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Descrição literária. O autor de uma descrição literária tenta demonstrar o objeto de tal forma que desperte emoção no leitor (isto é, a mesma emoção que o descritor sentira ao realizar certo texto descritivo). Para se conseguir descrever, é essencial: - observar não só com os olhos, mas também usando os demais órgãos dos sentidos. O bom autor deve aguçar sua capacidade de observação, a fim de apreender o âmago do que se quer descrever. Descrever é, pois, mais do que um simples retrato. E, ainda, independe de estar em contato com certa realidade, pois o ser humano é dotado de criatividade, memória, imaginação... - Foco descritivo é o modo pessoal de perceber uma realidade. O autor enfoca um ângulo que mais condiz com a sua sensibilidade. - Seleção é o momento da análise e da valorização dos elementos. Alguns dados são deixados de lado, selecionam-se os mais importantes para o autor; interpreta-se o que se quer ressaltar (um gesto, um olhar, uma roupa...). - Plano é o momento em que se ordena o que é principal e o que é secundário. O autor deve destacar aquilo que é mais importante, segundo o seu ponto de vista. A descrição pode ser impresssionista ou expressionista. Descrição impressionista é aquela que possui caráter subjetivo: o que interessa é a impressão que a realidade causa no autor. É o resultado do conhecimento imediato, sem reflexão. Por exemplo: O trem não corre junto aos postes; são os postes que correm junto à janela do vagão. Maçã Por um lado te vejo como um seio murcho Pelo outro como um ventre de cujo umbigo pende ainda o cordão placentário Dentro de ti em pequenas pevides Palpita a vida prodigiosa Infinitamente És vermelha como o amor divino E quedas tão simples Ao lado de um talher. (Manuel Bandeira) Descrição expressionista contém caráter objetivo, reproduz a realidade captada pelos sentidos e analisada pelo raciocínio. Por exemplo: Gratificação de cem mil réis. Fugiu há um mês o escravo seguinte: Filipe, 35 anos, mais ou menos, mulato claro, meio acaboclado, cabelos corridos, um pouco crespos, fala compassada, bigode e barba no queixo, alto e magro, diz que sofre do peito. Desconfia-se que anda lá pelos lados da Vila de Cruzeiro. (“Gazeta da Bocaina”, 1884) Em se tratando de recursos de expressão, é prescindível o uso de vocabulário exuberante e requintado. Qualquer conjunto de palavras pode revelar-se original, desde que se disponha de alguma imaginação para associação de idéias e sua expressão em linguagem figurada, sobretudo metáforas e metonímias. Verifique-se o exemplo colocado a seguir: O caminho para além da ponte alteava entre campos ceifados. As medas lourejavam, pesadas e cheias, por aquele ano de fartura. Ao longe dos telhados baixos dum vilarejo, vagarosos fumos subiam, logo desfeitos no radiante céu. (...) Uma revoada de perdizes ergueu o voo de entre o restolho. (...) Em breve, o caminho torceu, costeando um souto de sobreiros, depois cavado entre silvados com largos pedregulhos aflorando na poeira; e ao fundo o sol faiscava sobre a cal fresca

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Descrição literária.

O autor de uma descrição literária tenta demonstrar o objeto de tal forma que desperte emoção no leitor (isto é, a mesma emoção que o descritor sentira ao realizar certo texto descritivo). Para se conseguir descrever, é essencial: - observar não só com os olhos, mas também usando os demais órgãos dos sentidos. O bom autor deve aguçar sua capacidade de observação, a fim de apreender o âmago do que se quer descrever. Descrever é, pois, mais do que um simples retrato. E, ainda, independe de estar em contato com certa realidade, pois o ser humano é dotado de criatividade, memória, imaginação... - Foco descritivo é o modo pessoal de perceber uma realidade. O autor enfoca um ângulo que

mais condiz com a sua sensibilidade. - Seleção é o momento da análise e da valorização dos elementos. Alguns dados são deixados de lado, selecionam-se os mais importantes para o autor; interpreta-se o que se quer ressaltar (um gesto, um olhar, uma roupa...). - Plano é o momento em que se ordena o que é principal e o que é secundário. O autor deve destacar aquilo que é mais importante, segundo o seu ponto de vista.

A descrição pode ser impresssionista ou expressionista. Descrição impressionista é aquela que possui caráter subjetivo: o que interessa é a impressão que a realidade causa no autor. É o resultado do conhecimento imediato, sem reflexão. Por exemplo:

O trem não corre junto aos postes; são os postes que correm junto à janela do vagão.

Maçã Por um lado te vejo como um seio murcho Pelo outro como um ventre de cujo umbigo pende ainda o cordão placentário

Dentro de ti em pequenas pevides Palpita a vida prodigiosa Infinitamente És vermelha como o amor divino E quedas tão simples Ao lado de um talher. (Manuel Bandeira)

Descrição expressionista contém caráter objetivo, reproduz a realidade captada pelos sentidos e analisada pelo raciocínio. Por exemplo:

Gratificação de cem mil réis. Fugiu há um mês o escravo seguinte: Filipe, 35 anos, mais ou menos, mulato claro, meio acaboclado, cabelos corridos, um pouco crespos, fala compassada, bigode e barba no queixo, alto e magro, diz que sofre do peito. Desconfia-se que anda lá pelos lados da Vila de Cruzeiro.

(“Gazeta da Bocaina”, 1884)

Em se tratando de recursos de expressão, é prescindível o uso de vocabulário exuberante e requintado. Qualquer conjunto de palavras pode revelar-se original, desde que se disponha de alguma imaginação para associação de idéias e sua expressão em linguagem figurada, sobretudo metáforas e metonímias. Verifique-se o exemplo colocado a seguir:

O caminho para além da ponte alteava entre campos ceifados. As medas lourejavam, pesadas e cheias, por aquele ano de fartura. Ao longe dos telhados baixos dum vilarejo, vagarosos fumos subiam, logo desfeitos no radiante céu. (...) Uma revoada de perdizes ergueu o voo de entre o restolho. (...) Em breve, o caminho torceu, costeando um souto de sobreiros, depois cavado entre silvados com largos pedregulhos aflorando na poeira; e ao fundo o sol faiscava sobre a cal fresca

de uma parede. Era uma casa térrea, com porta baixa entre duas janelas envidraçadas, remendos

novos no telhado. (Eça de Queirós) No trecho, não há nenhum traço supérfluo. Todos os elementos concorrem para propiciar imagens vivas, sem que o estilo seja rebuscado, ou sem que o vocabulário seja precioso. Eça de Queirós, com maestria, transmite uma impressão dominante e peculiar.

Descrição de personagens.

A caracterização de personagens pode transmitir aparência física, gestos, atitudes, comportamento e ideias. Pode aparecer em um único parágrafo.

Verifiquem-se os dois exemplos, que contêm descrições bem diferentes:

As chamadas baianas não usavam de vestidos; traziam somente umas saias presas à cintura, e

que chegavam pouco abaixo da perna, todas elas ornadas de magníficas rendas; da cintura para cima apenas traziam uma finíssima camisa, cuja gola e manga eram também ornadas de renda; ao pescoço, punham um cordão de ouro, um colar de corais, os mais pobres eram de miçangas; ornavam a cabeça com uma espécie de turbante a que davam o nome de trunfas, formado por grande laço branco muito teso e engomado; calçavam umas chinelas de salto alto e tão pequenas que apenas continham os dedos dos pés... (Manuel Antônio de Almeida)

...os gestos, calmos, soberanos, eram de rei - autocrata excelso dos silabários: a pausa hierática do andar deixava sentir o esforço, a cada passo, que ele fazia para levar adiante, de empurrão, o progresso do ensino público; o olhar fulgurante, sob a crispação áspera dos supercílios de monstro japonês, penetrando de luz as almas circunstantes - era a educação da inteligência; o queixo, severamente escanhoado de orelha a orelha, lembrava a lisura das consciências limpas - era a educação moral. A própria estatura, na imobilidade do gesto, na mudez do vulto, a simples estatura dizia dele: aqui está um grande homem, não veem os côvados de Golias? (Raul

Pompéia) Manuel Antônio de Almeida descreve os trajes da baiana, enumera todos os pormenores, enquanto Raul Pompéia retrata a personagem Aristarco – por meio dos traços físicos, delineia os caracteres psicológicos. Em Memórias de um sargento de milícias, o autor reproduz o que viu - descrição expressionista; em O Ateneu, o autor retrata o que quis ver ou lhe pareceu ter visto - descrição impressionista. O impressionismo refere-se ao motivo ou estímulo ocasional; o expressionismo reporta-se ao mundo exterior.

Retrato. Chama-se retrato a descrição físico-psicológica de um determinado tipo ou pessoa. Pode-se fazê-lo de forma caricatural, empregando humor e ironia; ou pode-se realizá-lo utilizando a emoção, as lembranças, aquilo que parece ser mais marcante e interessante.

Ele entrava calmamente na sala. Fechava a porta, dirigia um boa noite aos alunos e sentava-se à mesa. Todos o olhavam, enquanto só se ouvia o silêncio. Vestia-se de maneira clássica: costume e gravata de cores sóbrias, camisa branca, sapato social sempre bem engraxado. Possuía poucos cabelos, seus olhos escondiam-se atrás dos óculos, seu rosto revelava força de caráter. Sua voz límpida e clara era usada para ditar a matéria. Magnetizava a todos graças aos conhecimentos profundos que buscava transmitir e graças à beleza interior que fortalecia a todos. Era o mestre de

sapiência e humanidade.

Ela é uma grande pessoa, pelo menos a maior que vi até hoje. Demasiadamente gorda, minha vizinha é inimiga das balanças e dos regimes. Cabelos claros e tintos, olhos arregalados, boca enorme, rosto redondo, nariz pequeno, braços e pernas compridos, tudo são características dessa mulher tão popular no meu bairro. Nenhum estetoscópio é tão potente como os seus ouvidos, e um telescópio perde fácil para a sua visão. Dona da verdade, conselheira matrimonial, guia espiritual e até exorcista, estas são apenas algumas de suas maiores qualidades. (Sidnei Fernandes Lima)

Descrição de paisagem.

Na descrição de paisagem, também deve haver seleção dos dados, com exposição dos aspectos mais importantes de certa paisagem. Observe-se o trecho escrito por José de Alencar, que se revela paisagista exemplar: sua descrição é viva, pessoal, afetiva, uma vez que o narrador aparece como alguém que está contagiado pelo encanto da natureza, alguém que está integrado a ela.

Aí (três ou quatro léguas acima de sua foz), o Paquequer lança-se rápido sobre o seu leito e atravessa as florestas como o tapir, espumento, deixando o pelo esparso pelas pontas do rochedo e enchendo a solidão com o estampido de sua carreira. De repente, falta-lhe espaço, foge-lhe a terra; o soberbo rio recua um momento para concentrar suas forças e precipita-se de um só arremesso,

como o tigre sobre a presa. Depois, fatigado do esforço supremo, estende-se sobre a terra e adormece numa linda bacia que a natureza formou e onde o recebe como em leito de noiva, sob cortinas de trepadeiras e flores agrestes.

Verifica-se que a descrição é tão animada que o rio Paquequer parece comportar-se como ser vivo e atuante, graças aos recursos estilísticos usados (ritmo e fluência da frase, comparações expressivas, atmosfera poética...). Tome-se outro exemplo:

Vista do alto parece uma flor gigante que está envolvida por fitas cinzas: as ruas. A água da fonte brinca com as pedras coloridas do fundo, que, ao refletir a luz do sol, explode em raios vivos ofuscando os olhos. O perfume das flores e da grama molhada deixa no ar uma sensação de primavera que faz nascer novamente a criança em nossos corações. Os pássaros, a sirene da escola, o sino, a meninada acordam ao mesmo tempo e fazem do silêncio da manhã um alvoroço festivo. Quando chega a noite e as aves se recolhem às copas das árvores; as crianças, ao aconchego do lar; e toda a cidade adormece; então, a praça também descansa e se banha no sereno da madrugada. (Valquíria de Carvalho)

Trata-se de uma descrição impressionista, em que a sensibilidade da autora apresenta detalhes emocionantes. Eles fundem-se à natureza e criam imagens inusitadas e belas.

Descrição de ambiente (interior).

Para se fazer uma descrição de boa qualidade, em primeiro lugar, devem ser apresentados apenas os traços distintivos e típicos de um determinado ambiente. Essa qualidade aparece na escritura de Eça de Queirós (A cidade e as serras), como se verifica no exemplo:

Mas na sala imensa, onde tanto filosofáramos considerando as estrelas, Jacinto arranjara um centro de repouso e de estudo - e desenrolara essa “grandeza” que impressionava o Severo. As cadeiras de verga da Madeira, amplas e de braços, ofereciam o conforto de almofadinhas de chita. Sobre a mesa enorme de pau branco, carpinteirada em Tormes, admirei um candeeiro de metal de três bicos, um tinteiro de frade armado de penas de pato, um vaso de capela transbordando de cravos. Entre duas janelas, uma cômoda antiga, embutida, com ferragens lavradas, recebera sobre o mármore rosado o devoto peso de um Presépio...