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CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ – USJ GLÁUCIA DE SOUZA CORRÊA “DESENHEI MINHA MÃE DE ROSA, SÓ QUE ELA É PRETA, SÓ QUE PRETO NÃO PODE”: Algumas discussões sobre a diversidade étnico-racial na Educação Infantil. São José 2009

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CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ – USJ

GLÁUCIA DE SOUZA CORRÊA

“DESENHEI MINHA MÃE DE ROSA, SÓ QUE ELA É PRETA, SÓ QUE

PRETO NÃO PODE”: Algumas discussões sobre a diversidade étnico-racial na

Educação Infantil.

São José

2009

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GLÁUCIA DE SOUZA CORRÊA

“DESENHEI MINHA MÃE DE ROSA, SÓ QUE ELA É PRETA, SÓ QUE

PRETO NÃO PODE”: Algumas discussões sobre a diversidade étnico-racial na

Educação Infantil.

Relatório de Pesquisa elaborado como requisito para aprovação na disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso II do Centro Universitário Municipal de São José – USJ. Prof. MSc Regina Ingrid Bragagnolo.

São José

2009

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GLÁUCIA DE SOUZA CORRÊA

“DESENHEI MINHA MÃE DE ROSA, SÓ QUE ELA É PRETA, SÓ QUE

PRETO NÃO PODE”: Algumas discussões sobre a diversidade étnico-racial na

Educação Infantil.

Trabalho de Conclusão de Curso elaborado como requisito

final para a aprovação no Curso de Pedagogia do Centro

Universitário Municipal de São José - USJ.

Avaliado no dia: 08 de Julho de 2009 por:

Prof. MSc. Regina Ingrid Bragagnolo.

Orientadora

Prof. MSc. Evandro Brito.

Membro Examinador

Prof. MSc. Raquel Barbosa.

Membro Examinador

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Agradecimentos

É com muita alegria que dedico este trabalho aos meus pais, Maria e Francisco

que sempre me apoiaram, e com muito amor e carinho se esforçaram para que eu

pudesse ter uma educação de qualidade.

Agradeço também a um companheiro muito especial, meu esposo José Victor, que

não só, esteve presente durante esta caminhada, como também empenhou muito esforço

para que eu pudesse alcançar meus objetivos.

Agradeço aos(as) educadores(as) que contribuíram em muito para minha

formação, em especial a professora Regina, à qual sempre se dedicou muito em suas

orientações.

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Anjos Negros (Shirley Pimentel de Souza)

[…] Chega!

A negritude dá seu grito de desabafo! As crianças negras querem anjos da guarda negros.

O povo negro quer magia negra. O povo negro quer cultura negra!

Repudiamos sua prepotência, Repudiamos sua divisão racial,

Repudiamos sua aquarela racista. Queremos anjos negros!

Faremos um “bem negro”. Somos povo negro!

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RESUMO A diversidade étnico-racial é um assunto que precisa ser constantemente problematizado nas Instituições de Educação Infantil, pois, se as reflexões sobre as diferenças forem iniciadas, logo que as crianças ingressarem neste espaço de interação, tornar-se-á mais fácil desconstruir o mito da supremacia racial branca na sociedade. Neste sentido, através deste estudo, busquei investigar: Quais as relações étnico-raciais estabelecidas entre educadores e crianças no cotidiano de um grupo da Educação Infantil? Esta pesquisa, teve como objetivo principal, analisar como as crianças e professoras da Educação Infantil interagem com a diversidade étnico-racial. Com a finalidade de alcançar este propósito, realizei uma pesquisa qualitativa, por meio de estudos etnográficos, que me possibilitaram uma aproximação significativa com os sujeitos pesquisados. Estive presente no campo, dez dias, por cerca de três horas e trinta minutos diários. Durante estas observações, fiz uso do diário de campo, para coletar os dados, e foi possível constatar que, em muitos momentos, as crianças afro-descendentes são invisibilizadas no espaço educacional e têm uma cumplicidade maior quando se relacionam com seus pares, do que quando interagem com crianças de outras etnias.

Palavras-chave: Diversidade étnico-racial. Educação Infantil. Crianças.

ABSTRACT The racial ethnic diversity is a subject that constantly needs to be discussed in the upbringing education institutions, since if the reflections on the differences are initiated as soon as children approach to this sort of interaction, this will become easier to deconstruct the myth of the white race supremacy in society. Accordingly, through this study, I sought: What are the ethnic racial relations between teachers and children in their daily school life in an upbringing education group? Since this research had the main goal of analyzing how children and teachers interact with themselves, having in mind the racial ethnic diversity. In order to achieve this purpose, the qualitative research was conducted through an ethnographic study. So, I had to be closer to the subject studied in the field for ten days, that is to say, about, there hours and thirty minutes daily, so as to collect data. As a result, it was possibly noticed that most of the time, the Afro descendants children are blocked in the school environment when they approach to their peers more than they have to be in touch with children from other races. Keywords: racial ethnic diversity; upbringing; children.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO......................................................................................................8

2. PROBLEMÁTICA.................................................................................................10

3. PROBLEMA DE PESQUISA................................................................................14

4. OBJETIVOS...........................................................................................................14

4.1 Objetivo Geral......................................................................................................14

4.2 Objetivos Específicos...........................................................................................14

5. JUSTIFICATIVA...................................................................................................15

6. NEGROS E EDUCAÇÃO......................................................................................18

7. CRIANÇA E EDUCAÇÃO INFANTIL................................................................ 25

8. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS........................................................... 32

8.1 Os Participantes.................................................................................................... 33

8.2 Instrumento de Coleta de Dados...........................................................................35

8.3 Situação Ambiente................................................................................................36

8.4 Organização, Tratamento e Análise de Dados..................................................... 38

9. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS............................................................40

9.1 Educadores(as) e as situações que envolvem a diversidade étnico-racial............40

9.2 Crianças afro-descendentes e a relação com seus pares.......................................48

9.3 As crianças afro-descendentes e suas relações com crianças de outras etnias..... 58

10. CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................65

11. REFERÊNCIAS...................................................................................................69

12. APÊNDICES........................................................................................................74

13. ANEXOS..............................................................................................................84

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1. INTRODUÇÃO

Racismo, preconceito e discriminação, questões que afligem constantemente a

vida dos cidadãos afro-descendentes no Brasil. O “pré-conceito” racial está muito

presente na sociedade brasileira, trata-se de um estigma que foi construído

historicamente e que está tão arraigado na sociedade que é uma tarefa árdua

desconstruí-lo.

Mas, por que existe preconceito? O que faz com que uma pessoa se sinta superior

ou inferior à outra pela diferença existente na cor da pele? Como desmistificar esse

“mito”da supremacia racial branca?

Muitos autores (MUNANGA 1988 e 2005, GOMES 2003, ROSEMNBERG,

1998), têm focado suas pesquisas na diversidade étnico-racial atrelada à educação.

Porém, somente no ano de 2003 foi sancionada a Lei 10639/03, que reconhece a cultura

negra como cultura brasileira, e torna “obrigatória” a inclusão da história da África e

dos Afro-brasileiros no currículo do Ensino Fundamental e Médio.

No entanto, acredito que o preconceito e a discriminação são aprendidos desde

que os seres humanos estabelecem suas primeiras interações sociais. Sendo a Instituição

de Educação Infantil um espaço destinado à interação e humanização das crianças

pequenas, em muitos momentos, pode ser um espaço onde as relações de discriminação

e preconceito podem aparecer. Mas como desconstruir esses estigmas com as crianças?

Perante a questões relacionadas à diversidade racial em minha prática como

educadora, lancei-me a pesquisar sobre a diversidade étnico-racial na Educação Infantil.

Desse modo, este estudo aborda o percurso de minha pesquisa, bem como, propõe um

debate das questões relacionadas à diversidade étnico-racial na infância com base nos

registros feitos no diário de campo.

Nesse sentido, por meio da problemática, inicio esta pesquisa, contextualizando as

questões e reflexões que me fizeram optar pela pesquisa relacionada à diversidade

étnico-racial. Posteriormente, na justificativa, busco ressaltar a importância de se

pesquisar a diversidade étnica na infância, partindo do pressuposto que os profissionais

que atuam nesta modalidade devem incorporar as questões raciais ao cuidar e educar de

forma a abranger outra dimensão: a dimensão do humanizar.

Em seguida, apresento o problema de pesquisa, bem como, os objetivos desta

investigação. Logo, inicio o referencial teórico, que norteou esta pesquisa a partir do

capítulo intitulado “Negros e educação”, onde faço um apanhado de algumas questões

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históricas relacionadas aos afro-descendentes e à educação. No capítulo seguinte,

intitulado “Criança e Educação Infantil”, abordo discussões acerca da infância e das

Instituições de Educação Infantil atreladas ao tema central desta pesquisa. Após esse

respaldo teórico sobre o tema, descrevo, nos procedimentos metodológicos, a trajetória

da pesquisa, apresentando os participantes, o instrumento para a coleta de dados e as

sensações e sentimentos construídos na ida ao campo de pesquisa.

Na análise dos dados obtidos em campo, proponho uma discussão sobre os

registros feitos no diário de campo. Para isso, foi necessário subdividir este capítulo em

três sub-capítulos:

� “Educadores(as) e as situações que envolvem a diversidade étnico-

racial”, onde são problematizadas as posturas dos(as) educadores(as) com relação à

diversidade étnico-racial;

� “Crianças afro-descendentes e a relação com seus pares”, onde abordo as

relações estabelecidas entre as crianças afro-descendentes durante as brincadeiras;

� “As crianças afro-descendentes e suas relações com crianças de outras

etnias”, onde realizo um debate sobre as interações existentes entre as crianças afro-

descendentes e as crianças de outras etnias.

Ao final, são feitas conclusões baseadas nos conceitos encontrados nos

referenciais teóricos atrelados às percepções sobre as questões raciais observadas no

campo de pesquisa.

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2. PROBLEMÁTICA

As relações estabelecidas no cotidiano educacional são muito significativas na

vida das crianças e muitas delas necessitam serem repensadas. Vivenciando o dia-a-dia

de uma Instituição, como profissional da Educação Infantil, comecei a refletir sobre as

relações étnico-raciais estabelecidas neste contexto. Diante de questões que

expressavam preconceito1 racial em um grupo de Educação Infantil onde as crianças

têm cerca de cinco ou seis anos, a professora sentiu a necessidade de desmistificar as

relações de preconceitos existentes no ambiente educacional e em muitos segmentos da

sociedade. Segundo a professora, todo início de ano ela apresenta às crianças vários

temas para ver qual é o mais adequado para desenvolver o projeto, e em uma destas

situações, resolveu passar um filme chamado “KIRIKOU” 2.

Trata-se da história de uma tribo africana onde todos os seus personagens são

negros. Kirikou nasce nesta tribo e começa a sofrer muitos preconceitos por ser muito

pequeno, porém, é muito inteligente e forte, ao final, as pessoas percebem que devem

respeitá-lo. As crianças se envolveram com a história, e as problematizações acerca da

diversidade racial começaram a partir deste momento. No grupo, havia alguns

problemas quanto à aceitação das crianças negras, de acordo com o depoimento de uma

mãe negra, seu filho chorava muito em casa porque seus irmãos são brancos e ele

desejava ser como os irmãos. Houve outro caso em que uma mãe branca disse a seu

filho que não deveria conversar com uma das colegas por que ela era negra e a criança

contou a professora.

Situações essas que a motivaram a desenvolver planejamentos acerca da

diversidade étnico-racial, e a diferença foi o principal objetivo do seu projeto.

Refletindo sobre o assunto, cabe a indagação: Como os educadores infantis vêm

trabalhando a diversidade com as crianças?

A diversidade étnico-racial é algo muito presente nas salas de aula ou nas

Instituições de Educação Infantil por se tratarem de características que nos constituem

enquanto pessoas. Todavia, é um tema pouco trabalhado pelos educadores.

Compreendendo isto, a Secretaria Municipal de Educação de São José ofereceu a alguns

1 Para Souza (2005, p.2) [...] o preconceito é o primeiro passo para uma atitude discriminatória [...] o individuo preconceituoso se prende a uma determinada opinião numa posição dogmática que o impede de ter acesso a um conhecimento mais fundamentado [...] 2 Kirikou é um filme, tipo desenho animado, dirigido por Michel Ocelot, produzido no ano 2000. A história se passa em uma tribo africana, o personagem principal é muito estigmatizado e mostra a todos que não devemos ter preconceitos.

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educadores da Rede, a possibilidade de frequentarem um curso intitulado: “Programa de

Diversidade étnico-racial”, o qual tive a oportunidade de participar de alguns encontros

onde foi enfatizada a importância de o (a) professor(a) mudar sua postura perante este

assunto, sendo que, já faz seis anos, desde a homologação da Lei 10639/03, e quase

nada foi efetivado em relação ao tema.

A Lei 10639/03 busca reconhecer a cultura negra, como cultura brasileira e

ressalta a obrigatoriedade de se trabalhar a história da África, do povo africano e a

contribuição dos negros para a formação da sociedade brasileira. Esta Lei reconhece

uma igualdade nas contribuições culturais de negros e brancos para a formação da

cultura brasileira, e, a partir daí, sugere que, sejam repensados o passado e a história do

Brasil que vem sendo contada nas Instituições Educativas.

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. § 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e políticas pertinentes à História do Brasil. § 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileira. (BRASIL, 2003).

Essas duas experiências trouxeram-me alguns questionamentos sobre o tema

diversidade étnico racial relacionado à Educação Infantil: Como trabalhar a diversidade

racial com as crianças? Por que é tão difícil encontrar histórias infantis que tratem desse

assunto? Por que as princesas e príncipes dos contos de fada são sempre brancos? Como

a criança negra constrói sua imagem e sua auto-estima desde a Educação Infantil se em

tudo o que a cerca há um padrão de beleza branco?

Por meio de pesquisa bibliográfica foi possível perceber que já existem muitos

estudos vinculados a este tema, um deles, publicado no ano de 2006, que se trata da

dissertação de mestrado de Gisely Pereira Botega que investigou a influência das

relações raciais na construção do autoconceito das crianças negras. Por meio desse

trabalho, a autora mostra que na população pesquisada há dificuldades de

relacionamento entre as crianças negras e brancas, sendo que, as crianças negras,

procuram estar sempre entre negros. Quando há alguma intervenção do professor sobre

as questões raciais, ele busca sempre proferir um discurso de que todos são iguais e não

de que as diferenças devem ser respeitadas.

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Há, na Educação, uma importância muito grande em levar em conta a

singularidade de cada criança, no entanto, se as crianças forem consideradas todas como

iguais, novamente será reconstruída a idéia de um padrão de criança desejado. Nilma

Lino Gomes (2003), em uma de suas pesquisas, diz que a escola acaba criando um

padrão de beleza (estético) e uniformiza as crianças, sendo que, quando a menina negra

passa a frequentar a escola, ela precisa passar por um ritual para prender seus cabelos

todos os dias, pois estes são motivos de chacota. Será que por esses mesmos motivos, na

maioria das vezes, os meninos negros possuem os cabelos raspados? Dessa forma, qual

a percepção/sentimento que essas crianças têm do corpo negro e do cabelo crespo?

Ângela Maria dos Santos (2003) em seu livro “Vozes e Silêncios do Cotidiano

Escolar”, resultado de sua dissertação de mestrado, centra sua pesquisa nas interações

estabelecidas entre os alunos e a constituição das relações discriminatórias. A autora

salienta que quando a criança sofre preconceito, sente-se intimidada e envergonhada

com baixa auto-estima, fatores que, muitas vezes, tornam-se um problema de

aprendizagem. Muitas vezes, ser negro, remete-se a feiura e os colegas põem apelidos

uns nos outros, utilizando esteriótipos negativos, comparando-os com animais.

[...] as cenas que aparentam uma relação harmoniosa entre os alunos mostram que existe um limite para a interação entre alunos negros e não negros. A qualquer momento, seja em situações de tensão ou não a relação de cordialidade se rompe. Então a cor ou outros atributos físicos dos colegas são utilizados como recurso para ofensas raciais que, na realidade, não se dirigem a um indivíduo, marca na individualidade o sentimento racista em relação a um grupo. (SANTOS, 2003 p.29).

Alguns dos(as) professores(as) que participaram desta pesquisa não percebem

discriminação entre os alunos, como se houvesse uma convivência harmoniosa com

relação às questões étnico-raciais, eles afirmaram intervir, quando existe situações de

preconceito, no entanto, a pesquisadora, durante suas observações, não percebe isto.

Então, Santos (2003), ressalta a necessidade de uma reeducação das relações étnico-

raciais.

A diversidade étnico-racial é um tema tão polêmico e temido pelos educadores

que me instigou a curiosidade em pesquisá-lo. Observando realidades muito

diferenciadas em crianças de uma turma de Educação Infantil, que um menino de quatro

anos, em uma atividade, deveria descrever suas características físicas, disse à

professora:

─ Ah, eu sô negão, e tenho o cabelo assim enlolado e o olho malon!

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O garoto se descreveu com convicção, falando sobre sua identidade que o marca

como diferente. Já, a mãe de uma menina do mesmo grupo, também com quatro anos,

traz relatos de que, em casa, ela questiona por que tem essa cor, por que as amigas são

brancas e ela não, sendo que, em alguns momentos, já chorou por desejar ser como as

amigas. Então começo a me questionar: Quais as relações étnicas raciais estabelecidas

entre educadores e crianças no cotidiano de um grupo da Educação Infantil?

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3. PROBLEMA DE PESQUISA

Quais as relações étnicas raciais estabelecidas entre educadores e crianças no

cotidiano de um grupo da Educação Infantil?

4. OBJETIVOS

4.1 Objetivo Geral:

Analisar como as crianças e professoras da Educação Infantil interagem com a

diversidade étnico-racial.

4.2 Objetivos Específicos:

-Identificar como os educadores mediam as situações cotidianas que envolvem a

diversidade étnico-racial.

- Verificar como o grupo de crianças afro-descendentes da Educação Infantil estabelece

relações com seus pares.

- Caracterizar como as crianças afro-descendentes estabelecem relações com crianças de outras etnias.

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5. JUSTIFICATIVA

Há tempos, na história do Brasil, que um de seus capítulos vem sendo omitido, a

história da cultura afro-brasileira e dos afro-descentes, porém, com a homologação da

LEI 10639/03, esse assunto eclodiu nas discussões entre educadores. Contudo, percebo

em minhas experiências diárias, que se trata mais da preocupação em atender a um

currículo, do que realmente a Lei se propõe a abordar. É possível imaginar aqui, quantas

discussões foram travadas, quantas pessoas sofreram, quantos movimentos foram feitos

até que esta Lei chegasse a ser homologada. E isso resolveu o problema? Não, pois a

diversidade étnico-racial é um tema muito discutido no âmbito educacional, mas, muitas

vezes, perpassam-se apenas discussões, como se fosse algo que está na “moda

educacional”, no entanto, as atitudes são poucas. Muitos educadores parecem temer o

assunto da diversidade, omitindo seu papel, quando se deparam com situações

relacionadas ao tema no ambiente educacional. Munanga (2005), afirma que os

educadores:

Na maioria dos casos, praticam a política de avestruz ou sentem pena dos “coitadinhos”, em vez de uma atitude responsável que consistiria, por um lado, em mostrar que a diversidade não constitui um fator de superioridade e inferioridade entre os grupos humanos, mas sim, ao contrário, um fator de complementaridade e de enriquecimento da humanidade em geral; e por outro lado, em ajudar o aluno discriminado para que ele possa assumir com orgulho e dignidade os atributos de sua diferença, sobretudo quando esta foi negativamente introjetada em detrimento de sua própria natureza humana. (MUNANGA, 2005, p.15)

Nesse sentido, qual o papel das Instituições de Educação Infantil na vida das

crianças? No meu entendimento, enquanto professora auxiliar de uma Instituição de

Educação Infantil, a creche, tem uma função social que tem como foco o

desenvolvimento e o conhecimento das crianças através do cuidar e do educar. Mas, o

que compreende este cuidar e educar? Segundo Cerisara (1999 p.16 -17)

[...] as instituições de educação infantil tem uma especificidade que as torna diferentes da família e da escola e que devem, devido a especificidade da faixa etária de suas crianças, desenvolver atividades ligadas ao cuidado e à educação dessas crianças. [...]. Conseguir concretizar esta concepção em práticas educativas ainda constitui um desafio para os educadores da área. Este desafio está acima de tudo estreitamente ligado às relações creche – famílias, que precisam ser enfrentadas urgentemente no sentido de explicitar qual é o papel que estas duas instituições devem ter no atual contexto histórico, a fim de que as professoras de educação infantil e as famílias – pais e mães das crianças - possam assumir suas responsabilidades com maior

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clareza de seus papéis que, mesmo sendo complementares um em relação ao outro, são diferentes e devem continuar sendo.

Acredito que atrelado a este cuidar e educar está o humanizar, que faz com que

nos tornemos cidadãos, capazes de respeitar o outro, sem nenhuma forma de

discriminação3. Cuidar e educar na perspectiva da humanização, problematizando as

questões que tenham uma relevância social para a vida. Eloísa Candal Rocha, referindo-

se sobre as diretrizes pedagógicas da Educação Infantil nos aponta a importância de

que:

O desenvolvimento das experiências educativas [...] depende de uma organização pedagógica cuja dinâmica, ou se preferirem, metodologia, se paute na intensificação das ações das crianças relativas aos contextos sociais e naturais, no sentido de ampliá-los e diversificá-los, sobretudo através das interações sociais, da brincadeira e das mais variadas formas de linguagem e contextos comunicativos. Consideramos essas as formas privilegiadas pelas quais as crianças expressam, conhecem, exploram e elaboram significados sobre o mundo e sobre sua própria identidade social. [...]Enquanto construção social, a infância deve ser reconhecida em sua heterogeneidade, considerando fatores como classe social, etnia, gênero, religião como determinantes da constituição das diferentes infâncias e de suas culturas. (ROCHA, 2008, p.2-3)

Sendo assim, por que há uma resistência tão grande dos educadores com relação à

diversidade étnico-racial? Será a falta de conhecimento ou suporte teórico? Uma

dificuldade em dar visibilidade a essas questões que historicamente foram esquecidas?

Será o padrão eurocêntrico4 que prevalece ainda?

Existem poucas pesquisas que dão visibilidade a diversidade étnico-racial na

Educação Infantil. Por meio de investigação feita no site da ANPED5, considerado

referência para pesquisas educacionais, realizei um mapeamento nos grupos de trabalho

07 (Educação de Crianças de 0 a 6 anos) e 21 (Afro-brasileiros e Educação) os quais

mostraram que, desde a vigésima segunda reunião anual, foram publicados apenas

quatro artigos que citam o tema, mas não o aprofundaram.

Ao analisar o livro, “O que você pode ler sobre o negro” (LIMA, ROMÃO e

SILVEIRA, 1998), do núcleo de estudos negros, que trata-se de um guia de referências

bibliográficas sobre a questão dos negros, pude perceber que dentre todas as referências

3 Souza (2005), considera que a discriminação pode ser originada do preconceito, sendo que se trata de um tratamento diferencia,l conferido a certos membros de certos grupos. 4 Ao fazer uso da expressão eurocentrico refiro-me a teoria que coloca a Europa e sua cultura como o “centro do mundo”, como modelo, padrão para os demais povos e culturas. 5 Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. www.anped.org.br Acesso em: 03/10/2008.

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ali contidas, apenas uma delas aborda especificamente a Educação Infantil,o texto de

Ronilda Ribeiro: Ação educacional na construção do novo imaginário infantil sobre

África, mais uma vez, evidenciando a falta de pesquisas sobre o assunto.

Nesse sentido, são necessárias pesquisas que tratem deste assunto para que os

educadores possam visualizar, com uma clareza maior, como estão acontecendo estas

relações raciais no interior da creche. É de extrema importância que desde a Educação

Infantil as crianças negras não fiquem em um campo de invisibilidade, procurando se

reconhecer em um padrão embranquecido de beleza. É preciso mostrar às crianças que

não há uma cultura negra e uma cultura branca, há sim, a cultura brasileira que é

composta por uma diversidade muito grande, que vai além da negra e da branca, e isto

faz com que surjam diversos tipos de música, de dança, de culinária, diversos modos de

vestir e diversos tipos de beleza e nenhum deles deve se sobrepor ao outro.

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6. NEGROS E EDUCAÇÃO

O foco principal deste capítulo é investigar a maneira pela qual a história e cultura

afro-descendentes vem sendo abordadas no contexto educacional brasileiro e como isto

contribui para a perpetuação do preconceito e da discriminação. Nesse sentido, buscarei

abordar a Lei 10.639/03 e possíveis avanços após a sua homologação.

A discriminação, preconceito, racismo são questões que afligem a sociedade

brasileira, porém, atingem principalmente a população negra, isso ocorre por tratar-se de

um grupo étnico que vem sofrendo um processo de desqualificação desde o século VX.

Sendo que falsos ideais de superioridade da raça branca foram disseminados naquela

época e ainda estão presentes na sociedade atual. (Santos, 2002). Portanto, cabe-me

perguntar: Qual o imaginário social presente no cotidiano da Educação Infantil,

referente a essas questões de preconceito e discriminação racial? Serão a discriminação,

o preconceito e o racismo atos conscientes de quem o exerce? Ou serão atitudes que se

arraigaram ao longo de séculos naqueles que não refletem sobre o que é realmente ser

humano? Quais as justificativas dos cidadãos da sociedade atual para ainda praticarem o

preconceito dito “racial”?

O preconceito racial faz parte da história de um Brasil que tentou durante anos

ficar ofuscado, por ter se abordado a discussão da democracia racial, contudo, não

passaram apenas de aparências. Para Guimarães (2006, p. 269), a democracia racial

confere o período em que:

O Brasil teria sido percebido historicamente como um país onde os brancos tinham uma fraca, ou quase nenhuma, consciência de raça onde a miscigenação era, desde o período colonial, disseminada e moralmente consentida; onde os mestiços, desde que bem-educados, seriam regularmente incorporados às elites; enfim, onde o preconceito racial nunca fora forte o suficiente para criar uma “linha de cor”.

Mas, como pode um país com tantas disparidades sociais entre brancos e negros

afirmar que vive em democracia racial? Está muito evidente e várias pesquisas6 já

confirmaram as desigualdades socioeconômicas que existem entre brancos e afro-

descendentes em nosso país. Nesse sentido, é pertinente fazer um resgate histórico do

nascimento dos ideais que foram fortes influenciadores no surgimento do preconceito.

6 Refiro-me principalmente as pesquisas de Delma Silva (1999) e Petrônio Domingues (2005) que serão citadas ainda neste capítulo.

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Conforme Santos (2002), durante o século XV houve muitas “descobertas” e a

partir delas, alguns pensadores começaram a repensar sobre as verdadeiras origens da

humanidade. Uma das principais discussões que acontecia sob a ótica da teologia, era

em torno dos povos recém-descobertos, dentre eles, os negros africanos. Existiam

aqueles que defendiam a idéia de que eram seres humanos comuns, já, outros,

afirmavam que eram “bestas”. Em quaisquer das hipóteses para conquistarem sua

dignidade, estes povos deveriam se converter ao Cristianismo. O que me conduz ao

pensamento, de que, já neste momento, desejou-se sobrepor o Cristianismo às crenças

dos povos africanos.

Durante o século XVII, os filósofos iluministas romperam com ideais teológicos e

começaram a investigar sob a ótica da razão os povos não-europeus. Sendo assim,

subdividiam-se em monogenistas: Os que acreditavam que os fatores causadores das

diferenças eram a variação nos alimentos, clima e hábitos. E polígenistas, que atribuíam

as diferenças às origens. Mas ambos consideravam a raça branca como superior às

demais (SANTOS, 2002).

Mais tarde, os darwinistas fundamentados nos princípios de evolução da espécie e

de seleção natural, acreditavam que haveria uma raça pura que eliminaria as raças mais

fracas. Nesse sentido, defendiam que o preconceito era favorável à evolução, pois este

mantinha as populações separadas. Dessa forma, torna-se evidente pensar que estas

idéias favoreceram em muito a escravidão, bem como, o surgimento e perpetuação do

preconceito. (SANTOS, 2002).

O Brasil foi um dos últimos países a acabar com a escravidão, e isso ocorreu,

porque não foi mais possível suportar um sistema escravocrata, visto que já haviam

algumas revoltas em muitas fazendas e havia também uma preocupação muito grande

de que ocorresse um “enegrecimento” no país, sendo assim, libertaram-se os escravos

como se fosse um presente à população negra, e buscaram-se imigrantes com a

finalidade de suprir a mão-de-obra e de miscigenar a população. Com o fim da

escravidão, os negros ficaram à margem da sociedade sem oportunidade de trabalho,

sendo vistos como vadios, preguiçosos, e por aí seguem os rótulos que foram

designados à população negra até a sociedade atual. (Santos, 2002).

Porém, há muito tempo que esta história dos negros vem sendo omitida nas

escolas. A história do Brasil contada durante toda a Educação Básica aborda a chegada

dos portugueses, o Brasil Império, Independência do Brasil, Brasil República, tudo isso

mostrando as benevolências que os portugueses trouxeram para cá. Mas, e os negros?

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Onde ficam nessa história? Os negros eram “apenas” os escravos, não cabem nessa

história de elites, que o Brasil aprendeu nas escolas, onde, durante muito tempo até os

dias atuais, estes foram retratados como escravos. Munanga (2005, p.16) afirma que,

“Todos, ou pelo menos os educadores conscientes, sabem que a história da população

negra quando é contada no livro didático é apresentada apenas do ponto de vista do

“Outro” e seguindo uma ótica humilhante e pouco humana”.

Age-se muitas vezes como se os negros não possuíssem cultura, história, como se

fossem apenas os escravos que aqui foram explorados, fazendo assim, com que a

sociedade tenha um sentimento de “piedade” dos mesmos. Essa questão presente na

nossa história dita, revela a invisibilidade da cultura e os cidadãos negros atualmente.

Hoje, há a necessidade de as escolas separarem, na história, o enfoque do

escravismo remetendo-se à cultura do negro.

Nos registros da história do Brasil, os afro-descendentes ainda ocupam a periferia, o enfoque é centrado no navio negreiro, omitindo a nossa ancestralidade, pois se a mesma fosse enfocada com justiça, nossas crianças e jovens haveriam de dissociar a nossa história da história dos vencidos, haveriam de perceber que a prática do escravismo se deu no Brasil e em outros países como a Grécia e a Suécia, onde a escravidão foi branca. O escravismo é um fato na história econômica da humanidade. E essa informação ajudaria a desvelar os mitos acerca desse sistema produtivo como a compreensão de senso comum de que só os negros foram escravizados. (SILVA, 1999, p.101).

A ausência das discussões sobre a cultura e história dos negros na escola faz com

que a população negra não se sinta legitimada neste espaço, não o reconheça como

sendo seu, e faz com que cresça o preconceito das outras crianças diante das crianças

negras. Mas como evitar que aconteça o preconceito e a discriminação na escola? Como

surgiu o preconceito contra os negros? Poucos educadores trabalham com esta ótica de

desconstruir o que está posto pela história e pela sociedade, dessa forma, Machado

(2002), ao se referir sobre o preconceito aponta que:

Esse se constituiu na formação do estado brasileiro, e podemos afirmar que a escravidão que atingiu tanto indígenas quanto africanos e perdurou entre estes últimos em nosso país por cerca de 300 anos, é uma das principais responsáveis por isso. Com o processo de conquista do território americano e africano, aliado à escravidão, essas populações passaram a ser consideradas como seres sem alma, inferiores, sendo preciso inseri-los no processo civilizatório “superior” europeu, partir da adesão de padrões culturais e de comportamento. Em fins do século XIX, no contexto do processo de abolição, a maioria absoluta da população era composta de negros. O discurso veiculado no período defendia que eles eram os responsáveis pelos males da nação, sendo, portanto, necessário miscigenar a

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população que com o passar dos tempos iria se tornar “branca”: era preciso tornar o povo brasileiro homogêneo. Nesse contexto, reafirmaram-se os preconceitos e estereótipos no sentido de inferiorizar as populações de origem africana no que diz respeito ao padrão estético, moral e cultural. Os aparelhos de reprodução ideológica e as instituições oficiais, incluindo a escola, atribuem ao negro adjetivos e estereótipos como: feio, mau, sem razão, instintivo e sem moral. O resultado disto é que alguns negros acabam reproduzindo uma rejeição de si próprios, passando a aderir e reproduzir os padrões culturais e de comportamento do dominador, nesse caso, de brancos descendentes de europeus. (MACHADO, 2002, p.23).

Nesse sentido, é necessário que as Instituições Educacionais, e os educadores

tenham uma concepção de história e cultura brasileiras que enfoque a diversidade

existente no Brasil. Não é possível apenas separar a cultura e a história dos “brancos” da

cultura e a história dos negros. É fundamental evidenciar a heterogeneidade da qual o

Brasil é composto: índios, negros, brancos, orientais, bugres e outros mais. Nilma Lino

Gomes (2003), ressalta que:

[...] se a ênfase na discussão da cultura no campo educacional se restringir ao simples elogio às diferenças ou ficar reduzida aos estudos do campo do currículo e da cultura escolar, corremos o risco de não explorar toda a riqueza que tal inflexão pode nos trazer. A cultura, seja na educação ou nas ciências sociais, é mais do que um conceito acadêmico. Ela diz respeito às vivências concretas dos sujeitos, à variabilidade de formas de conceber o mundo, às particularidades e semelhanças construídas pelos seres humanos ao longo do processo histórico e social. (GOMES, 2003, p. 75).

Conscientizar, através do discurso, torna-se algo inviável, hoje se discute que é

preciso trabalhar a identidade de cada um, partindo da sala de aula e, assim, evidenciar a

cultura e a descendência dos educandos, aliando-a à história brasileira. As Instituições

de Educação devem ter como foco primordial, compreender os alunos como seres

singulares que pertencem a culturas coletivas. Tendo em vista que a individualidade faz

parte de uma coletividade, de um grupo cultural, racial, étnico, econômico e regional.

Sendo assim, é fundamental estimular a criança ao autoconhecimento, motivando-a a

conhecer e reconhecer sua identidade. (ROMÃO, 2001).

Cabe ressaltar a importância de que o educando consiga identificar-se, reconhecer-

se no espaço escolar. Muitas vezes são trabalhadas inúmeras figuras ilustres da história,

mas alguma delas é negra? É necessário significar estas figuras e apresentá-las às

crianças.

Nos livros didáticos como o negro é representado? Em muitas escolas brasileiras,

o livro didático e de literatura são os principais recursos do educador, porém, muitas

vezes, estes possuem conteúdos e imagens errôneas, que consciente ou

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inconscientemente são internalizados pelos educandos. Até pouco tempo atrás não

haviam imagens de negros nos livros didáticos, pois grande parte destes livros traziam

um ideal de beleza eurocêntrico. Quando estas imagens apareciam, eram utilizadas,

remetendo-se aos escravos, pobres, excluídos socialmente. Sendo assim, quando a

figura do negro estava presente, este acabava sendo caracterizado por um estereótipo

que o “diminuía”.

Paulo Silva (2006), ao considerar um trabalho feito por PINTO (1981) onde o

autor analisou livros de leitura do período compreendido entre 1941 a 1975 afirma que:

Os personagens brancos, nos textos e nas ilustrações, eram apresentados como representantes da espécie. Muito mais freqüentes que negros (e indígenas), constavam em quase a totalidade de posições de destaque. Os personagens brancos muitas vezes estavam inseridos em contexto familiar, ao contrário dos personagens negros. Enquanto os personagens brancos foram retratados em inúmeros tipos de atividades ocupacionais, dentre as quais as de maior prestígio e poder, os negros foram apresentados em número muito limitado, sempre nas funções mais desvalorizadas socialmente. Os personagens brancos apresentaram maiores possibilidades de atuação e autonomia, em comparação com os negros que, prevalentemente, foram personagens sem possibilidade de atuação na narrativa, em posição coadjuvante ou como objeto da ação do outro. (SILVA, 2006 p.4)

Hoje em dia, após muitas discussões, já é possível visualizar a presença do negro

em alguns livros didáticos. Alguns autores, como Ana Célia Silva (2002), apontam que

estas transformações da representação social do negro, nos livros didáticos, aconteceram

principalmente depois da Constituição de 1988, que assinala a discriminação racial

como crime e após a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais em 1998. Um

outro fator a ser considerado é que algumas editoras, como a FTD, advertiam para a

não-veiculação de estereótipos discriminatórios. Ao mencionar alguns livros publicados

pela mesma editora, após a década de 90, a autora afirma que:

Neles, os personagens aparecem, ilustrados com status econômico de classe média, com constelação familiar, crianças praticando atividades de lazer, em interação com crianças de outras raças/etnias, com nome próprio, sem aspecto caricatural e freqüentando a escola; adultos negros exercendo funções e papéis diversificados, descritos como cidadãos, interagindo com pessoas de outras raças/etnias sem subalternidade, entre outras transformações. (SILVA, 2002, p.4).

Uma preocupação que contempla os educadores e estudiosos da diversidade ainda

é o fato de que os números das pesquisas relacionadas à situação social (econômica ou

socioeconômica) dos afro-descentes são complexas, estão em situação de

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vulnerabilidade pelo fato de encontrarem-se nas periferias, nos bolsões de pobreza.

Petrônio Domingues (2005, p.165) afirma que:

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), de 53 milhões de brasileiros que vivem na pobreza, 63% são negros. De 22 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza, 70% são negros (idem). Na área da educação, a situação do negro não é menos calamitosa. Do total dos universitários, 97% são brancos, sobre 2% de negros e 1% de descendentes de orientais (idem).

Delma Silva (1999), ao referir-se ao Relatório do Programa das Nações Unidas

para o Desenvolvimento (PNUD) de 1996 relata que as disparidades de possibilidades

entre negros e não-negros de ingressarem e manterem-se na escola são grandes, visto

que:

[...] os afro-descendentes com mais de 25 anos representam 68,8% da população, são analfabetos. [...] a probabilidade de entrar na escola para os brancos é de 85%, contra 65% para os afro-descendentes. A probabilidade de ingressar na segunda fase do ensino elementar – 5ª a 8ª séries – é de 55% para os brancos, diante de 40% para “pretos” e 44% para pardos. A probabilidade de um “branco” que completou o primeiro grau chegar ao segundo grau – atual ensino médio – é de 57%, enquanto que as probabilidades para um “preto” ou um “pardo” recaem para 36% e 46%, respectivamente. (SILVA, 1999, p.104)

Nesse sentido, é perceptível que os cidadãos negros enfrentem maiores

dificuldades de acesso e permanência na escola, “[...] assim como freqüentam escolas de

pior qualidade, redundando em maior índice de reprovação e atraso escolar do que

aquele observado entre os brancos [...]”. (ROSEMBERG, 1998, p.79). Muitas vezes,

isso, é consequência da discriminação e preconceito existentes no âmbito educacional.

Estes números nos mostram que ainda existem na sociedade preconceito,

discriminação que fazem com que o negro sinta-se inferior, e acarretam na situação

econômica do mesmo, o que ocasiona o fracasso e a evasão escolar.

Não precisamos ser profetas para compreender que o preconceito incutido na cabeça do professor e sua incapacidade em lidar profissionalmente com a diversidade, somando-se ao conteúdo preconceituoso dos livros e materiais didáticos e às relações preconceituosas entre alunos de diferentes ascendências étnico-raciais, sociais e outras, desestimulam o aluno negro e prejudicam seu aprendizado. O que explica o coeficiente de repetência e evasão escolar altamente elevado do alunado negro, comparativamente ao do alunado branco. (MUNANGA, 2005, p.16)

Como pode um educador menosprezar a capacidade de um aluno pela cor da pele?

Infelizmente, ainda há um preconceito muito grande incutido na cabeça de alguns

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educadores que acabam afetando diretamente os alunos, que são responsabilizados por

um fracasso que não lhes pertence, que faz parte do ranço discriminatório que ainda é

muito forte na sociedade brasileira e da má-formação dos educadores que não se

dispõem a trabalhar com a diversidade, como se esta, não existisse.

Gonçalves (2007), aponta em sua pesquisa que a justificativa das professoras para

o baixo rendimento apresentado pelos alunos negros, está centrada nos próprios alunos e

nos seus familiares. Dessa forma, torna-se mais fácil para o professor culpabilizar o

aluno do que desconstruir seus próprios preconceitos.

Em busca de maior igualdade social, após muitos anos, o movimento negro

existente na sociedade brasileira conquistou a Homologação da Lei 10639/03. Para Dias

(2005), durante as discussões das LDBs 4.024/61 e 5.692/71, as propostas para intervir

na exclusão social dos negros foram as mínimas, este movimento começou a aparecer

após a Constituição de 1988.

[...] em 1987 deflagra-se movimento intenso de discussão das propostas de uma nova LDB. A discussão da LDB cruza-se com outros movimentos e, no caso em análise, a questão de raça nas LDBs tem dois importantes marcos impulsionadores: o Centenário da Abolição, em 1988, e os 300 Anos da Morte de Zumbi dos Palmares, em 1995. O movimento social negro atua intensamente no Centenário da Abolição da Escravatura. Ocorrem eventos no Brasil inteiro, são publicadas pesquisas com indicadores sociais e econômicos demonstrando que a população negra está em piores condições que a população branca, comparando-se qualquer indicador: saúde, educação, mercado de trabalho, entre outros. Constroem-se com isso novos argumentos para romper com a idéia de que todos são tratados do mesmo modo no Brasil. (DIAS, 2005, p. 54).

Na tentativa de melhorar as condições sociais da população negra, no sentido de

não haver mais discriminação, trabalhando nas escolas a diversidade cultural brasileira,

a identidade cultural das crianças, valorizando-as e desmistificando a história

“tradicional” do Brasil, foi sancionada a Lei 10639/03. Segundo Dias (2005):

[...] um dos primeiros atos do governo Lula foi sancionar um projeto de lei apresentado pelos deputados federais Ester Grossi (educadora do Rio Grande do Sul) e Ben-Hur Ferreira (oriundo do movimento negro de Mato Grosso do Sul), ambos do PT. A lei, que modifica o artigo 26, foi sancionada pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva e pelo ministro Cristovam Buarque em 9 de janeiro de 2003. A lei no 10.639 altera a lei no 9.394/96 nos seus artigos 26 e 79, e torna obrigatória a inclusão no currículo oficial de ensino da temática “História e Cultura Afro-brasileira”.

Após a homologação dessa Lei ampliaram-se as discussões sobre a diversidade

étnico-racial nas escolas, pois os educadores que trabalham a partir do Ensino

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Fundamental têm como “obrigação” abordar este tema durante suas aulas. Mas de que

maneira isto vem sendo feito? É preciso quebrar as barreiras do preconceito existente na

sociedade, nas escolas e nos educadores, para que os cidadãos negros não sejam mais

excluídos da história e da educação brasileira. Para tanto, é preciso trabalhar a

diversidade desde a Educação Infantil.

7. CRIANÇA E EDUCAÇÃO INFANTIL

A educação das crianças pequenas é, sem sombra de dúvida, um tema que muito

interessa aos pedagogos, acredito que é indispensável que educadores e pesquisadores

de infâncias tenham bem clara as concepções de infância, criança e Educação Infantil.

Dessa forma, neste capítulo proponho-me a contextualizar a Educação Infantil em uma

perspectiva histórica, até os dias atuais, abordando as concepções de criança e infância

que permeiam as discussões entre pedagogos, aliando-as ao tema central de minha

pesquisa sobre a diversidade étnico-racial.

A Educação Infantil é uma etapa muito importante da Educação Básica, pois

serve de base ao desenvolvimento do ser, valorizando-o e criando oportunidades para o

seu desenvolvimento, enquanto criança e sujeito de direitos. Sendo assim, Rocha (2008,

p.2) afirma que:

[…] reafirma-se o reconhecimento da especificidade da educação infantil como primeira etapa da educação básica, cuja função sustenta-se no respeito aos direitos fundamentais das crianças e na garantia de uma formação integral orientada para as diferentes dimensões humanas (lingüística, intelectual, expressiva, emocional, corporal, social e cultural). Tal função realizando-se através de uma ação intencional orientada de forma a contemplar cada uma destas dimensões como núcleos da ação pedagógica ou campos de experiência educativa.

As crianças são sujeitos sociais que participam ativamente da cultura e da história,

sendo que esta é a concepção de criança presente na sociedade atual. Durante muito

tempo, foram compreendidas “como um vir a ser, tábula rasa, rastro vergonhoso da

nossa natureza corrupta e animal, inocência em forma humana, ou seja, as crianças são,

neste caso, Outros como fonte de todo mal, cabendo à educação regular e dominar, a sua

natureza corrupta.” (OLIVEIRA, 2004, p.182).

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Ao pensar a infância, considero importante tratar de uma construção social que

aconteceu ao longo dos tempos. Sabe-se que não há uma única infância ou uma única

forma de experienciar esta fase da vida, sendo que as crianças não vivenciam a infância

todas da mesma maneira, pois participam de diferentes culturas e criam e recriam suas

próprias culturas. Rocha (2008, p. 3) afirma que: “Enquanto construção social, a

infância deve ser reconhecida em sua heterogeneidade, considerando fatores como

classe social, etnia, gênero, religião, como determinantes da constituição das diferentes

infâncias e de suas culturas.”

As primeiras preocupações com as crianças surgiram no final do século XVII e

início do século XVIII, com os pensamentos de Jean Jacques Rousseau, foi ele quem

destacou a necessidade de se enxergar a criança em seu mundo próprio com suas

especificidades pertencendo ao adulto compreendê-la e respeitá-la. Nesse momento, a

criança passou a existir como objeto de afeto e desenvolvimento para a sociedade.

É preciso ter consciência clara de que não existe uma forma única de ser criança ou uma infância universal, para poder olhar os sujeitos que corporizam esta categoria e suas múltiplas formas de vivê-la, indo além dos conceitos sedimentados no nosso meio social. Na tentativa de quebrar tais paradigmas, busca-se um modo de ver e pensar as crianças com auxilio do Terceiro Olho, aquele que domina os conhecimentos científicos e que prima por perceber o intelecto e conjugá-lo com a alma humana (a visão interior e a inspiração intuitiva). […] É igualmente preciso modelar esse olhar de forma que se consiga perceber as infâncias e os sujeitos que compõem esta categoria social de maneira diversa e instável, e que se revelam como algo que encarna a aparição da alteridade. (OLIVEIRA, 2004, p.188-189).

Ao reconhecer que a infância precisa ter um cuidado “especial”, surgem, então,

no período da Revolução Industrial, as creches. Segundo Kuhlmann (2005), neste

período, as mulheres deixam seus lares para entrar no mercado de trabalho, as creches e

pré-escolas nascem com o objetivo de evitar um aumento na mortalidade infantil e

cuidar das crianças em um ambiente extra familiar.

Sabe-se que no Brasil conviveram e convivem diferentes infâncias: a infância dos curumins, que foram catequizados para se tornar cristãos, e a infância dos moleques e molecas negros que pertenciam aos sinhozinhos e às sinhazinhas brancas, isto é uma história de desigualdades sociais, de dificuldades, mas também uma história de brincadeiras e reconhecimento social. Aqui, a educação e o cuidado das crianças pequenas iniciou-se no mesmo momento em que aconteceu a urbanização, a industrialização, a divulgação do discurso médico-higienista, a transformação na organização da família e a criação da República. […] As primeiras creches brasileiras surgiram como um mal necessário procurando atenuar a mortalidade

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infantil, divulgar campanhas de amamentação, atender as mães solteiras e realizar a educação moral das famílias. (BARBOSA, 2006, p 82-83)

De acordo com Kuhlmann (2005), até a década de 80, as Instituições de

Educação Infantil, tinham caráter assistencialista, priorizavam o “cuidar”, os aspectos

de higiene pessoal e saúde física, os aspectos pedagógicos não eram obrigatórios,

deixando a cargo do professor utilizá-los ou não. Já, na década de 90, compreende-se

que o cuidado e a educação devem caminhar juntos.

Na verdade, o que acontecia nesta época é que a educação era proporcionada de

acordo com as classes sociais, onde as crianças de baixa renda recebiam um

atendimento que priorizava os cuidados básicos com o corpo; já, as crianças de famílias

mais favorecidas economicamente, faziam parte de uma Educação Infantil com

perspectivas para a escolarização.

Mas, Ana Beatriz Cerisara (1999), ressalta que mesmo estas Instituições, tendo

abordagens diferentes (assistencialista e educativa), ambas tinham caráter educativo.

Sendo que uma priorizava os aspectos de higiene da classe mais pobre; e a outra,

voltava-se para a escolarização da elite. Após muitas discussões, a necessidade de uma

educação menos hierarquizada fez com nascesse a idéia do cuidar e educar de maneira

indissociável.

Educar e cuidar é a expressão usada para representar que, na Educação Infantil,

não se pode separar o cuidado da educação, um está totalmente atrelado ao outro.

Porém, muitos educadores, atualmente, ainda conseguem dissociar em suas práticas o

que é cuidado, e o que é educação. O que evidencia que eles ainda compreendem a

criança como um ser incompleto.

Essa dicotomização entre as atividades com um perfil mais escolar e as atividades de cuidado, revelam que ainda não está clara uma concepção de criança com sujeito de direitos, que necessita ser educada e cuidada, uma vez que ela depende dos adultos para sobreviver e também pelo fato de permanecer muitas vezes de 10 a 12 horas diárias na instituição de educação infantil. (CERISARA, 1999, p. 16).

A criança enquanto sujeito de direitos, ativo na sociedade, deve ter no espaço da

Instituição de Educação Infantil, possibilidades para a manifestação de suas múltiplas

linguagens. É extremamente importante que estas Instituições sejam agradáveis,

estimulantes, acolhedoras e que as crianças sintam prazer em estar nestes locais, pois é

nesse ambiente que os pequenos passam a maior parte do seu tempo. O espaço da

Educação Infantil deve oportunizar as interações entre as crianças de diversas faixas

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etárias, liberdade para se expressar, criar, dançar, movimentar, cantar e, finalmente,

desenvolver-se integralmente da melhor forma possível.

As crianças a sua moda compreendem o mundo que os cerca. Portanto, são sujeitos completos em si mesmos, que pensam se expressam criativamente e criticamente sobre o espaço institucional onde são cuidadas e educadas. São sujeitos conscientes de sua condição e situação e se expressam de múltiplas formas. (BATISTA, CERISARA, OLIVEIRA, RIVERO, 2004, p.3)

Martins Filho (2006), chama-nos atenção para a importância dos processos de

socialização existentes na creche, ressaltando a necessidade de buscar uma linguagem

comum às crianças, estabelecendo laços de confianças entre o adulto e a criança. Esta

relação favorece a construção da cultura de pares, sendo que a presença do adulto é de

fundamental importância, principalmente, se este procura potencializar as manifestações

culturais dessas crianças como algo a ser considerado e ampliado.

É imprescindível que os educadores de Educação Infantil rompam com seu olhar

adultocêntrico e coloquem as crianças como sujeito principal nas relações estabelecidas

no interior das creches, pois como ressaltam Batista, Cerisara, Oliveira, e Rivero

(2004, p.2), “uma Pedagogia da Infância e, mais precisamente, uma Pedagogia da

Educação Infantil teria como um de seus princípios, buscar a voz das crianças pequenas

sobre sua vida, vivida no contexto das Instituições de Educação Infantil.”

Parafraseando Rocha (2008), é possível afirmar que uma pedagogia da infância

precisa ter como foco principal, os processos com os quais as crianças irão constituir

seus conhecimentos, considerando-as como seres humanos concretos e reais, que

perpassam por diferentes interações sociais e culturais, que também constituem suas

infâncias.

Muitas crianças passam a maior parte de suas infâncias dentro das creches, sendo

que chegam a ficar nesses espaços doze horas diárias. Conscientes disso, os professores

de Educação Infantil devem proporcionar espaços e tempos para as brincadeiras, e

considera-las como um dos eixos principais do trabalho pedagógico. Através do brincar,

a criança cria e recria possibilidades de conhecimentos por meio das relações que

estabelece com a sociedade e com seus pares. Agostinho (2005), afirma que:

[…] as crianças estão dizendo a todo tempo que querem um lugar onde possam brincar, sozinhas, acompanhadas de outras crianças ou dos adultos. Por meio das suas cem linguagens nos disseram cem vezes cem que querem um espaço que lhes garanta o direito à brincadeira. As crianças no seu brincar vão indicando que gostam muito de estar entre seus pares, em

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pequenos grupos e em espaços circunscritos […] (AGOSTINHO, 2005, p.66-67).

Através dessas brincadeiras, as crianças revelam suas culturas e seus modos de

interagir com a sociedade, manifestando assim, suas identidades sociais e indicando ao

educador o que deve contemplar em seu trabalho pedagógico.

Muitas são as mediações existentes entre as crianças e a sociedade na sua

constituição, a mídia, através de desenhos infantis, filmes, músicas, enfim, dos artefatos

culturais é uma importante mediadora nos modos como as crianças brincam. Para

Brougère (2004, p.95):

A brincadeira oferece uma compensação ao status real de dependência da criança, que é a tradução de um desejo de independência por meio de imagens positivas do mundo adulto ou, pelo menos, consideradas como tais pela criança. A imagem do futuro responde a um desejo presente. É no presente da infância que nasce a expressão do futuro.

O brinquedo possibilita à criança criar e sair de sua “infância” para experienciar o

mundo adulto, o mesmo autor ressalta que, através deste brincar, elas podem ter

vivências adultas, sem correr risco algum. Um brinquedo que possibilita isso,

constantemente, são as bonecas Barbie que, segundo Brougère (2004, p.103), sua

“beleza, sucesso, riqueza, popularidade tornam a Barbie atraente, despertam o desejo de

se projetar e brincar”. A questão é, que muitas vezes, esse tipo de brinquedo acaba

transmitindo à criança o desejo de um ideal distante de sua realidade, ou que

supervalorizam coisas secundárias como a beleza, por exemplo.

Atualmente, observo que há um culto à beleza muito grande, há um padrão de

beleza pré-estabelecido, onde as pessoas precisam se “encaixar” nesse padrão para se

sentirem belas, e acabam assim, acatando ou reforçando a idéia de um padrão

eurocêntrico. É possível atualmente observar que nunca houve tantas mulheres com seus

cabelos extremamente lisos, ou seja, a moda da escova definitiva. Um outro exemplo

voltado diretamente para o cotidiano das crianças são novamente as bonecas Barbie,

estas são veneradas, principalmente pelas meninas. No grupo de crianças com o qual

trabalho, as meninas têm verdadeira adoração por esta boneca, levam para o CEI a

Barbie princesa, Barbie butterfly, Barbie castelo de diamantes, uma infinidade de

bonecas com roupas e cabelos diferentes uns do outros, porém, nunca apareceram com

nenhuma Barbie negra. Estas já se encontram no mercado, mas são poucas e difíceis de

serem encontradas. Sendo assim, cabe-me perguntar: Como a criança negra da

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Educação Infantil irá se identificar, e reconhecer, se a maioria dos brinquedos

comercializados transmitem um ideal de beleza embranquecido?

Observo que, em pleno século XXI, ainda perpetua a idéia de supremacia branca,

dessa forma, reafirmando o preconceito e as desigualdades sociais. Estes, ainda assolam

as relações existentes em nossa sociedade, em certos lugares, de forma escancarada, e,

em outros, de maneira mais sutil, em que acabam por gerar um sofrimento ético-

político7. Sendo que os indivíduos que agem de maneira preconceituosa pouco falam,

mas demonstram em seus atos e olhares um preconceito tão agressivo quanto aquele

onde os indivíduos sofrem agressões físicas. Geralmente as formas de discriminação

existentes nas escolas não são escancaradas, pois as pessoas se julgam como alheias de

qualquer tipo de preconceito, mas, discriminam o outro. Cavalleiro (2003), diz que

muitas vezes os professores não sabem como lidar com a diversidade racial entre as

crianças e com seus próprios preconceitos, dessa forma, acabam sendo omissos através

do silêncio. Há a pressuposição de que não existe racismo por parte dos educadores,

sendo assim, prevalece o silêncio, não se fala em racismo nas escolas e salas de aula,

porém, os professores ocultam suas atitudes preconceituosas visto que, estas, são

condenáveis do ponto de vista da educação. Esse silêncio frente à discriminação acaba

facilitando e reforçando atitudes discriminatórias no espaço educacional e,

consequentemente, em outros âmbitos sociais.

Sendo assim, quando a vítima do preconceito é a criança, o problema é bem

mais grave, pois sua auto-estima fica comprometida, o que acaba repercutindo em várias

esferas de sua vida.

Silva (1998), diz que a auto-estima está diretamente ligada aos sentimentos de

êxito, fracasso, vergonha, enfim, as percepções que a pessoa tem de si, porém, os fatores

sociais têm uma grande importância na formação destas percepções. Os educadores

precisam estar atentos aos possíveis problemas que a discriminação racial pode

provocar às crianças, pois ela interfere diretamente na sua identidade.

Nas Instituições Educacionais, a discriminação às crianças negras acontece na

maioria das vezes por meio dos estereótipos, criados pelas outras crianças ou pelos

próprios educadores. Para Cavalleiro (2003), os estereótipos dão origem ao estigma, que

ao ser atribuído ao indivíduo negro, dificulta suas relações sociais e lhes impõe a

7 A autora Bader B. Sawaia afirma que: “O sofrimento ético-político é gerado por práticas econômicas, políticas e sociais que variam de acordo com as variáveis dominantes (uma ou mais de uma) no processo de exclusão social: raça, gênero, idade e classe. A força do sofrimento pode ser tão intensa que chega ao limite da recusa da vida ou morte em vida.” (SAWAYA, 2003).

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característica de desacreditado. Os estereótipos podem ter relação direta na construção

da identidade da criança, pois ela ouve, e internaliza aquilo como sendo uma verdade a

seu respeito ou de seu grupo étnico. Nesse sentido, a mesma autora acredita que a

constituição da identidade é o resultado das percepções que temos de nós mesmos, que

advém da percepção que temos de como os outros nos vêem. Berger e Luckmann, (1976

apud, Cavalleiro 2003, p.103), definem identidade como sendo “[...] formada por

processos sociais. Uma vez cristalizada é mantida, modificada, ou mesmo remodelada

pelas relações sociais. Os processos sociais implicados na formação e conservação da

identidade são determinados pela estrutura social.”

A sociedade acaba reforçando este preconceito, pois ainda existe a idéia de

embranquecimento cultural da população. Conforme aponta Machado (2002), era

necessário miscigenar o povo para que houvesse um predomínio da cultura e da

população branca. Este ideal foi um forte propagador do preconceito no Brasil. Sendo

assim, Silva (1998), ressalta que a educação como um processo contínuo é o caminho

mais viável para reverter esta percepção que a sociedade tem acerca dos cidadãos

negros, que influencia diretamente em sua auto-estima.

Com o intuito de estabelecer no ambiente escolar, relações que sejam contra as

ideologias que reforçam a discriminação racial, é preciso instaurar novas formas de

relações entre crianças negras, brancas e afro-descendentes, romper com velhos

discursos eurocêntricos, promover situações de diálogo e de questionamentos para que

todos possam ter o conhecimento de si no encontro com o diferente, com a diversidade,

reafirmando a idéia de que todos somos diferentes em nossas particularidades.

(SOUZA, 2005).

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8. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A diversidade étnico-racial é um tema que vem instigando a curiosidade de

muitos pesquisadores das áreas humanas e sociais. Esta pesquisa tem como foco,

estudar as relações estabelecidas entre as crianças da Educação Infantil sobre as

diferenças étnico-raciais. Sendo assim, trata-se de uma pesquisa de caráter qualitativa,

em que o fenômeno é impossível de ser medido, este estudo é de cunho descritivo, onde

os fenômenos observados foram registrados. Segundo MINAYO (1994, p. 21-23), a

pesquisa qualitativa:

[…] responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. […] Essa corrente teórica como o próprio nome indica, coloca como tarefa central das ciências sociais a compreensão da realidade humana vivida socialmente.

Uma das maneiras de saber como as crianças se relacionam e pensam é

observando suas brincadeiras, suas interações com seus pares, pois por meio dessas, que

elas revelam grande parte dos conceitos que já constituíram sobre si mesmas, sobre a

sociedade, sobre as pessoas, enfim, sobre o ambiente que as cerca cotidianamente.

Dessa forma, para realizar uma pesquisa com crianças foi preciso que a pesquisadora se

inserisse diretamente no ambiente que as crianças convivem, e passasse a fazer parte

deste grupo. Acredito que a maneira mais viável para executar este trabalho por meio

das aproximações à perspectiva etnográfica.

André (1995), ressalta que, para um estudo ser caracterizado como etnográfico,

deve usar técnicas de pesquisas que estejam ligadas à etnografia, como, a observação

participante, podendo utilizar entrevistas informais e a análise de documentos. A

pesquisadora, ao realizar seu trabalho de campo, deve interagir com o objeto

pesquisado, sendo que a sua permanência prolongada no campo é fundamental durante a

coleta e análise de dados. Esta deve estar sempre atenta ao que está ocorrendo no

processo, retratando a visão pessoal dos interlocutores. Foi importante, neste tipo de

pesquisa, que os participantes ou eventos fossem observados em sua forma mais

“natural” possível, para que a posterior descrição dos dados seja mais próxima à

realidade.

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8.1 Os Participantes

Os participantes envolvidos nesta pesquisa são compostos por um grupo de vinte

crianças, com cerca de quatro a cinco anos. É organizado por uma professora e uma

professora auxiliar de uma Instituição de Educação Infantil, localizada na Grande

Florianópolis. Os integrantes do processo foram escolhidos de acordo com a

disponibilidade dos educadores em contribuir com a pesquisa.

Quando os sujeitos principais das pesquisas são as crianças, deve-se ter alguns

cuidados a fim de preservá-las, sendo assim, neste trabalho não, serão divulgados os

nomes verdadeiros dos pequenos, e sim, nomes fictícios. Conforme Kramer (2002), a

divulgação dos nomes das crianças nas produções acadêmicas é algo complexo, pois ao

mesmo tempo em que as pesquisas consideram as crianças como autores sociais de sua

história, há que preservá-los, e muitas vezes, isso ocorre através do anonimato.

Em respeito às crianças, por tratar de um tema que poderia vir a expô-las, optei

por não fazer uso de imagens fotográficas nesta pesquisa, e apenas usar suas narrativas,

não se trata de mantê-las no anonimato, mas sim, de preservá-las. Sônia Kramer, ao se

referir a pesquisas com crianças, ressalta que:

Quando trabalhamos com um referencial teórico que concebe a infância como categoria social e entende as crianças como cidadãos, sujeitos da história, pessoas que produzem cultura, a idéia central é a de que as crianças são autoras, mas sabemos que precisam de cuidado e atenção. Elas gostam de aparecer, de ser reconhecidas, mas é correto expô-las? Queremos que a pesquisa dê retorno para a intervenção, porém isso pode ter conseqüências e colocar as crianças em risco. (KRAMER 2002, p.42).

É perceptível que as relações existentes entre as crianças e educadores(as), no

interior das Instituições de Educação Infantil, perpassam por inúmeras questões

presentes na estrutura social, mas que neste espaço possuem uma outra dimensão por se

tratar de um espaço educativo. Dessa forma, foram realizadas dez observações no

espaço da creche, onde as crianças desenvolvem suas atividades diárias, brincadeiras e

interações entre o grupo e adultos presentes.

Um pré-requisito fundamental para alcançar os objetivos desta pesquisa foi que

neste grupo tivessem indivíduos negros. Pois o foco principal das observações foram as

interações entre as crianças com as diferenças étnico-raciais e as mediações feitas pelos

adultos nestas ocasiões. Em um primeiro contato com o grupo, tive a impressão de que

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havia cinco crianças negras no grupo, mas, na segunda observação, isso me gerou várias

dúvidas:

Comecei novamente a observar o grupo de crianças, fiquei pensando, não há cinco crianças negras nesta turma. São morenas? São negras? São afro-descendentes? Como fazer essa classificação? Isso me trouxe muitas angústias como pesquisadora, tenho muito receio de ser tendenciosa e acabar fazendo a minha classificação em relação às crianças. (Diário de Campo 13/04/2009).

Vale ressaltar que na turma existem quatro crianças e a professora auxiliar que

através das características fenotípicas (cor da pele, formato do nariz e dos lábios)

possibilitam-me dizer que são afro-descendentes. Dentre elas Graziela8, que é morena

clara, tem o nariz achatado e arredondado, cabelos crespos e os lábios grossos. Henri, é

moreno escuro, tem o nariz um pouco achatado, cabelos pretos e raspados, não são

muito curtos, mas não chegam a formar cachos. Mariana, que tem a pele escura, os

cabelos cacheados nas pontas, o nariz achatado e os lábios grossos. Jonatan, tem a pele

morena escura, cabelos raspados, nariz achatado e lábios grossos.

Mesmo estes sujeitos sendo afro-descendentes, não é um sinônimo de que são

negros. O ser negro, considerar-se, reconhecer-se negro, é algo muito subjetivo, ou seja,

somente quem pode declarar que um indivíduo é negro, é ele próprio, e este sentimento

de pertencimento pode ser chamado de negritude.

Munanga (1988), esclarece que a negritude nasceu há algum tempo, de um

sentimento de frustração dos intelectuais negros, isso ocorreu por não terem encontrado

no Humanismo Ocidental, todas as dimensões de sua personalidade, ou seja, não foram

tão reconhecidos quanto os intelectuais brancos, devido ao preconceito existente. Nesse

sentido, a negritude é uma reação, uma defesa do perfil cultural do negro. Porém, há

vários autores que abordam esta questão da negritude dentre eles: Césaire (apud,

MUNANGA, 1988, p.44), que define a negritude inicialmente como sendo:

[...]o simples reconhecimento do fato de ser negro, a aceitação do seu destino, de sua história de sua cultura. Mais tarde Césaire irá redefini-la em três palavras: identidade, fidelidade, solidariedade. A identidade consiste em assumir plenamente com orgulho, a condição de negro, em dizer, cabeça erguida: sou negro. [...] A fidelidade repousa numa ligação com a terra mãe, cuja herança deve, custe o que custar, demandar prioridade. A solidariedade é o sentimento que nos liga secretamente a todos os irmãos negros do mundo, que nos leva a ajudá-los e a preservar nossa identidade comum.

8 Os nomes utilizados para me referir às crianças são fictícios.

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Dessa forma, é possível compreender a negritude como um conceito amplo e

subjetivo. Sendo que os sujeitos principais desta pesquisa são crianças pequenas, não é

possível afirmar que são crianças negras, pois estas precisam primeiramente se

reconhecerem como negras, para que a sociedade possa vir a assim denominá-las.

Durante as observações feitas no campo, pude observar através das narrativas9 das

crianças, que mesmo sendo elas, crianças pequenas, Henri, Mariana e Jonatan

reconhecem seu pertencimento étnico-racial e o valorizam, podendo ser assim

considerados como negros. Já, Graziela, em momento algum, falou sobre o seu

pertencimento étnico-racial, o que me permite me referir a ela apenas como afro-

descendente e não como uma criança negra. Vale ressaltar que em se tratando de

crianças, é importante desde a Educação Infantil abordar estas questões com os

pequenos, valorizando a auto-estima e criando oportunidades de reflexão a cerca de seu

pertencimento étnico-racial e se assim desejarem, tornar-se-ão cidadãos negros.

8.2 Instrumento de Coleta de Dados

A perspectiva etnográfica é comumente utilizada nas pesquisas onde as crianças

são o foco, e requer observação participante, ou seja, a interação direta com o sujeito

pesquisado. Sendo assim, foi por meio das observações participantes que busquei

realizar minha investigação acerca da diversidade étnico-racial na Educação Infantil.

A técnica de observação participante se realiza através do contato direto do pesquisador com o fenômeno observado para obter informações sobre a realidade dos atores sociais em seus próprios contextos. O observador, enquanto parte do contexto da observação, estabelece uma relação face a face com os observados. Nesse processo, ele, ao mesmo tempo, pode modificar e ser modificado pelo contexto. A importância dessa técnica reside no fato de podermos captar uma variedade de situações ou fenômenos que não são obtidos por meio de perguntas, uma vez que, observados diretamente na própria realidade, transmitem o que há de mais imponderável e evasivo na vida real. (CRUZ, 1994, p.59).

Como tratam-se de observações participantes para a coleta de dados foi utilizado

como fonte de registros, o diário de campo, que se deu a partir de um protocolo de

observações, onde foram anotadas todas as observações feitas. As narrativas das

crianças durante suas brincadeiras, interações com os adultos e com seus pares, e

manifestação de suas múltiplas linguagens, que foram eixos norteadores do protocolo.

9 Essas narrativas serão apresentadas e discutidas no capítulo de análise.

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A fim de direcionar focos para as observações e registrar os dados mais relevantes,

estabeleceu-se algumas categorias principais que compuseram o protocolo de

observações no campo, são elas:

• Interação das crianças negras com o grupo de crianças brancas.

• A relação das crianças negras com seus “pares”.

• A relação do adulto com as crianças negras e demais etnias.

• Situações cotidianas que envolvam a diversidade étnico-racial.

• Como as crianças significam a diversidade étnico-racial.

• Brinquedos, literatura infantil e diversidade étnico-racial.

Estas observações foram realizadas no mês de abril, do ano de 2009, sendo que,

foram feitas, dez observações, onde a permanência no grupo de crianças foi de três

horas e trinta minutos, cada uma.

Nesse tipo de pesquisa, principalmente em Educação Infantil, o ato de documentar

através de registros é muito importante, deve-se registrar o que se vê e o que se ouve.

Gandini (2002, p.152), afirma que “através da observação e da escuta atenta e cuidadosa

as crianças, podemos encontrar uma forma de realmente enxergá-las e conhecê-las. Ao

fazê-lo, tornamo-nos capazes de respeitá-las pelo que elas são e pelo que elas querem

dizer”.

8.3 Situação Ambiente

O ambiente no qual as observações foram realizadas é uma Instituição de

Educação Infantil, localizada na Grande Florianópolis, e que não será divulgada o nome

neste trabalho para se preservar a identidade dos sujeitos envolvidos na pesquisa.

O primeiro contato com a Instituição foi realizado através da coordenadora

pedagógica, que foi muito atenciosa em apresentar dados relativos à Instituição, mostrar

o espaço físico da mesma e fazer contato com as professoras, a fim de mediar a escolha

do grupo de crianças disponível e com as características fundamentais para a realização

desta pesquisa. No primeiro contato, o acolhimento por parte da Instituição me

possibilitou algumas expectativas em imaginar como seria este grupo, como as crianças

me receberiam, enfim, fiquei ansiosa em logo iniciar as observações.

Na primeira observação, a primeira sensação de ir a campo, como pesquisadora,

foi bastante confusa, pois tive a impressão de que professoras me viram como uma

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estagiária e não como pesquisadora, queriam logo saber se eu “daria aulas”. Em um

primeiro momento, as crianças se calaram frente à minha chegada, não fizeram nenhum

comentário sobre minha presença ali, entre eles. Entretanto, alguns minutos depois, a

professora disse para eu me apresentar, e as crianças continuaram sem me questionar,

mas observei que muitos exibiam um belo sorriso e um olhar misto, entre a timidez e a

curiosidade. O que me fez ter a sensação de estar sendo bem acolhida, porém, ainda

permaneci com a insegurança de desvendar o que seus olhares estavam revelando. Em

uma situação bastante semelhante ao se referir a uma etnografia com crianças, Ferreira

(2004, p.43), cita momentos como esse, como sendo travo do silêncio e relata que: “É

no confronto com esses <<não>> olhares, não sabendo ainda como os interpretar, que é

sentida a primeira perplexidade: seriam eles de ausência de interesse ou de tímida

curiosidade face a minha presença?”

No segundo dia, quando retornei a campo, as dúvidas começaram a surgir, “Você

aqui de novo?” ,“Por que você voltou?” Para as crianças, isso também se torna um

processo confuso, pois querem saber o que eu estou fazendo lá. Expliquei que também

estudo, vou a uma “escola” como eles, mas que estou estudando para ser professora e,

por isso, passaria um tempo lá, observando para ver como é ser professora. Mas acredito

que para eles seja um tanto quanto estranho ter alguém na sala que não é a professora e

não é criança.

Sobre isso Manuela Ferreira (2002), diz que a presença de uma mulher adulta que

não é educadora e acompanha a rotina do grupo, causa estranheza aos pequenos. Dessa

forma, é fundamental brincar com o grupo, acompanhá-los em suas brincadeiras, mas

sem interferir em sua fluência e sempre pedir autorização de todos para participar das

brincadeiras.

A sala deste grupo é arejada e clara, com várias janelas, onde as crianças adoram

ficar olhando para a rua, tem uma prateleira com brinquedos e outra com materiais

pedagógicos e brinquedos. Nas paredes há produções de todas as crianças fixadas,

tratam-se de desenhos com o seguinte título: “EU.” E tinham os rostos das crianças

desenhados por elas mesmas, observei, principalmente, como as crianças afro-

descendentes se desenharam: Jonatan, estava um pouquinho pintado de verde, vermelho

e marrom por cima, Graziela, estava desenhada de marrom com os cabelos crespos e,

Henri, desenhou-se de marrom com os cabelos pretos. Na outra parede tem um papel

pardo com várias letras “A” coladas nele, um mural confeccionado pelas professoras

com os aniversariantes e há, no corredor, um grande cartaz feito com tinta guache.

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Existem nesta sala, cinco mesas com quatro cadeiras cada, nestas, as crianças fazem

suas refeições, brincam e fazem suas produções, no canto da sala, há um colchonete e,

ao lado, uma cesta com livros.

Um outro fato curioso ocorreu desde o início, quando as crianças começaram a me

chamar de “profi” e usavam disso para me pedir o que as outras professoras não

autorizavam. Sempre que queriam algo que era negado por elas, recorriam a mim, como

se fosse mais fácil ter o meu consentimento, dessa forma, em alguns momentos,

solicitavam-me a participar de suas brincadeiras, e, em outros, queriam fazer uso da

minha presença para se favorecerem.

Manuela Ferreira (2002), diz que estes usos estratégicos que as crianças fazem da

pesquisadora, por se tratar de uma adulta, que participa das brincadeiras, ou pela

proximidade que estabeleceu com algumas crianças, muitas vezes, resulta em uma

situação desconfortável, pois, “fazem uso, uma vez mais, da representação dominante

do adulto como alguém com poder e o usam para exercer e legitimar seu poder junto de

outras crianças”. (FERREIRA, 2002, p.160).

O início da pesquisa no campo me trouxe muitas dúvidas, pois há uma expectativa

muito grande de observar muitas coisas, e ao entrar em contato com as crianças não é

possível observar tudo o que ocorre no grupo, muitas vezes em um primeiro momento,

não surgem situações relacionadas ao tema da pesquisa. Sendo que as crianças estão

vivenciando o processo delas, e eu, como pesquisadora, tenho de esperar que este

processo perpasse pelo tema da minha pesquisa, o que requer muitas vezes, ler as

entrelinhas, sem ser tendenciosa. Dessa forma, conforme aponta Ferreira, muitas vezes é

preciso,

[...] mais do que olhar para observar, é preciso escutar para compreender o que elas nos dizem, a partir da auscultação da sua <<voz>>, onde a escuta das e com as crianças reclama, sobretudo, ensaiar (me) (n) uma nova atitude epistemológica, a da escuta sensível [...] (FERREIRA, 2002, p.152).

Quando se vai a campo realizar uma pesquisa de perspectiva etnográfica é

necessário interpretar os textos culturais das crianças e isso requer muita atenção da

pesquisadora, pois é preciso fazer o exercício da auscultação e revelar o que dizem sem

fazer julgamentos. (FERREIRA, 2004).

Com o passar dos dias, e pelo fato de ir a campo, em uma sequência de dez dias

consecutivos, fui gradativamente estabelecendo um vínculo mais próximo, tanto com as

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crianças, quanto com as professoras, o que fez com que pudesse observá-las mais de

perto, sem que se sentissem intimidadas pela minha presença.

8.4 Organização, Tratamento e Análise de Dados

A organização, o tratamento e a análise dos dados coletados foram feitas por meio

da análise do conteúdo. Nessa perspectiva, foi realizada a categorização e análise dos

registros. Para Gil (2007), a categorização trata-se de organizar as respostas obtidas

durante a pesquisa, dessa forma é preciso estabelecer categorias para analisá-las

adequadamente, e isto pode ser uma tarefa bastante simples, desde que a pesquisa seja

bem planejada. Sendo assim, as categorias estabelecidas nesta pesquisa se darão a partir

dos objetivos específicos e dos registros feitos e serão analisadas com base no

referencial teórico.

Para Bardin (1977), a análise de conteúdos divide-se em três partes, a pré-análise,

que é um período de intuições e refere-se aos textos lidos para a fundamentação da

pesquisa. Ou seja, é a gama de materiais que foram lidos e selecionados para a

elaboração do referencial teórico de acordo com o problema e objetivos da pesquisa. A

segunda etapa de organização da análise, consistiu na exploração do material, ou seja, a

partir dos três objetivos específicos estabelecidos, os registros foram divididos em três

grupos correspondentes aos objetivos. Posteriormente, cada episódio significativo

recebeu uma palavra-chave (categoria) que correspondia ao conteúdo a ser utilizado na

análise. A terceira e última etapa, consiste no tratamento dos resultados, ou seja,

elaborar as discussões, a partir do referencial teórico.

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9. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Tendo como base as leituras feitas para a elaboração deste trabalho, este capítulo

tem como objetivo produzir um debate dos episódios registrados no diário de campo,

durante as observações que servem de dados para esta pesquisa. Inicialmente, serão

problematizadas as situações que envolvem a diversidade étnico-racial e estão

vinculadas à postura dos educadores sobre este tema, sendo que o primeiro sub-capítulo,

trata das formas de produção da invisibilidade das crianças afro-descendentes na

Instituição de Educação Infantil.

O sub-capítulo seguinte, aborda a discussão de como se estabelecem as relações

das crianças afro-descendentes com seus pares, de maneira que nestas relações há um

vínculo de cumplicidade que resulta no aparecimento de uma cultura infantil, própria

deste grupo.

O último sub-capítulo, promove uma discussão sobre a interação das crianças

afro-descendentes com as crianças de outras etnias. Afinal, como esta relação é

estabelecida? No decorrer deste texto, será possível perceber que, muitas vezes, os “não

ditos” também revelam atitudes discriminatórias.

9.1 Educadores(as) e as situações que envolvem a diversidade étnico-racial

“Pentia profi!”

A Instituição de Educação Infantil é um dos primeiros espaços de socialização das

crianças pequenas, assim sendo é necessário que os pequenos sintam-se seguros e

acolhidos neste ambiente. Visto que a Educação Infantil é a primeira etapa da Educação

Básica, é sua função respeitar os direitos fundamentais das crianças e garantir uma

formação integral, orientada para as diferentes dimensões humanas. (ROCHA, 2008).

Para tanto, é preciso que o(a) educador(a) estabeleça com o grupo uma relação de

confiança, criando vínculos afetivos que permitam às crianças se expressarem através de

suas múltiplas linguagens. É necessário buscar uma linguagem comum às crianças e

assim estabelecer laços de confianças com os pequenos. Sendo que a interação entre a

criança e o adulto é de fundamental importância para potencializar as manifestações

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culturais dessas crianças, como algo a ser considerado e ampliado. (MARTINS FILHO,

2006).

Tendo em vista que os educadores devem estar preparados para interagir com as

mais diversas situações do cotidiano, este sub-capítulo tem a finalidade de discutir os

episódios observados em campo, onde as educadoras se deparavam com situações que

pudessem envolver a diversidade étnico-racial.

Vale lembrar que o(a) educador(a) sempre deve estar atento às falas (narrativas) e

atitudes das crianças, suas brincadeiras e brinquedos, pois são através destes elementos

que podemos entender o que as crianças pensam e dizem a respeito do mundo e do que

as cerca cotidianamente.

Em uma das minhas primeiras idas a campo, pude observar que na hora em que as

professoras começaram a fazer a higiene das crianças, a professora que estava trocando

a roupa e penteando os cabelos, não arrumou os cabelos das crianças afro-descendentes,

quem fez isso foi a auxiliar que também é afro-descendente, a professora só penteou os

cabelos de alguns meninos “brancos”. Então comecei a me questionar: Será isso, um

tratamento diferenciado por parte da professora? Ou será apenas uma coincidência? Foi

então que comecei a prestar mais atenção no momento da higiene dos dias seguintes:

Na hora em que as crianças começaram a se arrumar para ir embora pude observar que aconteceu o mesmo fato do primeiro dia de observação, a auxiliar penteou os cabelos das crianças negras e de algumas brancas e a professora penteou o cabelo de poucas crianças, sendo que nenhuma delas eram negras, Henri e Jonatan (afro-descendentes) têm os cabelos bem curtos, quase raspados, e, em nenhum momento, tiveram seus cabelos penteados ou molhados como fazem com todas as crianças. (Diário de Campo 13/04/2009).

Dessa forma, é possível perceber que as crianças afro-descendentes são penteadas

principalmente pela auxiliar, sendo que a professora geralmente arruma os cabelos de

poucas crianças e destas, nenhuma é afro-descendente. Henri e Jonatan, em momento

algum, tiveram seus cabelos penteados, evidenciando um processo de segregação, de

invisibilidade, pois acredito que mesmo tendo os cabelos curtos, os garotos gostariam

de receber o mesmo tratamento oferecido às outras crianças. Será que as professoras se

atentaram para o fato de que as crianças podem se sentir “excluídas”? Outro

acontecimento que evidenciou a invisibilidade das crianças afro-descendentes foi

quando:

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Depois do lanche, as professoras arrumaram as crianças e novamente a auxiliar penteou as mesmas crianças e a professora foi trocar a roupa de algumas delas. Quando Mariana (afro-descendente) sentou para arrumar seu cabelo, percebeu que a auxiliar iria apenas molhar e amarrá-lo então ela disse: “Pentia profi!” Então ela penteou o cabelo de Mariana. (Diário de Campo 14/04/2009).

No episódio anterior, Mariana trouxe à tona uma pista, a garota revelou que

percebeu um tratamento diferenciado por parte das educadoras, ou seja, todas as

crianças foram penteadas, exceto ela, sendo assim, Mariana precisou pedir para que isso

acontecesse de fato. Será que esse fato já ocorreu outras vezes para que Mariana tivesse

essa atitude de falar que gostaria de ser penteada?

E Henri e Jonatan? Como se sentem, vendo todos os colegas sendo penteados

todos os dias e eles não? Talvez as professoras acreditem que não há necessidade, pois

eles têm os cabelos curtos, mas cabe-me questionar: O que será que estas crianças

pensam dessas atitudes das professoras? Será que, se as professoras penteassem seus

cabelos, isso não favoreceria o autoconceito de Henri e Jonatan?

Frequentemente as crianças afro-descendentes são estereotipadas por causa de

seus cabelos, o cabelo negro é, muitas vezes, visto como um símbolo de inferioridade e

esses estereótipos marcam a vida dos negros, pois muitas vezes são as primeiras

experiências públicas de segregação e discriminação. Sendo assim, algumas famílias

negras, ao arrumarem os cabelos das crianças, o fazem na tentativa de romper com os

estereótipos. (GOMES, 2002).

O fato de terem os cabelos arrumados pode favorecer o autoconceito das crianças,

pois ao se sentirem bonitas e valorizadas, sentir-se-ão também, mais confiantes e o

cabelo deixará de ser um sinônimo de discriminação, para ser um elemento constitutivo

do autoconceito. (BOTEGA, 2006).

Episódios como esses citados anteriormente, evidenciam a necessidade de os(as)

educadores(as) fazerem o movimento da alteridade e refletir sobre a forma como as

crianças afro-descendentes estão sendo vistas no interior da creche, é preciso dar mais

visibilidade a essas crianças. É bastante provável que as ações das professoras não

tenham a intenção de discriminar as crianças, porém, os cabelos marcam a negritude

dessas crianças, e o fato de não serem penteadas, colocá-as em um campo de

invisibilidade.

A invisibilidade carrega consigo a discriminação, e quando as crianças negras não

têm suas especificidades reconhecidas, ou seja, são tratadas como se não estivessem ali,

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ou como se as diferenças não existissem, elas ficam sim, em um campo de

invisibilidade, pois elas percebem as diferenças. Diferenças essas que muitas vezes são

silenciadas pelos educadores por não saberem como abordá-las.

Parece-me que quando este silenciamento é constante, torna-se mais difícil para as

crianças encontrarem elementos para se reconhecerem no espaço da Educação Infantil,

visto que se a criança não encontra elementos vinculados ao seu pertencimento étnico-

racial, para se identificar, ela acaba ficando na invisibilidade.

Retomando o que diz Cavalleiro (2003), muitos educadores não sabem lidar com

suas próprias representações culturais, pautadas na lógica eurocêntrica e,

consequentemente, com a diversidade racial entre as crianças e, dessa forma, tornam-se

omissos por meio do silêncio. O silenciamento gera a invisibilidade que muitas vezes

gera uma segregação da criança àa suas características físicas e culturais, o que acaba

interferindo no autoconceito destas. Ana Célia Silva (2005), complementa que:

A invisibilidade e o recalque dos valores históricos e culturais de um povo, bem como a inferiorização dos seus atributos adscritivos, através de estereótipos, conduz esse povo, na maioria das vezes, a desenvolver comportamentos de auto-rejeição, resultando em rejeição e negação dos seus valores culturais e em preferência pela estética e valores culturais dos grupos sociais valorizados nas representações.

Nesse sentido, é possível afirmar que a valorização, a problematização, as

discussões das questões raciais bem como, o reconhecimento das Instituições de

Educação Infantil, como sendo um espaço de diversidade étnico-racial é uma das

formas de legitimar a importância dos cidadãos negros na sociedade brasileira e

proporcionar às crianças que tenham uma opinião sólida sobre sua cultura. Sendo que

estas atitudes também acabam repercutindo na mudança de opinião dos cidadãos de

outras etnias, pois passam a conhecer a cultura do outro e a valorizá-la e respeitá-la

tanto quanto à sua. (SILVA, 2005).

Posso afirmar que a falta de conhecimento e pesquisa dos educadores contribuem,

e muito, para o aumento da invisibilidade nas Instituições de Educação Infantil, como

pode ser visualizada:

Hoje, as professoras iniciaram a tarde, contando uma história ao grupo de crianças. Era a história “Piteco e as cores”, falava de um urso que fazia várias pinturas em telas. Durante a história, mostravam várias coisas coloridas que Piteco havia feito: borboleta, sol, arco-íris dentre outras. Após a história, as professoras pediram que as crianças fizessem desenhos

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coloridos como os de Piteco. Então, uma das professoras falou: “ Mas que cor que não é para usar?” As crianças responderam em coro: “Preeto.” “Isso mesmo” falou a professora. Comecei a circular nas mesas e observar os desenhos das crianças, nenhuma delas pegou a cor preta para desenhar e haviam lápis pretos em todas as mesas. Pareceu-me que este é um combinado antigo, pois as crianças já sabiam que não deveriam usar esta cor. (Diário de Campo 15/04/2009).

Nesse episódio, fica claro que as crianças não “deveriam” optar pela cor preta

para colorirem seus desenhos, e que elas já sabiam disso, mesmo antes de a professora

falar. Nesse sentido, cabe-me questionar: Por que é errado usar a cor preta? Que

concepções fundamentam essa professora para ela desejar que as crianças não usem a

cor preta? Outra situação semelhante ocorreu quando:

Na hora de Camila trocar a roupa, a garota colocou uma calça preta e estava colocando uma camiseta preta, foi então que a professora olhou e falou: “Não, não! Camila pode procurar outra camisa, não pode se vestir toda de preto!” A menina fica sentada com a mochila no colo, procurando outra camiseta, sem fazer nenhum comentário. (Diário de Campo 16/04/2009).

No acontecimento acima, é possível observar que Camila desejava se vestir com

uma roupa toda preta, porém, a professora não permitiu, exigindo que a garota

escolhesse outra camiseta. Por que Camila não pode se vestir com a roupa preta? Por

que muitas pessoas relacionam o preto ao mau? Será que, se Camila estivesse se

vestindo toda de branco ou de azul, a reação da professora teria sido a mesma? Dessa

maneira, o que a professora acaba de apontar às crianças é que elas não podem pintar

com o lápis preto, nem vestir-se com roupas pretas, ou seja, o preto tem uma conotação

de mau.

É importante ressaltar que a cor preta não está diretamente relacionada com a

diversidade étnico-racial, mas de que maneira as crianças afro-descendentes irão

interpretar essas atitudes da educadora? Durante o andamento da atividade citada

ocorreu um fato que me oportunizou refletir sobre isto:

Henri (afro-descendente) fez um desenho e me chamou para ver, disse: “Oh é o meu pai!” Falei: “Ah, que bonito o seu pai, que cor é essa que você desenhou ele?” Ele respondeu: “ Eu desenhei azul, só que o meu pai é preto, mas ele gosta de roupa azul.” Mariana (afro-descendente) que estava sentada ao seu lado falou: “Desenhei minha mãe de rosa, só que ela é preta (continuou em tom de cochicho) só que preto não pode. Agora eu vou te desenhar, que cor tu qué, por que o branco não aparece?” Falei: “E que cor eu sou Mariana? Você acha que eu sou branca?” Ela responde: “É!” Então peguei o lápis branco e o lápis amarelo escuro coloquei perto do meu braço e perguntei: “ Qual você acha que é mais parecido com a minha pele?” Ela respondeu: “ É esse.” Apontando para o amarelo. Então disse à

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ela: “Quero que você me desenhe com esse então.” Sendo assim, Mariana me desenhou com o lápis amarelo escuro. (Diário de Campo 15/04/2009).

Durante essa atividade, ficou evidente que Henri e Mariana gostariam de desenhar

seu pai e sua mãe, respectivamente, com o lápis de cor preta, porém, este não era

permitido naquele momento, então eles o fizeram de outra cor. Através deste episódio,

foi possível constatar que as crianças da Educação Infantil percebem sim, as diferenças

raciais, e se reconhecem como pertencentes à cultura afro-descendente. Tanto que

Mariana me reconheceu como diferente no momento em que quis me desenhar com o

lápis branco, parece-me que a menina já “elaborou” uma construção social de que as

pessoas de outras etnias são as pessoas ditas branca, pois me disse que o lápis branco

não apareceria, e, dessa forma, julgava-me como uma pessoa branca, porém, após a

mediação que fiz com o lápis amarelo e o lápis branco, ela percebeu que, na verdade, eu

era mais parecida com o amarelo do que com o branco.

Ao legitimar a idéia de que as crianças percebem as diferenças étnico-raciais, Ida

Mara Freire (1998, p.38) diz que:

[…] a percepção da própria diferença é um fator que a criança apresenta muito antes que possa estar apta a falar sobre ele será a interação social que proporcionará à criança o espaço para se constituir-se como sujeito, é o outro que ajudará a saber quem ela é. Esse “outro” é sua família, seu grupo étnico, a vizinhança, seus colegas e o pessoal da creche ou pré-escola.

Entretanto, que espaço é oferecido a essas crianças para que se reconheçam em

um espaço cultural ao qual elas pertencem?

Em situações como essas, as crianças interiorizam e relacionam a cor preta à sua

negritude, à negritude de seus pais. Atitudes como estas, da professora, acabam

mediando a lógica construída socialmente de que o preto, o escuro, estão sempre

relacionados ao mal, ao feio. O que muitas vezes gera nas crianças uma repulsa à sua

identidade étnico-racial. Para Rosemberg (1985, apud, SILVA, 2005), muitas vezes a

cor negra aparece associada a personagens maus, o negro acaba relacionado à sujeira,

tragédia, maldade, e a criança que internaliza essa representação negativa tende a não

gostar de si própria e dos outros que têm as mesmas características.

Dessa forma, é possível questionar: Qual o papel dos educadores frente às

questões raciais? É preciso que os educadores reflitam sobre as questões raciais, pois a

ausência de suporte teórico destes, acaba por mediar às crianças falsos ideais a respeito

de si próprias.

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Para Nilma Lino Gomes (2003), a escola tem se tornado um espaço onde as

representações desqualificadoras sobre os negros têm sido muito difundidas, e por isso

deve também ser o lugar da superação das mesmas. No entanto, é tarefa do(a)

educador(a) compreender os diferentes povos ou etnias, suas classificações históricas e

como isto interfere na auto-estima dos(as) educandos(as). Para a partir daí entender o

conjunto de representações sobre o negro existente na sociedade e na escola, e destacar

as representações qualificadoras construídas politicamente pelos movimentos e

comunidades negras.

Nesse sentido, é preciso oportunizar momentos em que as crianças possam pensar

sobre as características que os constituem e que, consequentemente, reflitam sobre as

diferenças. Durante as observações, a professora proporcionou uma atividade onde

surgiram vários elementos que favoreceriam a discussão da diversidade étnico-racial

relacionada à auto imagem das crianças, no entanto, as diferenças apareceram, mas não

foram problematizadas.

A professora deu início a uma atividade, ela havia confeccionado um crachá com o nome de cada criança e deixou-os espalhados no colchonete, então pediu que cada um localizasse seu nome, todos conseguiram fazer a tarefa. Feito isto, distribuiu um pedaço pequeno de papel para cada criança e pediu que se desenhassem prestando muita atenção na cor dos cabelos, da pele e dos olhos. Disse ela: “Tem que ser igual a vocês!” Observo que Jonatan (afro-descendente) procura uma cor que se parece com ele, pega o azul escuro e encosta na sua pele, mas descarta-o, então pega o preto encosta na sua pele e tenta pintar com ele, mas estava com a ponta quebrada, pega o laranja e começa a desenhar, desenha-se então de laranja e verde. A professora pergunta: “Jonatan você é dessa cor? Não né? Você é marrom!” Ele diz que não sabe fazer. A professora pega outro papel e um lápis marrom entrega a Jonatan e diz: “Faz de novo bem bonito, você é dessa cor!” Ele ficou um tempo olhando para o lápis e depois falou: “Orra é igual eu!” Começou a desenhar e derrubou a cadeira no chão, a professora ficou brava e tirou a cadeira de Jonatan dizendo: “Agora você vai fazer em pé!” E deixou-o até o fim da atividade sem cadeira. Ele ficou fazendo seu desenho e ao terminar veio me mostrar. Falei: “Está lindo Jonatan.” Então ele foi todo contente mostrar para a professora, mas ela ficou brava porque ele não separou o corpo com o pescoço, deu outro papel e mandou-o desenhar novamente. Ele pareceu-me muito triste. Ela disse que era para ele se olhar no espelho antes de fazer o desenho, ele ficou se olhando um tempo e voltou para a mesa, mas não fez o desenho. Foi então que a auxiliar ajudou-o a desenhar ,dizendo cada parte como deveria ser e ele conseguiu terminar. ( Diário de Campo 23/04/2009).

Durante essa atividade, a professora gostaria que as crianças reconhecessem seus

nomes e que fizessem um auto-retrato, porém, observei que ela exigiu mais das crianças

afro-descendentes que se desenhassem com suas características fenotípicas, do que das

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crianças de outras etnias. Por exemplo: Jonatan não deveria ser colorido, e sim marrom,

mas seu colega Marcelo pode se desenhar colorido.

Luana também teve que se desenhar novamente porque tinha feito o contorno do seu corpo de preto e ela não é desta cor, segundo a professora, ela é branca. Graziela se desenha de vermelho, então a professora pergunta se ela é vermelha, ela aponta para sua blusa que era vermelha, mas a professora diz: “Você não é vermelha, você é marrom.” ( Diário de Campo 23/04/2009).

Luana não pode se desenhar com o lápis preto, porque ela é branca, e Graziela,

que se desenhou da cor da roupa que estava vestida, também foi repreendida, pois na

verdade ela é “marrom”. Mas como mostra o episódio a seguir, Victor pode se desenhar

de vermelho e ele era “branco”.

Ao ver o desenho de Augusto, a professora diz: “Por que você pintou sua roupa de preto Augusto? Estava tão bonito!” Ele responde: “Mas não tinha branco.” Ela diz: “Ah, mas podia ter deixado sem pintar.” Durante esta atividade fiquei me questionando: Por que a professora teve esta atitude com Jonatan (afro-descendente)? Com Luana? Com Augusto? E as outras crianças como o Marcelo que se desenhou de azul e laranja? Victor que se desenhou de vermelho? E Manuela que se desenhou com os cabelos loiros e, no entanto, seus cabelos são castanhos? Por que Jonatan (afro-descendente) não pode ser laranja e verde, e Marcelo pode ser laranja e azul? O que os diferencia? ( Diário de Campo 23/04/2009).

A professora chama atenção de Augusto porque pintou sua camiseta com o lápis

preto, e não era dessa cor, era branca, mas Manuela também não tem os cabelos loiros e

os fez assim, sem problema algum. Tive a impressão de que a professora gostaria que as

crianças afro-descendentes ressaltassem mais as características físicas que às constituem

do que as outras crianças. Então me pergunto: Será que a professora teve essas atitudes

com a finalidade de envolver o tema da minha pesquisa? Será que ela pensou que

ressaltando as características das crianças afro-descendentes estaria mediando as

diferenças?

Nesse sentido, observei que a professora desejava que as crianças afro-

descendentes seguissem um padrão para se desenharem, já, as crianças brancas, só não

poderiam se desenhar de preto.

Após presenciar tal episódio fiquei pensando: Por que a professora não fez uma

discussão sobre as características de cada um, levando todos até o espelho e dando

ênfase a questão racial que é tão presente neste grupo? Teria sido uma excelente

oportunidade de trabalhar as diferenças e a auto-estima das crianças. Foi possível

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perceber que ela desejava sim, que cada um se desenhasse com suas características

fenotípicas, porém, ela não refletiu com as crianças a importância de sermos diferentes.

Também seria interessante propor um diálogo referindo-se ao crachá como um

instrumento de identificação, mostrando que se eles se desenhassem parecidos, quem

olhasse para o crachá, conseguiria facilmente identificá-los.

A professora preocupou-se muito em enfatizar a importância das crianças afro-

descendentes se desenharem com cores parecidas com o real. Visto que Jonatan e

Graziela, que são negros, teriam de se desenhar de marrom, mas Luana, que não é afro-

descendente, não pode se desenhar de preto, e Manuela, pode fazer seus cabelos loiros,

mesmo sendo eles escuros... Episódios como esses trazem novamente à tona a discussão

sobre a falta de preparo dos educadores para problematizar as questões relacionadas à

diversidade étnico-racial, o que resulta no silenciamento dessas questões.

Ao discutir sobre o silenciamento das questões raciais nas Instituições de

Educação, Cavalleiro (2003, p.58), ressalta que:

[…] ausência de informação, aliada a um pretenso conhecimento, resulta no silêncio diante das diferenças étnicas. […] Assim, vivendo numa sociedade com uma democracia racial de fachada, destituída de qualquer preocupação com a convivência multiétnica, as crianças aprendem as diferenças, no espaço escolar, de forma bastante preconceituosa.

Nesse sentido, é imprescindível que os educadores busquem subsídios, em uma

formação constante que possam atender às necessidades das crianças. As discussões

sobre a diversidade racial nas Instituições de Educação vêm crescendo nos últimos anos

(BOTEGA, 2006, GOMES, 2003, CAVALLEIRO, 2003), porém, isto não está sendo

suficiente para estimular os educadores a problematizarem esse tema com as crianças

pequenas. É preciso quebrar o silêncio existente nas creches e o “mito” da igualdade

racial que só existem nas representações de alguns educadores. Munanga (2005), diz

que os educadores, na maioria das vezes, praticam uma política de avestruz,

escondendo-se do problema ou sentindo pena dos “coitadinhos”, porém, seu verdadeiro

papel seria o de mostrar que ao falar em diversidade, o objetivo não é julgar quem é

superior ou inferior e sim, mostrar que a diferença é algo complementar, a diversidade

enriquece a humanidade em geral, e quando o(a) educador(a) tem conhecimento disso é

mais fácil ajudar o aluno a assumir com orgulho a sua diferença. É preciso dar voz às

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crianças e as famílias (afro-descendentes e de outras etnias) para que falem e mostrem

suas culturas e as riquezas existentes nelas.

Dessa forma, foi possível perceber durante o processo de observação que as

educadoras, mesmo sem intencionalidade, acabam discriminando as crianças afro-

descendentes por desconhecimento de algumas questões, tais como: O fato de atrelarem

à cor preta uma conotação de mau e pelo lugar de invisibilidade que atribuíram a

algumas crianças afro-descendentes ao não pentearem seus cabelos. Atitudes como

essas, revelam o despreparo das educadoras que resultam no silenciamento das questões

relacionadas à diversidade étnico-racial e, consequentemente, na perpetuação do

preconceito e da discriminação.

9.2 Crianças afro-descendentes e a relação com seus pares

“Nasceu! É a cara do pai!”

Com o intuito de compreender um pouco mais as crianças, suas relações e

interações no interior das instituições de Educação Infantil é necessário conhecer suas

culturas, suas preferências, suas brincadeiras dentre outras. Nesse sentido, este sub-

capítulo tem como foco principal, discutir e compreender como são estabelecidas as

relações das crianças afro-descendentes com seus pares, a partir das observações

realizadas e registros do diário de campo.

Partindo do princípio de que “A brincadeira pressupõe uma aprendizagem social”.

(BROUGÈRE 1995, p. 98). É importante frisar que mesmo as crianças pequenas

participam de uma cultura própria delas, à qual não está totalmente desvinculada do

mundo adulto, pois esta encontra-se inserida nele, mas é uma cultura específica das

crianças. As crianças representam esta cultura principalmente através de suas

brincadeiras, sendo que neste momento elas utilizam as representações significadas no

seu universo cultural.

Durante as observações que realizei, foi possível perceber que entre as crianças

afro-descendentes, em suas brincadeiras, há um vínculo muito forte, sempre buscam

estar aos pares, e dessa forma, criam uma identidade de grupo, ou seja, elas têm uma

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maneira própria de brincar, na qual parecem ter uma intimidade e cumplicidade entre

elas:

Mariana (afro-descendente) e Henri (afro-descendente) começam a brincar juntos, brincam de mamãe e papai, Graziela (afro-descendente) tenta entrar na brincadeira, dizendo a Mariana: “Eu vou arrumar seus cabelos”. Mariana chama Henri para perto dela e diz bem baixinho: “Henri vamo brinca de casamento?” Parecem sentirem-se envergonhados quando percebem que estou por perto, então Mariana me olha e diz: “Tu não escuta tá?” Respondi que não estava escutando. Os dois dão os braços como se estivessem casando e saem. Pegam uma boneca loira de olhos azuis e colocam dentro da blusa de Mariana. Eles voltam e ela diz a Graziela: “Agora tou grávida, vai nascer!” Se deita no colchonete abre as pernas e faz força para o bebê sair, Graziela faz o parto e diz: “Nasceu!” Mariana diz: “É a cara do pai!” E entrega a boneca para Henri, ele pega a boneca nos braços e fica olhando. Então pergunto a ele: “Henri ela é a carinha do pai?” Ele me responde: “Não é, não! Olha aqui. ” E aponta para olho da boneca passando a mão nos cabelos. Então Mariana diz: “É só de brincadeirinha, Henri.” Continuam a brincadeira. Henri ficou muito tempo brincando com a boneca nos braços. Rezou com ela, cochichando e, por fim, disse: “Boa noite meu Deus.” E fez a boneca dormir. ( Diário de Campo 13/04/2009).

Nessa brincadeira é possível perceber que as crianças envolvidas são todas

crianças afro-descendentes. Elas brincam de casamento, de mamãe e papai e envolvem a

sexualidade na brincadeira, brincam dessa forma somente entre elas, em um canto da

sala, onde há um colchonete que fica distante do lugar em que as educadoras costumam

estar. As crianças evitam que as outras pessoas (principalmente se esse outro for um

adulto) ouçam ou participem de suas brincadeiras. Sobre isso Sayão (2003), revela que

quando as crianças brincam de faz-de-conta, experimentam lugares que estão para além

das convenções construídas socialmente. Nessas brincadeiras, nem sempre a

experimentação de alguns lugares é permitida pelos adultos, o que faz com que, em

alguns momentos, as crianças precisem se esconder até mesmo, enganá-los.

Em muitas ocasiões, as crianças evidenciam que desejam um lugar onde possam

brincar sozinhas ou acompanhadas, elas querem seu direito à brincadeira. E durante as

brincadeiras mostram que gostam de brincar em espaços circunscritos entre seus pares.

(AGOSTINHO, 2005).

Durante suas manifestações, nessa brincadeira, as crianças vão evidenciando

algumas características das culturas infantis, por exemplo: a brincadeira de casamento

que é algo pertencente à cultura adulta, o fato de Mariana “estar grávida”, deitar-se na

posição e fazer força para o seu bebê nascer é uma significação social do que ela

observa no mundo adulto, e da maneira como ela ressignifica a sua sexualidade.

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Brougère (2004), ressalta que a brincadeira oportuniza a criança uma

compensação ao seu status de dependente, e isso se traduz em um desejo de

independência pelas imagens positivas que ela tem do mundo adulto. As brincadeiras

possibilitam às crianças manifestar-se sobre tudo que as cerca, e esta é uma

característica presente na cultura das crianças. Talvez, se não fosse através da

brincadeira, Mariana não teria “liberdade” para expor o que pensa sobre a sexualidade, e

dessa forma, as crianças criam e recriam inúmeras possibilidades que repercutem de

maneira muito eficaz no seu desenvolvimento.

No episódio anterior, Henri e Mariana representam lugares construídos

socialmente para o homem e a mulher, porém, o menino assume o lugar de cuidador da

filha e reza com ela para dormir, lugar este, que de acordo com as construções sociais,

“deveria” ser assumido pela mãe. Neste sentido percebe-se que na relação existente

entre esse grupo de crianças, elas subvertem a lógica sexista, pois o menino é o

cuidador. No entanto, reafirmam que a mulher é a geradora e o casamento é

heteronormativo.

Sayão (2003), ressalta que as crianças demonstram que os lugares de gênero vão

se delineando muito cedo, mesmo que na infância existam muitas transgressões destes

lugares. Essa subversão à lógica parece ser uma manifestação típica de um momento da

vida que logo desaparecerá, diante das determinações socialmente construídas que

normatiza os lugares de meninos e meninas. Nesse sentido, os(as) educadores(as) têm

um papel muito importante perante as questões de gênero, o de brincar junto as crianças

e problematizar as pistas que as crianças evidenciam durante as brincadeiras.

Quando as crianças encontram espaços para essas transgressões, vão além do que

é pré-determinado para cada sexo, buscam brinquedos diferentes daqueles que lhes são

impostos e ressignificam a cultura no qual estão inseridos e criam formas originais de

relacionamento. Dessa forma, elas recriam e inventam novas formas de ser menino e

menina. (FINCO, 2007).

Durante as brincadeiras, as crianças fazem escolhas, priorizando aquilo que lhes

gera curiosidade e lhes proporciona prazer, nesses momentos, as fronteiras do que é

permitido e do que não é permitido não são levadas em conta. Dessa forma, é possível

afirmar que as categorizações de brinquedos para meninos e meninas são construtos

sociais dos adultos. (FINCO, 2004).

Mariana, Henri e Graziela, demonstram em suas atitudes, conhecimentos sobre a

sexualidade, eles sabem que os bebês vem da barriga de suas mães, e, de certa forma,

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sabem como os bebês nascem. Evidenciam também que reconhecem a lógica idealizada

socialmente de que é preciso primeiro casar para depois ter filhos. E através dessas

vivências que ampliam suas significações sociais, as crianças ensaiam novos

conhecimentos sobre a sexualidade. Em uma outra situação foi possível observar que:

Graziela (afro-descendente) brinca muito tempo sozinha, com um boneco então vai até Lana e diz: “Cuida do meu bebê que eu vou no mercado?” Lana faz um gesto positivo com a cabeça, ela sai e volta com Henri (afro-descendente), diz: “Papai olha, papai é seu bebê” Os dois saem com o boneco, Graziela tira a roupa dele e diz: “Sabe como é o nome disso? É pinto!” Os dois riem muito. (Diário de Campo 17/04/2009).

Novamente, Graziela e Henri tornam-se parceiros em uma brincadeira que envolve

a sexualidade, a qual não observei acontecer em nenhum momento entre as crianças

afro-descendentes e as crianças de outras etnias. Isso pode confirmar a hipótese de que

as crianças afro-descendentes estabeleceram entre si um vínculo que as permite brincar

com maior intimidade.

A criança pequena descobre a sexualidade a partir do próprio corpo, isso começa

quando ela percebe que meninos e meninas são diferentes, e após essa descoberta, a

criança começa a descobrir seu corpo e o prazer que ele pode lhe proporcionar. Nas

creches, há uma tendência muito forte das educadoras em reprimir as atitudes das

crianças relacionadas à sexualidade. Há em torno das discussões sobre sexualidade uma

moral que muitas vezes impede falas, perguntas, ou brincadeiras que envolvam esse

tema. Isso torna-se muito claro através da fala de Mariana, quando percebe que eu

estava por perto e diz: “Tu não escuta tá?”. Cláudia Ribeiro (2008, s/p), ao discorrer

sobre a sexualidade infantil, afirma que,

[...]as crianças são seres sexuados, manifestam natural e espontaneamente sua sexualidade e desenvolvem suas idéias sobre a temática; a auto-exploração auxilia na compreensão do corpo e do prazer e a repreensão não fará com que a criança pare de se tocar, mas com que o faça de modo culposo; manipular genitais, afagar, beijar, tocar um ao outro são gestos comuns entremeados de muitas risadas e cócegas, com o mesmo sexo ou o outro.

Os educadores precisam observar estas brincadeiras e fazer uso delas para a

compreensão das culturas infantis, não reprimindo as crianças diante de situações que

envolvam a sexualidade, mas sim, esclarecendo suas dúvidas, por meio de inúmeros

recursos que também fazem parte dessa cultura, tais como: histórias, fantoches, alguns

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bonecos que já existem no mercado que tem os órgãos sexuais, bonecas grávidas que

permitem à criança saber como os bebês nascem, enfim, esse é um tema que deve ser

explorado de acordo com as pistas das crianças, mas nunca tratado como algo

pecaminoso ou errado.

Com a finalidade de compreender as crianças e suas culturas, os adultos precisam

se desprender da cultura adulta e do olhar “adultocêntrico”, Oliveira (2004), ressalta que

é necessário olhar a criança com um “terceiro olho”, o olho da visão interior ,aquele

capaz de perceber as diferentes infâncias, o olhar da alteridade. Coutinho (2001, p. 1),

complementa que, “[…] o desafio não é só de conhecer ‘a imagem do outro criança’,

mas conseguir desvencilhar nossos modos de ver da nossa cultura adulta. Pensar a

infância, partindo dela mesma.” E conforme aponta Brougère (1995), é preciso

desmistificar o mito de que a brincadeira é algo natural na criança. Sendo que a criança

desde que nasce está inserida em um contexto social e seus comportamentos já estão

impregnados por essa convivência inevitável. A criança aprende desde cedo a brincar

com as pessoas que cuidam dela. Dessa forma, a brincadeira é um processo de relações

interpessoais, assim sendo, de cultura.

Por meio dessas brincadeiras, as crianças evidenciam seus pensamentos e

construções sociais. Observei que durante a brincadeira com a boneca loira, as crianças

mostraram que conheciam sua identidade e negritude, pois reconheciam a boneca como

diferente delas. Esse episódio traz à tona uma outra discussão, que corrobora a idéia de

que as crianças conhecem sim, as diferenças étnico-raciais existentes na sociedade:

Mariana (afro-descendente) diz: “É a cara do pai!” E entrega a boneca para Henri (afro-descendente), ele pega a boneca nos braços e fica olhando. Então, pergunto a ele: “Henri ela é a carinha do pai?” Ele me responde: “Não é, não! Olha aqui.” E aponta para olho da boneca passando a mão nos cabelos. Então Mariana diz: “É só de brincadeirinha, Henri.” Continuam a brincadeira. Henri ficou muito tempo brincando com a boneca nos braços. Rezou com ela, cochichando e, por fim, disse: “Boa noite meu Deus.” E fez a boneca dormir. ( Diário de Campo 13/04/2009).

Nesse relato, as crianças brincavam com uma boneca loira de olhos azuis, e ao ser

questionado com as semelhanças existentes entre Henri e a boneca, o garoto reconhece

que existem diferenças entre eles. Em alguns momentos das observações, Henri e

Mariana deixam evidente que reconhecem sua negritude. Isso fica claro no episódio

anterior, quando reconhecem a boneca como diferente deles, mas também, quando

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desenham seus pais com lápis azul e rosa e dizem que seus pais são “pretos”, mas o

fizeram daquela cor, dada a proibição da professora em usar o lápis preto.

Em um outro episódio, observei que Jonatan também reconhece seu pertencimento

étnico-racial e fala sobre ele:

Jonatan (afro-descendente) olha e percebe que eu estou lhe observando, fica um pouco envergonhado e diz: “Sabia que eu zogo bola com a minha irmã!” Pergunto: “É Jonatan você tem uma irmã? Ela é grande ou pequena?” Ele responde: “Ela é bem pequeninha, assim oh.” Falo: “Ela é assim bonita como você?” Jonatan responde: “Ela é assim azul que nem eu” (fala isso levantando a camisa e mostrando a cor da sua barriga). Pergunto a ele: “Você é azul? ” Ele responde: “É, ela é dessa cor que eu sou.” Respondo: “Então ela é muito linda, porque essa cor é muito bonita.” Jonatan diz: “Ahan.” e sai caminhando pela sala em busca de um brinquedo. (Diário de Campo 20/04/2009).

Quando pergunto a Jonatan, se a irmã é bonita como ele, o garoto logo se refere à

sua cor, o que me remete ao pensamento de que ele realmente acha sua cor bonita. Ao

falar de sua cor e da irmã, está falando da sua identidade, da forma como ele se percebe

diante do mundo, ou seja, ele percebe que sua cor é diferente de algumas pessoas, mas é

igual a da sua irmã, e esses são fatores importantes para a constituição da negritude.

Henri, Mariana e Jonatan já elencaram elementos étnicos constitutivos de suas

identidades e fazem uso desses para afirmar sua negritude.

As crianças, desde cedo, começam a constituir sua identidade, quando nascem e

começam a estabelecer relações com o mundo, já estão recebendo elementos que,

aliados à outros, formarão um conjunto e farão parte de sua identidade. Oltramari e

Kawahala (1998), ressaltam que o homem constrói sua identidade em contato com o

mundo, a criança quando nasce, já faz parte de uma etnia que tem suas próprias

características físicas, de uma determinada classe social, uma família, um bairro e uma

cidade. E o reconhecimento de si se dará através do reconhecimento mútuo com os

indivíduos do seu grupo social, com sua história, tradição e cultura. E a partir disso, irá

estabelecer relações que poderão possibilitar ou não que o indivíduo se identifique com

esse grupo social. Ao discutir sobre identidade, Erikson (1976, apud CAVALLEIRO,

2003, p.19) confirma que:

[…] identidade refere-se a um contínuo sentimento de individualidade que se estabelece valendo-se de dados biológicos e sociais. O indivíduo se identifica reconhecendo seu próprio corpo, situado em um meio que o reconhece como ser humano e social. Assim, a identidade resulta da

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percepção que temos de nós mesmos, advinda da percepção de como os outros nos vêem.

Considerando essas concepções de identidade e os episódios mostrados

anteriormente, é possível afirmar que essas crianças observam as diferenças étnico-

raciais existentes e se reconhecem como iguais a seus familiares e alguns dos colegas,

porém, reconhecem também que são diferentes de outros. E isso confirma a idéia de que

eles têm conhecimentos em relação à sua negritude.

A negritude é um processo muito subjetivo, conforme Munanga (1988), o

sentimento de pertencimento à cultura negra é que vai determinar a negritude do

cidadão. Ou seja, não é só porque uma pessoa é afro-descendente que ela terá de ser

denominada de negra, somente quem pode declarar que um sujeito é negro(a) é ele

próprio, isto configura a sua negritude.

Césaire (apud, MUNANGA, 1988), explica que a negritude pode ser definida em

três palavras: identidade, fidelidade, solidariedade. A identidade, requer que o indivíduo

assuma com orgulho, a condição de ser negro; a fidelidade, tem ligação com a terra mãe;

e a solidariedade, é o sentimento que nos liga aos irmãos negros do mundo, e nos leva a

preservar nossa identidade comum.

Nesse sentido, para que desde a Educação Infantil ocorram esses processos que

levam à constituição da negritude, é fundamental trabalhar o autoconceito das crianças

negras, elas precisam se sentir bem com relação ao seu corpo, sua imagem e as

características que as constituem. Gisely Pereira Botega (2006, p. 111), em sua pesquisa

fala sobre a importância do autoconceito das crianças negras e esclarece:

[…] compreendo o autoconceito como o olhar, como a imagem que o sujeito tem sobre si mesmo que se constitui nas relações sociais atravessadas pelas culturas, gêneros, gerações, raças, classes. Não é algo fixo e imutável, mas transitório, contraditório e provisório que engendram diferentes atitudes dos sujeitos no mundo.

Esse autoconceito é fundamental para que as crianças negras sintam-se enaltecidas

perante às outras, para que, se necessário, saibam como lidar com situações que

ofendam seu pertencimento étnico e de modo que assumam sua negritude em todos os

sentidos.

A fim de problematizar o autoconceito das crianças afro-descendentes é

importante que as Instituições de Educação Infantil ofereçam recursos necessários para

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que essas crianças se sintam reconhecidas e valorizadas no espaço da creche. No

período em que fiz as observações junto ao grupo de crianças, pude constatar que as

crianças negras brincavam muito de boneca, sobretudo, com uma boneca loira. No

entanto, na sala desse grupo de crianças não havia nenhuma boneca negra, nem livros,

brinquedos, imagens, adereços que favorecessem o “reconhecimento” do pertencimento

étnico-racial destas crianças. Esse fator me chamou atenção, pois observei que

constantemente as crianças afro-descendentes (Mariana, Henri e Graziela) formavam

um grupo e brincavam muito entre elas, e em muitas situações, essas brincadeiras

envolviam bonecas que sempre tinham um padrão de beleza embranquecido.

Hoje Mariana (afro-descendente) não foi à creche, então observei que Henri (afro-descendente) convidou Graziela (afro-descendente) para brincar com ele de papai e mamãe, ela aceitou. Sendo assim, a mamãe foi trabalhar e o papai, que era Henri, ficou em casa, cuidando da filha que era a mesma boneca loira, ele fica muito tempo brincando com a boneca. (Diário de Campo 16/04/2009).

Henri, na maioria das vezes, busca Mariana para participar de suas brincadeiras,

eles parecem ter estabelecido um vínculo, já, Graziela, participa dessas brincadeiras,

mas, na maioria das vezes, não é protagonista. Nesse dia, como Mariana não estava,

Henri procurou Graziela para brincar com ele, e os dois brincaram de ser papai e

mamãe da mesma boneca loira que aparece muitas vezes nas brincadeiras das crianças

afro-descendentes. Então comecei a me questionar: Será que se houvesse bonecas

negras isso não favoreceria o autoconceito ou a auto-imagem das crianças afro-

descendentes? Será que as crianças afro-descendentes teriam preferência por uma

boneca negra?

A falta de recursos materiais e humanos contribui para o silenciamento das

questões raciais e para a manutenção do preconceito e da discriminação nas Instituições

Educacionais. A respeito disso, Cavalleiro (2003, p. 100-101), fala que:

A escola, penso, representa um espaço que não pertence, de fato à criança negra, pois não há se quer um indicio de sua inclusão, exceto a sua presença física. […] A escola tem se mostrado omissa quanto ao dever de reconhecer positivamente a criança negra no cotidiano, o que converge para o afastamento dela do quadro educacional. Se o acesso à educação representa um direito de todos os cidadãos, é contraditório o espaço escolar não estar preparado para receber crianças negras, essencialmente num país de maioria negra.

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As Instituições de Educação Infantil devem ser espaços acolhedores da

diversidade. Não só da diversidade racial, mas de gênero, de culturas, de classes sociais,

enfim deve acolher a demanda que a frequenta, pois esse, é um direito de todas as

crianças. Além de recursos materiais que propiciem auto-identificação das crianças

afro-descendentes, é necessário que o dia-a-dia nas Instituições de Educação Infantil

seja acolhedor, pois os indivíduos que lá freqüentam, são sujeitos afetivos, todos

necessitam de afetividade e amorosidade, necessitam ser aceitos e valorizados, assim

sendo, a criança afro-descendente precisa sentir que é respeitada e reconhecida neste

espaço que também é seu. (BOTEGA, 2006).

É importante que a criança sinta-se legitimada neste espaço, pois assim ela terá

segurança para estabelecer relações de troca com as demais crianças e com os(as)

educadores(as). Quando a criança não se sente pertencente a determinado ambiente ou

determinado grupo de crianças, ela começa a ser segregada nas brincadeiras, nas

atividades, enfim, no espaço da creche. Durante minhas idas a campo, pude observar

que as crianças afro-descendentes desse grupo, brincam mais entre si do que com as

crianças de outras etnias, porém, observei também que Jonatan e Graziela, em muitos

momento,s brincam muito sozinhos.

Hoje observei que Jonatan (afro-descendente) tem ficado muito distante das outras crianças, Graziela (afro-descendente) brinca muito sozinha com as bonecas e conversa muito com elas, apesar de eu ainda não ter conseguido ouvir estas conversas, pois ela para quando me aproximo e começa a conversar comigo. Henri (afro-descendente) e Mariana (afro-descendente)continuam muito próximos. (Diário de Campo 15/04/2009).

Através desse episódio e dos registros já apresentados nesse texto é possível

perceber que Mariana e Henri estabelecem uma relação muito próxima de cumplicidade,

Graziela, em alguns momentos, está presente em suas brincadeiras, mas ainda assim se

mantém um pouco afastada do grupo de crianças, em muitos momentos, brinca sozinha.

Já, Jonatan, fica muito distante das outras crianças, brinca muito sentado na mesa com

bonecos. Percebo que há, nesse grupo, uma afinidade entre as crianças afro-

descendentes, mas Jonatan não permanece sempre com esse grupo. Então cabe-me

questionar: Por que, em grande parte dos momentos, Jonatan brinca sozinho? Será esta

uma preferência sua ou o garoto sente-se segregado do grupo?

Durante o tempo que estive presente neste grupo de crianças, observei que não há

uma discriminação explícita com relação às crianças afro-descendentes, não são

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estereotipadas e nem se fala sobre as diferenças, porém, pude observar que, muitas

vezes, silenciosamente, sem que haja qualquer menção a diversidade étnico-racial,

Jonatan não se faz presente nas brincadeiras.

Por meio dessa discussão, é possível considerar que a maioria das crianças afro-

descendentes desse grupo estabeleceram entre si um vínculo que as permite estabelecer

uma relação de cumplicidade nos momentos vivenciados na creche. Esses momentos

revelam que por meio de suas culturas infantis, evidenciadas durante as brincadeiras,

esse grupo tem uma intimidade durante as brincadeiras, pois quando brincam sozinhos,

fazem ensaios a respeito do seu corpo e da sexualidade, o que não fazem nas

brincadeiras com outras crianças. Porém, nesse grupo, há uma outra criança negra,

Jonatan, que na maioria das vezes, reserva-se das brincadeiras com as outras crianças o

que me remete ao questionamento: Isso se trata de uma escolha ou segregação? Jonatan,

em muitos momentos, fica distante do grupo, o que pode ser uma preferência sua ou um

sentimento de segregação em relação às outras crianças.

9.3 As crianças afro-descendentes e suas relações com crianças de outras etnias

“Você é um ingoísta!”

A diversidade étnico-racial é uma questão muito presente nos grupos de Educação

Infantil, pois tratam-se de características que constituem os seres humanos, porém,

muitas vezes, esse tema acaba sendo silenciado, dada a dificuldade que os adultos têm,

em falar sobre as diferenças. Com a finalidade de garantir que as crianças estabeleçam

relações de respeito mútuo é necessário que a diversidade seja vivenciada pelas crianças

como algo enriquecedor para a população e para a cultura do Brasil.

As crianças, desde a Educação Infantil, observam as diferenças existentes nas

pessoas que compõem seu grupo social, porém, elas precisam saber também que essas

diferenças não podem ser motivos para qualificar ou desqualificar alguém. Não somos

todos iguais, mas todos os cidadãos têm o direito de serem respeitados. Nesse sentido,

por meio das observações realizadas, abordo neste sub-capítulo as relações

estabelecidas entre as crianças afro-descendentes e as crianças de outras etnias.

Por meio das observações, pude constatar que no grupo de crianças pesquisado, há

interação entre as crianças afro-descendentes e as crianças de outras etnias em

momentos como do lanche, das brincadeiras, das atividades. Nos momentos que estive

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em campo, presenciei uma cena em que uma criança “branca” (de outras etnias)

desqualificou verbalmente as crianças afro-descendentes. Porém, concordo com Louro

(1997, apud, BOTEGA, 2006, p.88), quando ressalta a importância de “percebemos os

‘não ditos’ no espaço escolar, já que, muitas vezes não dizer significa manter e garantir

a norma, por isso, é fundamental prestarmos atenção e cuidado naquilo que dizemos, ou

que não dizemos[...]” Ou seja, muitas vezes, o “não dito” também revela atitudes

discriminatórias, isso se torna evidente quando:

Aproximo-me de Jonatan (afro-descendente) e percebo que ele brinca sozinho com um carro e uma pista. Então Camila se aproxima e tenta convencer Jonatan a ceder a pista para ela brincar, ele diz: “Não eu quero brincar também.” Mas Camila diz: “Então cê brinca com o carro e eu com a pista.” Jonatan acaba aceitando. Camila chama Gilson para brincar com ela, mas ele estava com um carro bem pequeno e tenta pegar o carro de Jonatan, que segundo eles é o carro “baita”. Jonatan diz: “É só um pouquinho.” E cede o carro também. Camila e Gilson começam a brincar juntos e não deixam mais Jonatan brincar, o garoto desiste e vai procurar outro brinquedo.(Diário de Campo 13/04/2009).

Nesse episódio é possível perceber que Camila queria brincar com os brinquedos

de Jonatan, mas fica claro que não desejava brincar com ele. O garoto tenta resistir,

porém acaba cedendo todos os brinquedos para Camila e Gilson, que iniciam uma

brincadeira juntos e não permitem que Jonatan participe. Sendo assim, cabe-me

perguntar: Por que Jonatan cedeu os brinquedos, se ele gostaria de continuar brincando

com eles? Por que Camila e Gilson não permitiram que Jonatan continuasse brincando

junto? O que está implícito nessa relação?

Nessa situação, Camila e Gilson não falaram nada sobre o pertencimento étnico-

racial de Jonatan, no entanto, é possível perceber que existe entre eles uma relação de

conflito à qual faz com que Jonatan entregue seus brinquedos e saia em silêncio. Será

que essa relação estará pautada na idéia de supremacia branca? Será que as crianças

“brancas” (de outras etnias) se julgam superior à Jonatan? Será que Jonatan se sente

inferior às outras crianças? Em uma outra circunstância é possível visualizar um

episódio semelhante:

Jonatan (afro-descendente) brinca sozinho com a casinha e com os bonecos. Marcelo tenta tirar os brinquedos dele, mas Jonatan não aceita e Marcelo oferece muitos outros brinquedos em troca, mas Jonatan não cede, Marcelo desiste. Luan chega e pede a casa a Jonatan e ele diz que não, então Luan puxa a casa e começa a brincar. Jonatan vai à caixa pegar outro brinquedo, então vem com um brinquedo amarelo que forma figuras de monstros quando acionado um botão. Jonatan diz a Luan que precisa colocar esse

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brinquedo dentro da casa, Luan se interessa pelo brinquedo e permite que Jonatan brinque junto dele, mas percebo que quem comanda a brincadeira é Luan. (Diário de Campo 24/04/2009).

Novamente, Jonatan fica como coadjuvante em uma brincadeira que ele mesmo

iniciou. Primeiro Marcelo tenta tirar os brinquedos de Jonatan, mas ele resiste, depois

Jonatan cede a casa para Luan, mesmo dizendo que não cederia. Então o garoto arruma

uma estratégia de continuar brincando com a casa através do interesse de Luan por um

outro brinquedo, mesmo assim, Jonatan não é mais o protagonista de sua brincadeira.

Borba (2006, p.14), diz que durante esses movimentos de conflitos das crianças,

[…] ainda que tenha sobressaído o investimento das crianças na negociação de conflitos para garantir o processo interativo do brincar, também se revelaram hierarquias e relações de poder entre elas, as quais lhes conferem autoridade para definir quem pode ou não participar de determinadas brincadeiras.

A autora ressalta que as crianças fazem uso de princípios para classificar os

membros do grupo com os quais elas querem brincar e seus respectivos lugares durante

as brincadeiras. Esses princípios são: bonito, feio, menino, menina, legal, chato dentre

outros. Dessa forma, as relações de poder, prestígio e estatuto social, também estão

presentes no cotidiano das crianças o que as faz mobilizarem um complexo conjunto de

estratégias para lidar com essas relações, a fim de ter uma participação social durante as

brincadeiras.

Assim sendo, a ação do poder ocorria entre todos os sujeitos envolvidos, porém,

Camila, Gilson e Luan eram os sujeitos que detinham o poder na situação. Desejavam

de alguma forma ter os brinquedos de Jonatan, e este, mesmo sem consentir, perdeu o

“direito” de brincar com os objetos desejados, e os respondeu com silêncio diante

daquela situação.

Mais uma vez fica visível que há uma relação de poder de algumas crianças sobre

Jonatan, pois ele cede os brinquedos sem nenhuma reação aparente, como se fosse seu

“dever” deixar que Camila, Gilson e Luan pegassem seus brinquedos. Ao falar das

relações de poder, Foucault (apud, BOTEGA, 2006, p.159) mostra que,

[…]o exercício do poder não é simplesmente uma relação entre ‘parceiros’ individuais ou coletivos; é um modo de ação de alguns sobre outros. Deste modo, o poder é exercido por um sobre os outros e não é da ordem do consentimento, na medida em que as relações de poder se articulam entre os dois elementos, dois pólos, e o outro sobre o qual o poder se exerce é reconhecido como sujeito da ação. Portanto, existe um campo de

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possibilidades que engendram formas de respostas, reações, resistências, intervenções. As relações de poder ocorrem entre as ações de sujeitos ativos.

Para Sayão (2003), o símbolo do poder social está no homem, branco, de classe

média, heterossexual e cristão, essas relações de poder tornam-se evidentes no

andamento das brincadeiras das crianças. Mais uma vez vem à tona a discussão de um

padrão estabelecido socialmente, o padrão de quem tem o poder, de quem domina, esse

padrão que foi construído socialmente e que, muitas vezes, acarreta a população afro-

descendente o status de inferior e que faz com que se cale diante de seus direitos, por

muitas vezes acreditar nesse padrão errôneo da supremacia branca.

Cavalleiro (2003), aponta que o silêncio da criança afro-descendente diante das

outras crianças, evidencia sua fragilidade e a falta de confiança que tem nos adultos que

estão à sua volta. Pois em muitos momentos é exposta a situações humilhantes, não

domina seu direito de defesa e nem recorre aos adultos para defendê-las. Em outros

momentos, quando a criança negra tenta resistir e não ceder aos comandos dos colegas,

ainda é culpabilizada pela situação:

Jonatan (afro-descendente) brincava novamente sozinho com dois bonecos, fingia jogar futebol com eles em cima da mesa, de repente diz: “Agora vamo lutá, porrada, porrada, porrada...” E finge que os bonecos estão lutando. Augusto tenta pegar um boneco de Jonatan, mas desta vez ele não cede e Augusto diz: “Você é um ingoísta!” Jonatan diz: “Não sô não!” E continua a brincar. (Diário de Campo 17/04/2009).

Esse episódio mostra que Augusto tenta tirar o boneco de Jonatan, mas ele não

cede e por isso ele é chamado de egoísta. Esses conflitos que ocorrem entre as crianças

são, de certa maneira, constitutivos para a identidade deles, visto que Jonatan conseguiu

resistir à pressão de Augusto por querer o brinquedo.

A identidade e as diferenças precisam ser temas constantemente discutidos nas

Instituições de Educação Infantil, a negritude além de ser um processo subjetivo

importante para as crianças afro-descendentes deve ser também um processo debatido e

visualizado pelas crianças de outras etnias. É necessário desconstruir os processos de

“pré-conceitos” exercidos em relação à diversidade racial. Muitas vezes, as crianças da

Educação Infantil agem, pautadas em modelos socialmente construídos, que presenciam

e ouvem na sociedade e, por fim, crescem acreditando nestes. Em um dos momentos

que estive presente no campo, presenciei uma situação em que um dos meninos do

grupo se referia a Henri e Jonatan como os meninos “pretos”:

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Ao chegar à sala, observei que ainda tinham poucas crianças, então me aproximei do grupo que estava sentado à mesa e falei: “Só chegaram vocês ainda?”Augusto me respondeu: “É, aqueles menino preto não chegaro.” Perguntei: “O que foi Augusto?” Ele disse: “O Jonatan e o Henri não viero ainda, só quando a Janice (transporte) chegá”. (Diário de Campo 23/04/2009).

Esse registro mostra a forma como Augusto se referiu a Henri e Jonatan como se

fosse algo natural dizer que alguém é preto, e atribuindo um tom pejorativo ao se referir

a eles como “os menino preto”. E ao ser questionado, ele explicou que Henri e Jonatan

só chegariam mais tarde. Então fiquei me questionando: Por que quando perguntei se só

havia chegado eles, Augusto imediatamente quis apontar a ausência de Henri e Jonatan?

Será que o garoto percebeu a minha proximidade com as crianças afro-descendentes?

Por que Augusto se referiu aos meninos como “meninos pretos”? Será que Augusto quis

desqualificar a etnia de Henri e Jonatan? Ou será que esta é a forma identitária que ele

usa para reconhecer a negritude de Henri e Jonatan?

Em uma sociedade como a vivenciada atualmente, onde ainda prevalece uma

visão desqualificadora que foi historicamente construída à respeito dos cidadãos negros

e a identificação qualificadora dos cidadãos brancos, o processo de socialização das

crianças da Educação Infantil ocorrerá da mesma maneira, se não houver uma

intervenção da família e da escola. (CAVALLEIRO, 2003). Dessa forma, cabe ao

educador(a) desconstruir certos estigmas, falas e ações que podem ser preconceituosas

no cotidiano da educação, o papel do(a) educador(a) deve ser o de mostrar as diferenças

e não de silenciá-las.

Não seria demasiado supor que a ausência desse tema no planejamento escolar impede a promoção de boas relações étnicas. O silêncio que envolve essa temática nas diversas instituições sociais favorece que se entenda a diferença como desigualdade e os negros como sinônimos de desigual e inferior. (CAVALLEIRO, 2003, p.20).

Explorar o tema da diversidade étnico-racial não serve apenas para que as

crianças negras afirmem seu pertencimento étnico racial, mas também, para que as

crianças de outras etnias construam um novo modo de pensar, de ver os cidadãos afro-

descendentes não atrelados ao preconceito. E isso é muito importante na medida em que

a identidade das crianças afro-descendentes vai sendo construída, também a partir das

percepções que os outros têm delas mesmas (ERIKSON, 1976, apud. CAVALLEIRO,

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2003). E com percepções qualificadoras à respeito de si, as crianças poderão reconstruir

seu autoconceito.

Jonatan (afro-descendente) brincava na mesa ao meu lado, quando Luan chegou e me falou: “Olha profi, eu cortei o meu cabelo!” Respondi a ele: “Seu cabelo ficou muito bonito, quem cortou?” Ele me respondeu: “Foi o moço lá perto da minha casa porque tava bem grandão.” Jonatan falou: “Eu também cortei o meu!” Falei: “O seu também está muito bonito, Jonatan, quem foi que cortou?” Ele respondeu: “Foi o meu primo porque se não ia ficá sujo e duro.” Respondi a ele: “Não Jonatan, nosso cabelo só fica assim se a gente não lavar, se você lavar não vai ficar sujo e duro.” (Diário de Campo 16/04/2009).

Nesse episódio, fica claro que Jonatan criou uma representação desqualificadora

com relação aos seus cabelos, pois o garoto afirma que necessita ter os cabelos curtos,

pois se não, ficará “sujo e duro”. Certamente, essa afirmação que Jonatan fez, advém de

tudo o que ele já observou e ouviu acerca dos cidadãos afro-descendentes e que faz

parte do seu autoconceito. Botega (2006, p.85), ressalta que, “a constituição do

autoconceito ocorre também pelo olhar do outro sobre nós, a imagem, ou as imagens do

outro exercem função naquilo que somos, sentimos e pensamos. No contexto da escola,

diversos são os olhares que se cruzam e que nos constituem”.

Nesse sentido, é necessário que as Instituições de Educação Infantil transgridam

suas posturas com relação à diversidade étnico-racial. Em face à complexidade de

problemas relacionados a diversidade étnico-racial, cabe aos educadores(as), repensar e

lutar por práticas que tenham como finalidade, a qualificação das crianças afro-

descendentes. Sendo assim, torna-se indispensável a preparação de um trabalho que

aponte para a problematização das diferenças, o respeito mútuo e a possibilidade de

falar sobre as diferenças sem receio e sem preconceito. (CAVALLEIRO, 2003). Pois, se

a Instituição de Educação Infantil não propiciar os recursos necessários para o

reconhecimento das crianças afro-descendentes, quem irá propiciar?

Durante os dias que estive em campo, pude observar que apesar da quantidade

pequena de brinquedos existentes na creche, as crianças brincavam muito. Constatei

também que dentre esses brinquedos não havia nenhum que favorecesse ou propiciasse

a auto-identificação das crianças negras, por exemplo, só existiam bonecas “brancas”

com os olhos claros, com as quais as crianças negras brincavam muito. Por este motivo,

resolvi levar uma boneca negra para o grupo de crianças. Queria observar como elas

iriam reagir quando descobrissem a boneca, então optei por colocá-la na prateleira,

junto às outras bonecas, e não falar ao grupo que foi eu quem trouxe. Deixei livre para

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ver se iam brincar, passadas duas observações eu ainda não havia presenciado nenhum

interesse das crianças pela boneca negra, então:

Camila pega uma boneca e põe no carrinho para brincar, depois volta, tira esta boneca do carrinho e vai escolher outra, olha a boneca negra passa a mão nela, mas pega a boneca loira que estava ao lado. Graziela brinca com outra boneca loira e Lana tenta entrar na brincadeira, então Graziela mostra a ela a boneca negra. Lana pega-a e coloca no chão, enche uma mochila com brinquedos, pega a boneca no colo e começa a brincar. Lana diz a Graziela: “Eu vou levar minha filha no médico.” Graziela responde: “A minha vai almoçar.” Tento entrar na brincadeira, e peço a filha dela percebo que ela vem até mim, mas fica constrangida, então me afasto e finjo que não estou mais prestando atenção. As duas continuam a brincadeira juntas fazem comida e dão para suas filhas. Graziela briga com a boneca loira: “Come! Come! Se não você não vai ter aniversário! Vai come já!” (Diário de Campo 24/04/2009).

No registro anterior, é possível perceber que Camila brinca com a boneca loira,

mas a boneca negra lhe chama atenção. Graziela (afro-descendente), também brinca

com uma boneca loira, mas ao escolher uma boneca para a colega, sugere a boneca

negra. E Lana ao perceber a boneca negra, logo opta em brincar com ela. Dessa forma,

retorno a afirmar que se as Instituições de Educação Infantil proporcionarem no

cotidiano das crianças, elementos que propiciem o autoconceito das crianças afro-

descendentes, haverá a socialização e a interação dos grupos de crianças.

A presença dessa boneca negra, na sala, pode contribuir muito para o autoconceito

das crianças negras, assim como, para quebrar os estigmas e preconceitos existentes em

relação ao negro, ou seja, para quebrar o silêncio existente em torno da questão racial. É

preciso que os(as) educadores(as) enxerguem os corpos negros nas creches, eles não

podem ser ignorados, invisibilizados. É preciso observar seu físico, seu jeito de ser, de

pensar, é fundamental realmente enxergar as crianças e famílias negras que frequentam

as Instituições Educacionais para que seja possível repensar as práticas educacionais e

assim não excluí-las, e sim, mostrá-las. (BOTEGA, 2006).

Neste sentido, vale ressaltar que neste grupo, as relações estabelecidas entre as

crianças afro-descendentes e as crianças de outras etnias, não estão pautadas em

“xingamentos” e estereotipação das crianças afro-descendentes. Mas em muitos

momentos seguem uma lógica dos “não ditos” o que, da mesma forma, acaba sendo

considerado como uma prática discriminatória, sendo que há uma relação de poder

existente entre algumas crianças “brancas”sobre uma das crianças negras. Dessa forma,

é possível apontar para a intervenção do educador, como principal alternativa para

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desconstruir falsos ideais de supremacia branca, em detrimento da inferioridade da

cultura negra.

10. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O debate relacionado à diversidade étnico-racial e as crianças ainda está longe de

ter um fim, pois ainda existem muitas questões a serem pensadas sobre este tema.

Tendo em vista que a finalidade principal desta pesquisa foi analisar como as

professoras e as crianças da Educação Infantil interagem com a diversidade étnico-racial

em seus cotidianos, foi possível ter uma base para algumas discussões, vale ressaltar

que os dados obtidos através das observações servem para problematizar a realidade das

crianças afro-descendentes nas Instituições de Educação Infantil, visto que a pesquisa

foi realizada apenas sob a realidade de um grupo de crianças de uma Instituição da

Grande Florianópolis e não pode ser visto como uma verdade pronta, mas deve servir

para que os(as) educadores(as) repensem suas práticas, direcionando-as para as

questões relacionadas à diversidade racial.

Nesta investigação foi possível observar que os(as) educadores(as), em muitas

ocasiões, não dão à devida atenção às questões relacionadas à diversidade étnico-racial.

Será que isso ocorre devido ao seu desconhecimento perante o assunto? Tornou-se

visível que as crianças afro-descendentes da Educação Infantil reconhecem as

diferenças e seu pertencimento étnico racial e falam sobre ele em suas brincadeiras,

desenhos e conversas. Dessa forma é necessário que o(a) educador(a) esteja atento às

narrativas das crianças durante suas brincadeiras.

Outra questão evidenciada na pesquisa é que as crianças pequenas se expressam

também através das brincadeiras que fazem parte de suas culturas infantis, e, por meio

destas, evidenciam como significam a realidade que as cercam. Quando o educador não

interpreta as diferenças como algo significativo a ser problematizado com o grupo, as

crianças afro-descendentes ficam em um campo de invisibilidade, pois não têm suas

especificidades distinguidas, o que resulta no silenciamento das questões raciais e na

perpetuação da discriminação. Este silenciamento ocorre, uma vez que muitos,

educadores(as), têm uma certa resistência em discutir as diferenças com as crianças.

Tornou-se evidente, no decorrer da pesquisa, que as crianças afro-descendentes do

grupo observado, criaram entre si um vínculo afetivo que as permitem brincar com uma

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cumplicidade maior do que quando relacionam-se com as crianças de outras etnias.

Durante as brincadeiras, fazem ensaios acerca de sua sexualidade e preferem brincar em

lugares afastados dos olhos e ouvidos dos adultos. No entanto, há neste grupo, uma

outra criança afro-descendente que em muitos momentos está distante do grupo, o que

me trouxe questionamentos se este distanciamento seria uma preferência sua ou uma

segregação do grupo, devido ao seu pertencimento étnico racial. É importante que desde

a Educação Infantil a diversidade racial seja problematizada com as crianças, pois assim

as crianças afro-descendentes terão a oportunidade de reconhecer sua negritude em um

espaço educativo que também humaniza, assim como as crianças de outras etnias terão a

possibilidade de conhecer a cultura afro-descente e desconstruir estigmas a respeito dos

cidadãos negros.

No grupo de crianças observado, há interação entre as crianças afro-descendentes

e as crianças de outras etnias, porém, as crianças afro-descendentes, relacionam-se com

mais frequência com seus pares do que com as crianças de outras etnias. Constatei que

entre as crianças não há uma discriminação visível com relação às crianças afro-

descendentes, entretanto, há a prática oculta, ou seja, não se fala sobre as questões

raciais, mas, muitas vezes, revelam-se atitudes discriminatórias durante as brincadeiras.

Dessa forma, o caminho percorrido na elaboração desta pesquisa me permite

concluir que as relações estabelecidas no cotidiano da Educação Infantil a respeito das

diferenças étnicas são pautadas no silenciamento das educadoras, frente à questão racial,

o que resulta na invisibilidade das crianças afro-descendentes. As crianças revelam que

reconhecem as diferenças e estabelecem um vínculo entre seus pares que as permitem

estabelecer uma relação de cumplicidade. Já, as crianças de outras etnias, não costumam

estigmatizar através de estereótipos as crianças afro-descendentes - pelo menos não

ficou visível nos momentos de observações - mas de certa maneira, evidenciam durante

as brincadeiras uma relação de conflitos na disputa por brinquedos à qual tentam se

sobressair em relação a uma das crianças negras. Será este o início de uma relação

apreendida socialmente, onde o padrão branco é “superior”?

Tendo em vista que a diversidade étnico-racial estará sempre presente nas

Instituições Educacionais, visto que se tratam de características constitutivas dos seres

humanos, quanto mais este tema for discutido nas Universidades, nos cursos de

formação de educadores(as), maior será a chance desses futuros educadores(as)

repensarem suas posturas e abordarem as diferenças de maneira a desconstruir os “pré-

conceitos”. Nesse sentido, se a diversidade racial for trabalhada desde a Educação

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Infantil e os sujeitos vivenciarem as diferenças, isso contribuirá para a diminuição da

discriminação na sociedade. Nesse sentido, vale lembrar que o problema do preconceito

não está somente dentro das escolas, é um problema social que atinge todas as classes,

no entanto, é importante levantar o debate acerca destas questões para que os cidadãos

comecem a rever suas posturas perante seus “pré-conceitos” e repensem a situação dos

cidadãos afro-descendentes em nossa sociedade.

Ao chegar à etapa de finalização desta pesquisa é possível dizer que ela me

suscitou muito mais questionamentos do que eu tinha ao iniciá-la. Promovendo novos

conhecimentos, e assim novas dúvidas que requerem novas pesquisas. O tema da

diversidade étnico-racial ainda tem muitas questões a serem debatidas até que os

cidadãos afro-descendentes sejam de fato reconhecidos e respeitados. Para tanto, é

necessário que haja pesquisas que discutam este tema e dêem visibilidades aos afro-

descendentes. Nesse sentido, posso indicar que seja de grande valia uma pesquisa que

tenha como foco os(as) educadores(as), ou seja, que aborde o que as educadoras pensam

sobre a diversidade étnico-racial. Acredito também ser interessante uma pesquisa que

tivesse como estratégia a pesquisa-ação, onde o(a) pesquisador(a) trabalharia com

elementos relacionados à diversidade racial com as crianças (histórias, bonecas,

fantoches, filmes). Sendo que isso traria à tona o que as crianças pensam sobre as

diferenças, e permitiria ao pesquisador, trazer suas vozes para dentro da pesquisa. Nilma

Lino Gomes (2005), ressalta que a maioria da população que frequenta a Educação de

Jovens e Adultos (E.J.A.) atualmente são negros. Então cabe-me questionar: Por que

isso ocorre? Será devido à segregação que existe em relação às crianças afro-

descendentes no Nível Fundamental? Será que estas crianças evadem da escola e

retornam, posteriormente para a E.J.A.? Está é uma outra possibilidade de investigação

a ser feita com relação à diversidade étnico racial.

Posso encerrar dizendo que atualmente a quantidade de pessoas que discriminam a

população negra ainda é muito grande. Mas discriminar por quê? Pela cor da pele? Que

sentido há, em desqualificar alguém por que sua pele é mais escura? O preconceito traz

inúmeros malefícios para a população afro-descendente, malefícios que só podem ser

sentidos por quem é negro. Silas Corrêa Leite, em sua poesia, “Vista a minha pele”

retrata o sentimento dos cidadãos negros em relação ao preconceito.

Vista a minha pele (Silas Corrêa Leite)

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Vista a minha pele Você conseguiria? Seja negro só por um dia Seja preto por mim Somando todas as minhas cores assim Vista a minha pele Sinta a minha cor Seja você quem for Capture a minha dor Lá dentro de mim E procure me compreender melhor assim Vista a minha pele Eu sou igual a você Ser humano porque Corpo, Mente, Coração Então, por que racismo e discriminação? Vista a minha pele Sou vermelho por dentro E negro sempre cem por cento Afro-descendente Além de para sempre Inteiramente ser humano e sobretudo gente Vista a minha pele Vista-se de mim […]

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12. APÊNDICES

“DESENHEI MINHA MÃE DE ROSA, SÓ QUE ELA É PRETA, SÓ QUE PRETO NÃO PODE”: Algumas discussões sobre a diversidade

étnico-racial na Educação Infantil.

Gláucia de Souza Corrêa10

Regina Ingrid Bragagnolo11

Resumo A diversidade étnico-racial é um assunto que precisa ser constantemente problematizado nas Instituições de Educação Infantil, pois, se as reflexões sobre as diferenças forem iniciadas, logo que as crianças ingressarem neste espaço de interação, tornar-se-á mais fácil desconstruir o mito da supremacia racial branca na sociedade. Neste sentido, através deste estudo, busquei investigar: Quais as relações étnico-raciais estabelecidas entre educadores e crianças no cotidiano de um grupo da Educação Infantil? Esta pesquisa, teve como objetivo principal, analisar como as crianças e professoras da Educação Infantil interagem com a diversidade étnico-racial. Com a finalidade de alcançar este propósito, realizei uma pesquisa qualitativa, por meio de estudos etnográficos, que me possibilitaram uma aproximação significativa com os sujeitos pesquisados. Estive presente no campo, dez dias, por cerca de três horas e trinta minutos diários. Durante estas observações, fiz uso do diário de campo, para coletar os dados, e foi possível constatar que, em muitos momentos, as crianças afro-descendentes são invisibilizadas no espaço educacional e têm uma cumplicidade maior quando se relacionam com seus pares, do que quando interagem com crianças de outras etnias.

Palavras-chave: Diversidade étnico-racial. Educação Infantil. Crianças.

“I DREW MY MOTHER IN PINK, BUT SHE IS BLACK- SO BLA CK CANNOT

BE.” Some discussions about racial ethnic in the upbringing Abstract The racial ethnic diversity is a subject that constantly needs to be discussed in the upbringing education institutions, since if the reflections on the differences are initiated as soon as children approach to this sort of interaction, this will become easier to deconstruct the myth of the white race supremacy in society. Accordingly, through this study, I sought: What are the ethnic racial relations between teachers and children in their daily school life in an upbringing education group? Since this research had the main goal of analyzing how children and teachers interact with themselves, having in mind the racial ethnic diversity. In order to achieve this purpose, the qualitative research was conducted through an ethnographic study. So, I had to be closer to the subject studied in the field for ten days, that is to say, about, there hours and thirty minutes daily, so as to collect data. As a result, it was possibly noticed that most of the time, the

10 Acadêmica da 8ª fase de pedagogia, do Centro Universitário Municipal de São José. 11 Professora orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso, que resultou na elaboração deste artigo.

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Afro descendants children are blocked in the school environment when they approach to their peers more than they have to be in touch with children from other races. Keywords: racial ethnic diversity; upbringing; children. Introdução

Racismo, preconceito e discriminação, questões que afligem constantemente a vida dos cidadãos afro-descendentes no Brasil. O “pré-conceito” racial está muito presente na sociedade brasileira, trata-se de um ranço que foi construído historicamente e que está tão arraigado na sociedade que é uma tarefa árdua desconstruí-lo.

Mas, por que existe preconceito? O que faz com que uma pessoa se sinta superior ou inferior à outra pela diferença existente na cor da pele? Como desmistificar esse “mito”da supremacia racial branca? Como trabalhar a diversidade racial com as crianças? Como a criança negra constrói sua imagem e sua auto-estima desde a Educação Infantil, se em tudo o que a cerca há um padrão de beleza branco?

Diante de questões como essas, posso dizer, que acredito, que o preconceito e a discriminação são aprendidos desde que os seres humanos estabelecem suas primeiras interações sociais. Sendo a Instituição de Educação Infantil um espaço destinado à interação e humanização das crianças pequenas, em muitos momentos, pode ser um espaço onde as relações de discriminação e preconceito talvez apareçam. Entretanto, como desconstruir esses estigmas com as crianças?

Perante a questões relacionadas à diversidade racial em minha prática como educadora, paralelamente a um curso oferecido pela Secretaria Municipal de Educação de São José, no ano de 2008, intitulado: “Programa de Diversidade Étnico Racial”, lancei-me a pesquisar sobre a diversidade étnico-racial na Educação Infantil.

A finalidade principal desta pesquisa foi analisar como as professoras e as crianças da Educação Infantil interagem com a diversidade étnico-racial em seus cotidianos. Os objetivos traçados buscavam: Identificar como os educadores mediam as situações cotidianas que envolvem a diversidade étnico-racial; verificar como o grupo de crianças afro-descendentes da Educação Infantil estabelece relações com seus pares; e, caracterizar como as crianças afro-descendentes estabelecem relações com crianças de outras etnias. Este artigo, busca sintetizar o percurso de minha pesquisa, bem como, propõe um debate sobre as questões relacionadas à diversidade étnico-racial na infância com base nos registros feitos no diário de campo, atrelados ao referencial teórico.

Educação e a diversidade étnico-racial Há muito tempo que a história dos negros vem sendo omitida nas Instituições

Educacionais. A história do Brasil contada durante toda a Educação Básica aborda a chegada dos portugueses, o Brasil Império, Independência do Brasil, Brasil República, tudo isso mostrando as benevolências que os portugueses trouxeram para cá. Mas, e os negros? Onde ficam nessa história? Os negros eram “apenas” os escravos, não cabem nessa história de elites, que o Brasil aprendeu nas escolas, onde, durante muito tempo até os dias atuais, estes foram retratados como escravos. Munanga (2005, p.16) afirma que, “Todos, ou pelo menos os educadores conscientes, sabem que a história da população negra quando é contada no livro didático é apresentada apenas do ponto de vista do “Outro” e seguindo uma ótica humilhante e pouco humana”.

Age-se, muitas vezes, como se os negros não possuíssem cultura, história, como se fossem apenas os escravos que aqui foram explorados, fazendo assim, com que a

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sociedade tenha um sentimento de “piedade” dos mesmos. Essa questão presente na nossa história dita, revela a invisibilidade da cultura e dos cidadãos negros atualmente.

Hoje, há a necessidade de as escolas separarem, na história, o enfoque do escravismo remetendo-se à cultura do negro.

Nos registros da história do Brasil, os afro-descendentes ainda ocupam a periferia, o enfoque é centrado no navio negreiro, omitindo a nossa ancestralidade, pois se a mesma fosse enfocada com justiça, nossas crianças e jovens haveriam de dissociar a nossa história da história dos vencidos, haveriam de perceber que a prática do escravismo se deu no Brasil e em outros países como a Grécia e a Suécia, onde a escravidão foi branca. O escravismo é um fato na história econômica da humanidade. E essa informação ajudaria a desvelar os mitos acerca desse sistema produtivo como a compreensão de senso comum de que só os negros foram escravizados. (SILVA, 1999, p.101).

A ausência das discussões sobre a cultura e história dos negros na Escola faz com

que a população negra não se sinta legitimada neste espaço, não o reconheça como sendo seu, e faz com que cresça o preconceito das outras crianças diante das crianças negras. Mas como evitar que aconteça o preconceito e a discriminação na Escola? Como surgiu o preconceito contra os negros? Poucos educadores trabalham sob a ótica de desconstruir o que está posto pela história e pela sociedade, valorizando as diferenças.

Neste sentido, cabe-me perguntar: Como a criança negra da Educação Infantil irá se identificar, e reconhecer, se a maioria dos brinquedos comercializados transmitem um ideal de beleza embranquecido?

É fundamental discutir a identidade de cada um, partindo de suas vivências na Instituição e, assim, evidenciar a cultura e a descendência dos educandos, aliando-a à história brasileira. As Instituições de Educação devem ter como foco primordial, compreender os alunos como seres singulares que pertencem a culturas coletivas, tendo em vista que a individualidade faz parte de uma coletividade, de um grupo cultural, racial, étnico, econômico e regional. Sendo assim, é fundamental estimular a criança ao autoconhecimento, motivando-a a conhecer e reconhecer sua identidade. (ROMÃO, 2001).

Oltramari e Kawahala (1998), ressaltam que o homem constrói sua identidade em contato com o mundo, a criança quando nasce, já faz parte de uma etnia que tem suas próprias características físicas, de uma determinada classe social, uma família, um bairro e uma cidade. E o reconhecimento de si se dará através do reconhecimento mútuo com os indivíduos do seu grupo social, com sua história, tradição e cultura. E a partir disso, irá estabelecer relações que poderão possibilitar ou não que o indivíduo se identifique com esse grupo social.

Martins Filho (2006), chama-nos atenção para a importância dos processos de socialização existentes na Creche, ressaltando a necessidade de buscar uma linguagem comum às crianças, estabelecendo laços de confianças entre o adulto e a criança. Esta relação favorece a construção da cultura de pares, sendo que a presença do adulto é de fundamental importância, principalmente, se este procura potencializar as manifestações culturais dessas crianças como algo a ser considerado e ampliado.

Parafraseando Rocha (2008), é possível afirmar que uma pedagogia da infância precisa ter como foco principal, os processos com os quais as crianças irão constituir seus conhecimentos, considerando-as como seres humanos concretos e reais, que perpassam por diferentes interações sociais e culturais, que também constituem suas infâncias.

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Muitas crianças passam a maior parte de suas infâncias dentro das Creches, sendo que chegam a ficar nesses espaços doze horas diárias. Dessa forma, os professores de Educação Infantil devem proporcionar espaços e tempos para as brincadeiras, e considerá-las como um dos eixos principais do trabalho pedagógico. Através do brincar, a criança cria e recria possibilidades de conhecimentos por meio das relações que estabelece com a sociedade e com seus pares. Agostinho (2005), afirma que:

[…] as crianças estão dizendo a todo tempo que querem um lugar onde possam brincar, sozinhas, acompanhadas de outras crianças ou dos adultos. Por meio das suas cem linguagens nos disseram cem vezes cem que querem um espaço que lhes garanta o direito à brincadeira. As crianças no seu brincar vão indicando que gostam muito de estar entre seus pares, em pequenos grupos e em espaços circunscritos […] (AGOSTINHO, 2005, p.66-67).

Através dessas brincadeiras, as crianças revelam suas culturas e seus modos de

interagir com a sociedade, manifestando assim, suas identidades sociais e indicando ao educador o que deve contemplar em seu trabalho pedagógico.

Desta maneira, com o intuito de estabelecer no ambiente educacional, relações que sejam contra as ideologias que reforçam a discriminação racial, é preciso problematizar novas formas de relações entre crianças negras, brancas e afro-descendentes, romper com velhos discursos eurocêntricos, promover situações de diálogo e de questionamentos para que todos possam ter o conhecimento de si no encontro com o diferente, com a diversidade, reafirmando a idéia de que todos somos diferentes em nossas particularidades. (SOUZA, 2005).

Procedimentos Metodológicos

Este estudo trata-se, de uma pesquisa de caráter qualitativa, em que o fenômeno é impossível de ser medido, é de cunho descritivo, onde os fenômenos observados foram registrados. Segundo Minayo (1994, p. 21), a pesquisa qualitativa “[…] responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado”.

Uma das maneiras de saber como as crianças se relacionam e pensam é observando suas brincadeiras, suas interações com seus pares, pois por meio dessas, que elas revelam grande parte dos conceitos que já constituíram sobre si mesmas, sobre a sociedade, sobre as pessoas, enfim, sobre o ambiente que as cerca cotidianamente. Acredito que a maneira mais viável para executar este trabalho é por meio das aproximações à perspectiva etnográfica.

A perspectiva etnográfica é comumente utilizada nas pesquisas onde as crianças são o foco, e requer observação-participante, ou seja, a interação direta com o sujeito pesquisado. Sendo assim, foi por meio de dez observações-participantes, de cerca de três horas e trinta minutos cada uma, que busquei realizar minha investigação acerca da diversidade étnico-racial na Educação Infantil. Assim sendo, para a coleta de dados foi utilizado como fonte de registros, o diário de campo, que se deu a partir de um protocolo de observações, onde foram anotadas todas as observações feitas.

Os participantes envolvidos nesta pesquisa são compostos por um grupo de vinte crianças, com cerca de quatro a cinco anos. É organizado por uma professora e uma professora auxiliar de uma Instituição de Educação Infantil, localizada na Grande Florianópolis. Os integrantes do processo foram escolhidos de acordo com a disponibilidade dos(as) educadores(as) em contribuir com a pesquisa.

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Descrição e Análise dos dados

Tendo como base as leituras feitas para a elaboração da pesquisa, busco aqui, produzir um debate de alguns episódios registrados no diário de campo, durante as observações que servem de dados para esta pesquisa.

A invisibilidade carrega consigo a discriminação, e quando as crianças negras não têm suas especificidades reconhecidas, ou seja, são tratadas como se as diferenças não existissem, elas ficam em um campo de invisibilidade, pois elas percebem as diferenças. Diferenças essas que, muitas vezes, são silenciadas pelos educadores por não saberem como abordá-las.

Parece-me, que quando este silenciamento é constante, torna-se mais difícil para as crianças encontrarem elementos para se reconhecerem no espaço da Educação Infantil, visto que, se a criança não encontra elementos vinculados ao seu pertencimento étnico-racial para se identificar, ela acaba ficando na invisibilidade. Posso ressaltar que a ausência de reflexão dos(as) educadores(as) sobre as questões raciais contribuem para o aumento da invisibilidade nas Instituições de Educação Infantil, como pode ser visualizado em um episódio que presenciei durante as observações:

Hoje, as professoras iniciaram à tarde, contando uma história ao grupo de crianças. Era a história “Piteco e as cores”. Falava de um urso que fazia várias pinturas em telas. Durante a história, mostravam várias coisas coloridas que Piteco havia feito: borboleta, sol, arco-íris dentre outras. Após a história, as professoras pediram que as crianças fizessem desenhos coloridos como os de Piteco. Então, uma das professoras falou: “ Mas que cor que não é para usar?” As crianças responderam em coro: “Preeto.” “Isso mesmo” falou a professora. Comecei a circular nas mesas e observar os desenhos das crianças, nenhuma delas pegou a cor preta para desenhar e havia lápis preto em todas as mesas. Pareceu-me que este é um combinado antigo, pois as crianças já sabiam que não deveriam usar esta cor. (Diário de Campo 15/04/2009).

Nesse episódio, fica claro que as crianças não “deveriam” optar pela cor preta para colorirem seus desenhos, e que elas já sabiam disso, mesmo antes de a professora falar. Nesse sentido, cabe-me questionar: Por que é errado usar a cor preta?

É importante ressaltar que a cor preta não está diretamente relacionada com a diversidade étnico-racial, mas de que maneira as crianças afro-descendentes irão interpretar essas atitudes da educadora? Durante o andamento da atividade citada, ocorreu um fato que me oportunizou refletir sobre isso:

Henri12 (afro-descendente) fez um desenho e me chamou para ver, disse: “Oh é o meu pai!” Falei: “Ah, que bonito o seu pai, que cor é essa que você desenhou ele?” Ele respondeu: “ Eu desenhei azul, só que o meu pai é preto, mas ele gosta de roupa azul.” Mariana (afro-descendente) que estava sentada ao seu lado falou: “Desenhei minha mãe de rosa, só que ela é preta (continuou em tom de cochicho) só que preto não pode. Agora eu vou te desenhar, que cor tu qué, por que o branco não aparece?” Falei: “E que cor eu sou Mariana? Você acha que eu sou branca?” Ela responde: “É!” Então peguei o lápis branco e o lápis amarelo escuro coloquei perto do meu braço e perguntei: “ Qual você acha que é mais parecido com a minha pele?” Ela respondeu: “ É esse.” Apontando para o amarelo. Então disse a

12 Os nomes que utilizei para me referir às crianças são todos fictícios.

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ela: “Quero que você me desenhe com esse então.” Sendo assim, Mariana me desenhou com o lápis amarelo escuro. (Diário de Campo 15/04/2009).

Durante essa atividade, ficou evidente que Henri e Mariana gostariam de desenhar

seu pai e sua mãe, respectivamente, com o lápis de cor preta, porém, este não era permitido naquele momento, então eles o fizeram de outra cor. Através desse episódio, foi possível constatar que as crianças da Educação Infantil percebem sim, as diferenças raciais, e se reconhecem como pertencentes à cultura afro-descendente. Tanto que Mariana me reconheceu como diferente no momento em que quis me desenhar com o lápis branco, parece-me que a menina já “elaborou” uma construção social de que as pessoas de outras etnias são as pessoas ditas brancas, pois me disse que o lápis branco não apareceria, e, dessa forma, julgava-me como uma pessoa branca, porém, após a mediação que fiz com o lápis amarelo, ela percebeu que, na verdade, eu era mais parecida com o amarelo do que com o branco.

Em situações como essas, as crianças interiorizam e relacionam a cor preta à sua negritude, à negritude de seus pais. Atitudes como essas, da professora, acabam mediando a lógica construída socialmente de que o preto, o escuro, estão sempre relacionados ao mal, ao feio. O que muitas vezes gera nas crianças uma repulsa à sua identidade étnico-racial. Para Rosemberg (1985, apud, SILVA, 2005), muitas vezes “a cor negra” aparece associada a personagens maus, o negro acaba relacionado à sujeira, tragédia, maldade, e a criança que internaliza essa representação negativa tende a não gostar de si própria e dos outros que têm as mesmas características.

Para Nilma Lino Gomes (2003), a Instituição Educacional tem se tornado um espaço onde as representações desqualificadoras sobre os negros têm sido muito difundidas, e por isso deve também ser o lugar da superação das mesmas. No entanto, é tarefa do(a) educador(a) compreender os diferentes povos ou etnias, suas classificações históricas e de que maneira isso interfere na auto-estima dos(as) educandos(as), para, a partir daí, entender o conjunto de representações sobre o negro existente na sociedade e na escola, e destacar as representações qualificadoras construídas politicamente pelos movimentos e comunidades negras. Nesse sentido, é imprescindível que os educadores busquem subsídios, em uma formação constante que possam atender às necessidades das crianças.

Foi possível perceber, no decorrer da pesquisa, que as crianças afro-descendentes do grupo observado, criaram entre si um vínculo afetivo que as permitem brincar com uma intimidade maior, do que quando se relacionam com as crianças de outras etnias. Elas sempre buscam estar aos pares, e, dessa forma, criam uma identidade de grupo, ou seja, elas têm uma maneira própria de brincar, na qual parecem ter uma cumplicidade:

Mariana (afro-descendente) e Henri (afro-descendente) começam a brincar juntos, brincam de mamãe e papai, Graziela (afro-descendente) tenta entrar na brincadeira, dizendo a Mariana: “Eu vou arrumar seus cabelos”. Mariana chama Henri para perto dela e diz bem baixinho: “Henri vamo brinca de casamento?” Parecem sentirem-se envergonhados quando percebem que estou por perto, então Mariana me olha e diz: “Tu não escuta tá?” Respondi que não estava escutando. Os dois dão os braços como se estivessem casando e saem. Pegam uma boneca loira de olhos azuis e colocam dentro da blusa de Mariana. Eles voltam e ela diz a Graziela: “Agora tou grávida, vai nascer!” Se deita no colchonete abre as pernas e faz força para o bebê sair, Graziela faz o parto e diz: “Nasceu!” Mariana diz: “É a cara do pai!” E entrega a boneca para Henri, ele pega a boneca nos braços e fica olhando. Então pergunto a ele: “Henri ela é a carinha do pai?” Ele me responde: “Não é, não! Olha aqui. ” E aponta para olho da boneca passando a mão nos cabelos. Então Mariana diz: “É só de brincadeirinha, Henri.” Continuam a brincadeira. Henri ficou muito tempo brincando com a

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boneca nos braços. Rezou com ela, cochichando e, por fim, disse: “Boa noite meu Deus.” E fez a boneca dormir. (Diário de Campo 13/04/2009).

Observei que durante essa brincadeira com a boneca loira, as crianças mostraram que conheciam sua identidade e negritude, pois reconheciam a boneca como diferente delas. Dessa forma, esse episódio traz à tona uma discussão que corrobora a idéia de que as crianças conhecem sim, as diferenças étnico-raciais existentes na sociedade. E evidencia que as crianças afro-descendentes estabeleceram uma cumplicidade que as torna muito próximas.

No entanto, há neste grupo, uma outra criança afro-descendente que em muitos momentos está distante do grupo, o que me trouxe questionamentos. Será que esse distanciamento é uma preferência sua ou uma segregação do grupo, devido ao seu pertencimento étnico racial? É importante que desde a Educação Infantil a diversidade racial seja problematizada com as crianças, pois assim as crianças afro-descendentes terão a oportunidade de reconhecer sua negritude em um espaço educativo que também humaniza, assim como as crianças de outras etnias terão a possibilidade de conhecer a cultura afro-descente e desconstruir estigmas a respeito dos cidadãos negros.

Neste grupo, há interação entre as crianças afro-descendentes e as crianças de outras etnias, porém, as crianças afro-descendentes, relacionam-se com mais frequência com seus pares, do que com as crianças de outras etnias. Constatei que entre as crianças não há uma discriminação visível com relação às crianças afro-descendentes, entretanto, há a prática oculta, ou seja, não se fala sobre as questões raciais, mas, muitas vezes, revelam-se atitudes discriminatórias durante as brincadeiras.

Concordo com Louro (1997, apud, BOTEGA, 2006, p.88), quando ressalta a importância de “percebemos os ‘não ditos’ no espaço escolar, já que, muitas vezes não dizer significa manter e garantir a norma, por isso, é fundamental prestarmos atenção e cuidado naquilo que dizemos, ou que não dizemos[...]” Ou seja, muitas vezes, o “não dito” também revela atitudes discriminatórias, isso se torna evidente quando:

Aproximo-me de Jonatan (afro-descendente) e percebo que ele brinca sozinho com um carro e uma pista. Então Camila se aproxima e tenta convencer Jonatan a ceder a pista para ela brincar, ele diz: “Não, eu quero brincar também.” Mas Camila diz: “Então cê brinca com o carro e eu com a pista.” Jonatan acaba aceitando. Camila chama Gilson para brincar com ela, mas ele estava com um carro bem pequeno e tenta pegar o carro de Jonatan, que segundo eles é o carro “baita”. Jonatan diz: “É só um pouquinho.” E cede o carro também. Camila e Gilson começam a brincar juntos e não deixam mais Jonatan brincar, o garoto desiste e vai procurar outro brinquedo.(Diário de Campo 13/04/2009).

Nesse episódio é possível perceber que Camila queria brincar com os brinquedos

de Jonatan, mas fica claro que não desejava brincar com ele. O garoto tenta resistir, porém acaba cedendo todos os brinquedos para Camila e Gilson, que iniciam uma brincadeira juntos e não permitem que Jonatan participe. Sendo assim, cabe-me perguntar: Por que Jonatan cedeu os brinquedos, se ele gostaria de continuar brincando com eles? Por que Camila e Gilson não permitiram que Jonatan continuasse brincando junto? O que está implícito nessa relação?

Borba (2006, p.14), diz que durante esses movimentos de conflitos das crianças,

[…] ainda que tenha sobressaído o investimento das crianças na negociação de conflitos para garantir o processo interativo do brincar, também se revelaram hierarquias e relações de poder entre elas, as quais lhes conferem

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autoridade para definir quem pode ou não participar de determinadas brincadeiras.

A autora ressalta que as crianças fazem uso de princípios para classificar os

membros do grupo com os quais elas querem brincar, e seus respectivos lugares durante as brincadeiras. Esses princípios são: bonito, feio, menino, menina, legal, chato dentre outros. Dessa forma, as relações de poder, prestígio e estatuto social, também estão presentes no cotidiano das crianças, o que as faz mobilizarem um complexo conjunto de estratégias para lidar com essas relações, a fim de ter uma participação social durante as brincadeiras.

Durante os dias que estive em campo, pude observar que, apesar da quantidade pequena de brinquedos existentes na Creche, as crianças brincavam muito. Constatei também, que não havia nenhuma boneca negra, nem livros, brinquedos, imagens, adereços que favorecessem o “reconhecimento” do pertencimento étnico-racial dessas crianças. Por exemplo, só existiam bonecas “brancas” com os olhos claros, com as quais as crianças negras brincavam muito. Por esse motivo, resolvi levar uma boneca negra para o grupo de crianças. Neste curto período de tempo, não observei que as crianças tivessem se sentido atraídas por essa boneca. Porém, a presença dessa boneca negra, na sala, pôde contribuir muito para o autoconceito das crianças negras, bem como, para quebrar os estigmas e preconceitos existentes em relação ao negro, ou seja, para quebrar o silêncio existente em torno da questão racial.

Considerações Finais

Vale ressaltar que os dados obtidos através das observações servem para problematizar a realidade das crianças afro-descendentes nas Instituições de Educação Infantil. Visto que a pesquisa foi realizada apenas sob a realidade de um grupo de crianças de uma Instituição da Grande Florianópolis, e não pode ser vista como uma verdade pronta, mas deve servir para que os(as) educadores(as) repensem suas práticas, direcionando-as para as questões relacionadas à diversidade racial.

Dessa forma, o caminho percorrido na elaboração desta pesquisa me permite concluir que as relações estabelecidas no cotidiano da Educação Infantil a respeito das diferenças étnicas são pautadas no silenciamento das educadoras, frente à questão racial, o que resulta na invisibilidade das crianças afro-descendentes. As crianças revelam que reconhecem as diferenças e estabelecem um vínculo entre seus pares, estabelecendo uma relação de cumplicidade. Já, as crianças de outras etnias, não costumam estigmatizar através de estereótipos as crianças afro-descendentes - pelo menos não ficou visível nos momentos de observações – mas, de certa maneira, evidenciam, durante as brincadeiras, uma relação de conflitos na disputa por brinquedos, à qual tentam se sobressair em relação a uma das crianças negras.

Ao chegar à etapa de finalização desta pesquisa é possível dizer que ela me suscitou muito mais questionamentos do que eu tinha ao iniciá-la, promovendo novos conhecimentos, e novas dúvidas que requerem outras pesquisas. O tema da diversidade étnico-racial ainda tem muitas questões a serem debatidas até que os cidadãos afro-descendentes sejam de fato reconhecidos e respeitados. Para tanto, é necessário que sejam desenvolvidas pesquisas que discutam este tema e dêem visibilidades aos afro-descendentes. Nesse sentido, posso indicar que seja de grande valia uma pesquisa que tenha como foco os(as) educadores(as), ou seja, que aborde o que as educadoras pensam sobre a diversidade étnico-racial. Outro fator interessante é ressaltado por Nilma Lino Gomes (2005), ao apontar que a maioria da população que frequenta a Educação de Jovens e Adultos (E.J.A.), atualmente, são negros. Então, cabe-me questionar: Por que

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isso ocorre? Será devido à segregação que existe em relação às crianças afro-descendentes no Nível Fundamental? Será que essas crianças evadem da escola e retornam, posteriormente para a E.J.A.? Está é uma outra possibilidade de investigação a ser feita com relação à diversidade étnico racial.

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13. ANEXOS

DECLARAÇÃO DECLARAMOS para os devidos fins que o artigo intitulado: “DESENHEI MINHA MÃE DE ROSA, SÓ QUE ELA É PRETA, SÓ QUE PRETO NÃO PODE”: Algumas discussões sobre a diversidade étnico-racial na Educação Infantil, resultante do Trabalho de Conclusão do Curso (TCC) de Pedagogia do Centro Universitário Municipal de São José – USJ de autoria de: Gláucia de Souza Corrêa, foi devidamente revisado por um profissional da Língua Portuguesa, assim como a tradução do resumo foi revisada por um profissional com domínio da Língua Inglesa.

São José, 03 de agosto de 2009.

____________________________________ Nome do acadêmico