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DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS ESTRATÉGICAS PARA INOVAÇÃO: EVIDÊNCIAS A PARTIR DO CASO DO SETOR AUTOMOTIVO BRASILEIRO Thiago Leite de Moura e Souza (UFMG) [email protected] Maria Cecilia Pereira (UFMG) [email protected] Ana Valeria Carneiro Dias (UFMG) [email protected] Marina Coelho Bachour (UFMG) [email protected] Raoni Barros Bagno (UFMG/PUCMG) [email protected] A inovação tornou-se um assunto estrategicamente importante para as empresas no terceiro milênio. No setor automotivo e, em especial, dos fornecedores de motores, tecnologias inovadoras com proposições ambientais estão se transformando em uuma questão de sobrevivência de todo o setor, exigindo um remanejamento da estrutura organizacional e maior planejamento interno para alcançar e sustentar a organização que se pretende inovadora. O presente artigo apresenta resultados de pesquisa acerca do desenvolvimento de competências para inovação em uma subsidiária brasileira que projeta e produz motores e transmissões. Dentre eles, a matriz Competências x Etapas da Inovação, que propicia às organizações a identificação e o norteamento dos investimentos no desenvolvimento de competências estratégicas para inovação, analisando as características particulares de cada etapa do ciclo de inovação. A pesquisa e a posterior construção do instrumento apoiaram-se em um estudo de dois casos de sucesso de inovação na empresa, objetivando compreender como ocorre o desenvolvimento de competências para a criação de capacidade para inovação no processo de Pesquisa e Desenvolvimento de produtos da empresa e investigar quais são as variáveis importantes para alcançar e manter essa capacidade. Palavras-chaves: competência, capacidade, inovação, processo, etapas da inovação, cadeia de valor, setor automotivo XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.

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DESENVOLVIMENTO DE

COMPETÊNCIAS ESTRATÉGICAS

PARA INOVAÇÃO: EVIDÊNCIAS A

PARTIR DO CASO DO SETOR

AUTOMOTIVO BRASILEIRO

Thiago Leite de Moura e Souza (UFMG)

[email protected]

Maria Cecilia Pereira (UFMG)

[email protected]

Ana Valeria Carneiro Dias (UFMG)

[email protected]

Marina Coelho Bachour (UFMG)

[email protected]

Raoni Barros Bagno (UFMG/PUCMG)

[email protected]

A inovação tornou-se um assunto estrategicamente importante para as

empresas no terceiro milênio. No setor automotivo e, em especial, dos

fornecedores de motores, tecnologias inovadoras com proposições

ambientais estão se transformando em uuma questão de sobrevivência

de todo o setor, exigindo um remanejamento da estrutura

organizacional e maior planejamento interno para alcançar e sustentar

a organização que se pretende inovadora. O presente artigo apresenta

resultados de pesquisa acerca do desenvolvimento de competências

para inovação em uma subsidiária brasileira que projeta e produz

motores e transmissões. Dentre eles, a matriz Competências x Etapas

da Inovação, que propicia às organizações a identificação e o

norteamento dos investimentos no desenvolvimento de competências

estratégicas para inovação, analisando as características particulares

de cada etapa do ciclo de inovação. A pesquisa e a posterior

construção do instrumento apoiaram-se em um estudo de dois casos de

sucesso de inovação na empresa, objetivando compreender como

ocorre o desenvolvimento de competências para a criação de

capacidade para inovação no processo de Pesquisa e Desenvolvimento

de produtos da empresa e investigar quais são as variáveis importantes

para alcançar e manter essa capacidade.

Palavras-chaves: competência, capacidade, inovação, processo, etapas

da inovação, cadeia de valor, setor automotivo

XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no

Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.

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1. Introdução

A inovação tornou-se um assunto estrategicamente importante para as empresas no terceiro

milênio. A percepção de que novas tecnologias, novos produtos e processos podem propiciar

importantes vantagens competitivas, que vão além da otimização da produção (DE NEGRI et

al, 2005), potencializa a ideia de que a nova estratégia exige um remanejamento da estrutura

organizacional e maior planejamento interno para alcançar e sustentar uma organização que se

pretende inovadora.

No caso específico do setor automotivo e, em especial, dos fornecedores de motores,

tecnologias inovadoras, particularmente aquelas que reduzam emissões, permitam a

exploração de fontes alternativas de combustível e aumentem a eficiência estão se

transformando em uma questão de sobrevivência de todo o setor.

O objetivo deste artigo é apresentar resultados de pesquisa acerca do desenvolvimento de

competências para inovação em uma empresa brasileira. Um dos resultados apresentados é

um instrumento gerencial, a matriz Competências x Etapas da Inovação, que propicia às

organizações a identificação das competências consideradas importantes para a inovação,

analisando as características particulares de cada etapa do ciclo de inovação. A pesquisa e a

posterior construção do instrumento apoiaram-se em um estudo de caso que objetivou

compreender e comparar dois casos de sucesso de inovação em uma subsidiária brasileira que

desenvolve e produz motores e transmissões.

A partir deste estudo de caso, procurou-se compreender como ocorre o desenvolvimento de

competências para a criação de capacidade para inovação no processo de Pesquisa e

Desenvolvimento de produtos da empresa. Além disso, investigou-se quais são as variáveis

importantes para que uma empresa esteja capacitada a inovar, isto é, busque a renovação e o

desenvolvimento de competências individuais e a institucionalização desses processos

voltados para a inovação.

O artigo estrutura-se da seguinte forma: a metodologia de pesquisa é explicitada

primeiramente; a seguir, apresenta-se o conceito de inovação e diferentes abordagens sobre o

processo de inovação, com foco na perspectiva da “cadeia de valor”; as competências

estratégicas para inovação, cujo desenvolvimento dá suporte ao processo de inovação, são

conceituadas e categorizadas em seguida; ao final, o estudo de caso é apresentado e discutido,

para que seja construída a matriz que relacione as competências com as etapas da inovação,

importante para direcionar os investimentos em desenvolvimento de competências

identificadas como prioritárias.

1.1 Metodologia de pesquisa

A pesquisa consistiu em um estudo de caso aprofundado, no qual predomina a dimensão

qualitativa, uma vez que se trata de aprofundar na compreensão de um fenômeno particular –

a construção de competências para a criação de capacidade de inovação, considerando-se as

diferentes etapas do processo de inovação (YIN, 1994). A subsidiária brasileira de uma

empresa de motores e transmissões constitui o universo social e cultural da pesquisa, tendo

sido focalizado o setor de Engenharia do Produto.

O estudo de caso consistiu na compreensão e confrontação de dois casos, com trajetórias

distintas, considerados pelos atores como bem sucedidos em inovação. A escolha de casos

cujo processo de inovação foi estruturado de maneiras diferentes constituiu uma base para

entender as vertentes do próprio processo e permitiu definir algumas das competências mais

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importantes que as pessoas envolvidas em projetos de inovação possuem. Esses dados foram

essenciais para relacionar as competências consideradas importantes para a inovação com as

peculiaridades de cada etapa do processo que envolve conceito, planejamento e aplicação de

ideias.

Dentro da proposta metodológica empregada na realização da pesquisa, os seguintes tipos de

acesso foram utilizados:

Pesquisa documental: análise de documentos (relatórios, pesquisas já realizadas,

históricos) disponibilizados pela empresa;

Entrevistas semiestruturadas: realização de entrevistas com roteiros constituídos por

tópicos mais gerais, que não são previamente desdobrados em sub-tópicos. As

verbalizações foram gravadas em áudio e transcritas na íntegra para a realização das

análises.

A análise documental foi baseada nas consultas a documentos disponibilizados pela empresa.

Os dados coletados foram analisados ao longo do processo de obtenção dos mesmos e em

discussões posteriores realizadas entre os integrantes do grupo de pesquisa.

As entrevistas semiestruturadas foram realizadas com os principais envolvidos nos dois casos

estudados, dentre engenheiros de produto, gerentes de engenharia de produto e gerentes de

plataforma de produto. Os diálogos com os atores foram guiados por roteiros básicos, dentro

de tópicos gerais preestabelecidos – constituição da equipe de projeto, etapas do projeto,

quem participou de cada etapa, metodologias para gestão do projeto (indicadores e metas de

prazo/orçamento), existência de recompensas para os participantes, etc. – apenas para definir

uma sequencia lógica de condução. As verbalizações, contudo, procuraram dar abertura para

que os entrevistados chamassem atenção para o que lhes parecia importante e significativo

(GUÉRIN et al, 2004). Dependendo das situações que eram apresentadas, a técnica de “escuta

atenta” era utilizada para lançar perguntas não pensadas inicialmente, a fim de tentar

compreender aspectos mais relacionados à prática situada em determinado contexto.

Com relação especificamente à identificação de competências, uma questão direta nas

entrevistas perguntava, para cada categoria de competências estratégicas para inovação

(conforme as definições apresentadas na seção 3), quais estavam presentes e quais eram

importantes; além disso, indiretamente, por meio de outras questões do roteiro básico,

identificaram-se aquelas que foram efetivamente mobilizadas para o sucesso do projeto.

2. O processo de inovação

Inovação pode ser entendida como a exploração bem sucedida de novas ideias; o sucesso está

relacionado à capacidade de introduzir e difundir novos produtos, processos e serviços para

sociedade (TIDD et al, 1997). Tal definição implica considerar a inovação como um processo,

que se inicia com uma nova ideia, passa pela seleção de soluções para aplicação de tal ideia,

em seguida pelo desenvolvimento da solução com vistas a transformá-la em novo produto,

processo ou serviço, finalizando com a efetiva introdução do novo produto ou serviço no

mercado ou com a aplicação do novo processo. Como todo processo interno a uma

organização, o processo de inovação pode ser gerenciado, ou seja, pode-se formalizar,

planejar e controlar o processo de modo a obter maior eficiência e eficácia. Para tal, a

primeira providência é mapear o processo, ou seja, compreender suas etapas, os atores que

delas participam, as recursividades e os objetivos a serem alcançados em cada fase.

Vários autores propõem diferentes abordagens para a estruturação do processo de inovação.

Tidd et al (1997) propõem que o processo de inovação constitui-se de quatro fases:

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mapeamento de oportunidades de inovação, interna e externamente à firma; seleção da

oportunidade de inovação a ser desenvolvida, vinculando as oportunidades às estratégias da

organização; busca de recursos para a inovação; implementação da inovação, ou

desenvolvimento, desde a ideia inicial, até o lançamento final do produto, serviço ou

processo. Haveria, ainda, uma quinta fase, de reflexão acerca das fases anteriores e revisão

das experiências bem ou mal sucedidas. Cooper (1993) foca na etapa de implementação,

citando que o processo se iniciaria com a fase de ideação, seguida de análises e seleção das

ideias geradas, desenvolvimento de tais ideias, testes e validação, finalizando com a produção

em escala industrial e lançamento. De modo similar, no caso particular do setor automotivo,

Clark e Fujimoto (1991) definem o processo de desenvolvimento de novos produtos em

quatro etapas: desenvolvimento do conceito, planejamento do produto, desenvolvimento do

produto (desenhos de engenharia) e desenvolvimento do processo.

Hansen e Birkinshaw (2007) estruturam o ciclo de inovação em uma “cadeia de valor”, que

teria três fases sequenciais. Na fase de geração de ideias, ocorreriam as atividades de

mapeamento de ideias internamente à organização (em uma unidade ou em várias unidades

trabalhando de forma colaborativa) e externamente a ela (junto a consumidores, concorrentes,

centros de pesquisa, fornecedores). Na etapa de conversão de ideias, haveria a seleção das

ideias a serem desenvolvidas, as escolhas sobre como financiá-las, e o desenvolvimento

propriamente dito. Finalmente, há a fase de difusão da ideia (agora convertida em produto,

serviço ou processo) para toda a organização, e introdução do novo produto ou serviço nos

mercados-alvo.

Segundo os autores, as empresas deveriam examinar a sua cadeia de valor, identificar os elos

fracos e envidar esforços a fim de fortalecê-los. Tratar-se-ia, portanto, de direcionar os

esforços gerenciais, realizando investimentos de forma seletiva, evitando o erro de investir em

um elo forte e ignorar um elo fraco que, ao se romper, afetará toda a cadeia. Nesta pesquisa, o

ciclo de inovação em cadeia de valor de Hansen e Birkinshaw (2007) é adotado como modelo

das etapas de um processo de inovação, primeiro porque o interesse do presente artigo é

construir um instrumento gerencial que possa apontar deficiências e prioridades de ação;

segundo, por entender que a abordagem da cadeia de valor da inovação proporciona maior

clareza com relação às implicações organizacionais – e, consequentemente, de formação de

competências, como será visto na seção seguinte – para empresas que pretendem desenvolver

capacidade de inovação, isto é, que desejam, além de compreender a inovação como um

processo, buscar renovação e desenvolvimento de competências consideradas estratégicas

para inovação, a melhor combinação dessas competências e a institucionalização dos

processos voltados para a inovação.

3. Desenvolvimento de competências para inovação

A importância da disseminação do conhecimento ao longo do processo de inovação manifesta

a existência de uma forte dependência com o processo de desenvolvimento de competências

para que se amplie a capacidade tecnológica por parte das empresas. Mas, afinal, como definir

competências e, mais além, como prever e classificar competências que sejam estratégicas

para a inovação?

Fleury e Fleury (2001), apoiados na obra de Le Boterf (1995), definem competência como um

saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar, transferir

conhecimentos, recursos e habilidades, que agreguem valor econômico à organização e valor

social ao indivíduo. Nesse conceito, as competências individuais são sempre contextualizadas,

jamais estáticas e entendidas de forma estanque. Os conhecimentos e o know-how não

adquirem status de competência a não ser que sejam comunicados e utilizados.

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Zarifian (2001) também enfatiza que a competência é contextualizada ao ressaltar que o

importante para a formação de competências é a análise da atividade de trabalho, da prática

situada. O autor define competência como um entendimento prático das situações, baseado

em conhecimentos tácitos e explícitos previamente construídos pelo indivíduo. Esse

conhecimento é transformado em competência quando colocado em prática. De acordo com o

mesmo autor, a competência também está relacionada com a autonomia, pois como um

entendimento prático de situações reais, só pode ser efetivado se o indivíduo exercitá-lo na

tarefa atual. Logo, competência não é apenas um atributo individual; está acima disso, é uma

questão organizacional. Segundo esta abordagem, a organização, situada em uma ambiente

institucional, define a sua estratégia, que pode ou não ser explícita para inovação, e as

competências necessárias para implementá-las, num processo permanente de disseminação de

conhecimentos, desenvolvimento e renovação de competências.

Competências individuais – formais e informais - que favoreçam o percurso da inovação e da

construção de capacidade para a inovação são aqui denominadas pelos autores como

competências estratégicas para inovação (CEI). Elas incorporam a prática do trabalho de

ideia, desenvolvimento e implementação da inovação, seja ela no nível organizacional, em

processos ou em produtos. Em outras palavras, a maneira como esses processos discorrem na

empresa faz parte do conceito de CEI, as quais só são estratégicas porque são praticadas de

determinado modo. Sendo assim, essas competências nunca serão um estado conquistado

pelos indivíduos e pela empresa, mas “estarão” estratégicas em um determinado contexto.

Elas devem ser reconhecidas pelos outros como tais, caracterizando um processo de

socialização.

A partir da definição das competências estratégicas para inovação foi possível listar, sob a luz

da literatura, algumas categorias de competências que possam subsidiar o estabelecimento e

manutenção de uma estratégia voltada para a inovação. Dentre as competências que podem

ser consideradas importantes para inovação enquadra-se a qualificação formal, que dota o

indivíduo de uma bagagem técnica. A formação técnica, contudo, não é autossustentável sem

determinados conhecimentos que tratam do arquivo pessoal, teórico e prático, como o

especialista – da tarefa e sua elaboração e julgamento; conceitual – sobre a teoria; estratégicos

– sobre a gestão da tarefa; além de experiências, princípios, atitudes e comportamentos que

possam ser realmente favoráveis à inovação. Outras competências essenciais para o processo

de inovação estão relacionadas ao modo como qualificação formal e conhecimentos são

colocados em prática para auxiliar no processo de conversão da ideia em aplicação; são

sempre reais, podendo ou não estar formalizadas.

Apesar de já estarem previstas de modo geral na literatura, as competências estratégicas para

inovação sempre estarão, como é pressuposto pelos autores, contextualizadas. O contexto

dessa pesquisa é o setor automobilístico, em especial a Engenharia de Produto de uma

subsidiária brasileira em desenvolvimento e manufatura de motores e transmissões. Quais,

afinal, são as competências consideradas estratégicas para a inovação nessa situação?

4. Apresentação do caso

A seguir, serão apresentados dois casos de sucesso que foram estudados dentro da Engenharia

de Produto da subsidiária brasileira.

4.1 Caso Motor

Um dos casos de inovação, que aqui será denominado Caso Motor, refere-se a um novo

dispositivo que foi desenvolvido com o propósito de melhorar o tempo de partida a frio do

motor a etanol ou flex. Consiste basicamente de um bico extra que controla de modo mais

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apurado a injeção de gasolina no momento da partida do motor a etanol. O propósito é, com a

injeção pelo bico extra, enriquecer a mistura na câmara de combustão com gasolina até um

ponto considerado ideal no momento da partida e, com isso, diminuir o tempo de partida e,

consequentemente, as emissões de poluentes.

O Caso Motor surgiu de uma observação, espontânea, de um engenheiro da empresa sobre um

problema real que afligia os carros equipados com motores que utilizem etanol como

combustível. Por se tratar de um tema relacionado à realidade local, fora do alcance da matriz,

toda a concepção e aplicação foi conduzida nas dependências da filial. O inventor é um

engenheiro que trabalha na empresa há mais de 20 anos; realizou seu Mestrado em

Engenharia voltado para o desenvolvimento deste conceito e, posteriormente, obteve também

o Doutorado – atualmente o engenheiro é, também, professor universitário. O

desenvolvimento do conceito foi realizado de maneira informal; ainda que o engenheiro tenha

apresentado sua ideia à gerência, esta não considerou, a princípio, que o conceito tivesse

viabilidade comercial, pois implicaria em custos extras para o produto final e, à época, não era

necessário redução nos níveis de emissões de poluentes. O inventor, contudo, foi autorizado a

prosseguir com o desenvolvimento do conceito, utilizando, inclusive, as dependências da

empresa, desde que isso não prejudicasse o desenvolvimento normal dos demais produtos da

organização. De maneira interessante, este conceito proporcionou à subsidiária brasileira uma

patente nacional e sua única patente internacional. Posteriormente, o conceito foi aplicado em

um motor que atualmente faz parte do portfolio da empresa. Tais fatos fazem com que este

caso seja considerado como um caso de sucesso.

O inventor constituiu uma equipe informal para o desenvolvimento do conceito, da qual

fizeram parte outros engenheiros, técnicos e um piloto de prova. Tais integrantes foram

convidados pelo inventor e consentiram em sua participação voluntária e informal na equipe;

segundo o inventor, as pessoas “acreditaram” na ideia, “abraçaram” o conceito. O mesmo

ocorreu com dois engenheiros de fornecedores, que participaram também de modo informal,

sem que nenhum contrato fosse estabelecido entre as empresas.

Dessa maneira, o conceito foi desenvolvido, por meio de trabalho realizado nos intervalos das

atividades regulares, paralelamente a essas, aos sábados ou em outros horários alternativos. O

inventor dedicou seu projeto de Mestrado a este conceito, tendo, com isso, oportunidade de

buscar embasamento teórico para o desenvolvimento da ideia. Reuniões informais, de início

sem periodicidade, também ocorriam entre os membros da equipe; tais reuniões foram se

tornando periódicas à medida que o projeto avançava, de forma quase “natural”, segundo o

inventor. O fato de ser um trabalho não formalizado pela empresa fez com que o

desenvolvimento deste conceito fosse, em alguns momentos, considerado não-prioritário, o

que colaborou para um maior tempo de projeto. Ainda assim, a equipe informal conseguiu

apresentar protótipos, utilizando laboratórios e bancadas de teste da empresa. Para tal,

segundo os entrevistados, foi fundamental o trabalho em equipe, pois tal configuração

permitiu que os “tempos livres” de cada membro pudessem ser combinados para a consecução

do projeto.

Após o desenvolvimento do conceito, a patente foi depositada, porém o conceito não foi

imediatamente utilizado em um produto. Passados mais de cinco anos, quando do

desenvolvimento de um novo motor para um veículo “topo de linha” (no qual, portanto, o

preço era uma variável menos importante), o conceito foi aplicado, com a finalidade de

melhorar o desempenho da partida do motor. Quando indagado a respeito do porquê deste

conceito ter sido escolhido para o novo motor, o gerente de desenvolvimento respondeu que

tal ocorreu pois alguns engenheiros integrantes da equipe de desenvolvimento do motor

também haviam participado da equipe informal do desenvolvimento do conceito. É

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importante ressaltar que a empresa possui um processo de desenvolvimento de produtos

(PDP) formalizado, contendo etapas pré-definidas, pontos de go/kill, metodologias a serem

utilizadas e produtos a serem entregues a cada etapa, que é utilizado de maneira corporativa

por toda a organização.

4.2 Caso Transmissão

O outro caso, ficcionalmente apelidado Caso Transmissão, diz respeito ao desenvolvimento

de um sistema de bloqueio do diferencial do eixo dianteiro do veículo, eletronicamente

controlado, integrado ao sistema de transmissão. O objetivo é melhorar a tração em pisos que

oferecem condições adversas à passagem do veículo, quando acionado pelo condutor.

Diferentemente do Caso Motor, no qual a ideia surgiu de uma percepção pessoal sobre a

oportunidade de melhoria na partida a frio do motor a etanol, o caso Transmissão emergiu de

uma demanda direta de uma montadora, cliente principal da empresa estudada, com o intuito

de oferecer uma nova possibilidade ao cliente final, visando alavancar as vendas de sua linha

de carros de passeio com apelo fora-de-estrada, o que de fato aconteceu, caracterizando o caso

como sendo bem sucedido.

Após a colocação da demanda por parte do cliente, o responsável pela Engenharia de

Transmissões iniciou uma pesquisa informal acerca de conceitos existentes que pudessem ser

adotados para a nova transmissão. Uma equipe informal foi constituída para o

desenvolvimento do conceito do novo produto; da equipe faziam parte engenheiros com

diferentes competências – segundo o gerente da Engenharia de Transmissões, era necessário

escolher pessoas com competências complementares; assim, ao lado de um engenheiro

considerado competente tecnicamente, conhecedor não só de tecnologias de transmissão, mas

de tecnologias veiculares como um todo, era necessário um engenheiro com habilidades de

gestão, que pudesse controlar as atividades e os prazos do desenvolvimento – era importante

encontrar a solução o quanto antes, pois a data de lançamento do veículo no mercado já havia

sido determinada. Um engenheiro da área de Experimentação também fazia parte da equipe.

Diversos conceitos já existentes foram pesquisados, contudo, devido às necessidades do

mercado local, foi necessário desenvolver uma solução de baixo custo, diferente das já

existentes.

O conceito desenvolvido fundamentou-se em uma tecnologia utilizada em transmissões para

maquinário agrícola, tendo sido adaptado para o uso em veículos de passeio. Isso demandou

extenso trabalho de uma equipe, expandida a partir da equipe original de desenvolvimento de

conceito. Da nova equipe faziam parte outros engenheiros de produto e de experimentação,

bem como engenheiros de manufatura, engenheiros de produção, engenheiros de compras,

técnicos e engenheiros de um fornecedor do principal componente a ser utilizado na nova

transmissão. Essa equipe trabalhou seguindo as etapas do PDP formal da empresa.

A nova transmissão exigiu uma série de testes diferentes dos pré-determinados no processo

formal de desenvolvimento de produtos da empresa. Exigiu também que novos procedimentos

de produção fossem criados. Finalmente, atenção especial foi dedicada à criação de novos

procedimentos de manutenção do veículo, e até mesmo o manual do proprietário do veículo

precisou ser reescrito (a fim de instruir o cliente a respeito do correto acionamento do sistema

de bloqueio do diferencial), exigindo, dessa forma, que os engenheiros de produto realizassem

atividades em conjunto com os departamentos Comercial e de Assistência Técnica do cliente.

Tais relacionamentos não são usuais no desenvolvimento de produtos nessa empresa, e

proporcionaram o desenvolvimento de novas competências em situação de trabalho para os

atores envolvidos. Vale ressaltar também que, devido ao grau de inovação contido no produto,

foi necessário intenso trabalho conjunto entre os engenheiros da empresa, da montadora e do

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fornecedor do componente, a fim de aproveitar as competências complementares de cada

empresa, e novamente significando a construção de novas competências em cada ator.

5. Construindo a matriz Competências x Etapas da Inovação

Os dois casos apresentados mostram como a inovação pode emergir de diferentes formas

dentro da empresa. No Caso Transmissão, o fato de atender a uma demanda direta do cliente

fez com que fosse garantida maior formalização ao processo de desenvolvimento do produto.

Ainda que a fase conceito tenha sido iniciada com a dedicação exclusiva do idealizador,

posteriormente foi formada uma equipe formal que recebeu da empresa o benefício de um

programa de “geração de ideias”, dedicando um tempo formal ao desenvolvimento do

conceito. A partir daí, o processo foi conduzido até a aplicação conforme o PDP formal da

empresa. O Caso Motor, por sua vez, surgiu de maneira absolutamente informal. A fase

conceito foi totalmente gerida pelo engenheiro-autor, que organizou uma equipe informal e

utilizou laboratórios e outras dependências da empresa, fora do expediente, para realização de

testes. O conceito ficou “na prateleira” por alguns anos até encontrar uma aplicação viável,

sob a avaliação e aprovação de uma equipe dentro da Engenharia de Produto.

A partir das informações obtidas nos dois casos, identificou-se algumas das principais

competências individuais que foram necessárias ao êxito de ambos os casos, partindo-se da

análise das entrevistas realizadas com os principais envolvidos (Tabela 1). As descrições das

competências identificadas, bem como exemplos concretos em ambos os casos são mostrados.

Competência Descrição Exemplo

Conhecimento sobre patentes Saber como escrever, onde pedir / depositar (INTI, PCP, etc.), quais são os

procedimentos, quais problemas podem

ocorrer/já ocorreram anteriormente (manifesto); conhecimento das patentes da

empresa e sua história.

No Caso Motor, a maneira como a inovação foi descrita (o texto, inclusive do título) para

o pedido de patente foi inicialmente rejeitada

por já existir um tipo de injeção parecido. O texto teve de ser reescrito.

Atitude de crença e

perseverança com relação ao

conceito

Saber crer no potencial de um conceito e

saber protegê-lo contra adversidades que

possam surgir, como a falta de apoio formal, por exemplo.

No Caso Motor, no desenvolvimento do

conceito, houve realização de testes em

parceria, em horários alternativos e sem qualquer tipo de respaldo formal por parte da

organização.

Visualização de oportunidades,

definição de um problema de

pesquisa

Saber vislumbrar oportunidades de

melhoria em processos, produtos ou organizacionais, bem como em ideias

viáveis e inexploradas que reduzam

emissões, permitam a exploração de fontes alternativas de combustível, aumentem a

eficiência, etc.

No Caso Motor, o autor do conceito

visualizou uma oportunidade futura com base em exigências ambientais e mudanças

comportamentais.

Conhecimento especialista /

experiência

Saber sobre a tarefa, sua elaboração e

julgamento; princípios, atitudes e comportamentos.

No Caso Transmissão, o autor principal do

conceito, após discutir com os demais engenheiros e técnicos da equipe,

vislumbrou um sistema parecido com o de

um trator. Isso exigiu um julgamento, respaldado pelo conhecimento e pela

experiência do grupo, e uma atitude para a

realização dos testes.

Identificação de pessoas-chave Saber identificar e recorrer a agentes

estratégicos para condução da fase atual.

No Caso Transmissão, a própria equipe

inicialmente montada identificou um engenheiro como pessoa-chave da gestão,

considerando-o crucial para o

desenvolvimento do projeto.

Habilidade de relacionamento

com as pessoas no trabalho

Saber estabelecer e cultivar boas relações no ambiente de trabalho que possam

resultar em parcerias futuras.

No Caso Motor, o bom relacionamento do autor do conceito com colegas de trabalho e

de outras empresas facilitou a realização de

testes e utilização de laboratórios para o desenvolvimento do conceito e protótipo.

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Interesse por pesquisa e

familiaridade com o processo de

pesquisa

Saber o que é a sistematização da busca do conhecimento. Conhecer metodologia de

pesquisa para facilitar a busca de conceitos

e resolução de problemas.

No Caso Motor, a pesquisa de mestrado do autor subsidiou a invenção. A partir de uma

metodologia sistemática, foi possível cogitar

que determinada solução poderia ser viável, dadas determinadas condições já

estudadas/testadas anteriormente.

Atitude de entusiasmo com

ideias nascentes

Saber motivar uma equipe a manter um

ritmo de produção de ideias, bem como focar no desenvolvimento de

ideias/conceitos que possam ser

interessantes para a organização/mercado.

No Caso Transmissão, os principais

responsáveis pelo conceito demonstraram atitude ao insistirem em “colocar o ovo em

pé”, discutindo isso com a equipe e

insistindo na ideia até a realização dos primeiros testes.

Visualização sobre o potencial

“vendável” de uma ideia

Saber identificar se uma ideia, por melhores que sejam suas contribuições

para o meio-ambiente e sociedade, tem

potencial para ser bem aceita pelo mercado consumidor.

No Caso Motor, a equipe responsável pela aplicação no carro topo de linha visualizou o

potencial do sistema e decidiu usar a ideia

que estava na prateleira, considerando que a redução das emissões poderia ser um

importante atrativo para o mercado-alvo

naquele momento.

Conhecimento do conceito Saber discutir e defender o conceito (da ideia, do produto) tecnicamente e

experientemente. Saber visualizar como o

conceito funcionará e os possíveis problemas futuros.

Em ambos os casos, o conhecimento especialista voltado especificamente para o

conceito ajudou a fortalecê-lo, pois os

envolvidos sabiam como ele poderia funcionar, para que seria importante e quais

os possíveis problemas.

Conhecimento técnico (não

necessariamente especialista)

Saber sobre os mecanismos técnicos e

funcionais do conceito (já pensando no produto). Conhecer o funcionamento do

ponto de vista técnico e no momento.

No Caso Transmissão, o gerente de produto

afirmou ser necessário um engenheiro que soubesse como seria o comportamento do

componente em operação dentro do carro.

Conhecimento de metodologias

institucionais e documentos

necessários

Saber os passos necessários para conduzir

uma inovação na empresa. Ou seja, como

registrar, conseguir verbas, quais os caminhos para formalizar o processo de

inovação na organização.

No Caso Transmissão, alguns membros da

equipe tinham domínio dos caminhos para a

condução do projeto, o que facilitou a organização dos passos e da equipe, embora

tenham ocorrido problemas com prazos.

Atitude de autonomia /

iniciativa

Saber agir e tomar frente, de modo

responsável, independente do comando hierárquico, ao vislumbrar oportunidades.

No Caso Motor, o autor do conceito teve a

ideia e decidiu conduzi-la, apresentando-a primeiro a colegas e só depois ao chefe.

Foco nos objetivos do cliente e

consumidor final

Saber atentar-se a fatores qualificadores e ganhadores de pedidos, como custo,

facilidade de direção, conforto,

desempenho, etc.

No Caso Motor, houve a visualização de aplicação da ideia que estava “na prateleira”.

No Caso Transmissão, houve uma busca,

desde o primeiro momento, por uma solução de desempenho e baixo custo, alinhada com

os objetivos do cliente.

Habilidade para a negociação Saber negociar com fornecedores,

coordenadores e colegas.

No Caso Transmissão, o coordenador do

projeto trabalhou na condução das negociações com fornecedores e parceiros.

Habilidade para lidar com

prazos

Saber lidar com a pressão dos rígidos cronogramas.

No Caso Transmissão, a Fase de Planejamento teve de respeitar um rígido

cronograma para não atrasar o lançamento

do veículo do cliente.

Habilidade para delegar Saber identificar responsabilidades delegáveis e distribui-las de modo justo e

racional.

Em ambos os casos, houve divisão informal do trabalho no desenvolvimento do conceito.

Conhecimento de onde buscar

informação com pessoas ou

banco de dados

Saber onde encontrar fontes ricas de

informação que auxiliem na realização da tarefa atual, seja com colegas ou em

catálogos informatizados.

No Caso Transmissão, o coordenador do

projeto trabalhou na busca por informações importantes junto a fornecedores e parceiros.

Habilidade gerencial Saber gerenciar a comunicação do projeto

(elaboração de reuniões, elaboração de

pautas, elaboração e envio de atas), identificar urgências, gerenciar

cronogramas concomitantes, etc.

No Caso Transmissão, o coordenador

nomeado para o projeto demonstrou

habilidade para planejamento das etapas do projeto e condução da equipe, busca de

fornecedores e parceiros.

Visualização dos benefícios

individuais, para o grupo e para

a organização

Saber visualizar as contribuições que um

projeto pode trazer para a aprendizagem dos envolvidos e o que pode ficar

No Caso Motor, o autor do conceito

claramente visualizou um benefício futuro para a organização. Além disso, ficou

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institucionalizado. pessoalmente realizado.

Fonte: Os autores

Tabela 1 - Descrição e exemplificação das competências identificadas

Apoiando-se nas competências identificadas na Tabela 1 e na literatura sobre a cadeia de

valor da inovação, construiu-se a matriz Competências x Etapas da Inovação (Tabela 2). Na

matriz, estão representadas as competências mapeadas com base no conceito de competências

estratégicas para inovação e nas análises das entrevistas. As competências foram nomeadas

pelos pesquisadores e significam competências consideradas importantes para as etapas da

inovação. Além do mapeamento das competências, também é possível visualizar o grau de

importância de cada competência em cada etapa da inovação, considerando e adaptando os

elos “geração de ideia” e “conversão da ideia” da proposta de Hansen et al (2007).

O objetivo da matriz é duplo: de um lado, explicitar as competências já existentes na empresa

– além daquelas formais, já consideradas no Mapa de Competências elaborado pelo

departamento de Recursos Humanos; de outro, pode-se analisar se as competências

necessárias para cada etapa da cadeia de valor da inovação estão presentes. O instrumento

desenvolvido pelos autores pretende subsidiar futuras decisões de investimentos em

desenvolvimento de competências por parte da empresa: dado que os recursos são finitos, é

importante que a empresa priorize os investimentos nas competências mais necessárias para o

fortalecimento do que ela considere o “elo fraco” da cadeia de valor da inovação.

Legenda Fraco Médio Forte

Competência Conceito Planejamento Desenvolvimento

Conhecimento sobre patentes

Atitude de crença e perseverança com

relação ao conceito

Visualização de oportunidades, definição de

um problema de pesquisa

Conhecimento especialista / experiência

Identificação de pessoas-chave

Habilidade de relacionamento com as pessoas no trabalho

Interesse por pesquisa e familiaridade com o

processo de pesquisa

Atitude de entusiasmo com ideias nascentes

Visualização sobre o potencial “vendável” de uma ideia

Conhecimento do conceito Não se aplica

Conhecimento técnico (não necessariamente especialista)

Conhecimento de metodologias institucionais e documentos necessários

Atitude de autonomia / iniciativa

Foco nos objetivos do cliente e consumidor

final

Habilidade para a negociação

Habilidade para lidar com prazos

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Habilidade para delegar

Conhecimento de onde buscar informação

com pessoas ou banco de dados

Habilidade gerencial Não se aplica

Visualização dos benefícios individuais, para o grupo e para a organização

Fonte: Os autores

Tabela 2 - Matriz Competências x Etapas da Inovação

As competências apresentadas foram definidas e organizadas tendo em mente o contexto da

inovação, as definições gerais da literatura sobre competências, os estudos contextualizados

para o setor industrial brasileiro de Fleury e Fleury (1995), além das próprias observações

realizadas durante a pesquisa. Ao estudar cada caso, foram definidas as competências listadas

na Tabela 1. A conceituação de cada competência é uma elaboração dos autores com base na

própria experiência contada pelos sujeitos da pesquisa. Os conceitos, bem como alguns

exemplos empíricos, extraídos dos resultados da pesquisa, também podem ser visualizados na

Tabela 1. A palavra “saber” representa o que os autores utilizam como referência para o

próprio conceito de competência: saber é colocar a competência em prática. Ou seja, não é

possível que os engenheiros e outros profissionais na engenharia de produto consigam “ter”

competências se essas não foram utilizadas ou estão em uso. Da mesma forma não é possível

que essas competências sejam desenvolvidas sem a participação efetiva dos sujeitos no

processo de desenvolvimento (ZARIFIAN, 2001).

No Caso Motor, foram observados exemplos claros de competências importantes,

principalmente para o desenvolvimento de conceito. O conhecimento sobre patentes; atitude

de crença e perseverança com relação ao conceito; e, visualização de oportunidades, definição

de um problema de pesquisa são exemplos de algumas competências identificadas como

importantes para o processo de desenvolvimento de um conceito. No caso motor, por se tratar

de uma ideia espontânea, essas competências apresentaram-se principalmente como

competências do inventor. No entanto, defende-se que o desenvolvimento e conhecimento

dessas competências na Engenharia de Produto poderia impulsionar o processo de

desenvolvimento de conceito, caso seja o objetivo da organização.

No Caso Transmissão, os exemplos de competências aparecem mais claramente em fases

posteriores, como de planejamento e desenvolvimento. Podemos citar o conhecimento de

metodologias institucionais e documentos necessários; habilidade para negociação;

conhecimento de onde buscar informação com pessoas ou banco de dados; e, habilidade

gerencial. A habilidade gerencial foi de fundamental importância para o sucesso do Caso

Transmissão. Foi inserido um engenheiro no grupo com essa competência, com esse saber,

explicitamente comprovado pela sua prática na empresa. Esse conhecimento facilitou a

condução do projeto especificamente com relação a prazos, formação de parcerias e busca de

fornecedores e documentação. Ou seja, um tipo de competência classificada pelos autores

como “gerencial” propiciou o desenvolvimento de fases do projeto nas quais outros tipos

eram fundamentais, como “o conhecimento de onde buscar informação”. Isso pode ser

explicado pelo conceito da competência habilidade gerencial, que envolve a integração do

projeto.

Além da identificação e classificação das competências, empenhou-se em elencar

competências importantes para a cadeia de valor da inovação, tentando estabelecer uma

classificação mais geral, que seria importante para o desenvolvimento de competências em

Engenharia de Produto para o setor automobilístico como um todo. Com esse objetivo, o

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estudo dos dois casos possibilitou que as competências fossem associadas a cada grande etapa

da cadeia de valor da inovação, como consta na Tabela 2. O objetivo da matriz foi explicitar o

grau de importância de cada competência segundo a etapa da cadeia de valor: forte, médio ou

fraco. O grau de importância de uma competência em cada etapa foi classificado pela equipe

conforme a análise das entrevistas realizadas, à luz das categorias de competência elencadas

na seção 3 e validada pelos atores. O propósito dessa classificação foi possibilitar à empresa

que oriente suas ações conforme a etapa que deseja priorizar, seguindo a proposta de Hansen

e Birkinshaw (2007); ou seja, caso a empresa avalie ser necessário fortalecer a etapa

"conceito", deve priorizar o desenvolvimento das competências fortemente relacionadas a

essa etapa, e assim por diante.

6. Considerações Finais

A presente pesquisa visou identificar competências estratégicas para alcançar capacidade para

inovação na subsidiária brasileira do setor automotivo e, além isso, buscou oferecer uma

ferramenta gerencial ao relacionar as competências com as etapas da inovação, com o intuito

de nortear os investimentos em competências apontadas como prioritárias para o grau de

“inovatividade” desejado pela organização. A matriz construída subsidia a compreensão do

percurso das competências para inovação na empresa estudada, bem como auxilia na tomada

de decisão e construção de instrumentos. Trata-se de uma reflexão contextualizada, situada

nas práticas da engenharia de produto nos casos analisados. Por outro lado, acredita-se que a

discussão possa ser direcionada para outras organizações do setor automobilístico,

considerando o quadro da inovação, desde que sejam respeitadas as particularidades de cada

universo de estudo.

É possível arguir, a partir do estudo dos dois casos bem sucedidos, que inovações mais ligadas

ao conceito e que não surgem de uma demanda direta do cliente (Caso Motor) podem ser

consideradas mais arriscadas do que aquelas que nascem de um pedido do cliente e

geralmente exigem uma adaptação de algo já existente (Caso Transmissão). Daí surge uma

questão: se, para ter capacidade para inovação, é necessário desenvolver determinadas

competências estratégicas, como definir quais são prioritárias? O grau de “inovatividade”

desejado pela organização é algo estritamente estratégico. Sendo assim, se a organização

desejar inovações mais disruptivas, deverá focar-se, sobretudo, no desenvolvimento de

competências mais fortes na fase conceito, enquanto que se ela almejar inovações

incrementais terá de desenvolver competências mais relacionadas ao planejamento e

desenvolvimento.

A escolha de estudo de casos de sucesso, como os dois tratados neste artigo permitiu definir

algumas competências que as pessoas envolvidas em projetos de inovação possuem. Embora

esses casos tenham trazido muitas descobertas a respeito do que poderiam ser competências

estratégicas para inovação, e até boas práticas organizacionais para inovar, como propuseram

Dias et al (2011), eles não auxiliam na compreensão dos fatores que podem atrapalhar o

percurso da inovação, isto é, identificar elementos, como competências ausentes, que foram

determinantes para que um projeto não pudesse avançar em alguma etapa de go/kill no PDP

da organização. Nesse sentido, pretende-se, a partir de agora, estudar casos de inovação

interrompida, o que poderá constituir uma base para que as competências sejam comparadas,

com o objetivo de se chegar a resultados mais completos sobre como construir uma

organização inovadora.

Referências

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