curso uma outra e alternativa globalização: a da solidariedade. Segundo o autor, esse
fato deve-se, entre outros fatores, aos movimentos emergentes que se formam em tempos de
globalização neoliberal como a fome, miséria, destruição ambiental, entre tantos outros.
O modelo social democrata, que procurou tornar compatíveis capitalismo e democracia, vem sendo
opostamente trabalhado nos dias presentes. O mercado parece regular o Estado e essa prática faz surgir um
estado de bem-estar para as empresas e não para os cidadãos. Estes, por sua vez, segundo Santos (2002)
parecem ter suas subjetividades incorformistas abrandadas (e até banalizadas) pelo desinteresse dos
instrumentos modernos por emancipação. Todavia, o movimento em direção a uma outra globalização
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demanda a proliferação dos sujeitos que devem, assim, recriar o inconformismo, ou seja, recriar a capacidade
de leitura dos “mapas emancipatórios” ao sistema econômico capitalista neoliberal hodierno.
Nessa direção, continua Santos, parecem estar os arautos do neoliberalismo vivendo momentos de
perda de confiança epistemológica e apresentando fraturas em seus pilares que começam a ser
analisadas, permitindo, portanto, uma maior consolidação nas alternativas desta outra globalização, num
processo de fusão de sentidos não hegemônicos.
Se, por um lado, os incluídos do sistema neoliberal movem-se por interesses, os excluídos, que
também podem ser adjetivados como os de esquerda, movem-se por causas, mas são, segundo Santos
(2002), os princípios que podem auxiliar neste movimento demandante de outra possível globalização.
Não os princípios universais, hegemônicos, ocidentais, salienta o autor. Não aqueles relativos à idolatria
do individualismo que, por séculos, têm sido responsáveis por uma espécie de paralisia da subjetividade.
Princípios, porém, que partem do interior dos sujeitos como, por exemplo, os princípios orientais, ou seja,
movimentos em direção à solidariedade planetária e ao entendimento de que, além de direitos, as
pessoas têm, também, deveres para com os semelhantes e para com todos os seres cósmicos.
Apesar da pouca visibilidade dos movimentos emergentes de uma outra globalização, “há avanços que
a nossa impaciência não nos deixa ver e que a história, por ser mais paciente que nós, percebe e registra”
(SANTOS, 2002). As insuficiências, portanto, geradas no seio do capitalismo neoliberal, o qual impõe uma
racionalidade da subserviência ao mercado (ocidental), faz surgir pensamentos emancipatórios em direção à
criação, d que Santos chama de epistemologia do Sul, ou seja, dos excluídos, dos marginalizados, dos que
não têm voz como, por exemplo, as tradições, o multiculturalismo, as culturas locais, os saberes ambientais, a
cotidianidade, entre outras (ainda) minorias.
Dessa forma, abrem-se espaços e atenções para pensamentos como os do indiano Mahatma
Gandhi (1869-1948), que acreditou ser a não-violência a lei da espécie humana e que fez dessa crença
direção de sua vida.
Boaventura de Sousa Santos apresenta também o conceito Hindu, da doutrina de Buda, chamada
Dharma, para iluminar o que acredita serem bases para essa outra globalização. Assim, o significado espiritual
do Dharma [s.d.] pode ser entendido como o caminho para a verdade superior. Surgido na Índia, comunga
crenças com o Budismo e diz respeito à conduta reta e virtude humanas por meio de ações virtuosas do
passado, bem como da vida presente as quais, recursivamente, segundo preceitos do Dharma, serão
retornadas do universo.
O entendimento de uma outra globalização, que vem sendo construída à margem do sistema
econômico capitalista, globalizado, vigente, não pretende ser ingênuo a ponto de considerá-la capaz de
salvar o mundo de si mesmo. A fé no desenvolvimento econômico como propagador de uma vida feliz e
próspera requer confiança cega em verdades únicas e empurra para baixo do tapete as emergências
bárbaras que são desencadeadas.
De forma complementar, o pequeno grupo de incluídos, que dominam toda uma massa humana de
miseráveis, sacrificam tudo e mercantilizam suas vidas para poderem desfrutar do conforto ofertado pelo
melhor dos mundos.
Dando voz aos pensamentos de Morin (2005), o mito de uma globalização que partilha o bolo e a
felicidade com todos, proporcionando-lhes bem-estar, diminuindo a desigualdade e reduzindo mazelas
como fome, desigualdade de renda, violência ainda reina e é esperado por muitos.
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Outro mito, ainda reinante, segundo o autor, é o de que desenvolvimento social advém, necessa-
riamente, do desenvolvimento econômico. Pensamentos de economistas consagrados asseguram ser possível
a redução da pobreza somente com a intensificação de mais crescimento e desenvolvimento econômicos.
Dessa forma, escreve o autor: “As crueldades das revoluções do desenvolvimento agravaram as
tragédias do subdesenvolvimento. Após 30 anos voltados ao desenvolvimento, o grande desequilíbrio
Norte/Sul permanece e as desigualdades se agravam” (MORIN, 2005, p.79). Assim, há de se ter
esperança nas outras globalizações emergentes sem perder, contudo, o discernimento da sedução do
capitalismo globalizado e suas emergências, muitas menos sedutoras, que se perpetuam em tempos
modernos, para todos os seres viventes.
Outras globalizações a cunhar outros lados possíveis de moedas que não sejam sinônimos de
desenvolvimento, progresso, crescimento econômico e nem de desumanidade. Globalizações orientadas
para o exercício crítico-reflexivo das diferentes realidades, norteadas pela via da educação e do
conhecimento, em direção à sustentabiliade planetária.
3 Sustentabilidade planetária
Ao se pensar num caminho em direção à sustentabilidade planetária, por meio da educação e da
ética, no século XXI, buscar-se-á, num primeiro momento, retroceder na história a fim de trazer em tela o
conceito grego de ideal educativo, chamado paidéia, no século IV a.C. Para tanto, o estudioso da cultura
grega, Werner Jaeger, será convidado a iluminar este estudo com suas considerações acerca do conceito
citado. Essa trajetória no tempo será trilhada de modo a sustentar considerações que serão apresentadas.
Jaeger (2003), em sua obra, “A Formação do Homem Grego”, contextualiza não só o conceito
paidéia, mas também, anterior a este, o de aretê cuja significação tende a expressar, com o cuidado em
não reduzir o seu entendimento, “virtudes”. Todavia, o autor apresenta paidéia não só como uma
educação, mas como processo formador do caráter e do cidadão. Nesta direção, escreve:
O princípio espiritual dos gregos não é o individualismo, mas o humanismo, parausar a palavra no seu sentido clássico e originário. Humanismo vem dehumanistas [...]. Significou a educação do homem de acordo com a verdadeiraforma humana, com o seu autêntico ser. Tal é a genuína paidéia grega [...]. Nãobrota do individual mas da idéia. Acima do homem como ser gregário ou suposto“eu” autônomo, ergue-se o Homem como idéia. A ela aspiraram os educadoresgregos, bem como os poetas, artistas e filósofos. Ora, o Homem, considerado nasua idéia, significa a imagem de Homem genérico na sua validade universal enormativa. (JAEGER, 2003, p.13).
O recorte acima destacado busca o entendimento do ser humano à procura da cidadania perfeita, e
esta pode ser edificada por meio de sua formação. Assim, continua Jaeger (2003), pela busca da
cidadania, fortaleceu-se a educação cujos dois maiores propósitos eram: o desenvolvimento do cidadão
fiel ao Estado e a formação reta do ser humano, autogovernante. Por autogovernância fazem-se
presentes as palavras do filósofo Platão: “governar-se a si próprio significa ser temperante, ter
autodomínio, comandar em si próprio os prazeres e as paixões” (PLATÃO, 1973, p.491).
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Platão, sendo citado por Jaeger, define a essência de toda a educação, ou paidéia, como “a que dá
ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo a
justiça como fundamento” (JAEGER, 2003, p.147).
Em continuidade, Jaeger (2003) prossegue no entendimento do que venha a ser paidéia e, de
forma a alargar seu conceito, expressa-a como o resultado do processo educativo de vida de um ser
humano e que vai muito além dos limites escolares.
Assim, pensar na paidéia, que guiou civilizações antigas por entre os caminhos da libertação do ser
humano das suas minoridades, é pensar ,de forma contemporânea e fértil, que outras globalizações
podem ser possíveis e que podem reencantar mundos desencantados pela modernidade.
Mundos que carregam consigo, conforme destaca Edgar Morin (2005), heranças de morte e de
nascimento. Morte, não só pelas vidas que se foram durante as duas grandes guerras mundiais, mas
também pelos novos perigos (e riscos) presentes. Morte, também, da modernidade, na crença de
progresso infinito e democrático. Nessa direção, escreve o autor: “Se a modernidade é definida como fé
incondicional no progresso, na tecnologia, na ciência, no desenvolvimento econômico, então esta
modernidade está morta. (MORIN, 2005, p.72)”.
O autor prossegue enfatizando que há, contudo, uma outra herança, trazida do século XX, e que é
fornecida aos seres humanos, fertilizada pelos germes e pelos embriões da cidadania terrestre. Assim, um
processo educacional se apresenta como possibilidade de se viver o novo, a partir do que já se viveu, mas
com a mente aberta para a escrita de outras histórias cujos protagonistas são (todos) os seres cósmicos.
A herança de vida, que nasce no ocaso do século XX, pode desabrochar e mudar o curso, de um
futuro que não é mais o que poderia ter sido, parafraseando Boaventura de Sousa Santos. Tal mudança
no curso dos acontecimentos, segundo Morin (2005), deve considerar contracorrentes capazes de
fazerem renascer as esperanças, na forma de solidariedade e de responsabilidade.
De acordo com o autor em tela, por serem os seres humanos sistemas complexos e, portanto,
incompletos , que se auto-organizam pelas inter-relações com o meio ambiente, não há pré-determinação
para o bem ou para o mal. A recursividade se dá pela construção ininterrupta dos sujeitos. Assim, de
acordo com o pensamento complexo, os seres vivos são, ao mesmo tempo, produtos e produtores, de
mundos, para sempre, inacabados.
Nessa direção, Morin (2005) evidencia que, por não serem as relações sociais imperativos
categóricos a priori e sim construídos na cotidianidade, há (ainda) possibilidade de se transformarem e,
assim, pode-se esperar progresso nas relações entre humanos, muito além das relações mercantis. Por
conseguinte, restaura-se o princípio da esperança numa união planetária, numa globalização minoritária,
mundo encolhido e interdependente.
O autor em tela, refletindo acerca do pertencimento de todos os viventes à Terra-pátria que não
possui alfândegas e não exige passaporte a nenhum dos seus filhos, é enfático ao escrever: “É
necessário aprender a” estar aqui “no planeta que significa: aprender a viver, a dividir, a comungar.[...]
Devemo-nos dedicar não só a dominar, mas a condicionar, melhorar, compreender.” (MORIN, 2005, p.76).
Assim, a educação em direção à cidadania planetária se fortalece por meio da formação
substantiva do ser, que os Gregos chamavam paidéia. Uma educação plena e construída pelas inter-
relações dos sujeitos dos sistemas sociedade e natureza. Uma educação que se projeta ao futuro na
medida em que incorpora e reencontra as experiências passadas, das culturas singulares, do
multiculturalismo, dos saberes ecológicos bem como dos saberes científicos.
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Uma educação que busca a construção do “nós” em detrimento da exacerbação da individualidade,
e pela diversidade coletiva fertiliza-se e poliniza mentes humanas com outras e novas possibilidades. Uma
educação, por fim, acreditada por Sócrates (469-399 a.C.), capaz de levar as pessoas, por meio do
autoconhecimento, à sabedoria e à prática do bem comum.
Considerações Finais
O presente artigo buscou analisar o processo de construção histórica da visão econômica neoliberal
no pós-guerra a qual constituiu-se como hegemônica. A descrição das prescrições do consenso deste
modelo, que representa a forma de globalização hegemônica, permitiu evidenciar suas diretrizes,
conhecidas como Consenso de Washington. Tais diretrizes impuseram medidas econômicas visando ao
cumprimento dos acordos financeiros internacionais, levando ao enxugamento do Estado, à diminuição
dos investimentos públicos, ampliando, assim, a pobreza e a exclusão.
Dessa forma, desenvolvimento e desumanidade passaram a constituir faces de uma mesma
moeda. O resultado desse processo e desse modelo ressalta sua fragilidade pelo fato de ter agravado o
quadro econômico-social, limitando as ações do Estado nas políticas públicas e, conseqüentemente,
deteriorando o tecido social.
Além das mazelas sociais, outras degradações emergem desse processo tais como as ambientais
e éticas, ameaçando, de maneira contundente, a perenidade da vida.
A constatação do enfraquecimento do modelo econômico neoliberal possibilitou evidenciar que tal
modelo abre espaço para o surgimento de alternativas em direção a outras formas de globalização.
Um outro olhar sobre desenvolvimento se descortina pela via da substantividade do ser e da
globalização minoritária, buscando superar, assim, as conseqüências perversas da globalização hegemônica.
Todavia, esta análise, lançando mão da precaução epistemológica, ao evidenciar o quão sedutor
ainda continua a ser o “melhor dos mundos” para uma pequena elite de incluídos e de bem sucedidos na
vida, indica possibilidades de alteração do quadro hegemônico descrito.
O principal aprendizado, portanto, do presente estudo, é o da esperança na herança de vida e de
transformação econômico-social na direção da construção de globalizações minoritárias e contra-
hegemônicas, como contenção à conquista voraz do neoliberalismo.
Considera-se, por fim, que tal construção exige uma educação que valorize o ser e promova a
sustentabilidade planetária.
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