desenvolvimento da competência ética dos estudantes de enfermagem

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  • UNIVERSIDADE CATLICA PORTUGUESA

    DESENVOLVIMENTO DA COMPETNCIA TICA

    DOS

    ESTUDANTES DE ENFERMAGEM

    UMA TEORIA EXPLICATIVA

    Tese apresentada Universidade Catlica Portuguesa

    para obteno do grau de doutor em Enfermagem

    Por

    Maria Susana Frana e Sousa Pacheco

    Instituto de Cincias da Sade

    Maio 2011

  • UNIVERSIDADE CATLICA PORTUGUESA

    DESENVOLVIMENTO DA COMPETNCIA TICA

    DOS

    ESTUDANTES DE ENFERMAGEM

    UMA TEORIA EXPLICATIVA

    Tese apresentada Universidade Catlica Portuguesa

    para obteno do grau de doutor em Enfermagem

    Por Maria Susana Frana e Sousa Pacheco

    Sob orientao da Professora Doutora Margarida Maria Vieira

    Instituto de Cincias da Sade

    Maio 2011

  • minha me, em sua memria, pelo exemplo e valores que me ajudou a desenvolver

    Ao meu pai, pela fora, coragem, apoio e ensinamentos

    Ao Antnio, pelo amor, companhia, ajuda e compreenso

    Slvia, ao Andr e ao Lus por estarem presentes nos momentos mais difceis

  • O meu agradecimento

    Professora Doutora Margarida Maria Vieira

    Por ter acreditado em mim e pela orientao

    Universidade Catlica Portuguesa

    Por me ter proporcionado uma aprendizagem to enriquecedora

    Escola Superior de Enfermagem de Ponta Delgada da Universidade dos Aores

    Pelas facilidades proporcionadas para a elaborao deste estudo

    Aos colegas

    Por toda a colaborao, apoio e incentivo

    Aos estudantes

    Pela disponibilidade sempre demonstrada

    Aos participantes no estudo

    Pela forma voluntria e entusiasmada como colaboraram

    Aos amigos

    Pelo apoio e pela amizade nos bons e nos maus momentos

    Cidlia e Paula

    Por estarem sempre disponveis e pelo apoio nos momentos mais difceis deste percurso

  • IX

    RESUMO

    A enfermagem uma profisso que exige conhecimentos prprios, slidos,

    profundos e actualizados e a adequao constante dos cuidados a cada pessoa, num

    determinado momento e num dado contexto. Deste modo, os enfermeiros tm de

    desenvolver competncias, de forma a mobilizarem os recursos de que dispem e a

    prestarem cuidados adequados perante situaes nicas e imprevisveis.

    A competncia tica fundamental, uma vez que a responsabilidade e o

    respeito pelo outro esto na base de cuidados seguros e adequados.

    Este estudo, realizado com os estudantes da Escola Superior de Enfermagem de

    Ponta Delgada da Universidade dos Aores, teve por objectivo compreender como se

    desenvolve a sua competncia tica ao longo do Curso de Licenciatura e desenvolver

    uma teoria explicativa, pelo que se usou como mtodo a grounded theory.

    O relatrio constitudo por cinco captulos. No primeiro, salienta-se a

    pertinncia do tema, tendo em conta dois aspectos: a necessidade e a importncia do

    desenvolvimento da competncia tica em enfermagem e a escassez de estudos do

    gnero, comprovada pela literatura existente e pelo actual estado da arte. No segundo, referido o caminho metodolgico, mencionando-se o tipo de estudo e

    mtodo, os participantes envolvidos, os instrumentos utilizados e algumas

    consideraes ticas a ter em conta. O terceiro captulo consta da apresentao e

    discusso dos resultados e o quarto do desenvolvimento da teoria. No quinto captulo

    so feitas as concluses e apresentadas algumas sugestes.

    Conclui-se que a competncia tica se vai desenvolvendo gradualmente ao

    longo do curso, seguindo geralmente um determinado padro, o que depende de

    variados factores, nomeadamente: os conhecimentos adquiridos, os debates sobre

    situaes reais, as experincias ao longo do curso, os contextos onde decorrem os

    ensinos clnicos e o tipo de orientao. Estes factores tanto podem ser facilitadores

    como inibidores da identificao do problema, reflexo, tomada de deciso e aco.

    Por exemplo, o tipo de orientao fundamental, na medida em que enquanto alguns

    professores/orientadores so facilitadores do desenvolvimento dos estudantes proporcionando tempo e espaos de debate e ajudando-os na reflexo, tomada de

    deciso e aco , outros do prioridade s tcnicas e procedimentos e demonstram uma maior preocupao com o desempenho dos estudantes a esse nvel.

    Um aspecto fundamental e muito referido pelos participantes o facto de o seu

    estatuto de estudantes actuar como factor inibidor da aco pela falta de poder que

    sentem, por serem geralmente considerados como estranhos pelas equipas e pela

    insegurana ainda sentida, sobretudo em situaes inesperadas e imprevisveis.

  • XI

    ABSTRACT

    Nursing is a profession that requires proper, solid, deep and constantly updated

    knowledge and a permanent adequacy of care to each person at a given moment and

    a given context. Thus, nurses must develop skills in order to mobilize the resources

    available to them and provide appropriate care in unique and unpredictable

    situations.

    The ethical competence is essential, since the responsibility and respect for

    others are the basis of safe and competent nursing care.

    This research, conducted with students from Escola Superior de Enfermagem

    de Ponta Delgada da Universidade dos Aores aimed to understand how their ethical

    competency evolves during the baccalaureate program and to develop an explanatory

    theory, using grounded theory as method.

    The report consists of five chapters. In the first, we stress the relevance of the

    topic, taking into account two aspects: the necessity and importance of the

    development of ethical competence in nursing, and dearth of studies in the area, as

    evidenced by the (non)existent literature and the "current state of the art. In the second, methodological approach is described, mentioning the study type and

    method, the partakers involved, the instruments used and some ethical considerations

    to be taken into account. The third chapter is the presentation and discussion of

    results and the fourth chapter focuses in the development of the theory. In the fifth

    chapter conclusions and some suggestions are made.

    We conclude that ethical competence is gradually developed over the program,

    is unique and depends on various factors, namely: knowledge, discussions about real

    situations, experiences along clinical learning, contexts in which clinical placements

    take place and the type of supervision. These factors can function both as facilitators

    and as inhibitors of problem identification, reflection, decision making and action.

    For instance, the type of guidance is essential, since that while some teachers/tutors

    are facilitators of students development providing time and space for debate and helping students in decision making and action , others give priority to techniques and procedures and show a greater concern for students performance at that level.

    An essential issue often stated by the partakers in the study is that their status

    as students acts as a factor inhibiting the action, due to the lack of power they feel, to

    the fact of being usually considered as strangers by the teams and also because of the

    insecurity experienced, mainly in unexpected and unpredictable situations.

  • XIII

    NDICE GERAL

    Pgina

    1. INTRODUO 1

    1.1 SOBRE A COMPETNCIA TICA E A FORMAO EM ENFERMAGEM 8

    1.1.1 Da transmisso de conhecimentos ao desenvolvimento de competncias 8

    1.1.2 Desenvolvimento da competncia em enfermagem 15

    1.1.3 Necessidade do desenvolvimento da competncia tica em enfermagem 18

    1.2 PROBLEMTICA, CONCEITOS CENTRAIS E OBJECTIVOS DO ESTUDO 29

    1.3 REFERNCIAS 40

    2. CAMINHO METODOLGICO 49

    2.1 TIPO DE ESTUDO E MTODOS 51

    2.2 PARTICIPANTES 55

    2.3 DESENHO DE INVESTIGAO 58

    2.4 CONSIDERAES TICAS 59

    2.5 INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS DE COLHEITA DE DADOS 60

    2.6 ANLISE E INTERPRETAO DOS DADOS 65

    2.7 REFERNCIAS 82

    3. DA INFORMAO AOS RESULTADOS 85

    3.1 OS CONTEXTOS DOS ENSINOS CLNICOS 87

    3.1.1 Os espaos fsicos 87

    3.1.2 A interaco 90

    3.2 O EMERGIR DOS RESULTADOS 92

    3.2.1 Percepo do problema tico 93

    3.2.2 Raciocnio dos estudantes perante problemas ticos identificados 108

    3.2.3 Relao entre a reflexo e tomada de deciso dos estudantes e a fase

    de aprendizagem em que se encontram 121

  • XIV

    3.2.4 Factores que influenciam a anlise, reflexo e tomada de deciso 126

    3.2.5 Congruncia entre a reflexo e aco dos estudantes 130

    3.3 REFERNCIAS 137

    4. A CONSTRUO DA COMPETNCIA TICA 139

    4.1 REFERNCIAS 160

    5. CONCLUSES E SUGESTES 165

    BIBLIOGRAFIA 177

    ANEXOS 191

    ANEXO I Pedido de autorizao Escola Superior de Enfermagem de

    Ponta Delgada da Universidade dos Aores

    ANEXO II Pedido de autorizao ao Hospital do Divino Esprito Santo

    ANEXO III Modelo de declarao de consentimento dos participantes

    ANEXO IV Guio de observao

    ANEXOV Modelo de vinhetas

    ANEXO VI Guio de entrevista

    ANEXOS EM SUPORTE DIGITAL

    Segmentos de textos das vinhetas codificados no programa MAXQDA

    Segmentos de textos das entrevistas, relatos e observaes codificados no

    programa MAXQDA

  • XV

    NDICE DE FIGURAS

    Pgina

    Figura 1 Desenho de investigao 58

    Figura 2 Exemplo de codificao 68

    Figura 3 Exemplo de categorizao 69

    Figura 4 Exemplo de um memorando com comentrios sobre os dados 70

    Figura 5 Exemplo de um memorando com comparaes entre os dados 71

    Figura 6 Exemplo de diagrama 72

    Figura 7 Memorando comparativo entre duas entrevistas 74

    Figura 8 Diagrama resultante da comparao de dados das entrevistas 1 e 2 76

    Figura 9 Memorando integrativo e comparativo 78

    Figura 10 Exemplo de uma categoria identificada, propriedades e dimenses 80

    Figura 11 Percepo do problema tico 95

    Figura 12 Manifestaes cognitivas de atitudes dos estudantes perante problemas

    ticos identificados 109

    Figura 13 Manifestaes afectivas de atitudes dos estudantes perante problemas

    ticos identificados 117

    Figura 14 Relao entre o modo como os estudantes reflectem e a fase de

    aprendizagem em que se encontram 122

    Figura 15 Diagrama relativo aos contedos mais frequentemente reflectidos

    pelos estudantes 124

    Figura 16 Diagrama relativo aos factores que influenciam a anlise, reflexo

    e tomada de deciso por parte dos estudantes 127

    Figura 17 Diagrama relativo congruncia entre a reflexo e a aco dos

    estudantes 131

    Figura 18 Diagrama relativo aos factores que influenciam a aco 134

    Figura 19 Matrix condicional segundo J. Corbin e A. Strauss 141

    Figura 20 Diagrama integrativo da forma como se processa o desenvolvimento

  • XVI

    da competncia tica nos estudantes 143

    Figura 21 Esquema da relao entre o contexto, o processo e as consequncias 144

    Figura 22 Esquema do processo de desenvolvimento da competncia tica nos

    estudantes do Curso de Licenciatura em Enfermagem 158

  • 1.INTRODUO

  • 3 INTRODUO

    Susana Pacheco

    Na actualidade, os enfermeiros vem-se confrontados cada vez mais

    frequentemente com situaes novas, diferentes, por vezes de difcil soluo e,

    portanto, caracterizadas pela sua imprevisibilidade e incerteza, o que decorre de

    vrios factores.

    A cincia e as tecnologias tm evoludo de tal modo que constantemente

    surgem novas formas de tratamento, por vezes muito sofisticadas e envolvendo

    alguns riscos, o que exige dos enfermeiros conhecimentos, actualizaes quase

    permanentes e o desenvolvimento de competncias para fazer face a esta nova

    realidade e a tudo o que ela implica (1) (2) (3)

    .

    A mobilidade geogrfica cada vez mais facilitada e tem vindo a aumentar

    medida que cresce o nmero de pases que aderem Unio Europeia;

    consequentemente, os enfermeiros devem ser capazes de adaptar-se a diferentes

    contextos e realidades e de cuidar de pessoas oriundas de culturas diferentes e com

    convices tambm, por vezes, muito peculiares (2).

    A profisso de enfermagem goza actualmente de uma grande autonomia e,

    apesar de os enfermeiros desempenharem variadas funes interdependentes1, as

    suas intervenes so, na maioria, autnomas2.

    A sociedade dos nossos dias espera dos enfermeiros cuidados de sade seguros

    e com qualidade (4)

    .

    1 De acordo com o ponto 3, artigo 9 do Regulamento do Exerccio Profissional dos

    Enfermeiros (REPE), consideram-se interdependentes as aces realizadas em conjunto com outros tcnicos para atingir um objectivo comum, decorrentes de planos de aco

    previamente definidos em equipa multidisciplinar e de prescries ou orientaes

    previamente formalizadas (44)

    . 2 De acordo com o ponto 2, artigo 9 do mesmo documento, consideram-se intervenes

    autnomas as aces realizadas pelos enfermeiros sob a sua nica e exclusiva iniciativa e

    responsabilidade (44)

    .

  • 4 INTRODUO

    Susana Pacheco

    Assim, a realidade com que os enfermeiros de hoje se deparam muito

    diferente da de h alguns anos atrs em que as situaes eram relativamente

    previsveis, os tratamentos eram pouco diversificados, geralmente simples e sem

    envolver grandes riscos, a mobilidade geogrfica era pouco frequente e, na maior

    parte das vezes, mesmo nula , os enfermeiros dependiam dos mdicos na maior

    parte das aces que realizavam e a sociedade esperava deles apenas que fossem

    simpticos, obedecessem s ordens dos mdicos e executassem correctamente

    algumas tcnicas (5) (6) (7) (8) (9) (10)

    .

    Alm disso, cada pessoa um ser nico, singular e irrepetvel, com

    experincias de vida prprias e com reaces diferentes de todas as outras, pelo que

    cada situao tambm nica e nunca poder ser resolvida de forma estandardizada,

    o que implica a necessidade de uma correcta gesto e mobilizao de diversos

    recursos perante casos concretos e singulares. Consequentemente, torna-se hoje

    imprescindvel que os enfermeiros tenham competncia, de modo a prestarem

    cuidados adequados a cada pessoa e em diferentes situaes, momentos, contextos e

    realidades (2) (3)

    .

    Deste modo, os enfermeiros no se podem limitar a prestar cuidados idnticos

    a pessoas com patologias similares nem a aplicar simplesmente planos de cuidados

    tipo, de acordo com os diagnsticos feitos pela enfermagem. Neste sentido,

    fundamental que sejam capazes de prestar cuidados personalizados e apropriados em

    cada caso particular, ou seja, de gerir os mesmos de modo a que tenham qualidade,

    sejam eficazes e conduzam satisfao dos clientes3, das famlias e da sociedade em

    geral (11)

    , j que, conforme se l tambm na alnea b) do artigo 88 do Cdigo

    Deontolgico do Enfermeiro, o enfermeiro assume o dever de Procurar adequar as

    normas de qualidade dos cuidados s necessidades concretas da pessoa (12).

    Assim sendo, a formao no se pode limitar a traar os caminhos e os

    procedimentos a seguir, na medida em que ao enfermeiro que cabe a iniciativa de

    fazer as escolhas mais adequadas. Logo, o ensino de enfermagem no se poder

    limitar a uma mera transmisso de conhecimentos e a um treino de tcnicas, rotinas e

    destrezas uma vez que, isoladamente, no so suficientes para o correcto

    desempenho da actividade profissional, o que se pode comprovar pelo facto de nos

    3 A utilizao do termo cliente est relacionada com o facto de, como refere a Ordem dos

    Enfermeiros, as pessoas passarem a ter um papel activo no processo de cuidados,

    entendendo-se cliente como aquele que troca algo com outro, e no necessariamente aquele que, numa viso meramente economista, paga (20 p. 4).

  • 5 INTRODUO

    Susana Pacheco

    apercebermos, frequentemente, de que pessoas com uma formao aparentemente

    slida partida apresentam, muitas vezes, dificuldades de adaptao ao desempenho

    profissional. Estas dificuldades advm da complexidade dos problemas com que se

    deparam e, provavelmente, tambm de alguma falta de capacidade para seleccionar e

    utilizar os conhecimentos certos e outros recursos de que podem dispor. ,

    efectivamente, um facto comprovado, bastante evidente e observado na prtica que

    os estudantes de enfermagem, considerados teoricamente possuidores de

    conhecimentos, revelam com alguma frequncia uma enorme dificuldade em integr-

    los e mobiliz-los perante situaes reais quando se encontram em ensino clnico (2)

    (13) (14).

    Desta forma, o ensino em enfermagem deve, tal como preconizado por

    Bolonha, envolver activamente os estudantes no processo ensino/aprendizagem, a

    fim de desenvolverem a competncia necessria, entendida como a capacidade de

    mobilizar e integrar todos os recursos para agir eficazmente num determinado tipo de

    situao, com base em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles (15) (16) (17) (18)

    .

    Os estudantes de enfermagem devero ser capazes, portanto, de no final do

    curso utilizar, integrar e mobilizar uma srie de recursos, nomeadamente os conhe-

    cimentos complementados com a capacidade de reflectir, argumentar, raciocinar e

    ainda aptides relacionais, esprito crtico, criatividade e outros. Nesta linha de

    pensamento, G. Le Boterf defende que a competncia da ordem do saber mobilizar

    e que, portanto, no reside nos recursos mas na sua correcta mobilizao (15)

    .

    C. Sini-Bertholet tambm define competncia como a capacidade de resolver

    problemas novos e imprevistos de modo a encontrar o comportamento mais

    adequado e mais justo possvel numa situao contextual especfica. Acrescenta que

    a competncia exige a capacidade de integrar mltiplos saberes, fazendo, portanto,

    uma clara referncia importncia de uma correcta mobilizao de recursos (13)

    . Por

    este motivo, tem de haver da parte dos responsveis pela formao na rea da

    enfermagem a preocupao de motivar e ajudar os estudantes, no sentido de

    desenvolverem outras capacidades para alm dos conhecimentos e das tcnicas (11)

    (19).

    Considerando que os estudantes de enfermagem no final do curso pretendem

    ser enfermeiros, as competncias necessrias a desenvolver gradualmente nos

    mesmos devero ser, no final do curso de enfermagem, idnticas quelas que se iro

  • 6 INTRODUO

    Susana Pacheco

    exigir posteriormente a qualquer enfermeiro de cuidados gerais e sistematizadas pelo

    Conselho de Enfermagem da Ordem dos Enfermeiros em trs domnios:

    prtica profissional tica e legal: responsabilidade, prtica segundo a

    tica e prtica legal;

    prestao e gesto de cuidados: prestao de cuidados (promoo da

    sade, colheita de dados, planeamento, execuo, avaliao e

    comunicao e relaes interpessoais) e gesto de cuidados (ambiente

    seguro, cuidados de sade interprofissionais, delegao e superviso);

    desenvolvimento profissional: valorizao profissional, melhoria da

    qualidade e formao contnua. (20 p. 16)

    Sem pretender de modo algum desvalorizar a importncia de qualquer um dos

    domnios definidos pela Ordem dos Enfermeiros uma vez que se complementam e

    a sua exigncia muito importante para uma verdadeira excelncia dos cuidados

    defende-se que a competncia tica fundamental e o pilar de todas as outras, tendo

    em conta que os cuidados de enfermagem acontecem sempre entre pessoas. Assume-

    se esta posio por se considerar que a competncia tica ajuda o enfermeiro a

    compreender que tem o dever de:

    ser responsvel pelos seus actos e pelas consequncias dos mesmos;

    desempenhar as suas funes com preocupao e respeito pela Deontologia e

    pela Lei;

    ter um bom desempenho na prestao e gesto dos cuidados;

    ter interesse em valorizar-se profissionalmente;

    contribuir para uma melhoria da qualidade dos cuidados.

    O enfermeiro uma pessoa com um quadro de valores prprio que cuida de

    outras pessoas, tambm elas com os seus valores, crenas, sentimentos e emoes

    nicas e singulares. Por isso, deve agir sempre no respeito pelas diferenas e pela

    singularidade de cada pessoa, pelo que no se pode pautar apenas pelo estrito

    cumprimento das normas e deve ter a preocupao de adoptar sempre um

    comportamento tico4 (1) (2) (10)

    .

    4 Tendo em conta que os comportamentos so manifestaes, observveis, de uma deciso

    tomada pelo sujeito e as atitudes predisposies para responder a estmulos com um

    determinado tipo de respostas, importa ento enfatizar que, ao intervirmos nas atitudes, estamos indirectamente a influenciar os comportamentos. As atitudes esto mais

    relacionadas com o pensamento e julgamento que fazemos do que nos rodeia, enquanto os

    comportamentos so mais do mbito da aco. Existem vrias formas de expresso das

  • 7 INTRODUO

    Susana Pacheco

    Nesta linha de pensamento, no ensino de enfermagem, sem nunca esquecer o

    importante contributo de cada uma das reas, deve ser dada uma ateno especial e

    continuada no sentido de promover o interesse, a motivao, o crescimento pessoal e

    profissional e o desenvolvimento da competncia tica dos estudantes. Sendo assim,

    os professores de enfermagem tm mais motivos que a maioria para educar o ideal

    tico nos estudantes, at porque a enfermagem intensamente ntima e toca as

    pessoas nos momentos das suas vidas em que esto mais vulnerveis (3) (21)

    .

    neste enquadramento que se torna fundamental um estudo no sentido de

    compreender como se desenvolve a competncia tica dos estudantes de

    enfermagem.

    Assim, as principais motivaes para estudar a temtica da competncia tica

    dos estudantes de enfermagem foram: (i) o exerccio da enfermagem durante

    praticamente dez anos em meio hospitalar, que permitiu perceber a existncia e a

    frequncia de problemas ticos e a necessidade de decises adequadas perante os

    mesmos; (ii) a experincia de cerca de vinte anos no ensino, que permitiu

    compreender a importncia de ajudar os estudantes a saberem decidir e agir e como

    difcil ensinar a pensar; (iii) a orientao de estudantes nos ensinos clnicos de

    medicina e cirurgia, onde os mesmos so confrontados frequentemente com

    problemas ticos e com a necessidade de tomar decises e agir; (iv) a titularidade e a

    regncia de vrias unidades curriculares de tica, acrescida da responsabilidade de se

    ter dado incio s referidas disciplinas no local de trabalho, o que conduziu a uma

    viso mais atenta e a uma maior preocupao com a importncia destas questes; (v)

    a consciencializao e o reconhecimento de que a competncia tica fundamental

    para um exerccio da profisso de enfermagem que responda cabalmente misso

    que lhe est atribuda e ao compromisso social que assume, protegendo e

    promovendo a dignidade das pessoas; e (vi) a conscincia de que s compreendendo

    como se desenvolve a competncia tica dos estudantes, se poder intervir

    atitudes: cognitivas (pensamentos, ideias, opinies, crenas); afectivas (emoes e

    sentimentos) e comportamentais. Uma das caractersticas das atitudes a sua acessibilidade,

    ou seja, a probabilidade de serem activadas automaticamente da memria quando a pessoa se encontra com o objecto de atitude. Esta dimenso das atitudes est associada sua fora,

    forma como foram aprendidas e frequncia com que so utilizadas pela pessoa. Quando h

    uma atitude que usamos raramente, o tempo de acesso posio que tomamos perante a

    situao mais lento do que o de uma atitude com a qual j tivemos de nos confrontar mais

    vezes ou que adquirimos por experincia directa (89)

    .

  • 8 INTRODUO

    Susana Pacheco

    futuramente de modo a melhorar o processo ensino/aprendizagem e,

    consequentemente o desempenho dos enfermeiros como pessoas que cuidam de

    outras pessoas.

    1.1 SOBRE A COMPETNCIA TICA E A FORMAO EM

    ENFERMAGEM

    Este subcaptulo tem como principal objectivo proceder ao enquadramento da

    competncia tica em enfermagem e consequente necessidade do seu

    desenvolvimento ao longo do curso de licenciatura. Neste sentido, comea-se por

    fazer algumas referncias sobre o caminho percorrido e a percorrer no ensino em

    geral, relativamente passagem de uma mera transmisso de conhecimentos para

    uma participao mais activa dos estudantes no seu processo de aprendizagem.

    Seguidamente, passa-se a uma reflexo sobre a competncia em enfermagem, para

    depois reflectir mais pormenorizadamente sobre a importncia da competncia tica

    em particular e da formao tica dos futuros profissionais de enfermagem,

    justificando e argumentando a posio assumida.

    1.1.1 Da transmisso de conhecimentos ao desenvolvimento de competncias

    A principal finalidade do ensino continua a ser, frequentemente, transmitir aos

    estudantes os conhecimentos considerados como mais importantes, o que acontece

    ainda nos nossos dias e em todos os tipos e graus de ensino. O professor ,

    geralmente, olhado como aquele que sabe e os estudantes limitam-se muitas vezes a

    aceitar passivamente os contedos que aquele transmite, porque o professor ensina e

    os alunos devem apenas aprender. Esta situao ainda comum tambm a nvel do

    ensino superior, em que a preocupao central continua a ser, essencialmente,

    fornecer aos estudantes conhecimentos especficos em cada curso, considerados

    fundamentais para o futuro desempenho no mercado de trabalho (22) (23)

    .

    A organizao do ensino descrita aqui muito sumariamente era, provavelmente,

    adequada no contexto em que se vivia at h algum tempo atrs, uma vez que

  • 9 INTRODUO

    Susana Pacheco

    praticamente tudo era previsvel. Por exemplo, para uma determinada profisso

    sabia-se que era necessria uma certa formao e a pessoa devia possuir

    conhecimentos especficos, no sentido de solucionar, resolver, decidir perante

    situaes, de certa forma, esperadas e idnticas a outras j vivenciadas. Estes

    conhecimentos eram considerados suficientes porque os problemas eram similares no

    seu quotidiano, as tecnologias mantinham-se mais ou menos as mesmas, as

    alternativas eram poucas e as solues eram, de um modo geral, relativamente

    simples, como j foi dito anteriormente.

    Alm disso, a mobilidade entre os vrios pases e tambm entre as vrias

    cidades ou regies no era comum e, portanto, normalmente formavam-se pessoas

    para um mercado de trabalho limitado muitas vezes a uma realidade especfica e a

    um determinado tempo e espao.

    Com os avanos cientficos e tecnolgicos e uma simultnea mobilidade

    geogrfica muito mais facilitada, comea a verificar-se que, muitas vezes, os bons

    alunos considerados como aqueles que conseguem boas notas e terminar os cursos

    com mdias elevadas ao se defrontarem com o mercado de trabalho apresentam

    srias dificuldades de adaptao, sobretudo por lhes ser muito difcil utilizar os

    conhecimentos adquiridos e mobiliz-los perante novas realidades e situaes. De

    facto, a experincia mostra, muitas vezes, que pessoas com conhecimentos ou

    capacidades no sabem mobiliz-los de forma adequada e na altura certa em

    determinadas situaes concretas de trabalho (14) (15) (24)

    .

    De um modo geral, o ensino ainda est muito voltado para a transmisso de

    conhecimentos tericos e tcnicos que so colocados disposio dos estudantes;

    porm, os de hoje tm de estar preparados para, quando forem profissionais, serem

    capazes de avaliar as situaes, compreender determinados fenmenos, utilizar de

    modo adequado os conhecimentos e outros recursos, fazer escolhas, argumentar,

    enfrentar casos novos, correr riscos, elaborar propostas ou tomar decises. Para isso,

    torna-se necessrio que participem como sujeitos activos em todo o processo

    ensino/aprendizagem, de modo a desenvolverem a sua autonomia e a serem

    responsveis pelas suas aces e consequncias das mesmas (3) (24)

    .

    Na verdade, os estudantes da actualidade tambm devem estar aptos a utilizar e

    adaptar os seus conhecimentos a novas realidades e situaes, em diferentes espaos,

    culturas e pases, uma vez que as mudanas a nvel cientfico e tecnolgico

    acontecem de forma vertiginosa e a mobilidade entre os vrios pases tambm cada

  • 10 INTRODUO

    Susana Pacheco

    vez mais facilitada (como j foi enfatizado) e reconhecida como enriquecedora.

    Actualmente, com a crescente mundializao da economia e globalizao dos

    mercados de trabalho, cada vez mais prioritrio desenvolver as capacidades

    criativas e de tomada de deciso para responder eficazmente s diversas solicitaes

    profissionais (2) (24)

    .

    A Declarao de Bolonha, assinada em 19 de Junho de 1999 pelos Ministros da

    Educao de vinte e nove pases europeus, teve como principal finalidade a criao

    do espao europeu do ensino superior, com um sistema de graus comparveis entre

    si, de modo a permitir uma maior mobilidade quer de estudantes quer de

    profissionais entre os pases membros. Neste sentido, na referida Declarao, pode

    ler-se que hoje se reconhece que a Europa do Conhecimento um factor primordial

    para o desenvolvimento humano e social, indispensvel para a consolidao e

    enriquecimento da cidadania europeia, devendo possibilitar aos seus cidados as

    competncias necessrias para enfrentarem os desafios do novo milnio, bem como

    desenvolverem a conscincia de valores partilhados e relativos a um espao social e

    cultural comum (17) (22)

    .

    Portugal, como pas constituinte da Unio Europeia, que tambm assinou a

    Declarao de Bolonha, no podia nem devia ficar alheio a esta nova realidade, razo

    pela qual ainda hoje vivemos momentos de grandes mudanas e alteraes a nvel do

    ensino.

    A Lei n. 49/2005, de 30 de Agosto, que alterou a Lei de Bases do Sistema

    Educativo, consagra, entre outros aspectos, a transio de um sistema de ensino

    baseado na ideia da transmisso de conhecimentos para um sistema baseado no

    desenvolvimento de competncias (25). Na mesma linha de pensamento, o Decreto-

    Lei n. 74/2006 de 24 de Maro enfatiza a importncia da passagem de um sistema

    de ensino baseado na ideia da transmisso de conhecimentos para um sistema

    apoiado no desenvolvimento de competncias, considerando que se torna necessria

    uma reorganizao do ensino superior em Portugal e a sua adequao, tendo em vista

    a concretizao dos objectivos do Processo de Bolonha. O Decreto-Lei n. 74/2006

    refere de uma forma bem clara que a mudana do paradigma de ensino de um

    modelo passivo, baseado na aquisio de conhecimentos, para um modelo assente no

    desenvolvimento de competncias, onde se incluem quer as de natureza genrica

    instrumentais, interpessoais e sistmicas quer as de natureza especfica associadas

  • 11 INTRODUO

    Susana Pacheco

    rea de formao, em que a componente experimental e de projecto desempenham

    um papel muito importante, so uma questo central do Processo de Bolonha (26)

    .

    Deste modo, as mudanas que deveriam ocorrer a nvel do ensino superior tm

    constitudo um desafio para todos os pases pertencentes Unio Europeia, incluindo

    o nosso, para o ensino superior, para as profisses, para os formadores e estudantes.

    Este desafio coloca-se essencialmente pelo facto de se exigir uma melhoria da

    qualidade da formao, atravs de uma mudana de paradigmas. Como j foi dito,

    toda a legislao existente aponta para a necessidade de se passar de um ensino

    centralizado na transmisso de contedos para um ensino mais centrado no estudante

    e no desenvolvimento das suas competncias, o que implica uma srie de alteraes,

    nomeadamente nas metodologias e nos tipos de avaliao a utilizar.

    Por isso, ensinar hoje bastante complexo e no s complicado, j que

    preciso reinventar, no podendo nenhuma situao de ensino repetir-se exactamente

    como outra anterior5, tendo em conta que est provado uma mera transmisso de

    conhecimentos e saberes considerados necessrios j no serem suficientes. O que

    um professor considera importante transmitir aos alunos poder s-lo hoje mas deixar

    de o ser amanh, bem como determinados contedos podero ser considerados como

    importantes para o professor mas no irem ao encontro das necessidades do

    estudante, entre outras questes. As pessoas aprendem e desenvolvem-se quando o

    assunto lhes desperta interesse, quando agem, quando vem resultados ou

    possibilidades de aplicao do que esto a aprender e quando se sentem estimuladas.

    Por isso, fundamental envolver os estudantes, motiv-los e responsabiliz-los pela

    sua aprendizagem, de modo a que tenham um papel mais activo em todo o processo

    (27).

    importante que o ensino/aprendizagem deixe de ser apenas um processo

    autoritrio, controlador, com contedos seleccionados s pelo professor e que

    desencoraje o dilogo; deve enfatizar-se a responsabilidade do estudante pela sua

    prpria aprendizagem e encorajar a participao activa do formando. Pode, pois,

    5 A distino entre complicado e complexo reside, essencialmente, no sentido de que

    enquanto o complicado pressupe alguma facilidade de diviso e compreenso das partes, o

    complexo exige uma viso total e nunca similar ao conjunto das partes que o constituem. E. Morin um dos autores que faz esta distino, ao afirmar que a complexidade significa

    em primeira instncia a impossibilidade de simplificar e que no sinnimo de complicao

    uma vez que o complicado se pode reduzir a um princpio simples e o complexo no (129)

    .

  • 12 INTRODUO

    Susana Pacheco

    afirmar-se que o conhecimento no deve ser recebido mas construdo e deve ser um

    ensino que eduque efectivamente e no que apenas treine (27) (28)

    .

    A verdadeira educao deve ter a finalidade de formar estudantes que se vo

    transformando gradualmente, tornando-se cada vez mais independentes, mais

    motivados, mais crticos, mais preocupados em pesquisar e aprender continuamente

    e, paralelamente, mais autnomos. Deste modo, corroborando o que preconizado na

    Declarao de Bolonha, considera-se fundamental que o ensino no seja apenas

    baseado na transmisso de contedos e passe a ser tambm centrado no estudante e

    no desenvolvimento das suas competncias, como j foi referido. Esta ideia

    defendida por vrios autores e pedagogos, que consideram ser fundamental passar de

    uma pedagogia de domnio para uma pedagogia por objectivos, tendo em conta que

    as competncias nos possibilitam enfrentar a complexidade do mundo e,

    simultaneamente, as nossas prprias contradies (2) (16) (24) (29)

    .

    Porm, sublinha-se que a noo de competncia no exclui de modo nenhum a

    necessidade de conhecimentos; pelo contrrio, permite compreender a importncia

    da sua correcta aplicao. O desenvolvimento de habilidades e capacidades uma

    extenso da rea do conhecimento (24) (29) (30)

    .

    A teoria sempre necessria para o exerccio de qualquer profisso; porm,

    tem de ser devidamente utilizada e desenvolvida uma vez que, como defende M.

    Lopes, pode comparar-se a um mapa de que precisamos para nos orientarmos. E,

    como diz o mesmo autor, a realidade pode ser muito diferente do mapa e temos de

    ser capazes de desenvolver competncias que nos permitam lidar com as dificuldades

    e com as surpresas que possam surgir (31)

    .

    A competncia est para alm dos conhecimentos, porque ultrapassa o que se

    pode intitular de saberes, sejam eles eruditos ou comuns, declarativos ou

    procedimentais, individuais ou compartilhados, explicativos ou normativos. Um

    profissional nunca pode ser um simples especialista que segue uma determinada

    rotina, sem reflectir sobre o que est a fazer, nem um mero detentor de saberes que se

    limita a p-los em prtica. Deste modo, sem a capacidade de mobilizao e

    actualizao dos saberes, no se pode falar em competncia mas apenas em

    conhecimentos (29)

    .

    A competncia implica, pois, uma correcta mobilizao de recursos, entre os

    quais os conhecimentos, mas ainda o raciocnio, a interpretao, a iniciativa, a

    criatividade, o colhido das experincias anteriores e os prprios valores. Sendo

  • 13 INTRODUO

    Susana Pacheco

    assim, a pessoa competente deve ser capaz de, perante uma situao singular e nova,

    identificar os saberes pertinentes, seleccion-los, combin-los e mobiliz-los

    adequadamente. Por isso, G. Le Boterf defende que a competncia no um estado

    ou um conhecimento possudo e no pode reduzir-se a um saber ou a um saber fazer,

    acrescentando que ter conhecimentos ou capacidades no sinnimo de ser

    competente, uma vez que podemos conhecer as tcnicas e regras e no saber aplic-

    las no momento oportuno (15)

    .

    No currculo por competncias, uma das principais premissas pedaggicas a

    de desenvolver no estudante o gosto pelo conhecimento, o reconhecimento da sua

    utilidade, a vontade de superar obstculos e a capacidade de resolver problemas. Para

    isso necessrio criar um ambiente construtivista de aprendizagem, ou seja, que d

    apoio a perspectivas ou interpretaes diversas da realidade, ajude na construo do

    conhecimento e incentive actividades baseadas na experincia. O construtivismo est

    interessado em como construmos o conhecimento e no apenas em possuirmos esse

    conhecimento, isto , no o v s como um fim mas tambm como um recurso, um

    meio que deve ser usado adequadamente (27)

    . Por isso, a formao para a

    competncia deve ter como principal objectivo ajudar, de forma integrada, cada

    pessoa em formao a desenvolver as suas capacidades criativas, de tomada de

    deciso, aprender a aprender e a reflectir sobre as prticas, de modo a demonstrar

    sempre alguma flexibilidade na resoluo dos problemas (2)

    .

    Desta maneira a aprendizagem contribui para o desenvolvimento, na medida

    em que aprender no copiar ou reproduzir a realidade nem um simples receber

    de contedos. Por outro lado construir no significa inventar, mas sim participar

    activamente no processo de aprendizagem (27)

    .

    Assim sendo, os ambientes construtivistas so fundamentais para o ensino e

    aprendizagem, principalmente quando oferecem situaes-problema, reais ou

    fictcias, facilitadoras de um processo de pensar, levantar dvidas, colocar questes e

    procurar hipteses de soluo. Uma condio para facilitar esse tipo de

    aprendizagem a de centrar-se em actividades autnticas, consideradas relevantes e

    teis no mundo real, que se integram no currculo e oferecem nveis apropriados de

    complexidade (27)

    .

    G. Le Boterf defende que a flexibilidade est no centro da competncia,

    acrescentando que esta no uma constante e pode variar em funo da situao e do

    contexto. um saber agir em situao. Isto significa que a competncia est directa e

  • 14 INTRODUO

    Susana Pacheco

    intimamente relacionada com o domnio do conhecimento e no apenas com a sua

    posse, o que implica a capacidade de mobilizao e integrao de recursos e exige

    tambm uma certa flexibilizao (15)

    .

    Na mesma linha de pensamento, P. Zarifian considera a competncia

    profissional como a capacidade de enfrentar situaes e acontecimentos prprios de

    um campo profissional, com iniciativa e responsabilidade, inteligncia prtica e

    ainda capacidade de coordenao com outros actores na mobilizao de capacidades

    (32). Este conceito de competncia est baseado na viso do trabalho como um

    conjunto de acontecimentos, com uma grande dose de imprevisibilidade,

    contrariamente ao que propem os estudos clssicos sobre a organizao e gesto do

    trabalho, identificados como o Fordismo, o Taylorismo ou o Fayolismo. P. Zarifian

    defende que a competncia ultrapassa a qualificao profissional, uma vez que deixa

    de ser a disponibilidade de um "stock de saberes", para se transformar na

    "capacidade de aco perante acontecimentos". Segundo o autor, o conceito de

    competncia inclui uma srie de sentidos, cujas definies tambm devem ser

    explicitadas:

    iniciativa: capacidade de iniciar uma aco;

    responsabilidade: capacidade de responder pelas aces;

    autonomia: capacidade de aprender a pensar, argumentar, defender, criticar,

    concluir e antecipar, mesmo quando no se tem poder para, sozinho, mudar

    uma realidade ou normas j estabelecidas;

    inteligncia prtica: capacidade de articular e mobilizar conhecimentos,

    habilidades, atitudes e valores, colocando-os em aco para enfrentar

    situaes do processo de trabalho. Envolve tanto a dimenso cognitiva

    (saber), como a compreensiva (relao do conhecimento com o contexto), por

    isso, utilizam-se os termos articular e mobilizar ao invs de aplicar;

    capacidade de coordenao com outros actores: capacidade e

    disponibilidade de estabelecer movimentos de solidariedade e de partilha de

    situaes e acontecimentos do trabalho, assumindo co-responsabilidades e

    fazendo apelo tico s capacidades dos outros.

    P. Zarifian acrescenta que a competncia profissional inclui capacidades,

    actividades e contextos e que resulta de uma combinao de conhecimentos,

  • 15 INTRODUO

    Susana Pacheco

    destrezas, experincias e qualidades pessoais usadas efectiva e apropriadamente em

    resposta s vrias circunstncias relativas prtica profissional (32)

    .

    Assim, o conceito de competncia vai desde uma concepo muito geral,

    isolada de qualquer tipo de contexto, para uma concepo mais particular que a liga a

    um contexto especfico de uma determinada profisso, como o caso da

    enfermagem.

    Porm, antes de prosseguir, importa sublinhar que, por vezes, existe uma

    indistinta utilizao dos termos competncia e competncias, pelo que se torna

    fundamental fazer a sua distino. Como afirma M. Roldo, uma reflexo que

    importa fazer que usar palavras que se vulgarizaram num sentido genrico no

    sinnimo de apropriar conceitos, considerando que no basta incluir competncia

    num conjunto de termos parecidos. Assim, o termo competncias, mais

    relacionado com o ingls skills, consiste num conjunto de habilidades e

    capacidades em domnios especficos e que podem integrar a prpria competncia. O

    termo competncia, mais relacionado com o ingls competency, consiste na

    capacidade de mobilizar diferentes recursos. O que hoje se debate acerca deste

    conceito o seu carcter integrador e mobilizador (24)

    .

    Todavia, por vezes, alguns autores ao falarem de competncias, em bom rigor e

    no contexto deste estudo, esto a falar de competncia pelo que este aspecto ser tido

    em conta, apesar da distino efectuada com base nas leituras realizadas (15) (16) (24) (32)

    .

    1.1.2 Desenvolvimento da competncia em enfermagem

    O conceito de competncia em enfermagem est muito relacionado com a

    conquista de uma gradual e crescente autonomia da profisso. Efectivamente,

    sobretudo no que se refere s intervenes autnomas de enfermagem, cada vez mais

    se faz sentir a importncia de os enfermeiros serem capazes de mobilizar todos os

    recursos de que dispem no sentido de prestarem cuidados com qualidade.

    Por competncia em enfermagem entende-se um conjunto de saberes

    (adquiridos na formao inicial e ao longo da vida pessoal e profissional de cada um)

    e de outros recursos (valores pessoais, profissionais, sociais, culturais e religiosos;

    criatividade; esprito crtico; capacidade de raciocnio e reflexo e experincias

    anteriores) que o enfermeiro consegue mobilizar de forma diferente em cada caso

  • 16 INTRODUO

    Susana Pacheco

    concreto (2) (13)

    . De facto, o conceito de competncia em enfermagem no se pode

    reduzir a um mero saber ou saber fazer, uma vez que possuir conhecimentos e

    destrezas no significa por si s ser competente. Implica o saber seleccionar,

    mobilizar e integrar os vrios recursos, entre os quais os conhecimentos, de forma

    pertinente e no momento oportuno em cada situao singular, como tem vindo a ser

    enfatizado. A competncia inclui, assim, o decidir e agir em situaes imprevistas,

    mobilizar conhecimentos, informaes e at mesmo hbitos e aplic-los prevendo os

    resultados das diferentes alternativas e opes possveis.

    O termo competncia ainda recente em cincias humanas e vem substituir

    em grande parte o termo qualificao, j que este ltimo se tem vindo a tornar

    muito restritivo, at porque uma pessoa considerada qualificada pode demonstrar ser

    incompetente perante uma situao imprevista. Uma pessoa qualificada sabe preparar

    e executar actividades precisas, rotineiras e habituais, mas pode revelar falta de

    competncia perante uma situao nova e imprevisvel (2) (13) (15) (27)

    .

    M. Dias prope um conceito de competncia em enfermagem muito claro e

    completo e que, por isso, se passa a citar:

    As competncias dizem respeito s caractersticas individuais (potencialidades, habilidades, capacidades de aco, aptides, atitudes, traos de personalidade e

    comportamentos estruturados), conhecimentos gerais e especializados que permitem ao enfermeiro realizar autonomamente uma vasta gama de actividades

    . Organizam-se em categorias multidimensionais centradas nas dimenses pessoal, cientfica, tcnica, scio-afectiva, relacional, comunicativa e tico-

    moral. (2 pp. 36-37)

    A Ordem dos Enfermeiros tambm tem revelado uma enorme preocupao

    com a questo da competncia em enfermagem e reflectido muito sobre o assunto,

    tendo sido aprovada pelo Conselho de Enfermagem uma definio para os

    enfermeiros de cuidados gerais que enfatiza a importncia de um nvel de

    desempenho profissional demonstrador de uma aplicao efectiva do conhecimento e

    das capacidades, incluindo ajuizar. Como se pode verificar, est implcito nesta

    definio o facto de a competncia ir para alm dos conhecimentos e ser baseada no

    apenas na sua aplicao, mas sobretudo num juzo, ou seja, numa utilizao

    pensada, reflectida e ponderada de vrios recursos que permitem tomar a deciso

    considerada mais adequada numa situao especfica (20 p. 16)

    .

    Tambm M. Moura considera a importncia de se formarem profissionais

    competentes, entendendo-se a competncia como a capacidade de mobilizar uma

  • 17 INTRODUO

    Susana Pacheco

    panplia de recursos, entre os quais os conhecimentos. Esta autora afirma que

    fundamental uma formao adequada que prepare os estudantes para o mercado de

    trabalho e capacite os futuros enfermeiros para desenvolverem as suas actividades

    profissionais e exercerem funes complexas no sistema de sade, com a

    competncia que hoje lhes exigida (33)

    .

    Efectivamente, cada vez mais se defende a necessidade de se ir alm de uma

    simples transmisso de conhecimentos e de um mero treino de tcnicas durante o

    curso de enfermagem. Por isso, o grande desafio que se coloca aos professores de

    enfermagem dos nossos dias consiste, essencialmente, em implementar estratgias

    que ajudem as pessoas a desenvolver uma compreenso prtica dos ideais e dos

    padres da profisso e capacidades que lhes permitam utilizar inteligentemente em

    situaes novas princpios gerais, de modo a escolherem, com competncia e

    confiana, os meios correctos para atingirem objectivos satisfatrios (1) (2)

    .

    Nesta linha de pensamento, M. Dias desenvolveu um estudo em Portugal com

    estudantes dos cursos superiores especializados em enfermagem, no sentido de

    compreender as razes subjacentes ao dfice de competncias, especialmente as de

    carcter relacional e saber qual o perfil que o professor deve desenvolver, tendo

    construdo e validado um inventrio definidor de um perfil de competncias do

    enfermeiro com o grau de licenciado. A autora afirma que as competncias a

    desenvolver devem constituir uma preocupao permanente em todo o processo de

    formao, acrescentando que o desenvolvimento das scio-afectivas e relacionais

    deve ocupar um lugar de relevncia ao longo dos cursos. M. Dias enfatiza, ainda, o

    facto de o desenvolvimento de competncias ser fundamental para a promoo do

    sucesso educativo e desempenho profissional. Esta autora agrupa as competncias

    em cinco categorias ou dimenses: pessoais, cientficas, tcnicas, scio-afectivas e

    tico-morais (2)

    .

    Como se pode verificar, existe unanimidade no que diz respeito importncia

    de um ensino baseado no desenvolvimento de capacidades e habilidades ao longo do

    curso de enfermagem, ou seja, de um ensino que verdadeiramente eduque os

    estudantes, no sentido de adquirirem a competncia para exercer a sua profisso de

    modo a assegurarem a excelncia e a segurana dos cuidados de enfermagem. Esta

    nfase no desenvolvimento da competncia em enfermagem, para alm de ajudar os

    estudantes a se sentirem mais aptos para o desempenho das suas funes como

    futuros enfermeiros, vai tambm, certamente, torn-los mais responsveis pelos seus

  • 18 INTRODUO

    Susana Pacheco

    actos e pelas consequncias dos mesmos. De facto, quanto mais capazes forem de

    tomar decises em situaes concretas, com base nas competncias que vo

    adquirindo gradualmente, mais os estudantes se vo transformando em pessoas mais

    livres e autnomas e em futuros profissionais mais responsveis.

    Efectivamente, e tomando por base a posio adoptada por J. Watson,

    considera-se que numa poca de tecnologias sofisticadas, de elevada cientificidade,

    de mudanas muito rpidas mas tambm de solido, a sociedade precisa mais do que

    nunca de enfermeiros que ajudem a restaurar a humanidade (34)

    .

    Ser um bom enfermeiro exige no s conhecimentos tericos e capacidades

    prticas mas sobretudo um desenvolvimento moral e maturidade para aplicar estes

    conhecimentos e capacidades de modo eticamente responsvel (1) (35)

    .

    1.1.3 Necessidade do desenvolvimento da competncia tica em enfermagem

    A capacidade de tomar decises perante questes ticas em enfermagem tem

    vindo a tornar-se cada vez mais necessria, o que est intimamente relacionado com

    os avanos da cincia e tecnologia, com a crescente complexidade das situaes de

    sade/doena e com uma maior autonomia dos enfermeiros. Efectivamente, os

    enfermeiros presenciam e vivem com alguma frequncia problemas e dilemas ticos,

    muitas vezes relacionados com confrontos de valores e conflitos de princpios, e tm

    de fazer escolhas, algumas delas muito difceis. M. Vieira, ao referir-se

    enfermagem, afirma que continua a ser uma profisso com um elevado nvel de

    exigncia, dado que na relao estabelecida permanentemente com outras pessoas

    tm de estar simultaneamente presentes um modo de ser compassivo, um

    conhecimento terico especfico, um fazer tcnico prprio e a capacidade para tomar

    decises em situaes ticas complexas (10)

    .

    Desta forma, os profissionais de enfermagem devem ser capazes de conciliar,

    no seu exerccio profissional, conhecimentos cientficos e tecnolgicos e habilidades

    relacionais e humanas, tendo sempre por base um comportamento tico adequado.

    Esta ideia defendida por numerosos autores enfermeiros, bioeticistas, psiclogos,

    professores de enfermagem e outros dos quais de salientar S. Fry e M. Johnstone

    ao afirmarem que a capacidade de tomar decises ticas fundamental para uma

    prtica de cuidados de enfermagem com qualidade (36)

    . Na mesma ordem de

  • 19 INTRODUO

    Susana Pacheco

    pensamento, M. Lopes tambm considera que a prestao de cuidados de

    enfermagem ultrapassa qualquer saber terico e/ou tcnico que se possa considerar e

    que os mesmos se devem submeter a padres de natureza tica e moral (37)

    . O mesmo

    autor afirma tambm alguns anos mais tarde que os cuidados de enfermagem

    ocorrem sempre no contexto de uma interaco, a qual dever ser sempre entendida e

    conduzida por princpios ticos e morais (31)

    .

    Deve, pois, considerar-se como profissional competente aquele que consegue

    reunir qualificao cientfica, tecnolgica e tica e sabe mobilizar todos os recursos

    de que dispe, responsabilizando-se sempre pelos seus actos e pelas consequncias

    destes. Por outras palavras, o desenvolvimento da competncia tica fundamental,

    sendo esta entendida como a presena de valores pessoais e profissionais apropriados

    e a capacidade para emitir juzos correctos em situaes de trabalho concretas. A

    competncia tica consiste na capacidade de seleccionar, integrar e mobilizar os

    recursos, sempre no sentido do respeito pela dignidade da pessoa, de modo a agir

    ponderadamente e da forma mais adequada em cada situao e num determinado

    contexto. Engloba, assim, a capacidade de integrar e mobilizar um conjunto de

    atitudes, reflexes, escolhas, decises, comportamentos e aces que devem ter

    sempre como principal finalidade o respeito pela nossa prpria dignidade e pela

    dignidade do outro como pessoa. Deste modo, a competncia tica consiste

    essencialmente na capacidade de analisar cada situao dilemtica6 de uma forma

    consciente, pensada e reflectida, procurando e tendo sempre em linha de conta todos

    os intervenientes significativos e quais os princpios ticos envolvidos, de modo a

    que a deciso final seja a mais justa e correcta possvel. A este propsito C. Sini-

    Bertholet afirma que a competncia tica permite ter em conta todos os parmetros

    de uma determinada situao, confrontando os valores de cada um, mobilizando os

    diferentes conhecimentos, questionando, de modo a permitir a escolha da melhor

    alternativa e uma aco mais adequada. Esta autora acrescenta que a competncia

    tica consiste em ser actor na tomada de deciso, o que significa agir e comprometer-

    -se na relao de cuidados, respeitando os desejos e os direitos da pessoa cuidada (13)

    .

    6 Um dilema tico , essencialmente, uma situao em que imprescindvel a escolha entre

    vrias alternativas possveis. Porm, neste caso, a opo sempre muito difcil, na medida

    em que cada tomada de posio parece simultaneamente correcta, incorrecta e/ou insuficiente, o que pode advir do facto de cada uma delas tomar por base princpios ticos

    diferentes. Como afirmam G. Freitas e M. Fernandes, os dilemas ticos so situaes em que

    a pessoa se v forada a tomar uma deciso, tem de decidir (133)

    .

  • 20 INTRODUO

    Susana Pacheco

    O sentido do dever e da obrigao moral sempre acompanhou a histria da

    enfermagem, embora de formas diferentes. Inicialmente com um carcter religioso,

    foi gradualmente adquirindo um carcter profissional, iniciado com Florence

    Nightingale, como todos sabemos, que se empenhou, entre vrias vertentes

    constituintes dos cuidados de enfermagem, com o comportamento moral dos

    enfermeiros. Florence Nightingale defendia que as enfermeiras deviam cumprir as

    suas funes com o mesmo esprito com que assumiam um dever religioso, como um

    dever moral e acrescentava que deviam ser dignas, instrudas, cultivadas, com boas

    maneiras, terem uma atitude de sacrifcio e serem discretas, obedientes e submissas

    aos mdicos (8) (9) (10) (19) (38)

    .

    Progressivamente, as enfermeiras, assistentes e dependentes dos mdicos,

    foram-se tornando autnomas e responsveis pelos seus actos e escolhas em relao

    aos doentes e a sua responsabilidade moral foi deixando de ser a obedincia aos

    mdicos para passar a ser a lealdade em relao aos doentes (8) (39)

    .

    As enfermeiras foram, assim, reivindicando a tomada das suas prprias

    decises em relao aos cuidados de enfermagem e s escolhas relacionadas com

    questes ticas. Foi neste contexto que em 1899, nasceu o International Council of

    Nurses (ICN), que comeou a elaborao de um cdigo de tica para todos os

    enfermeiros do mundo, no seu congresso realizado em 1923 em Montreal Canad,

    o qual foi interrompido pela segunda guerra mundial. Posteriormente, a comisso de

    tica de enfermagem do ICN preparou o projecto de um cdigo internacional no

    congresso de 1953 em So Paulo, Brasil. Este cdigo foi imediatamente traduzido

    para outros idiomas, revisto em 1965, e em 1973 foi feita uma publicao sobre o uso

    do cdigo na prtica da enfermagem. Esta verso foi novamente reconfirmada em

    1989 e posteriormente revista, tendo sido a ltima reviso em 2006 (10) (40)

    .

    A American Nurses Association (ANA) tambm publicou o seu primeiro

    cdigo em 1950, o qual foi j revisto por diversas vezes, sendo de salientar que na

    reviso efectuada em 1976 j houve a preocupao de passar da exigncia de

    lealdade ao mdico para a lealdade ao doente (10) (41)

    .

    Assim, e como tem vindo a ser referido, paulatinamente, de uma prtica com

    um carcter essencialmente moral, caracterizada pela caridade e compaixo para com

    os doentes e pelo dever de obedincia aos mdicos, a enfermagem vai fazendo a

    passagem para uma prtica tica em que o dever passa a ser em relao aos clientes e

    ao respeito pela dignidade de cada pessoa (7) (8) (10)

    .

  • 21 INTRODUO

    Susana Pacheco

    Esta diferena hoje bem clara e pode verificar-se que o Cdigo Deontolgico

    do ICN logo no seu prembulo declara que o respeito pelos direitos do homem

    nomeadamente o direito vida, dignidade e a um tratamento humano, bem como os

    direitos culturais constitui parte integrante dos cuidados de enfermagem. O Cdigo

    Deontolgico do ICN encontra-se organizado em cinco captulos que contemplam: o

    enfermeiro e o indivduo que necessita de cuidados de enfermagem; o enfermeiro e o

    exerccio de cuidados de enfermagem (normas deontolgicas para a prtica de

    cuidados de enfermagem); o enfermeiro e a sociedade (cidado e membro da

    colectividade); o enfermeiro e os colegas (conduta profissional) e o enfermeiro e a

    profisso (normas de exerccio e condies de trabalho adequadas) (40)

    .

    Os cdigos deontolgicos da actualidade tm em comum temas como: as

    relaes dos enfermeiros com os seus pares, a responsabilidade dos enfermeiros na

    delegao de funes, a responsabilidade de denunciar a incompetncia de outros

    trabalhadores na rea da sade, a obrigao de respeitar a vida e a dignidade da

    pessoa, a responsabilidade em relao ao carcter confidencial de certas informaes,

    a no discriminao em relao aos doentes, entre outros.

    Em Portugal, surge em 1961 uma edio em portugus do cdigo de

    deontologia dos profissionais de enfermagem do Comit International Catholique des

    Infirmires et Assistantes Mdico-Sociales, traduzido e publicado pela Associao

    Nacional dos Enfermeiros Catlicos (42)

    e nova edio em 1973, traduzida e

    publicada pela mesma associao (que entretanto passara a denominar-se Associao

    Catlica dos Profissionais de Enfermagem e Sade) (43)

    . Em 1991, fruto do trabalho

    conjunto das associaes profissionais nacionais, foi assumido pelo grupo

    profissional um Cdigo Deontolgico, com pouca expresso, pela omisso de

    obrigao legal para o seu cumprimento. Em 1996, foi publicado o Regulamento do

    Exerccio Profissional dos Enfermeiros (REPE), pelo Decreto-Lei n 166/96, que

    procedeu a uma clarificao de conceitos e caracterizao dos cuidados de

    enfermagem, especificou a competncia dos profissionais legalmente habilitados a

    prest-los e definiu a responsabilidade, os direitos e os deveres dos mesmos

    profissionais (44)

    . Afirma-se no REPE que os deveres deontolgicos sero garantidos

    por uma associao de direito pblico que entretanto deveria constituir-se. Tal

    aconteceu em 1998, com a criao da Ordem dos Enfermeiros e a publicao do seu

    Estatuto, que inclui o Cdigo Deontolgico do Enfermeiro, tornando-o vinculativo e

    passvel de avaliao disciplinar. Neste cdigo enfatizada a importncia de uma

  • 22 INTRODUO

    Susana Pacheco

    atitude tica da parte dos enfermeiros em vrios dos seus artigos, comeando logo

    pelo artigo 78 Princpios Gerais: As intervenes de enfermagem so realizadas

    com a preocupao da defesa da liberdade e da dignidade da pessoa humana e do

    enfermeiro.7

    A Deontologia Profissional orienta os enfermeiros, no que se refere aos seus

    direitos e tambm aos seus deveres em contexto profissional. Porm, a Ordem dos

    Enfermeiros, demonstrando uma permanente preocupao com o desenvolvimento

    da enfermagem e da qualidade dos cuidados e do ensino, tem vindo a reflectir sobre

    vrias questes fundamentais para uma adequada praxis. Deste modo, tm sido

    muitos os seminrios e encontros realizados, bem como documentos orientadores

    elaborados pela Ordem, nomeadamente relacionados com os padres de qualidade

    dos cuidados de enfermagem e com a definio das competncias dos enfermeiros (20)

    (45). Importa lembrar que, tal como afirmado anteriormente, a Ordem dos

    Enfermeiros define trs grandes reas de competncias, em que uma delas

    exactamente a prtica profissional tica e legal, qual faz corresponder um elenco de

    competncias relativamente responsabilidade, prtica segundo a tica e prtica

    legal (20)

    .

    A enfermagem uma actividade humana, porque acontece sempre entre

    pessoas que prestam cuidados e as que os recebem. uma cincia humana, uma vez

    que toda ela se desenvolve de e para pessoas, pelo que deve usar a razo, a lgica e a

    disciplina mas tambm desenvolver a criatividade, o pensamento crtico, a

    capacidade de argumentar, a capacidade de adaptao a novas situaes e a viso de

    cada pessoa como uma totalidade e simultaneamente como um ser singular. Neste

    sentido, O. Bevis salienta que o enfermeiro de que a humanidade precisa aquele

    que tem a capacidade de reflectir e agir e possui a natureza erudita de compaixo

    com uma mente que nunca termina de inquirir, questionar e de se expandir (3)

    .

    Enquanto cincia humana, a enfermagem tem caractersticas nicas, tais como:

    olha o ser humano no seu todo e, simultaneamente, defende a compreenso da sua

    singularidade; tenta compreender as experincias tal como so vividas pelas pessoas;

    no separa a arte e a cincia, como pilares da construo do conhecimento; ocupa-se

    com os significados tal como vistos e compreendidos pelas pessoas; a generalizao

    7 J foi feita a primeira alterao ao Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, pela Lei n

    111/2009, mantendo-se o artigo 78 e seguintes, relativos ao cdigo deontolgico, com a

    mesma redaco.

  • 23 INTRODUO

    Susana Pacheco

    pode ser apresentada em termos de padres, mas tem sempre de ser adaptada a um

    contexto especfico (46)

    .

    O centro de ateno e de estudo em enfermagem so pessoas e no objectos e

    toda a relao sempre sujeito-sujeito e nunca sujeito-objecto. Nesta linha de

    orientao, cuidar exige uma elevada considerao e reverncia pela pessoa e pela

    vida humana, associadas a valores no paternalistas relacionados com a autonomia

    humana e liberdade de escolha. O verdadeiro cuidado combina a cincia com as

    humanidades, nunca pode ser neutro acerca dos valores humanos e deve integrar as

    cincias biofsicas com as cincias do comportamento necessitando, assim, de um

    reconhecimento e utilizao das humanidades. Deste modo, os cuidados de

    enfermagem devem ser prestados a cada pessoa num contexto relacional e de forma

    personalizada, o que exige a necessidade de recriar o saber perante cada pessoa e

    em funo dela prpria (34) (37) (47)

    .

    Contudo, como afirma T. Maral, as prticas de trabalho e a reflexo sobre o

    modo de ser na enfermagem e sobre o seu desenvolvimento pessoal e tico so ainda

    muito escassas, pelo que estamos perante um campo muito extenso aberto aco. A

    autora enfatiza, por isso, a importncia de se recorrer reflexo sobre situaes

    significativas vividas pelos estudantes no mbito dos cuidados de sade, ou mesmo

    no mbito mais alargado das suas vidas (48)

    .

    M. Simes, no mbito do mestrado em Filosofia, especializao em biotica

    realizou um estudo em que procurou compreender, na perspectiva dos estudantes de

    enfermagem, os efeitos potenciadores da humanizao nas metodologias pedaggicas

    reflexivas interactivas desenvolvidas em ensino clnico, nomeadamente qual o

    contributo destas na potenciao de uma conscincia tica. Procurou, ainda,

    compreender a influncia do debate em grupo na valorizao do humano por parte

    dos estudantes. No seu estudo, comprovou que era visvel uma alterao no modo

    de proceder (atitude) dos estudantes (comeam a considerar mais a pessoa doente)

    que altera o seu (comportamento) prprio procedimento (tornando-o mais humano)

    (49 p. 69).

    Na mesma linha de pensamento, so vrios os autores que se tm preocupado

    em averiguar at que ponto possvel ensinar tica e qual o papel que esta

    desempenha no ensino da enfermagem (3) (10) (13) (50)

    .

    Em Frana, C. Sini-Bertholet realizou um estudo, no mbito do doutoramento

    na Universidade de Nantes, que tinha como principal objectivo procurar

  • 24 INTRODUO

    Susana Pacheco

    compreender como se constri a competncia tica ao longo da vida profissional,

    desde a formao s experincias profissionais, colocando em relevo variveis

    significativas que poderiam influenciar o seu desenvolvimento. Concluiu, entre

    muitos outros aspectos, que a formao desenvolvia competncias, permitindo uma

    melhor identificao de dilemas ticos, o que ia aumentando progressivamente ao

    longo do curso de enfermagem. A autora reconheceu que a formao, na altura, em

    Frana, no desenvolvia suficientemente a autonomia dos estudantes afirmando, no

    entanto que o resultado final se podia considerar como positivo, j que o ensino da

    tica influenciava positivamente o conhecimento de si, a mudana e o

    desenvolvimento pessoal o qual, por sua vez, conduzia ao questionamento pessoal e

    por consequncia ao desenvolvimento da competncia tica (13)

    .

    C. Sini-Bertholet fazia referncia no seu estudo a alguns autores que tambm

    se preocuparam com o ensino da tica8 e conclua todos eles estarem de acordo em

    dizer que a capacidade de tomada de deciso tica dos enfermeiros pode ser

    reforada pelo ensino da tica nos cursos de enfermagem e pela anlise de conflitos

    ticos reais na prtica. A referida autora acrescentava que cada capacidade deve ser

    desenvolvida atravs de uma aprendizagem apropriada em lugares onde o estudante

    possa experimentar, comparar, justificar e projectar as consequncias das suas

    escolhas (13)

    .

    D. Blondeau outra autora que tem defendido a importncia do

    desenvolvimento da competncia tica durante o curso de enfermagem, afirmando

    mesmo que esta vertente deveria ocupar um lugar central na formao dos estudantes

    (50).

    Compreende-se, assim, que o ensino da tica de enfermagem aos futuros

    profissionais de sade fundamental, no se deve limitar a uma reflexo geral de

    princpios e deve ser concebido no sentido de possibilitar aos estudantes no final do

    curso a capacidade de agirem adequadamente e assumirem as suas responsabilidades

    diante das novas situaes provenientes do avano das cincias da vida.

    Considerando que a tica de enfermagem trata de questes altamente relevantes para

    os profissionais de enfermagem, ela no pode, de facto, restringir-se a princpios

    gerais da biotica, embora no os deva ignorar, at porque os enfermeiros, na sua

    8 Nomeadamente Bandman & Bandman (1978), Veatch & Fry (1987), Davis & Aroskar

    (1991), Gallagher & Boyd (1991), Benjamin & Curtis (1992).

  • 25 INTRODUO

    Susana Pacheco

    prtica, encontram mais assuntos morais e ticos complexos num ms que a maioria

    das outras pessoas em toda a sua vida (3)

    .

    de salientar que a biotica trata de temas muito relevantes mas pouco

    frequentes em enfermagem, enquanto a tica de enfermagem se preocupa por vezes

    com pequenos problemas que at no so muito falados e evidenciados pela biotica.

    Nesta ordem de pensamento, o que se pretende em enfermagem a competncia para

    identificar as pequenas questes com que se deparam os enfermeiros no seu

    quotidiano, a preocupao com a liberdade e o respeito pela dignidade do outro e a

    compaixo e solicitude para com a pessoa, por vezes fragilizada e vulnervel. Por

    isso, a deciso em enfermagem deve ser o resultado da interseco entre a biotica e

    a tica de enfermagem, isto , de uma reflexo com base nos princpios da biotica

    mas sempre tomando em considerao os valores que devero estar presentes na

    prtica de enfermagem. Nesta linha de pensamento, L. Nunes, ao referir-se forte

    ligao entre biotica e enfermagem, salienta claramente este aspecto, afirmando:

    A pluralidade e a novidade das questes actualmente colocadas a ambas no tm respostas nos tradicionais tratados ou nas formas convencionais de abordar os problemas. aqui que o pluralismo de posies e a estranheza dos problemas

    com que lidam exige uma reflexo atenta, at porque em Enfermagem estamos

    habituados a considerar e a valorar as pequenas coisas que do sentido aos cuidados e vida, e que no so, de todo, coisas pequenas (51 p. 88).

    Deste modo, a formao de futuros profissionais de sade, neste caso os

    enfermeiros, deve ir alm da deontologia, ou seja, de uma moral profissional

    considerada como uma rea que trata dos deveres e direitos no exerccio de uma

    determinada profisso e fundamentar-se numa verdadeira tica de enfermagem.

    Evidentemente, o conhecimento e a compreenso dos cdigos e documentos

    que regem a profisso de enfermagem, assim como de todos aqueles referentes aos

    direitos das pessoas doentes, so indispensveis para perceber a existncia de uma

    situao, problema, questo ou dilema tico. Porm, se este conhecimento

    primordial, nenhuma legislao dever sobrepor-se nossa conscincia e ditar

    cegamente a aco. Efectivamente, apesar de ser fundamental a existncia de leis,

    decretos e cdigos profissionais, cada situao particular e o agir deve ser sempre

    diferente e de acordo com o contexto pelo que, apesar da existncia de um

    importante nmero de leis, cartas, decretos, cdigos, estes no podem normalizar e

    codificar todas as situaes de cuidados universalizando-os a partir de regras,

    deveres e obrigaes (13) (52)

    .

  • 26 INTRODUO

    Susana Pacheco

    Os cdigos de tica tm limitaes e no podem ser vistos como

    proporcionando, permanentemente, a resposta a dilemas morais do quotidiano e o

    que podem fazer delinear guias de orientao, bem como direitos gerais, deveres,

    valores e polticas que devem orientar a prtica profissional. Neste sentido um cdigo

    deontolgico deve ser visto como um guia, como um documento formal e o Cdigo

    Deontolgico do Enfermeiro, sobretudo, como um meio de regulao da profisso (1)

    (10) (53).

    Alguns autores referem-se a uma noo bastante ampla de tica profissional,

    como o caso de M. Masetto. Este considera tica profissional como aquela que

    estuda e regula a relao de um profissional com aqueles a quem presta os seus

    servios, tendo em conta a dignidade humana, os direitos dos clientes, o respeito

    devido a eles e a oferta de uma competncia para o exerccio do seu servio,

    procurando a construo do bem-estar das pessoas e da colectividade no contexto

    scio-cultural onde exerce a sua profisso (30)

    . O conceito proposto por este autor

    muito completo, uma vez que nele est implcita a importncia da reflexo sobre a

    aco e do respeito pelo outro como pessoa nica e singular e, portanto, o facto de

    no nos devermos limitar a seguir rigorosamente as normas morais e os cdigos

    deontolgicos, uma vez que a tica no prescreve mas abre espao para a reflexo e

    para a criatividade. Deste modo, o processo ensino/aprendizagem em enfermagem

    deve ser orientado de forma que os profissionais sejam capazes de tomar decises em

    situao, utilizando a legislao e os cdigos existentes como linhas orientadoras,

    mas sem se restringirem a eles. Por outras palavras, a existncia de legislao e de

    documentos com um certo carcter de universalidade pode ser facilitadora, no

    sentido de conhecer a legitimidade de uma aco, e ser sempre necessria em

    determinados momentos do processo de tomada de deciso tica. Contudo, e como j

    foi referido, ter sempre de ser confrontada com outros valores pessoais,

    profissionais, culturais e sociais, de modo a que toda a deciso seja sempre

    ponderada e adequada a cada caso diferente. Neste contexto, M. Gndara salienta que

    a deciso tica no est padronizada em nenhum livro, protocolo ou normas

    exactamente porque cada situao deve ser olhada e analisada tendo sempre em

    conta as circunstncias que a particularizam e a tornam nica e singular.

    Resumidamente, pode-se afirmar que a competncia tica ultrapassa o domnio da

    legislao, da deontologia e da moral e entra no chamado campo da conscincia

  • 27 INTRODUO

    Susana Pacheco

    tica, implicando sempre uma reflexo atravs da qual a pessoa se posiciona e toma

    uma deciso (54)

    .

    Consequentemente, importante ajudar o estudante a adoptar uma atitude

    correcta e a desenvolver a sua capacidade crtica, no sentido de analisar cada situao

    por si, tendo por base os conhecimentos que vai adquirindo, respeitando sempre os

    valores do outro na sociedade plural em que vivemos. A educao em enfermagem

    deve valorizar o desenvolvimento da sensibilidade tica, pelo que a formao nesta

    rea deve ser alargada, estimulando o raciocnio e o pensamento crtico e

    promovendo formas de desenvolver a flexibilidade suficiente para que os estudantes

    sejam capazes de ter em conta as variadas circunstncias (52) (55)

    .

    A formao tica do futuro profissional de enfermagem deve ser iniciada,

    sempre que possvel, logo no princpio do curso com noes gerais de tica tais

    como princpios e fundamentos da tica, valores, teorias ticas, problemas e dilemas

    ticos, princpios ticos em enfermagem, processo de tomada de deciso, entre

    outros. Porm, a existncia de disciplinas de tica ao longo do curso no suficiente

    e fundamental a presena de aptides pessoais. No entanto, aquelas contribuem,

    certamente de forma muito significativa, para formar uma conscincia tica de

    relao e imprimir, na personalidade do estudante, a importncia do respeito

    incondicional pelos direitos do outro. Uma postura tica aprendida e estimulada ir

    provavelmente influenciar a relao com o doente, com outros profissionais e com a

    sociedade em geral. Nesta linha de pensamento, o Conselho Jurisdicional da Ordem

    dos Enfermeiros, nas Recomendaes Relativas ao Ensino da tica e Deontologia no

    Curso de Enfermagem, defende que na formao dos estudantes se pretende o

    desenvolvimento de competncias ticas, com base na compreenso da dimenso

    tica dos cuidados e no sentido dos fundamentos ticos orientadores, para, a partir

    deles, prosseguir para a tomada de deciso e a argumentao, reflectir e analisar

    situaes reais. O Conselho Jurisdicional acrescenta ainda que as escolas de

    enfermagem, como instituies responsveis pela formao de futuros profissionais,

    bem como os professores de tica e deontologia, desempenham um papel

    fundamental na capacitao dos enfermeiros para o agir tico (56)

    .

    Efectivamente, a qualidade dos cuidados fundamental e interessa formar

    enfermeiros com competncias no s cognitivas ou tcnicas, mas tambm humanas

    e ticas, capazes de um agir moral em conformidade com as normas morais de uma

  • 28 INTRODUO

    Susana Pacheco

    sociedade e cultura mas tambm capazes de um agir tico resultante, como j foi

    evidenciado por vrias vezes, de uma reflexo aprofundada em cada situao.

    Sendo assim, o ensino da tica no curso de enfermagem deve acontecer ao

    longo do curso, como j foi enfatizado, mas deve ultrapassar o ensino terico, porque

    o estudante aprende tica, sobretudo, com a vivncia dos problemas que ocorrem

    diariamente e com o exemplo daqueles com quem est relacionado em todas as

    situaes de aprendizagem e que constituem, normalmente, um modelo para ele.

    Alis, esta a posio do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros, que

    considera um imperativo o ensino da tica de enfermagem ultrapassar os contornos

    de uma unidade curricular terica, num determinado semestre ou ano, devendo

    constituir parte integrante do ensino terico e do ensino clnico, ao longo de toda a

    formao (56)

    . Por tudo isso, o facto da reflexo tica estar sempre presente durante

    todo o curso fundamental, at porque uma das competncias primordiais que os

    profissionais necessitam ter, quer para o desenvolvimento de aptides quer para a sua

    contnua melhoria, a reflexo em aco e sobre a aco (18)

    .

    Na mesma linha de pensamento, j R. Krawczyk e E. Kudzma tinham referido

    que a educao moral nos currculos de enfermagem consiste, frequentemente, em

    cursos de tica terica, no directamente relacionados com os dilemas morais

    encontrados pelos enfermeiros na sua prtica diria. Deste modo, defendiam que

    seminrios onde os estudantes discutissem dilemas ticos especficos podiam

    contribuir mais para o seu desenvolvimento moral do que um curso formal sobre

    teorias ticas. Por isso, defendiam a necessidade de preparar os estudantes para o

    confronto com as situaes que a tecnologia desencadeia (57)

    .

    Em sntese, pode afirmar-se que o ensino da enfermagem passou por uma fase

    inicial em que se valorizava a transmisso dos valores morais, considerados

    prioritrios e em muitas situaes praticamente exclusivos para algum que tinha por

    funo cumprir as ordens mdicas e dar conforto e apoio afectivo aos doentes; com

    os avanos cientficos, a transmisso de conhecimentos e as habilidades tcnicas

    ganharam grande relevncia; actualmente, a evoluo cientfica, acompanhada a

    passos vertiginosos pela evoluo tecnolgica, exige aos enfermeiros novas

    necessidades de aprendizagem, sobretudo na rea da tica e da biotica (53)

    .

    Nesta linha de pensamento, L. Ribeiro alertou para a importncia de se

    prepararem os estudantes no sentido de serem capazes de se confrontar com dilemas

    ticos resultantes da utilizao de novas tecnologias, tendo acrescentado que a

  • 29 INTRODUO

    Susana Pacheco

    promoo do desenvolvimento moral contribui certamente para tornar os enfermeiros

    mais competentes, no sentido de considerarem todos os aspectos de cada situao e

    decidirem com justia (58)

    .

    Alm disso, uma formao centrada na transmisso de conhecimentos torna-se

    insuficiente para preparar os futuros profissionais no sentido de adoptarem um

    comportamento tico. importante que os estudantes participem activamente no seu

    processo de aprendizagem, de modo a irem desenvolvendo a sua competncia tica

    para que possam agir o mais adequadamente possvel. Para isso, no se podem

    limitar a receber conhecimentos de tica e fundamental que sejam chamados a

    reflectir perante situaes concretas, reais ou fictcias, em que necessitem de

    mobilizar todos os recursos disponveis.

    Pode-se, pois, concluir que o ensino da tica de enfermagem aos estudantes no

    sentido de um desenvolvimento das suas competncias, nomeadamente das

    competncias ticas, contribuir decerto para formar profissionais mais conscientes

    das suas responsabilidades e para uma consequente excelncia na prestao de

    cuidados de enfermagem.

    1.2 PROBLEMTICA, CONCEITOS CENTRAIS E OBJECTIVOS DO

    ESTUDO

    Como ficou demonstrado, a necessidade do desenvolvimento da competncia

    tica em enfermagem e, consequentemente, a importncia de se valorizar esta

    componente ao longo do curso de licenciatura, uma evidncia que justifica o estudo

    que se pretende fazer.

    Importa agora delimitar a problemtica do estudo, clarificar alguns conceitos

    centrais e apresentar a questo central e os objectivos a prosseguir.

    A temtica das competncias tem sido investigada por vrios autores, nos mais

    variados contextos, entre os quais se salienta G. Le Boterf, P. Perrenoud e M.

    Thurler, como os mais referidos (15) (16) (28) (29)

    .

    Uma vez que o presente estudo se centra no processo de desenvolvimento da

    competncia tica dos estudantes de enfermagem, para delimitar a problemtica,

    parte-se de uma reviso de literatura sobre esta temtica, j efectuada pela

  • 30 INTRODUO

    Susana Pacheco

    investigadora e publicada, da qual foram seleccionados alguns estudos e que se passa

    a referir (59)

    .

    A preocupao com a questo do desenvolvimento de competncias morais nos

    estudantes de enfermagem no nova. De facto, foram vrios os autores que se

    dedicaram ao estudo do desenvolvimento moral dos estudantes ao longo do curso de

    enfermagem, tomando por base a teoria de desenvolvimento moral de L. Kohlberg9,

    o teste de definir valores morais de J. Rest10

    e a teoria de C. Gilligan11

    .

    P. Munhall12,

    num estudo que realizou, baseado na teoria desenvolvida por L.

    Kohlberg, preocupou-se em analisar a importncia do desenvolvimento moral para a

    prestao de cuidados de enfermagem considerando-o, mesmo, como um pr-

    requisito e sugerindo alteraes no processo educativo (60)

    .

    Posteriormente, foram realizados outros estudos, nomeadamente nos Estados

    Unidos da Amrica13

    , na Finlndia14

    e no Canad15

    .

    9 L. Kohlberg, um psiclogo de Harvard, desenvolveu a teoria de Piaget e props uma teoria

    cognitiva do desenvolvimento do raciocnio moral (teoria cognitivo-desenvolvimentista), a

    qual sugeria que os princpios morais so universais. Representa uma continuao dos

    estudos de Piaget, alargando o estudo a etapas que vo alm da infncia, chegando at maturidade da pessoa. L. Kohlberg fez um estudo com 75 jovens americanos, tendo

    apresentado a cada um vrios dilemas morais hipotticos; os nveis de desenvolvimento

    moral foram estabelecidos com base no raciocnio feito pelos jovens em cada dilema.

    Segundo L. Kohlberg os estdios morais so invariveis e universais. A teoria do desenvolvimento moral de L. Kohlberg descreve o princpio da justia e o seu

    desenvolvimento ao longo do tempo e medida que as pessoas interagem com o ambiente. A

    sua teoria inclui seis estadios em trs nveis de pensamento moral. 10

    J. Rest, professor do departamento de psicologia na Universidade de Minnesota, considera

    que o desenvolvimento moral ocorre como resultado das interaces individuais com o

    mundo e o reconhecimento do seu lugar nele. Contrariamente a L. Kohlberg, J. Rest sugeriu

    que a educao formal mais importante do que a idade cronolgica no desenvolvimento da moralidade. 11

    C. Gilligan, aluna de L. Kohlberg, desenvolveu uma teoria alternativa, com a inteno de

    dar voz s mulheres na discusso sobre o desenvolvimento moral. Ela sugeriu que as mulheres tm uma voz moral diferente e descrevem situaes morais utilizando uma

    linguagem diferente. C. Gilligan considera a construo de um dilema moral nas mulheres

    como uma luta entre uma tica do cuidado e a responsabilidade individual para com elas prprias e para com os outros. O facto de acreditar que as mulheres discutem um problema

    moral de forma diferente dos homens explica o facto de elas no se desenvolverem

    moralmente