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Descrição da morfologia externa de uma nova espécie do grupo repleta de Drosophila (Diptera, Drosophilidae) João Pedro Junges dos Santos 1 e Marco Silva Gottschalk 2 1 Acadêmico do Curso de Ciências Biológicas – UNEMAT, Campus de Tangará da Serra 2 Departamento de Ciências Biológicas – UNEMAT, Campus de Tangará da Serra Resumo Com a necessidade de preservarmos a biodiversidade brasileira, surge também a demanda de estudos taxonômicos que listem e descrevam nossa fauna. Dentre os organismos que mais necessitam de estudos estão os membros da Ordem Diptera devido à quantidade de espécies existentes, mais de 100 mil descritas. A Família Drosophilidae possui aproximadamente 800 espécies neotropicais, sendo que há estimativas de que foram descritas apenas 50% das espécies existentes. Assim, o presente trabalho busca descrever a morfologia externa de uma espécie de Drosophila neotropical. Para tal, dez machos e dez fêmeas foram descritos quanto ao padrão de coloração e chaetotaxia. Por possuírem manchas na base de cada cerda do tórax e as asas não possuírem manchas em suas veias transversais, esta espécie deve pertencer ao grupo repleta, um grupo de origem neotropical bastante diverso de Drosophila. Dentre as espécies do grupo, a espécie aqui descrita parece relacionar-se com D. zottii e D. eleonorae, pelo padrão bem definido de manchas bastante espaçadas umas das outras. Introdução Há uma grande necessidade do melhor conhecimento da entomofauna brasileira e, neste processo, a taxonomia possui um papel fundamental, uma vez que é a partir do conhecimento e da descrição de novas espécies que se torna possível o desenvolvimento de outros estudos. Assim, a taxonomia é a base de uma cadeia de estudos sobre a composição de espécies no Brasil que, apesar de ser uma das mais ricas do mundo, tem apenas 6,67% do total de espécies descrito (MARQUES e LAMAS, 2006). O gênero Drosophila é, atualmente, o maior da família Drosophilidae (Diptera), com quase 2000 espécies. Dentro deste gênero, o grupo repleta é o mais especioso, com 102 espécies descritas, divididas em seis subgrupos com ocorrência em ambientes naturais e alterados (GOTTSCHALK et al., 2006). O objetivo do presente estudo é descrever a morfologia externa de uma nova espécie de Drosophila pertencente ao grupo repleta. Material e Métodos Os indivíduos foram conservados em via úmida para a realização das medidas apresentadas, que foram obtidas com auxílio de um microscópio estereoscópico com ocular milimetrada. Após este procedimento, os indivíduos foram montados através de uma metodologia adaptada de Ashburner (1989), e foi realizada a descrição das características de coloração. De modo geral, as descrições seguiram as medições, índices e terminologias propostas por GRIMALDI (1987) e VILELA e BÄCHLI (1990), com algumas modificações sugeridas por VILELA e BÄCHLI (2000). Material examinado: Dez machos e dez fêmeas foram utilizados na descrição. Eles se originaram de uma linhagem estabelecida a partir de três fêmeas e dois

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Descrição da morfologia externa de uma nova espécie do grupo repleta de Drosophila (Diptera, Drosophilidae)

João Pedro Junges dos Santos1 e Marco Silva Gottschalk2

1 Acadêmico do Curso de Ciências Biológicas – UNEMAT, Campus de Tangará da Serra 2 Departamento de Ciências Biológicas – UNEMAT, Campus de Tangará da Serra

Resumo

Com a necessidade de preservarmos a biodiversidade brasileira, surge também a demanda de estudos taxonômicos que listem e descrevam nossa fauna. Dentre os organismos que mais necessitam de estudos estão os membros da Ordem Diptera devido à quantidade de espécies existentes, mais de 100 mil descritas. A Família Drosophilidae possui aproximadamente 800 espécies neotropicais, sendo que há estimativas de que foram descritas apenas 50% das espécies existentes. Assim, o presente trabalho busca descrever a morfologia externa de uma espécie de Drosophila neotropical. Para tal, dez machos e dez fêmeas foram descritos quanto ao padrão de coloração e chaetotaxia. Por possuírem manchas na base de cada cerda do tórax e as asas não possuírem manchas em suas veias transversais, esta espécie deve pertencer ao grupo repleta, um grupo de origem neotropical bastante diverso de Drosophila. Dentre as espécies do grupo, a espécie aqui descrita parece relacionar-se com D. zottii e D. eleonorae, pelo padrão bem definido de manchas bastante espaçadas umas das outras.

Introdução

Há uma grande necessidade do melhor conhecimento da entomofauna brasileira e, neste processo, a taxonomia possui um papel fundamental, uma vez que é a partir do conhecimento e da descrição de novas espécies que se torna possível o desenvolvimento de outros estudos. Assim, a taxonomia é a base de uma cadeia de estudos sobre a composição de espécies no Brasil que, apesar de ser uma das mais ricas do mundo, tem apenas 6,67% do total de espécies descrito (MARQUES e LAMAS, 2006).

O gênero Drosophila é, atualmente, o maior da família Drosophilidae (Diptera), com quase 2000 espécies. Dentro deste gênero, o grupo repleta é o mais especioso, com 102 espécies descritas, divididas em seis subgrupos com ocorrência em ambientes naturais e alterados (GOTTSCHALK et al., 2006).

O objetivo do presente estudo é descrever a morfologia externa de uma nova espécie de Drosophila pertencente ao grupo repleta.

Material e Métodos

Os indivíduos foram conservados em via úmida para a realização das medidas apresentadas, que foram obtidas com auxílio de um microscópio estereoscópico com ocular milimetrada. Após este procedimento, os indivíduos foram montados através de uma metodologia adaptada de Ashburner (1989), e foi realizada a descrição das características de coloração. De modo geral, as descrições seguiram as medições, índices e terminologias propostas por GRIMALDI (1987) e VILELA e BÄCHLI (1990), com algumas modificações sugeridas por VILELA e BÄCHLI (2000).

Material examinado: Dez machos e dez fêmeas foram utilizados na descrição. Eles se originaram de uma linhagem estabelecida a partir de três fêmeas e dois

Page 2: Descrição da morfologia externa de uma nova espécie do ... · Descrição da morfologia externa de uma nova espécie do grupo repleta de Drosophila (Diptera, Drosophilidae) João

machos que emergiram de frutos de Campomanesia sp. (Myrtaceae), coletados no Morro da Lagoa da Conceição (27°35’268”S; 48°28’329”W), município de Florianópolis, Ilha de Santa Catarina, Estado de Santa Catarina, Brasil, em 07 de março de 2005.

Resultados

Cabeça castanho-escura. Largura da cabeça = 1,09 – 1,26 mm ♂; 1,09 – 1,24 mm. Fronte castanho-escura e fosca, com a região anterior e lateral (próximo às placas frontorbitais) escurecidas. Largura da região anterior da fronte = 0,39 – 0,47 mm ♂; 0,39 – 0,47 mm ♀. Largura da região posterior da fronte = 0,47 – 0,62 mm ♂; 0,47 – 0,62 mm ♀. Comprimento da fronte = 0,36 – 0,79 mm ♂; 0,39 – 0,48 mm ♀. Placas frontorbitais cinzas e foscas, escurecidas em suas margens. Cerdas anteriores reclinadas localizadas atrás das cerdas proclinadas anteriores. Distância da cerda orbital proclinada para a cerda anterior reclinada = 0,03 mm ♂; 0,03 – 0,06 mm ♀. Distância da cerda orbital anterior para a cerda posterior reclinada = 0,08 – 0,12 mm ♂; 0,08 – 0,14 mm ♀. Razão da orbital anterior proclinada pela anterior reclinada = 2,00 – 6,00 ♂; 2,00 – 3,00 ♀. Razão da orbital anterior reclinada pela posterior reclinada = 0,29 – 0,73 ♂; 0,29 – 0,53 ♀. Triângulo ocelar cinza-escuro e fosco, alcançando 22% - 43% do comprimento da fronte nos machos, e 33% - 40% do comprimento da fronte nas fêmeas. Pós-verticais longas e convergentes, cruzando na extremidade. Face castanho-escura. Carina da face proeminente e sulcada. Antenas, probóscide, palpos e bochechas castanho-escuras. Terceiro segmento da antena piloso. Palpos claviformes, com cinco cerdas apicais, duas delas mais proeminentes; região ventral com pilosidade. Olhos vermelho-amarronzados, pilosos. Duas vibrissas proeminentes; terceira vibrissa tão longa quanto a segunda, sendo mais delgada. Índice vibrissal = 0,33 – 0,77 ♂; 0,30 – 0,67 ♀. Índice da gena = 4,00 – 4,67 ♂; 3,82 – 5,13 ♀. Índice do olho = 1,13 – 1,38 ♂; 1,18 – 1,50 ♀. Arista castanha, com cinco ramos dorsais, duas ventrais e a forquilha terminal.

Tórax castanho e fosco, com manchas marrons individuais na base de cada cerda do noto; podendo haver, na região central do noto, uma faixa marrom longitudinal alargada posteriormente. Comprimento = 1,40 – 1,53 mm ♂; 1,27 – 1,63 mm. Largura próximo ao primeiro par de cerdas dorsocentrais = 0,93 – 1,10 mm ♂; 0,93 – 1,09 mm. Oito fileiras irregulares de cerdas acrosticais. Duas cerdas pré-escutelares. Razão entre a distância entre as dorsocentrais posteriores e a distância entre as anteriores e posteriores = 1,35 – 2,64 ♂; 2,07 – 2,60 ♀. Índice DC = 0,65 – 0,86 ♂; 0,67 – 0,81 ♀. Escutelo castanho e fosco, possuindo em sua região central e anterior uma mancha longitudinal que se estreita posteriormente até alcançar a margem, se estendendo também lateralmente na região anterior até a margem; há uma mancha marrom próximo à região da inserção do primeiro par de cerdas escutelares. Cerdas escutelares anteriores convergentes. Índice de posição das escutelares = 0,41 – 1,00 ♂; 0,67 – 0,94 ♀. Índice do escutelo = 0,78 – 1,00 ♂; 0,72 – 1,00 ♀. Três cerdas esternopleurais proeminentes. Razão entre a esternopleurais anterior e posterior = 0,67 – 0,95 ♂; 0,70 – 0,87 ♀. Pleura castanha, sem manchas diferenciadas. Halteres castanhos. Trocanter, coxa, fêmur, tíbia e tarso castanhos.

Asas acastanhadas e sem manchas. Segunda quebra da veia costal com lappet levemente proeminente Comprimento = 2,50 – 2,87 mm ♂; 2,81 – 3,02 mm. Razão entre o comprimento e a largura = 1,89 – 2,24 ♂; 1,95 – 2,28 ♀. Índice Costal = 3,03 – 4,17 ♂; 2,95 – 4,20 ♀. Índice da 4a veia = 1,33 – 1,82 ♂; 1,56 – 1,80 ♀. Índice 5x = 1,00 – 1,56 ♂; 1,10 – 1,44 ♀. Índice 4c = 0,61 – 0,87 ♂; 0,74 – 0,84 ♀.

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Índice M = 0,42 – 0,57 ♂; 0,44 – 0,57 ♀. Terceira secção da veia costal com cerdas proeminentes = 0,49 – 0,57 ♂; 0,54 – 0,80 ♀. Prox. x = 0,50 – 0,68 ♂; 0,60 – 0,70 ♀.

Abdômen castanho; primeiro tergito castanho; tergitos II-V em machos e II-VI em fêmeas castanhos, com manchas marrons marginais posteriores, alargadas e interrompidas medianamente, podendo estender-se até o tergito anterior, e alargando-se também nas regiões laterais do tergo; último tergito praticamente todo marrom.

Comprimento do corpo = 2,56 – 3,20 mm ♂; 2,88 – 3,30 mm ♀.

Discussão O grupo repleta abriga espécies de Drosophila Neotropicais que possuem

manchas no tórax. Entretanto, este não é o único grupo com esta característica, os membros dos grupos annulimana e peruensis também têm o tórax pintado. Entretanto, estes grupos diferem do grupo repleta pela morfologia da asa e da genitália masculina. Quanto a asa, os grupos annulimana e peruensis possuem manchas nas veias transversais (r-m e dm-Cu), e o primeiro grupo possui ainda as veias R2+3 e R4+5 convergentes.

A espécie descrita nesta ocasião não compartilha nenhuma das características citadas com as espécies dos grupos annulimana e peruensis, sendo então enquadrada no grupo repleta. Ainda, esta espécie assemelha-se muito com D. zottii Vilela 1983, devido à disposição das manchas no tórax e pelo padrão de pigmentação do abdômen, entretanto difere da mesma pelo valor do índice Costal (2,9 para D. zottii) e padrão de pigmentação do abdômen, o qual não apresenta tergitos com manchas marrons se alargam na lateral do tergo (VILELA, 1983). Conclusões e Perspectivas

Os indivíduos estudados divergem das espécies descritas até o momento dentro da família Drosophilidae. Aparentemente, fazem parte do subgrupo repleta, do grupo repleta de Drosophila – subgrupo ao qual pertence também D. zottii, que parece ser a espécie descrita mais relacionada à essa.

A continuidade deste estudo será a descrição da genitália masculina da espécie, estrutura importante para a caracterização de uma nova espécie dentro da família Drosophilidae. Além disso, há a necessidade de ser realizada uma análise filogenética do subgrupo repleta, a fim de indicar a relação existente entre esta espécie e as demais já descritas. Referências ASHBURNER, M. Drosophila. A laboratory handbook. Cold Spring Harbor Laboratory Press, New York, 1331 p., 1989. GOTTSCHALK, M. S. et. al. On the geographical distribution of the Drosophila subgenus in southern Brazil (Drosophilidae Diptera). The D. repleta species group Sturtevant 1942. Tropical Zoology, Firenze, v. 19, p. 129-139, 2006. GRIMALDI, D. A. Phylogenetics and taxonomy of Zygothrica (Diptera: Drosophilidae). Bulletin of the American Museum of Natural History, New York, v. 186, p. 103-268, 1987. MARQUES, A. C.; LAMAS, C. J. E. Taxonomia zoológica no Brasil: estado da arte, expectativas e sugestões de ações futuras. Papéis Avulsos de Zoologia, São Paulo, v. 46, p. 139-174, 2006.

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PAVAN, C; CUNHA. A. B. Espécies Brasileiras de Drosophila. Boletim da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade De Saão Paulo, Biologia Geral, São Paulo, v. 86, n. 7, p. 20-64, 1947. RATCOV, V.; VILELA, C. R. A new Neotropical species of spot-thoraxed Drosophila (Diptera, Drosophilidae). Revista Brasileira de Entomologia, São Paulo, v. 51, n. 3, p. 305-311, 2007. TIDON R. et.al. Drosofilídeos (Diptera, Insecta) do Cerrado. In: Scariot, A.; Jeanini, F.; Silva, J. C. S. (Org.). Ecologia e Biodiversidade do Cerrado. Ministério do Meio Ambiente, Brasília, p. 337-352, 2005. VILELA, C. R.; BÄCHLI, G. Morphological and ecological notes on the two species of Drosophila belonging to the subgenus Siphlodora Patterson & Mainland, 1944 (Diptera, Drosophilidae). Mitteilungen der Schweizerischen Entomologischen Gesellschaft, Lausanne, v. 73, p. 23-47, 2000. VILELA, C. R.; BÄCHLI, G. Taxonomic studies on Neotropical species of seven genera of Drosophilidae (Diptera). Mitteilungen der Schweizerischen Entomologischen Gesellschaft, Lausanne, v. 63 (supplement), p. 1-332, 1990.