desenvolvimento de um modelo do sistema...

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1 DESENVOLVIMENTO DE UM MODELO DO SISTEMA AUDITIVO HUMANO PARA ANÁLISE DO CONFORTO EM CABINES DE AERONAVES Leonardo Pereira de Paula [email protected] Resumo: Com o recente aumento no interesse em estabelecer as condições de conforto para os passageiros das cabines de aeronaves, este trabalho visa avaliar o importante efeito que o comportamento da pressão de cabine tem na sensação de conforto. A pressão de cabine varia durante os estágios de subida, redução da pressão, e de descida, aumento da pressão, das aeronaves. Além dessas variações de pressão no interior da cabine, há ainda, o efeito da baixa pressão barométrica em seu interior, que corresponde a altitudes que variam de 6000 a 8000 ft (1830 a 2440 m). Esses efeitos afetam fisiologicamente o corpo humano de diversas maneiras, causando sensação de desconforto, stress e dor para os passageiros. Uma dessas maneiras é pela diferença de pressão entre os dois lados da membrana timpânica, que a deforma causando desconforto. O presente trabalho trata dos efeitos da pressão de cabine sobre o ouvido humano e visa relacionar os deslocamentos sofridos pela membrana timpânica com as sensações de desconforto e dor. Análises paramétricas foram realizadas para se observar a sensibilidade dos parâmetros do modelo. Palavras chave: pressão de cabine, conforto, ouvido humano, modelagem matemática. 1. Introdução A pressão de cabine tem um importante efeito na sensação de conforto em aeronaves. Um primeiro aspecto refere- se à taxa de variação da pressão durante o processo de subida ou descida das aeronaves. Um segundo aspecto refere-se ao efeito da diminuição da pressão barométrica no interior da aeronave, que apesar da pressurização, é mantida a valores menores que ao nível do mar. A taxa de variação da pressão de cabine influi no conforto através da sensação de compressão nos ouvidos. Uma vez que o ouvido humano é muito sensível a variações de pressão, a taxa de variação da pressão de cabine deve ser controlada. Pequenas variações de pressão não causam desconforto, porém, maiores amplitudes podem causar desconforto conforme a taxa de variação da pressão. A cavidade timpânica do ouvido humano é essencialmente uma cavidade de ar fechada. As variações de pressão dentro da cavidade timpânica podem ser reduzidas ou amenizadas de diferentes formas. A principal maneira que o ouvido humano tem de equalizar a diferença de pressão entre a cavidade timpânica e o meio externo é através da abertura da trompa de Eustáquio, um conduto que comunica a cavidade timpânica com a nasofaringe e que permanece a maior parte do tempo fechado devido a pressão exercida por tecidos externos a ele. A trompa de Eustáquio abre involuntariamente a cada 60 a 120 s através da contração do músculo tensor do véu palatino, que está em contato com a superfície externa da trompa. Além disso, trompa de Eustáquio pode ser aberta voluntariamente através de movimentos da mandíbula, como o ato de engolir, e também, pela manobra de Valsalva. Passageiros de vôos comerciais incluem pessoas que não são capazes de realizar a compensação do ouvido médio no processo de descida, no caso: passageiros dormindo, crianças, passageiros com infecção das vias aéreas superiores (IVAS) no caso: quadro gripal, sinusites e otites. Notou-se que as taxas normalmente empregadas para limites de compressão ou descompressão, diferem de resultados observados no dia a dia das viagens em aeronaves. Desta forma, surgiu a necessidade de uma reavaliação dos valores normalmente empregados. Neste trabalho propôs-se um modelo matemático para o comportamento do sistema auditivo humano mediante as variações de pressão na cabine da aeronave. Com este modelo pretende-se relacionar os deslocamentos sofridos pela membrana timpânica com a sensação de desconforto e dor e, assim, determinar os novos limites de taxas de variação de pressão durante os estágios de vôo. 1.1. O ouvido humano O ouvido humano é basicamente dividido em três partes, o ouvido externo, médio e interno (Dângelo e Fattini, 2000) (fig. 1).

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DESENVOLVIMENTO DE UM MODELO DO SISTEMA AUDITIVO HUMANO PARA ANÁLISE DO CONFORTO EM CABINES DE AERONAVES Leonardo Pereira de Paula [email protected] Resumo: Com o recente aumento no interesse em estabelecer as condições de conforto para os passageiros das cabines de

aeronaves, este trabalho visa avaliar o importante efeito que o comportamento da pressão de cabine tem na sensação de conforto.

A pressão de cabine varia durante os estágios de subida, redução da pressão, e de descida, aumento da pressão, das aeronaves.

Além dessas variações de pressão no interior da cabine, há ainda, o efeito da baixa pressão barométrica em seu interior, que

corresponde a altitudes que variam de 6000 a 8000 ft (1830 a 2440 m). Esses efeitos afetam fisiologicamente o corpo humano de

diversas maneiras, causando sensação de desconforto, stress e dor para os passageiros. Uma dessas maneiras é pela diferença de

pressão entre os dois lados da membrana timpânica, que a deforma causando desconforto.

O presente trabalho trata dos efeitos da pressão de cabine sobre o ouvido humano e visa relacionar os deslocamentos sofridos pela

membrana timpânica com as sensações de desconforto e dor. Análises paramétricas foram realizadas para se observar a

sensibilidade dos parâmetros do modelo.

Palavras chave: pressão de cabine, conforto, ouvido humano, modelagem matemática.

1. Introdução

A pressão de cabine tem um importante efeito na sensação de conforto em aeronaves. Um primeiro aspecto refere-se à taxa de variação da pressão durante o processo de subida ou descida das aeronaves. Um segundo aspecto refere-se ao efeito da diminuição da pressão barométrica no interior da aeronave, que apesar da pressurização, é mantida a valores menores que ao nível do mar.

A taxa de variação da pressão de cabine influi no conforto através da sensação de compressão nos ouvidos. Uma vez que o ouvido humano é muito sensível a variações de pressão, a taxa de variação da pressão de cabine deve ser controlada. Pequenas variações de pressão não causam desconforto, porém, maiores amplitudes podem causar desconforto conforme a taxa de variação da pressão.

A cavidade timpânica do ouvido humano é essencialmente uma cavidade de ar fechada. As variações de pressão dentro da cavidade timpânica podem ser reduzidas ou amenizadas de diferentes formas. A principal maneira que o ouvido humano tem de equalizar a diferença de pressão entre a cavidade timpânica e o meio externo é através da abertura da trompa de Eustáquio, um conduto que comunica a cavidade timpânica com a nasofaringe e que permanece a maior parte do tempo fechado devido a pressão exercida por tecidos externos a ele. A trompa de Eustáquio abre involuntariamente a cada 60 a 120 s através da contração do músculo tensor do véu palatino, que está em contato com a superfície externa da trompa. Além disso, trompa de Eustáquio pode ser aberta voluntariamente através de movimentos da mandíbula, como o ato de engolir, e também, pela manobra de Valsalva.

Passageiros de vôos comerciais incluem pessoas que não são capazes de realizar a compensação do ouvido médio no processo de descida, no caso: passageiros dormindo, crianças, passageiros com infecção das vias aéreas superiores (IVAS) no caso: quadro gripal, sinusites e otites.

Notou-se que as taxas normalmente empregadas para limites de compressão ou descompressão, diferem de resultados observados no dia a dia das viagens em aeronaves. Desta forma, surgiu a necessidade de uma reavaliação dos valores normalmente empregados.

Neste trabalho propôs-se um modelo matemático para o comportamento do sistema auditivo humano mediante as variações de pressão na cabine da aeronave. Com este modelo pretende-se relacionar os deslocamentos sofridos pela membrana timpânica com a sensação de desconforto e dor e, assim, determinar os novos limites de taxas de variação de pressão durante os estágios de vôo.

1.1. O ouvido humano

O ouvido humano é basicamente dividido em três partes, o ouvido externo, médio e interno (Dângelo e Fattini,

2000) (fig. 1).

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Fig. 1: Anatomia do ouvido humano O ouvido externo é composto pelo pavilhão e pelo meato acústico externo cuja função é conduzir as ondas sonoras

captadas pelo pavilhão até a membrana timpânica. O ouvido médio consiste de duas cavidades de ar fisicamente conectadas, mas fisiologicamente separadas. A

cavidade anterior, denominada de cavidade timpânica, é a parte do ouvido médio que contém os ossículos do ouvido, a saber, o martelo, a bigorna e o estribo. A cavidade posterior é a cavidade do osso mastóideo que é composta de numerosas células de ar denominadas de aerocélulas mastóideas (Kanick e Doyle, 2005).

A cavidade timpânica comunica-se com o meio externo por meio da trompa de Eustáquio que a conecta à nasofaringe. A parte posterior da trompa de Eustáquio (parte óssea) é contínua com a cavidade timpânica. A cavidade timpânica contém a membrana timpânica, que faz a fronteira com o meio externo. O ouvido interno também se comunica com a cavidade timpânica assim como as cavidades das aerocélulas mastóideas.

O ouvido interno é constituído pela cóclea e canais semicirculares que são os responsáveis pela conversão dos sinais mecânicos sonoros captados pelo ouvido externo e transmitidos pelo ouvido médio em impulsos nervosos enviados ao cérebro (Dângelo e Fattini, 2000).

1.1.1. A membrana timpânica

A membrana timpânica é a membrana que separa a cavidade timpânica do meio externo e, portanto, é a estrutura

mais afetada com as variações de pressão no ambiente externo à cavidade timpânica. Por essa razão, a membrana timpânica é o indicador de desconforto e de dor que se pretende modelar.

Segundo Fay et al. (2005), a membrana timpânica é composta de uma série de camadas. Essas camadas contêm fibras de colágeno. Em algumas camadas a direção das fibras segue um padrão radial, enquanto que nas demais, a direção das fibras é circunferencial.

Segundo Cheng; Dai; Gan (2007), a membrana timpânica tem aproximadamente 10 mm de diâmetro e 0,08 mm de espessura.

Vários experimentos foram realizados com a finalidade de se obter as propriedades mecânicas da membrana timpânica. Observou-se que apesar de as membranas apresentarem um comportamento elástico, houve grandes divergências de resultados entre os experimentos de diversos autores (Cheng, Daí e Gan, 2007; Fay et al., 2005).

1.2. Mecanismos de trocas gasosas

A regulação da pressão da cavidade timpânica pode ser efetuada por alguns mecanismos de troca gasosa que

ocorrem no ouvido médio. O principal mecanismo de troca gasosa da cavidade timpânica é pela trompa de Eustáquio, que conecta a membrana

timpânica com a nasofaringe. Outra forma de troca gasosa é por difusão dos gases com a corrente sanguínea que circula a cavidade timpânica. O terceiro mecanismo de troca gasosa da cavidade timpânica é com o osso mastóideo, ou melhor, com as aerocélulas mastóideas, que tem o importante papel de ser um compensador de pressão para a cavidade timpânica. A figura (2) a seguir, extraída do artigo de Kanick e Doyle (2005), representa um esquema dos mecanismos de trocas gasosas da cavidade timpânica com os demais meios.

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Fig. 2: Esquema dos mecanismos de troca gasosa da cavidade timpânica (Kanick e Doyle, 2005)

1.2.1. Troca gasosa com a nasofaringe A troca gasosa da cavidade timpânica com a nasofaringe, conhecida por ventilação, ocorre por meio da abertura da

trompa de Eustáquio (tuba auditiva). De acordo com a norma da SAE de critérios de controle da pressurização de cabine de aviões ARP1270 (2000), a

parte óssea da trompa de Eustáquio, próxima à cavidade timpânica, é normalmente aberta. Já a parte da trompa de Eustáquio próxima da nasofaringe é normalmente fechada, pois é formada por cartilagem, músculos e outros tecidos que possibilitam o fechamento da mesma (Sadé e Ar, 1997).

Apesar de a trompa de Eustáquio ser normalmente fechada, ela abre involuntariamente por 0,2 segundos a cada 1 a 2 minutos (Sadé e Ar, 1997). Portanto, durante o período em que ela estiver fechada, a pressão barométrica no interior da cavidade timpânica não poderá ser equilibrada com a pressão barométrica externa ao ouvido. Dessa forma, quando a pressão externa ao ouvido variar, como na cabine de aviões, existirá uma diferença de pressão entre os dois lados da membrana timpânica. Essa diferença de pressão provocará uma deformação da membrana timpânica e essa deformação, dependendo da magnitude, poderá causar sensação de desconforto e até dor para o passageiro.

Segundo Sadé e Ar (1997), o comprimento da trompa de Eustáquio mede de 3 a 4 cm e é constituída de duas estrutura cônicas conectadas por um estreito anel, o isthmus, que tendo de 1 a 2 mm de comprimento e de 0,6 a 1,2 mm de diâmetro, representa uma perda de carga para o escoamento de ar através da trompa de Eustáquio.

A trompa de Eustáquio pode ser aberta passivamente quando a pressão dentro da cavidade timpânica for superior à pressão na nasofaringe, essa diferença de pressão pode ser de 3,4 kPa (Blumen e Rinnert, 1995). Portanto, durante o período de decolagem e de subida da aeronave, quando a pressão barométrica no interior da cabine diminui, a pressão no interior da cavidade timpânica deve ser igualada à pressão da cabine pela abertura passiva da trompa de Eustáquio. Neste estágio, as pessoas com funcionamento normal da trompa de Eustáquio não devem sentir desconforto ou dor nos ouvidos. Quando ocorre o inverso, ou seja, nos estágios de descida e pouso, a tendência é de a pressão externa ao ouvido ser maior. Para esse caso, a diferença de pressão necessária para abrir a trompa de Eustáquio passivamente é maior (5,9 kPa). Essa diferença para o caso de subida e de descida é devida ao formato da trompa e dos tecidos em redor.

1.2.2. Troca gasosa com a corrente sanguínea

A corrente sanguínea irriga a cavidade timpânica através da mucosa do ouvido médio que contém os capilares que

possibilitam a troca gasosa. A troca gasosa de um meio para o outro ocorre pelo processo de difusão dos gases por causa do diferencial de pressões parciais dos gases. Sadé e Ar (1997) detalham bem esse mecanismo de troca gasosa e apresentam uma tabela, reproduzida na tab. (1).

Tabela 1: Pressões parciais e totais (mmHg) no ar, sangue e no interior do ouvido médio ao nível do mar (Sadé e

Ar, 1997) Ar saturado

(37oC) Alveolar Arterial Sangue

venoso Ouvido médio*

PO2 150 102 93 38 40 PCO2 0 39 39 44 50 PH2O 47 47 47 47 47 PN2** 563 572 575 575 623 Ptotal 760 760 754 704 760

* Valores médios de múltiplas medidas ** N2 e outros gases inertes

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1.2.3. Troca gasosa com o osso mastóideo Segundo Sadé e Ar (1997) o volume da cavidade timpânica varia de 0,5 a 0,6 ml aproximadamente nos seres

humanos. Por outro lado, o volume das cavidades do osso mastóideo apresenta uma variação muito grande de pessoa para pessoa sendo de menos de 1 ml a até 30 ml.

O princípio de troca gasosa também é por difusão com a corrente sanguínea que circula as cavidades do osso mastóideo. Existe uma relação, obtido através de experimentos, que pessoas com grandes volumes dessas cavidades são menos sensíveis às variações de pressão do que pessoas que apresentam menor volume dessas cavidades. Isso ocorre porque as aerocélulas mastóideas funcionam como um compensador de pressão.

1.3. Modelo matemático

A cavidade timpânica foi modelada como sendo um reservatório de ar de volume V, o qual se comunica com o

meio externo através de um tubo com resistência hidráulica RV (fig. 3). A trompa de Eustáquio representada pela resistência RV, é normalmente fechada e abre periodicamente com certa freqüência. A membrana timpânica foi modelada como uma membrana flexível com módulo de elasticidade K. Alguns dos valores dessas constantes foram retirados da literatura, outros, porém, não foram encontrados. Através deste modelo, pretende-se determinar relações entre a deformação da membrana timpânica, provocada pelas diferenças de pressão, e a sensação de desconforto/dor.

Fig. 3: Modelo simplificado do ouvido médio O equacionamento deste modelo deve ser desenvolvido de forma a obter a deformação da membrana timpânica (x)

em função da pressão da cabine (pc), a taxa de variação de pressão da cabine (dpc/dt) e da resistência ao escoamento de ar da trompa de Eustáquio (Rv).

A conservação da massa diz que a taxa de variação da massa no interior da cavidade timpânica é igual ao fluxo de massa através da trompa de Eustáquio, ou seja,

( ) ( )( )

dt

tdmtqt =⋅ρ (1)

onde, ρ – massa específica do ar, [kg/m3]; q – vazão volumétrica de ar através da trompa de Eustáquio, [m3/s]; m – massa de ar dentro da cavidade do tímpano, [kg]. A vazão de ar relaciona-se com a diferença de pressão dentro e fora da cavidade timpânica e com a resistência

hidráulica do tímpano através da seguinte equação:

( )( )( )

( ) ( )( )tR

tptp

tR

tptq

v

in

v

−=

∆= (2)

onde, pi – pressão dentro da cavidade do tímpano, [Pa]; pn – pressão na nasofaringe, [Pa]; Rv – resistência hidráulica da trompa de Eustáquio, [Pa.s/m3]. Substituindo a equação (2) na equação (1) obtém-se que:

( )( )

( ) ( )( )

( )( )

( ) ( )( )( )tR

tptp

tV

tm

tR

tptpt

dt

tdm

v

in

v

in −⋅=

−⋅= ρ (3)

Onde,

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V – volume de ar dentro da cavidade do tímpano, [m3]; Uma quarta equação é obtida considerando o comportamento do ar como o de gás perfeito, assim, a equação de

estado do ar é:

( )( ) ( )

i

i

RT

tVtptm = (4)

onde, R – constante do ar, [kJ/kg.K]; Ti – temperatura do ar, [K]. Substituindo a equação (4) na (3) e, obtém-se,

( ) ( ) ( )( )( )

( ) ( )( )

( )( )

( )

⋅+⋅=

⋅=

−⋅

dt

tVdtp

dt

tpdtV

RTRT

tVtp

dt

d

tR

tptp

RT

tpi

i

ii

i

v

in

i

i 1 (5)

O volume pode ser escrito da seguinte forma,

( ) ( )( )00 xtxAVtV −−= (6)

( ) ( )tdxAtdV −= (7) onde, A – superfície do tímpano que se deforma, [m2]; x – deformação do tímpano, [m]. Fazendo-se o equilíbrio de força entre as faces do tímpano obtém-se,

( ) ( ) ( )( )0xtxKAtpAtp ci −−=−

portanto,

( ) ( ) ( )( )0xtxA

Ktptp ci −−= (8)

e

( ) ( ) ( )tdxA

Ktdptdp ci −= (9)

Substituindo as equações (6), (7), (8) e (9) na (5) e, considerando que pn(t)=pc(t), chega-se à seguinte equação

diferencial:

( )( )

( )( ) ( )( ) ( )( )( )( )

( )( ) ( )A

KVtpAxtxK

dt

tdpxtxAVxtxxtx

K

tpA

RA

K

dt

tdx

c

cc

⋅−⋅−−⋅⋅

⋅−⋅−−−⋅

−−

⋅⋅

⋅=

00

0000

2

(10)

A equação acima relaciona a deformação da membrana timpânica com a pressão externa ao ouvido, a taxa de

variação de pressão e a resistência hidráulica da trompa de Eustáquio. A solução desta equação diferencial foi feita utilizando o método numérico de Runge-Kutta de quarta ordem,

empregado num programa desenvolvido em linguagem de C++.

3. Resultados Como alguns dos parâmetros não estão disponíveis na literatura, foi realizada uma análise paramétrica variando os

parâmetros do modelo matemático. Os valores constantes dos parâmetros para as simulações estão apresentados na tab. (2) a seguir.

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Tabela 2: Valores dos parâmetros utilizados nas simulações e análises paramétricas.

Parâmetro Valor Unidade

V0 8,75 ml

A 0,6 cm2

K 500 N/m

Rv fechada (Rvf) 1.1010 Pa.s/m3

Rv aberta (Rva) 1000 Pa.s/m3

Período de fechamento da T. Eustáquio 75 s

Período de abertura da T. Eustáquio 0,25 s

Taxa de variação de pressão na subida 30,4 Pa/s

Taxa de variação de pressão na descida 18,0 Pa/s

Pressão de abertura da T. Eustáquio (subida) 3,4 kPa

Pressão de abertura da T. Eustáquio (descida) 5,9 kPa

Para a realização das simulações, se fez uso de curvas de pressão obtidas no interior de cabines de aeronaves da

EMBRAER. Essas curvas serviram como dados de entrada para pressão de cabine e taxa de variação de pressão. As curvas de pressão podem ser vistas nas figuras 4 e 5 a seguir.

Fig. 4: Primeira curva de pressão de cabine (EMBRAER).

Fig. 5: Segunda curva de pressão de cabine (EMBRAER).

Analisando as curvas de pressão acima, podem-se perceber as três principais fases do vôo. A primeira fase é a fase

de decolagem representada pela diminuição, quase linear, da pressão no interior da cabine. A segunda fase é a fase de

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cruzeiro, que pode ser vista pela estabilização da pressão numa pressão inferior à do início da decolagem. A terceira fase do vôo é a fase de descida e pouso da aeronave, que pode ser vista pelo aumento da pressão.

Durante os períodos de decolagem e de pouso espera-se que aconteçam as máximas deformações da membrana timpânica, pois, nesses estágios, as taxas de variação de pressão são bastante altas. Nota-se, também, que durante o estágio de cruzeiro, a pressão da cabine também sofre variações de pressão, que podem ocorrer a altas taxas de variação provocando grandes deformações da membrana timpânica.

Utilizando os dados da tab. (2), simulou-se a deformação da membrana timpânica e a diferença de pressão entre os lados do tímpano para as duas curvas de pressão mostradas acima.

As fig. 6 e 7 mostram a deformação da membrana timpânica para a primeira e segunda curva de pressão, respectivamente.

Fig. 6: Deformação do tímpano para a primeira curva de pressão.

Fig. 7: Deformação do tímpano para a segunda curva de pressão.

Analisando as figuras acima, nota-se que a deformação da membrana timpânica é maior para os períodos de

decolagem e de pouso como já era esperado. Nota-se, também, que a deformação do tímpano durante a decolagem atinge um valor máximo. Isso acontece porque a diferença de pressão existente entre a cavidade timpânica e a cabine é suficiente para abrir a trompa de Eustáquio passivamente. Entretanto, no estágio de pouso, a deformação da membrana timpânica é maior para a segunda curva do que para a primeira. Isso acontece porque a taxa de variação de pressão da segunda curva é maior, no período de pouso, do que na primeira curva (fig. 4 e 5). Por essa razão, a deformação do tímpano atinge um valor máximo para a segunda curva, também limitado pela diferença de pressão existente.

Outra observação importante é que as variações de pressão durante a faze de cruzeiro implicam em variações da deformação do tímpano. Além disso, verifica-se que o retorno do tímpano para a condição de deformação zero é bem lento e não é imediato para os valores dos parâmetros adotados na simulação.

Dois importantes parâmetros que não foram encontrados de forma confiável na literatura serão analisados a seguir. São eles: a resistência hidráulica da trompa de Eustáquio e a constante de deformação elástica membrana timpânica.

A primeira análise paramétrica é fazendo a variação da resistência hidráulica da trompa de Eustáquio. Os valores simulados para essa resistência foram: 100, 500, 1000 e 4000 Pa.s/m3. A fig. (8), mostra o gráfico da deformação do tímpano para esses valores da resistência hidráulica da trompa de Eustáquio referentes à primeira curva de pressão.

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Fig. 8: Deformação do tímpano para diferentes valores da resistência hidráulica da trompa de Estáquio, referentes à

primeira curva de pressão. O resultado observado na fig. (8), era o esperado e significa que aquelas pessoas que apresentam maior resistência

ao escoamento em suas trompas de Eustáquio (gripes, sinusites, etc.), essas pessoa sentirão mais dores no tímpano quando a pressão da cabine variar. Aquelas pessoas que estiverem numa situação mais saudável, com as trompas limpas, sem muco, sentirão menos dores com a variação da pressão da cabine. O mesmo efeito pode ser observado no gráfico da diferença de pressão entre os dois lados do tímpano, mostrado na fig. (9) a seguir.

Fig. 9: Diferença de pressão no tímpano para diferentes valores da resistência hidráulica da trompa de Estáquio,

referentes à primeira curva de pressão. A segunda análise paramétrica foi feita variando a constante de deformação elástica da membrana timpânica. Os

valores empregados na simulação foram 250, 500, 750 e 1000 N/m. As fig. (10) e (11), mostram a deformação da membrana timpânica e a diferença de pressão no tímpano para a primeira curva de pressão.

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Fig. 10: Deformação do tímpano para diferentes valores da constante elástica, referentes à primeira curva de

pressão. A análise da fig. (10) permite concluir que a deformação do tímpano é maior para tímpanos com menor rigidez,

além disso, verifica-se que tímpanos menos rígidos sofrem maior deformação do que tímpanos mais rígidos quando a trompa de Eustáquio abre. Isso já era esperado, pois é natural que algo menos rígido deforme mais do que algo mais rígido sob determinado esforço.

Fig. 11: Diferença de pressão no tímpano para diferentes valores da constante elástica, referentes à primeira curva

de pressão.

A fig. (11) mostra que os tímpanos mais rígidos sofreram maior diferença de pressão do que os tímpanos menos rígidos, apesar de deformarem menos. Então, verifica-se que os tímpanos menos rígidos suportam menos diferencial de pressão e, isto está associado ao fato de sofrerem grandes deformações.

Portanto, essa análise permite concluir que a verificação de conforto deve estar associada a dois fatores: A deformação da membrana timpânica e a diferença de pressão entre os dois lados da mesma.

4. Conclusão

A execução do modelo matemático foi realizada com sucesso, sendo que este pôde ser utilizado em dados reais de

curvas de pressão em cabines. As análises paramétricas supriram a falta de alguns valores para os parâmetros necessários para o modelo.

Este modelo poderá ser utilizado posteriormente, em experimentos, para se verificar em quais condições se inicia o desconforto nos passageiros.

As análises realizadas concordam com os resultados esperados, validando o modelo desenvolvido.

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5. Referências

Blumen, I. J., Rinnert, K. J., 1995, “Altitude Physiology and the Stresses of Flight”, Air Medical Journal. Cheng, T., Dai, C., Gan, R. Z., 2007, “Viscoelastic properties of human tympanic membrane”, Annals of Biomedical

Engineering, vol. 35, No. 2, pp. 305-314. Decraemer, W. F., Maes, M. A., Vanhuyse, V. J., 1980, “An elastic stress-strain relation for soft biological tissues based

on a structural model”, J. Biomech. 13(6):463-468. Fay, J., Puria, S., Decraemer, W. F., Steele, C., 2005, “Three approaches for estimating the elastic modulus of the

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cabins of aircraft, this work aims to evaluate the important effect of the cabin pressure behavior in the comfort

sensation.

The cabin pressure varies during the periods of flight, mainly in the take off and the landing. During the take-off the

external atmospheric pressure is reduced and the cabin pressure is also reduced by structural reasons. During the

landing the opposite happens, the external atmospheric pressure increases and the cabin pressure is increased. Beyond

these pressure variations is the effect of the low barometric pressure in the interior of the cabin equivalent to the

altitude that varies from 6000 to 8000 ft (1830 a 2440 m). These effects physiologically affect the human body in many

ways, causing the sensation of discomfort, stress and pain in the people located inside the aircraft.

One of the ways with that pressure variations cause discomfort is by the pressure difference between the two sides of

the tympanic membrane. This pressure difference causes the displacement of the tympanic membrane causing

discomfort.

The present work deals with the effect of the cabin pressure on the human ear and aims to relate the displacements

suffered by the tympanic membrane with the sensations of discomfort and pain. Parametric analysis were made to

observe the model behavior.

Keywords: Cabin pressure, comfort, human ear, mathematic modeling.