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DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA TRADICIONAL E INVERTIDA
A desconsideração da personalidade jurídica foi criada, inicialmente pela doutrina estrangeira
como teoria, para evitar fraudes e abusos de direito nas atividades negociais. Esta situação
excepcional e neste estudo tratada como primeira hipótese deve ser aplicada nos casos em que
houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, ato ilícito ou violação dos estatutos.
No Brasil, há previsão legal sobre o assunto. A matéria no campo do Direito Civil (Teoria Maior)
está prevista no artigo 50 do Código Civil, bem como no artigo 28 do Código do Consumidor (Teoria
Menor).
Fato é que diante da incomunicabilidade entre a pessoa física (sócio) e a jurídica (sociedade), os
sócios, por vezes, cometem atos imorais e até ilícitos, amparados pela certeza da impunidade.
Esse é o desafio: permitir a retirada do véu que separa o sócio da sociedade fazendo com que
responda pelas obrigações assumidas em nome da empresa, quando verificada a utilização da
personalidade jurídica com intuito fraudulento.
Quando há a certeza do abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou
pela confusão patrimonial, sócios e/ou administradores, poderão responder com seus bens
pessoais.
A desconsideração da personalidade jurídica não tem por objetivo tornar nula a personificação da
sociedade, mas sim - em caráter de exceção e atendidos os requisitos legais - inoperante por
determinado tempo com o fim de praticar atos constritivos sobre o patrimônio dos sócios.
A dissolução irregular, por exemplo, dá ensejo à aplicação da desconsideração da personalidade
jurídica, pois se vislumbra claramente o intuito fraudulento da utilização da sociedade. Inclusive,
presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal
sem comunicar aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o
sócio administrador.
O juiz pode julgar ineficaz a personificação societária, sempre que usada com abuso de direito, para
fraudar a lei ou prejudicar terceiros.
Há projetos de um novo Código Comercial nas duas casas do Legislativo. Acredita-se que este
assunto seja aperfeiçoado, posto que inserido no novo texto, verbis: “Em caso de fraude perpetrada
por meio da autonomia patrimonial da sociedade empresária, o juiz poderá ignorar a personalidade
jurídica própria desta para imputar a responsabilidade ao sócio ou administrador. A confusão
patrimonial ou o desvio de finalidade importam a presunção relativa de fraude”.
Por outro lado, e agora já abordando uma segunda hipótese, a jurisprudência, em estágio mais
avançado do que a legislação, já admite outra situação, qual seja, a desconsideração invertida da
personalidade jurídica. Isto ocorre quando: (i) o credor de um determinado sócio visa alcançar o
patrimônio da sociedade ou (ii) o credor de determinada empresa pretende alcançar o patrimônio
de outra pessoa jurídica que componha o mesmo grupo de sociedades sob o mesmo controle e com
estrutura meramente formal, o que ocorre quando diversas pessoas jurídicas do grupo exercem
suas atividades sob unidade gerencial, laboral e patrimonial. Também nestes casos se aplica, porém
de forma inversa, a disregard of entity, uma vez que esteja devidamente provada a confusão de
patrimônio, fraudes, abuso de direito e má-fé com prejuízo a credores.
Esta segunda forma de aplicação, se caracteriza pelo afastamento da autonomia patrimonial da
empresa, quando, inversamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente
dita, se queira atingir a sociedade e, por óbvio, seu patrimônio.
Nas palavras da Ministra Fátima Nancy Andrighi, do STJ, “considerando-se que a finalidade da
disregard doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode
ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o
integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser
possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade
em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos
previstos na norma”.
Assim sendo, conclui-se pela existência de duas formas de aplicação da desconsideração da
personalidade jurídica. Na primeira, devedora é a empresa, e diante da ausência de bens e
comprovadas irregularidades formais, é chamado o sócio com bens particulares. Já na segunda, o
objetivo é responsabilizar uma pessoa jurídica por obrigações contraídas pelo sócio ou outra
empresa do mesmo grupo societário.
No entanto, é fundamental, em qualquer uma das duas hipóteses aqui tratadas, que não se deixe de
lado o direito a ampla defesa, de forma a evitar abusos em desfavor dos sócios, administradores ou
da própria empresa. Repudia-se que atos administrativos, especial e eventualmente praticados pelo
Fisco, procedam à desconsideração da personalidade jurídica. Casos como tais, sem o respeito ao
devido processo legal e ao amplo contraditório, mais se aproximam de sanção indireta, rechaçada
pelos Tribunais.
Outrossim, medidas cautelares assecuratórias poderão ser adotadas, para não permitir que uma
demorada fase de debates, seja manejada com o propósito de esvaziamento do patrimônio que se
visa alcançar.
Jacques Malka Y Negri, é Advogado, sócio de Malka Y Negri Advogados.
Outubro/2013.