desenho, grafismos e referÊncias culturais · rabisco, pincelada, borrão, corte, recorte, dobra,...

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DESENHO, GRAFISMOS E REFERÊNCIAS CULTURAIS Léa Carneiro de Zumpano França Polo UFU Arte na Escola Secretaria Municipal de Educação – Uberlândia-MG [email protected] http://lattes.cnpq.br/7942758611631484 RELATO DE EXPERIÊNCIA RESUMO: O presente artigo aborda uma experiência realizada nas aulas de Arte, em uma escola da rede pública municipal de ensino, com alunos do 6º ano. As ações se deram durante o desenvolvimento de um projeto pedagógico voltado para o estudo do grafismo, padrões gráficos e desenho. A sequência de aulas que constitui o projeto foi elaborada e desenvolvida por mim, professora de Arte, com o objetivo de que os alunos fossem capazes de identificar, reconhecer a produção artística dos povos indígenas Kadiwéu e Wajãpi, como também compreender o contexto em que foram produzidas. Ainda, conseguir associar a esse aprendizado questões estéticas e visualizar possíveis conexões com as culturas indígenas estudadas, bem como elaborar sua produção artística com referência nas culturas observadas. Palavras-chave: desenho, grafismo, culturas. “Vim pelo caminho difícil, a linha que nunca termina, a linha bate na pedra, a palavra quebra uma esquina, mínima linha vazia, a linha, uma vida inteira, palavra, palavra minha 1 Paulo Leminski O gesto, o traço, a linha, o início de tudo. Traçados aleatórios, traçados intencionais, grafismos!!! O principio do desenho. Uma ação humana tão presente e, nem sempre percebida, olhamos e não vemos. O exercício do olhar, uma proposta com os alunos, na escola, no caminho para casa, no caminho para a vida. A linha, nos traçados da cidade, nas histórias de um povo, no passado, no presente... A autora A linha é dinâmica, tem movimento, ritmo, direção, cria e recria, constrói formas e percursos, desenha a vida. Uma das formas de expressão pelo desenho e com ênfase na construção com a linha é o grafismo. Para Kandinsky (2005) a linha é o resultado da ação de uma força que coloca vida num dado material, e essa vida se exprime em tensões. As tensões, por sua vez proporcionam uma expressão interna ao elemento. O elemento é o resultado efetivo da ação de uma força sobre o material. A linha é o exemplo mais evidente e mais simples dessa criação, que, a cada vez, se produz de maneira precisa e lógica e requer, assim, um emprego preciso e lógico. A composição nada mais é, pois, que uma organização precisa e lógica das forças vivas contidas nos elementos sob forma de tensões. (KANDINSKY, 2005, p.81). 1 Poema em Linha Reta de Paulo Leminski (1944-1989) nasceu em Curitiba e foi escritor, tradutor, poeta, e professor brasileiro. Disponível em: http://pensador.uol.com.br/poema_em_linha_reta/ Acesso em: mar. 2012

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DESENHO, GRAFISMOS E REFERÊNCIAS CULTURAIS

Léa Carneiro de Zumpano França Polo UFU Arte na Escola

Secretaria Municipal de Educação – Uberlândia-MG [email protected]

http://lattes.cnpq.br/7942758611631484

RELATO DE EXPERIÊNCIA

RESUMO: O presente artigo aborda uma experiência realizada nas aulas de Arte, em uma escola da rede pública municipal de ensino, com alunos do 6º ano. As ações se deram durante o desenvolvimento de um projeto pedagógico voltado para o estudo do grafismo, padrões gráficos e desenho. A sequência de aulas que constitui o projeto foi elaborada e desenvolvida por mim, professora de Arte, com o objetivo de que os alunos fossem capazes de identificar, reconhecer a produção artística dos povos indígenas Kadiwéu e Wajãpi, como também compreender o contexto em que foram produzidas. Ainda, conseguir associar a esse aprendizado questões estéticas e visualizar possíveis conexões com as culturas indígenas estudadas, bem como elaborar sua produção artística com referência nas culturas observadas. Palavras-chave: desenho, grafismo, culturas.

“Vim pelo caminho difícil, a linha que nunca termina,

a linha bate na pedra, a palavra quebra uma esquina, mínima linha vazia, a linha, uma vida inteira, palavra, palavra minha1”

Paulo Leminski

O gesto, o traço, a linha, o início de tudo. Traçados aleatórios, traçados intencionais, grafismos!!! O principio do desenho. Uma ação humana tão presente e, nem sempre percebida, olhamos e não vemos.

O exercício do olhar, uma proposta com os alunos, na escola, no caminho para casa, no caminho para a vida.

A linha, nos traçados da cidade, nas histórias de um povo, no passado, no presente... A autora

A linha é dinâmica, tem movimento, ritmo, direção, cria e recria, constrói formas e

percursos, desenha a vida. Uma das formas de expressão pelo desenho e com ênfase na

construção com a linha é o grafismo. Para Kandinsky (2005) a linha é o resultado da ação de

uma força que coloca vida num dado material,

e essa vida se exprime em tensões. As tensões, por sua vez proporcionam uma expressão interna ao elemento. O elemento é o resultado efetivo da ação de uma força sobre o material. A linha é o exemplo mais evidente e mais simples dessa criação, que, a cada vez, se produz de maneira precisa e lógica e requer, assim, um emprego preciso e lógico. A composição nada mais é, pois, que uma organização precisa e lógica das forças vivas contidas nos elementos sob forma de tensões. (KANDINSKY, 2005, p.81).

1 Poema em Linha Reta de Paulo Leminski (1944-1989) nasceu em Curitiba e foi escritor, tradutor, poeta, e professor brasileiro. Disponível em: http://pensador.uol.com.br/poema_em_linha_reta/ Acesso em: mar. 2012

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Assim, destaco o grafismo, revelando tensões, visto sob o ponto de vista de algumas

culturas, ou seja, a forma como ele está presente nas culturas indígenas2 e na cultura

ocidental, as diferentes referências para cada povo. Perguntamo-nos diante de cada produção:

Qual o contexto em que foi pensada, elaborada e apreciada? Atribuir valor à produção de

outras culturas sendo conhecedores de si, do outro, como vivem, entender que para os povos

indígenas os objetos artísticos têm o caráter de útil, assim lhe é conferido o valor de belo, de

bom, ao passo que para nós um objeto artístico pode servir à apreciação ou ainda à reflexão.

Se entendermos cultura como um código simbólico compartilhado pelos membros de um grupo social específico que, através dela, atribuem significados ao mundo e expressam o seu modo de entender a vida e suas concepções quanto à maneira como ela deva ser vivida, percebemos que a cultura permeia toda a experiência humana, intermediando as relações dos seres humanos entre si, e deles com a natureza e com o mundo sobrenatural. (SILVA e GRUPIONI, 1995, p. 369).

Nesse sentido, o ensino de Arte na contemporaneidade trata das relações culturais,

bem como da interculturalidade e das culturas visuais contemporâneas, imersas no nosso

cotidiano, presente nos espaços pelos quais transitamos. A estética construída por quem vive e

organiza seus espaços de convivência. Culturas tradicionais que constituem a "cultura

popular, qual seja o saber tradicional das classes subalternas" (CATENACCI. 2001 p.28),

entendendo tradição como um saber transmitido através das gerações e que vem se

transformando com o passar dos anos até os dias atuais.

Logo se faz relevante mencionar que conforme as Diretrizes Curriculares Básicas do

Ensino de Arte (UBERLÂNDIA, 2011, p. 35), contempla-se o estudo da cultura indígena, na

parte referente aos Conteúdos Específicos de Artes Visuais / A Arte Através do Tempo /

Contextualizações e Conceituações: Arte Indígena, dentre outras. Sendo assim, acolhe o

estabelecido pela Lei nº 11.645/083 que inclui no currículo oficial das redes de ensino a

obrigatoriedade da temática: História e Cultura Afro - brasileira e Indígena.

Destaco a relevância de estudarmos sobre a história e a arte de outras culturas, pois

amplia a visão do aluno e o faz compreender a identidade do outro e assim respeitar a

diversidade de culturas com as quais convive. No caso da indígena temos alunos com

descendência indígena e que muitas vezes não se identificam. No entanto, em conversas e

2 "Os grafismos Asurini tratam de simplificações geométricas das marcas características dos elementos naturais, desta forma, numa espécie de metonímia visual, se representa o todo por apenas uma parte característica: a onça por suas pintas, o jabuti pelos desenhos da carapaça. Esse argumento se baseia na afirmação de que a linguagem geométrica/abstrata é, neste caso, utilizada para o desenvolvimento de um sistema sintético, simplificado, que facilita a leitura e identificação do padrão e, ao mesmo tempo, facilita sua assimilação e reprodução". (CARVALHO, 2003, p. 35). 3 Lei no 11.645/08 que altera a Lei no 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.

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debates na aula esses mesmos alunos se sentem à vontade para contar suas histórias, ou na

maioria contar que os avós são índios.

Quando confrontados com imagens da cultura indígena, no caso o grafismo, a primeira

reação é perguntar: Que desenhos são estes? Eles têm algum significado? Não significam

nada, são linhas que qualquer um faz? Estas frases são comuns quando se observa imagens

gráficas indígenas, o que é normal em um primeiro momento. Mas, em seguida, para se emitir

um pensamento, ou mesmo após ver e perceber as imagens, procurar elaborar uma

interpretação e, assim, formular um juízo de valor acerca da imagem é necessário que se

busque informações sobre a mesma, como: a que povo indígena pertence, quais as

características dessa cultura. Entendo que as perguntas acima acontecem pelo fato de nossos

alunos não terem um conhecimento sobre a identidade daquele povo indígena e as suas

referências. Assim, nas aulas de Arte disponibilizamos materiais para esse aprendizado.

Segundo o dicionário4, grafismo é a “técnica que consiste na elaboração de traçados

preparatórios para a escrita, desprovidos de qualquer significação.

Modo de traçar uma linha, de desenhar”. E, “Maneira de escrever de alguém, considerada do

ponto de vista da grafologia. [Belas-artes] Maneira de desenhar particular a um artista: O

grafismo de Picasso”5. Nas aulas de Arte foi relevante registrar que o grafismo é desenho. No

entanto, nem todo desenho é grafismo, sendo o conceito de desenho bem mais amplo e,

portanto, o grafismo é uma das maneiras de se expressar através da linguagem do desenho.

O que é desenho, hoje? É tudo. Ou quase tudo. Qualquer coisa – linha, traço, rabisco, pincelada, borrão, corte, recorte, dobra, ponto, retícula, signos linguísticos e matemáticos, logotipos, assinaturas, datas, dedicatórias, cartas, costura, bordado, rasgaduras, colagens, decalques, frotagens, formas carimbadas. Conquistadas a duras penas sua autonomia, caminha, agora, pelo inespecífico, absorvendo qualidades e características pictóricas, escultóricas, ambientais, performáticas. É madeira, pedra, ferro, plástico, xerox, fotografia, vídeo, projeto, design. É sulco, incisão, impressão, emulsão, cor e massa. É qualquer coisa feita com não-importa que materiais, técnicas, instrumentos ou suportes. (MORAIS, 1995, p.2).

Os povos indígenas produzem diversos objetos culturais; a cerâmica, a tecelagem,

entre outros, artefatos que requerem conhecimentos de um ‘modo de fazer’ que lhes é

próprio, uma estética pessoal, uma finalidade e materiais para sua confecção. Avalio que

o modo de fazer, a tecnologia, nos revela o domínio por saberes que são aprendidos na

família, um conhecimento transmitido de geração a geração. Nesse caso, refiro-me à

4 Disponível em: http://www.dicio.com.br/grafismo Acesso em: mar. 2012 5 Disponível em:http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=grafismo Acesso em: mar. 2012 Grafia. Emprego de sinais para exprimir por escrito as ideias. Sistema de escrever as palavras, ortografia. Exprime a noção de escrita (ex.: ortografia), de registro (ex.: tomografia) ou de estudo (ex.: etnografia). Disponível em: http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=grafia Acesso em: mar. 2012

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cerâmica, ao tear, à pintura corporal. Sobre a estética, o padrão de beleza pode ser

construído no grupo e, desse modo, influencia no uso do objeto e nos materiais

selecionados para sua produção.

Em nossa sociedade esse objeto é considerado artesanato por ser um saber de

tradição, um saber do povo, com uma finalidade determinada pela cultura. No entanto,

apesar de não ser considerado arte - pois é desprovido da intenção de provocar a reflexão,

de ser um objeto para se contemplar -, ele possui significado, finalidade, estética, dentro

do contexto em que foi produzido.

Para alcançar o objetivo, várias ações foram desenvolvidas: os alunos participaram de

aulas teóricas e aulas práticas, apreciaram e fizeram a leitura de algumas imagens, discutiram

os conceitos de grafismo, desenho e objeto cultural.

Portanto, os procedimentos6 em sala com os alunos iniciaram com a exibição do

documentário “Museu do Índio” 7, que mostra uma exposição no Museu do Índio-RJ sobre o

povo indígena Wajãpi8. Wajãpi é o nome utilizado para designar os índios falantes da língua

Tupi que ocupam, há mais de dois séculos, uma vasta área situada na fronteira do Brasil e da

Guiana Francesa. Vivem na região delimitada pelos rios Oiapoque, Jari e Araguari, no

Amapá. O vídeo destaca a arquitetura da casa dos povos wajãpi:

Na casa wajãpi tudo vem da floresta, madeira, folha de palmeira, resina, não usam pregos apenas cipós muito bem amarrados. A técnica faz a casa parecer um imenso cesto de tranças e nós. Um dos lados é arredondado e não há paredes, tudo é aberto. Na parte de cima tem girais para guardar os alimentos e uma espécie de fogão para assar peixes e carnes. Fazem as refeições fora de casa. Na parte de baixo, um depósito com as canoas. A escada é de muita engenhosidade. (Transcrição vídeo documentário).

Também mostra as festas e rituais característicos da cultura wajãpi. Entre eles, a

Dança dos Peixes, um ritual que mostra a ideia que eles têm acerca da criação do mundo; a

Festa do Milho; a música. Para eles há duas formas de expressão musical: a coletiva e a

individual. A maioria dos instrumentos é de sopro; Também há a tradição do tear e o culto ao

xamã, uma espécie de mago ou figura religiosa. 6 Exploramos uma diversidade de recursos didáticos. Iniciamos com a exibição de um vídeo documentário, e a partir dele os alunos foram convidados a observar o grafismo, os padrões gráficos que se repetiam, a composição. Assim, os grafismos dos povos indígenas: Kadiwéu e Wajãpi foram trabalhados nas aulas de Arte de modo a propiciar aos alunos um conhecimento sobre essas culturas e o significado dos mesmos dentro de cada contexto sociocultural. Nesse percurso os alunos participaram de diversas atividades: exibição de vídeos, leitura de textos, imagens e visita a sites relacionados ao tema. Na sequência, pontuamos sobre os dias atuais e buscamos exercitar o olhar do nosso aluno para o grafismo urbano. Nesse momento, foram provocados a olhar no seu entorno na cidade e procurar na paisagem urbana a presença de desenhos gráficos, nos quais a linha se destaca como no traçado das ruas, na fiação aparente de energia elétrica, nas janelas e sacadas das edificações. 7Programa Museu do Índio da Série Museus Brasileiros. Exibido pela Rede STV - Rede Sesc Senac de TV. 8 Para saber sobre os povos indígenas brasileiros visite o site http://pib.socioambiental.org

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Por último as artes gráficas - o sistema gráfico Kusiwa9 que se tornou patrimônio da

humanidade:

Uma das maiores conquistas deste trabalho do museu, de pesquisadores, dos próprios índios, a união de todos esses esforços conseguiu reconhecimento por parte da UNESCO destes padrões gráficos como patrimônio da humanidade e, portanto, algo de permanente proteção. O sistema gráfico chamado Kusiwa serve para decoração corporal feita com jenipapo, os padrões são tradicionais e facilmente reconhecíveis pelos índios das várias aldeias, mas a eles vão sendo incorporados elementos, cada pessoa baseada em um padrão cria a sua própria pintura, a sua própria identidade quase sempre baseada em animais ou elementos da natureza, a espinha de peixe, o rabo de pacu, o jacaré, as borboletas. Obras de arte que poderiam estar em qualquer museu do planeta, mas estão aqui, criação, beleza, ousadia e emoção. Tudo isso vindo do meio da Floresta Amazônica, com cara de Brasil e alma de mundo. Segundo estes índios, desde a origem dos tempos, os seres não humanos circulam nos mesmos espaços e, mantém relação com os humanos, nos trabalhos diários, nos cuidados com as crianças, no modo de preparar alimentos, nas formas de manejo de animais e de vegetais. Em tudo isso, manifesta-se um elo profundo entre os seres que dividem o mesmo ambiente e é desse elo que falam os grafismos, agora, patrimônio da humanidade. (Transcrição vídeo documentário).

Figuras 01. Grafismo Wajãpi, Imagens digitalizadas Referências Jacaré, Anaconda, Rabo de Pacu, Espinha de Peixe e Borboleta. FRANÇA, Léa C. Zumpano, 2009.

Desenhos dos alunos do 6º ano com referência no grafismo Wajãpi. Lápis de cor e caneta hidrocor s/papel sulfite. FRANÇA, Léa C. Zumpano, 2009. Acervo pessoal.

Assim, procuramos compreender o sistema gráfico Kusiwa e foram propostas

produções plásticas aos alunos por meio do desenho e da modelagem em argila. Nesta última,

trabalharam sobre as formas: circular e retangular, e a pintura com tinta acrílica.

9 Disponível em http://www.funai.gov.br/home/premio_wajapy.htm Acesso em: ago. 2011

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Figura 02. Fotografia de trabalhos de alunos. Peças em argila com referência no grafismo Wajãpi. Pintura com tinta acrílica. FRANÇA, Léa C. Zumpano, 2009.

Imagens digitalizadas de trabalhos de alunos, desenhos com referência no grafismo Wajãpi, lápis de cor e caneta hidrocor s/ sulfite. FRANÇA, Léa C. Zumpano, 2011. Acervo pessoal.

Trabalharam a partir de uma referência gráfica – padrão gráfico wajãpi – impressa na

folha de papel, localizada ao centro nas imagens digitalizadas acima. Eles deveriam dar

continuidade aos desenhos de forma a integrar a referência à sua produção. Exploraram a

textura gráfica.

Na sequência dos procedimentos iniciamos os estudos sobre a cultura Kadiwéu10,

conhecidos como "índios cavaleiros", por sua destreza na montaria, sobreviventes dos Mbayá,

um ramo dos Guaikurú, conservam a lembrança de um glorioso passado. Preservam na arte e

em seus rituais o modo de ser de uma sociedade hierarquizada entre senhores e cativos.

10 Artes-Pranchas de linguagem visual -1. Editora Scipione. Disponível em: http://pib.socioambiental.org/pt /povo/kadiweu Acesso em: ago. 2011

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Lutaram na Guerra do Paraguai pelo Brasil e com isso tiveram suas terras reconhecidas. Para

os Kadiwéu a pintura corporal era função destinada às mulheres que a desenvolviam com

extrema habilidade:

As mulheres11 dedicavam-se à pintura corporal e facial, cuja especial disposição dos elementos geométricos Lévi-Strauss considerou como característica das sociedades hierárquicas. Desenhos que impressionam pela riqueza de suas formas e detalhes, a que temos fácil acesso através da vasta coleção recolhida por Darcy Ribeiro, reproduzida no livro que publicou sobre os Kadiwéu. [...] Os finos desenhos corporais realizados pelos Kadiwéu constituem-se em uma forma notável da expressão de sua arte. Hábeis desenhistas estampam rostos com desenhos minuciosos e simétricos, traçados com a tinta obtida da mistura de suco de jenipapo com pó de carvão, aplicada com uma fina lasca de madeira ou taquara. No passado, a pintura corporal marcava a diferença entre nobres, guerreiros e cativos12.

Os Kadiwéu desenvolveram a arte através da cerâmica, do trançado de palha, da

tecelagem, da confecção de colares, da pintura de objetos e do corpo. A matéria-prima para os

trabalhos encontra-se em barreiros especiais, que contêm o barro da consistência e tonalidade

ideais para a cerâmica durável. Os pigmentos para sua pintura são conseguidos de areias dos

mais variados tons, do urucum, da palmeira bocaiúva, alguns dos detalhes sendo envernizados

com a resina do pau-santo.

Os alunos observaram e fizeram a leitura de algumas imagens da cultura Kadiwéu e

identificaram os símbolos que se repetem criando um padrão gráfico, uma identidade. O

grafismo Kadiwéu se constrói a partir de símbolos e significados:

As produções artísticas dos alunos consistiram em compor um desenho utilizando

símbolos do padrão gráfico do povo Kadiwéu e textura gráfica, linha, forma e cor.

Figuras 04. Imagens digitalizadas de trabalhos de alunos. Desenhos com referência no grafismo Kadiwéu. Lápis de cor e caneta hidrocor s/ papel sulfite. FRANÇA, Léa C. Zumpano, 2011. Acervo pessoal.

11 Um grupo de seis índias Kadiwéu foi convidado pelos arquitetos brasileiros Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci para participar da decoração de um conjunto habitacional da cidade de Berlim, na Alemanha, reurbanizado em 1998. Os desenhos e pinturas das mulheres serviram de motivo para a confecção de azulejos. 12 Disponível em: http://pib.socioambiental.org/pt/povo/kadiweu/print Acesso em: ago. 2011

Figura 03.Desenhos publicados em VIDAL, Lux (org.). Grafismo Indígena. Studio Nobel, Fapesp, Edusp, SP, 1992.

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Desse modo, identificamos os padrões gráficos dos povos indígenas Wajãpi e

Kadiwéu. Diante disso, perguntamos: Qual seria o padrão gráfico contemporâneo da nossa

sociedade? Quais as referências no entorno para o grafismo, o desenho?

Se observarmos à nossa volta podemos perceber o grafismo contemporâneo nas linhas

que envolvem a malha urbana, nas ruas, nas estradas, nas edificações, nas fachadas, nas

janelas, nas grades, nos portões, no horizonte, na verticalidade das torres, nas antenas. São

inúmeros os registros gráficos que se pode observar andando pela cidade. Segundo Derdik,

(1989) nas cidades

verdadeiros caldeirões culturais, percebemos a existência de registros anônimos: o caco de tijolo revelando o jogo de amarelinha no chão, a vareta riscando o muro, a ponta de metal interferindo nas plaquetas de sinalização, os grafites instalados nas paredes. São desenhos espontâneos, significando o desejo natural de registrar marcas, índices humanos que convivem com a comunicação visual impressa na cidade: o outdoor, a vitrine, a sinalização, flechas e traçados no asfalto. Estes sinais denunciam flagrantes da busca de um projeto visando uma “organização”. (DERDIK, 1989, p. 37).

Constatamos que estamos diante de construções elaboradas a partir das referências

visuais de cada povo em seus contextos socioculturais. Desse modo, entendemos o grafismo

de cada cultura, tanto o dos povos indígenas Wajãpi e Kadiwéu, com suas referências na

natureza, nos animais, nos desenhos visíveis na pele da cobra, no casco da tartaruga, nos

peixes, nos jacarés. Bem como o da atualidade – uma produção sócio-histórico-cultural pelo

homem em determinado tempo e lugar. Assim, observaremos o grafismo do nosso tempo na

produção de artistas contemporâneos.

Quais os referências para o grafismo e desenho contemporâneo? Os animais, a

floresta, as folhas ou o cenário urbano da cidade? As linhas traçadas no espaço onde se vive

com seus prédios, suas avenidas largas, os fios de energia, as pontes, os viadutos e pouca

arborização? Nessa etapa, observaram e conversamos por meio da leitura de imagem de

algumas fotografias13 que revelam cenas urbanas e desenhos que mostram padrões gráficos na

propaganda, na moda, na tecelagem.

13 Magna Ferreira. Titulo da obra - 1.11.11; Magna Ferreira. Titulo da obra - Mona Lisa; Magna Ferreira. Titulo da obra – 11111; Torres. Titulo da obra - Sem fim; Mônica B. Titulo da obra - Four friends ; Mônica B. Titulo da obra - Wash on by; Mônica B. Titulo da obra - Train song; Joaquim Pereira Lopes. Titulo da obra - ... ...; Sérgio. Titulo da obra - Life as usual; David Galdino. Título da obra - RCKF Center; Ricardo Rocha. Titulo da obra - Falsas simetrias XV; Fernando Alves. Titulo da obra - O sentido dos quadrados; Antônio Manuel Pinto da Silva. Título da obra – Abandono. Disponíveis nos sites: Blog-olhares.com – fotografia online Disponível em: http://olhares.uol.com.br/paisagem-urbana; http://olhares.uol.com.br; http://www.flickr.com/groups/grafismourbano Acesso em: ago. 2011

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Figuras 05. Imagens digitalizadas de trabalhos de alunos. Desenhos com referência no grafismo contemporâneo.

Lápis de cor e caneta hidrocor s/ papel sulfite. FRANÇA, Léa C. Zumpano, 2011. Acervo pessoal.

Em todo o percurso destaca-se o processo de criação do professor na elaboração da

aula e do aluno no fazer artístico, na perspectiva de que práticas significativas são construídas

no fazer cotidiano do docente.

O projeto foi desenvolvido com estudantes de 5º e 6º ano. Vale ressaltar que esses

alunos têm aulas de Arte desde o 1º ano e, sendo assim, possuem alguns conhecimentos sobre

os elementos de linguagem das artes visuais e sobre o desenho. Para a maioria dos alunos a

experiência foi muito rica, pois nessa idade geralmente desenham copiando personagens de

desenhos orientais, ou por insegurança temendo uma critica por parte dos colegas

consideram-se incapazes de desenhar. Nesse sentido, a produção artística de cada um revelou

desenhos, composições gráficas elaboradas em que é possível observar o investimento

individual dos alunos na busca por um trabalho bem resolvido.

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REFERÊNCIAS Artes-Pranchas de linguagem visual -1. Editora Scipione. Documentário. Série Museus Brasileiros. Museu Do Índio (15min 40seg). Realização Maria TV. Rede Sesc Senac de Televisão, 2004. CARVALHO. Ricardo Artur Pereira de. Grafismo Indígena: Compreendendo a representação abstrata na pintura corporal Asurini. Projeto de conclusão de curso em Desenho Industrial - Comunicação Visual. PUC-RJ: 2003. CATENACCI, Vivian. Cultura Popular entre a tradição e a transformação. Revista São Paulo em Perspectiva, v.15, nº02. São Paulo: Fundação SEADE, 2001. DERDIK, Edith. Formas de pensar o desenho: desenvolvimento do grafismo infantil. São Paulo: Scipione, 1989. SILVA, Aracy L. da. e GRUPIONI, Luis D. Benzi. (orgs.) A Temática Indígena na Escola. Novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. MEC/MARI/UNESCO. Brasília: 1995. MORAIS, Frederico. Doze notas sobre o desenho. In: Jornal da Galeria Nara Roesler n. 1. São Paulo: Galeria Nara Roesler, p.1-2, nov. 1995. UBERLÂNDIA (MG). SME. Diretrizes Curriculares Básicas do Ensino de Arte. Uberlândia, 2011. http://olhares.uol.com.br/paisagem-urbana acesso ago.2011 http://olhares.uol.com.br acesso ago.2011 http://pensador.uol.com.br/poema_em_linha_reta acesso em mar.2012 http://pib.socioambiental.org/pt/povo/kadiweu acesso em ago.2011 http://www.dicio.com.br/grafismo acesso em ago.2011 http://www.flickr.com/groups/grafismourbano acesso em ago.2011 http://www.funai.gov.br/home/premio_wajapy.htm acesso em ago.2011 http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=grafia acesso em mar.2012 http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=grafismo acesso em mar.2012