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Desafios do Ensino Religiosonuma sociedade laicizada

Fórum Internacional de Ensino Religioso

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Colecção (Re)Pensar a Religião

Paralelamente à periódica edição da Revista Lusófona de Ciência das Religiões, o centro de Estudos de ciência das Religiões da Universidade Lusófona de humanidades e Tecnologiaspublica também uma série monográfica sobre temas da sua área de pesquisa e estudo, frutodo trabalho de investigação do seu corpo de docentes e investigadores.

• Vol. i AQuestão do Λóγος e os Discursos de Jesus na Evangelho de São João Pedro Figueiredo

• Vol. ii A Short Grammar of the Harapp –a Language José carlos de calazans

• Vol. iii Breve Instrução Cristã João calvino

• Vol. iV Baal, ADN de Deus Paulo Mendes Pinto

• Vol. V Religião & Ofensa – As Religiões e a Liberdade de Expressão Vários autores

• Vol. Vi A Bíblia e suas edições em Língua Portuguesa Vários autores

Ficha Técnica

Título: Desafios do Ensino Religioso numa sociedade laicizada

1.º Fórum internacional de Ensino Religioso

Autor: aa.Vv.

Organização: Fernando catarino Sérgio azevedo Junqueira

co-Edição: © 2016 Edições Universitárias Lusófonas

Direcção da Colecção: Paulo Mendes Pinto

Paginação e capa: Marisa Oliveira

Impressão e acabamentos: Lisboa

ISBN: 978-989-757-042-1

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Sumário

Apresentação ........................................................................................ 7

Religione, religioni, scuola pubblica: modelli, problemi e sfide dal continente europeo ................................................................. 9– Flavio Pajer

O ensino da religião como resposta à laicização da Europa ......... 35– João Manuel Duque

Modelo de Ensino Religioso em Portugal ........................................ 41– Fernando Catarino

O ensino religioso escolar ................................................................... 49– Miguel Peixoto

a diversidade religiosa e o ensino da Religião na escola ............... 63– Sérgio Rogério Azevedo Junqueira | Edile Fracaro

arrancando o espinho das costas de Karabá - a construção de umaidentidade positiva das populações afro-brasileiras através do ensino religioso ............................................................................... 81– Sandra Aparecida Gurgel Vergne

Ensino religioso e diversidade: currículo e formação de professores 99– Lurdes Caron

Ensino religioso na escola pública: área de conhecimento necessá-ria para uma sociedade secularizada .......................................... 109– José António Correa Lages

Diversidade religiosa e direitos humanos: conhecer, respeitar e conviver ........................................................................................... 125– Elcio Cecchetti | Lílian Blanck de Oliveira

O lúdico no ensino religioso ............................................................... 143– Brígida Karina Liechocki Nogueira da Silva

Pequenos grupos andragógicos (PGas): alternativa de acolhida, de convivência e de aprendizado bíblico criativo ..................... 157– Paulo Felipe Teixeira Almeida

Religiosidade e cidadania num contexto plural .............................. 169– Noêmia dos Santos Silva |5

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Ensino religioso na proposta curricular de Santa catarina/Brasil: a construção de espaços polifônicos e interculturais ................ 181– Adecir Pozzer

Pedagogías pertinentes para una educación religiosa escolar de cara al siglo XXi .............................................................................. 199– Amparo Novoa Palacios

a formação de professores de ensino religioso no PaRFOR da UnOchaPEcÓ ............................................................................. 213– Ediana M. M. Finatto | Gilberto Oliari

Ensino religioso: da teoria à práxis educativa ................................. 225– Maria José T. Homes

Formação e trabalho docente no contexto da diversidade cultural e religiosa: relatos de experiências no alto Sertão da Bahia .... 243– Jardelina Bispo do Nascimento | Krzysztof Dworak Sandra Célia C. G. da S. S. de Oliveira

O eu e o transcendente: em busca da resposta à pergunta sobre o sentido da vida de curso universitário a seminário para adultos 259– Filipa Ribeiro da Cunha

a identidade do ensino religioso a partir das contribuições da nova história e teologia cultural ................................................... 281– Cláudia Regina Kluck | Sérgio Rogério Azevedo Junqueira

O ensino religioso nos sistemas de ensino: avanços, desafios e perspectivas ..................................................................................... 293– Ângela Maria Ribeiro Holanda

O ensino da Religião e Moral na escola pública entre 1910 e 2004 309– Ricardo Caetano

a função social do “carisma” da instituição na educação da escolacatólica ............................................................................................. 321– Sonia de Itoz | Clarete de Itoz

O ensino religioso confessional protestante: discutindo a propostacomeniana de interação didático-pedagógica ............................ 333– Michelle Razuck Arci Machado

a relação da disciplina e do professor de Ensino Religioso com a direção das escolas ......................................................................... 355– Sonia de Itoz

Sumário

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apresentação

FERnanDO caTaRinO

SéRGiO JUnqUEiRa

OEnsino Religioso é um componente curricular desafiador nos di -ferentes sistemas de ensino, dos diferentes países, com a intencio-

nalidade de discutir este componente com especial ênfase em Portugale no Brasil, mas também em outros cenários educacionais, visandocompreender os diferentes modelos deste componente curricular, aformação dos professores, as pesquisas sobre o tema, assim como arelação da disciplina com a gestão das instituições de ensino e o corpotécnico, pensámos em organizar o 1º Fórum internacional de EnsinoReligioso. Em Maio de 2015 reuniram-se me Lisboa, na UniversidadeLusófona cerca de 100 investigadores e professores de Ensino Reli-gioso para uma profunda partilha de reflexões, experiências e questio-namentos relativos às especificidades de uma disciplina que atinge oâmago da formação integral dos jovens estudantes pelas convicções eassuntos com que lida. a discussão levada a cabo abriu novas pers-pectivas e trouxe novos elementos para a discussão em uma sociedadeque assume novas relações com as manifestações religiosas indivi-duais e coletivas que se repercutem no processo de ensino-aprendiza-gem das novas gerações. as novas gerações que surgem num contextotão específico quanto a especificidade religiosa que se vive actual-mente, sobretudo numa Europa fragmentada com uma forte exposi-ção à radicalização religiosa seja por via da chegada massiva de refu-giados de religião Muçulmana seja pela contra-resposta cristã de umcerrar de fileiras como forma de lidar com a mudança social a que seassiste. consideramos, no entanto, que é precisamente neste contextode mudança e de alterações societais que a pertinência e necessidadedo Ensino Religioso, ainda que a sociedade (leia-se Estado) procurecada vez mais separar tudo o que é religioso da esfera pública, sejacada vez maior.

Esta separação levada a cabo pelo dito “Estado Laico” que se temintensificado nos últimos anos traz, ao Ensino Religioso, desafios |7

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enormes e tremendos. Foi com base nestas alterações e desafios quepropusemos como tema “Desafios do Ensino Religioso numa Socie-dade Laicizada”, tema extremamente bem acolhido pelos participan-tes que o trabalharam das mais diversas perspectivas com comunica-ções de grande qualidade. com a presença de investigadores daEuropa e da américa foram relidos os temas como a questão a identi-dade e o currículo, a diversidade no ensino religioso, recursos e meto-dologia, a formação do professor, os sistemas de ensino e as institui-ções de ensino visando perceber de que forma o Ensino Religioso seestá a adaptar a esta nova realidade e como está a responder aos desa-fios que a sociedade hodierna lhe coloca.

apresentação

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Religione, religioni, scuola pubblica: modelli,problemi e sfide dal continente europeo

FLaViO PaJER *

L’orizzonte di una riflessione attuale sull’istruzione religiosa in Europa

aprire oggi, in una qualunque nazione europea, una riflessionesull’istruzione religiosa nella scuola pubblica:

– significa porre il problema non più o non solo all’interno del tra -di zionale perimetro nazionale, ma collocarlo in un orizzonte so -vranazionale, non certo per importare improbabili modellicollau dati in altri contesti, ma per superare quel provincialismori petitivo e autoreferenziale delle “vie nazionali” al corso di reli-gione, che sempre più si rivela insoddisfacente o comunqueogget tivamente insufficiente nell’attuale congiuntura di accen-tuato pluralismo;

– significa trattare questo problema non più solo come compito dicompetenza ecclesiastica o concordataria o, peggio, da rimettereall’estro missionario delle diverse comunità di fede religiosa o dimilitanza filosofica, ma assumerlo come compito culturale ecivico da gestire anzitutto in nome di una responsabilità educa-tiva pubblica, suscettibile di investire dunque le istituzioni civili,il sistema scuola, l’università stessa;

– significa vedere l’istruzione religiosa non più unicamente comeun sapere accreditato dalle scienze teologiche di chiesa – delle

* Professore di Pedagogia delle religioni. Si è occupato di teorie della formazione – conparticolare riguardo all’educazione religiosa – e di questioni relative alla libertà religiosa nellesocietà europee in contesti multiculturali e alla luce della crisi dell’egemonia culturale dellatradizione cristiana. Oltre ad aver svolto un’intensa attività pubblicistica, ha pubblicato nume-rosi manuali per il catechismo e l’insegnamento della religione nelle scuole.

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FLAVIO PAJER — Religione, religioni, scuola pubblica...

chiese, delle fedi religiose – ma anche come patrimonio di cono-scenze e di metodologie proveniente, grazie a una tradizioneormai più che secolare, dallo sviluppo autonomo delle diversescienze delle religioni;

– significa ancora ripensare il senso e l’impianto della trasmissionereligiosa nello spazio pubblico e democratico della scuola non apartire solo dal diritto di libertà religiosa legittimamente rivendi-cato dalle organizzazioni religiose e dalle famiglie credenti, maanche e anzitutto a partire dai diritti originari della persona delsoggetto-alunno, diritti sanciti da convenzioni internazionali eattinenti l’informazione, la competenza critica, la libertà di sceltaanche in ambito religioso.

La mia riflessione si limiterà qui a esplorare sommariamente la re -go lazione del sapere religioso a scuola nell’orizzonte europeo, alloscopo di indurre implicitamente qualche elemento utile di confrontocon le situazioni di singoli Paesi o anche di altri continenti. Sarà unariflessione necessariamente sintetica, trasversale al mosaico frasta-gliato delle singole situazioni nazionali 1, anch’esse comunque più omeno in fase ormai di ininterrotto ripensamento. alcune di questesituazioni presentano assetti indubbiamente istruttivi e stimolanti perchiunque operi oggi nel campo della trasmissione culturale delle tra-dizioni religiose, a scuola e oltre. concluderò con un cenno prospettico

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1 Per una informazione sul profilo legislativo e organizzativo (e talora anche didattico)degli insegnamenti di religione nei singoli paesi europei, o in alcuni gruppi di paesi, rinvioalle rassegne più recenti, anche se parziali in alcuni casi: S. Ferrari – W. cOLE DURhaM JR – E.a. SEVELL (eds.), Diritto e religione nell’Europa postcomunista, il Mulino, Bologna 2004; E. GEnRE

e F. PaJER, L’Unione Europea e la sfida delle religioni, claudiana, Torino 2005; E. KUyK – R. JEnSEn

– D. LanKShER – E. Löh Manna – P. SchREinER (eds.), Religious Education in Europe. Situationand current trends in schools, iko Publishing house, iccS, Oslo 2007; J.-P. WiLLaiME et S.MaThiEU (eds.), Des maîtres et des dieux. Écoles et religions en Europe, Belin, Paris 2005; confe-renza episcopale italiana – Servizio nazionale per l’irc (eds.), L’insegnamento della religionerisorsa per l’Europa. Atti della ricerca del Consiglio delle Conferenze episcopali d’Europa, Elledici,Leu mann 2008; L. PéPin (ed.), L’enseignement relatif aux religions dans les systèmes scolaires euro-péens: tendances et enjeux, network of European Foundations, Bruxelles 2009 (testo disponibileanche in versione inglese); F. PaJER (ed.), Towards a post-secular Europe. Regulating religiousdiversity in the public educational space, monografia di “historia Religionum”, iV, 2012, pp. 7--121; M. caTTERin, L’insegnamento della religione nella scuola pubblica in Europa, MarcianumPress, Venezia 2013; i. canO RUiz (ed.), La enseñanza de la religión en la escuela pública. Actas delVI Simposio internacional de Derecho concordatario, Editorial comares, Granada 2014. L’Univer-sità di Vienna, infine, sta ultimando la pubblicazione in 6 volumi dell’ultima ricerca europeain collaborazione con oltre trenta autori di vari Paesi: M. JaEGGLE and M. ROThGanGEL (eds.),Religious Education at Schools in Europe, Vienna University Press by V&R, 2013 e seguenti.

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ai probabili scenari che, tra realismo e utopia, si vanno preannun-ciando per il prossimo avvenire dell’istruzione religiosa in Europa.

1. Uno sguardo complessivo al recente passato

1.1. Oltre la stagione degli insegnamenti confessionali

La scuola statale che conosciamo oggi, si sa, è una istituzione tipicadell’età moderna. E della modernità porta ancora in sé alcune caratte-ristiche del primitivo imprinting. nell’area occidentale, all’alba degliStati nazionali e delle società protoindustriali, la scuola veniva pensatae organizzata come tempo della prima alfabetizzazione di massa,come apprendistato alla professione lavorativa, come educazioneall’ethos comune della nazione. in particolare, l’educazione ai valoridell’ethos nazionale poggiava su almeno tre componenti pressochéimmancabili: l’apprendimento grammaticale della lingua madre, lostudio della storia nazionale e la conoscenza dottrinale della confes-sione cristiana praticata nel proprio Stato. il principio westfaliano delcuius regio eius et religio aveva trovato proprio nella nascente orga-nizzazione capillare della scuola pubblica degli Stati moderni il suoveicolo più efficace. Tant’è vero che gli insegnamenti della religionecris tiana, declinati dopo la Riforma secondo le distinte confessioniregionali, sono perdurati per secoli nelle scuole pubbliche fino a tempirecenti e in alcuni Stati il modello resiste sostanzialmente tuttora. Seda una parte l’insegnamento della lingua e della storia è servito adaffermare la legittimità degli Stati nazionali, dall’altra l’insegnamentodella religione, indissociabile da una contestuale inculcazione del-l’etica personale e pubblica derivata da quel credo religioso, è servitoa coagulare l’adesione dei popoli, cominciando appunto dalle giovanigenerazioni scolarizzate, intorno a quel patrimonio di valori storico-etico-civici comunemente detti “cristiani”.

Le chiese cristiane, da parte loro, hanno prodotto alfabetizzazioneed educazione su un doppio canale: quello della rete delle scuole con-fessionali, promosse specialmente in area cattolica con la nascita e losviluppo di una cospicua costellazione di congregazioni insegnantimaschili e femminili, e quello delle scuole statali pubbliche mediantel’insegnamento della religione, che veniva affidato normalmente a

DESAFIOS DO ENSINO RELIGIOSO NUMA SOCIEDADE LAICIzADA

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membri del clero. anche le chiese si sono così ampiamente servite delsistema educativo pubblico per operare una catechizzazione a tappetosull’intera popolazione scolastica, nella misura in cui (e fintanto che)tale popolazione presentava una sostanziale omogeneità dal punto divista della appartenenza confessionale. Ma va anche detto che gover-ni e autorità pubbliche degli Stati hanno profittato di questo in-segnamento della “dottrina” e della “morale” riconoscendone il po -tenziale formativo sulle coscienze minorenni e sui costumi popolari, e sfruttando quindi quella funzione socialmente coesiva della reli-gione, che, mentre istruiva nella verità religiosa i propri battezzati, nefaceva al tempo stesso dei cittadini solidali intorno alle comuni virtùciviche.

Formare i futuri cittadini, tramite il cemento di una tradizione reli-giosa identitaria, è stata una delle carte vincenti per aggregare i popolieuropei e dare loro una identità culturale connotata anche religiosa-mente. Una strategia che ha funzionato – pur con le evidenti variantidelle storie e culture nazionali - sia nell’area nordeuropea luterana ean glicana con i regimi di “chiese privilegiate”, sia nei paesi concorda-tari a maggioranza cattolica (fatta eccezione per il sistema separatistadella Francia repubblicana), sia nei paesi ortodossi e dell’area balca-nica (che hanno però dovuto subire la lunga parentesi dell’imperiali-smo sovietico, dalle cui nefaste conseguenze non sono del tutto usciti).con gli insegnamenti confessionali della religione nello scacchiere deidiversi sistemi educativi europei si è dunque verificata, potremmodire, un’altra forma, tipicamente moderna, di “religio instrumentumregni”. in italia, per esempio, complice il vecchio concordato mussoli-niano del 1929, il cattolicesimo (anzi, la religione per antonomasia,senza bisogno di aggettivi) era persino assurto alla dignità di “fonda-mento e coronamento di tutta l’istruzione”. Formula che sarà superatasolo con la revisione del 1984.

in quella stagione i contenuti del sapere religioso impartito ascuola erano quelli desunti direttamente dalla elaborazione teologicae dal magistero (per cattolici ed ortodossi) o dal testo biblico (per i pro-testanti), e resi in forma elementarizzata a scopo didattico – e insiemeapologetico – non solo nell’insegnamento scolastico, ma ben più larga-mente anche nell’iniziazione catechistica e nella divulgazione omile-tica. il tutto nella presunzione di agevolare non tanto una compren-sione ragionata e critica delle verità insegnate quanto una adesione diprincipio al sistema dottrinale e morale della propria tradizione con-fessionale.

FLAVIO PAJER — Religione, religioni, scuola pubblica...

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DESAFIOS DO ENSINO RELIGIOSO NUMA SOCIEDADE LAICIzADA

1.2. Dal credere al sapere: i fattori di un nuovo paradigma

i tre ultimi decenni del secolo scorso hanno visto evolvere i tradi-zionali insegnamenti confessionali fondati in ragione teologica e apo-logetica verso approcci al fatto religioso maggiormente centrati siasulla domanda antropologica dell’alunno (insegnamento religiosocome ermeneutica della vita, come ricerca di senso), sia sull’esigenzadi elaborare didatticamente i contenuti della/sulla religione con meto-dologie collaudate nel campo delle ricerche religiose (storiche, empi-riche, esegetiche, ecc.). il passaggio è stato imposto dalla spinta con-giunta di diversi fattori, tra cui mi limito a rievocare:

– la “svolta antropologica” intrapresa dalle teologie cristiane nellasta gione conciliare e postconciliare, che ha avuto dirette conse-guenze nella ‘de-dottrinalizzazione’ dei catechismi 2, con rica-dute anche sugli insegnamenti scolastici della religione, nelsenso che ha indotto a formalizzare una progressiva distinzionedi ruoli e di metodologia tra l’atto catechistico (imparare nellafede) e l’offerta religiosa scolastica (imparare sulla religione);

– la nuova cultura giovanile e studentesca uscita dai movimentidel ’68, che ha impegnato a ripensare il fatto religioso a partiredal vissuto soggettivo e dall’attualità della domanda esistenziale,

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2 Si ricorderà come all’indomani del concilio Vaticano ii (1962-65) molte chiese localiabbiano intrapreso, tra altre innovazioni, anche un processo di “rinnovamento della cate-chesi”, che, sconfessando praticamente il modello didattico uscito dal concilio di Trento, se -condo cui la “dottrina” doveva esser insegnata con i caratteri di una vera scuola, si è orientatodecisamente verso un recupero del più appropriato modello iniziatico, assai meno preoccupatodi far imparare nozioni e formule catechistiche che di incentivare l’ “apertura dei ragazzi –non più trattati da alunni ma da catecumeni – all’appello della parola di Dio”. Da quellasvolta, gli stessi strumenti didattici pensati per favorire tale iniziazione si sono chiamati in -fatti, almeno nel caso della chiesa italiana, “catechismi per la vita cristiana”, dando così unachiara – peraltro teo logicamente legittima – priorità all’apprendere a vivere esistenzialmenteuna adesione di fede piuttosto che imparare la dottrina della fede. con una evidente, inevita-bile, ricaduta sul piano del bagaglio co nos citivo delle nuove generazioni: infatti quel minimodi conoscenze di base che in epoche precedenti la gran parte di giovani imparavano bene omale dal catechismo, le nuove generazioni lo ignorano e così la scuola, soprattutto quella dellediscipline storico-umanistiche, si è trovata nella crescente necessità di sopperire al deficit diinformazione religiosa degli alunni, attivando corsi di istruzione religiosa che, de facto primache de jure, sono andati distinguendosi sempre più sia dal vecchio modello dell’insegnamentocatechistico, sia rispetto al nuovo modello dell’iniziazione religiosa: il primo perché pedago-gicamente improponibile in una didattica aggiornata dei saperi disciplinari, il secondo perchéistituzionalmente alieno dalle competenze educative di una scuola laica.

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FLAVIO PAJER — Religione, religioni, scuola pubblica...

piuttosto che dai contenuti codificati da una comunità credentee ricevuti dalla rispettiva tradizione storica 3;

– le riforme scolastiche succedutesi dagli anni ’70 in poi, che hannocostretto i corsi di insegnamento religioso ad allinearsi ai comunima più rigorosi criteri curricolari dell’apprendimento scolastico,pena l’emarginazione della atipica materia ‘Religione’ dall’orga-nico delle discipline 4;

– il tasso di diversità religiosa cresciuto a ritmo incalzante nelle so -cietà europee, che ha dilatato l’attenzione dalla religione di casapropria verso la pluralità delle nuove presenze religiose, ma altempo stesso verso la vasta e crescente area della non-credenza 5;

– lo stesso processo di unificazione europea, sia pur interessatoquasi sempre agli ambiti del mercato e della politica, ha compor-tato un implicito sforzo di ‘europeizzazione’ dei sistemi nazio-nali di educazione scolastica e di formazione universitaria,trasci nando così anche la pedagogia religiosa a uscire dal provin-cialismo delle soluzioni nazionali per entrare in un incipienteconfronto con la diversità europea, a un tempo multi- confessio-nale e multireligiosa 6.

che questi fattori, e altri ancora, abbiano influito un po’ ovunquein Europa nel ridefinire profili tendenzialmente de-confessionalizzati,– e contestualmente più scolarizzati – dell’ insegnamento religioso, loprova questo scarno elenco cronologico (selettivo!) di alcuni momentisignificativi del recente passato:

– nel 1970, il documento di base che la conferenza episcopale ita-liana approva per dare il via al processo di rinnovamento dellacatechesi, afferma che l’istruzione religiosa quando è impartitanella scuola «deve caratterizzarsi in riferimento alle mete e ai

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3 cfr. ROLanD J. caMPichE (ed.), Cultures jeunes et religions en Europe, Editions du cerf,Paris 1997, pp. 47-96.

4 cfr. G. REScaLLi, Il cambiamento nei sistemi educativi. Processi di riforma e modelli europei aconfronto, La nuova italia, Firenze 1995, spec. pp. 15-16, 114-122, 179-191; L. aMaTUcci – a.aU GEnTi – F. MaTaRazzO, Lo spazio europeo dell’educazione, ed. anicia, Roma 2005, spec. pp. 185-189.

5 cfr. J. KEaST (ed.), Diversité religieuse et éducation interculturelle: manuel de référence àl’usage des écoles, Editions du conseil de l’Europe, Strasbourg 2007.

6 cfr. R. azRia et al., Croyances religieuses, morales et éthiques dans le processus de construc-tion européennes, La documentation française, Paris 2002; B. MaSSiGnOn, Des dieux et des fonc-tionnaires. Religions et laïcités face au défi de la construction européenne, Presses Universitaires deRennes, Rennes 2007.

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metodi propri di una struttura scolastica moderna” e che “l’edu-cazione della coscienza religiosa si inserisce nel contesto scola-stico come dovere e diritto della persona umana che aspira allapiena libertà e come doveroso servizio che la società rende atutti» 7;

– nel 1971, in Germania, una dichiarazione del consiglio dellachiesa evangelica intorno ad alcune questioni di diritto costitu-zionale in merito all’insegnamento della religione (insegnamentoche la costituzione tedesca riconosce come “materia ordinaria”del curricolo) afferma che «gli obiettivi e i contenuti dell’insegna-mento religioso devono essere realizzati differenziando l’impo-stazione didattica e organizzativa secondo i singoli gradi discuola» 8;

– nel 1974, il Sinodo delle diocesi cattoliche tedesche sancisce unalegittimazione meta-teologica dell’insegnamento religioso, rifon-dandone la presenza nella scuola di tutti in base ad argomenti ditipo antropologico (la religione è una delle fonti cui attingerepossibili risposte alla domanda di senso), di tipo socio-culturale(la religione va conosciuta come fenomeno universale e nel suoruolo di identità e di coesione sociale), e di tipo storico (la reli-gione cristiana, nelle sue declinazioni confessionali, è alla basedella storia stessa della nazione tedesca…). in altri termini, il do -cumento accantonava decisamente il modello, allora molto dif-fuso, di insegnamento della religione inteso come “chiesa nellascuola”, senza tuttavia sbilanciarsi totalmente a favore di un in -segnamento basato unicamente sulle scienze della religione,anche perché il carattere confessionale della materia era e rimanesancito da un articolo della stessa costituzione (art. 7) 9;

– durante gli anni ’70, in un’inghilterra post-coloniale incline almul ticulturalismo, si è iniziato a inserire nei programmi di inse-gnamento religioso materiale riguardante le fedi delle mino-ranze etniche; più tardi, nel 1985, lo Swann Report raccomanda

DESAFIOS DO ENSINO RELIGIOSO NUMA SOCIEDADE LAICIzADA

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7 cOnFEREnza EPiScOPaLE iTaLiana, Il rinnovamento della catechesi, Ed. pastorali italiane,Roma 1970, n. 154.

8 cfr. testo del documento in F. PaJER (ed.), L’insegnamento scolastico della religione nellanuova Europa, Elledici, Leumann 1991, pp. 192ss.

9 cfr. SinODO naziOnaLE DELLE DiOcESi DELLa GERMania FEDERaLE, Scuola e insegnamentodella religione, tr. it. in “aggiornamenti sociali”, novembre 1976 e gennaio 1977, ripreso nellacollana “Maestri della fede” n.120, Elledici, Leumann 1977, p. 48.

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FLAVIO PAJER — Religione, religioni, scuola pubblica...

un approccio fenomenologico alle religioni per valorizzare ladiversità religiosa e promuovere la tolleranza 10;

– nel 1977, in Belgio, si propone una definizione dell’insegnamen -to della religione come servizio alla ‘umanizzazione’ personaleperché l’alunno possa “confrontarsi con la domanda circa il sen -so dell’esistenza (problemi del senso), quali vengono posti erisolti nelle religioni (dimensione storico-religiosa) e particolar -men te nella tradizione ebraica e cristiana (storia del cristiane-simo)” 11;

– nel 1982, mentre già da qualche anno stavano circolando bozzedi revisione del concordato tra italia e Santa Sede, la rivista “Re -ligione e Scuola” (editrice queriniana) organizza un ampio con-vegno di studio dalle cui conclusioni è emersa come dominantela linea di «un insegnamento religioso fondato in ragione cultu-rale e non concordataria, legittimato in base ai principi costitu-zionali dello stato laico e democratico, iscritto nelle finalità edu-cative di una scuola pubblica a vocazione laica, proposto comespazio educativo alla universale e irrinunciabile domanda disenso del giovane e quindi come diritto della persona e del citta-dino, prima ancora di essere oggetto di rivendicazione del cre-dente»12; il testo normativo del concordato e della successivaintesa, come si sa, riconoscerà il “valore culturale” e la “ragionestorica” dello studio della religione cattolica, ma finirà, nonsenza una singolare incoerenza giuridico-pedagogica, per ricon-segnare la gestione del corso e del suo insegnante all’esclusivacompetenza ecclesiale;

– in Olanda, la legge di riforma della scuola del 1985 introduce perla prima volta nel curricolo comune delle scuole pubbliche e pri-vate una nuova area di conoscenza sulle tradizioni religiose efilosofiche, con la conseguenza che «la religione da allora non hapiù potuto essere insegnata da un punto di vista normativo maobiettivo»” 13;

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10 cfr. R. JacKSOn, Intercultural Education and recent European Pedagogies of Religious Edu-cation, in “intercultural Education”, 15 (2004) 1, 3-14.

11 nella rivista fiamminga “Tijdschrift voor catechese” (1977, n. 4, p. 135), cit. da Jef BUL-cKEnS in F. PaJER (ed.), L’insegnamento scolastico…, op. cit., p. 119.

12 Dalla presentazione degli atti Società civile, scuola laica e insegnamento della religione, acura di F. Pajer, queriniana, Brescia 1983, p. 7.

13 LUcE PEPin, L’enseignement relatif aux religions dans les systèmes scolaires européens, net-work of European Foundations, Bruxelles 2009, pp. 19-20.

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– nel 1988, ancora in inghilterra, la legge di riforma scolastica esigeche le autorità locali preposte alla Religious Education defini-scano e verifichino ogni 5 anni un programma concordato tra ivari rappresentanti delle religioni presenti sul territorio, pro-gramma che deve riflettere con priorità la tradizione cristiana delpaese ma che deve anche prendere in considerazione sia le altrereligioni presenti nella regione sia le convinzioni filosofiche nonreligiose 14;

– nel 1989, in Francia, il Rapporto Joutard lancia l’allarme sul feno-meno della “inculture religieuse” di cui soffre la quasi generalitàdi studenti e insegnanti a causa, tra l’altro, della prolungataassenza (fin dalla legge di separazione stato-chiese del 1905) diun corso specifico di religione nella scuola repubblicana; nelcorso degli anni ’90 il ministero dell’istruzione introdurrà ele-menti di storia religiosa nei programmi ufficiali e impegnerà ifuturi insegnanti delle varie discipline ad acquisire la compe-tenza di elaborare laicamente la dimensione religiosa individua-bile all’interno della materia che insegnano 15;

– a seguito della caduta del Muro di Berlino (1989) e della riunifi-cazione della Germania (1991), i 6 Länder orientali, data la scar-sissima quota di alunni credenti, introducono come “materiareligiosa” curricolare lo studio di ‘Problemi di vita-Etica-Storiadelle religioni’, divenuta poi materia opzionale in alternativa concorsi confessionali di religione cattolica e protestante 16;

– a partire dal 2000 le chiese luterane dei Paesi scandinavi intra-prendono trattative con i rispettivi governi per delegare esclusi-vamente alla autorità scolastica la gestione dei corsi di religione,che da confessionali diventano neutri o oggettivi o culturali, e dafacoltativi diventano obbligatori 17;

– nel 2002, esce in Francia il Rapporto Debray, che prende atto (al

14 cfr. Lynn REVELL, Religious Education in England, in “numen” 55 (2008) 2, 218-240.15 cfr. cEnTRE REGiOnaL DE DOcUMEnTaTiOn PEDaGOGiqUE DE BESançOn (ed.), Enseigner

l’histoire des religions. Actes du colloque 20-21 novembre 1991, éd. cRDP/cnDP, Besançon 1992 ;MiniSTERE DE L’EDUcaTiOn naTiOnaLE (ed.), Forme et sens. Colloque sur la formation à la dimen-sion religieuse du patrimoine culturel, école du Louvre-Documentation française éditeurs, Paris1997; René nOUaiLhaT, Enseigner le fait religieux: un défi pour la laïcité, nathan, Paris 2003, pp. 47-50.

16 cfr. J.-P. WiLLaiME, Europe et religions. Les enjeux du XXème siècle, Fayard, Paris 2004, pp. 159-164.

17 cfr. E. KUyK et al., Religious Education in Europe. Situations and current trends in schools,iKO Publishing-iccS, Oslo 2007, spec. pp. 141-147, 193-197.

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seguito del Rapporto Joutard, 1989) delle disastrose derive del-l’analfabetismo religioso, rivendicando l’avvento di una nuovalaicità scolastica e universitaria aperta all’intelligenza dei fattireligiosi, che vanno individuati e interpretati con criteri e metodicritici dentro il patrimonio dei saperi curricolari 18…

Sarebbe abusivo mettere in uno stesso fascio indistinto questaserie di documenti e di eventi verificatisi in contesti culturali e mo -men ti storici assai disparati sullo scacchiere europeo. Eppure è facil-mente individuabile in filigrana un filo rosso che li attraversa: quellodell’emancipazione progressiva dei corsi di religione dalla direttagestione delle chiese verso un gestione partecipata con lo stato (neicasi dei sistemi concordatari) o di una gestione esclusiva da parte dellascuola. E con il passaggio di gestione, la contestuale sostituzione dellabase epistemologica del sapere religioso elaborato a scuola: da unsapere monoconfessionale accreditato dalle scienze teologiche eccle-siali si passa a ibridazioni di “cultura religiosa” sempre più debitricialle scienze non teologiche delle religioni. La transizione è avviata dadecenni ma è tuttora in corso; è chiaramente adottata in certi paesi manon è ancora generalizzata 19. Per comprenderne la logica, merita diessere letta più da vicino.

2. Quale istruzione religiosa nell’Unione europea?

2.1. La credenziale epistemologica

Parlare di insegnamento religioso, al singolare, quando si guardaal mosaico dei sistemi europei è superficiale e fuorviante. Sono moltee diverse le variabili che contraddistinguono le pratiche e, a monte, leteorie del sapere religioso impartito nelle scuole. Senza entrare quinelle specifiche caratterizzazioni giuridiche, amministrative e organiz-zative degli insegnamenti religiosi (che possono essere a base costitu-

18 Régis DEBRay, L’enseignement du fait religieux dans l’école laïque, Odile Jacob, Paris 2002(tr.it. in «il Regno-documenti», 15/2002, pp. 514-520).

19 cf. F. PaJER, Les systèmes éducatifs d’Europe vont-ils généraliser des approches post-confes-sionnelles dans les cours en matière de religion?, in B. caULiER et J. MOLinaRiO (eds.), Enseigner les re -ligions. Regards et apports de l’Histoire, Presses de l’Université Laval, québec 2014, pp. 311-326.

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zionale o concordataria; curricolari, opzionali, facoltativi, parascolas tici;monoconfessionali, bi-confessionali, a-confessionali, multireligiosi,ecc.), possiamo chiederci quale sia lo statuto disciplinare (o epistemo-logico) del sapere religioso proposto oggi di fatto nella scuola pub-blica. Se la scuola educa insegnando conoscenze e dando competenze,qual è l’istanza scientifica che può autorizzare l’ingresso nella scuoladel sapere religioso e legittimare l’accensione di una corrispettiva dis -ciplina di studio? Se e fin quando si tratta di corsi confessionali, comesi diceva sopra, le scienze teologiche di chiesa sono necessarie e suffi-cienti per accreditare un discorso religioso-educativo di tipo catechis -tico rivolto a un pubblico di alunni credenti e gestito da un insegnantecredente. Ed era la situazione prevalente della scuola di religione diieri, compatibile con la società monoculturalmente ‘cristiana’ dell’Eu-ropa di ieri.

Ora però, accanto e oltre le scienze teologiche sviluppatesi all’in-terno delle tradizioni religiose storiche, è risaputo che si sono ampia-mente sviluppate, almeno in Occidente, diverse altre scienze accade-miche che studiano l’universo religioso con finalità e metodi autonomiris petto a quelli della teologia credente. Se indagano con finalità e me -todi autonomi, non significa che queste scienze siano di per sé avversealla teologia, anzi, in quanto scienze umane ed empiriche, e nonquindi ideologie o solo congetture arbitrarie, esse sono in grado di in -ter loquire correttamente e positivamente con le scienze teologiche.questo dialogo tra saperi religiosi, già attivo a livello della ricercaacca demica e della divulgazione scientifica, può, con le dovute media-zioni pedagogiche e didattiche, riverberarsi a livello di scuola secon-daria e primaria, dando luogo appunto a una disciplina, chiamiamolacosì, di “cultura religiosa”, che avrebbe le migliori credenziali:

– per proporsi come una prima informazione critica sul fatto reli-gioso in generale, senza sollevare sospetti di proselitismo, in unambiente pluralistico e democratico come quello della scuolapubblica;

– per integrarsi meglio con i contenuti e i metodi di apprendimen -to e di valutazione di altre discipline scolastiche affini;

– per esibire persino lo statuto di materia curricolare comune, equin di obbligatoria per tutti gli alunni, senza per questo dovermortificare l’identità degli alunni credenti né quella degli alunnieventualmente non credenti, in quanto gli uni e gli altri avrebbe -ro solo da avvantaggiarsi da un approccio al fatto religioso se

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operato in modo obiettivo, imparziale, critico, comparativo…chiaro che, accanto e contestualmente a questo approccio scola-stico, specifico ma non esaustivo dell’educazione religiosa,rimarrà tutt’intero l’impegno propriamente pastorale dellacomunità credente per “crescere” i propri giovani battezzati nelvissuto concreto ed esperienziale dei valori religiosi.

2.2. Un ventaglio di modelli diversi e in evoluzione

Da questo punto di vista, quale panorama offrono le soluzioniadottate nei vari contesti europei? Di fatto, che cosa si insegna attual-mente nelle scuole europee durante l’ “ora di religione”? 20 Va dettosu bito che il panorama presenta una disperante varietà di casi, spessoirriducibili persino a una tipologia approssimativa. Tuttavia, sempli-ficando all’estremo, possiamo distinguere in Europa quattro categoriedi profili di istruzione religiosa 21.

1. insegnamenti religiosi a base teologica – Si tratta di quegli inse-gnamenti ancora formalmente confessionali, assai vicini alla catechesiparrocchiale se non addirittura sostitutivi di essa, gestiti in propriodalle chiese in quei pochi paesi dove l’una o l’altra confessione cri-stiana può ancora godere, di fatto se non sempre di diritto, di una piùo meno diretta influenza nel sistema scolastico pubblico. È il caso prin-cipalmente dell’irlanda, di Malta, della Polonia, dell’Ungheria per l’in-segnamento religioso cattolico, della Grecia, di cipro e della Romaniaper l’insegnamento ortodosso. Ovviamente rientrano in questa catego-ria gli insegnamenti religiosi impartiti nelle scuole confessionali ges ti -

20 Evidentemente, il gergo giornalistico italiano di designare l’ “ora di religione” si rivelaassai inadeguato quando ci si rivolge alle situazioni di altri contesti europei. Dove l’organiz-zazione dell’insegnamento religioso, rispetto alla rigidità pedagogicamente discutibile dellostandard italiano (uno stesso tempo orario spalmato indifferentemente su tutto il ciclo…), ri -sul ta più spesso flessibile e modulabile all’interno dei cicli e dentro lo stesso anno scolastico.Dove il tempo settimanale destinato alla cultura religiosa fluttua mediamente dalle due orealle due ore e mezza e in certi segmenti fino a tre ore. Dove soprattutto la materia religionenon resta isolata come un masso erratico, ma è integrata – dalla fase di programmazione di -dat tica fino alla valutazione – nell’organico di una precisa area disciplinare, interferendoquindi concretamente con la metodologia e i contenuti di discipline affini (solitamente Linguae letteratura, Storia e arte, Educazione alla cittadinanza, Formazione etico-sociale, ecc.).

21 ho più ampiamente presentato questo quadro nel mio saggio Formación religiosa y liber-tad de conciencia en la Unión europea, in a. D. MORaTaLLa (ed.), Ciudadanía, religión y educaciónmoral. El valor de la libertad religiosa en el espacio público educativo, Editorial PPc, Madrid 2006,pp. 143-170, e nell’articolo Quale sapere religioso nella scuola pubblica? Dall’orizzonte europeo alcaso Italia, in “Ricerche di Pedagogia e Didattica”, 4 (2009) 2, 11-24.

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te direttamente dalle chiese, scuole però solitamente integrate a pienotitolo nel sistema educativo pubblico, purché siano in grado di rispet-tarne determinati parametri di qualità e produttività didattica. allastessa stregua vanno considerati quei corsi di iniziazione gestiti da or -ga nizzazioni religiose minoritarie, talora ospitati anche nel sistemapu bblico, come corsi di ebraismo, corsi di islam, corsi di induismo, dibuddismo, ecc. ciò che contrassegna l’insieme di questi insegnamenti– pur diversissimi da stato a stato nella loro formalità didattica e orga-nizzativa – è che l’informazione storica, l’interpretazione dei rispettivitesti sacri, l’educazione morale, l’iniziazione rituale sono derivatedalla autocomprensione che ogni gruppo religioso ha della propriave rità e identità; si tratta di insegnamenti ‘garantiti’ dalle rispettiveautorità canoniche, impartiti da insegnanti (catechisti, pastori, imam)riconosciuti dalla propria comunità credente e formatisi come “inse-gnanti di religione” in istituzioni accademiche controllate dalla teolo-gia ufficiale del proprio gruppo. ciò non significa tuttavia che si trattinecessariamente di corsi di proselitismo identitario: proprio l’eventua-lità di tale rischio ha consigliato le amministrazioni scolastiche localidi porre precise condizioni di trasparenza, imparzialità e democrati-cità alla gestione di tali corsi.

2. insegnamenti religiosi a base mista di teologia e di scienze dellareligione – È dai primi anni ’70 – come si è accennato sopra – che inEu ropa si è cominciato a distinguere la catechesi della comunitàdall’in segnamento religioso della scuola. Pienamente confessionale laprima per obiettivi educativi e contenuti dottrinali e morali, ancoracon fessionale il secondo ma solo quanto a contenuti materiali e nonpiù invece quanto agli obiettivi formali. in altre parole: il discorso reli-gioso scolastico si pone in continuità con la catechesi perché ne conser -va lo stesso oggetto materiale, ma si differenzia e si specifica rispettoalla catechesi in quanto non ne ricopia le finalità pastorali ma fa pro-prie piuttosto le finalità educative della scuola, che si propone di for-mare prioritariamente il cittadino, senza comunque mortificarnel’even tuale identità religiosa. non abbiamo più qui un insegnamentore ligioso a confessionalità piena come quello catechistico, bensì a con-fessionalità solo materiale, non formale, perché pur insegnandonozioni e dottrine e interpretazioni oggettivamente relative a una con-fessione cristiana, non si coinvolge necessariamente l’adesione dicoscienza dell’alunno a tali contenuti. La formula che meglio illustraquesta svolta è la dizione inglese Education into religion – Education

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from religion, dove risulta chiaro il diverso statuto del discorso reli -gio so: nel primo caso, si tratta di un imparare da credenti partendodall’interno della propria tradizione di fede per meglio integrarsi nellacomunità credente; mentre nel secondo caso l’ottica è quella di cono-scere le tradizioni religiose in quanto le si riconosce come ispiratrici digrandi culture (civiltà, filosofie, arti…) e come fonte di valori e di pos-sibili risposte di senso per la vita personale. Molte situazioni scolasti-che dei vari paesi europei consentono, anzi esigono persino per legge,questo passaggio dal primo al secondo tipo di discorso. Dal sistematedesco e austriaco a quello belga e olandese, dall’insegnamento reli-gioso croato e slovacco al lituano, senza dimenticare il profilo ‘cultu-rale’ della disciplina uscita dalle revisioni concordatarie di stati comeitalia e Spagna, siamo in presenza di una costellazione di insegna-menti religiosi resi possibili solo da una alleanza cooperativa trascienze teologiche e scienze delle religioni. Una alleanza che di fattori sulta visibile sia nei curricoli di formazione iniziale e permanentedell’insegnante di religione, sia nella stesura dei programmi di inse-gnamento, come poi nella concretezza dell’atto didattico. Va dettoperò che non tutti i paesi, al momento, dispongono degli strumentiideali per affinare questo modello di insegnamento religioso 22. È ca -rente soprattutto la collaborazione tra centri superiori di ricerca inscienze religiose e i corrispettivi centri di ricerca teologica delle chiese.in Germania, nei Paesi nordici e ora anche in qualche paese del cen -tro-Est europeo (croazia, Slovacchia, Repubblica ceca, Lituania) esi-stono centri universitari che mettono in dialogo scienze teologiche escienze religiose, ma in altri paesi vige piuttosto la classica gelosa se -paratezza tra i due mondi culturali e accademici.

3. insegnamenti a base di scienze delle religioni – Funzionano daun angolo all’altro dell’ Europa corsi di istruzione religiosa e di eticanon confessionale, che non fanno riferimento ad alcuna chiesa, chenon discendono da una particolare visione teologica o filosofica. nonsi propongono di guadagnare il consenso a una rivelazione o a un

22 La mappa europea delle scienze religiose era stata oggetto anni fa di due distinte inda-gini, meritevoli ambedue di aggiornamento: L’insegnamento delle scienze religiose in Europa, nu -mero monotematico di “Religioni e società”, 15 (2000) n.37; L’insegnamento universitario dellescien ze religiose e teologiche. Prospettive italiane ed esperienze straniere, numero monotematico di“quaderni di diritto e politica ecclesiastica”, 9 (2001) 1. cfr. anche M. FaGGiOLi, La ricerca stori -co-religiosa in Europa, in “il Mulino”, 44 (2005) 4, pp. 758-767; U. MazzOnE, Le scienze storico--religiose nella riforma universitaria in Italia, in Chiesa in Italia, annale de “il Regno”, edizione2005, Edb, Bologna, pp. 125-135.

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credo; tendono anzi a presentare fatti e dottrine religiose e sistemi eticinel modo più imparziale possibile. Partono da una visione dei fattireligiosi come la offrono le scienze che indagano il religioso. Si pro-pongono, anzi, di leggere comparativamente le diverse interpretazionidel fenomeno religioso. non ignorano la tradizione confessionale delpaese, ma ne propongono preferibilmente una lettura storica e ne rile-vano gli effetti culturali, etici, politici, persino economici, sulla societàdel paese, in un lettura incrociata con le discipline scolastiche parallele(letteratura, arte, pensiero filosofico, costume politico, ecc.). in una pa -rola, si tratta qui di una Education about religion(s), per dirla ancorauna volta con gli inglesi 23. chi insegna questa materia non è mandatoda una chiesa, ma è un diplomato dell’università statale, dove ha con-seguito il titolo di studio occorrente per insegnare “religione” o “etica”nel ciclo primario o secondario. Seguono questi corsi alunni credenti,di versamente credenti e non credenti, senza distinzione. L’obiettivo èdi capirsi e di capire l’altro, ciascuno coltivando la propria legittimaidentità e diversità 24. È una sfida, ma anche una premessa indispensa-bile per poter convivere nella tolleranza reciproca e nel dialogo rispet-toso quando tocca vivere in una società multiculturale. È un insegna -men to praticato nelle scuole inglesi (la chiamano appunto multifaithre ligious education), e collaudato da tempo nelle contee a più altotasso di multireligiosità. in Olanda si fa analisi comparata delle di ver -se concezioni religiose e non religiose della vita. nei Paesi nordici siincentiva lo studio della storia religiosa nazionale (con un’accentua-zione quindi sulla versione luterana del cristianesimo e della Bibbia)ma senza dimenticare il più vasto universo religioso extracristiano. inDanimarca dal 2005, lo studio dell’islam è obbligatorio insieme a cri-stianesimo e bibbia. il cantone svizzero di zurigo ha introdotto daqual che anno un corso obbligatorio di “Religione e cultura” al postodi precedenti corsi confessionali. Un’analoga scelta è entrata in untriennio di sperimentazione (2009-2012) nel canton Ticino, ed è allo

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23 Sulla caratterizzazione del Teaching-Learning into/from/about religion emergono in parti-colare tre autori inglesi: M. GRiMMiTT, Religious Education and Human Development, Mccrim-mons 1987; J. hULL, Mish Mash: Religious Education in multi-cultural Britain, Derby 1991; id.,Religious Education in Western pluralistic societies: some general considerations, unpublished paperistanbul 28.03.2001; R. JacKSOn, Intercultural Education and recent European Pedagogies of Reli-gious Education, in “intercultural Education”, 15 (2004) 1, 3-14.

24 cfr. F. PaJER, Un dilemma pedagogico nella società multiculturale: educare l’identità religiosanonostante il pluralismo o attraverso il pluralismo?, in R. DE ViTa-F. BERTi-L. naSi (eds.), Democra-zia, laicità e società multi-religiosa, Franco angeli, Milano 2005, pp. 237-248.

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studio (maggio 2015) l’ipotesi di estendere un corso di “cultura reli-giosa” anche alle classi finali delle secondarie 25. Ma non è da dimenti-care la vasta gamma di insegnamenti di etica non confessionale, prati-cati in almeno una dozzina di sistemi europei, come materia opzionalein alternativa ai corsi confessionali. Fuori dell’Unione europea, hasuscitato un certo scalpore la recente de-confessionalizzazione di tuttoil sistema scolastico del québec, che, in luogo dei preesistenti corsiopzionali di religione cattolica e protestante, ha unificato l’istruzionere ligiosa in un unico corso curricolare di éthique et culture religieuse,obbligatorio per tutti dal 2008. Tutti questi corsi, per riuscire nel loroscopo educativo, richiedono dal loro insegnante una forte dose diobiettività, di imparzialità (che non significa fredda neutralità, in sestessa mai educativa). Sono corsi che trovano le condizioni più favore -voli e i migliori risultati in ambienti allenati al vivere democratico, abi-tuati alla convivenza ecumenica e al confronto interculturale 26.

4. approcci intradisciplinari al fatto religioso – Rientrano in questafigura solo due casi europei: quello francese e quello cèco. in Francia,in forza della vecchia legge di separazione tra stato e chiese (1905),non è permesso alla scuola pubblica impartire insegnamenti religiosi,nemmeno di tipo non-confessionale quale può essere Storia delle reli-gioni o Etica naturale. L’unica possibilità, rimessa in auge da provve-dimenti legislativi recenti, è quella di valorizzare i “fatti religiosi”insiti in vario modo nei contenuti delle diverse materie. Fatti religiosiche vengono colti secondo l’ottica epistemologica e metodologicadella disciplina in questione (storia civile, arte, filosofia, letteratura), enon secondo le esigenze delle scienze religiose e tanto meno di unapar ticolare teologia. il tutto nel rispetto deontologico e reverenziale diquella singolare “laicità” che finora ha portato la Francia repubblicanaa relegare nel privato le fedi religiose, negandone ogni espressionepub blica salvo appunto le espressioni patrimoniali, monumentali, mu seali, di cui nemmeno i programmi scolastici possono tacere 27.

25 Insegnamento obbligatorio in Ticino: si sperimentano due modelli, in “EREnews” 7 (2009) 3, 22-23.26 cfr. M. GiORDa e a. SaGGiORO, La materia invisibile. Storia delle religioni a scuola, Emi,

Bologna 2011; G. aRRiGOni et al. (eds.), Proposte per l’insegnamento delle religioni nelle scuole ita-liane, Sestante ed., Bergamo 2014.

27 Un Simposio di notevole livello scientifico, svoltosi a Dijon il 15-16 ottobre 2009, con lapresenza di un’ottantina di responsabili nazionali dell’educazione, dell’università e dellescienze religiose, si è proposto di fare il punto sui vent’anni intercorsi dal Rapporto Joutard edi rilanciare il progetto dello studio laico del fatto religioso promuovendo tra l’altro precisecompetenze professionali ad hoc degli insegnanti in formazione iniziale e di quelli in servizio.

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analo go il trattamento didattico del religioso nella scuola cèca, che dire cente (2007) ha integrato nei comuni programmi disciplinari ele-menti di storia del cristianesimo, dell’islam, dell’ebraismo, dellaRiforma, della laicità… 28. così, se la scuola europea in genere tenta dielaborare la dimensione culturale della religione, il sistema francese equello cèco privilegiano l’esplorazione della dimensione religiosa dellacultura.

2.3. Verso insegnamenti post-confessionali?

questa tipologia troppo sommaria non rende conto delle infinitevarianti che i diversi corsi di religione presentano sia a livello di defi-nizione legislativa, sia soprattutto a livello di organizzazione didat-tica. Un fatto però è ormai sotto gli occhi di tutti: il moltiplicarsi di de -no minazioni religiose (o sedicenti religiose) sul territorio europeoconsentirà sempre meno alla scuola pubblica di garantire insegna-menti religiosi confessionali all’interno dei propri curricoli; non potràevidentemente contentare tutti i postulanti. La scuola si vede costrettaad arginare la domanda di organizzazioni religiose emergenti cheavanzano il diritto alla loro ‘ora di religione’, con un evidente effettodi insostenibile parcellizzazione del tempo scolastico appaltato al pan-theon delle fedi. È evidente che se la scuola ha un ruolo nell’ambitodell’educazione religiosa, la priorità dovrà essere data a nuovi curri-coli di “alfabetizzazione religiosa comune”, dove la fede del singolonon viene mortificata e dove la diversità dell’altro viene riconosciuta,e dove l’uno e l’altro possono scoprire il ‘molto’ che hanno in comunee il ‘poco’ che li differenzia. Torna in mente, a questo proposito, ciòche don Milani scriveva a Giorgio Pecorini nel lontano 1959 : “quelliche si danno pensiero di immettere nei loro discorsi a ogni piè sos -pin to le verità della Fede sono anime che reggono la Fede disperata-mente attaccata alla mente con la volontà e la reggono con le unghie e coi denti per paura di perderla perché sono rosi dal terrore che non sia poi proprio vero ciò che insegnano (…). Ecco perché la miascuola è assolutamente aconfessionale come quella di un liberalacciomiscredente”.

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|2528 cfr. L.PEPin, L’enseignement relatif aux religions… loc. cit., pp. 60-62.

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3. Nodi problematici e prospettive

3.1. Fenomeni sintomatici

Si intuirà facilmente che – nonostante le innovazioni in corso, oforse proprio a causa di queste – lo scenario della scuola europea nonè esente da striscianti o aperti conflitti di potere tra autorità di stato edi chiesa, da polemiche culturali dilaganti sui media, da interrogativiirrisolti degli stessi operatori scolastici e di tanti genitori. Focolai diaccesi dibattiti negli ultimi tempi sono stati, per esempio:

– il lungo braccio di ferro tra la conferenza episcopale spagnola eil governo zapatero intorno alla nuova Educación para la ciuda-danía (obbligatoria) e l’insegnamento concordatario della reli-gione cattolica (obbligatorio per le scuole ma facoltativo glialunni) 29;

– il referendum popolare di Berlino nella primavera 2009 sullaopzione tra Etica laica (obbligatoria) e Religione cristiana (facol -ta tiva), che ha avuto esito positivo per i promotori del corsolaico, nonostante il fronte comune opposto dalle chiese, la catto-lica e la protestante;

– il veto, assai risentito ed energico, posto dalla gerarchia orto-dossa greca al governo di atene che appena aveva ventilatol’ipotesi (agosto 2008) di rendere volontario l’attuale corso direligione ortodossa nelle scuole pubbliche;

– i dibattiti ormai ricorrenti sulla liceità o meno del velo islamico odi altri segni come il crocifisso in aula, che sono rimbalzati dalBelgio alla Baviera, dalla Francia all’inghilterra, all’italia;

– non poco stupore ma anche sostanziale consenso dell’opinionepubblica hanno sollevato diverse iniziative volte a favorire fatti-vamente l’integrazione dell’islam nel tessuto scolastico e univer-sitario europeo, come l’apertura di corsi serali per preparare ifuturi imam alla “trasmissione della cultura musulmana” apertie gestiti dall’Università cattolica di Parigi (gennaio 2008) e dallauniversità statale di Vienna (autunno 2009), o la proposta deivescovi cattolici inglesi perché le scuole, anche quelle confessio-nali cristiane, provvedano locali idonei per la preghiera dei pro -

29 cfr. il numero monotematico della rivista “Religión y culltura”, n. 248, Enero-Marzo2009, su Educación para la Ciudadanía: contexto y texto, pp. 5-179.

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pri alunni musulmani (estate 2008), o ancora l’invito della con -ferenza episcopale tedesca rivolto alle organizzazioni islamichee al mondo accademico perché garantiscano la formazione di in -segnanti di religione islamica di lingua tedesca (settembre 2009);

– è alla fine di interminabili confronti e contrasti che in Russia,dopo quasi un secolo di ostracismo, lo studio della religione, informa di cultura religiosa ed etica laica, è tornato fra le materiedella scuola (dal settembre 2009)…

– accompagnato da infinite diatribe è stato introdotto in Francia(2014) un “insegnamento laico della morale” mentre il sistemaedu cativo pubblico del Granducato di Lussemburgo, dal 2016,estenderà a tutti gli alunni della primaria e della secondaria uncorso curricolare aconfessionale di cultura religiosa (“Vie et So -ciété / Leben und Gesellschaft”) sostitutivo degli attuali corsi direligione cattolica e protestante; le autorità ufficiali delle ottochiese e organizzazioni religiose presenti sul territorio hannosottoscritto di comune accordo un documento che acconsente eincoraggia tale innovazione educativa 30.

3.2. Nodi problematici aperti

al di là di questi episodi di cronaca e di tanti altri di cui è ricca l’at-tualità del nostro tempo, tre mi sembrano i nodi problematici mag-giori che restano aperti:

1. Uno è di tipo filosofico-teologico: la diversità culturale e reli gio -sa obbliga a riconsiderare nei contesti odierni la relazione con l’altro,con il diverso, e cioè il binomio identità-alterità, ma non certo in termi -ni di sola psicologia inter-individuale (come spesso la pedagogia reli-giosa è incline a ridurre il rapporto con l’altro). quando si parla di plu-ralismo oggi non si intende più una semplice diversità di opinioni o distili di vita all’interno di un unico sistema democratico e sulla base divalori fondamentali condivisi, ma si fa riferimento alla compresenzadì diversità olistiche (per razza, cultura, religione, scala di valori) chenon accetteranno se non un’integrazione parziale, un’integrazione chenon metta cioè in discussione le componenti essenziali della propriaidentità, quanto meno culturale e religiosa. Ora, pur essendo convintiche la diversità può essere una opportunità storica, una marcia in più

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|2730 cfr. EREnews 12 (2014) 4, 3-4; EREnews 13 (2015) 1, 6-7.

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per tutti, bisognerebbe saperla gestire con lucidità e competenza,contro ogni facile irenismo o ottimismo di maniera. a tal fine, bisognaavere il coraggio di mettere in discussione le proprie certezze e gerar-chie di valori accettando una decostruzione e successiva ricostruzionedelle principali categorie culturali ed etiche su cui l’Occidente stessosi è strutturato. Ma le religioni sono particolarmente difficili da inte-grare in un dialogo delle differenze, sia perché toccano alla radice ilsenso del vivere e quindi la stessa identità personale ed esistenziale,sia perché esse tendono spesso a strutturarsi in un sistema dottrinaleche più o meno sì presume irreformabìle, e a tradursi in un sistemaetico prescrittivo che lascia poco spazio a posizioni alternative 31.

2. Un secondo nodo problematico è di natura politico-giuridica, etocca il delicato sistema dei rapporti tra Stati e chiese e ora anche traquesti e l’arcipelago delle nuove presenze religiose e parareligiose, piùo meno strutturate, più o meno identificabili nel magma delle “societàliquide e molecolari”. quando si tratta di gestire nella scuola pubblica– spazio democratico a servizio di tutta la società civile – l’elaborazio -ne del prodotto religioso, sembra quasi inevitabile una sovrapposizio -ne di rivendicazioni di diritti: i diritti dello Stato, che considera il fattoreligioso una componente dei saperi scolastici, riconducibile quindi altrattamento pedagogico comune riservato alle altre discipline de! cur-ricolo; i diritti delle organizzazioni religiose, che rivendicano invecel’es clusiva della interpretazione autentica dei loro messaggi, con l’ag-gravante, rispetto al passato, che ora non si è più in presenza di unasola tradizione religiosa egemone, ma si è entrati decisamente in re gi -me di pluralismo, per cui l’eventuale intesa sottoscritta bilateralmentecon lo Stato non può non presupporre la condivisione di una comunepiattaforma di principi universalmente validi per tutte le fedi (neces-sità imprescindibile, cioè, di una fondamentale legge di libertà religio -sa); e, in terzo luogo, i diritti educativi degli alunni e dei loro genitoridi poter fruire di una istruzione scolastica in conformità (o almenonon in conflitto) con le proprie convinzioni filosofiche o religiose.

3. Un terzo nodo coinvolge più direttamente la responsabilità edu-cativa, e si può tradurre nel dilemma: educare nonostante il pluralis -mo o nel pluralismo? E’ ancora possibile costruire un’identità religiosa

31 cfr. c. MOnGE, Convivenza multiculturale e religiosa in Europa: un dialogo necessario, inGruppo Espaces (ed.), Il dialogo interculturale, “Prospettive per l’Europa” n. 4, Pistoia 2008, pp. 28-36.

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monoculturale, autoreferenziale, al riparo dalle fedi “altre” viste comeuna minaccia, o diventa invece inevitabile interloquire positivamentecol diverso per poter costruire nella reciprocità una identità capace diautocritica, di dialogo, di apprendimento interreligioso? La scuola èchiamata in causa per creare i presupposti di una convivenza demo-cratica, dove possa essere garantita sia la crescita dell’identità perso-nale (inclusiva delle proprie radici etniche, etiche, religiose), sia la ca -pacità di riconoscimento delle altrui identità, e di conseguenza laca pacità di apertura costitutiva verso l’altro, di dialogo tra visionidiverse della vita. Senonché, su questo punto, mentre il mondo dellascuola in genere considera che la realizzazione della identità personaleè il risultato di un confronto con il pluralismo, le religioni in generecontestano che vi possa essere una sana identità multiculturale, inquanto il profilo culturale di una persona implicherebbe anche l’ap-partenenza confessionale. Ma alla domanda se l’identità acquisita inuna cornice religiosa sia capace di far fronte alle sfide della societàpost-moderna, le posizioni degli studiosi sono divaricanti: vanno dallatesi che la tradizionale identità religiosa a contatto con la società plu-rireligiosa entra disastrosamente in crisi, alla tesi opposta che i gio-vani, nella misura in cui hanno acquisito meglio la propria identità,sono maggiormente in grado di situarsi nel pluralismo regnante. Ècomunque opinione maggioritaria che, in contesto di pluralismo avan-zato come quello dell’Europa attuale, l’identità personale non si possaformare che in uno sforzo di sempre nuova comprensione dell’altro.non esiste alcun luogo privilegiato di omogeneità culturale e religio -sa, dove illudersi di costruirsi una identità incontaminata. al contra-rio, molte esperienze di insegnamento interculturale rivelano che nonpochi alunni, dapprima scarsamente convinti della propria religione-di-nascìta, hanno trovato motivi stimolanti, nel dialogo con compagnidi altre religioni, per recuperare meglio la propria tradizione 32.

3.3. Segnali dalle politiche educative delle istituzioni europee

quasi a voler rispondere indirettamente a questi nodi irrisolti o ataluni loro aspetti, organismi autorevoli sovranazionali come il consi-

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32 cfr. R. EnGLERT, La Pedagogia religiosa tedesca nel pluralismo delle religioni e delle culture,in “itinerarium”, 12 (2004) 26, pp. 39-52; L. cOLLES et R. nOUaiLhaT (eds.), Croire, savoir: quellespédagogies européennes? Données empiriques, analyses et questions pour l’avenir. actes du colloqueinterdisciplinaire international de l’Université catholique de Louvain, avril 2013, LumenVitae, Bruxelles 2013.

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glio d’Europa, la commissione europea, l’OScE hanno emanato a piùriprese dichiarazioni, risoluzioni e raccomandazioni per prevenire edisciplinare i problemi del crescente meticcìato nella società e nellescuole 33. il segnale è chiaro e insistente: la scuola pubblica non èappaltabile a nessun credo, non è spazio per proselitismi di parte néper discriminazioni in base a religioni o credenze filosofiche; dev’es-sere semmai sempre più luogo di conoscenza critica e di confrontodìalogico tra le diversità culturali e religiose presenti nella società, nelris petto delle personali identità degli alunni e del diritto educativodelle loro famiglie. allo Stato, attraverso la scuola, non è assegnata al -cuna funzione di magistero etico, ma non gli è consentito neppure ditransìgere sull’ignoranza in fatto di religioni e di valori base della cit-tadinanza democratica. Gli indirizzi di politica educativa provenientidalle istanze europee tentano così di snidare dalla loro inerzia legisla-tiva quei parlamenti e governi nazionali che finora hanno preferito

33 impossibile render conto qui della mole di orientamenti e direttive europee in tema didiritti umani, di diritto alla libertà religiosa, di istruzione etico-religiosa. in particolare il con-siglio d’Europa ha attirato l’attenzione dei ministri dell’istruzione su tematiche emergenticome la tolleranza religiosa (Raccomandazione 1202, 1993), i rapporti tra religione e democrazia(Racc.1396, 1999), tra educazione scolastica e religione (Racc. 1720, 2005), tra libertà di espres-sione e rispetto delle credenze religiose (Risoluzione 1510, 2006), tra religione e dialogo inter-culturale (Dichiarazione di San Marino, 2007), tra laicità e diritti dell’uomo (Racc. 1804, 2007),tra comunità musulmane e società occidentali (Risol.1605, 2008). nel Libro bianco sul dialogointerculturale Living together as equals in dignity , Strasbourg 2008, si dà un ruolo insostituibileal fattore religioso (cfr. paragrafo 3.5), e la Racc. CM 12, adottata dal comitato dei Ministri delconsiglio d’Europa il 10 dicembre 2008, dal titolo Dimensione delle religioni e delle convinzioninon religiose nell’educazione interculturale, definisce la prospettiva, gli obiettivi e i metodi concui le religioni e le convinzioni dovrebbero essere trattate nella scuola. Uno strumento diprim’ordine in tal senso è il nuovo manuale Signposts – Policy and practice for teaching about reli-gions and non-religious world views in intercultural education, council of Europe Publishing,Strasbourg 2014, 126 pp.

Da parte sua, l’OScE ha emanato un volume-guida, destinato a governanti, pedagogistie insegnanti di materie religiose e umanistiche, per garantire le condizioni di un corretto inse-gnamento sulle religioni nelle scuole pubbliche: Toledo Guiding Principles on Teaching aboutReligions and Beliefs in public schools, OScE-ODihR, Varsaw 2007 (disponibile in versione in -gle se e spagnola). il comitato di giuristi che ha steso il documento è partito dalla convinzioneche “se la conoscenza della storia delle religioni non porta sempre automaticamente a unamaggiore tolleranza, l’ignoranza accresce la probabilità di produrre pregiudizi e conflitti” (p. 9). il testo è stato presentato in italia nel corso di un convegno di studio indetto dallaFacoltà di Scienze della formazione di Perugia l’11-12 dicembre 2008 e si è concluso con la sot-toscrizione di una proposta, più volte formulata in passato, « di istituire, per i non-avvalentisidel corso di religione cattolica, l’ora alternativa come vera materia scolastica, attinente all’areasocio-etico-religiosa e, per tutti gli studenti, di attivare un corso curricolare di cultura reli-giosa, da articolare su base storico-comparata e con profilo fenomenologico-ermeneutico»(vedi il testo integrale in “il Regno-attualità”, 14/2009, p. 445).

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ignorare il problema o che preferiscono delegarne la gestione alle soleautorità religiose.

Tali indirizzi, ancorché non formalmente vincolanti per la legis-lazione dei singoli Stati, manifestano un duplice intento: da una parte,di prevenire le cause dell’ intolleranza, della discriminazione etno--religiosa, dell’ antisemitismo e dell’ islamofobia, dell’ oltranzismoiden titario (o comunitarismo), mediante la lotta ai pregiudizi e agliste reotipi culturali che alimentano diffidenza reciproca, settarismo,disin tegrazione sociale; dall’altra, di promuovere le condizioni di unanuova coesione sociale (diventar capaci di “vivere insieme”, quarto pi -lastro del rapporto Delors) mediante strumenti idonei come: la com-prensione della diversità religiosa, lo studio del fatto religioso intesocome fatto storico e culturale con rilevanza etica personale e sociale,l’educazione ai valori della cittadinanza democratica in coerenza conil rispetto dei diritti umani e dell’uguale dignità di tutte le persone.

3.4. Verso una laicità post-secolare applicata all’istruzione religiosa scolastica

alla base di queste politiche educative delle istituzioni europee stauna concezione relativamente nuova della laicità, nel senso che tentadi armonizzare in questo concetto le tre componenti oggi ritenute uni-versalmente inderogabili 34: il principio della duplice neutralità posi-tiva (o indipendenza reciproca dello stato e della chiesa), il principiodella libertà di religione e di coscienza, l’uguale trattamento giuridicodelle religioni nel riconoscimento del pluralismo confessionale estesofino ai gruppi filosofici o a-religiosi. È quella che si può chiamare, alseguito di habermas e di altri autori contemporanei, una laicità post--secolare.

La dimensione post-secolare della laicità evoca una forma mentiso un metodo di analisi, che, da una parte, accetta che la religione, fuo-riuscita dal privato dove l’aveva relegata la ragione illuministica pri -ma e scientistica poi, acquisti nuova visibilità e incidenza nello spaziopubblico, e dall’altra, auspica che lo spazio pubblico – sia esso quellodella politica o della scienza, dell’etica o dell’educazione – non rifiutipiù pregiudizialmente, ma postuli positivamente, un dialogo demo-

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|3134 cfr. M. VEnTURa, La laicità dell’Unione europea. Diritti, mercato, religione, Giappichelli,

Torino 2001, pp. 104-105; J.-P. WiLLaiME, La laicità in Europa, in “il Mulino”, 58 (2009) 5, pp. 763--772; a. FERRaRi, La libertà religiosa in Italia. Un percorso incompiuto, carocci, Roma 2013.

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cratico e critico con l’istanza religiosa 35. applicata operativamente nel campo dell’educazione scolastica, una laicità post-secolare puòsignificare:

– assumere anzitutto il “fattore religione” nella sua duplice va len -za culturale, sia come una delle chiavi di lettura dell’intera vi -cenda umana di cui si fanno già eco normalmente le disciplineumanistiche studiate a scuola, sia come capitale di esperienze edi sollecitazioni etiche offerte al perenne insorgere del problemadel senso della vita, cui la scuola di tutti – credenti, diversamentecredenti, o non credenti – non può restare insensibile;

– proporre la conoscenza del fatto e del problema religioso nelqua dro del rispetto dei fondamentali diritti umani, tra cui primeg-gia il diritto alla libertà religiosa, il cui esercizio presuppone unacongrua informazione della mente e una coerente formazio ne cri-tica della coscienza, compiti che la scuola è chiamata ad assol vered’intesa e in collaborazione con le altre agenzie educative;

– adottare metodi di approccio e di studio che attingano alle pro-cedure più collaudate delle scienze della religione e ai loro risul-tati conoscitivi più plausibili, evitando da una parte il ricorsounilaterale alle sole scienze teologiche (che tuttavia, in quantoscienze, conservano anche nella scuola laica una loro dignità e ri -levanza comparabile e compatibile con le altre scienze umane),ed evitando dall’altra di estenuare il conoscere critico e sistema-tico tipico della scuola con approcci solo puntuali, episodici,emotivi, mutuati dai codici tipici – ma purtroppo oggi oggettiva-mente prevaricanti – della volgarizzazione mediatica del pro-dotto religioso;

– integrare lo studio dei fenomeni religiosi, dei grandi testi fon-danti, dei sistemi di significato nella struttura architettonica con-tenutistica e metodologica degli altri saperi scolastici e dellerispettive “educazioni” (ripensare, per es., l’istruzione religiosain chiave storica, antropologica, interetnica; inserirla nella peda-gogia dell’intercultura; farne un asse dell’educazione alla cittadi-nanza democratica…);

– verificare d’altra parte i contenuti culturali delle varie disciplinenei punti attinenti alla storia delle tradizioni religiose, ai loro

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32 |35 ho sviluppato ulteriormente il concetto nel saggio F. PaJER, La laicità post-secolare, un

luogo teologico, in F. caMBi (ed.), Laicità, religioni e formazione: una sfida epocale, carocci, Roma2007, pp. 61-76.

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testi e dottrine, ai loro effetti nella cultura e nel costume civile(ma terie come storia, filosofia, diritto, arte, letterature devonotrattare con criteri di più ragionevole imparzialità i dati oggettivie le interpretazioni relative alle religioni, evitando sia le omis-sioni o i ‘silenzi’ che le valutazioni tendenziose o le enfatizza-zione apologetiche…);

– riprogettare la formazione-abilitazione degli insegnanti, sia diquelli che si candidano all’insegnamento della futura (auspicata)“cultura religiosa” comune per tutti gli alunni, sia dei docentidelle diverse discipline che devono saper leggere laicamente – incoerenza cioè con le regole epistemologiche della propria mate-ria e senza introdurre indebite forzature teologiche o antiteologi-che – quella dimensione religiosa, etico-spirituale o simbolicaspesso sottesa nei saperi che insegnano; la preparazione profes-sionale di ambedue queste categorie presupporrà ovviamente unvasto ed esigente impegno congiunto delle competenti istitu-zioni accademiche.

[testo aggiornato al 20/05/2015]

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|35* Professor catedrático na Universidade católica Portuguesa, Braga; Doutor em Teologia

Fundamental pela Philosophisch-Theologische hochschule Sankt Georgen Frankfurt a. M.,alemanha. ([email protected])

O ensino da Religião como resposta à laicização da Europa

JOãO ManUEL DUqUE *

O título pode parecer estranho. Ou então, pode evocar um pro-grama de reação militante, com a eventual pretensão de recuperaçãode terreno do religioso, no contexto de uma sociedade laicizada. Maso que se pretende, precisamente, é pensar em que medida o ensino re -li gioso pode contribuir para um correto enquadramento do fenómenoreligioso numa sociedade laicizada, precisamente se esta assumir jánão ser uma sociedade laicista.

Ora, não me parece que, pelo que vai acontecendo por toda a Eu -ropa, a laicização (positiva) da sociedade seja um dado adquirido.Esse paradigma é cada vez mais contestado, por várias frentes, no -mea damente pela atitudes mais fundamentalistas. nesse sentido, eunão assumirei o que vou propor apenas como resposta – mais oumenos extrínseca e descomprometida – à sociedade laica, mas comosua defesa, pelo menos até certo ponto. E essa defesa implica, precisa-mente, o ensino público da religião em contexto escolar. Para funda -men tar esta tese, apresento três argumentos fundamentais: um emnome do espírito autocrítico ou científico; outro em nome de certacom preensão do religioso; e, por fim, outro em nome do que podería-mos denominar os valores de certa antropologia, em que se enquadra,pre cisamente, a ideia de laicidade. Tratando-se de argumentos, de fen -do certamente a sua validade; mas, ao mesmo tempo e porque re -conhe ço poder haver outras perspetivas, admito que estarão sujeitosao debate enriquecedor. isso é o que pretendo aqui: colocar em debateum possível perspetiva de fundamentação do ensino da religião na es -cola pública, no contexto de uma sociedade laica.

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1. Espírito crítico

“O ensino das religiões, das suas crenças como da sua história, nãoé certamente um atentado à laicidade; pelo contrário, é o silêncioimposto sobre as realidades religiosas que é um atentado inaceitávelao espírito de objectividade e de verdade de que a escola laica se re -clama” 36. assim se exprime alain Touraine, numa obra já publicadaem 1997, precisamente em contexto francês, onde tudo parece ter co -me çado. E a defesa desse espírito de objetividade e de verdade, queca racterizam a independência de uma instituição focada no lugareduca tivo da ciência, mede-se essencialmente por dois elementos: oexercício da atividade autocrítica (princípio científico mais geral e in -contestado) e o respeito pela realidade, tal como se nos manifesta, no -meadamente a realidade das pessoas e das suas identidades. Estamosperante dois princípios que parecem opor-se mas que em realidade,de facto, deverão constituir duas faces da mesma moeda, caso contrá-rio as identidades tornam-se ideologias encerradas sobre si mesmas e a crítica torna-se um exercício estéril e nihilista, sem qualquer fi-nalidade.

numa sociedade pluralista e multicultural, como é a nossa socie-dade ocidental, é relativamente fácil compreender a necessidade dorespeito pela identidades particulares, dos grupos e das pessoas. E seesse respeito se pautou, em muitas circunstâncias, apenas por uma to -le rância negativa, o certo é que vamos ganhando consciência de que éne cessário mais. a diversidade das identidades deverá ser assumida,precisamente em nome da própria realidade. E a escola é, talvez, a ins-tituição da maior diversidade de identidades e proveniências: condi-ções sociais, origens étnicas, identificações culturais e religiosas, etc.Em nome da verdade das pessoas que a constitui, incluindo os profes-sores, a escola não pode fechar os olhos a essa diversidade que a ha bi -ta, nem à diversidade dos elementos que constituem a sua plurali-dade. no conjunto dos elementos constituintes das identidades, adimensão religiosa não é das menos importantes – até mesmo quandose manifesta pela sua ausência. Pretender que esse elemento identitá-rio fora dos portões da escola é puro irrealismo e, em certo sentido,uma falta à verdade dos factos e das pessoas. Era o que pretendia, écerto, a escola nacional laica, no início do processo, precisamente por

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36 | 36 a. TOURainE, Iguais e diferentes, Lisboa, instituo Piaget, 1998, 363.

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querer arrancar a criança ao seu solo identitário e pretender transfor-mar a sua identidade na identidade uniforme do cidadão, segundoprincípios pretensamente racionais e universais. é isso que a escolaatual, denominada por alain Touraine a escola do sujeito, coloca emquestão – ou deveria colocar em questão. a fidelidade da escola aoprin cípio da verdade implica o acolhimento de todas as dimensõesdos sujeitos que a constituem. Também da sua dimensão religiosa, quedeve ser naturalmente acolhida e acompanhada.

Ora aqui é que embatemos no outro tópico. como acolher a iden-tidade religiosa dos sujeitos na escola? Simplesmente deixando que ossujeitos sejam religiosos, consoante um modo de ser que herdaram dafamília e dos seus grupos? Mas será isso educativo, ou simplesmentealheamento do processo educativo, em relação a essa dimensão daidentidade? Se a escola é um lugar de sujeitos não é menos um lugarde ciência – ou então deixará de ser escola, para ser apenas um aglo -me rado de partículas diferentes, eventualmente em iteração (ou não).E o bom espírito científico implica o exercício da autocrítica perma-nente, pois todas as posições são falíveis. é claro que a autocrítica radi-cal, própria do racionalismo crítico, não é igualmente aplicável a todosos âmbitos da existência – e não o será, certamente, ao âmbito religio -so. Mas esse âmbito não está dispensado de algum exercício autocrí-tico, compaginado sempre com o melhor conhecimento das suas próprias raízes. assim, é missão da escola pública ajudar os seus ci da -dãos, marcados por determinada identidade religiosa, a adquirir umespírito crítico em relação à sua convicção e identidade – mesmo queseja a de um ateu. antes de tudo, é importante a aquisição do próprioes pírito, como estilo de ver o mundo que não absolutiza erradamentea própria posição. Mas, para ser sério e não se esvair na pura críticacomo sistema, a crítica precisa de critérios e os critérios não podempres cindir do estudo sério da própria identidade. é no aprofundamen -to interno da própria identidade religiosa que se pode exercer perma-nente autocrítica sobre ela. assim sendo, o polo da crítica não chega aser completamente extrínseco à própria identidade, mas um movi -men to que lhe é inerente. Vemos, então, como os dois polos da objeti-vidade própria da escola se conjugam: o polo da identidade própria, deacordo com as pertenças de cada um, e o pólo da suspeita que sobreelas se lança, para as aprofundar e purificar, não para as eliminar.

E não será esta tarefa da escola tanto mais importante, quantomais os grupos religiosos, constituídos e fomentados fora da escola,tendem a afirmar-se fundamentalisticamente ao lado de qualquer es -

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pí rito crítico? não dependerá o futuro pacífico e democrático dasnossas sociedades cada vez mais desta prática, como base e garantiade convivência inter-humana, no respeito pela liberdade e autonomiados sujeitos e dos grupos? E não depende disso a própria laicidade dasociedade, que seria colocada em risco por um laicismo alheio reli-gioso e que permitiria, assim, o seu crescimento selvagem?

2. O valor da humanidade

Ora é precisamente quando falamos de democracia, de liberdadepessoal, de autonomia e emancipação dos sujeitos que tocamos nosegundo argumento. Serão estas realidades inevitável e garantida-mente omnipresentes, independentemente das identidades particula-res? Ou estarão ligadas a determinados trajetos históricos que, por seuturno, se relacionam com determinadas tradições religiosas? é assimque pensa o insuspeito Jürgen habermas, precisamente em relação àtradição judaico-cristã. Diz ele: “não creio que nós, como europeus,pudéssemos compreender seriamente conceitos como moralidade eética, pessoa e individualidade, liberdade e emancipação... sem nosapropriarmos da substância do pensamento histórico-salvífico de ori -gem judaico-cristã... Sem uma mediação socializadora e sem umatransformação filosófica de qualquer uma das grandes religiões mun-diais, este potencial semântico poderia um dia tornar-se inacessível” 37.

assim sendo, os princípios ou valores que subjazem à própriaideia da laicidade – partindo do pressuposto de que não se trata de umconceito negativo, mas da afirmação da dignidade do humano, contratodas as suas violações, também hipoteticamente em nome de ideaisreligiosos – são princípios originados numa tradição que considera-mos religiosa e cuja transmissão e afirmação dependem, também, deidentificação religiosa. Transmitir esses valores extraindo-os ao seucontexto originário poderá conduzir a um problema de fundamenta-ção teórica, mas sobretudo de fundamentação prática, na medida emque eles dependem de convicções para subsistirem.

não será missão da escola pública, numa sociedade laica mas de -fensora de valores humanizantes, a socialização em relação a esses va -lores, pela construção de convicções e, ao mesmo tempo, de hábitos de

37 J. haBERMaS, Nachmetaphysiches Denken, Frankfurt: Suhrkamp, 1992, 23.

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conduta condizentes com essas convicções? Mas, se o húmus dessesvalores é um contexto religioso e se a identificação religiosa é o melhor– se não o único – caminho para reforçar as convicções e os hábitos danovas gerações em relação a esses valores, não será importante que serelacionem, explicitamente, com as tradições religiosas de onde pro -vêm? não poderia o ensino da religião, na escola pública, para alémde fornecer conhecimentos neutros sobre identidades religiosas, oumesmo um espírito autocrítico em relação à posição própria, tambémfornecer apoio de identificação para os valores que constituem a basedas sociedades denominadas democráticas? ainda que a religiãopossa considerar-se demasiado funcionalizada para esse efeito, nãoserá isso de algum modo benéfico para todos?

3. O sentido do mistério

Mas, ao tocarmos a questão da funcionalização do religioso, atin-gimos um outro nível da questão: a importância da experiência reli-giosa, em si mesma, independentemente dos efeitos secundários quepossa ter sobre os sujeitos e as sociedades. é claro que, a este nível, en -tramos na floresta das definições do religioso e da respetiva experiên-cia. não quero envolver-me nesse debate. Proponho apenas a sua con-centração num tópico: a experiência religiosa poderia ser identificadacom a experiência do mistério de tudo. não propriamente nalgumsentido enigmático ou oculto da realidade, mas na sua dimensão ori-ginária, como milagre de ser. Experimentar a realidade quanto a essasua dimensão significa não a reduzir à mera objetividade empírica ouà pura relação dos factos. Também implica não a situar apenas sob aperspetiva do benefício utilitário. Exige-se, pelo contrário, uma atitudede atenção ao dar-se permanente do que acontece, como algo que nosen volve e que nunca dominaremos completamente. Poderíamos iden-tificar esta dimensão da experiência com a experiência poética. Defacto, há grande proximidade entre o religioso e o poético.

Ora, quer o sentido do religioso quer o sentido do poético pode sereducado. nesse processo podem ser considerados dois elementos: oda experiência propriamente dita, de dimensão essencialmente afe-tiva, e o do conhecimento, como caminho para um correta e equilibra -da experiência do mistério, mesmo como abertura para essa experiên-cia. no primeiro caso, são importantes iniciativas educativas que

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conduzam a abrir o sujeito para um âmbito do real não abarcável posi-tivisticamente – seja na relação ao mundo, aos outros humanos, ou aofundamento de tudo. assim se vai desenvolvendo uma sensibilidadeespecial para o acolhimento da alteridade do real que nos envolve. nose gundo caso, é importante o desenvolvimento do conhecimento dosli mites do próprio conhecimento e das formas como pensadores detodos os tempos foram lidando com a questão do sentido de tudo. nastradições religiosas essa dimensão está omnipresente, desde a sua for-mulação mais mítica, até às elaboração especulativas mais complexas.Para dar um lugar mais incisivo à importância do conhecimento nodesenvolvimento do sentido do mistério, que não se desfaz perante adinâmica explicativa das ciências, deixo as palavras interpeladoras deVergílio Ferreira: “À atitude maravilhada em face do que nos rodeia,em face da vida e da morte, não a anula nenhuma «explicação»… Oinverso (ou o inimigo) do «mistério» não é a «clarividência mental» –é apenas a «distracção» (e às vezes, sim, a «ignorância»)” 38. Penso queo ensino da religião, na escola pública, possa ajudar todos os cidadãos– mesmo o não explicitamente religiosos – a criar o hábito dessa lúcidaatenção ao mistério da realidade que, permanentemente, nos inter-pela. Desse hábito pode resultar a atitude de respeito pelo que é dife -ren te de nós mesmos, na superação da auto-fixação que anula a pró-pria cidadania democrática.

38 VERGíLiO FERREiRa, Do mundo original, 2.ª Ed., amadora: Bertrand, 1979 33, nota 1.

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* Professor assistente e investigador na Universidade Lusófona de humanidades e Tec-nologias. Licenciado e Mestre em ciências Religiosas pela Universidade católica Portuguesa,Doutorando em ciências da comunicação na Universidade Lusófona de humanidades e Tec-nologias. ([email protected])rand, 1979 33, nota 1.

Modelo de Ensino Religioso em Portugal

FERnanDO caTaRinO *

Introdução

a presente comunicação surge no contexto do 1.º Fórum interna cio -nal do Ensino Religioso, concretamente numa mesa em que se pretendeapresentar e reflectir sobre as diferenças entre os modelos de ensino reli-gioso vigentes em Portugal e no Brasil. Sendo duas concepções diame-tralmente opostas a minha intervenção pretende fazer uma exposiçãosumária, directa e tão linear quanto possível da especificidade da disci-plina de Educação Moral e Religiosa católica (EMRc) em Portugal.

Sendo um país maioritariamente católico e com uma tradição cató-lica profundamente enraizada na cultura e de grande impacto social,o surgimento de uma disciplina de ensino religioso nasce quase natu-ralmente do seio dessa mesma confissão. Este nascimento e crescimen -to é acolhido e incentivado pelo Estado Português que adopta a disci-plina como integrante dos seus sucessivos curriculuns ainda que coma especificidade de ser a única disciplina de frequência facultativa enão obrigatória. neste acolhimento, e tendo em conta o carácter laicodo Estado, este continua a confiar, ainda hoje, a responsabilidade pelaelaboração dos conteúdos programáticos e escolha dos professores àigreja católica.

Desenvolvimento do tema

Em Portugal, a concordata assinada entre o Estado Português e aSanta Sé em 1940 e posteriormente revista em 2004, suporta juridica-

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mente e legitima legalmente a Educação Moral e Religiosa católica(EMRc) nos estabelecimentos de ensino público não superior. Dessaforma, o Estado Português compromete-se a, no âmbito da liberdadereligiosa e no dever do mesmo cooperar com os pais na educação dosfilhos, garantir o ensino da EMRc sem qualquer tipo de discrimina-ção. além disso, deve ser respeitado o caráter facultativo deste ensinoe garantida a salvaguarda das competências da autoridade eclesiásticano respeitante à apresentação, escolha e manutenção ou exclusão dosprofessores e à definição de conteúdos a ministrar. (cf. artigo 19.º).

Já antes da assinatura da concordata de 2004 que a EMRc tinhavindo a ganhar preponderância no curriculum do Ensino Básico e Se -cundário. Fruto da grande reforma do sistema educativo portuguêslevado a cabo pela Lei de Bases do Sistema Educativo de 1986, poste-riormente concretizadas no Decreto-Lei n.º 286/89 e noutros diplomasnormativos subsequentes, surge o primeiro Programa de EMRc. Estaorganização programática concedeu à disciplina um caráter curriculare científico que as novas regras exigiam e fizeram com que a disciplinaganhasse um maior reconhecimento e, em simultâneo, se distanciasseda catequese. através desta inclusão da disciplina no currículo esco-lar, como disciplina de oferta obrigatória por parte das escolas mas defrequência facultativa por parte dos alunos, foram sendo regulados osseguintes factores: 1) o estatuto da disciplina de EMRc, comum ao dasrestantes disciplinas; 2) os direitos das famílias e dos alunos à frequên-cia da EMRc; 3) o dever das escolas e reconhecimento desse direitopela oferta da disciplina nas condições legalmente previstas; 4) o esta-tuto do professor, semelhante ao dos restantes professores das outrasdisciplinas; 5) o quadro de habilitações científicas e pedagógicas exigi-das para a docência; e, por último, 6) as condições de acesso a lugaresdo quadro, à profissionalização e à progressão na carreira. (conferên-cia Episcopal Portuguesa, 2006, p. 8)

Efetivamente, em Portugal, o Ensino Religioso é sempre de carác-ter confessional. no espaço da escola Pública verifica-se uma preva-lência da confissão católica seja pela maioria da população se afirmarcomo católica (números que tendem a descer) seja pela forte influênciaque a igreja católica tem junto do Estado Português, seja pela con-fiança que este (Estado) deposita na igreja católica. Estando inseridano sistema educativo como uma disciplina curricular, salvaguarda-sea sua:

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“natureza confessional, contudo a confessionalidade da dita disciplinasig nifica que a perspetiva a partir da qual lê a realidade – ou seja, a suavisão do mundo – é uma perspetiva cristã, em geral, e católica, em parti-cular, proposta como uma visão coerente e articulada com os diversosâmbitos da cultura e da ciência” (Programa de EMRc, 2007, p. 21).

no seguimento do estabelecido, a disciplina visa dar uma chave,uma matriz cristã para a leitura da realidade por parte dos alunos.Mais que uma tentativa de conversão ou itinerário da fé, a disciplinadeverá ter como finalidade principal dar as “ferramentas necessárias”para os jovens lerem a realidade e a cultura em que estão inseridos.

nesse sentido, o Directório Geral da catequese adverte:

“é, pois, necessário, que o ensino religioso escolar apareça comouma disciplina escolar, com a mesma exigência de sistematização e rigorque têm as demais disciplinas. Deve apresentar a mensagem cristã coma mesma seriedade e profundidade com que as outras disciplinas apre-sentam os seus saberes. ao lado das outras disciplinas, não se apresentacomo algo acessório, mas em necessário diálogo interdisciplinar.”

Em Portugal a EMRc materializa este ensino religioso escolarnuma disciplina curricular concreta, com programa definido e apro-vado pelo Ministério da Educação, lecionação prevista em horárioescolar (à exceção do primeiro ciclo onde aparece na 26.ª hora), siste made avaliação, e docentes aptos profissionalmente para a sua leciona ção.a disciplina suporta-se, desta forma, num estatuto reconhecido.

a disciplina de EMRc pretende, e deve, ser muito diferente de ca -tequese ou transmissão de conteúdos e verdades de fé. Enquanto a ca -tequese é dada geralmente em âmbito paroquial ou grupal (grupo ca -tólico que partilha da mesma fé), a EMRc desenvolve-se em contextoescolar, sendo aberta a todos os alunos que optem pela sua frequência,e visando ou tendo objetivos de carácter científico, cultural e humano,como aliás as restantes disciplinas, suas equivalentes.

assim, a EMRc pauta-se pelos processos científicos e pedagógicosvigentes no sistema de ensino em que está inserida.

a relação entre o ensino religioso escolar e a catequese – diz-nos oDi retório Geral da catequese – é uma relação de distinção e comple-mentaridade. não se concebem de forma alternativa já que ambascontribuem de forma significativa para a formação integral das crian-ças e dos jovens.

O que confere ao Ensino Religioso Escolar a sua característica

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peculiar é o facto de ser chamado a penetrar no âmbito da cultura e dese relacionar com os outros saberes (cf. Diretório Geral da catequese).

Esta obrigatoriedade de confessionalidade específica do EnsinoReligioso em Portugal é concretizada no Programa de EMRc afir-mando que esta não parte do pressuposto segundo o qual o aluno játomou a sua decisão de fé. a sua finalidade última é fazer com que osalunos compreendam a perspetiva cristã da vida e a relacionem, deforma sistemática, com situações da vida quotidiana e os outros sabe-res, sejam eles de natureza científica, cultural ou artística. (cf. Pro-grama de EMRc, 2007)

apesar deste modelo confessional ser bastante seguido na Europa,a declaração de Toledo (2008) alerta para a necessidade do EnsinoReligioso Escolar adotar uma perspetiva o mais alargada e global pos-sível, tendo em conta a necessidade dos jovens compreenderem afunção que cumprem as religiões no mundo plural de hoje e sobre-tudo tendo em conta o fenómeno migratório que se vive atualmente,um conhecimento mais profundo das religiões não garante, por si só,uma maior tolerância e respeito, mas é certo, no entanto, que a igno-rância aumenta a probabilidade de mal-entendidos, da criação de este-reótipos e o do aumento e prevalência de conflitos.

A Emrc na Escola Pública e na Escola católica segundo

a conferência Episcopal Portuguesa

a EMRc é compreendida pela conferência Episcopal Portuguesa(cEP) como sendo um “serviço prestado à escola”. no que respeita aoen quadramento e importância da disciplina na Escola Pública, se -gundo a cEP:

“a EMRc interessa à Escola e, designadamente, à escola estatal. élugar privilegiado de desenvolvimento harmonioso do aluno, conside-rado como pessoa, na integridade das dimensões corporal e espiritual, eda abertura à transcendência, aos outros e ao mundo que é chamado aconstruir. ao mesmo tempo, a EMRc é um alerta para a referência aestas dimensões que as outras disciplinas, as atividades da escola e opróprio projeto educativo são chamados, também, a contemplar.” (con-ferência Episcopal Portuguesa, 2006, p. 14)

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no que diz respeito à Escola Privada, nomeadamente na Escolaca tólica, a posição da cEP é a de que:

“a EMRc se reveste de uma importância acrescida, dada a íntima relaçãocom as suas finalidades e o contributo indispensável que presta à con-cretização do seu projeto educativo, uma vez que este se inspira noEvan gelho e se orienta num duplo sentido: (1) de fornecer aos jovens osin strumentos cognoscitivos, indispensáveis na sociedade atual, que pri-vilegia quase exclusivamente os conhecimentos técnicos e científicos; (2)e, especialmente, de lhes proporcionar uma sólida formação cristã.”(conferência Episcopal Portuguesa, 2006, p. 14)

A dimensão ético-moral da disciplina

a disciplina de Ensino Religioso em Portugal está voltada, sobre-tudo, para a dimensão ético-moral. O próprio nome legalmente insti-tuído Educação Moral e Religiosa (mais a designação da respetiva con-fissão religiosa) tem um forte e pesado cunho ético-moral. nestesentido, podemos debruçar-nos, agora, sobre as finalidades da discipli -na que são consideradas, segundo D. Tomaz Silva nunes (2006) 39, sobduas perspetivas: a partir das intenções da disciplina e dos professoresque a lecionam; e a partir dos alunos, entendendo-as como as grandesmetas a alcançar ou aquisições globais a adquirir por aqueles que fre-quentem a EMRc. Em relação a esta incidência na dimensão ético-moral, o Programa de EMRc (2007) refere que se podem identificarduas grandes orientações éticas, uma que fundamenta os valores na di -mensão exclusivamente antropológica, sem referências à transcendên-cia e uma outra que enquadra o mundo ético numa visão religiosa davida. a EMRc posiciona-se, como não podia deixar de ser, na se gun davisão, escudando-se no facto de a moral católica ser amplamen te coin-cidente com a ética humanística, fundada de forma não religiosa.

“a justiça, a paz, a liberdade, a verdade, a honestidade, a solidarie -da de, entre outros valores, encontram-se no ponto de interseção daséticas humanísticas e da ética cristã, constituindo uma forte motivação

39 Tomaz da Silva nunes (1942-2010), foi bispo auxiliar de Lisboa e Presidente da comis-são Episcopal da Educação cristã da conferência Episcopal Portuguesa entre 2005 e 2010.

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para a educação das crianças, dos adolescentes e dos jovens nos sistemaseducativos democráticos”. (Programa de EMRc, 2007, p. 21)

Esta perspetiva aparece matizada nas onze finalidades perspetiva-das a partir dos pontos de chegada a atingir pelos alunos e apontadaspela cEP, em que cada uma delas se associa ao domínio da aquisiçãode competências ou ao desenvolvimento de atitudes, assim, enumeraa cEP (2006):

“– aprender a dimensão cultural do fenómeno religioso e do cristia -nis mo, em particular;

– conhecer o conteúdo da mensagem cristã e identificar os valoresevangélicos;

– Estabelecer o diálogo entre a cultura e a fé;– adquirir uma visão cristã da vida;– Entender e protagonizar o diálogo ecuménico e inter-religioso;– adquirir um vasto conhecimento sobre Jesus cristo, a história da

igreja e a Doutrina católica, nomeadamente nos campos moral e social;– apreender o fundamento religioso da moral cristã;– conhecer e descobrir o significado do património artístico-reli-

gioso e da simbólica cristã;– Formular uma chave de leitura que clarifique as opções de fé;– Estruturar as perguntas e encontrar respostas para as dúvidas

sobre o sentido da realidade;– aprender a posicionar-se, pessoalmente, frente ao fenómeno reli-

gioso e agir com responsabilidade e coerência.” (conferência EpiscopalPor tuguesa, 2006, p. 10)

Já na parte final da justificação metodológica, o Programa deEMRc de 2007 adverte para o facto do programa se centrar no campomoral e religioso não o impedir de recorrer aos dados fornecidos pelasciências da natureza e pelas ciências sociais e humanas, bem como aperspetivas culturais, artísticas e filosóficas diferenciadas. Esta respon-sabilidade é transposta para a figura do professor como o garantedesta inclusão/exploração, contando com a sua “abertura de espírito”e a vontade e efetivação da formação permanente, bem como pelo diá-logo permanente que os professores devem estabelecer com os profes-sores, seus pares, de outras áreas.

admitindo ainda que a disciplina se situa num campo disciplinarmuito complexo, que recorre à metodologia própria de campos comoo científico, o filosófico, o artístico e o cultural, acresce ainda a neces-sidade de fazer o devido enquadramento na perspetiva religiosa da

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vida, através do método hermenêutico procura questionar o sentidoúl timo da realidade. (cf. Programa de EMRc, 2007)

conclusão

Tendo em conta o que ficou exposto pelo meu colega de mesa, Fre-derico Pieper, podemos perceber que o ensino religioso tem em Portu-gal e no Brasil uma concepção epistemológica completamente dife-rente, o que leva a que as discussões e questionamentos em relação àsua concepção, aplicação, e análise sejam amplamente distintas nosdois países. O carácter confessional e não confessional em Portugal eno Brasil, respectivamente, implicam uma abordagem que não podeser igual. num pequeno estudo que estamos a levar a cabo para pos-terior publicação, eu e o Sérgio Junqueira, estamos a proceder à reali -za ção de um pequeno questionário nos dois países para tentarmosper ceber um pouco mais quais as implicações desta diferença de abor-dagem à confessionalidade na formação e na percepção dos alunosque frequentam as aulas de Ensino Religioso nos dois países 40.

Essa diferença de abordagem reflecte-se, igualmente, na acade-mia. a proliferação de artigos científicos, de livros temáticos, de con-frontos ideológicos que se vê no Brasil, contrasta com a escassez deprodução e discussão em Portugal. a esta situação não será alheio ofacto da confessionalidade da disciplina e do quase total monopólioda leccionação por parte da igreja católica que acaba por diminuir adisputa ideológica/epistemológica sobre o rumo da disciplina ou assuas implicações. Esta posição pode, no entanto, demonstrar-se comouma espada de dois gumes. Se por um lado a não confrontação per-mite um crescimento tranquilo, sólido e gradual da disciplina, poroutro pode causar um relaxamento e uma falsa ideia de acomodaçãoque se poderá revelar extremamente prejudicial, levando à interrup-ção (ou mesmo à inversão) do caminho que tem vindo a ser percorridoda salutar diferenciação e distanciação das aulas de ensino religioso daca tequese. Sem o devido questionamento epistemológico o trabalho

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40 [N.A.] O artigo (JUnqUEiRa , Sérgio e caTaRinO, Fernando (2015). Ensino Religioso: Con-cepções e Compreensões – Portugal e Brasil. ciências da Religião: história e sociedade, São Paulo,v. 13, n. 1, p. 136-164, jan./jun.) foi, entretanto, publicado e pode ser encontrado em:http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/cr/article/viewFile/7859/5476

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de “cientificação” da disciplina pode ficar para segundo plano dandolugar a um reavivar da catequização dos alunos, seja pela fuga dosmesmos das comunidades paroquiais seja pelos extremares de posi-ções que os últimos tempos têm vindo a fomentar nas comunidadesdas diferentes religiões.

Seria, a meu ver, importante que os objectivos de formação inte-gral, científica, ético-moral continuassem a ser os baluartes da disci-plina não cedendo a igreja católica à tentação de os substituir por umatentativa de evangelização, catequização e conversão. Esta última hi -pótese conduziria, na minha opinião, a um descrédito da mesma nocon texto escolar e a uma brecha na justificação da necessidade da suainclusão no curriculum nacional.

Bibliografia

conferência Episcopal Portuguesa (2006). Educação Moral e Religiosa cató-lica: um valioso contributo para a formação da personalidade. PastoralCa tequética, n.º 5, 3-16.

congregação para o clero (1998). Diretório Geral da catequese. Secretariadona cional da Educação cristã.

nUnES, Tomaz da Silva (2006). Sobre as finalidades da Educação Moral eRe ligiosa católica. Pastoral Catequética, n.º 5, 75-80.

Secretariado nacional da Educação cristã (2007). Programa de EducaçãoMo ral e Religiosa católica – Ensinos Básico e Secundário. Lisboa: Secre -ta riado nacional da Educação cristã.

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O ensino religioso escolar

MiGUEL DOS SanTOS PaTRíciO PEiXOTO *

a aprendizagem, entendida como a possibilidade de alcançar de -terminada resposta ou efeito suscitado por meticulosos estímulos or -ganizados, tem vindo a ser amplamente estudada nos diferentescampos da pedagogia educacional, com o intuito de melhor se com-preender que caminho pode o ser humano construir para que o conhe-cimento adquirido não se perca. O problema que subsiste não é tantoo da preservação do conhecimento. na verdade, com o desenvolvi -men to da escrita, o ser humano tornou-se capaz de registar as suascon quistas e conhecimentos de modo a que as gerações procedentestivessem acesso à informação. na atualidade, a preservação e armaze-namento da informação tornaram-se ainda mais fáceis e duradourastendo em conta as novas estruturas virtuais onde é possível guardar oconhecimento. a grande dúvida, que continua a prevalecer entre ospensadores e investigadores do campo das ciências da Educação, é aseguinte: o que necessita o sujeito de conhecer para se tornar ho -mem?, reconhecendo que na natureza humana existem, entre outros,os domínios civil, cultural, moral, afetivo, filosófico e religioso.

naturalmente não se procura dar ou encontrar uma resposta defi-nitiva a esta interrogação, realidade que entraria em conflito com opró prio conceito de ciência, uma vez que as descobertas de hoje nãosão verdades definitivas, mas os alicerces dos novos conhecimentos deamanhã. assim, dar-se-á um contributo para poder enriquecer o de ba -te, no âmbito da reflexão, sobre o caminho a oferecer a cada sujeitopara que se torne homem, na linha do que afirma Emmanuel Levinas(2011), o outro ser humano que está diante de mim não está apenas aí,ele provoca uma “responsabilidade por Outrem – por outra liberdade,

* Docente de Educação Moral e Religiosa católica no Externato Dom afonso henriques,Resende; Doutorando em ciências da Educação na Universidade católica Portuguesa, Porto;Mestre em ciências Religiosas ([email protected]).

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ao aparecer – do imemorial, comanda-me e ordena-me a outrem, aoprimeiro que aparece, aproxima-me dele, aproxima-o de mim” (p. 33).

1. Que Sociedade e que Educação?

a vida coloca o ser humano em confronto com a realidade do nas-cimento e da morte, abrindo a sua consciência à necessária eficácia deaprofundar o conhecimento do ser único e irrepetível que é, ao mesmotempo que procura o caminho da concretização, da integração social,onde cada um se esforça por entrar e permanecer. O término da vidacoloca em risco todo o “mundo” criado pela comunidade, visto que osdetentores das conquistas (práticas e intelectuais) não podem perma-necer para as executar ou deliberar. O nascimento, por outro lado,abre a possibilidade desse “mundo” ter uma continuidade na repro-dução ou renovação, aplicada por esses que agora surgem com umanova oportunidade. Esta experiência indicia, a cada novo membro dacomunidade, o desafio de assumir um conjunto de aptidões e conhe-cimentos, marcado por padrões de comportamento, pensamento esentimento bem definidos pelo grupo, necessários para a sua sobrevi-vência individual e comunitária, sem nunca descuidar o cuidado pes-soal de se saber quem é e como pode viver.

é neste contexto que encontramos o conceito de educação en quan -to elemento de relação entre duas liberdades: aquele(s) que ensina(m)e aquele(s) que aprende(m). azevedo (2011) sustenta que todo aqueleque aprende, independentemente da idade que possui, não o faz parase tornar na peça indispensável que a máquina social da produção edo mercado necessita para continuar a funcionar. Trata-se sempre deum ser humano, único e irrepetível, que necessita de todo o “acolhi -men to e a melhor hospitalidade, no respeito pela sua singularidade esegundo dinâmicas singulares de personalização e de sociabilidade”(p. 125). Todavia, a ideia que defende, a escola enquanto lugar onde oser humano se prepara para desenvolver as competências necessáriaspara entrar no mercado de trabalho, atendendo ao consenso que com-preende o trajeto da educação escolar como o caminho direto para al -cançar o trabalho que ambiciona executar no futuro, é redutora e mini-malista, visto que este modelo apenas proporciona executores defunções e não pessoas criativas, empreendedoras e sociáveis como seespera do homem.

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a situação política e económica ocidental, que marcou o início doséc. XXi, colocou em crise o paradigma que defendia a otimização dascapacidades para o exercício de uma atividade, olhando a educaçãoes colar como trajeto para o cumprimento dessa rigorosa habilitação,porta de acesso ao mercado de trabalho.

Estas constatações colocam-nos diante da realidade da educação,em geral, e da educação formal, em particular, com a necessidade dere fletirmos sobre os fundamentos presentes no processo da educaçãoescolar. a pessoa humana, que se encontra no centro do processo edu-cativo, diz azevedo (2011), é detentora de uma dignidade singularque a coloca acima de qualquer enquadramento exclusivo sob o pontode vista institucional ou função social. Por outro lado, a constituiçãode um projeto educativo, enquadrado na escola, surge ligado a qua-dros políticos e ideológicos que, em determinada época, exercem a suaforça na realidade, alterando, de acordo com os interesses, os conheci-mentos e as práticas escolares que se consideram mais relevantes.Torna-se, deste modo, imperioso identificar e compreender que teo-rias ou linhas ideológicas se encontram presentes na educação escolarpara podermos compreender como é que o ser humano, ao longo dostempos, foi desenvolvendo o processo de educar.

Portanto, existem, ainda, outros elementos que este tipo de refle-xão deve ter em conta. Silva (2000) sustenta que a educação escolar en -quadrou dois importantes aspetos na constituição do currículo. O pri-meiro diz respeito ao conhecimento em si mesmo, avaliando o que éconsiderado importante ou válido para ser ensinado, e o segundo as -peto corresponde ao modelo de pessoa que se deveria constituir nofim do processo de educação. assim, o currículo, concretização dasteorias curriculares, acompanha inevitavelmente as condições sociais,numa formulação que nunca se revelou neutra. Estes serão os compo-nentes que estarão no foco do investigador e que permitirão desenvol-ver esta análise, identificando as tendências filosóficas e ideológicasque acompanharam o processo da educação escolar.

Procurar encontrar o fundamento para uma determinada afirma-ção é a base do discurso científico, de modo a que a palavra proferidaou o texto elaborado não sejam fruto de um acaso vazio, mas justifi-quem a relação entre aquele que conhece e a realidade a conhecer.com este artigo, procuramos dar um contributo para o debate sobreessa realidade que encontramos: a educação, com os seus mais diver-sos papéis e processos, que, pela sua natureza e complexidade, pro-porciona um campo de estudo pertinente e interessante, de modo a

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en contrarmos e justificarmos os fundamentos existentes na relação pe -dagógica entre o que se ensina e o que é aprendido. Tomar todo esteprocesso numa só investigação seria improvável, senão impossível,não só pelos estudos já desenvolvidos, mas também pela vasta dimen-são que a realidade da educação traz em si. Deparamo-nos, dentrodesta extensa área de possibilidade de reflexão e contributo de dis-curso científico, com uma das áreas do saber designada, no currículona cional Português, como a disciplina de Educação Moral e Religiosacatólica. a motivação desta investigação encontra-se relacionada coma lecionação da disciplina de Educação Moral e Religiosa católica,assim como pela formação de base, a Teologia, e profissional, ciênciasReligiosas, do investigador, o que leva a procurar respostas funda-mentadas e criteriosas sobre os contributos que se estabelecem, oudeveriam estabelecer, em novas perceções por parte dos estudantesdesta disciplina, na sua dimensão moral e religiosa. Por outro lado,constando esta disciplina do currículo nacional, enquanto disciplinade oferta obrigatória, mas de frequência facultativa, exige dos respon-sáveis pela docência toda uma série de estudos científicos, de funda-mentação epistemológica e aferição dos contributos (cognitivos, deadesão e de experiência) na vida dos discentes, que vai muito maislonge do que a formação inicial para quem leciona esta área do saber.

2. O Ensino moral e religioso no currículo Escolar

antónio candeias (1993), num artigo em que procura realizar umes boço crítico sobre os principais pontos da reflexão das políticas edu-cativas da década de oitenta, afirma que uma escola ideológica é umaescola onde uma determinada ideologia é imposta sem qualquer es -paço para discussões culturais, no que diz respeito aos valores huma-nos e sociais gerais, pois não aceita nenhum outro contributo se não oseu, ou aquela que retira da sua ação educativa qualquer indicaçãoideológica defendendo a “desideologização” da escola, que, parado-xalmente, assume também uma posição ideológica contribuindoigual mente para a inexistência de um diálogo e confronto de visões. aes cola pública surge como instituição onde o saber deve ser minis-trado na sua totalidade de modo a que o estudante possa, por ele pró-prio, ao longo do seu percurso escolar, criar uma súmula de conheci-

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mento crítico para orientar a sua vida. contudo, se o ensino se limitaa favorecer as dimensões de “ler, escrever e contar”, este não cumprein tegralmente a missão que a escola hoje deve promover, como legislao Decreto-Lei 46/86, a chamada Lei de Bases do Sistema Educativo,nos números 4 e 5 do artigo 2 do capítulo i: “O sistema educativo res-ponde às necessidades resultantes da realidade social, contribuindopara o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dosindivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis,autónomos e solidários e valorizando a dimensão humana do traba-lho” e “a educação promove o desenvolvimento do espírito democrá-tico e pluralista, respeitador dos outros e das suas opiniões, formandocidadãos capazes de julgarem com espírito crítico e criativo o meiosocial em que se integram e de se empenharem na sua transformaçãoprogressiva”.

O conceito “desenvolvimento”, tal como aparece na Lei de Bases,exige atenção da parte da comunidade científica, como refere MariaRoldão (1993), pois nem sempre se tem em conta a complexidade dopro cesso de desenvolvimento humano, presente nos domínios cogni-tivos, afetivo, moral, entre outros, que parte do pressuposto da exis -tên cia de uma sequência e passagem rigorosa de estágios inferiorespara outros subsequentes, que, no entanto, não se concretizam de ummodo tão linear como nos são apresentados pelos teóricos, como Pia -get, ainsworth ou Kohlberg. atendendo a este contributo, não pode-mos olhar o currículo segundo uma lógica desenvolvimentista, emque este funcionaria como a oportunidade, de acordo com a idade doses tudantes, de criar condições e experiências de aprendizagem paraque o estudante pudesse passar de um estádio para o estádio seguinte.Sendo o currículo, ainda para Maria Roldão (1999), “o conjunto deaprendizagens consideradas necessárias num dado contexto e tempoe a organização e sequência adotadas para o concretizar ou desenvol-ver… (mediante) a finalidade, intencionalidade, estrutura coerente ese quencia organizada” (p. 43), reafirma-se a instituição escolar comoaquela que promove todo o saber e conhecimento com a fina li dade//intencionalidade de prover, ao menos ao nível teórico, a informaçãoque permita alcançar um espírito crítico e criativo.

a escola deverá, então, apresentar os diferentes modelos de vida ede pensamento possibilitando o diálogo e o juízo com espírito críticosobre a vida e a cultura em que os estudantes estão inseridos. Esta rea-lidade abrange inevitavelmente a dimensão moral e religiosa da vidado ser humano e a sua referência cultural, mesmo para aqueles que

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não possuam qualquer credo religioso, mediante o contributo e oconhecimento das diferentes manifestações religiosas e suas perspeti-vas morais. Estes contributos e conhecimentos tornarão possível ocontacto e o enriquecimento com a sua própria cultura, embrenhadade manifestações religiosas, como a judaico-cristã ou a muçulmana,quer pelas evidências presentes na história ocidental, quer pelo flores-cimento de novos movimentos religiosos, ultrapassando o défice deiliteracia religiosa, moral e cultural que amiúde se manifesta.

a este propósito Régis Debray (2002) constata que a cultura dasgerações atuais se encontra num nível completamente distintodaquele que alguma vez se manifestou na história humana. Existe umde senraizamento dos elementos passados que se plasma numa incul-tura religiosa incapaz de “ler” os diversos símbolos artísticos e cultu-rais que envolvem a sociedade. O saber transformou-se, sofreu umamutação significativa, atendendo ao processo evolutivo cultural pró-prio da espécie humana. Esta realidade traz, em si, a oportunidade decontextualizar o ensino religioso, como afirma carlos Moreira (2012),“no horizonte da identidade cultural portuguesa, nos valores e na tra-dição a transmitir, fora do qual não se afigura possível educar verda-deiramente” (p. 49).

À luz da necessidade de se facultar diferentes saberes e experiên-cias que ajudarão o estudante a criar competências para realizar umareflexão crítica e criativa, a igreja católica promoveu a introdução nocurrículo Português da disciplina de ensino religioso escolar que, nonosso país, se denomina de Educação Moral e Religiosa católica.Porém, a organização programática desta mesma disciplina nem sem -pre foi constituída segundo os critérios da investigação curricular, rea-lidade que se constata numa certa “crise” do ensino religioso escolar.Durante algum tempo, o ensino religioso escolar foi confundido coma própria catequese, não só devido aos conteúdos que eram ministra-dos, como também devido aos agentes que lecionavam a disciplina.

Para solucionar esta dificuldade foi definido, pela congregaçãopara o clero (1998), no número 73 do Diretório Geral da catequese 41,

41 Documento oficial da igreja católica em que se estabelecem “os princípios teológico-pastorais fundamentais, inspirados no concílio Ecumênico Vaticano ii e no Magistério daigreja, aptos a poder orientar e coordenar a ação pastoral do ministério da palavra” (p.19).Trata-se da fundamentação geral para a educação cristã por parte da igreja católica (cate-quese e ensino religioso escolar) oferecendo reflexões e princípios, mais do que aplicaçõesimediatas ou diretrizes práticas, visto que estas, para a sua elaboração, supõem a realidadeconcreta de cada igreja local ou nacional.

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que a catequese e o ensino religioso escolar não são a mesma realidadecom dois nomes distintos, mas existe entre eles “um nexo indestrutívele, simultaneamente, uma clara distinção” (p. 82). Esta afirmação per-mitiu consciencializar os responsáveis quer da organização programá-tica, quer da lecionação da disciplina que esta possui um caráter es-colar com o mesmo rigor e sistematização das outras disciplinascur ri culares, sem perder a sua identidade cristã.

Este passo permitiu superar algumas imprecisões que marcavama natureza disciplinar do ensino religioso escolar no nosso país. Daquisurgiu toda uma reflexão significativa quanto aos conteúdos a seremtrabalhados na disciplina, tendo como fruto, na atualidade, dois pro-gramas, em processo de transição, que permitem apresentar a mensa-gem e o acontecimento cristão com seriedade e profundidade, à seme-lhança das restantes áreas do saber do nosso currículo. Para tal,contribuíram as reflexões e investigações realizadas no contexto daprofissionalização do curso de ciências Religiosas, desenvolvido naUniversidade católica Portuguesa, e pelo grupo de professores queconstituem a equipa redatorial do Secretariado nacional da Educaçãocristã. Porém, se o rigor quanto às finalidades, destinatários e conteú-dos tem vindo a ser amplamente trabalhado, o mesmo já não se podedizer da sistematização da disciplina em si, clarificando o seu lugar nocurrículo nacional enquanto disciplina.

Desde 1940 que a disciplina de Educação Moral e Religiosa cató-lica entrou para o currículo nacional, como afirma a conferênciaEpis copal Portuguesa (2006), contando a igreja católica com “a obri -ga toriedade de a República Portuguesa, no âmbito da liberdade reli-giosa e do dever de o Estado cooperar com os pais na educação dosfilhos, garantir tal ensino sem quaisquer discriminações” (p. 4). Falta,no entanto, uma fundamentação epistemológica que descreva a perti-nência e os contributos que a disciplina concretiza no âmbito geral docurrículo.

na década de oitenta, como podemos confirmar no artigo de Bár-tolo campos (1992), foi manifesto o debate sobre o lugar do ensinoreligioso escolar na educação portuguesa, existindo uma acesa discus-são sobre o papel da Educação Moral e Religiosa católica e a sua rela-ção no currículo com a área de formação pessoal e social. Desta ques-tão surgiram distintos pontos de vista fundamentados segundo oscritérios das diferentes teorias curriculares, enunciados, por exemplo,em Tanner e Tanner (1980). a necessidade de um ensino que potenciea aquisição de todos os contributos dos diferentes saberes, coloca a

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Educação Moral e Religiosa católica, organizada com todo o rigor me -to dológico que se exige, como uma disciplina curricular e não umaárea de enriquecimento não disciplinar, como seria a área de formaçãopessoal e social. no seu contributo específico para o currículo, elapossibilita o conhecimento da dimensão religiosa da vida, segundo aproposta dos ensinamentos do Evangelho, a abertura à transcendên-cia, o conhecimento da sensibilidade espiritual presente na cultura ena arte, a capacidade de diálogo e a abertura ao outro segundo a expe-riência da caridade cristã, prestando, deste modo, um serviço público,auxiliando não só os pais na educação dos seus filhos, mas também aprópria nação que, ao se afirmar laica, necessita de especialistas nestasmatérias. assim, é exigido aos docentes de Educação Moral e Reli-giosa católica uma formação específica para poderem lecionar estasmatérias, como legisla a Lei de Bases do Sistema Educativo (realidadeque não existe na área de formação pessoal e social) e a autorização doBispo, tanto da diocese de onde é natural o docente, como da dioceseonde vai lecionar, manifestando uma dupla exigência, teórica e prá-tica, para desempenhar a função de professor desta disciplina. Destemodo, pode a disciplina em estudo contribuir para o cumprimento dafinalidade a que o ensino se propõe: a escola deve ser um lugar ondeo estudante tem acesso a todos os saberes para que ele próprio possarealizar uma síntese pessoal e crítica, a fim de constituir a sua perso-nalidade.

assim, a disciplina de Educação Moral e Religiosa católica deveter em conta os contributos metodológicos e pedagógicos e, orientadapelos estudos curriculares, promover as seguintes finalidades, se -gundo a indicação da conferência Episcopal Portuguesa (2006):

• apreender a dimensão cultural do fenómeno religioso e, em par-ticular, do cristianismo;

• estabelecer o diálogo entre a cultura e a fé; • compreender os princípios morais que a disciplina apresenta

enquanto uma proposta de vida evitando uma moral prescritivae baseada no endoutrinamento;

• promover a oportunidade de se interrogar sobre a sua vida esentido;

• formular uma chave de leitura que clarifique as opções de fé; • conhecer e descobrir o significado do património artístico-reli-

gioso e da simbólica cristã.

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Deste modo, como afirma carlos Moreira (2012), a educação reli-giosa desempenharia a sua função no âmbito da educação formal rea-lizando uma “abordagem educativa e cultural do facto religioso, con-siderado concretamente a partir das suas realizações históricas ese gundo a multiplicidade das suas dimensões: doutrinal, histórica,moral, ritual, experiencial e social” (p. 50). Por outro lado, a EducaçãoMoral e Religiosa católica surge no currículo enquanto disciplina,apresentando o seu conhecimento baseado nos domínios moral, reli-gioso e cultural da igreja católica. com esta espera-se dotar o estudan -te, mesmo que não seja católico, com a capacidade de interpretar umalinguagem específica e seu significado, permitindo descodificar inú-meros elementos culturais, desenvolvidos à luz dos ensinamentos doEvangelho, sem que essa aprendizagem suscite inevitavelmente, comona catequese, uma experiência ou vivência de fé.

3. Investigação dos contributos curricularesdos conteúdos da Educação moral

e religiosa católica para os estudantes do nono ano do ensino básico

a inexistência de um estudo profundo epistemológico que clarifi-que a presença da Educação Moral e Religiosa católica no currículona cional e de uma avaliação que afira os contributos de mesma, se -gundo os parâmetros religioso e moral dos estudantes, encontra naárea das ciências da Educação o campo específico para uma nova in -vestigação com o intuito de contribuir para o próprio saber.

a realidade que se procura estudar são as ciências da Educação,com os seus papéis, processos e finalidades, que possibilitam umcampo pertinente e atual para a investigação científica. contudo, paraque a investigação seja eficiente e exequível, é necessário centrarmo-nos numa das suas inúmeras vertentes para a podermos estudar, com-preender, aprofundar e criar novo conhecimento.

a vertente eleita foi a Educação Moral e Religiosa católica, em quese procurará verificar os contributos curriculares dos conteúdos dadisciplina no desenvolvimento religioso e moral dos estudantes. Esteestudo terá a particularidade de realizar a sua avaliação partindo dasperceções das aquisições de estudantes que frequentam o nono ano doensino básico.

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Este tema surge da concretização de um problema identificado: arelação, ou a falta dela, entre o contributo da abordagem dos parâme-tros moral e religioso, específicos da disciplina de Educação Moral eRe ligiosa católica, e o desenvolvimento e aquisição dos objetivosgerais do currículo no que diz respeito ao desenvolvimento integral,aqui especificado nos domínios pessoal e moral do ser humano. Parase poder verificar este problema, e após a revisão da literatura, foi pos-sível organizar duas questões de investigação que nos guiarão naconstrução de um novo conhecimento nesta matéria. as questõesterão em conta os Pilares da aprendizagem definidos por JacquesDelors (1996): aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender aviver em conjunto e aprender a ser. que contributos são perceciona-dos por estudantes do nono ano do ensino básico, ao nível do currí-culo, no parâmetro moral da disciplina de Educação Moral e Religiosaca tólica? que contributos são percecionados por estudantes do nonoano do ensino básico, ao nível do currículo, no parâmetro religioso dadisciplina de Educação Moral e Religiosa católica? Em ambas as ques-tões, os contributos estarão referenciados quanto ao saber, saber fazer,saber viver em conjunto e saber ser.

quanto ao quadro teórico e conceptual, no presente estudo podemenunciar-se três grandes campos:

a) Escola e a Sociedade – estudos sobre Educação Escolar nos quaisse verificam o percurso feito no nosso país ao nível da escola,ana lisando os diferentes modelos que foram desenvolvidos aolongo dos tempos, tendo em conta as finalidades e a compreen-são dos modelos de homem que a escola deveria proporcionar.

b) Teoria e Desenvolvimento curricular, especificando as linhasteó ricas, filosóficas ou ideológicas que organizam os currículospresentes nas nossas escolas, permitindo conhecer os princípiose valores que são tidos em conta no desenvolvimento e reflexãodos estudantes.

c) Teoria do Desenvolvimento humano, identificando os momen-tos de crescimento que os estudantes atingem, tendo em contaas várias dimensões e períodos em que alcançam a possibilidadede maturidade.

no que concerne ao percurso metodológico, reconhecendo as dife-rentes dificuldades que um estudo desde âmbito acarreta (avaliar asperceções das aquisições dos parâmetros moral e religioso por estu-

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dantes) o investigador desenvolverá um estudo interpretativo anali-sando as perceções dos estudantes ao nível do seu desenvolvimentoreligioso e moral, manifestando o contributo da disciplina ao nível docurrículo. Os sujeitos em estudo serão vinte e quatro, provenientes dequatro turmas, seis de cada, tendo em conta que metade, doze dos dis-centes, frequentam a disciplina de Educação Moral e Religiosa cató-lica e a outra metade não frequentam a disciplina. Os dados recolhidosentre os estudantes que não frequentam a disciplina não serão o focodireto da investigação, tendo em conta as questões de investigação.con tudo os dados provenientes destes estudantes entrarão na inves-tigação para se verificar se algum dos elementos da dimensão moral ereligiosa foi desenvolvido noutro contexto para além da disciplina deEducação Moral e Religiosa católica.

Para introduzir, ainda, algum controlo na investigação, tendo emconta alguns indicadores dos parâmetros, que podem ser desenvolvi-dos considerando o normal desenvolvimento moral, como explicaKohlberg (1987) na sua teoria sobre o julgamento moral, reconhecendoas dificuldades que esta teoria possui, os dados serão estudados com-parativamente aos resultados dos estudantes que frequentam a Edu-cação Moral e Religiosa católica. O estudo decorrerá ao longo de umano letivo, em três momentos distintos, procurando aferir as altera-ções das perceções das aquisições dos estudantes quanto aos indica-dores estabelecidos que manifestam os valores e as práticas definidasnos parâmetros moral e religioso. Para a recolha de informação serãoutilizados os seguintes instrumentos:

a) inquérito sociocultural – este instrumento permitirá caraterizaros sujeitos quanto a variáveis de contexto (desempenho escolar;sexo; ambiente geográfico; prática religiosa dos pais; motivo daescolha/recusa da disciplina);

b) Entrevista semiestruturada – dirigida aos estudantes de quatroturmas, em três momentos distintos, permitirá avaliar as perce-ções das aquisições dos estudantes no que respeita aos indica-dores dos parâmetros moral e religioso. Este método vai ao en -contro do que refere irene Gialdino (2006) quando indica que ainformação recolhida qualitativamente surge da interação doinvestigador com os sujeitos que estuda, por isso, se este querconhecer elementos da sua vida desses, e considerando quealguém não se expões de qualquer modo, é necessário proporcio-

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nar um diálogo que conduza à descoberta do alvo da investiga-ção e que, naturalmente, não enviese as respostas do interlocutor.

Deste modo, contribuir-se-á para o debate sobre a presença daEdu cação Moral e Religiosa católica no currículo nacional partindoda constituição de um discurso epistemológico e, mediante a investi-gação, poder-se-á verificar o seu contributo no aprofundamento dosparâmetros do desenvolvimento moral e religioso nos estudantes donono ano. Suprir-se-á, também, a inexistência de um trabalho de ava-liação que verifique a influência dos contributos desta disciplina nocurrículo do nosso país, realidade que não poderá servir para uma ge -ne ralização, atendendo ao grupo de sujeitos em estudo. Espera-se,assim, elaborar uma proposta de reflexão na qual o conhecimentopossa encontrar mais um acréscimo, tornando-o mais rico e completo,abrindo, ao mesmo tempo, a possibilidade para a constituição denovas questões e outros estudos com o intuito de desenvolver o espí-rito dialético do discurso académico cientifico.

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a diversidade religiosa e o ensino da Religião na escola

SéRGiO ROGéRiO azEVEDO JUnqUEiRa *EDiLE FRacaRO

O termo diversidade originário do latim diversitate que significadiferença, dessemelhança, dissimilitude (BUaRqUE, 1999), pois apartir desta definição do termo diversidade como diferença que nospermite afirmar o valor da heterogeneidade. Portanto, a diversidadecultural é diferença existente entre as culturas, de tal forma que cadacultura tem sua concepção de mundo, de modo que não há lugar paradiscriminação e hierarquização de valores. as culturas, por serem ori-ginais, possuem necessidades peculiares, e não podem ser uniformi-zadas, porque entra em jogo a questão do significado do que cada pro-dução cultural (em termos de símbolos, tradições, ritos, idioma,ali mentação, música, dança, arte, moda, arquitetura, entre outros), re -presenta para cada comunidade.

O antropólogo clifford Geertz (1989), propôs que a diversidadecultural atua como teias de significado das vivências concretas dos su -jeitos de uma determinada sociedade, e, por meio dela, estipulam-seregras, convencionam-se valores e significações que possibilitam acomunicação dos indivíduos e dos grupos. compreendendo que a cul-tura não é casual, mas é o resultado de toda a experiência histórica dasgerações anteriores, que possui o poder de conter, simbolizar e tradu-zir formas de viver socialmente.

Em concordância com Geertz, a Declaração Universal sobre a Di -ver sidade cultural (UnEScO, 2002) no primeiro artigo declara que acultura adquire formas diversas através do tempo e do espaço. Essadiversidade se manifesta na originalidade e na pluralidade de identi-dades que caracterizam os grupos e as sociedades que compõem a

* Livre Docente e Pós-Doutor em ciências da Religião; Doutor e Mestre em ciências daEducação; Pedagogo, Professor do Programa de Pós-Graduação em Teologia, Líder do Grupode Pesquisa Educação e Religião da PUcPR ([email protected]).

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humanidade, esta fonte de intercâmbios, de inovação e de criativi-dade, a diversidade cultural é, para o gênero humano, tão necessáriocomo a diversidade biológica para a natureza. nesse sentido, constituio patrimônio comum da humanidade e deve ser reconhecida e conso-lidada em beneficio das gerações presentes e futuras.

Desta forma afirma-se que a diversidade cultural é uma caracterís-tica essencial da humanidade, pois contém os aspectos que maismarcam um povo e que revelam sua identidade, por isso, deve serconhecida, estudada, preservada como riqueza da humanidade. Veri-fica-se que as diferentes culturas possuem na sua origem característi-cas próprias, mas ao longo do processo histórico, encaminhado pelasrelações de poder constitutivo da sociedade, alguns grupos culturaisforam avaliando outros grupos como inferiores e por isso, dignos deexclusão e marginalização. Dentro dessa linha, Gomes (2003, p.71), ex -plica que o sentido que atribuímos às diferenças, passa pela cultura epelas relações políticas, ou seja, as diferenças são constituídas ao longodo processo histórico, nas relações sociais e nas relações de poder.Muitas vezes, certos grupos humanos tornam o outro diferente parafazê-lo inimigo, para dominá-lo.

Este processo histórico de dominação e homogeneização das cul-turas consideradas minorias é explicado por Marín (2003, pp. 11-32).Para o autor, as sociedades multiculturais sempre existiram, no en tan -to, com a ocidentalização do mundo, iniciou-se o processo histórico dacolonização da África, da américa e da Ásia, quando se instala o pro-cesso histórico de dominação econômica, política e cultural, por meioda imposição do etnocentrismo ocidental ao mundo. na contempora-neidade, a globalização econômica e cultural do capitalismo se impõecomo modelo único de sociedade e essa cultura dominante é veicu-lada pelos meios de comunicação de massa, por certas tradições reli-giosas e pelas escolas, dando continuidade a exclusão da diversidadecultural presente em nossa sociedade.

Visando resgatar a dignidade dos grupos vulneráveis, ou ordina-riamente vítimas de violações aos direitos humanos, a Declaração Uni-versal sobre a Diversidade cultural, no art. 4.º, expressa: a defesa dadiversidade cultural é um imperativo ético, inseparável do respeito àdignidade humana e no art. 5.º, estabelece que a diversidade culturalseja, “parte integrante dos direitos humanos, que são universais, indis -so ciáveis e interdependentes” (UnEScO, 2002).

Dessa forma, o estudo do tema diversidade cultural atualmente,en contra-se vinculado ao tema dos Direitos humanos. Enquanto mo -

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vi mentos sociais se organizaram em vista das reivindicações de seusdireitos básicos na sociedade (acesso a educação, à saúde, entreoutros). Bem como, a incorporação deste tema na Educação Brasileiraé mediada pelos órgãos internacionais (OnU, UnEScO, OiT, FMi,entre outros). nessas perspectivas é que surge o respeito pela diversi-dade, ou seja, pelos grupos que, nas relações sociais, permaneciam emdesfavorecimento. E entre esses está à diversidade religiosa presentena sociedade.

a diversidade religiosa é um desses aspectos da diversidade cul-tural aportados pelos documentos oficiais e educacionais do Brasil, aqual deve ser trabalhada na educação, com vistas a formar cidadãosmulticulturalistas e superar a discriminação, o preconceito, a exclusãoe perseguição das religiões minoritárias presentes em nossa sociedade(KaDLUBiTSKi, 2010). Este trabalho é fundamental em nosso país,uma vez que o Estado Brasileiro se tornou laico, e a laicidade, ao con-dizer com a liberdade de expressão, de consciência e de culto, nãopode conviver com um Estado portador de uma confissão, devendores peitar todos os cultos. no entanto, segundo a cartilha diversidadere ligiosa e direitos humanos, publicada pela Secretaria Especial dosDi reitos humanos (SEDh, 2004), no Brasil, são inúmeros os casos devítimas de ódio e intolerância contra aqueles que pensam de modo di -fe rente, ou fazem suas preces de maneira diferente, ou ainda chamamo Ser Superior por nome diferente.

Visando compreender como a Diversidade Religiosa está sendoincorporada na educação brasileira questiona-se como a diversidadereligiosa está sendo trabalhada na educação brasileira?

com esta intenção as políticas educacionais almejam levar em con-sideração às diferentes orientações culturais e às diferentes aspiraçõesa respeito de modo de vida, representadas pela diversificada popula-ção de alunos das escolas. Da mesma forma, os documentos específi-cos da educação apontam à necessidade de se trabalhar a diversidadereligiosa na educação com vistas a construir uma convivência harmo-niosa entre a diversidade existente na sociedade. Mas, essa é umaquestão não simples de ser incorporada pela escola, que tem a tradiçãode lidar com um padrão homogêneo de cultura, imposto pelas rela-ções de dominação e de imposição cultural no Brasil desde o início dacolonização.

De acordo com Burbules (2003), a educação atual nas escolas émar cada pela tensão entre homogeneização e diversidade. Essa diver-gência tem sido uma característica incessante da teoria e da prática

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educacional. Dentro dessa perspectiva, Dias (2007) explica que traba-lhar com a diversidade nas escolas é indispensável, para assegurar aigualdade sem aniquilar as diferenças. E num país, como o nosso,marcado por contrastes e desigualdades de recursos, direitos e deoportunidades de aprendizagem, de informação, de voz ativa, a edu-cação de qualidade para todos torna-se fundamental, visando o acessopor todos na sociedade, aos direitos inerentes as necessidades básicas.

Diante de este contexto incorporar nas reflexões educacionais avariedade cultural presente na sociedade a diversidade religiosa queprovêm da pluralidade cultural, segundo corrêa (2008) é, ao mesmotempo, necessária para a construção de uma escola democrática e, porisso, mais inclusiva, razão pela qual se faz necessário ao universo edu-cativo escolar abrir-se para a convivência com as diferentes expressõesculturais e estimular movimentos de afirmação da identidade culturaldos diferentes grupos existentes no Brasil. Para assim construir umconvívio harmonioso entre essa multiplicidade cultural.

E dentro desse contexto, faz se necessário entender um pouco maissobre a diversidade religiosa, para poder compreender a sua incorpo-ração na educação escolar brasileira é importante entender a palavrare ligião que significa Religar, ou seja, ligar, unir as pessoas com o Sa -gra do, com o transcendente e com os outros. Portanto, a religião podeser considerada como um comportamento característico do ser hu ma -no, cujas manifestações são observáveis através dos tempos, em todasas diversas culturas, a partir da busca da compreensão de si mesmo e do mundo, da consideração em relação aos fatos inconsoláveis e desconhecidos.

as religiões, portanto, fazem parte da cultura humana, presentesem todos os povos, em todas as épocas históricas. Desde os tempos re -motos, segundo Silveira (2010) os seres humanos tem procurado res-ponder sobre o mistério da sua existência e da criação do Universo,bem como, dar sentido a vida terrena e após a morte, entre esses dife-rentes meios está à religião. nesse sentido, todas têm algo em comum:a busca de uma relação com o mundo metafísico. Essas vão desde asmais antigas sociedades mesopotâmica, europeia-célticas, asiáticas,negro-africanas, e culturas indígenas das américas, ágrafas, panteís-tas, de tradição oral; seguindo das religiões politeístas durante a anti-guidade (na África: Egito; na Europa: Grécia, Roma, Escandinávia,ibéria, ilhas Britânicas e regiões eslavas; no Japão, com o Xintoísmo;na índia, com o hinduísmo; na américa pré-colombiana: asteca, Maiaetc.); e depois por volta do ultimo milênio a.c, constituíram-se as reli-

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giões monoteístas: o judaísmo e o cristianismo, seguindo do islamis -mo, bramanismo, o zoroastrismo, o sikhismo.

E ainda segundo Silveira (2010), apesar da sua diversidade, emquase todas as religiões, como fenômenos individuais e sociais, se en -contram as seguintes características: crenças no sobrenatural, no Sa -gra do (Deus, Ser Supremo), os quais são evocados por meio de rituaisou celebrações, (utilizando-se vestimentas, instrumentos, livros sagra-dos, etc., que são dotados de simbolismo, ou seja, de significado reli -gio so), realizadas em lugares Sagrados como igrejas, templos, terrei-ros, mesquitas etc.

Portanto, cada religião é peculiar, por expressar diferentes lingua-gens, diferentes formas de acreditar, de celebrar, de rezar, e de relacio-narem-se com alteridade e de simbolizar de formas diferentes essesfenômenos religiosos vivenciados pelos membros de cada cultura. apartir desse pensamento, não há lugar para discriminação e hierarqui-zação de valores e de culturas religiosas, uma vez que as culturas nãopodem ser comparadas, hierarquizadas.

ao longo da historia da humanidade, infelizmente, a convivênciados seres humanos, com a alteridade, nem sempre foi pacifica. histo-ricamente muitos conflitos e guerras violentas foram e ainda são tra-vados em nome de uma determinada crença religiosa ou de outra. Sea religião tem por objetivo ligar as pessoas ao Sagrado e unir as pes-soas, porque discriminar, ofender aqueles que não pensam da mesmaforma? a necessidade de respeitar a diversidade religiosa presente nahu m anidade foi afirmada ainda em 1948 pelo art. 18 da DeclaraçãoUni versal dos Direitos humanos. Encontramos na sociedade brasi-leira inúmeras religiões, advindas justamente da diversidade culturalpresente no Brasil. Essa diversidade religiosa deve ser conhecida e res-peitada dentro da sua especificidade. Sendo a religiosidade é uma dascaracterísticas mais marcantes do povo brasileiro. Ela se manifesta demúltiplas maneiras como decorrência de um lado das diferentes reli-giões praticadas na sociedade brasileira e, de outro, como parte domodo de ser de muitos indivíduos ainda que não professem uma reli-gião em especial. E, ainda, corrêa (2008, p. 149) expressa “que a reli -gio sidade por ser uma manifestação cultural de natureza imaterial éconsiderada como patrimônio cultural. Ela diz respeito à identidadede grupos formadores da sociedade brasileira, objetivada por meio dediferentes formas de expressão”. Por isso poderíamos também dizerque a religiosidade presente em nossa sociedade faz com que os sujei-

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tos que as tem como princípio de vida, passem a cultivá-la por meiode diferentes modos de criar, fazer e viver.

consequentemente o currículo elaborado pelas escolas precisa serpensado coletivamente, em cada unidade escolar, visando enfrentaralguns desafios que a diversidade cultural tem nos trazido. Esse desa-fio passa pelo compromisso com uma educação cada vez mais demo-crática. a partir da temática da diversidade, a escola é chamada a en -frentar o desafio da diferença e do cruzamento de culturas. Ela precisaacolher criticar e colocar em debate as diferentes manifestações cultu-rais, diferentes saberes, diferentes óticas, ser-fazer dos educandos. aeducação para a diversidade traz como pressupostos fundamentais ocompromisso em denunciar a arbitrariedade por parte de políticascurriculares cristalizadas que insistem em priorizar a dimensão posi-tivista e cientificista do currículo, não contribuindo de forma eficazpara a inserção de temas culturais que não estão contemplados no cur-rículo oficial.

é aqui que consideramos a contribuição da diversidade religiosana sociedade, visando ao estudante o conhecimento religioso en quan -to patrimônio da humanidade, gerando a oportunidade de que este setorne capaz de compreender os movimentos específicos das diversasculturas, cujo substantivo religioso colabora no aprofundamento parao autêntico cidadão multiculturalista.

Exigindo ainda o entendimento e a reflexão no espaço escolardiante do reconhecimento da justiça e dos direitos de igualdades civil,social, cultural e econômico, bem como valorização da diversidade da -q uilo que distingue os diferentes componentes culturais de elaboraçãohistórico-cultural da nação brasileira.

assim como o reconhecimento de adoção de políticas educacio-nais e sociais, de estratégias pedagógicas de valorização da diversi-dade, a fim de superar a desigualdade étnico-racial-religiosa, garan-tindo o direito constitucional de liberdade de crença e expressão damesma (art. 5.º, inciso Vi, da constituição Brasileira), poderá ser maisbem efetivado na medida em que a disciplina de Ensino Religioso e aescola, de forma geral também contribuam para significar no dia-a-diao respeito à diversidade.

a proposta aos estudante é a oportunidade de identificação, de en -tendimento, de conhecimento, de aprendizagem em relação às dife-rentes manifestações religiosas presentes na sociedade, de tal formaque tenham a amplitude da própria cultura na qual estão inseridos, fa -vo recendo o respeito à diversidade cultural religiosa em relações

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éticas diante da sociedade, fomentando medidas de repúdio a toda equalquer forma de preconceitos e discriminações e o reconhecimentoque todos são portadores de singularidade irredutível requerendo daformação escolar tal atitude.

Esta dinâmica do currículo não se limita aos conhecimentos rela-cionados às vivências do educando, mas introduz sempre conheci-mentos novos que, de certa forma, contribuem para a formação hu ma -na dos sujeitos. nessa perspectiva, um currículo para a formaçãohu mana é aquele orientado para a inclusão de todos no acesso aosbens culturais e ao conhecimento (LiMa, 2006). assim, teremos umcurrículo a serviço da diversidade.

consideramos os conteúdos escolhidos para o currículo como im -por tantes para a formação humana. Mas qual é a contribuição do cur-rículo se ele se resumir à reprodução desses saberes? Os conteúdos cur-riculares que são desenvolvidos e a forma de selecioná-los fazem partede toda a configuração das práticas educativas, das instituições e dasideias que as legitimam. Um currículo que pretende abraçar a diversi-dade não se limita às áreas, temas e conteúdos estanques, sugeridos eorganizados pela administração ou pelos professores, mas deve serentendido como a soma de todo tipo de aprendizagem que os alunospossuem e os conhecimentos ausentes que eles obtêm no processo deescolarização, mas que não são contemplados no currículo. Por tanto, ocurrículo tem que ser entendido como cultura real que sur ge de umasérie de processos, mais que como um objeto delimitado e es tático quese pode planejar e depois implantar (SacRiSTÁn, 1995, p. 86).

com o avanço de novos estudos culturais e sobre a diversidade, aescola precisa apoderar-se dessas discussões e levá-las para seu inte-rior, debatendo, com os gestores, educadores, educandos, corpo téc-nico e administrativo, questões tão atuais que, às vezes, nos pegamdesprevenidos. Ou seja, esses assuntos precisam estar na pauta de dis-cussão de toda unidade escolar. não há mais como fingir que determi-nados conteúdos extracurriculares não precisam ser contempladostambém no chamado “currículo tradicional”. Os saberes escolarestransmitidos aos educandos em processo de escolarização nada maissão que uma ideologia pautada num currículo conservador e estagna -do. Esse processo meramente instrucional, que perdura até os diasatuais, impossibilita que outros saberes sejam acrescidos ao currículo.numa visão crítica, podemos afirmar que as práticas curricularesreproduzem o saber de um grupo dominante que manipula o conhe-cimento e os saberes com base na afirmação de uma hegemonia racio-

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nal que coloca em desvantagem as minorias desprivilegiadas dos bensculturais. infelizmente, essa prática é concretizada em muitas escolasque não aceitam a flexibilidade do currículo como caminho para acolher os diversos saberes produzidos pelos sujeitos aprendentes.

E no âmbito escolar, outro fator importante de análise é a lingua-gem dos/as professores/as, os exemplos que utilizam suas atitudespara com as minorias ou culturas, as relações sociais entre alunos, oses tereótipos transmitidos através dos livros didáticos, as formas deavaliação etc. Sendo assim, a formação de um currículo para a diver-sidade cultural requer uma tomada de consciência por parte do cole-tivo docente, quando das propostas que o mesmo apresenta para suaelaboração. O mais importante não são as declarações ou desejos sobreaquilo que queremos ver introduzido no currículo, mas a experiênciaque é vivida pelo estudante. Só assim teremos um currículo real, quenão se separa da vida dos estudantes, sejam eles negros, brancos,índios, pobres, ricos, com algum tipo de necessidade especial ou per-tencentes a qualquer tradição religiosa.

a partir das disciplinas pedagógicas e integradas com disciplinasna área específica desenvolve-se o núcleo de aprofundamento e diver-sificação de estudos voltados à área da ciência da Religião e da Edu-cação, priorizadas pelo projeto pedagógico das instituições e que,atendendo a diferentes demandas sociais, oportunizará, entre outraspossibilidades: a avaliação, criação e uso de textos, materiais didáticos,procedimentos e processos de aprendizagem, que contemplem a di -versidade cultural e religiosa da sociedade brasileira; atividades prá-ticas desenvolvidas com ênfase nos procedimentos de observação ereflexão, visando à atuação em situações contextualizadas, com o res-pectivo registro das observações e a simulação de resoluções de situa-ções-problema, a fim de elaborar propostas educacionais consistentese inovadoras.

a preocupação na formação dos professores de professores procu-rando inserir em suas aulas conteúdos que tratem da diversidade demanifestações religiosas, dos seus ritos, das suas paisagens e símbolos,as relações culturais, sociais, políticas e econômicas de que são im -pregnadas as diversas formas de religiosidade. a escola como local daaprendizagem pode trabalhar as regras do espaço público democrá-tico, buscando a superação de todo e qualquer tipo de discriminaçãoe exclusão social. ao relacionar o que aprende na escola com a reali-dade, o educando pode superar o senso comum que domina seu coti-diano. assim é possível que o educando ao ser valorizado como indi-

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víduo e conscientize-se de que todos os grupos que compõem a socie-dade brasileira merecem ser respeitados, exercerá a sua cidadania.

é certo que ao se apresentar a diversidade cultural religiosa, favo-rece-se o desenvolvimento de uma liberdade da identidade pessoal,mas um aspecto a ser ressaltado nesse sentido não fique restrito so -mente em informações e curiosidades, porém alcance a educação paraa ação transformadora. Entretanto, também há que se preocupar comum esvaziamento se esses conteúdos forem trabalhados somente emnível de informação e curiosidade, pois é a transformação da informa-ção em conhecimento que proporcionará a consciência cidadã, que au -xilie os alunos a enfrentar os conflitos existenciais, ajudando-os a de -senvolver, orientados por critérios éticos, a religiosidade presente emcada um e a agir de maneira dialógica e reverente ante as diferentesex pressões religiosas.

Portanto, a educação escolar é um tipo de educação que se realizade forma sistemática, tal tipo de educação é uma exigência que estáposta na base da formação do cidadão moderno, como instrumentopara a socialização do conhecimento e do exercício da cidadania de -mocrática. assim entende-se que a escola é uma instituição culturalconstruída para transmitir cultura e para socializar saberes produzi-dos e acumulados no tempo pelos diferentes povos. no entanto, res-salta-se que é na modernidade que a escola instaura-se, no período deafirmações universais, e, ainda, de políticas e práticas cunhadas nomodelo europeu. é neste universo particular que a instituição escolarfoi organizada para produzir a homogeneização cultural, difundindoe consolidando uma cultura comum de base ocidental e eurocêntrica.assim historicamente, esta instituição foi constituida para “tratar ossujeitos que adentram em seus espaços, de forma uniformizada, paraque pudesse melhor funcionar, e, nesse sentido, a educação aí veicula -da cumpriria melhor sua função de condução de grupos em maiorescala e menor tempo” (cORRêa, 2008, p. 131).

Mas, nas últimas décadas, a dinâmica social impõe à escola brasi-leira, o imperativo de incorporar à sua cultura a diversidade. Dentrodesse contexto, a reflexão sobre a diversidade cultural na educação es -colar brasileira é um imperativo, a partir da Declaração Mundial sobreEducação para Todos, a qual atribui à educação a responsabilidade emdesenvolver e respeitar toda a herança cultural de determinada popu-lação (BRaSiL, 1991). assim, em nosso país o que podemos denomi-nar de fenômeno da diversidade passa a adquirir dimensões sem pre-cedentes a partir do final do seculo XX e início do século XXi. Esse fato

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pode ser constatado pelas políticas educacionais, entre outros: pelaconstituição de 1988, pela LDB 9394/96, pelos Parâmetros curricula-res nacionais do Ensino Fundamental – Pluralidade cultural de 1997,pelo Plano nacional de Educação de 2001, pelas Diretrizes curricula-res nacionais para o curso de Pedagogia, pelas conferências nacio-nais de Educação de 2008 e 2010 e pelas Diretrizes curriculares nacio-nais Gerais para Educação Básica de 2010. Esses documentos apontamque na prática escolar, é importante considerar a diversidade culturalpresente na sociedade, como uma forma de viabilizar o multicultura -lis mo, criar espaço democrático e dar lugar ao encontro e a convivênciarespeitosa entre a multiplicidade de culturas existentes nesse contexto.

Dentro dessa perspectiva, percebe-se que os componentes curricu-lares estão sendo impelidos a incorporarem cada vez mais nos últimosanos a refletirem sobre a diversidade cultural e religiosa do país, comvistas a contribuir para o conhecimento e respeito das diferentes ex -pressões religiosas advindas da elaboração cultural que compõe a so -ciedade brasileira. E esse empenho na visão de corrêa (2008) deve ini-ciar por seus educadores, entre eles os professores, “justamente pelofato de que a cultura é um produto histórico com certa autonomiapara gerar formas de pensar e agir próprios, os quais interferem no co -tidiano das comunidades e promovem a identidade das mesmas”.assim, há necessidade de uma formação de professores efetiva, queenglobe saberes sobre diversidade religiosa. Para em primeiro lugar,ultrapassar padrões de leitura exclusivos da cultura dos educadores eestender o campo de visão para outros modos de fazer cultura, reli-gião e religiosidade. Em segundo lugar, para que os professorespossam adquirir estratégias pedagógicas específicas, a fim de que aseleção de conteúdos e o trato pedagógico sejam elaborados em con-formidade com a diversidade que se constitui na identidade do grupo.E por fim, obter domínio de certos saberes de ordem sociológica, geo-gráfica, política, pedagógica, filosófica, entre outros.

assim, para interromper os processos de homogeneização e impo-sição da cultura dominante aos grupos minoritários presentes na so -ciedade, segundo Santomé (SanTOMé, 1995, p. 175) “é necessárioque todo o professorado participe da criação de modelos de educaçãoal ternativos”. assim algumas ações em nosso país vêm sendo realiza-das para colaborar com a formação dos profissionais do ensino religio -so e na prática escolar posam trabalhar a partir da perspectiva da di -versidade religiosa.

a sala de aula é um ambiente de diversidade, uma vez que abriga

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um universo heterogêneo, plural e em movimento constante, em quecada aluno é singular, com uma identidade originada de seu gruposocial, estabelecida por valores, crenças, hábitos, saberes, padrões decondutas, trajetórias peculiares e possibilidades cognitivas diversasem relação à aprendizagem.

Desta forma a importância da observação do contexto da sala, dosalunos em relação à diversidade cultural, respeitando em suas diferen-ças; investimento na atualização científica, pedagógica e cultural, ouseja, estar permanente em formação; perspectiva afetiva no exercícioda docência; consideração da ética na sua atuação, bem como procurardesenvolvê-la junto aos alunos; utilização das novas tecnologias dacomunicação e da informação, refletindo sobre seu emprego e possibi-lidades na melhoria das aulas (ROManOWSKi, 2007).

Pensado como os componentes curriculares e fundamentadonuma releitura religiosa do cotidiano, cada disciplina colabora no pro-cesso da construção de um cidadão que compreende os motivos erazões da existência de múltiplas diversidades, expressões culturais epa radigmáticas que se criam e recriam por meio dos seus contextossociocultural, político-educacional, econômico e religioso. Eis, por-tanto o desafio posto, pois é necessária uma formação de professorespautada nos diversos aspectos da condição humana e de suas poten-cialidades e que considere dialeticamente a realização pessoal do su -jeito e de seu contexto social. Uma formação construída, avaliada e re -construída para articular no espaço escolar o processo de educaçãoque promova o reencontro da razão com a vida, e que considere as ne -cessidades vitais, as aspirações e os conhecimentos de todos os sujeitosenvolvidos nesse processo de educação (RODRiGUES e JUnqUEiRa,2009, 64).

Destacamos que a “diversidade se manifesta na originalidade e napluralidade de identidades que caracterizam os grupos e as socieda-des que compõem a humanidade (art. 1) e “o pluralismo culturalconstitui resposta política à realidade da diversidade cultural” (art. 2).a religião, que faz parte da cultura, está presente na ação cotidiana ese traduz de várias formas como decisões com base no respeito aosgrupos e linguajares religiosos no tratamento de questões políticas eeconômicas, por exemplo. E relacionando ao Ensino Religioso, desta-camos novamente o alerta da vigilância epistemológica de Gonçalvese Silva (2003) para comparar, nesse caso, as tradições religiosas.

cabe à educação do futuro cuidar para que a ideia de unidade daes pécie humana não apague a ideia de diversidade e que a da sua di -

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versidade não apague a da unidade. há uma unidade humana. háuma diversidade humana. a unidade não está apenas nos traços bio-lógicos da espécie homo sapiens. a diversidade não está apenas nostraços psicológicos, culturais, sociais do ser humano. Existe tambémdiversidade propriamente biológica no seio da unidade humana; nãoapenas existe unidade cerebral, mas mental, psíquica, afetiva, intelec-tual; além disso, as mais diversas culturas e sociedades têm princípiosgeradores ou organizacionais comuns. é a unidade humana que trazem si os princípios de suas múltiplas diversidades. compreender ohu mano é compreender sua unidade na diversidade, sua diversidadena unidade. é preciso conceber a unidade do múltiplo, a multiplici-dade do uno. a educação deverá ilustrar este princípio de unidade//diversidade em todas as esferas.

a Organização das nações Unidas para a Educação, a ciência e acultura (UnEScO), e associação Palas athena produziram o livro“Ba lanço da Década internacional da Promoção da cultura de Paz enão Violência em Benefício das crianças do Mundo” (2010). E no pre-fácio de Vincent Defourny, representante da UnEScO no Brasil,lemos: “a tolerância e o diálogo cultural e inter-religioso constituem,assim, facetas marcantes deste ‘novo humanismo’ calcado de maneiraevidente na ideia de cultura de paz”.

ao fazer uma retrospectiva das ações da UnEScO, noleto aponta:que uma educação voltada para a cultura de paz “inclui a promoçãoda compreensão, da tolerância, da solidariedade e do respeito às iden-tidades nacionais, raciais, religiosas, por gênero e geração, entreoutras, enfatizando a importância da diversidade cultural” (UnEScO,2010, p. 13).

com base nos quatro pilares da Educação (aprender a conhecer,aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser – DELORS,2003), noleto afirma que é possível pensar numa educação que efeti-vamente contribua para a construção de uma cultura de paz. alémdeles, o pluralismo cultural é outra força diretriz para a paz e a solida-riedade internacionais. a paz não pressupõe de forma alguma ho-mogeneidade. Ela deve estar baseada no pluralismo e no desen -volvimen to sustentável. De acordo com essa abordagem positiva dadiver sidade cultural, a sociedade civil (OnGs, círculos econômicos,redes de associações e comunidades) deve agir tendo em mente quecada país e cada sociedade devem planejar suas estratégias de acordocom suas características específicas (UnEScO, 2010, p. 14).

Portanto:

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– aceitação da diversidade e o compromisso com os mais necessi-tados. Segundo Jares, é evidente que um dos grandes conflitosque se manifestam na atualidade é precisamente a relação igual-dade-diferença. a partir dos pressupostos de uma educação de -mocrática e comprometida com os valores de justiça, paz e direi-tos humanos.

– a felicidade. Para Jares, embora não garantam felicidade, os di -reitos humanos são condição para que a felicidade seja possível.a felicidade está impregnada de cultura e de relações sociais,que devem ser justas. ainda para o autor, a felicidade está mar-cada especialmente por duas circunstâncias: a capacidade deencantar-se, de ter entusiasmo pela vida, e a capacidade de amare ser amado.

– a esperança. é uma necessidade vital e, como tal, parte da maispura essência da natureza dos seres humanos. Somos os únicosseres vivos que almejam coisas, condições melhores ou suposta-mente melhores, que aspiram e aninham processos de mudançapara melhorar as condições de vida. Somos os únicos seres vivosque sonham e confiam em tempos melhores. Jares destaca opapel essencial dos docentes, no caso do sistema educacional, edos pais, nas famílias, como modelos que eduquem a partir daesperança e para a esperança.

Vemos, assim, o quanto é importante a presença do outro para onosso próprio crescimento. Teixeira (2012) aponta os desafios funda-mentais que se apresentam ao século XXi e destaca a acolhida da di -versidade religiosa como um imperativo dialogal. Ele apresenta a dife-rença religiosa como enigma – misteriosos caminhos que levam osseres humanos a buscar um novo entendimento e compreensão emsua trajetória de vida. “as religiões têm muito a contribuir em favor

Ressalva-se a clareza de que essa área do conhecimento exigeainda uma reflexão pedagógica profunda em sua estruturação, o quedemanda o estabelecimento de fundamentos para sua estruturação,no mapeamento curricular nacional. Os componentes curricularesquerem contribuir no aspecto da diversidade religiosa, e este tem acapacidade de ir além da superfície das coisas, acontecimentos, gestos,ritos, normas e formulações; interpreta toda a realidade de maneiraprofunda, crescente; e atua na sociedade como elemento transforma-dor e libertador.

Uma das contribuições para este componente curricular é o de

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favorecer a compreensão do multiculturalismo religioso, enfocando osa grado e suas diferentes manifestações religiosas, proporcionando areflexão sobre a realidade, numa perspectiva de compreensão sobre sie para o outro, na diversidade universal do conhecimento religioso,tendo em vista assegurar o direito à igualdade de condições de vida ede cidadania, nas diferentes expressões religiosas advindas da elabo-ração cultural, considerando o igual direito às histórias e culturas quecompõem a nação brasileira, além do direito de acesso às diferentesfontes da cultura nacional a todos os brasileiros.

a proposta de um currículo para a diversidade implica mudançanas intenções daquilo que queremos transmitir aos educandos, assimcomo transformar os processos internos que são desenvolvidos naeducação institucionalizada. isso exige revisão das práticas educativasque continuam priorizando a cultura dominante nas salas de aula,com conteúdos que apresentam a visão de determinados grupossociais, inviabilizando a introdução de elementos da cultura populare de temas polêmicos que requerem uma reflexão mais aprofundadacomo: o problema da fome, desemprego, racismo, preconceito, consu-mismo e tantos outros.

nesse contexto, ao propor a organização do currículo para a for-mação docente em ciência da Religião deriva uma perspectiva inte-gradora, na qual se assenta os elementos imprescindíveis para a carac-terização do perfil de profissional almejado pela formação em questão.Logo, diversos componentes concorrem em diálogo para a totalidadeda formação, tendo como ponto convergente a prática profissional.

Portanto, a questão curricular que aqui propomos repensar per-passa a ideia de formar um currículo voltado para a diversidade. Di -versidade que pressupõe inserção de temas atuais e desafiadores paraa prática pedagógica, principalmente no âmbito da formação de pro-fessores. O coletivo docente não pode se isentar do compromisso comuma educação para a diversidade. é preciso estimular o profissionalda educação a engajar-se no instigante processo de pensar e desenvol-ver currículos para a escola.

a implementação efetiva de uma política educacional como garan-tia da transversalidade da educação especial na educação, seja na ope-racionalização desse atendimento escolar, seja na formação docente.Para isso, propõe-se a disseminação de política direcionada à transfor-mação dos sistemas educacionais em sistemas inclusivos, que contem-plem a diversidade com vistas à igualdade, por meio de estrutura fí -sica, recursos materiais e humanos e apoio à formação, com qualidade

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social, de gestores/as e educadores/as nas escolas públicas. isto deveter como princípio a garantia do direito à igualdade e à diversidadeétnico-racial, de gênero, de idade, de orientação sexual e religiosa,bem como a garantia de direitos aos/às estudantes com deficiência,transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdo-tação. (71)

Para garantir o estudo/aprofundamento da política de educaçãoambiental, estudo de libras, história da África e culturas afro-brasilei-ras (Lei n. 10.639, alterada para n.11.645/08), cultura indígena, diver-sidade étnico-racial, religiosa, orientação sexual e direitos humanos.(91) e avançar na discussão, é importante compreender que a luta peloreconhecimento e o direito à diversidade não se opõe à luta pela supe-ração das desigualdades sociais. Pelo contrário, ela coloca em questãoa forma desigual pela qual as diferenças vêm sendo historicamentetratadas na sociedade, na escola e nas políticas públicas em geral. Essaluta alerta, ainda, para o fato de que, ao desconhecer a diversidade,pode-se incorrer no erro de tratar as diferenças de forma discrimina-tória, aumentando ainda mais a desigualdade, que se propaga via aconjugação de relações assimétricas de classe, étnico-raciais, gênero,diversidade religiosa, idade, orientação sexual e cidade-campo. (128)

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SÉRGIO ROGÉRIO AzEVEDO JUNQUEIRA — a diversidade religiosa e o ensino da Religião na escola

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arrancando o espinho das costas de Karabá

A construção de uma identidade positiva das populações afro-brasileiras

através do ensino religioso

SanDRa aPaREciDa GURGEL VERGnE *

Introdução

Sou professora de Ensino Religioso em uma escola do Municípiode Duque de caxias, situado na Baixada Fluminense, região metropo-litana do Rio de Janeiro. a Baixada Fluminense é constituída por 12municípios que circundam a capital do estado. Sua vida social, cultu-ral e econômica é profundamente relacionada à sua localização terri-torial, sendo urbanisticamente pensada para ser lugar de moradia degrande parcela dos trabalhadores da capital carioca, em grande partenegra e pobre.

Foi lugar de importantes representações da Teologia da Liberta-ção, através das comunidades Eclesiais de Base nos anos 70 e 80. hojeainda é um lugar de forte presença das religiões de matriz africana,porém, ao mesmo tempo, é local marcante presença das denomina-ções evangélicas neopentecostais. no contexto local e brasileiro, o En -sino Religioso, pautado na diversidade cultural e as tradições religio-sas para o dialogo inter-religioso e para o respeito à diversidade e àsreligiões em geral, deveria ser um instrumento de quebra de estereó-tipos racistas, na busca do respeito ao pertencimento religioso de cadaindivíduo. O inverso desta proposta, hoje, é o hegemônico.

Vivendo estes impasses no dia a dia do trabalho como educadora,trago o relato de uma proposta de uma ação-intervenção, através deatividades no Ensino Religioso, através da exibição do filme Kiriku e

* Mestranda em ciências da Religião pela PUc, São Paulo ([email protected]).

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a Feiticeira (Kirikou et la Sorcière, 1998). O propósito é que através dasnarrativas vivenciadas pelos personagens pudesse ser pensada aprática de sala de aula, frente aos desafios diante da implementação aLei 10639/2003 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação(LDB) 9.394 de 1996, que estabelece a obrigatoriedade do ensino dahistória e cultura afro-brasileira e africana na Educação Básica. Estalei, no artigo 26, parágrafo 4.º, fala da obrigatoriedade da inclusão noscurrículos escolares em todas as escolas brasileiras do ensino de his -tória e cultura do(a) negro(a) no Brasil e sua ancestralidade africana.

é importante destacar que hoje o Estado do Rio de Janeiro é oestado com maior número de denúncias de intolerância religiosa noranking da Secretaria de Direitos humanos da Presidência da Repú-blica (aGência BRaSiL, 21/01/2015), que registra os casos atravésdo Disque Direitos humanos (Disque 100). Em 2014, mais de um quar -to (26,17%) das denúncias no país foram do Estado do Rio de Janeiro.

O fenômeno das tensões religiosas no Rio de Janeiro tem tambémentrado nas instituições públicas, em especial nas escolas, apesar do pre-ceito constitucional de laicidade. Foi bem destacado pela mídia do fatoocorrido em setembro de 2014 onde um aluno foi impedido de entrar emuma escola da Prefeitura do Rio de Janeiro por estar com guias de can-domblé (O GLOBO, 02/09/2014). Mas há diversos acontecimentos quenão chegam á grande mídia no cotidiano da Baixada Fluminense.

O cenário do Ensino Religioso é hoje complexo no Rio de Janeiro,que é um dos três estados da federação que possui o ensino religiosoconfessional. O Ensino Religioso, no entanto, está previsto nos Parâ-metros curriculares nacionais. Os impasses têm produzido reflexõesimportantes sobre o lugar possível do Ensino Religioso, como JUn-qUEiRa (2002) que aponta para a necessidade de se pensar o temacomo um elemento de educação e não, como historicamente persistiuem ser construído, para adesão religiosa. claro que muitos desafiosquanto à questão do Ensino Religioso tem tido avanços ao longo dahistória. hoje o grande centro da polêmica do Ensino Religioso se dáem torno da discussão quanto ao modelo confessional, interconfessio-nal e inter-religioso, mas também quanto a sua organização quanto asua base humanista ou científica 42.

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82 |42 na Resolução (cnE/cEB) n.º 07 de 14 de dezembro de 2010, o Ensino Religioso é re -

gu la mentado conforme a redação do aRTiGO 14: § 6.º – O Ensino Religioso, de matrícula fa- cultativa ao aluno, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui componentecurricular dos horários normais das escolas públicas de Ensino Fundamental, assegurado o

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não é o propósito deste artigo aprofundar as questões – e polêmi-cas – que envolvem o Ensino Religioso, nem sua a aplicabilidade dare gulamentação da legislação brasileira dentro dos estados e municí-pios que estabelecem o modelo do Ensino Religioso no Brasil. hoje jáhá uma vasta produção de teses, dissertações, artigos, dentre outrasma térias que versam a respeito da polêmica e regulamentação do En -sino Religioso na Educação Básica, como por exemplo o GPER (Gru pode Pesquisa Educação e Religião) e o FOnaPER (Fórum na cional Per-manente do Ensino Religioso) que elaborou PcnER 43. Muitas destasdiscussões já fazem parte de alguns coletivos de professores, masainda se faz necessário pensar as práticas em face do que acontece he -ge monicamente nas salas de aula.

acresce-se aos fatores de tensão a questão racial no Brasil, em es -pecial em lugares de maioria negra. O desafio diante deste contexto équebrar a visão estereotipada do preconceito racial que aparece nospe quenos atos do cotidiano. Pode-se facilmente constatar nos muraisdas escolas o porquê dificilmente uma criança negra pode ser conside-rada bela, dado que os padrões estéticos de meninas, meninos, pais eavós, expostos nos cartazes são quase em sua totalidade brancos, emmunicípios onde a grande maioria dos alunos de escolas públicas énegra. as crianças negras são invisibilizadas pelos referenciais es-téticos de beleza. Para isto também colabora a intensa utilização dereferenciais produzidos pela mídia e publicidade, nos quais os perso-nagens principais são “brancos da cor da neve”, onde predominante-mente os personagens com características de negros são maus, cruéis,malignos ou simplesmente tolos. a criança negra se vê excluída doam biente de fantasia. isto nos aponta algumas questões: como acriança negra pode identificar-se no cotidiano escolar? qual o lugardas narrativas orais como forma de conhecimento e fortalecimentoidentitário?

Todo território cercado está exposto a ocupações, a disputas, comotodo território sacralizado está exposto a profanações. as lutas históricasno campo do conhecimento foram e continuam sendo lutas por dessa-cralizar verdades, dogmas, rituais, catedráticos e cátedras. a dúvida fez

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respeito à diversidade cultural e religiosa do Brasil e vedadas quaisquer formas de proseli-tismo, conforme o art. 33 da Lei n.º 9.394/96.

43 Parâmetros curriculares do Ensino Religioso documento que foi utilizado tambémpara orientar a redação do novo texto do art. 33 da LDB.

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avançar as ciências e converteu o conhecimento em um território de dis-putas. (aRROyO, 2011, p. 17)

O lugar no qual escola deveria estar é o de propiciar o encontrodas diferenças, algo que leva ao exercício do respeito e reforça os sabe-res de conhecimentos sobre a vida e a relação com a humanidade.Diante disso o Ensino Religioso deveria ser desafiado a propor práti-cas para o exercício do respeito e da aceitação do outro. Todavia aspráticas vivenciadas nas escolas muitas vezes acabam por reforçar avisão eurocêntrica, etnocêntrica e ligada às instituições religiosas cris-tãs, como base para se vivenciar uma religiosidade. ainda hoje urgesuprir as muitas falhas referentes ao ensino das dinâmicas históricasentre Brasil e África na perspectiva de juntar o passado para ler o pre-sente de forma seminal, para vislumbrar uma história que é anteriorao colonial. Estaríamos ainda impregnados com ideias cristãs deredenção pela fé através da educação?

aqui está o grande desafio da educação como estratégia na luta con -tra o racismo: não basta a lógica da razão científica que diz que biologi-camente não existem raças superiores e inferiores, como não basta amoral cristã que diz que perante Deus somos todos iguais, para que asca beças de nossos alunos possam automaticamente deixar de ser pre -conceituosas. (MUnanGa, 2010. p.18).

Uma história, um menino

através do desenho animado Kiriku e a Feiticeira, foi a apresenta-ção de outras possibilidades de reflexão. O filme de animação conta ahistória do menino Kiriku, muito pequeno, mas muito esperto, soubeaos poucos ganhar o carinho e confiança de sua tribo no enfrentamen -to de seus medos e desastres, na luta pela sobrevivência de sua aldeiafrente a ameaça de Karabá, apontada como bruxa.

O propósito foi o e trazer uma possibilidade de alternativa práticade relação com a própria história de vida dos alunos, ao projetar iden-tificações com o menino Kiriku, crianças negras poderiam positivar asi mesmas. Outro ângulo de enxergar a trama é entender que atravésdas relações entre os personagens é possível trazer à tona alguns ques-tionamentos a respeito da vida e das “verdades” históricas que preci-sam ser e compreendida para ser ressignificadas. através da própria

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narrativa construída através de um velho sábio narrador, reforçandoa sabedoria dos mais velhos, apresenta uma história que tem sua forçana energia e pureza das crianças de mudar o seu entorno, num pro-cesso coletivo e individual, mas não solitário. Esta animação foiprodu zida na França, em 1998, sob a direção de Michel Ocelot, quepassou boa parte da infância na Guiné. através de seu contato comum conto da África Ocidental construiu o roteiro da animação.

a possibilidade de narrativa através da história um menino que jáfalava no ventre de sua mãe e que já sabia seu nome, caracteriza a liga-ção e a comunicação que já havia entre os dois, mãe e filho, através dapa lavra. Ele já sabia a importância de saber o que quer. Recém-nas-cido, já demonstrava toda sua esperteza e agilidade como menino, oque levou a superar diversos desafios enfrentados no cotidiano desobrevivência da aldeia. Em especial enfrentando o medo existente emsua aldeia pelos mitos construídos em torno da feiticeira Karabá.Kiriku, por várias vezes, acaba por salvar as pessoas da sua aldeiamesmo demonstrando a fragilidade de um menino que quer proteção.no entanto, enfrentando seus medos, ele consegue enfrentar a Feiti-ceira Karabá, que há muitos anos oprimia a vida cotidiana da aldeia.Foi através de um olhar curioso de Kiriku em relação as vivências,postura e atitudes de um observador curioso, elação a conceitos e prá-ticas efetivas de discriminação, preconceito e respeito as diferenças.

Esta reflexão pôde trazer a possibilidade de desenvolver uma pro-posta que pudesse também ser compartilhada com outros professores,estudantes e a comunidade escolar acerca da experiência dos maisvelhos, da valorização da cultura oral. acredito que esta reflexão sejaum ponto de partida para pensar em atitudes concretas no processoeducacional em relação às praticas antirracistas, pois é necessárioencontrar saídas que fortaleçam esta temática, ainda mais quandopensamos nas possibilidades de construção de uma aceitação de dife-renças através da prática de um Ensino Religioso crítico e não limita-dor. O não enfrentamento do tema tem feito com que vivamos emuma sociedade secularizada, onde emergiram outros valores a seremreverenciados como elementos sagrados e buscam novos deuses, taiscomo o Deus do consumo e do capitalismo.

Poderia o Ensino Religioso ter a tarefa de contribuir para a refle-xão para cosmovisão agregadora capaz de olhar o outro de formamais humana? Esta tarefa se torna desafiadora tendo em vista o cená-rio do perfil religioso dos estudantes onde desenvolvi o trabalho. Osdados apontam para um crescimento contínuo de intolerância reli-

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giosa devido ao forte crescimento das religiões neopentecostais, queacaba por intensificar um processo histórico de silenciamento dosestudantes das religiões não cristãs.

hoje já temos em alguns municípios com maioria da populaçãoevangélica, em dados do cEnSO 2010, com predomínio da vertenteneopentecostal. na Baixada Fluminense, ao contrário da média nacio-nal, os evangélicos já são maioria em 09 dos 13 municípios da BaixadaFluminense.

São imagens marcantes de uma sociedade em transformação, quesente a tensão de uma história marcada pela ambiguidade, pela segre-gação e pelos sonhos de um país escravista e racista. a leitura do ce -nário simbólico da região metropolitana do Rio de Janeiro permite re -fletir e atuar em um território de impasses, conflitos e sincretismo.Estado e igreja, esperança e morte, ruptura e homogeneização, ten-sionam-se em seu cotidiano. as proposições teóricas das ciências daRe ligião nos possibilitam entender o atravessamento da religião, reli-giosidade, as construções e resistências do que fica silenciado naguerra de poder através da religião. Seria um acaso que o Estado doRio de Janeiro, se destaca criticamente por ser um dos únicos no paíscom uma política de Ensino Religioso de base confessional.

a Escola ainda tem a hegemonia de um modelo de professor quecon trola o saber e a disciplina. acaba por atuar como um sacerdote rí -gido que discursa para fazer repetir, que aprisiona e se perpetua atra-vés do silêncio de corpos rígidos E importante pensar que os interes-ses historicamente constituídos podem dar novos significados asre lações sociais estabelecendo paradigmas determinantes nas dinâmi-cas de poder no campo educacional. Várias particularidades estãorefletidas na construção dos currículos escolares, produzindo hierar-quização dos conteúdos ou até mesmo tornando-os invisíveis aten-dendo à interesses hegemônicos e trazer vida a este corpo inerte.

apesar de sua habilidade com objetos e criatividade de ideias, apa lavra é mais hábil ferramenta de Kiriku na aldeia. ainda no ventreele fala com sua mãe, dizendo: quero nascer! Ela responde com a sua-vidade é certeza de quem já o tecia em seu ventre e diz: Uma criançaque fala na barriga da sua mãe pode nascer sozinha. E ele simples -men te nasce com firmeza de quem sabe o que quer, fala seu nome: Eume chamo Kiriku. Mas pede que a Mãe o lave. E ela desafiada o filhoa se lavar sozinho dizendo uma criança que nasce sozinha se lava sozi-nha. Tem os olhos ávidos a saber, como todas as crianças que nãoforam ainda ensinadas a ter medo.

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a determinação de mãe e filho possibilitam que este menino tãopequeno pudesse ser a fortaleza capaz de quebrar os paradigmas,através da força da palavra da confiança que envolvia os dois ele per-guntou: Mãe cadê meu pai?

– Foi lutar contra Karabá a feiticeira, e ela o comeu.– Mãe cadê os irmão de meu pai...– Foram lutar contra Karabá a feiticeira, e ela o comeu.

Este diálogo inicial reforça a importância do conhecimento oral “amemória das mulheres é verbo. Ela está ligada à oralidade das socie-dades tradicionais que lhes confiavam a missão de narradoras dacomunidade do vilarejo.” (PERROT, 1998, p. 17). Foi entendendo oque havia acontecido na aldeia que ele foi juntando os pedaços, nãoapenas busca de respostas, mas que pudessem dar sentido a sua his-toria. a aldeia atribuía a Karabá todos os malfeitos acontecidos. Porisso Kiriku ao nascer pergunta pelo pai, pelo pai do meu pai, osirmãos... pois a memória da aldeia vem dos mais velhos.

a caminhada de Kiriku transcorre tendo como referencia do medoseu tio, que não o reconhece. O ancião que aprendeu a ter medo e es -queceu-se da história anterior a Karabá. Kiriku em seus questiona-mentos foi tentando reconstruir a historia perdida na memória de seupovo da aldeia. Torna-se possível assim uma recriação da histórialocal através da oralidade, pois partindo do pressuposto de FER-REiRa SanTOS, em seu artigo que diz:

a vida antecede a reflexão e a recheia. Os sentidos guiam o corpo.Por isso, a necessidade da radicalidade na atitude filosófica, ir até a raizdas questões. E no seu enraizamento encontramos a paisagem que habi -ta mos e o corpo que somos. Entrelaçamento profundo, este é o “cruza -men to das avenidas”, ou como diria ainda Merleau-Ponty: o chiasma,pon to em que se fundem a carne do mundo e a nossa própria carne. noin terior do mundo, o nosso mundo interior. (FERREiRa SanTOS, 2004)

Se formos marcados e recebendo marcas que são forjadas na almae na vida das pessoas, por remeter apenas a referenciais eurocêntri-cos? Por que não ter o direito de possuir uma historia ancestral nas-cida no interior de uma nação africana, que faz parte também de nossahistória? E por que não inverter o globo terrestre ou ainda subverter aordem que nos foi imposta para dominar o individuo e sobrepor oideal do individualismo?

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Kiriku vai também à fonte que teria secado por um feitiço deKarabá. ao matar um monstro que bebia a água de toda aldeia dentroda fonte traz de volta a água. a aldeia toda em festa celebra: “água debeber, água para sonhar”. a água traz novamente a possibilidade dosonho para aldeia, do recomeço.

Tudo isso acontece ao olhar dos guardas de Karabá que tudo sabee tudo vê. E não gosta de saber que mais um mistério seu teria sidodescoberto e vencido por Kiriku, afinal ela também tinha o medo deser descoberta, pois e o medo que cultivava seu poder diante dosaldeões que reproduzir sua história.

neste caminho de descoberta do verdadeiro rosto de Karabá, ainquietude de Kiriku tenta entender porque ela era tida como mal-vada. Ele salva as crianças e desafia os olhares dos guardiões e per-gunta ao ancião: Porque Karabá é malvada? E por não saber diz queele é muito pequeno para fazer perguntas sobre a feiticeira, o tio quetem medo e ainda não o reconhece como sobrinho: Por que Karabá émalvada? – Porque ela é uma feiticeira? Kiriku o menino cheio deideias pede ajuda a sua mãe e arma um plano para ludibriar o guar-dião, que tudo vê, e chegar perto da feiticeira.

Arrancando o espinho, liberta da dor

O menino-herói Kiriku, se coloca a caminho. Ele sabia que preci-sava do avô, o grande sábio da montanha, sendo que a chave paraentrar era o coração puro de criança. ao se abrir para o desconhecido,ele tem medo. Seu avô o sábio da montanha o convida a estar diantede sua história que desvenda os mitos e memórias que giram em tornodas maldades de Karabá.

O filme escapa da forma narrativa dos desenhos predominantes noBrasil, de referencial norte-americano. a própria história é contada porum velho da aldeia, que nos remete à figura de um griot, nome dado emboa parte dos países da África ocidental aos contadores de his tórias,mas que seriam também os guardiões da tradição oral de diversospovos. Seu avó griot narrador da história, vai desvendando os mistériosque aprisionaram o povo da aldeia. Ela falou do monstro escondidodentro da fonte, fala também que Karabá não levou os homens, mas otransformou em objetos. E também que ela permitiu que as pessoaspensassem isso dela. E caso alguém descobrisse seu se gredo ela seria

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capaz de matar por isso. não gosta das crianças e despreza as mulheres.O mistério da magia de Karabá é o sofrimento ge rado por um espinhoencravado em suas costas devido à maldade e opressão dos homens.Ela sofria a solidão e tinha os homens como objeto a seu serviço, poisfechou seu coração para as pessoas, pois não acreditava nos homens,então ela dominava que quisesse invadir seus domínios.

Olhar de Kiriku, que via adiante da historia, via a beleza nãoapenas externas de seus adornos e colares e ele tenta de tudo parasalvar Karabá, mas também retomar a sua história. Durante a trajetó-ria deste menino ele vive e pratica o amor e a compreensão entre osseres, através das histórias de cada um. Busca resgatar e respeitar asmemórias, a valorização dos laços, o caldo cultural de cada lar e davida. Kiriku nos mostra que é possível agir com altruísmo, astúcia,perdão, mesmo nas mais adversas situações. aponta para a importân-cia da coletividade e do amor. O filme reafirma a importância dafigura dos mais velhos, como aqueles trazem na memória uma históriaexistente antes do medo. a narrativa nos possibilita pensar se a figurada pequenez de Kiriku era simbólica

O narrador sabe dar conselhos: não para alguns casos como o pro -vér bio, mas para muitos casos, comoo sábio. Pode recorrer ao acervo deuma vida, que não inclui apenas sua própria experiência, mas emgrande parte a experiência alheia. O narrador assimila à sua substânciamais íntima aquilo que sabe por ouvir dizer. O narrador é o homem quepoderia deixar a luz tênue de sua narração consumir completamente amecha de sua vida. (BEnJaMin, 1994)

é necessário pensar o papel de Karabá na história para não demo-niza lá. a maldade estava nela, mas também nos ou nos outros? Po-deríamos pensar na trajetória da mulher negra ao longo de nossa história, uma das vítimas da profunda desigualdade e inserção discri -minatória da população feminina negra no campo socioeconômico dopaís. no entanto mulher permanece como figura central para enfren-tamento dos desafios da educação, em casa, no terreiro, na escola, nacomunidade. não pretendo aqui usar o estereótipo de que toda mu -lher negra deva ser de terreiro, mas o que pretendo destacar a imagemda mulher de terreiro como símbolo da força feminina, que se dá deforma positiva, em oposição às imagens da mulher objeto, da mulherama de leite, da mulher doméstica. é neste sentido que o cenário dofilme nos mostra duas mulheres fortes que, cada uma do seu jeito,domina o verbo. a mãe de Kiriku transgride o papel das mulheres da

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aldeia e prepara Kiriku para mudar a trajetória do seu povo, e Karabánão quer mais ser dominada pela maldade dos homens. Kiriku decidelibertar Karabá da dor, mas ele quer libertar também sua aldeia. Elenão parte para luta contra a feiticeira para dominá-la, nem matá-la: elequer entender o motivo pelo qual ela é malvada. Faz por isso umplano para que possa lançar-se em suas costas, e arranca o espinho en-cravado profundamente nas costas dela com seus dentes. Ela grita! ...E ainda de joelhos diz - não dói mais! como é estranho não sentirmais nenhuma dor, como é bom! Estou livre! a feiticeira com seuspoderes desapareceu! Voltei a ser eu mesma!

Eles selam com um beijo a aliança de amor e de recomeço. E Ka ra -bá vê Kiriku como ele realmente é: um grande homem, Mas voltandoà aldeia Kiriku se mostra um grande e lindo guerreiro. Trás a chamade liberdade para a aldeia que, porém, não o reconhece. Somente apresença forte de sua mãe, que o toca, desvenda na sua nova face o seumenino: – é KiRiKU. a princípio eles rejeitam Karabá e as mulheresquerem matá-la. é quando soam os tambores trazidos pelos homens,dentre os quais o velho sábio da montanha. Ele conta a história da li -bertação de Karabá do mal e como quebrou o encanto. a palavra deordem neste instante é a volta dos amores que pareciam estarem per-didos, ele se apresentam ao som dos tambores: – Somos seus pais,somos seus filhos, somos os irmãos, somos os maridos de volta ao seuamor. a aldeia fica livre para contar a sua própria história. a narrativacontada nos possibilita refletir a necessidade de se desenvolver deforma sistemática e positiva a possibilidade de uma outra estéticacapaz de libertar o corpo, não de forma individual, mas coletiva.

a forma encantadora pela qual os personagens vão sendo apre-sentados possibilita que se possa propor aos estudantes a pensar atra-vés do ensino Religioso o enfrentamento do racismo como disparadorde discussões com objetivo de trazer a memória da escola sua funçãolibertadora.

Kiriku na Baixada Fluminense

as imagens mostradas no desenho de Kiriku, também causaramre buliço nas turmas. Foi aberto o espaço de diálogo a respeito da di -versidade religiosa e em particular aos conteúdos de história da Áfricae do negro do Brasil

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O encanto do personagem facilita que se possa propor aos estu-dantes a produção de cantos, músicas, populares e causos que dialo-guem com suas vidas e suas atividades comunitárias e religiosas, semque elas sejam apontadas como “coisas que não são de Deus”. écomum haver práticas catequéticas e confessionais dentro da escolasem a necessidade disto ser feito por um professor de Ensino Reli-gioso. O que não aparece nos dados oficiais de estatística sobre a loca-lidade da escola, periférica e isolada, são as marcas de uma situaçãode opressão, que aparecem nos sofrimentos relatados por alunos sobreseu contexto familiar. Mas o desafio: como pensar o enfrentamento doracismo como disparador de discussões do Ensino Religioso? nãodeveria ser esta a proposta de transversalizar as temáticas através dasdisciplinas, criando conexões que facilitem o trabalho de todos? Mascomo fazê-lo?

O resgate da memória coletiva e da história da comunidade negranão interessa apenas aos alunos de ascendência negra. (...) além disso,essa memória não pertence somente aos negros. Ela pertence a todos,ten do em vista que a cultura da qual nos alimentamos cotidianamente éfruto de todos os segmentos étnicos que, apesar das condições desiguaisnas quais se desenvolvem, contribuíram cada um de seu modo na for -ma ção da riqueza econômica e social e da identidade nacional. (MU -nanGa, 2005)

é nesta perspectiva que os documentos de referência do EnsinoReligioso propõem uma reflexão crítica do fazer do professor deEnsino Religioso, destacando a importância de se compreender o com-promisso com a história de vida, social, familiar e étnica em relação aotranscendente e aos elementos sagrados nas diversas paisagens. é aquique o filme Kiriku nos apresenta a possibilidade de reler o espaçosagrado na perspectiva das diversas culturas.

a escola, na perspectiva de construção de cidadania, precisa assumira valorização da cultura de sua própria comunidade e, ao mesmo tempo,buscar ultrapassar seus limites, propiciando às crianças pertencentes aosdiferentes grupos sociais o acesso ao saber, tanto no que diz respeito aosconhecimentos socialmente relevantes da cultura brasileira no âmbitonacional e regional como no que faz parte do patrimônio universal dahu manidade. (PcnER, 1998. p. 34)

Diante destas questões a opção metodologia possível utilizadacomo ponto de partida para implementação de um processo de leitura

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com suas diversas dimensões: lúdica, prazerosa, artística, crítica e quepudesse de alguma forma possibilitar o entendimento da identidadeétnica, cultural, local e sua inserção cidadã no mundo e na dimensãodo exercício do respeito às demais religiões. O desejo foi através de ofilme Kiriku promover um espaço de sensibilização quando faz otoque no afetivo ao redor da força da palavra. Encontramos no verbodito pele sociólogo francês Pierre Bourdieu (1979), que fala da expe-riência das pessoas em relação ao com o cinema ele diz que ele contri-bui para desenvolver a competência do ver, compreender e aprenderhistoria contadas em linguagem cinematográfica, lancei mão desta ferramenta.

a exibição do filme foi feita varias vezes pois o espaço da escolaera pequeno para comportar várias turmas no mesmo espaço, mas emtodas as vezes a exibição começou com risos que apontavam de ma -nei ra pejorativa as características e a estética do negro ali apresentada.E durante o filme alguns falavam: Olha você risos, e a recusa por seidentificar com a estética de dos personagens o preconceito já conce-bido por algumas crianças falavam que Kiriku era “azul” como um tioou com algum colega de sala , que logo fazia a negativa dizendo que“não era negro não”, outro destacava a “feiura” (como símbolo de ne -gritude) daquelas pessoas, num processo de negação a estética que erasemelhante à deles.

a invisibilidade e o recalque dos valores históricos e culturais de umpovo, bem como a inferiorização dos seus atributos adscritivos, atravésde estereótipos, conduz esse povo, na maioria das vezes, a desenvolvercomportamentos de auto-rejeição, resultando em rejeição e negação dosseus valores culturais e preferência pela estética e valores culturais dosgrupos sociais valorizados nas representações. (SiLVa, 2000:14)

ao término da exibição o silêncio era quebrado por inúmeras per-guntas. nas Diversas turmas de faixas etárias diferentes e com conhe-cimentos muitos diferentes dentro do mesmo nível de escolaridade. Oque possibilitou a riqueza de uma multiplicidade de varias visões, damesma narrativa. O que eles comiam? inhame, gosto, não gosto, (fala-mos um pouco a respeito da alimentação) outra criança lembrou queno bairro falta água. Porque andavam peladas? Professora Karabá éma cumbeira? O Outro dizia – “tá amarrado” e mesmo as crianças queeu sabia do seu pertence religioso vinculado as religiões de matrizafricana silenciavam e até negavam seu pertencimento. com as tur -

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mas memores e/ou com aqueles que não dominavam os códigos deleitura e escrita eu fui a escriba dos sentimentos em relação ao filme.

Mas Kiriku e a Feiticeira trouxe pra nós a possibilidade de váriosdesdobramentos. Fizemos pintura é da imagem de Kiriku já impressa.O que me chamou atenção é que uma das crianças de uma determi-nada turma, pintou Kiriku de amarelo, mesmo com minha demonstra-ção de surpresa e indagação, dizendo: Ele é desta cor? Ele tem o mes -mo tom de pele seu. Em resposta ele disse que não era da cor que elehavia pintado.

Outro fato em relação à pintura é que um dos meninos pintou oKiriku de preto, gargalho e disse que ele era azul igual ao seu tio. nodesenho livre algumas crianças desenharam um Kiriku grande emrelação aos outros personagens que eles desenharam no papel, comose capturassem a grandeza daquele menino herói. Fizemos várias ati-vidades relacionando o trabalho em grupo e as narrativas que elestrouxeram, destacamos as qualidades que eles viram nos personagensda história, varias crianças defenderam Karabá por causa do espinho.

O momento de tensão se deu mais forte no que tange o aspecto re -ligioso em relação ao avô: Parece preto velho, disse um, outro já dizia;não fala isso não. Vai? Depois ele pega você. não foi ainda possíveltrabalhar incisivamente quanto aos aspectos das religiões de matizafricana, no sentido de inseri a cosmovisão africana na leitura do filmede Kiriku. naquele momento apenas foi possível trazer a questão dorespeito a todas as culturas religiosas.

Eles trouxeram que para a roda a vontade deles serem grandes eespertos como Kiriku. E as meninas terem a beleza de Karabá. Trazer aperspectiva de outra lógica pautada no coletivo no aprendizado com,que pede ajuda e que por vezes precisa de colo. assim como fizemosdestaque as quais qualidades eles viram em Kiriku, perguntei? Se elestivessem um espinho nas costas qual seria? Eles disseram: ser xingado,apanhar, ser chamada de cabelo duro, de macumbeira, de macaco, eoutros tantos adjetivos que estavam encravado guardados dentro deles.

conclusão

como o tempo escolar ocidental não é o tempo que precisamos esomos dragados pela dinâmica escolar, então a atividade aconteceuem um determinado tempo mas derepente percebia que a música de

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Kiriku aparecia na voz de um e outro como se quisessem dizer queeles têm valo e que a historia não saiu de sua memória:

Kiriku não é grande,mas é valente e tem seu valor, ele parece um gigante,e é um grande amigo,o seu maior tesouro é o coração

O filme Kiriku chegou ao Brasil apenas em 2006, mas oito anosdepois de seu lançamento no Brasil e 18 anos de sua criação, aindaexer ce o fascínio de crianças e jovens por onde ele passa. ainda secomu nica com a vivência de crianças e adultos desta terra que ainda émarcada pela imposição do sofrimento e demarcação de lugaressociais diferentes para negros. O que posso concluir deste trabalho éque muito ainda temos para fazer e que este filme já tão difundidopelas mídias sociais, sites, mas ainda pouco conhecido.

é interessante registrar que algumas crianças já tinham visto ofilme em canais por assinatura, mas no coletivo a leitura que eles fize-ram do filme foi outra.

é essencial avançar também em termos teóricos nas políticas pú -blicas de educação. a aplicação de estratégias de inclusão das temáti-cas voltadas para aplicação da Lei 10.639/2003 bem como do respeitoà diversidade religiosa de meninos e meninas, podem ser mais aberta-mente voltadas para o público a que se destinam. PinTO destaca que:

(...) o ser humano como um ser animobiopsicocultural, ou seja, umente composto por três níveis articulados, o corporal, o psíquico e o espi-ritual, um ente que vive em uma cultura, a qual é configurada social, geo-gráfica e historicamente, ou seja, a cultura compõe um campo que confi -gu ra o ser humano, embora não o determine. com isso, estou di zen do quehá alguns dados que são estruturais na personalidade de cada pessoa,dados esses que são entrelaçados por uma certa intencionalidade na com -po sição do sujeito humano. Fazem parte da estrutura da personalidadehu mana, dentre outros aspectos, a sexualidade, as disposições genéticas,a possibilidade da emoção, do sentimento e do senso de identidade, a pos -si bilidade da reflexão profunda sobre si, sobre a existência e sobre o mun -do, a possibilidade da hierarquização dos valores. (PinTO, 2009. p. 70)

a complexidade de fatores envolvidos no campo da educação pre-cisa renunciar ao medo e ás prisões que impedem ver nas histórias decrianças negras histórias de valor. a escolha de verdades sobre estas

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crianças preferiu historicamente olhá-las pelo viés da falta e da carên-cia, e não o da possibilidade. é preciso incorporamos o “senso de iden-tidade”, “a reflexão sobre si”, e “a emoção”. como fazê-lo se, damesma forma que nossa sociedade hegemonicamente racista, não con-seguimos pensar na possibilidade de uma identidade positiva destascrianças? como educar sem incluir a emoção?

Ficou evidenciado também que é necessário, assim como Kiriku,vencer o medo, presente em educandos e educadores. Para vencê-lo,muitas vezes, será preciso arrancar o espinho das nossas costas. é, noen tanto, preciso vencer dores e medos que tanto vem marcando anossa vida social, ainda profundamente racista, em especial das meni-nas negras e dos meninos negros, maioria das crianças das classes po -pu lares. a negação vem da dor, a invisibilidade vem do medo. quemserá que a escola pode ser este espaço onde se pode celebrar o começode uma nova história? quem sabe que possa vir também através dosom dos atabaques, quem sabe através dos pequenos que como Kirikupossam afirmar seu valor para o mundo, ou ainda como os guerreirosque retornam para afirmando sua identidade e valor para os da suaaldeia.

Mas algumas questões ficam. Devemos aceitar a dor? calar a voze acalmar diante as contradições sociais, que produzem uma geografiaexcludente e segregadora? Podemos ler também que aceitar a dor étirar as vendas que não deixam ver a realidade que se impõe e tentaaprisionar a vida, é buscar transgredir a ordem naturalizada para per-mitir que as possibilidades de ser diferente apareçam. Talvez seja,mais que nunca, necessário permitir que viva o que ainda não estainerte. Resistindo, é possível permitir que a vida surja. Kiriku, comoum mito, traz a imagem que se articula com a vivência que liberta pelapa lavra, que se faz a disponibilidade de pensar no outro de formaintegra. como diz o mestre Paulo Freire:

é na minha disponibilidade permanente à vidaa que me entrego de corpo inteiro, pensar crítico, emoção, curiosidade,desejo, que vou aprendendo a ser eu mesmoem minha relação com o contrário de mim.E quanto mais me dou à experiênciade lidar sem medo,

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sem preconceito, com as diferenças, tanto melhor me conheçoe construo meu perfil.(FREiRE, 1996, p. 152)

que esta construção possa promover a diferenças onde qualquerum possa usar suas contas, desfiar seus rosários que seja então ao somdas harpas, cítaras, tambores e lábios, onde a palavra liberta e nãoaprisiona.

referências

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sileira, FEUFF (n. 10) (janeiro/junho 2008/2010) Rio de Janeiro/niterói –EdUFF/2008/2010.

__________, Superando o racismo na escola, 2.ª ed., rev. Brasília, Ministério daEducação, 2005.

OcELOT, Michel, KIRIKU e a Feiticeira, direção: Michel Ocelot, Didier, Brun-ner, Paul Thiltges, Jacques Vercruyssen Roteiro: Michel Ocelot, Fotogra-fia: Daniel Borenstein. Trilha Sonora: yossou n’Dour. Duração: 71 min.Distribuidora: Paulinas País: França / Bélgica / Luxemburgo. 1998.comep. ano: 1998.

PinTO, ênio Brito, Espiritualidade e religiosidade: articulações, Revista de Estu-dos da Religião., São Paulo, pp. 68-83, dez. 2009. Disponível em: http://www.pucsp.br/reverr v4_2009/t_brito.pdf

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LURDES caROn *

considerações iniciais

O componente curricular Ensino Religioso nos últimos anos estásendo objeto de pesquisas acadêmicas nas diferentes abrangências decompreensões, de reflexões, de debates em seminários, fóruns, con-gressos e outras modalidades. Este fato contribui para ampliar a com-preensão deste componente curricular nos aspectos históricos, políti-cos, sociais, filosóficos, antropológicos, sociológicos e pedagógicos.

na história da educação brasileira, o Ensino Religioso passa pordi ferentes matrizes que lhe dão um caráter de ser e não e ser. Ser umcomponente curricular que parte da educação escolar a partir do pe -dagógico e não Ser uma disciplina de conteúdo doutrinário. Ser umadisciplina que milita entre jogo de poder de instituições religiosas, desistemas de ensino, de pessoas que individualmente lhe aferirammarcas próprias, de grupos de professores que asseguram em suaspráticas um determinado saber e conhecimento, de autoridades civise de meios de comunicação, falada e escrita, que emitem conhecimen-tos e julgamentos, conforme a compreensão do Ensino Religioso inter-nalizada em cada seguimento da sociedade e não ser um conheci-mento isolado.

O Ensino Religioso é reconhecido, por legislação, como uma áreade conhecimento. é um ensino que, por meio dos Parâmetros curricu-lares nacionais de Ensino Religioso (PcnER), orienta para conteúdoes pecífico. Um ensino em que nele todos os conteúdos lhe cabem e

* Docente Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu. Mestrado em Edu-cação – PPGE da Universidade do Planalto catarinense – UniPLac – Brasil. Professora na gra-duação com a disciplina de Pesquisa e Prática Pedagógica. Faz parte da comissão de acessibi-lidade e do conselho Superior da Universidade – cOnSUni. Tem experiência em Edu cação,Ensino Religioso, Gestão Escolar e Formação de Professores ([email protected]).

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que o importante é uma linguagem inclusiva. Um ensino em fase de(re)construção de matriz curricular. Um ensino que está sempre emmovimento quanto à sua compreensão, identidade, conteúdo, forma-ção de professores e presença na escola pública.

neste contexto, para desenvolver um currículo de ER, pergunta--se: os cursos de formação de professores contribuem para trabalharno ensino fundamental um currículo de ER frente aos desafios dadiversidade cultural religiosa da população brasileira?

hoje no Brasil são inúmeras as ações em vista da formação de pro-fessores. no entanto, continua a carência de políticas públicas parauma efetiva formação de professores. Esta formação no decorrer dahistória foi realizada por encontros, reuniões, seminários, simpósios, eque a partir de 1996, no Brasil, particularmente no Estado de Santacatarina, começa a ter uma prática de formação por meio de cursos degraduação.

cursos estes, que a exemplo da ciência da matemática, ciência dafísica, ciência da química, ciências naturais, recebe o nome de ciênciasda religião. assim, em fins de 1996 e inícios de 1997, o Estado de Santaca tarina organiza, em articulação com a Secretaria de Estado da Edu-cação e com instituições de Ensino Superior, o curso de Licenciaturaem ciências da Religião para formação de professores, com habilita-ção em Ensino Religioso.

Este fato, é um novo paradigma na história da educação brasileira,que para o desenvolvimento do Ensino Religioso no cotidiano da salade aula, conta com professores habilitados em cursos de graduação.

as exigências emergentes, numa sociedade cada vez mais secula-rizada e a diversidade presente nela, se torna um iceberg a ser venci -do. Portanto, a formação de professores é também uma exigênciasocial. Para oportunizar a formação, há que garantir políticas públicase que instituições de Ensino Superior viabilizem a criação cursos degra duação para suprir a carência de formação de professores de En -sino Religioso, em todos os estados da federação brasileira.

1. Ensino religioso: diversidade e currículo

a história da educação brasileira, nos seus mais de 500 anos, incor-porou tendências políticas, econômicas e religiosas trazidas pelasinfluências da colonização portuguesa e espanhola. Essa influencia

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contribuiu para a organização da sociedade, da economia, da política,da educação, da moral e da religião, marcos que ainda hoje influen-ciam a sociedade.

a educação brasileira está marcada por uma história de depen-dências. Essas dependências incidiram sobre práticas pedagógicas dequem sabe para quem não sabe e de quem detém o poder e o saber, dosaber fazer. neste contexto, destacam-se práticas de ER influenciadaspela religião, trazida, inicialmente, pelos padres jesuítas que implan-taram a prática do ensino da religião nas escolas que iam fundando,conforme sua expansão pelas terras brasileiras e da américa Latina.

Essa prática do ensino da religião católica, nos início da coloniza-ção, continua presente no imaginário do povo brasileiro, mesmo tendodecorrido mais de 500 anos da primeira colonização do seu povo.

no Brasil, temos o ER, implantado como disciplina do currículo daescola no ensino fundamental. Este ensino, inicialmente, identificadocomo o ensino de uma religião, na visão confessional 44. Modelo queperdurou até os anos 60, do século passado.

a partir de 1970, na educação brasileira, o Ensino Religioso passaa ser compreendido com os qualificativos de ser: confessional cristão,ecumênico, interconfessional, inter-religioso, direito do cidadão 45.Esta prática foi um novo paradigma para a educação brasileira que de -safiou secretarias de educação estaduais e municipais, bem como dio-ceses 46 e escolas a elaborar os programas de ensino e com eles tambémpara o ER.

Para atender esta modalidade de Ensino Religioso professores, dasvárias secretarias de educação estadual e municipal, elaboraram pro-postas curriculares, programas de ensino, manuais com aulas prontas,atendendo as tendências educacionais da época. Diferentes autores eeditoras publicaram coletânea de material didático pedagógico parasubsidiar professores nas aulas de Ensino Religioso. Foram inúmerasas produções em torno de temas de aulas de Ensino Religioso.

Essas produções na década de 1970, do século passado, partiam do

44 confessional: conjunto de normas visando fornecer elementos para a vivência em con-formidade com determinada corrente religiosa.

45 Pesquisas que refletem sobre diferentes modalidades do ER, entre: confessional,ecumê nico interconfessional, inter-religioso e direito do cidadão podem ser lidas em Grüen,Figueiredo (1996 e 2007), Junqueira (2002), Pedro Ruedell (2005), caron 1997 e 2007, Oliveira(2003) e tantos outros.

46 no Brasil a compreensão de diocese na tradição da igreja católica apostólica Romana(icaR) faz parte da sua organização gestacional. (O código do Direito canônico, no n.º 369,afirma que a diocese é a “porção do povo de Deus confiada a um bispo”).

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quadro referencial comum à tradição cristã, independente do credo re -ligioso. normalmente os temas das aulas eram elaborados a partir doquadro de referência Jesus cristo, Filho de Deus, irmão, Senhor e Sal-vador. Buscavam trabalhar questões do ser humano em relação a simesmo, ao outro, ao mundo e a Deus. Objetivavam responder as per-guntas existências do ser humano: quem sou, de onde venho e paraonde vou? Esta modalidade de Ensino Religioso persistiu na educaçãobrasileira na década de 70, 80 e inícios dos anos 90, do século passado.

com as rápidas mudanças da tecnologia e das ciências, a educaçãofoi e é desafiada a atender questões emergentes de uma sociedade emmovimento. O ER como parte da educação integral do ser humano,também passa por novo paradigma de compreensão.

assim, a partir dos anos de 1990, ampliam-se as reflexões sobre oentendimento do Ensino Religioso, enquanto componente curricular.Surge a necessidade urgente de formação de professores e esta, deinício acontecia por meio de cursos, encontros, seminários e outrosprojetos de curta duração.

com as reflexões e exigências para uma educação que atenda asquestões emergentes da sociedade, o componente curricular ER, deixade ser entendido a partir das qualificações de ecumênico, inter-reli-gioso e interconfessional para ser Ensino Religioso, direito de todo ocidadão, independente de credo religioso, de filosofia de vida e de tra-dição cultural religiosa.

Este ensino passa a ser desenvolvido no currículo escolar do en sinofundamental, tendo como objeto o fenômeno religioso. Sua prática partedo pedagógico e não mais desta ou daquela denominação religiosa.

Para atender este novo paradigma, professores, independente-mente de sua tradição religiosa e da região do país que representam,se reúnem para a elaboração de Parâmetros curriculares nacionais deEnsino Religioso e ao mesmo tempo, elaboram documento com suges-tão de diretrizes para a formação de professores.

2. Parâmetros curriculares Nacionais do Ensino religioso e a diversidade

Entre 1996 e 1997 de século passado o Ministério da Educação ela-borou os Parâmetros curriculares nacionais, com orientações para

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todos os componentes curriculares da educação básica brasileira.nestes parâmetros definiu conteúdos transversais.

Estes parâmetros nacionais deixaram de incluir o componente cur-ricular de Ensino Religioso. Professores de todo o Brasil se uniram eelaboraram os Parâmetros curriculares nacionais do Ensino Religioso(PcnER).

Os PcnER consideram o pluralismo e a diversidade cultural reli-giosa do povo brasileiro e, para atender este contexto tão diversifica -do, um dos fatores importantes é o diálogo e o respeito com o diferen -te. nestes, o objeto de estudo é o fenômeno religioso. Para Benincá(2001, pp. 56-57), a opção pela fenomenologia religiosa, metodologica-mente, possibilita identificar a religião nas suas manifestações coleti-vas e individuais, que são chamados de fenômenos religiosos.

O fenômeno religioso busca descobrir as diferentes manifestaçõesculturais religiosas presente na sociedade. Para o Fórum nacional Per-manente do Ensino Religioso (FOnaPER), por fenômeno religiosoentende-se,

o processo de busca que o ser humano realiza na procura de transcen dên -cia, desde a experiência pessoal do Transcendente até a experiência re -ligiosa na partilha de grupo; desde a vivência em comunidade até a insti-tucionalização pelas Tradições religiosas (FOnaPER, 2000, pp. 16-17).

Para trabalhar Ensino Religioso, a partir do fenômeno religioso,nos PcnER, os conteúdos desse componente curricular foram organi-zados dentro de cinco vertentes, denominadas de eixos: Tradições eculturas Religiosas, Teologias, Textos Sagrados, Ritos e Ethos.

a cada um dos eixos estão sugeridos nos PcnER, conteúdos paraa elaboração de um currículo de ER que atenda e respeite a diversi-dade cultural da sociedade brasileira. Trata de orientações para a ade-quação dos conteúdos conforme o ano (nível) de cada educando, comsu gestão do respectivo tratamento didático que possibilite desenvol-ver o ER na prática do cotidiano escolar. ao sugerir conteúdos, defineobjetivos que dentre eles destaca-se:

proporcionar o conhecimento dos elementos básicos que compõem o fe -nômeno religioso, a partir das experiências religiosas percebidas no con-texto do educando; [...]; possibilitar esclarecimentos sobre o direito à di -fe rença na construção de estruturas religiosas que têm na liberdade oseu valor inalienável (FOnaPER, 2002, pp. 30-31).

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a decodificação dos PcnER, desdobrando seus objetivos e con-teúdos para atender cada nível de ensino, é um desafio permanenteque exige contínua formação de professores para este componentecurricular.

a diversidade cultural está presente na educação básica em todosos níveis de ensino, entre os educandos, bem como nas classes sociais,raças, gênero e cultura religiosa. Segundo caron (2011), o ER no con-texto social e da educação é complexo e o curso de ciências da Reli-gião possibilita aos professores o estudo científico do fenômeno reli-gioso em que o centro é o ser humano.

a sociedade brasileira está cada vez mais laicizada, isto é, cada vezmais busca uma forma própria de viver, sem estar ligado a uma reli-gião ou ter uma religião. constrói para si buscas que respondam mo-mentaneamente às suas perguntas existenciais.

na contemporaneidade, as pessoas passam a ser identificadas pornúmeros e pouco por um nome. a política do neoliberalismo impõe acultura do ter, em detrimento do ser. nesta política o ser humano cadavez mais está perdendo sua identidade.

no contexto da globalização a educação fica, cada vez mais, nadependência do econômico. Para atender estas mudanças sociais cabeà escola um currículo que, conforme Sacristán (1999) tenha a funçãosocial de mediar a relação escola/cultura/sociedade, dentro de umen foque globalizado e complexo no sentido da formação/exercício dacidadania. isto, com base nos valores da democracia, ética, equidade,justiça e solidariedade no entendimento de ser uma prática sociocul-tural entrecruzada com várias outras práticas, que evidenciam as rea-lidades e condicionam um currículo.

O currículo precisa estar sintonizado criticamente com as realidadese articulado a um projeto político-pedagógico como cerne da convergên-cia intencional das ações da escola, na perspectiva de fazer valer as fina-lidades educativas que se propõe (MELO, 2003, p. 68).

Para o ser humano, ser cidadão, exercendo sua cidadania sendosujeito de sua própria história é um desafio. a educação como umtodo é responsável pela formação integral do ser humano. Esta condi-ção está posta para todos os componentes curriculares na compreen-são de que o currículo é a vida, a diretriz, a energia, o movimento daescola.

Em um contexto da sociedade tão diversificada está presente odesafio de trabalhar Ensino Religioso que respeite o direito à liberdade

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religiosa, a diversidade, mantenha o diálogo ético e contribua para oexercício da cidadania. Para este componente curricular o desafio eexigência é a formação de professores.

3. Formação de Professores de Ensino religioso para a Diversidade

a formação de professores de Ensino Religioso 47 no Brasil é umaquestão que vem sendo refletida desde a década de 1970, inclusivecom projetos encaminhados ao Ministério da Educação com a solicita-ção de cursos de licenciatura. como exemplo típico cita-se o Projeto deLicenciatura para a formação de professores de Ensino Religioso doEstado de Santa catarina – Sul do Brasil, encaminhado em 1972 48.

a formação de professores para a educação escolar é um desafiopresente na história da educação brasileira. Dentro dessa história umadas questões pouco consideradas, nas políticas públicas de formaçãode professores, foi a formação de professores para o Ensino Religioso.

até a década de 1970, nos sistemas de ensino não havia a preocu-pação com a formação de professores para o Ensino Religioso. a partirde então, entre 1970, 1980 e meados de 1990, a formação de professo-res para o ER acontecia por meio de cursos de curta duração, sem darcondições a estes de uma habilitação específica para o ER.

a partir de 1997, o ensino religioso brasileiro passou por mudança

47 a formação de professores de Ensino Religioso é refletida por diferentes autores. aquineste artigo a reflexão desenvolvida trata-se de síntese, a partir de produções de minha auto-ria, como em caROn, Lurdes, Entre Conquistas e Concessões: uma experiência ecumênica em edu-cação religiosa escolar, São Leopoldo, Sinodal, 1997ª, capítulo iii. caROn, Lurdes, (org.), O Ensino Religioso na Nova LDB: histórico, exigências; documentário, Petrópolis, Vozes, 1997b.caROn, Lurdes, Políticas e Práticas Curriculares: Formação de professores ao Ensino Religioso,Tese (Doutorado em Educação: currículo), Pontifícia Universidade católica de São Paulo –PUc-SP, 2007.

48 Em relação à formação de professores de ERE, destaca-se que o conselho de igrejaspara Educação Religiosa (ciER) se sentiu desafiado e, já no final de dezembro de 1972, sereuniu com o objetivo de organizar curso de licenciatura de curta duração para professores.Em 27 de março de 1973 continuou a discussão sobre o projeto de licenciatura curta, com novaapresentação do currículo mínimo para curso de Educação Religiosa Escolar (ERE). Em28/06/74, em função do Projeto de curso de Licenciatura, de legislação e dos programas econteúdos, foi constituída a comissão de assessoria à ERE. O referido projeto na época, nãofora aprovado. caROn, Lurdes, Entre conquistas e concessões: uma experiência ecumênica em edu-cação religiosa escolar, São Leopoldo, Sinodal: iEPG, 1997, p. 87.

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de paradigma, com a Lei n.° 9.475, de 22 de julho de 1997, que deunova redação ao art. 33 da Lei n.° 9.394, de 20 de dezembro de 1996,es tabelecendo as Diretrizes e Bases da Educação nacional. Por estaLei, a admissão, habilitação e capacitação de docentes de Ensino Reli-gioso é atribuída aos sistemas de ensino.

no Estado de Santa catarina, em 1995, tem início uma nova etapana reflexão e organização de políticas para a formação de professoresque foi o Programa Magister 49, Este programa definiu ações governa-mentais voltadas à formação continuada de professores não habilita-dos, nas diferentes áreas. a partir de 1996 iniciam os cursos de ciên-cias da Religião – Licenciatura Plena – habilitação de professores deEn sino Religioso. O Grupo de Pesquisa Educação e Religião da PUcdo Paraná 50 (GPER-PUc-PR), em 2015, tem registrado a existência, noBrasil, de 10 cursos de graduação em ciências da Religião.

Para apple (2001, p. 8), quanto a formação de professores é pre-ciso, “um olhar atento aos problemas teóricos e práticos gerados pelasvárias formas de educação pública que existem em um mundo dediferenças tanto celebradas quanto perniciosamente impostas”.

Em vista de manter o olhar atento para o cultivo de uma culturacapaz de ajudar a pensar, fazer e refazer, criar e recriar e dialogar como diferente, a formação de professores em nível de graduação comhabilitação em Ensino Religioso, no Brasil, hoje é uma prática que vemsendo ampliada, principalmente a partir do diálogo cada vez maisaprofundando com os cursos de ciências da Religião ativos de norte asul do País, em diferentes instituições de Ensino Superior.

O grande desafio das políticas educacionais é incorporar na refle-xão os processos de construção do ser humano, do conhecimento, devalores, da ética, da identidade e da solidariedade.

49 O Programa Magister, foi criado pela Diretoria de Ensino Superior – DESU/SED/Sc.Trata-se de uma ação do Governo do Estado de Santa catarina na busca de melhoria da Edu-cação, por meio da formação de professores das áreas mais deficitárias do magistério catari-nense. consiste na formação continuada em serviço. Este Programa buscou ações emergen-ciais para suprir a rede estadual e municipal de ensino com recursos humanos qualificados,objetivando a melhoria da qualidade de ensino (ESTaDO DE SanTa caTaRina, ProgramaMagister: informações gerais, Florianópolis, iOESc, 1998, p. 5).

50 GPER, Formação de professores. Disponível em: www.gper.com.br. acesso em 30 demaio de 2015.

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considerações finais

a reflexão sobre Ensino Religioso e diversidade: currículo e forma-ção de professores proporcionou a percepção de que para desenvolvereste ensino, respeitando a diversidade cultural religiosa do povo bra-sileiro, uma das exigências é fazer uso de linguagem inclusiva.

Este fato implica em investir na formação continuada de professo-res, garantindo efetivas políticas que viabilizem a instituições de En -sino Superior a oferta de cursos em todas as áreas do conhecimento,incluindo o Ensino Religioso.

Mudanças na educação serão efetuadas com o exercício de umaprática pedagógica em que o professor como sujeito de si mesmo eautor de sua própria história acredite que pode, por meio da e na edu-cação, dialogar com o diferente, dialogar contemplando a diversidadee fazendo a inclusão social.

Para tanto, é importante lembrar que a formação de professorespara o Ensino Religioso não está alheia às grandes interrogações quese apresentam à educação na contemporaneidade e sim, por meiodela, perguntas emergentes sejam atendidas, visando à formaçãoglobal do ser humano.

referências

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Ensino religioso na escola pública: área de conhecimento necessária para uma sociedade secularizada

JOSé anTÓniO cORREa LaGES *

Introdução

O Ensino Religioso nas escolas públicas no Brasil está previsto naconstituição Federal de 1988, no §1.º do art. 210, que estabelece oseguinte:

§ 1.º – O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disci-plina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.

Vê-se, pois, que, a constituição Federal prevê o Ensino Religiosocomo um princípio geral, sendo de oferta obrigatória pelas escolaspúblicas de ensino fundamental, inclusive como disciplina com horá-rios já previstos na grade curricular, mas de matrícula facultativa porparte da família do aluno e da aluna. De saída, já se percebe, pela pró-pria constituição, que o fato de ser de matrícula facultativa expressaum caráter diferenciado desta disciplina no conjunto das demais. nãoé difícil perceber que este caráter diferenciado está diretamente rela-cionado com a questão da liberdade religiosa e da laicidade do Estadoque têm dispositivos previstos em vários outros artigos da cartamagna, como a separação entre Estado e cultos religiosos ou igrejas(art. 19), a dignidade da pessoa humana (art. 1.º, 3.º e 4.º), a igualdadede todos perante a lei (art. 5.º) e o dever da família, da sociedade e doEstado em relação a crianças e adolescentes (art. 227). Percebe-se quea preocupação é com a liberdade de consciência, de crença e de culto.

O Brasil possui, hoje, uma considerável pluralidade de modelos de

* Mestre em história pela Universidade Estadual Paulista (UnESP) e doutorando em ciên-cias da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) ([email protected]).

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Ensino Religioso, espalhados por diversos estados e municípios, o quese desenha em função de iniciativas locais e não de uma diretrizcomum e sólida, capaz de produzir uma prática docente consistentepara esta disciplina em âmbito nacional. isso decorre do parágrafo 1.ºdo art. 1.º da Lei 9475/97 que modificou o art. 33 da Lei 9394/96 – Leide Diretrizes e Bases da Educação nacional – LDB:

§ 1.º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para ade finição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normaspara a habilitação e admissão dos professores.

assim, a partir da obrigatoriedade da oferta na rede pública com-binada com a facultatividade da matrícula por parte da família, alegislação infraconstitucional repassou para os sistemas municipais eestaduais de ensino uma série de responsabilidades sobre esta disci-plina, particularmente a definição de conteúdos, a formação e aadmissão de seus professores.

ao longo da nossa história nacional, esta área de estudo estevequase sempre sob o controle da igreja católica, enquanto instituição re -ligiosa hegemônica; seguiu, pois, parâmetros catequéticos, teológicos epedagógicos ditados pela igreja. Um modelo que evoluiu depois da LDBpara o que podemos denominar de interconfessional, levando em contaas diferenças religiosas existentes no interior das escolas, foi o adotadodurante algum tempo pelo Fórum nacional Permanente do Ensino Reli-gioso (FOnaPER). Também nesse caso, esta linha parece não ter conse-guido justificar-se epistemologicamente como área de conhecimentoperante as demais, superar politicamente a linha de to le rância às dife-renças e, pedagogicamente, construir uma metodologia capaz de incluira diversidade de experiências religiosas e até mesmo não-religiosas.

Sem entrar no mérito político e eclesiológico da separação igreja--Estado, este parece ter sido o problema subjacente às questões que semos traram e se mostram, imediatamente, na discussão e nos encami-nhamentos práticos do Ensino Religioso. Sob o entendimento de queo assunto religião é de propriedade das confissões religiosas, não po -derá, a rigor, sair desse âmbito, mesmo quando se tornar disciplina es -colar. é o que parece estabelecer a mesma LDB, no parágrafo 2.º domesmo artigo 1.º:

Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas dife-rentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos doensino religioso.

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Os conteúdos do Ensino Religioso na Escola Pública, via de regra,devem provir dos próprios sistemas de ensino. Mas não deixa de gerarcerta ambiguidade quando se estabelece a necessidade de se ouvir asde nominações religiosas para a definição dos mesmos. até que pontoestas instituições, através de entidade civil que as reúna, terão ou não ocontrole da definição destes conteúdos? Tal ambiguidade gera as práti-cas hoje visíveis no tocante à docência do Ensino Religioso: ou é reivin-dicado e assumido explicitamente por agentes confessionais ligados àsinstituições eclesiais, é oferecido pelo Estado nas escolas pú blicas sob aégide da laicidade, ou ainda assumido por sistemas de en sino, conside-rados a princípio laicos, mas que reproduzem nos seus currículos as teo-logias confessionais. na verdade, a proposta organizada pelo FOna-PER, logo após a LDB de 1996/97, não conseguiu se ins titucionalizarcomo norma comum, talvez, sobretudo, por falta de condições políticas,apesar de anos de aprofundamento teórico-metodológico.

1. Duas questões fundamentais

O convencimento sobre a conveniência do Ensino Religioso na Es -cola Pública se dá, pois, no âmbito mais amplo e profundo de duasgrandes questões. a primeira, solidamente enraizada, é a da laicidadedo ensino que exclui os conteúdos religiosos como ameaça aos princí-pios fundantes do Estado Moderno. a segunda, fragilmente consti-tuída, é a fundamentação epistemológica desse ensino como área deconhecimento. O convencimento sobre a primeira questão, sem levarem conta a segunda, acaba por abrir espaço para as confissões religio-sas assumirem a condução do Ensino Religioso, uma vez que são de -tentoras, segundo dá a entender a própria concepção legal do Estado,através da LDB, dos conhecimentos religiosos.

Todos os esforços historicamente realizados no sentido de se cons-truir uma prática coerente dessa disciplina gravitou sempre em tornoda questão da confessionalidade religiosa e da laicidade do Estado. épossível hoje pensar um modelo que supere este impasse em nome daautonomia dos estudos de religião e da própria educação? é necessá-rio, em primeiro lugar, aprofundar o debate conceitual sobre a laici-dade do Estado, sob o ponto de vista de sua construção histórica eideo lógica, e diante dos importantes deslocamentos verificados nocampo religioso em todo mundo em nossos dias e, inclusive, no Brasil.

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Em seguida, o convencimento a ser feito é fundamentalmente deordem epistemológica, ou seja, a demonstração de que o estudo dareligião como área de conhecimento pode gozar de autonomia teóricae metodológica, sendo capaz de subsidiar práticas de ensino de reli-gião dentro dos sistemas de ensino laicos, sem nenhum prejuízo desua laicidade, ao contrário, a favor dela. De fato, o estudo científicodas religiões é tão laico quanto qualquer outro inscrito na esfera dasciências que são ensinadas nas escolas, o que não significa que todoensino não traga em seus objetivos a formação de valores nos educan-dos e educandas.

Toda ciência é ensinada nas escolas com finalidades pedagógicase não deixa de ter crenças embutidas em seus programas. Por outrolado, existe hoje um consenso de que a educação não pode ser umareprodução de princípios e métodos neutros, mas, sim, de valores aserem assimilados pelos educandos e educandas. a educação do inte-lecto e da vontade, na verdade, do ser humano em sua totalidade,funda-se numa teleologia: que tipo de pessoa e de sociedade que sedeve construir. E este é um objetivo de toda a educação. a composiçãocurricular é o meio a ser percorrido para tal finalidade.

Dentro deste quadro geral da educação para a formação de valorese de cidadania, o que está em jogo é o lugar do Ensino Religioso noâm bito público. qual é a utilidade do Ensino Religioso em e para umasociedade secularizada? Essa parece ser a questão que está por trás detoda a discussão em torno da constituição, da LDB e da própria laici-dade do estado.

O seu encaminhamento exige um ponto de partida crucial: quepapel desempenha a(s) própria(s) religião(ões) em sociedades seculari-zadas como as nossas no sentido de promover exatamente aqueles va -lores e cidadania de que falamos antes? Sem uma resposta inteligentepara este questionamento, não encontraremos nenhuma razão tam béminteligente para a presença do Ensino Religioso como disciplina curri-cular no contexto do projeto político-pedagógico da escola pública.

comecemos por Jules Régis Debray que nos lembra da dimensãoreligiosa do ser humano em sua obra Deus, um itinerário (2004) ao dizerque as religiões dizem respeito à raiz pesada das mentalidades e nãoapenas à história das ideias. é uma dimensão identitária e coletiva pro-fundamente inscrita no âmago das sociedades e por isso deve ser objetonecessário de estudo na escola pública. Exatamente por isso, Debray setornou na França um dos maiores defensores daquilo que ele mesmo

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chamou de ensino do fato religioso nos currículos escolares como neces-sidade vital para a preservação da cultura e da memória da nação.

Todos estes questionamentos muito hão de interessar não apenasao estudioso das religiões, mas também ao estudo dos saberes reli-giosos nos ambientes escolares. Sua importância está justamente nacompreensão da presença cada vez maior do fenômeno religioso noses paços públicos, contrariando toda uma expectativa de seu desapare -cimento desde a noção de desencantamento do mundo de Max Weber(PiERUcci, 2013), como também na compreensão mais exata das reli-giões como experiência de fé dos sujeitos religiosos. é, pois, impossí-vel discutir a pertinência do Ensino Religioso na escola pública sematentarmos para o lugar da religião ou das religiões no âmbito públiconas sociedades do nosso tempo que vivem uma profunda crise civili-zacional como a nossa ou o seu significado mais profundo para o serhumano que vive esta crise.

2. Qual é a realidade hoje do Ensino religioso no Brasil?

Sintetizando este debate que envolve organismos do Estado, ges-tores e órgãos da área de educação, confissões religiosas e setores aca-dêmicos, podemos estabelecer três grandes vertentes para esta discus-são: 1ª) os que não admitem, em hipótese alguma, o Ensino Religiosona escola pública, escudados na defesa da laicidade do Estado; 2ª) osque advogam o Ensino Religioso claramente confessional, utilizandoas brechas originadas da ambiguidade e das contradições da próprialei, que prevê, como já vimos, a matrícula facultativa e um órgão cole-giado integrado pelas confissões religiosas que “será ouvido” na defi-nição de conteúdos a serem ministrados; 3ª) os que admitem o EnsinoReligioso na escola pública como área de conhecimento do fenômenoreligioso no currículo escolar, privilegiando a escolarização e não osinteresses das confissões religiosas, como uma aplicação didática da(s)ciência(s) da Religião.

aqueles que são contrários a qualquer modelo de Ensino Religiosona escola pública ancoram a sua argumentação no caráter laico doEstado previsto em vários artigos da constituição. é uma posição comum forte viés jurídico-político. Ela pode ser encontrada não apenasnos meios acadêmicos, mas em vários outros segmentos da sociedade,

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em alguns partidos de esquerda ou em tendências deles, em algunsmovimentos sociais e sindicatos. Trata-se de uma postura impermeá-vel a qualquer crença religiosa e principalmente à sua presença no âm -bito público, como nas escolas. Talvez seja um resquício de uma tra -dição marxista ortodoxa escudada no entendimento tradicional, mashoje já bastante questionável, da religião como ópio do povo.

assim, a discussão permanece no âmbito legal, constitucional, en -volvendo interesses políticos do Estado e das confessionalidades, mor-mente a hegemônica em nosso país, e não abrange a contextualizaçãodo Ensino Religioso na escola pública no âmbito educacional e peda-gógico, na perspectiva de um processo histórico de escolarização.

O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá julgar ainda duas açõesDiretas de inconstitucionalidade (aDins) sobre o Ensino Religioso naescola pública: a aDin 4439, focada na questão do acordo Brasil-Vati-cano, já aprovado pelo congresso, e por isso tem força constitucional,e a aDin 3268 contra a Lei 3.459/2000 do Estado do Rio de Janeiro que,na prática, instituiu o Ensino Religioso confessional nas escolas pú blicasdesse estado. Mas cabe ao STF julgar a inconstitucionalidade das leis einterpretar a constituição, nunca revogar um dispositivo da constitui-ção. Seja qual for a decisão do STF, a previsão constitucional do EnsinoReligioso será mantida, a não ser que ela seja revogada por emenda docongresso nacional, o que, no momento, está totalmente fora de cogi-tação. Mas o STF pode julgar o Ensino Religioso na Escola Pú blica comoconstitucional e estabelecer aditivos, ou seja, normas e limites para o seufuncionamento. afinal, diante da evidente omissão legislativa do con-gresso nacional frente a várias questões de grande relevância para asociedade brasileira, estamos em plena fase da judicialização da políticae, na prática, do STF têm exarado sentenças que são verdadeiras normasde lei, em julgamentos de grande repercussão nacional.

Diante disso, podemos perceber que são duas posições que seexcluem, ao ponto da discussão ser levada às barras dos tribunais. Omodelo questionado pelas aDins citadas separa os alunos em classesde acordo com as suas confissões religiosas, os conteúdos ministradospertencem às teologias das mesmas, os concursos de ingresso de pro-fessores supõem também a definição de uma confessionalidade e seucredenciamento e descredenciamento pela autoridade religiosa. nãohá dúvida que se trata de um modelo que fere frontalmente vários a r -ti gos da constituição, principalmente os que tratam da laicidade doEstado, bem como a própria lei n.º 9.475/97 (que modificou a lei9394/96 – LDB) que assegura, na parte final do seu caput, o respeito à

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diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas deproselitismo:

art. 1º. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte inte-grante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horáriosnormais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o res-peito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquerformas de proselitismo.

Entendemos a negação do Ensino Religioso na escola públicacomo a negação desse modelo de Ensino Religioso. a ambiguidade dodispositivo constitucional e da própria LDB, ao deixarem em abertodefinições cruciais sobre a disciplina, conduziu a soluções particularesem estados e municípios, flagrantemente ilegais. ao prever o EnsinoRe ligioso no currículo escolar, mas sem a previsão de uma área de co -nhecimento correspondente e sem apontar-lhe uma base epistemoló-gica, a legislação permitiu a proliferação de modelos que não levamem conta a diversidade e pluralidade cultural e religiosa da sociedadee que se firma como proselitista e doutrinária, abrindo o espaço pú -blico das escolas à pregação catequética das instituições religiosas.

Mas o que vem ocorrendo no restante do país? além daqueles es -ta dos da federação que adotam explicitamente o ensino confessional,nos demais o Ensino Religioso apresenta muitas variantes, indo dointer-confessional ao Ensino Religioso como aplicação didática dasciências da Religião, esta, portanto, como uma área de conhecimentodo fenômeno religioso no contexto do currículo escolar. Levantamentorealizado por Débora Diniz (2008, 6) que interpretou diversos do-cumentos legais e regulamentações, encontrou os seguintes modelos:

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Resultado semelhante foi encontrado por Giumbelli (2009), reafir-mando a predominância de modalidades de ensino interconfessional.Da mesma época, um levantamento realizado pelo FOnaPER tevecomo resultado:

Já existem vários estudos acadêmicos que analisam estes diversosmo delos adotados no Brasil. Um dos mais recentes e completos é o deMarislei Sousa Espíndula Brasileiro, na sua tese de doutorado apre-sentada em 2010, ao programa de pós-graduação strictu sensu emciências da Religião, na Universidade católica de Goiás, sob orienta-ção do Prof. Dr. alberto da Silva Moreira. Segundo esta pesquisadora,o Ensino Religioso interconfessional ecumênico diz respeito ao mundoreligioso cristão, mas com abertura ao diálogo com as demais religiõesabraâmicas. Este foi o modelo que se desenhou na maioria dos siste-mas de ensino logo após a aprovação da LDB, em 1997. Para Brasileiro(2010), já o Ensino Religioso supra-confessional tem abordagem de na -tu reza científica ao invés de se fundamentar em doutrinas de determi-nadas religiões. Segundo ela, os Estados do Paraná e do Rio Grandedo Sul adotam este modelo, enfatizando a preocupação de se trabalharo Ensino Religioso a partir de conhecimentos científicos sobre as reli-giões e não a partir das doutrinas e teologias adotadas pelas mesmas.Este modelo é capaz, por exemplo, de incorporar ao seu programa asre ligiões indígenas, as de origem africana, como o candomblé, e tradi-ções religiosas e filosóficas orientais. neste modelo, a perspectivasupra-confessional é a que mais se aproxima do princípio da laicidade.além disso, ela busca se articular com os demais aspectos da formaçãopara a cidadania como, aliás, prevê o projeto político-pedagógico daes cola para todas as áreas do conhecimento.

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Este modelo dos estados do sul não conta com programas de ciên-cias da Religião, em nível de graduação. é exigida de seus docentes,para lecionarem ensino religioso, a graduação em áreas de ciências hu -manas e sociais, como história, Geografia, Filosofia e Sociologia. al -gu mas instituições de ensino superior, como a Pontifícia Universidadeca tólica do Paraná, a Pontifícia Universidade católica do Rio Grandedo Sul, a Universidade do Vale dos Sinos e a Escola Superior de Teo-logia (EST) oferecem cursos de especialização em Metodologia do En -si no Religioso para suprir esta lacuna. O mesmo acontece com a Uni-versidade Regional de Blumenau (URB), em Santa catarina.

Existem também certas nuances entre estes modelos o que difi-culta muitas vezes uma classificação mais rigorosa. Por outro lado, emanos mais recentes, foi possível perceber uma clara tendência de evo-lução da maioria deles para o Ensino Religioso como área de conheci-mento, principalmente nos estados do norte e nordeste, sob os auspí-cios do FOnaPER e de algumas poucas instituições públicas deen sino superior que oferecem cursos de ciências da Religião em nívelde graduação, com ênfase na preparação de professores de Ensino Re -li gioso. nos GTs de Educação e Religião dos congressos, seminários esim pósios mais recentes da SOTER, da aBhR e da anPTEcRE, foipossível perceber claramente aquela tendência.

nossa pesquisa se propõe a investigar justamente este modelo deEnsino Religioso chamado pelos autores citados de supra-confessionalou por outros, numa abordagem mais científica e pedagógica, de apli-cação didática das ciências da Religião. Percebemos que até agora estemo delo, que vai alcançando grande repercussão no exterior, sequer élembrado aqui no Brasil frente aquelas duas posições que se excluem:ou existe o ensino religioso confessional ou não existe nenhum tipo deen sino religioso. O problema que se coloca é: que papel pedagógicoexer ce este modelo de Ensino Religioso aconfessional e não proselitis -ta, que se propõe a respeitar a diversidade cultural e a pluralidade re -li giosa da sociedade brasileira, no contexto de um Estado laico, tor-nando esta área de conhecimento epistemologicamente possível,ne cessária e até indispensável no currículo escolar?

a parte inicial do caput do artigo 1.º da lei n.º 9.475/97 (LDB) en -tende o conhecimento do fenômeno religioso como parte integrante daformação básica de todo cidadão e cidadã. Dependendo de que EnsinoReligioso se trata, não há nisso nenhuma afirmação confessional e/ouproselitista. O fenômeno religioso é entendido aqui como objeto dacul tura e a religiosidade como característica do ser humano, indepen-

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dente de sua afiliação confessional e até mesmo de seu autoproclama -do ateísmo. E vamos além. quando se fala de formação básica de todocidadão e cidadã, não estamos falando de um processo cognitivo res-trito apenas à aquisição de informações ou técnicas de aprendizagem,mas também à construção do conhecimento que exige uma posturadiante da vida, da sociedade e da natureza, uma postura que, eviden-temente, se calca em valores éticos para o exercício pleno da humani-dade e da cidadania dos sujeitos, independentemente de qualquercrença religiosa.

a escola é historicamente um espaço privilegiado de aprendiza-gem, mas esta aprendizagem não se situa apenas no universo cogni-tivo e técnico. é consensual que a escola tem uma função formativa,com prometida com a formação de valores. Um projeto político-peda-gógico deve garantir esta função.

é neste contexto que queremos situar a função teleológica especí-fica do fenômeno religioso como objeto de estudo no contexto escolar.Para que estudá-lo? Outras disciplinas não teriam até melhores con-dições de fazê-lo, sem levantar tantas discussões em torno da plurali-dade cultural e da laicidade do Estado? Teria este objeto de estudo umpapel que o tornasse necessário e até indispensável ao lado das demaisdisciplinas?

3. A necessidade do conhecimento do fenômeno religioso para uma

sociedade secularizada

Partimos do problema da exclusão mútua de duas visões no trata-mento do ensino religioso na escola pública: ou existe o ensino reli-gioso confessional ou não existe nenhum tipo de ensino religioso. aprimeira é resultante de um longo processo de cristianização para jus-tificar ideologicamente o poder estabelecido na sociedade desde a fasecolonial, pois o ensino de uma religião sempre fez parte historica-men te do projeto de dominação e formação do nosso quadro culturalmarcado pela ocidentalização/europeização. a segunda afirma a lai-cidade do Estado como impeditiva de se levar para o âmbito da mon -ocultura do saber e do rigor científico qualquer conhecimento que nãoesteja de acordo com a racionalidade ocidental moderna. a laicidadesupõe a legitimação do Estado por saberes não religiosos e, por isso

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mesmo, está intrinsecamente ligada a um conjunto de epistemologiasmuito próprias dessa racionalidade ocidental moderna.

apontamos que, ao prever o Ensino Religioso no currículo escolarsem a previsão de uma área de conhecimento correspondente e semapontar-lhe uma base epistemológica, a constituição Brasileira e a Leidas Diretrizes e Bases da Educação nacional (LDB) permitiram a pro -li feração de modelos que não respeitam a diversidade e pluralidadecultural e religiosa da sociedade brasileira. ainda percebemos, emmuitos segmentos da nossa sociedade, a insistência em tornar a escolapública um espaço de missão religiosa. Para outros grupos, reconhe-cer o ensino religioso no espaço público é uma questão de democraciae de reconhecimento das próprias diferenças e da pluralidade da so -ciedade brasileira. Por outro lado, os seus críticos o veem, pelo contrá-rio, exatamente como uma ameaça à democracia e à pluralidade e di -versidade cultural e religiosa do povo brasileiro. Vê-se, assim, que asdiversas visões sobre o ensino religioso que temos hoje não surgem desimples opiniões, mas da história desta disciplina no próprio contextoda educação brasileira desde o período colonial.

na nossa hipótese, o ensino religioso, como ensino do fenômenore ligioso, supera aquelas duas visões excludentes, a partir de umabase epistemológica definida para esta disciplina no currículo escolar,tornando-a uma área de conhecimento necessária e até indispensávelpara uma sociedade secularizada, como a nossa, e perfeitamenteadmis sível no contexto político do Estado laico. na nossa hipótese,este modelo, como aplicação didática das ciências da Religião, é oúnico que poderá garantir o respeito á diversidade e á pluralidade re -li giosa da sociedade brasileira e contribuir para a compreensão do fe -nô meno religioso como “objeto de cultura”, ao assumir uma funçãoprópria do conhecimento fenomenológico da religião como matriz ge -radora de todas as culturas e etnias.

a crítica laicista a este modelo é enfrentada a partir da própria dis-cussão dos impactos sobre o Estado laico por parte dos recentes deslo -camentos no e do campo religioso no Brasil e no mundo e que exigemdeste mesmo Estado, na contemporaneidade, um papel mediador napreservação da cultura nacional, na superação de conflitos sociais, cul-turais e religiosos e na integração de ações humanizadoras da socie-dade em conjunto com as correntes filosóficas e espirituais, na pers-pectiva apontada por Daniéle hervieu-Léger (2008).

émile Poulat, escrevendo no contexto de um dos Estados maislaicos do mundo, conclui bem esta discussão, afirmando:

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a laicidade pública não é tudo a cesar e nada a Deus, mas sim aconsciência e a liberdade dos homens chamados a viver juntos, apesarde tudo o que os separa, os opõe e os divide [ ] nossa laicidade públicaaparece assim como o resultado de uma sabedoria política e de um sutilequilíbrio que não obriga ninguém a sacrificar seus princípios, mas quepropõe a todos uma nova arte de viver juntos. (POULaT, 2003, 6).

nesta mesma linha, a inserção do “estudo do fato religioso na es -cola pública”, como deseja Règis Debray (2004), não significa rompercom a tradição da laicidade, mas passar, nas palavras ainda desteautor, de uma “laicidade de incompetência”, no sentido de que o reli-gioso, por construção, não nos interessa, muito próprio de um viés ilu-mino-positivo-marxista, para uma “laicidade de inteligência” no sen-tido de que é nosso dever compreendê-lo. a nossa proposta afirmaque esta compreensão exige necessariamente uma nova sociologia quesubstitua monoculturas por ecologias, agregando a diversidade pelapromoção das interações sustentáveis entre entidades parciais e hete -ro gêneas, na perspectiva dos autores do pensamento crítico, comoBoa ventura de Sousa Santos, aníbal quijano, Walter Mignolo, JoergRieger e vários outros.

ancorado justamente no pensamento destes autores, vemos aaprendizagem escolar do fenômeno religioso como importante instru-mento para dar visibilidade a saberes silenciados pela racionalidadeocidental e a experiências humanas com aquilo que os crentes deno-minam de transcendente. Esta crença religiosa, na visão Joerg Rieger,foi a primeira sustentação, teórica e prática, das mais diversas formasde dominação econômica, social, cultural e política do colonialismomo derno, mas não deixa de ser também uma referência, ao mesmotem po, para as resistências locais a estas e a outras formas de domi-nação contemporâneas relacionadas a questões de raça, gênero,opções sexuais, religiosas, etc. 51

a utilização desses referenciais em estudos e pesquisas relaciona-dos à religião e áreas afins tem crescido muito nos últimos anos.Mesmo que a religião não seja o tema central para esses autores, seustextos contribuem muito ao nos fornecer argumentos úteis para a crí-tica à razão indolente que coloca hoje as experiências humanas com otranscendente como ignorância e como um saber residual, inferior,

51 Ver o artigo Libertando o discurso sobre Deus in Estudos de Religião, Universidade Me -to dista de São Paulo, ano XXii, n. 34, pp. 84-104, jan/jun. 2008.

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local e improdutivo. assim a religião se revela como mais um campoda ecologia dos saberes trabalhados por Boaventura de Sousa Santose aqueles autores. a partir da incompletude de todos os saberes e dotrabalho de tradução entre eles, estes autores, seus conceitos e méto-dos têm sido muito importantes para os estudos de religião e para aaplicação desses estudos no diálogo inter-religioso. Mas também têmsido importantes nos estudos e pesquisas sobre as relações entre su -balternidades religiosas e saberes hegemônicos nos mais diversoscampos da atividade humana, inclusive no da educação.

conclusões

há necessidade do Ensino Religioso na escola pública? Esta per-gunta precisa ser respondida. Um projeto de Ensino Religioso, comoárea de conhecimento do fenômeno religioso, que busca realizar a lei-tura pedagógica da(s) ciência(s) da Religião para a escola pública, po -de rá ter grande relevância para a educação. nossa pesquisa buscacomprovar essa relevância e essa necessidade. De início, podemos res-saltar algumas preocupações e alguns questionamentos que demons-tram a sua pertinência e necessidade.

Se a escola prepara a pessoa para o convívio social, o ensino dofenô meno religioso deverá ter algo a dizer para esta relação de alteri-dade. a cidadania que a escola busca formar inclui informações teó-rico-metodológicas, sensibilização artística, formação política e prepa-ração para a vida em sociedade. Em que medida o conhecimento dofe nômeno religioso poderá contribuir com a formação da cidadanianesses diversos aspectos? acreditamos ser possível um diálogo da re -ligião com a ciência, a arte, a política no espaço da educação? acredi-tamos que há necessidade de se conhecer para conviver. E conviverbem.

Sabemos que todas as tradições religiosas são portadoras de éticasque orientam a vida de seus membros na convivência social. acredi-tamos que o conhecimento do fenômeno religioso nos currículos esco-lares poderá contribuir na explicitação de consensos éticos a partir dastradições religiosas na perspectiva de construção de uma sociedadepautada em valores baseados na solidariedade. Este modelo de ensinoreligioso poderá cumprir uma função específica no currículo escolarno que diz respeito à compreensão do fenômeno religioso como “obje -

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to de cultura”, garantindo o respeito à diversidade e à pluralidade cul-tural com a aceitação do diferente (alteridade), com a construção devalores éticos e princípios de cidadania e que possa apontar para umsentido último da vida humana com base na solidariedade. O conhe-cimento das diversas religiosidades traz um aporte de saberes úteispara aquela função específica, mais que quaisquer outras áreas doconhecimento ministradas no ambiente escolar.

a educação formal/escolar fornece aos estudantes elementos queformam com o tempo suas visões de mundo e seus modos de interpre-tar a realidade. no dizer de Paulo Freire, a leitura de textos e a leiturada realidade devem ser simultâneas para que, de fato, formem o cida-dão crítico e autônomo. assim como se educam os olhares racional,esté tico e ético nas diversas disciplinas do ensino fundamental, comcer teza o olhar simbólico sobre a realidade pode receber alguma con-tribuição do fenômeno religioso.

Por fim, o ensino religioso como estudo propriamente da religiãocomo área de conhecimento será de grande valia, na medida em que aignorância religiosa tem sido uma grande fonte de sectarismos e into-lerância. a presença do estudo da religião na escola pode fornecer ele-mentos que favoreçam o discernimento do fenômeno religioso porparte dos estudantes. as tradições religiosas costumam se apresentarcomo um campo da verdade absoluta. O estudo delas poderá lançaros germes para opções religiosas críticas e maduras. Ou para opçõescríticas e maduras também para o agnosticismo e para o ateísmo.

Vários destes pontos sobre o ensino do fenômeno religioso sãopautas da educação geral do cidadão. a educação laica para a cidada-nia não pode ignorar as religiões, pela sua forte presença e função nasociedade. é preciso decodificar criticamente as representações e prá-ticas religiosas em nome da convivência sempre mais construtivaentre as pessoas e grupos, educar para a convivência social das diver-sidades confessionais, assim como tirar das tradições religiosas valo-res que contribuam com a vida humana na sua subsistência e convi-vência. E ressaltamos: pela via do conhecimento e da educação, e nãoda confessionalidade e do proselitismo.

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* Doutorando em Educação pela Universidade Federal de Santa catarina (UFSc). Bolsis -ta da caPES/MEc/Brasil. Membro do Grupo de Pesquisa Ethos, alteridade e Desenvolvi -men to (GPEaD/FURB) e do Grupo de Estudos e Pesquisas em história da Educação e insti -tui ções Escolares de Santa catarina (GEPhiESc/UFSc) ([email protected]).

** Doutora em Teologia, pela Escola Superior de Teologia (EST/RS). Professora e pes qui -sa dora no Programa de Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento Regional da Universida -de Regional de Blumenau (FURB/Sc). Líder do Grupo de Pesquisa Ethos, alteridade e De -sen volvimento (GPEaD/FURB) ([email protected]).

52 Entendemos epistemicídios como o processo decorrente da negação das diferentesepistemes dos povos originários que foram subalternizadas e até extintas durante o processode colonização do ser, saber e viver. Para maior aprofundamento, consultar Fleuri, azibeiro ecoppete (2009).

53 O termo Outro (com a inicial em maiúsculo) quer representar os Outros e Outras (pl u -ral e feminino) que, segundo Levinas (2005), representa aquele que não pode ser reduzido aum conceito; é rosto, presença viva que interpela, convoca, desafia e constrói.

54 Para saber mais, conferir a obra organizada por Oliveira, et al (2010).

Diversidade religiosa e direitos humanos:conhecer, respeitar e conviver

ELciO cEcchETTi *

LíLian BLancK DE OLiVEiRa **

1. Introdução

a história demonstra que a convivência com os diferentes e asdiferenças constitui-se em um processo complexo e desafiador. inú-meros conflitos, colonialismos, imperialismos, genocídios, epistemicí-dios 52 e culturicídios comprovam que a relação com o Outro 53 repre-senta uma das grandes problemáticas da humanidade.

na história da américa Latina e caribenha e, particularmente, dasociedade brasileira, a diversidade religiosa foi combatida, perseguidae invisibilizada em nome de um processo colonizador calcado na su -pre macia da cultura europeia e da universalidade do cristianismo 54.Pela aliança entre a cruz (poder religioso católico) e a espada (poderpo lítico-mercantil europeu), as culturas e crenças indígenas, africanas

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(arrancadas à força para servirem como escravos nos territórios con -quis tados) e de diferentes minorias étnicas (judeus e ciganos, porexemplo) foram considerados elementos a serem combatidos, conver-tidos e negados em nome de um ideal civilizatório exclusivista.

considerando que os direitos humanos foram afirmados historica-mente nos embates constantes contra a exploração, dominação, vitimi-zação, exclusão e demais mecanismos que violavam a dignidade hu -ma na, o campo educacional, principalmente em sua face formal (aes cola), pode e deve contribuir na promoção da liberdade religiosa edos direitos humanos, por meio de práticas pedagógicas que exerci-tem a sensibilidade diante de qualquer discriminação religiosa.

neste sentido, o presente trabalho compartilha os resultados doProjeto Diversidade Religiosa e Direitos humanos: conhecer, respeitare conviver, desenvolvido pelos grupos de Pesquisa GPEaD/FURB eMOVER/UFSc ao longo dos anos de 2010 a 2013, e que resultou napublicação de materiais paradidáticos destinados a educandos e edu-cadores dos anos finais do Ensino Fundamental.

Partindo do desafio e da complexidade das relações com Outro, edas consequências que a falta de diálogo produz na dinâmica social,na primeira parte discorre-se sobre a importância do conhecimento,res peito e convivência com a diversidade cultural enquanto meio depro moção dos direitos humanos, o que por sua vez implica no reco-nhecimento das várias manifestações religiosas e não religiosas (ateus,agnósticos e sem-religião) 55.

no ponto seguinte, contextualiza-se a problemática da discrimina-ção e da intolerância religiosa, enquanto um fenômeno histórico ecrescente na atualidade, para destacar o papel das instituições educa-tivas na promoção da diversidade e dos direitos humanos, ao desen-volverem práticas pedagógicas que exercitem a sensibilidade diantede qualquer discriminação religiosa.

no terceiro tópico, apresenta-se inicialmente as finalidades doProjeto Diversidade Religiosa e Direitos humanos para, em seguida,destacar o conteúdo e a contribuição dos materiais paradidáticos, pu -blicados com o intuito de contribuir no conhecimento da diversidadere ligiosa nos anos finais do Ensino Fundamental. conclui-se que, en -quan to subsídios pedagógicos, as publicações colaboram para aapren dizagem da convivência respeitosa entre diferentes culturas e

55 categorias empregadas em consonância com o trabalho de Pereira (2013).

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identidades religiosas, na promoção da liberdade religiosa e dos direi-tos humanos.

2. Diversidade cultural e os desafios da convivência com o Outro

a diversidade de identidades culturais é resultado dos processosde territorialização 56 empreendido pelos diferentes sujeitos e grupossociais no decorrer dos tempos. constitui-se em um dos mais valiososbens da humanidade, na medida em que expressa a criatividade hu -ma na em construir sentidos, símbolos e significados que servem de re -ferência para a constituição das identidades pessoais e coletivas. éuma das fontes do desenvolvimento humano, de ampliação dos hori -zon tes e sentidos, à medida que cada cultura é apenas parte de ummun do complexo que tem muito a aprender com as outras culturasexistentes (cEcchETTi, 2008).

Deste modo, garantir uma interação positiva entre diferentes iden-tidades culturais é parte da busca pela promoção da dignidade hu ma -na. Valorizar e reconhecer a diversidade implica considerar que cadasujeito e grupo social tem se forjado num processo histórico diferente,constituindo identidades a partir de uma perspectiva que condiciona,possibilita e limita um modo de ser humano. as culturas configuramum mundo simbólico e atribuem significados, limites e possibilidadesàs formas de como os humanos leem, sentem e experienciam o mundoe a vida, produzindo sentidos e identidades (LanGOn, 2003).

Para coll (2002), as culturas podem ser consideradas como conjun-tos de crenças, conhecimentos, instituições e práticas pelas quais cadacoletividade afirma sua presença no mundo, garante sua continuidadee permanência no tempo. Tais valores e crenças representam, segundoo autor, elementos fundamentais na configuração das culturas porquene nhuma sociedade é resultado somente de sua dimensão logos (ra -cionalidade), mas, sobretudo, da soma de duas outras dimensões: amítico-simbólica e a do mistério. a primeira corresponde a um nível

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56 Para haesbaert (2006, p. 314), o processo de territorialização compreende as relaçõesde domínio e apropriação do espaço pelo humano, de forma concreta ou simbólica, criandomediações espaciais que proporcionam efetivo poder de reprodução enquanto grupos sociais(ou enquanto sujeitos); poder este que é sempre multiescalar e multidimensional, material eimaterial, de dominação e apropriação ao mesmo tempo.

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da realidade “mais profundo do que aquele que se pode atingir apartir da razão reflexiva, conceitual e lógica” (p. 35) e, por isso, “nãopode ser definida nem explicitada pela razão, dado que se trata da -quilo que não pode ser pensado, nem dito, mas que é tão real quantoaquilo que percebemos valendo-se da razão” (p. 35). Por sua vez, a di -men são do mistério está relacionada “àquilo que não pode ser pensa -do nem definido, e que excede a toda conceitualização e simbolizaçãoque possamos propor” (p. 36). assim, as culturas elaboraram concep-ções próprias sobre o que é o ser humano, o que são a(s) di vindade(s)e sobre os sentidos e lógicas de funcionamento do mundo e da vida(cosmogonias).

Os conhecimentos religiosos, portanto, são elementos simbólicosde grande influência social que acabam por caracterizar e estruturar associedades. Tais conhecimentos, disponíveis de modo diverso nasdiferentes religiosidades, credos e tradições religiosas, são referenciaisutilizados pelos sujeitos e grupos sociais para (re)construir sua exis-tência e responder às diferentes situações e desafios do cotidiano.

no entanto, em se tratando da diversidade religiosa, a convivênciaentre sujeitos com crenças e convicções diferentes, historicamente, foimarcada por muitos conflitos e imposições, negações e invisibiliza-ções, preconceitos e discriminações, muitas vezes legitimadas por re -presentações sociais equivocadas, rotuladoras e exotizadoras da(des)crença 57 do Outro. Este é um problema extremamente complexopor que tais atitudes, costumeiramente, não carregam motivações ex -clusivamente religiosas, mas agregam razões de ordem econômica,social, política e cultural, variáveis a cada experiência histórica. O usodo religioso por outras instancias sociais, para fins particulares,podem endossar lógicas opressivas e exploradoras, subverter sentidose instaurar processos de dependência e alienação, perseguição e into-lerância.

na atualidade, de forma crescente, resquícios deste processo colo-nizador, somados a estratégias de alguns setores religiosos e gruposconservadores que disputam o poder 58 hegemônico na sociedade,continuam a veicular o preconceito e a intolerância religiosa nas rela-

57 é preciso considerar que a intolerância não só recai sobre aqueles que se manifestamparticipantes de determinada crença religiosa, mas também, àqueles que se declaram ateus,agnósticos ou sem religião.

58 na visão de Foucault (1995), o que caracteriza o poder é que ele coloca em jogo relaçõesentre sujeitos e grupos, desencadeando um conjunto de ações que se induzem e se respondemmutuamente, onde alguns procuram exercer poder sobre outros.

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ções sociais, presenciais ou virtuais, por meio da difusão de imagensne gativas e pejorativas sobre as crenças ou convicções – religiosas ounão – do Outro. Vários estudos e reportagens recentes indicam o cres-cimento do bullying religioso 59 nas escolas do país, a intolerância reli-giosa perante a cultura afro-brasileira 60, a perseguição dos terreiros decandomblé e Umbanda 61 e a manutenção do preconceito, discrimina-ção e invisibilização das histórias e culturas indígenas nos currículosescolares 62.

assumir e valorizar a diversidade cultural religiosa no cotidianoes colar requer o desenvolvimento de práticas pedagógicas diferencia-das, subsidiadas pelo conhecimento coerente das diferentes culturas ereligiosidades, assim como, do ateísmo e agnosticismo, a fim de garan-tir o direito à liberdade de consciência, religião ou convicção, in cluin -do a liberdade de mudar ou de não aderir à fé alguma. isso significaque os currículos 63 escolares necessitam integrar, discutir e estudar ofe nômeno religioso, de modo científico e respeitoso, para que seja pos-sível desconstruir e desnaturalizar estereótipos, preconceitos e silen-ciamentos presentes na escola e na sociedade, no que tange à diversi-dade religiosa.

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59 cf. Bullying religioso cresce nas escolas do País, diz líder ateu. Disponível emhttp://noticias.terra.com.br/educacao/bullying-religioso-cresce-nas-escolas-do-pais-diz-lider-ateu,f4c942ba7d2da310VgncLD200000bbcceb0aRcRD.html. acesso em 25 jan. 2015.

60 cf. intolerância religiosa prejudica ensino da cultura afro-brasileira, diz secretário. Dis-ponível em: http://g1.globo.com/bahia/noticia/2014/11/intolerancia-religiosa-prejudica-ensino-da-cultura-afro-brasileira-diz-secretario.html. acesso em 25 jan. 2014.

61 Um estudo da PUc-Rio e do Governo do Estado aponta a existência de 840 terreirosno Estado. Desse montante, 430 já teriam sofrido atos de discriminação. Disponível em:http://oglobo.globo.com/sociedade/levantamentos-mostram-perseguicao-contra-religioes-de-matriz-africana-no-brasil-13550800. acesso em 15 jan. 2015.

62 Os pesquisadores Oliveira, Kreuz e Wartha (2014), na obra recém-publicada com o tí -tulo Educação, história e cultura indígena: desafios e perspectivas no Vale do Itajaí denunciam queas identidades, idiomas, saberes, valores, crenças e religiosidades do povo indígena XoklengLaklãnõ vem sendo sistematicamente invisibilizado, negado e exotizado pela sociedade en -vol vente e pelos currículos das escolas do Vale do itajaí/Sc.

63 Para uma análise mais aprofundada acerca da relação entre currículos escolares, diver -si dade religiosa e educação em direitos humanos, consultar Pozzer, cecchetti e Oliveira(2010).

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3. Diversidade religiosa, educação e direitos humanos

Uma das marcas expressivas da diversidade cultural brasileiraencontra-se no campo religioso, onde (con)vivem inúmeras crenças etradições religiosas de origem indígena, africana, oriental e semita. Osdados do censo Demográfico de 2010 (iBGE, 2012), um dos principaisre ferenciais estatísticos para compreensão do campo religioso brasilei -ro, apresenta que os adeptos do catolicismo compõem 64,6% da popu-lação; os evangélicos pentecostais somam 22,2%; os sem religião repre-senta a terceira maior categoria 8%; os espíritas são 2%; as religiõesafro-brasileiras mantiveram-se no eixo de 0,3% de declaração de cren-ças; e outras religiosidades somam 2,7%.

Estes dados, em linhas gerais, indicam algumas características pró-prias da contemporaneidade, como a tendência ao pluralismo reli-gioso, ao constante trânsito religioso e à privatização da religião dasso ciedades modernas ocidentais. Para Sanchez (2012), nestes contex-tos, o pluralismo é reflexo de dois fatores: existência da diversidadere ligiosa e reivindicação de liberdade religiosa.

Todavia, embora se constate a diversificação das opções espiri-tuais disponíveis na sociedade brasileira, ainda se constituiu um desa-fio singular assegurar o respeito e reconhecimento da diversidade reli-giosa. a existência de preconceitos, discriminações e intolerânciasexige atenção e esforços conjuntos no sentido de erradicar conflitos erelações de poder que buscam inferiorizar a crença do Outro e subal -ter nizar as diferenças. Tal problemática social, muitas vezes, se mani-festa sob a forma de relações conflituosas no contexto escolar, pelaexistência de práticas e relações permeadas por tentativas de invisibi-lização, silenciamentos e preconceitos.

a complexidade dessas relações exigem um posicionamento crí-tico e um olhar atento e ampliado, a fim de identificar e coibir proces-sos de forjamento de identidades e diferenças a partir de um único re -fe rencial, que legitima relações de exclusão e desigualdade. acolher,valorizar e respeitar as diferentes identidades religiosas presentes navida cotidiana, incentivando a convivência respeitosa, faz parte dagama de desafios que se interpõem ao campo educativo brasileiro naatualidade. Porém, se a diversidade, em especial a religiosa, traz consi -go a oportunidade de enriquecimento e renovação das possibilidadesde atuação pedagógica, nem sempre se consegue (ou intencional-

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mente não se busca) reconhecer o significado positivo das culturas eidentidades religiosas existentes na sociedade (OLiVEiRa e cEc-chETTi, 2010).

Uma educação comprometida com a diversidade cultural requerum conjunto de reflexões e práticas que abordem as diferenças a partirdas lentes da cultura 64 do Outro. Fundamentadas na ética e nos direi-tos humanos, tais práticas procuram assegurar o direito à diferença eà liberdade de consciência, requisito indispensável para o pleno de -sen volvimento do ser humano, em consonância com o art. XViii daDe claração Universal dos Direitos humanos (OnU, 1948):

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência ereligião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença ea liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prá-tica, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em públicoou em particular.

ao socializar e promover o diálogo acerca das diferentes vivên-cias, percepções e elaborações relacionadas ao religioso que integramo substrato cultural da humanidade, a escola oportunizará que proble -má ticas relacionadas à discriminação étnica, cultural e religiosa pos -sam ser abordadas como elementos de aprendizagem, com o intuitode garantir os princípios da Declaração para Eliminação de Todas asFormas de intolerância e Discriminação com Base em Religião oucrença (OnU, 1981):

artigo 2.º§1. ninguém será objeto de discriminação por motivos de religião

ou convicções por parte de nenhum Estado, instituição, grupo de pes-soas ou particulares.

§2. aos efeitos da presente declaração, entende-se por “intolerânciae discriminação baseadas na religião ou nas convicções” toda a distin-ção, exclusão, restrição ou preferência fundada na religião ou nas con-vicções e cujo fim ou efeito seja a abolição ou o fim do reconhecimento,o gozo e o exercício em igualdade dos direitos humanos e das liberdadesfundamentais.

neste sentido, as diferentes crenças religiosas e convicções de vidasão aspectos da realidade que podem ser socializados e abordados

64 Para Benedict (1988) a cultura constitui-se como uma lente pelas quais as pessoas nãoapenas veem a realidade, mas constrói os seus próprios mundos.

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como dados antropológicos e socioculturais, capazes de contribuir nain terpretação e na fundamentação das ações humanas. Realizar estatarefa se apresenta como uma desafiante contribuição da escola naatualidade: formar cidadãos críticos e responsáveis, capazes de convi-ver com a complexa diversidade de identidades, pensamentos, opçõeses pirituais, valores e práticas sociais. certamente esta se constituicomo uma via de esperança para o término de conflitos religiosos, vio-lações dos direitos humanos e desrespeito à liberdade de pensamento,consciência, religião ou qualquer convicção.

Mas, para promover a liberdade religiosa e os direitos humanos, énecessário o desenvolvimento de práticas pedagógico-didáticas quedespertem para o exercício da sensibilidade diante de qualquer discri -mi nação religiosa no trato cotidiano, no respeito à identidade na alte-ridade, no encontro com as diferentes expressões religiosas, ateias ouagnósticas. Estes procedimentos permitem que os estudantes, aospoucos, ampliem seus conhecimentos; reflitam sobre as diversas expe-riências religiosas a sua volta; formulem respostas fundamentadascientificamente; analisem o papel dos movimentos e tradições religio-sas na estruturação e manutenção das diferentes culturas; e acima detudo, execrem toda e qualquer forma de discriminação e preconceito(OLiVEiRa e cEcchETTi, 2010).

Trata-se do desenvolvimento de práticas educativas diferenciadas,subsidiadas pelo conhecimento e pela sensibilidade diante de qual-quer discriminação religiosa, pelo respeito à identidade do Outro esuas opões espirituais, pela possibilidade da descoberta de afinidadesentre os diferentes, pela conscientização de que cada sujeito é tambémum diferente num universo de diferentes (OLiVEiRa et. al, 2007).

Oportunizar tempos, espaços e lugares ao estudo científico e res-peitoso da diversidade cultural religiosa, entendida como patrimônioda humanidade (UnEScO, 2001), reconhecendo que cada cultura temem sua estruturação e manutenção, o substrato religioso que a caracte -riza, significa romper com daltonismo cultural (MOREiRa, 2002) queencobre e naturaliza estereótipos e preconceitos e intolerancias.

Reconhecer o religioso em sua diversidade, ao invés de excluí-loda escola, ou aprisioná-lo sob os imperativos de uma perspectiva pro -se litista 65, implica mudar não apenas as intenções do que se quer

65 não compete à escola promover processos de doutrinação ou homogeneização da di -versidade religiosa, mas garantir a liberdade de consciência, por meio da igualdade de acessoao conhecimento de todas as culturas, tradições/grupos religiosos e não-religiosos. Para apro-fundamento, consultar Pozzer, et al (2010).

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trans mitir, mas os processos internos que são desenvolvidos. Essa mu -dan ça necessária perpassa a utilização de outra base epistemológica,de perspectiva intercultural, bem como a adoção de outros métodospe dagógicos, o desenvolvimento de outra formação docente, queabar que a complexidade das culturas e das relações humanas 66.assim, o estudo, a pesquisa e o diálogo sobre a diversidade culturalre ligiosa se apresentam como um dos elementos para a formação inte-gral do ser humano que podem encaminhar vivências fundamentadasno conhecer, respeitar e conviver com os diferentes e as diferenças.

4. Projeto Diversidade religiosa e Direitos Humanos:

conhecer, respeitar e conviver

considerando, que o reconhecimento da diversidade cultural éuma das garantias para a promoção dos direitos humanos; que nin-guém pode invocar a diversidade cultural para violar estes direitosnem para limitar seu alcance (UnEScO, 2001); e que a promoção dadig nidade humana perpassa, entre outros pontos, pelo respeito das di -fe rentes formas de religiosidades, tradições e/ou movimentos religio-sos, bem como, daqueles que não aderem a religião alguma, o núcleode Educação intercultural e Movimentos Sociais (MOVER 67) e o Gru -po de Pesquisa Ethos, alteridade e Desenvolvimento (GPEaD 68), pormeio de termo de cooperação n.º 4092/2010, firmado entre a Univer-sidade Federal de Santa catarina (UFSc) e a Secretaria de Educaçãocontinuada, alfabetização, Diversidade e inclusão (SEcaDi/MEc),

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66 Pelo limite de extensão deste trabalho, não trataremos aqui da urgente configuração deepiste(me)todologias interculturais e da necessidade de outros projetos de formação inicial dedocentes que superem a colonialidade e a monoculturalidade no campo educacional. Essa dis-cussão encontra-se em curso na Série Saberes em Diálogo, principalmente nas obras organi-zadas por cecchetti e Pozzer (2014a; 2014b).

67 O núcleo MOVER, criado em 1994, está vinculado ao centro de Educação (cED) daUni versidade Federal de Santa catarina (UFSc) estuda a perspectiva intercultural e complexada relação entre diferentes processos identitários no campo da educação e dos movimentossociais. Mais informações estão disponíveis no site: http://mover.ufsc.br

68 Fundado em 2004, o GPEaD está vinculado ao Programa de Pós-Graduação em De -sen volvimento Regional (PPGDR), do centro de ciências humanas e da comunicação(cchc), da Universidade Regional de Blumenau (FURB). Mais informações estão disponíveisno site: http://www.gpead.org

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de senvolveram ao longo dos anos de 2010 a 2013, o Projeto diversi-dade religiosa e direitos humanos: conhecer, respeitar e conviver.

as ações do Projeto consistiram na publicação de materiais paradi -dáticos destinados a estudantes e professores dos anos finais do En -sino Fundamental, com o intuito de disponibilizar conhecimentos fun-damentais para a compreensão crítica da diversidade religiosa e suarelação com a promoção dos direitos humanos no contexto sociocultu-ral e religioso em que os educandos estão inseridos. neste intento, asobras apresentam conteúdos basilares para o reconhecimento das alte-ridades e o respeito às histórias, identidades, memórias, crenças, con-vicções e valores de diferentes grupos religiosos, bem como, de pes-soas sem religião, ateus e agnósticos.

O desenvolvimento do Projeto foi marcado pelo envolvimentointenso dos autores, que em sua totalidade são docentes de educaçãobá sica e/ou de ensino superior, e que possuem distintos percursos for-mativos, seja em nível de formação inicial, seja em nível de pós-gra-duação. Estes, sensíveis ao cenário preocupante de crescimento daintolerância religiosa no Brasil, procuraram elaborar subsídios parapráticas pedagógicas que promovam atitudes de acolhida e respeito àsdiferenças e aos diferentes. assim, com a utilização das publicações nasescolas, espera-se fomentar relações alteritárias entre diferentes cul turase identidades religiosas, desvelando preconceitos e discriminações quedesencadeiam processos de exclusão, violência e desigualdade.

as obras produzidas foram as seguintes:

a) Livro As aventuras de Yara no Planeta Oculares: conhecendo, res -peitando e convivendo com a Diversidade Religiosa e os Direitos Hu manos(Volume i), direcionada aos estudantes dos 6.º e 7.º anos do ensinofundamental;

b) Livro As aventuras de Yara no Planeta Oculares: conhecendo, respeitan -do e convivendo com a Diversidade Religiosa e os Direitos Humanos (Volu-me ii), voltada aos estudantes dos 8.º e 9.º anos do ensino fundamental;

c) Livro Diversidade Religiosa e Direitos Humanos: conhecer, respeitare conviver, destinada aos professores que atuam nos anos finais doensino fundamental.

4.1 Livros dos estudantes

Os livros paradidáticos, volumes i e ii, destinados aos estudantesdos anos finais do ensino fundamental, narram uma história viven-

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ciada pela personagem yara no planeta Oculares, um mundo imagi-nário que possui múltiplas cores, formas, cheiros, sons, sabores eseres. Tudo o que lá existe está interligado e em constante transforma-ção. Todos os habitantes do planeta usam óculos, instrumento neces-sário para que as pessoas possam interagir com seus semelhantes ecom o meio ambiente. Por isso, ao nascer, cada criança recebe umóculos da mesma cor dos demais moradores da sua comunidade.como existem muitas coletividades habitando diferentes espaços e lu -gares no planeta, existem muitas pessoas usando diversas formas, ta -manhos e cores de óculos.

a história destaca que no planeta Oculares há espaços e lugarespara pessoas com todos os tipos de óculos. no entanto, relata que látambém existem pessoas que não aceitam que outras utilizem óculosdiferentes dos seus, o que historicamente causou desentendimentos,discriminações, preconceitos e exclusões entre elas. Era o que aconte-cia no pequeno vilarejo onde nascera yara, chamado Vila dos cinza,que estava sobre o domínio do imperador Geloc. Este obrigava quetodos os súditos de seu reino utilizassem óculos de cor cinza.

O desenrolar da história ocorre quando yara, estando na casa deSaberes (escola), onde todos eram aparentemente iguais porque usa -vam óculos de cor cinza, percebe que uma película de tinta se des -pren de de seus óculos, revelando a cor roxa que estava encoberta pelocinza. isso começou a chamar a atenção das outras pessoas, provo-cando grande tumulto em seu grupo de estudos. Em cumprimento asleis do império, yara foi impedida de continuar seus estudos, porqueseus óculos não eram de cor cinza!

Sem poder continuar na casa de Saberes, yara decidiu tomar o ca -mi nho de volta para casa. Seus pais, ao perceberem que seus óculoses tavam de cor roxa, logo entenderam o que havia acontecido. apósdia logarem por um longo tempo, recomendaram que yara visitasseseus avós, que moravam além das montanhas geladas. é neste per-curso de ida (vol. i) e volta (vol. ii), que yara conhece inúmeras cultu-ras e tradições religiosas que habitam o planeta Oculares, cada qualcom uma cor de óculos distinta: indígenas, aborígenes, africanos, afro-bra sileiros, incas, xintoístas, taoístas, hindus, ciganos, judeus, cristãos,muçulmanos, kardecistas, pessoas sem religião, entre outros.

ao longo da viagem, yara descobre que “o modo como vemos omun do depende dos óculos que usamos” (vol. i, p. 54) e que “cadagrupo, em cada tempo e lugar, constrói e organiza a vida a partir domodo como vê o mundo” e que, portanto, neste planeta, “há espaço e

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lugar para todas as pessoas com diferentes cores de óculos” (vol. i, p. 55). “as diferentes crenças e culturas são riquezas de nosso planeta.E não há razão para querer que só existam pessoas com óculos namesma cor” (Vol. i, p. 55), é outra de suas conclusões.

Em paralelo com o texto principal da história, existem dezenas dehipertextos que ora apresentam conhecimentos para maior aprofun-damento e ora desafiam a realização de atividades de aprendizagemsobre o tema abordado. Dentre eles, destacam-se:

a) nossos direitos e deveres – caixas de textos que apresentam leise marcos normativos acerca dos direitos e deveres das crianças e ado-lescentes; do cuidado com o meio ambiente; do respeito às diferençase aos diferentes; do reconhecimento da diversidade cultural; e da pro-moção da liberdade religiosa. Para ilustrar, citamos um deles:

nossos Direitos e Deveresa partir da publicação da Lei nº 11.645/2008, tornou-se obrigatório

incluir no currículo das escolas de educação básica, o estudo das temáti-cas da história e cultura indígena, no intuito de valorizar suas tradiçõesculturais e conhecer suas contribuições nas áreas social, econômica epolítica (Vol. i, p. 19).

b) conceitos essenciais – no rodapé de cada dupla-página, há umacaixa de texto que apresenta um conceito específico que se encontraem destaca no enredo principal. como exemplo, apresentamos umdeles:

identidade: que palavra é essa?Refere-se à característica que possibilitam reconhecer alguém em

sua individualidade. Embora cada humano seja único, isso não significaque sua identidade seja estática, fixa e imutável. a identidade está empermanente construção por meio das relações históricas, sociais e cultu-rais (Vol. ii, p. 24).

c) Minhas/nossas atividades – é outra modalidade de hipertextosonde se apresenta sugestões de atividades práticas, individuais e cole-tivas, que poderão ser realizadas em sala de aula.

nossas atividadescom meus colegas e professores, observaremos os diferentes espa-

ços da escola e analisaremos se a sua estrutura possibilita a acessibili-dade de pessoas com deficiências físicas ou com mobilidade reduzida.Em seguida, debateremos sobre nossas conclusões (Vol. i, p. 37).

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d) Você Sabia? – trata-se de caixas de textos que levantam questio-namentos relacionados aos conceitos em desenvolvimento no enredoprincipal, de modo a instigar estudantes e professores a saberem mais.

Você Sabia?– que as atrocidades cometidas entre 1939 e 1945, durante a Segun -

da Guerra Mundial, resultaram na constituição da Organização dasnações Unidas (OnU/1945)?

– que a Declaração Universal dos Direitos humanos (1948) foi redi-gida com o intuito de proclamar os direitos fundamentais da humani-dade e o direito inviolável à dignidade humana? (Vol. ii, p. 26).

e) conhecendo Mais! – espaço destinado à apresentação de infor-mações complementares, como fatos históricos, dados, explicaçõesrelacionadas à diversidade religiosa e aos direitos humanos.

conhecendo Mais!Durante o Ramadã, mês sagrado para o islamismo, o jejum inicia

com a alvorada e termina com o pôr do sol. Por isso, eles levantam cedoe comem a refeição antes do nascer do sol, pois durante o dia não é per-mitido comer ou beber. O jejum prossegue até o ponte, quando ingeremfrutas, água ou suco, seguidos por uma oração e refeição completa.Depois de um breve descanso, os islâmicos vão para a mesquita fazer aoração da noite (Vol. ii, p. 34).

f) que Tal? – sessão com sugestões de atividades que buscam esti-mular estudantes e professores a conhecerem mais sobre o conteúdoabordado na história, por exemplo: “que tal dialogar com seus pais efamiliares para saber da história de sua família? após construa umálbum ou livro de familiares, amigos e fatos marcantes” (Vol. ii, p. 39).

g) Desafio – espaço que lança desafios aos estudantes e professorespara a busca de mais conhecimentos, com enfoque em conteúdosespecíficos ou fatos do contexto local e/ou mundial, tal como: “com aparticipação dos professores, que tal pesquisar as origens e as caracte-rísticas de algumas festas populares brasileiras, socializando-as emum momento cultural organizado na escola?” (Vol. ii, p. 22).

Enfim, as publicações, de modo criativo e contextualizado, defen-dem o direito à liberdade de consciência, crença e convicção. Os con-teúdos contribuem para a percepção de que grande parte dos conflitose violências existentes no mundo é decorrente da intolerância e dafalta de reconhecimento das diferenças. assim como acontece com

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yara, os estudantes são desafiados a compreenderem que somos dife-rentes, mas iguais em direitos, e que precisam conviver respeitandouns aos outros.

4.2 Livro dos professores

O livro Diversidade religiosa e direitos humanos: conhecer, respei-tar e conviver não é um guia para orientar o trabalho pedagógico como material dos estudantes, mas objetiva subsidiar a formação dos pro-fessores em uma área de conhecimento geralmente pouco exploradapelos cursos de licenciatura e/ou formação continuada. Trata-se deuma organização de dez capítulos, de diversos autores, que apresentaconhecimentos básicos para a compreensão crítica da diversidade cul-tural e religiosa e sua relação com a promoção dos direitos humanosno contexto social, político, educacional e religioso. a obra parte dopressuposto que a diversidade cultural é um dos patrimônios da hu -ma nidade, uma vez que serve de referência para a construção dasidentidades pessoais e coletivas.

a divisão em capítulos temáticos favorece o estudo individuale/ou coletivo, seja em eventos de formação continuada, seja em gru -pos de discussão nas escolas, para a consequente (re)elaboração dosprojetos políticos pedagógicos (PPPs) e planos de ensino.

O capítulo i, intitulado Diversidade religiosa e direitos humanos:conhecer, respeitar e conviver, apresenta aproximações históricas e con-ceituais das temáticas da diversidade cultural e religiosa e dos direitoshumanos, com foco nas habilidades de conhecer, respeitar e conviver.Para os autores, cabe à escola fomentar a liberdade religiosa, por meioda igualdade de acesso ao conhecimento de todas as culturas e opçõesespirituais: religiosas, ateias e agnósticas.

Ethos e direitos humanos: um legado da diversidade é o tema do ca -pítulo ii. neste, desenvolve-se o conceito de ethos, entendido en -quanto um legado humano decorrente da busca de lugares segurospara a existência em um mundo de finitudes e incertezas. neste habi-tat coexistem diversas expressões religiosas e não religiosas que neces-sitam ser respeitadas e reconhecidas, desafio que recai sobre a educa-ção e à própria escola, lugar de encontro de diversos ethos e, por isso,local de aprendizado das habilidades necessárias para ver e questio-nar perspectivas homogêneas e etnocêntricas.

O capítulo iii, intitulado Relações interculturais, diversidade religiosae educação: desafios e possibilidades, aborda a questão do reconhecimento

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das diferentes crenças e convicções na escola, e discorre sobre a neces-sidade do desenvolvimento de propostas pedagógicas interculturais,assentadas nos princípios da tolerância, reciprocidade e civismo.

O capítulo iV, Diversidade religiosa indígena: diferentes maneiras deser e estar no mundo, aborda a diversidade dos povos indígenas doBrasil, em suas múltiplas identidades, culturas e religiosidades. Tam -bém apresenta aspectos particulares da cultura Guarani, destacandosua cosmovisão cultural e religiosa.

considerando que importante parcela da população é compostapor descendentes de africanos, povos que trouxeram bases culturaisreligiosas que influenciaram fortemente as práticas espirituais do país,o capítulo V, intitulado Religiões afro-brasileiras: direitos, identidades,sentidos e práticas do “povo de santo”, aponta elementos que caracteri-zam a diversidade das práticas religiosas afro-brasileiras, tais comoseus mitos, símbolos e rituais.

O capítulo Vi, Religiões orientais: a consciência do Um na consciênciado universo, aborda elementos que caracterizam o hinduísmo, Budis -mo, confucionismo e Taoísmo, tais como seus ritos, símbolos, mitos,textos e tradições sagradas, com a intenção de contribuir para o conhe-cimento destas tradições religiosas, em suas distintas maneiras de ser,viver e conviver.

com o tema Religiões monoteístas: conhecimentos para encontros e diá-logos em convivências respeitosas, o capítulo Vii apresenta as religiõesdo Judaísmo, cristianismo e islamismo, caracterizando o contexto his-tórico do surgimento e evolução de cada uma, destacando seus prin-cipais líderes e fundadores, suas crenças, doutrinas, livros sagrados,ritos e valores ético-morais. a partir de uma perspectiva epistemoló-gica de reconhecimento da diversidade cultural e religiosa, o capítuloestimula o encontro, diálogo e convivência respeitosa entre os diferen-tes credos.

assentando-se nos direitos das minorias religiosas e no princípioda tolerância, o capítulo Viii, discorre sobre os novos movimentosreligiosos e religiosidades existentes na atualidade, tais como a novaEra e a Gnose contemporânea.

O capítulo iX, intitulado Pessoas Sem-Religião, Ateus e Agnósticos,apresenta alguns dados sobre o campo religioso brasileiro, a fim deevidenciar a presença de pessoas sem filiação religiosa, ateus e agnós-ticos. além disso, problematiza os preconceitos, discriminações e vio-lências praticadas contra essas pessoas, uma vez que ferem a liberdadede consciência e crença prevista no art. 5.º da carta Magna Brasileira

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(1988), direito que se estende tanto aos que creem como aos que nãocreem.

Por fim, o capítulo X, Educação, diversidade religiosa e cultura de paz:cuidar, respeitar e conviver, propõe o desenvolvimento de uma culturade reconhecimento da diversidade em suas múltiplas formas de ex -pressão, enquanto condição básica para o exercício da liberdade, res-ponsabilidade e dignidade – pilares para a construção da cultura depaz.

5. considerações finais

Partindo do pressuposto que a diversidade religiosa é um dospatrimônios da humanidade, as obras As Aventuras de Yara: conhe-cendo, respeitando e convivendo com a diversidade religiosa e os di reitoshumanos, volumes 01 e 02 (estudantes), e Diversidade Religiosa e DireitosHumanos: conhecer, respeitar e conviver (professor) apresentam conheci-mentos básicos para a compreensão crítica da diversidade religiosa esua relação com a promoção dos direitos humanos no contexto social,político, educacional e religioso. Socializam conhecimentos que favo-recem o respeito às histórias, identidades, memórias, crenças, convic-ções e valores de diferentes grupos religiosos, bem como, das pessoassem religião, ateus e agnósticos, buscando contribuir para a elimina-ção de preconceitos e discriminações.

nesse sentido, as publicações ao disponibilizarem conhecimentosde mitos, símbolos, ritos e textos sagrados, doutrinas, crenças religio-sas e éticas de vida, subsidiam práticas pedagógicas que fomentam aconvivência respeitosa entre os diferentes e as diferenças – atitudefundamental para a consolidação da democracia e da cidadania.

Diante da violência e da intolerância religiosa presentes no con-texto social mais amplo, no cotidiano escolar, estudantes, professorese gestores são desafiados a compreender que todos são diferentes, masiguais em direitos, e que a convivência respeitosa é um dos caminhosa contribuir na consolidação dos direitos humanos.

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referências

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ELCIO CECCHETTI | LíLIAN BLANCK DE OLIVEIRA — Diversidade religiosa e direitos humanos...

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O lúdico no ensino religioso

BRíGiDa KaRina LiEchOcKi nOGUEiRa Da SiLVa *

1. Introdução

num momento histórico de constantes mudanças paradigmáticasum dos maiores desafios lançados ao professor é desenvolver umaprática pedagógica que acompanhe tais exigências.

a sociedade atual tem-se caracterizado pela busca desenfreadapor progresso intensificando as desigualdades refletidas no contextoescolar. neste sentido, a relevância em relatar a experiência viven-ciada nas aulas de Ensino Religioso numa escola pública do municípiode curitiba-PR, permite afirmar que mesmo diante de uma realidadeadversa a ação docente pode transformar conteúdos escolares emaprendizagem significativa e emancipadora.

O estudo sobre “O lúdico no Ensino Religioso” tem a sala de aulacomo lócus de investigação a partir de uma problemática inerente,apresentada no desenvolvimento do trabalho na área do conhecimen -to de Ensino Religioso nos anos iniciais do ensino fundamental, que serefere à transposição didática dos conteúdos e os encaminhamentosmetodológicos efetivados, tendo como enfrentamento fatores como odesinteresse dos alunos em aprender e as dificuldades de aprendiza-gem, oriundas de um contexto social em meio à adversidade e resul-tando em baixos índices de desempenho escolar, conforme os indica -do res das pesquisas nacionais sobre a qualidade da educação (ideb – índice de Desenvolvimento da Educação Básica).

O objetivo desta pesquisa é desenvolver uma metodologia para as

* Graduada em Pedagogia com especialização em Tics na Educação – Teoria e Práticapela Pontifícia Universidade católica do Paraná e com especialização em Metodologia do En -sino Religioso pela UninTER; Professora de Ensino Religioso no Ensino Fundamental pelaPre feitura Municipal de curitiba/PR e pela Prefeitura Municipal de Pinhais/PR; atualmentemem bro da equipe pedagógica da aSSinTEc (associação inter-Religiosa de Educação)([email protected]).

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aulas de Ensino Religioso subsidiada por teorias na área da educação,cuja contribuição seja propiciar práticas pedagógicas a fim de criar umambiente estimulador do processo de ensino-aprendizagem e contem-plando os diferentes estilos de aprendizagem, promovendo concomi-tantemente meios de contribuir para o avanço no nível de desempe-nho escolar.

2. mudança de paradigma: rumo à prática pedagógica inovadora

nas aulas de ensino religioso

a dinâmica da sala de aula atualmente denuncia que o processode ensino e aprendizagem baseado na reprodução do conhecimento jánão responde satisfatoriamente à demanda dos aprendizes no con-texto sócio-educacional vigente.

O grande desafio é alicerçar uma prática pedagógica compatívelcom as mudanças paradigmáticas, superando o ensino tradicional epropondo novas formas de ensinar priorizando a construção doconhecimento.

De acordo com Behrens (2010, p. 111) nesta perspectiva de desen-volver uma prática pedagógica em consonância com o paradigmaemergente 69 de educação, o professor se torna o articulador e o media-dor do processo pedagógico, atuando em parceria com os alunos, pro-pondo atendimento diferenciado, trazendo novos recursos e estraté-gias de ensino, provocando situações desafiadoras instigando assim oaluno a buscar e a investigar novos caminhos passando de mero re -ceptor de informações a um ser aprendente a partir de uma aprendi-zagem significativa, com autonomia, de maneira contínua, como umpro cesso de aprender a aprender para toda a vida.

nesta perspectiva de uma prática pedagógica inovadora, as aulasde Ensino Religioso podem ser esse espaço de interação para a cons-trução do conhecimento e não somente de assimilação de conteúdos.

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69 Organização histórica atual do processo metodológico numa dimensão caracterizadacomo inovadora tendo como eixo central a produção do conhecimento e como base a visãosis têmica, propondo uma ciência que supere a fragmentação em busca do todo e que contem-ple as conexões, o contexto e as inter-relações dos sistemas que integram o planeta. (BEh-REnS, 2010, p. 14.)

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O trabalho lúdico nas aulas de Ensino Religioso vem ao encontroda necessidade de uma prática pedagógica que crie um meio/am -biente estimulante para o aprendizado. O desenvolvimento desta pro-posta se dá com base na práxis articulando teoria e a prática reflexivadocente.

a busca por uma educação de qualidade com intervenções e estra-tégias no processo de ensino e aprendizagem, voltadas à valorizaçãoda diversidade humana – nem todos os alunos aprendem da mesmama neira e a aprendizagem difere de acordo com os níveis de desen -vol vimento de cada aluno – denota a importância de se desenvolverati vidades que contemplem os diferentes estilos de aprendizagem, oque requer uma nova forma de ensinar e demanda de respostas edu-cativas criativas para as situações reais de sala de aula.

Mediante este panorama, o novo paradigma educacional requerpro fessores com um perfil criativo, dinâmico e principalmente compe-tente para sua efetivação. assim se faz necessário um novo profissio-nal crítico e reflexivo que atue frente aos desafios da educação e que,tendo a consciência do seu papel, alimente o próprio desejo em trans-formar-se.

neste sentido, o professor necessita estimular sua capacidade crí-tica e reflexiva, para o que precisa se perceber e agir como pesquisa-dor. O professor nesta nova perspectiva profissional precisa ser refle -xi vo e investigativo de sua prática docente ressignificando a práxiseducativa.

Schön (2000), partindo dos pressupostos epistemológicos e peda-gógicos de autores como John Dewey, Lev Vigotsky, Jean Piaget entreoutros e, contrariado com a forma de ensinar proveniente de umacons trução científica e usada pelo docente como algo absoluto, propõeuma alternativa para a prática docente, defendendo um tipo ensinoque valorize o saber do aluno, auxiliando-o a fazer uma junção do seuconhecimento na ação com o conhecimento sistematizado na escola. aeste tipo de ensino e construção do conhecimento que os profissionaisdesenvolvem a partir da reflexão sobre as suas práticas, “pensar o quefazem, enquanto fazem”, em situações de incerteza, singularidade econflito, denominou-se como uma reflexão na ação.

O autor ainda menciona “que os problemas da prática do mundoreal não se apresentam aos profissionais com estruturas bem-delinea-das” e que, “na verdade, eles tendem a não se apresentar como proble -mas, mas na forma de estruturas caóticas e indeterminadas” (Schön,2000, p. 16).

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Esta proposta visa um ensino prático reflexivo diante de situaçõesim previstas em que não há respostas prontas ou procedimentos deacordo com um padrão. O autor utiliza a expressão “talento artísticopro fissional” para referir-se “aos tipos de competências que os profis-sionais demonstram em certas situações da prática que são únicas,incertas e conflituosas” (Schön, 2000, p. 29).

na relação dialética entre teoria e prática o professor, mediante àssituações adversas em sala de aula, precisa recorrer às teorias pedagó-gicas que direcionam para a melhor forma de ensinar a partir da con-cepção de homem que se quer formar determinando assim a sua prá-tica pedagógica e consequentemente a sua didática. ao pensar a salade aula como um espaço de construção do conhecimento, a didática éfundamental para o processo de ensino-aprendizagem.

no processo de ensino-aprendizagem cabe ao professor a transpo-sição didática dos conteúdos sistematizados para um saber escolaradequado a partir da possibilidade de compreensão, estabelecimentode relação significativa do novo conhecimento e respeitando-se asfases do processo de formação cognitiva do aluno (MELO; URBa-nETz, 2008).

assim sendo, a experiência do trabalho lúdico no Ensino Religiosotem como embasamento os pressupostos teóricos do construtivismode Piaget, no interacionismo de Vigotsky, na integração e afetividadede Wallon, na aprendizagem Significativa de ausubel e nas inteligên-cias Múltiplas de Gardner, considerando a afirmativa de Lakomy(2008, p. 18).

nesse sentido, podemos afirmar que o conhecimento dessas teorias,em particular no âmbito escolar, inspira o uso de estratégias sobre comoo professor poderia estimular o desenvolvimento cognitivo e o processode aprendizagem do seu aluno de forma mais produtiva e duradoura.Ou seja, os conceitos apresentados pelas teorias permitem a elaboraçãode novas práticas de ensino. as teorias cognitivas não fornecem “respos-tas prontas”, mas são pontos de partida para novas reflexões sobre a ati-vidade docente, suscitando a busca por alternativas e/ou explicaçõespara o desenvolvimento de novas práticas pedagógicas que ofereçamcondições para o aluno desenvolver-se em todos os seus aspectos.

a pesquisa sobre o trabalho lúdico nas aulas de Ensino Religiosotraz como diferencial uma experiência significativa de prática pedagó-gica inovadora, combinando as diversas concepções de aprendizagemque comungam entre si a idéia do aluno como centro do processo

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ensino-aprendizagem, como construtor ativo do seu conhecimento edesenvolvimento global (cognitivo, afetivo, social, motor, lingüístico eético), conforme GaRDnER (2000) afirma

[...] que se mostrará muito mais proveitoso ofertar uma variedade deabordagens e estratégias pedagógicas ao aluno, com múltiplas formas deapresentar informações (texto, imagens, vídeo, multimídia interativa,entre outras) e ferramentas para apoiar as mesmas, respeitando as váriasinteligências e estilos de aprendizagem dos alunos.

O professor, neste enfoque, tem o papel de mediador no desenvol-vimento desses aspectos, estimulando o conhecimento por meio dasvárias teorias da aprendizagem e buscando novos projetos educativoscomo a metodologia de aprendizagem colaborativa.

O conceito de aprendizagem colaborativa apresentada por Santos;Behrens (2006) implica na necessidade de substituir o tradicional mé -todo de educação “instrucional”, composto por aulas expositivas, pa -lestras e estudos individuais por um novo modelo, onde alunospossam construir conhecimento por meio da criação ativa, tendo oprofessor como coordenador e facilitador desse processo.

neste contexto, Gardner (2000) sugere que o professor realize umtrabalho pedagógico que estimule a autonomia, a responsabilidade ea interação dos alunos com seus pares para que estes possam gerarnovos conhecimentos, novas investigações e descobertas, explorandonovos estímulos com base nos conteúdos apreendidos de forma inter-disciplinar, utilizando estratégias como: jogos pedagógicos, trabalhosem grupo, entre outras possibilidades de interação da comunidade deaprendizagem.

O lúdico se apresenta como uma dessas possibilidades no pro-cesso de ensino-aprendizagem. aprender brincando é uma forma deoferecer à criança o ensino dos conteúdos em sala de aula por meio debrincadeiras e jogos, onde a função lúdica vai propiciar a diversãopara os mesmos fazendo assim um estímulo educativo, fugindo da ri -gidez dos padrões conteudistas. Porém, o acompanhamento sistemá-tico deste trabalho com jogos e brincadeiras se faz relevante conformealerta Kishimoto (2003, p. 37).

a utilização do jogo potencializa a exploração e construção doconhecimento, por contar com a motivação interna, típica do lúdico, maso trabalho pedagógico requer a oferta de estímulos externos e a influên-

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cia de parceiros bem como a sistematização de conceitos em outras situa-ções que não jogos.

na ludicidade, o aluno se torna sujeito ativo do processo de cons -tru ção do conhecimento. assim sendo, a prática pedagógica comalunos dos anos iniciais do ensino fundamental a partir do trabalho lú -dico é um elemento do processo educativo que pode favorecer o de -sen volvimento de um novo paradigma no contexto sócio-educacionalem resposta aos desafios impostos ao trabalho docente e de acordocom as necessidades e interesses dos alunos (RaU, 2011).

3. metodologia

Devido à especificidade do tema e com base no objetivo proposto,optou-se por uma pesquisa por meio da metodologia de abordagemqualitativa, que segundo Bogdan e Biklen (1982 apud anDRé; LÜDKE,1986, pp. 11-13) é um tipo de estudo que envolve a obtenção de dadosdescritivos, através do contato direto do pesquisador com a situaçãoestudada e enfatizando mais o processo do que o produto.

a estratégia de pesquisa utilizada foi baseada nos pressupostos dapesquisa-ação, sendo caracterizada como uma importante modalidadede investigação que articula teoria e prática possibilitando ao pesqui-sador uma atuação efetiva sobre a realidade estudada convertendonum processo de reflexão-ação, assim aprende-se com a prática refle -tin do sobre ela e interferindo nela. a pesquisa-ação essencialmente im -plica mudança, transformação e intervenção social (BaRBiER, 2002).

as etapas definidas para esta investigação recorrem primeira-mente na constatação do problema no contexto de sala de aula a partirda situação real de crise; o envolvimento dos alunos para uma tomadade consciência numa ação coletiva; o estudo sobre as teorias de apren-dizagem; planejamento e aplicação de técnicas em sala de aula combase neste estudo como fontes de evidências para a coleta de dadosem conformidade com os objetivos específicos da pesquisa em con -tem plar os diferentes estilos de aprendizagem a partir de uma práticapedagógica diferenciada; a observação participante; os registros diá-rios e a coleta de dados por meio de instrumentos mais interativos edi nâmicos; o feedback como meio de avaliar, analisar e interpretar osdados na coletividade.

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a obtenção dos dados no contexto de uma escola vem ao encontroà pesquisa realizada no ambiente natural, tendo a sala de aula comolócus privilegiado de investigação enquanto fonte direta de dados,sendo o pesquisador o mediador do processo de pesquisa (anDRé;LÜDKE, 1986). O estudo do processo de ensino-aprendizagem nasaulas de Ensino Religioso ocorreu de maneira que durante a pesquisapuderam-se criar situações a fim de observar e coletar dados referen-tes às intervenções pedagógicas realizadas.

3.1 O universo da pesquisa

a delimitação do campo de pesquisa se dá a partir do enfrenta-mento na área de atuação profissional da pesquisadora mediante umcontexto pedagógico desafiador.

a pesquisa é realizada em uma escola da rede municipal de ensinode curitiba – PR, em que se apresenta uma realidade adversa comíndices de desempenho escolar abaixo dos níveis esperados de acordocom os dados do índice de Desenvolvimento da Educação Básica(ideb).

Situando a unidade educacional, foco desta pesquisa, insere-se emum local cuja comunidade é extremamente carente, onde grande partedas famílias vive em invasão habitacional, com situações precárias desaneamento e higiene. Região esta, que se configura como insalubre epotencializadora de doenças e acidentes infantis, na qual a parcela ma -jo ritária dos pais/responsáveis das crianças trabalha na informalida de,como coletores de papel, havendo também muitos desempregados.

Partindo da realidade da maioria dos alunos, que vivem em situa-ção de extrema marginalidade social e conforme disposto na PropostaPe dagógica (2008) da escola campo de pesquisa, são de famílias queapresentam condições sócio-culturais precárias, o que não permite oacesso a bens culturais (computador, livros, entre outros). Estas crian-ças são muitas vezes privadas, no contexto da comunidade, deste en -vol vimento com recursos diversificados para o estímulo de habilida-des básicas, o que acarreta na deficiência de pré-requisitos para ode senvolvimento da aprendizagem, cabendo à escola proporcionareste espaço para a sua efetivação. nestas privações também encon-tram-se muitas vezes o ato de brincar, pois algumas destas criançasprecisam estar juntas com a sua família depois da escola para ajudarna coleta de papéis pelas ruas dos bairros vizinhos.

Os participantes da pesquisa foram alunos dos anos iniciais do

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Ensino Fundamental sendo 2 turmas de 4.º ano e 1 turma de 5.º ano(97 alunos ao todo diretamente envolvidos neste estudo). havendotambém a socialização deste trabalho para 4 turmas de 3.º ano (115alunos).

3.2 Relato da coleta de dados

Durante o ano letivo de 2012, nas aulas de Ensino Religioso da es -cola campo de pesquisa, os conteúdos apresentados (Espaços Sagra-dos, Símbolos Religiosos, Tradições Religiosas, Líderes Religiosos eTextos Sagrados) foram trabalhados a partir de diferentes estratégiase encaminhamentos metodológicos.

inicialmente para cada conteúdo foram conduzidos momentos dediálogo com o propósito de contextualizar cada assunto a partir dosconhecimentos prévios dos alunos.

na etapa seguinte partiu-se para a sistematização dos conceitos edos conhecimentos acerca de cada conteúdo conforme os seguintesexemplos:

– Para o trabalho com os espaços sagrados foram utilizadas ima-gens as quais foram analisadas. Em seguida foi elaborada coletiva -men te uma lista dos locais sagrados estudados. Depois da lista pronta,foi promovido um “Bingo dos locais sagrados”. cada aluno fez umacar tela com quatro espaços sagrados selecionando-os da listagem econ forme o sorteio cada aluno marcava na cartela o respectivo localsa grado descrito se tivesse em sua cartela. além desta, foi realizadaoutra atividade em duplas: “cruzadinha dos locais sagrados”. Poste-riormente foi realizada uma pesquisa sobre o tema no laboratório deinformática e a culminância deste trabalho foi a produção de maque-tes as quais foram socializadas na escola por meio de uma exposição.

– Para o trabalho com os símbolos sagrados, os alunos trouxeramsím bolos religiosos os quais foram expostos no centro do círculo.Então foram comentados os significados destes símbolos. Foi dada aopor tunidade para os alunos manipularem os objetos simbólicossendo ressal tada a importância do respeito às diferentes crenças. Foitambém realizada a atividade “Jogo da memória dos símbolos religio-sos” onde os alunos puderam identificar os símbolos religiosos e esta -be lecer seus significados.

– O conteúdo que trata dos líderes religiosos foi trabalhado com

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imagens, ressaltando alguns aspectos da vida, dos ensinamentos e dosfatos ocorridos.

– Para o trabalho sobre os textos sagrados, os alunos trouxeram oslivros sagrados das suas tradições, os quais foram apresentados ecomentados. além desses livros, a professora trouxe diversos livros deoutras religiões os quais foram manuseados pelos alunos e procedeu--se a explicação sobre estes textos sagrados. Diversos mitos indígenase afro-brasileiros foram apresentados em forma narrativa, a partir detécnicas de contação de história, e em vídeos, especialmente mitos decriação do mundo e do homem.

ao final do 2.º semestre, a revisão dos conteúdos abordados ante-riormente culminou na proposta de atividade lúdica no ER, a partir daconfecção de jogos, sendo desenvolvida no final do ano letivo a fim deproporcionar um feedback dos conteúdos trabalhados. O trabalho foidirecionado para as turmas de 4.º e 5.º ano e a metodologia adotada foicom base nos grupos colaborativos.

as turmas foram divididas em 5 grupos temáticos: Espaços Sagra-dos, Símbolos Religiosos, Tradições Religiosas, Líderes Religiosos eTextos Sagrados. Os materiais alternativos, utilizados nesta atividade,foram previamente solicitados aos alunos. a professora trouxe as ima-gens e palavras impressas relacionadas aos temas, assim como demaismateriais necessários para a confecção dos jogos, sendo fundamentalneste trabalho que as imagens e palavras contemplem tradições reli-giosas das matrizes ocidentais, orientais, indígenas e africanas.

Este processo de construção e consolidação do conhecimento tevea duração de 4 aulas semanais de 50 minutos:

1.ª aula – apresentação aos alunos da proposta de um trabalho deconfecção de jogos tais como: jogo da memória, dominó entre outraspossibilidades de jogos a partir dos temas: Espaços Sagrados, Símbo-los Religiosos, Tradições Religiosas, Líderes Religiosos e Textos Sagra-dos. a professora organizou os grupos temáticos, distribuiu os mate-riais, auxiliou na definição das funções de cada componente conformeas habilidades e no planejamento das atividades. Os alunos iniciarama confecção dos jogos e suas regras.

2.ª aula – confecção dos jogos nos grupos colaborativos. a profes-sora nesta etapa coordenou os grupos atendendo as possíveis dificul-dades na elaboração dos jogos, mediando os conflitos e o processo deen sino e aprendizagem na interação entre os componentes de cada

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grupo. como a avaliação é processual, a professora verificou em cadaetapa de construção do conhecimento os progressos com relação àassociação de significados entre as imagens e palavras de acordo comcada tradição religiosa apresentada.

3.ª aula – Finalização da confecção dos jogos (autoavaliação/orga-nização da apresentação). nesta etapa os alunos avaliaram seus jogosna prática, revendo suas regras e quando necessário reformulando asetapas. Os grupos prepararam e ensaiaram suas apresentações. Tam -bém foi importante na finalização, a plastificação das peças com a fitaadesiva para que permita uma maior durabilidade dos jogos.

4.ª aula – apresentação dos jogos elaborados pelos grupos. Osalunos apresentaram seus jogos. cada integrante avaliou sua aprendi-zagem. a turma avaliou cada grupo apresentado. a professora reali-zou a avaliação final.

Os materiais e recursos didáticos utilizados neste trabalho foramarrecadados previamente pelos alunos, sendo essencialmente mate-riais recicláveis tais como: caixas de fósforos, caixas de pasta de dente,caixas de leite, tampas de embalagens descartáveis, imagens e pala-vras impressas, cola, tesoura e fita adesiva larga.

como critério de avaliação verificou-se durante a realização da ati-vidade proposta se os alunos identificaram e reconheceram os símbo-los religiosos, os lugares sagrados, textos sagrados, líderes religiosos eas diferentes tradições religiosas associando as imagens às suas defi-nições, funções ou atribuições.

3.3 Análise dos resultados

PROcESSO EnSinO-aPREnDizaGEM – Este trabalho lúdicocom a construção de jogos de Ensino Religioso proporcionou um ver -da deiro ambiente estimulador da aprendizagem contemplando aconstrução do conhecimento, o trabalho colaborativo/cooperativo nosgrupos, a autonomia, o desenvolvimento das competências e habilida-des, o respeito aos diferentes ritmos de aprendizagem, a interdiscipli-naridade, os conhecimentos prévios, a resolução de problemas, a au -to avaliação, a compreensão e aprofundamento de conceitos, entreoutros aspectos identificados durante a realização desta pesquisa.

aLUnOS EnVOLViDOS – O interesse despertado nos alunos foialém das expectativas do início do trabalho. houve um comprometi-

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mento e envolvimento na elaboração dos jogos de tal maneira que amediação da professora só ocorria em pontuais situações de conflito.

Os alunos apresentaram habilidades até então desconhecidas pelaprofessora, tais como: liderança, criatividade, organização, compa-nheirismo, capacidade de síntese, estrutura textual na elaboração dasregras dos jogos, alteridade, etc. além da aprendizagem significativados conteúdos demonstrada por meio dos jogos e principalmente pelainteração entre pares nos grupos.

aLUnOS DE OUTRaS TURMaS – Entre os alunos de 3.º ano amo tivação despertada pelo trabalho dos alunos de 4.º e 5.º ano foi de -terminante para o reconhecimento do sucesso da proposta. ao brinca-rem com os jogos criados pelos colegas, eles demonstraram grande in -teresse, curiosidade, cuidados com os jogos e principalmente vontadede aprender na interação proporcionada no momento do jogo.

PROFESSORES – Professores de outras áreas do conhecimentoconfirmaram a dimensão que este trabalho estava tomando ao relata-rem os comentários positivos dos alunos em suas aulas sobre as aulasde Ensino Religioso com os jogos.

cOMUniDaDE EScOLaR – na exposição dos trabalhos maissignificativos durante o ano letivo, os pais e a comunidade escolar pu -de ram observar os jogos e manuseá-los com admiração por terem sidoconstruídos pelos próprios alunos a partir dos conteúdos trabalhadosno ER.

EnSinO RELiGiOSO – ao ser apresentado no final de um curso decapacitação para professores de Ensino Religioso, este trabalho foi in -dicado para a divulgação nos eventos de comunicação de experiências:

– Jornada de Ensino Religioso (PUcPR) / 2012– ii compartilhando Experiências no Ensino Religioso (PMc) /

2012– Revista Diálogo (Publicação) /2013– Proficiência (Pinhais/PR) / 2013– Semana Pedagógica (Umuarama/PR) / 2013

4. considerações finais

a problematização inicial apresentou como desafio uma práticape dagógica que desse conta do processo de ensino-aprendizagem me -

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diante um contexto social adverso que, consequentemente não permi-tia a abertura dos alunos para a vontade de aprender.

a relevância desta experiência com a realização de atividades lú -dicas e na construção de jogos, embora concentrada em 4 aulas, reve-lou-se um processo amplo e muito significativo de ensino-aprendiza-gem, não só pela aprendizagem dos conteúdos de Ensino Religioso,mas também pela estratégia de ensino com base nos grupos colabora-tivos. Foi uma oportunidade de avaliação tanto dos conteúdos apren-didos de Ensino Religioso, também das competências esperadas parao final desta etapa nas turmas envolvidas, assim como do próprio tra-balho da professora.

a autonomia, as relações de interdependência entre os alunos e apostura de construtores do conhecimento trouxeram a qualidade e arelevância deste trabalho com a produção de jogos de Ensino Reli-gioso a partir dos talentos individuais dos alunos que, enquanto par-ceiros, professora e alunos desenvolveram um processo de aprendiza-gem colaborativa para buscar a produção do conhecimento.

ao longo do trabalho, foi oportunizado aos alunos momentos deaprendizagem de forma integral levando em conta vários aspectos dodesenvolvimento cognitivo, afetivo e motor, além do currículo ocultoque “é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolarque, sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, deforma implícita para aprendizagens sociais relevantes (...) o que seaprende no currículo oculto são fundamentalmente atitudes, compor-tamentos, valores e orientações...” (SiLVa, 1999).

O trabalho lúdico nas aulas de Ensino Religioso proporcionou ode senvolvimento no processo de ensino e aprendizagem em váriosaspectos:

– o prazer de aprender brincando;– a variedade de abordagens e estratégias ofertadas aos alunos

com múltiplas formas de apresentar informações, respeitando asvárias inteligências e estilos de aprendizagem dos alunos;

– o auxílio no processo de alfabetização a partir do estabelecimen tode relação nas associações de significados entre as imagens e palavras;

– a familiarização e apropriação de simbologias, conceitos, deno-minações, atribuições, funções, entre outros aspectos das tradiçõesreligiosas;

– a autoavaliação contínua realizada pelos alunos de seus progres-sos e limitações;

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– as possibilidades de se trabalhar com outras áreas do conhecimentocomo na produção escrita das regras dos jogos (texto instrucional);

– a motivação interna, típica do lúdico, potencializando a explora-ção e a construção do conhecimento através dos jogos;

– a contribuição na aprendizagem dos alunos de 1.º, 2.º e 3.º ano apartir da socialização dos jogos criados pelos alunos de 4.º e 5.º ano;

– a metodologia de aprendizagem colaborativa promovendo aatualização contínua de habilidades de cada aluno nos grupos onde,aprender foi uma atividade social que precisou de colaboração;

– o trabalho em equipe compartilhando ideias e informações e ge -rando novo conhecimento;

– as características da alteridade sendo vivenciadas nas resoluçõesde problemas e conflitos surgidos das interações entre pares de dife-rentes níveis de aprendizagem.

Os objetivos alcançados nesta pesquisa denotam a importância deuma prática pedagógica diferenciada com base na práxis reflexiva naação como propulsora de um processo de ensino-aprendizagem de su -cesso. a garantia do aprendizado é o foco principal da escola, mas ascondições para tal se dão a partir do comprometimento profissionaldo professor com a qualidade da educação e no enfrentamento dos de -safios impostos no contexto sócio-educacional.

nesta perspectiva, a educação pode tomar rumos emancipadoresna promoção de uma formação humanizadora decorrentes de expe-riências como esta prática pedagógica na área de Ensino Religioso,que teve como diferencial a preocupação com o respeito aos diferentesest ilos de aprendizagem e assim, o despertar no aluno o sentimento depertencimento e possibilidades de transformação da sua realidade.

referências

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Pequenos grupos andragógicos (PGas): alterantiva de acolhida, de convivência

e de aprendizado bíblico criativo

PaULO FELiPE TEiXEiRa aLMEiDa *

Introdução

a realidade urbana não é mais uma condição de posicionamentogeográfico apenas, pois o que se observa contemporaneamente é quea cultura urbana invade cidades, antes tidas como interioranas e asso-ciadas, comumente, a um ritmo, a uma cultura e a uma agenda rela-cionada às coisas do campo. a cultura urbana tem alcançado outrasrea lidades e, nesta direção, leva junto os confortos, possibilidades,mas também os dramas da cidade grande. a segurança, a saúde e aeducação públicas entram para o topo da agenda de necessidades emedos de cidades nas mais diversas regiões. a desconfiança e osmedos alcançam as pessoas, seja nas cidades com vocação urbana,sejam nas cidades contagiadas/contaminadas com a cultura da urba -ni dade. é, no entanto, oportuno lembrar que a natureza humana cla -ma pelo convívio, como destacam Foster e Beebe, ao recordar pensa-mento de caráter mais antropológico de Schleiermacher:

Primeiro, é da natureza humana reunir-se em grupos. Os seres hu -manos são seres sociais e são atraídos naturalmente para perto uns dosoutros. Reunir pessoas também é da natureza da religião. Logo, a exis-tência das comunidades religiosas não é ruim, muito menos maligna,mas comum e natural. Por isso, em vez de condenar a igreja, devemos

* Doutorando em Teologia (Faculdades EST) – Bolsista da caPES (entidade governa -men tal brasileira de incentivo à pesquisa científica e à formação de recursos humanos). Mestreem Teologia/MP-Dimensões do cuidado e Práticas Sociais (EST). Especialista em Teologia//Missão Urbana (EST). Licenciado em Pedagogia (ULBRa). Bacharel em Teologia (EST). Par-ticipante do Grupo de Pesquisa “culto cristão, música e mídia na contemporaneidade”, naFaculdades EST ([email protected]).

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tentar descobrir por que as comunidades religiosas existem e como tiraro melhor proveito delas. (FOSTER, 2009, p. 226).

Para o intento deste artigo, valemo-nos de uma abordagem, mes -mo que – aqui – de modo bastante introdutório, da temática andragó-gica. “andragogia é a ciência que estuda como os adultos aprendem.E quem primeiro usou esta nomenclatura foi o educador alemão ale-xander Kapp, em 1833” (BELLan, 2005, p. 20). na andragogia, os sen-tidos são visitados de maneira a contemplar efetividade no processoensino-aprendizagem. isto, entretanto, parece não ser privilégio e tam-pouco fica restrito as condições e aos espaços tradicionais de ensino.Em diversas esferas de convívio social e na vivência espiritual comu-nitária, não raro, são abordados, elementos com traços andragógicos,mesmo que não se tenha ciência desta ou que não se faça menção aotema/nomenclatura. Vejamos, por exemplo, a abordagem dada nolivro Direção Espiritual – Sabedoria para o caminho da Fé, que enaltece acombinação do ouvir, ler, proferir e escrever: “Ouvir é a principal ati-tude da pessoa que está aberta à vida e a palavra criativa de Deus”(nOUWEn, 2011, p. 119). Diz-nos, também:

“Ler, meditar e ouvir a palavra de Deus nas palavras da Bíbliaabrem o nosso coração à presença de Deus. Ouvimos uma frase, umahistória ou uma parábola não simplesmente para sermos instruídos,informados nem inspirados, mas para sermos formados como pessoasde fé realmente obedientes. ao ouvir assim, somos guiados pela Bíblia.”(nOUWEn, 2011, p. 121).

a partir desta abordagem de nouwen, podemos verificar um cres-cente sugerindo que existe mais do que envolvimento, mas sim, enga-jamento neste processo múltiplo. isto faria do indivíduo adulto, talqual reforça a andragogia, “sujeito da educação e não objeto desta”(BELLan, 2005, p. 21).

Outro ponto importante salientado por nouwen, seria a fase emque se profere/diz algo: “Às vezes precisamos ouvir uma palavra vi -talizadora dita por outro e voltado à nossa condição atual. Deus àsvezes envia um profeta para falar uma palavra pessoal para nós quan -do precisamos.” (nOUWEn, 2011, p. 129). indo adiante, nouwen nosen coraja a incluir a escrita como experiência significativa, visto que a“es crita espiritual ocupa um lugar muito importante na formação es -piritual.” (nOUWEn, 2011, p. 130).

no livro Andragogia em Ação: como ensinar adultos sem se tornar

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maçante, é preconizado que “todo aprendizado é um processo associa-tivo. O cérebro usa os estímulos sensoriais para promover associaçãodas informações recebidas, gerando aprendizagem.” (BELLan, 2005,p. 95). assim, “o uso simultâneo de metodologias aumenta a retençãodo que deve ser aprendido.” (BELLan, 2005, p.96).

Perceba, portanto, que podemos vislumbrar possibilidades de cor-relação do processo de ensino-aprendizagem disponível tanto parauma sala de aula, quanto para o ambiente espiritual representado porum pequeno grupo. E é nesta perspectiva que o texto seguirá, na in -ten ção de perceber desafios e o valor no aprendizado criativo dentrodos ambientes relacionais propostos, conhecidos e disponíveis emnossas diversas denominações/tradições cristãs, ou seja, na proposi-ção, na ação, no formato e na vivência dos/em pequenos grupos.

1. Aprendizado para superar a desconfiança;aprendizado para reconquistar a confiança

Um fenômeno que ocorre na atualidade é uma busca intencional,prática e objetiva por soluções rápidas para os problemas urbanos dodia a dia, afetando a rotina das diversas igrejas cristãs. Por muitas pes-soas, as igrejas parecem ser percebidas como “supermercados da fé”,nas quais se imagina encontrar uma diversificada linha de “produtos”contendo solução específica para cada problema vivido no cotidianoinseguro das grandes cidades. é verdade que algumas igrejas fazemdeste expediente sua maneira de agir, seu modo de operação. Sendoassim, pelo menos dois perfis de público alvo podem ser elencados: ocliente, ou seja, aquele que entra na igreja mercado para comprar seuproduto religioso, sair e usá-lo; e um segundo tipo é aquele que reco-nhece que tem necessidades, mas não deseja se envolver nesta espéciede negociata da fé. Mesmo assim, o que move este último tambémacaba por afastá-lo de conhecer igrejas que apresentam uma propostaséria e comprometida com cristo, como também das verdades bíblicasque trazem consolo, encorajamento e alimentam com esperança. Estese gundo tipo teria em si marcas de desconfiança em relação à igreja.Para que este tipo de pessoa seja alcançado, digamos, para uma expe-riência de fé e vida cristã mais profunda, faz-se necessário uma recon-quista de confiança; assim, tudo o que lembrar “estruturalmente” estemercado da fé precisa ser revisto e/ou descartado.

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no pensamento de Schleiermacher, pode-se perceber esboços e aim portância, então, de vivências na comunidade de fé que acolhe ecresce junta e unida, em uma troca e paridade, sem que símboloscomo a hierarquia ou sua estrutura, histórica ou “novata”, interfira,ne gativamente, pelo controle, conforme podemos verificar, abaixo:

Então, Schleiermacher mostra a forma em que comunidades especí-ficas de fé nos ajudam a entender nossas experiências com Deus. Fa lan -do, ouvindo e adorando juntos, somos capazes de compartilhar nossasexperiências espirituais e assim obtermos mais discernimento, com baseno que é compartilhado. Esse processo nos orienta na compreensãodessas experiências e demonstra que a igreja verdadeira é baseada natroca, não em hierarquias repressivas. Destacando isso, Schleiermacherdefende uma comunidade em que a religião verdadeira seja a troca entreiguais que experimentam a Deus. (FOSTER, 2009, p. 226)

O ambiente relacional que a igreja, congregação ou comunidadede fé local oferece cumpriria, nesta vocação e desejo, o papel agrega-dor necessário para desconstruir a ideia de uma igreja-comércio criti-cada mas – de certa forma – promovida pela mídia em geral, e permi-tir a construção de uma nova experiência de fé e comunhão saudávelpara o convívio e desfrute espiritual. num primeiro momento, o lar, acasa, a residência, permite esta ação e dinâmica por uma simplesrazão, não tem “cnPJ” 70 (um perfil institucional), ou seja, neste am -bien te, encontram-se pessoas com narrativas individuais, próprias,reais, e provavelmente mais acessíveis umas às outras. assim, umarea proximação com uma espiritualidade sadia se dá pela credibilida -de baseada numa amizade, num relacionamento existente. O testemu-nho pessoal torna-se o principal meio para esta reconciliação com o sa -grado. Percebamos, ainda, no encorajamento de Bonhoeffer, quean onimato é uma realidade, entretanto, para os que se iniciam na ca -mi nhada com a realidade cristã:

Os que haviam sido chamados já não podiam viver no anonimato;eram a luz que tem de brilhar, a cidade edificada sobre o monte que temde ser vista. Por sobre sua comunhão pairavam, visivelmente, a cruz e apaixão de Jesus cristo. Por causa dessa comunhão, os discípulos tinhamde abandonar tudo tinham que sofrer e ser perseguidos; todavia, em sua

70 cnPJ é a abreviação, no Brasil, para cadastro nacional da Pessoa Jurídica. Disponívelem: <http://www.receita.fazenda.gov.br/Textconcat/Default.asp?Pos=2&Div=Guiacontri-buinte/cnPJ/>. acesso em: jan. de 2015.

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comunhão recebiam, justamente, na perseguição, visivelmente o quehaviam perdido – irmãos, irmãs, campos, casas. a comunidade dos se gui -dores estava bem visível diante do mundo. havia corpos que agiam, tra-balham e sofriam na comunhão de Jesus. (BOnhOEFFER, 2004, p. 158)

Este processo vivenciado em pequenos grupos respeitaria umarealidade inicial e, até mesmo, o interesse pelo anonimato, pois apessoa interessada vai agregando-se, aos poucos, com aquelas outrasque já que conhece, e em ambiente que lhe é ou lhe parece familiar,dentro de uma caminhada que envolverá a criação e a manutenção devínculos.

Revisitando, então, aspecto negativo da desconfiança, segundorelata Rogério R. zimpel, em seu livro intitulado aprendendo a lidarcom o estresse: “a desconfiança e o apego à última palavra produzemes t resse” (ziMPEL, 2005, p. 100.). Relata, ainda: “na china antiga, osmé dicos eram pagos para manter seus pacientes saudáveis em vez detratar as doenças. na nossa sociedade, entretanto, existem poucos in -centivos para a prática preventiva da medicina” (ziMPEL, 2005, p. 106). cumpre-se um equivocado trajeto reativo, , principalmente,no contexto e no dia a dia urbano: deixe adoecer para abordar.

O Pequeno Grupo, em especial, de caráter andragógico, poderiaser o ambiente em que se cuida uns dos outros, quando necessário;mas, também, o ambiente em que se previnem doenças, na perspec-tiva do suporte e da abordagem espiritual. isto pode ser consideradocomo de grande valia dentro da rotina sufocante das cidades. alémdisso, a igreja precisa perceber-se nas pessoas que a formam e, assim,vislumbrar-se itinerante. isto se faz essencial, e a faz relevante:

não devemos pensar em visitar apenas os membros de nossa igreja,mas precisamos estender a graça do Evangelho a todos os enfermos, sejaqual for a sua religião. Muitos enfermos estão hospitalizados, outrosestão em seus lares. (FaLcãO SOBRinhO, 2004, p. 50).

2. Aprendizado na identificação com o outro

ao pensar na dramática necessidade relacional que os centrosurbanos geram, na superficialidade, na opressora agenda para sobre-vivência, pode-se imaginar uma nada saudável ênfase em si mesma,em si mesmo.

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O princípio de alteridade não passa de utopia, assim. O altruísmoquando evocado, primeiramente, pode significar nada além de alíviopara as próprias dores internas, como compensação. a alteridadecomo gesto genuíno e voluntário lembra-nos do padrão divino deDeus para conosco. Em cristo, ou na vida terrena de Jesus, podemos,então, vislumbrar um padrão de alteridade superior, que extrapola acapacidade do termo, na verdade; pois cristo não só veio até nós, per-cebeu nossas dores e clamores, como também forneceu em mensageme ação, oportunidade de transformação integradora e integral; pode-mos supor linhas andragógicas no ensino de cristo: sua vinda, suavida, a maneira e os meios de interação de cristo levavam em conside -ração a realidade e as necessidades de compreensão da outra pessoa.E Ele nos encorajou a reproduzir esta mensagem. Vejamos o que nosdiz o texto de Filipenses 2.7 [nTLh]: “Pelo contrário, ele abriu mão detudo o que era seu e tomou a natureza de servo, tornando-se assimigual aos seres humanos. E, vivendo a vida comum de um ser humano[...]”. Ou, ainda, como ressalta Bonhoeffer:

[…] evidenciou-se que o discípulo não dispõe de um direito próprio,de poder próprio no encontro com as outras pessoas. Ele vive exclusiva-mente da força da comunhão de Jesus cristo. Jesus dá aos discípulos umaregra muito simples por meio da qual mesmo o mais singelo pode consta-tar se seu trato com os outros está certo ou errado; para tanto basta inver-ter os papéis; basta pôr-se no lugar do outro e ao outro em seu próprio.“Tudo quanto, pois, vocês querem que os seres humanos lhes façam,assim façam-nos também a eles.” no mesmo instante, o discípulo perdequalquer direito especial em relação ao outro, e não poderia desculparpara si o que condena no outro. […] (BOnhOEFFER, 2004, pp. 117-118).

Esta é a regra de ouro como apresentada na pregação de Jesus e,eventualmente, percebida e vivida em outras religiões e filosofias. Masna pessoa de cristo temos a nossa referência essencial, de quem obser-vamos o padrão superior de ação para com o próximo. Em cristopode-se delinear nosso modo de operação para início e manutençãode relacionamentos saudáveis. E como a própria história de cristo nosensina, isto tem um preço. Mas, afinal, nossa saúde, nossa alimentaçãoe nosso bem estar são precificados. Faz-se necessário que relaciona-mentos também o tenham: mais que altruísmo e alteridade, a mensa-gem do evangelho é amor e compaixão, reflexo do padrão divino. DizBonhoeffer: “assim, o discípulo tratará o outro como alguém que rece-beu o perdão dos pecados e que passa a viver exclusivamente do amor

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de Deus. Está é a lei e os profetas” - pois nada mais é do que o maiormandamento […]” (BOnhOEFFER, 2004, p. 118). Lembrando queeste ambiente pode ter uma abordagem preventiva, como citado ante-riormente, salienta-se, aqui, o texto sugestão do pastor João Falcão So -brinho dando conta de uma atuação da igreja diante de situações dra-máticas de isolamento (no caso, diante de uma situação de depressãoe sua manifestação mais drástica, a propensão ao suicídio):

[…] comunhão fraternal, mutualidade, extensão do próprio ser atra-vés da koinonia; ajuda mútua, confiança, oração uns pelos outros, apro-fundamento das raízes do amor. como solidão e o auto-confinamentogeralmente acompanham as crises que resultam em suicídio, o desenvol-vimento de uma comunhão sincera na igreja abre janelas para a respira-ção da alma angustiada e abre também portas por onde pode entrarajuda nas horas de depressão. (FaLcãO SOBRinhO, 2004, p. 107).

é preciso intimidade para anunciar e vivenciar tais verdades.assim, mais uma vez, parece que o Pequeno Grupo com viés andragó -gico, este ambiente relacional proposto para conhecermos a Deus euns aos outros, pode significar espaço e oportunidade para tanto.

3. Aprendizado na vivência da fé de forma integral/relacional, diante

dos desafios relacionais dos centros urbanos

a quebra deste distanciamento do indivíduo com uma representa-ção local da igreja se dá, segundo Míguez Bonino, através de um evan-gelismo intencional por toda a congregação. isto pressupõe, conformeBonino, a participação individual e coletiva da comunidade de fé, mu -nida de capacitação para tanto (MíGUEz BOninO, apud zWETSch,2008. p. 98.). René Padilla ressalta, por sua vez, a necessidade de re-cuperar-se a inteireza do evangelho, ou em suas palavras: “todo oevangelho, para todo o homem, para todo o mundo” (PaDiLLa, apudzWETSch, 2008, p. 163). Percebo no registro de Roberto zwetsch ane cessidade, o alcance e os limites de uma igreja comprometida emanunciar o evangelho por completo às pessoas, conforme segue:

Em termos práticos, uma igreja que volte ao evangelho bíblico sa be -rá entender que não foi chamada para resolver todos os problemas ou a

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miséria dos povos, mas foi chamada para ser fiel a Deus com aquilo quetem. “a maior contribuição que a igreja pode fazer ao mundo é ser tudoo que ela deve ser. Entre outras coisas: (a) Uma comunidade de reconci-liação […] (b) Uma comunidade de autenticidade pessoal […] (c) Umacomunidade de serviço e entrega”. a partir dessa análise, Padilla afirmaque, na américa Latina, a maior necessidade das igrejas evangélicas évoltar a um “evangelho mais bíblico e a uma igreja mais fiel”. creio queaqui os adjetivos só podem ser entendidos como sinais de um evangelhoque provoca o surgimento de uma vida de fé que se encarna na reali-dade de injustiças de maneira profética. (zWETSch, 2008, p. 163).

Os apontamentos de Bonino, Padilla e zwetsch direcionam parauma necessidade de adequação por parte das igrejas locais em anun-ciar a esperança em cristo – compreensivelmente – e, ao mesmo tem -po, com fidelidade bíblica. Visando, obviamente, provocar ou criaroportunidades para que todas as pessoas ouvintes tenham chance realde perceber sua pessoal necessidade de reconciliação e compreensão, ede que essa poderá ser experimentada também para com seus próxi-mos. isto se traduziria em privilégio de ser, simultaneamente, alvo eagen te de uma fé reconfortante, transformadora, estruturante, holística.

Diante do exposto, até aqui, cremos que os Pequenos Gruposdevam receber atentos olhares das comunidades de fé, especialmente,de âmbito e/ou realidade urbana. Pois como se tentou apresentar, arotina urbana carece de espaço e ação para o crescimento das pessoas,fa mílias e grupos, através do estudo bíblico criativo e significativo e,também, do transparente compartilhamento das dores e alegrias, con-forme Romanos 12.15 que nos encoraja a chorar e nos alegrar uns comos outros. a simplicidade estrutural, a flexibilidade e a adaptabilidadedos Pequenos Grupos mostram os mesmos como instrumentos rele-vantes e alternativa pertinente para maior inserção da igreja cristã noconvívio e no relacionamento com as suas respectivas comunidadesem que está ou deseja estar inserida. a necessidade de superar dificul-dades relacionais no dia a dia urbano pode ser diminuída ou, even-tualmente, sanada nesta vivência relacional, aqui estudada, sugeridae promovida. almejando assim e, quem sabe, alcançando retorno e re -forço de elementos como confiança, amizade, mutualidade e comuni-tariedade; na intenção de superar uma coletividade urbana, não raro,vazia e superficial. apontam-se, assim, as propostas destes pequenosgrupos, como uma renovação da ação missionária e cuidadora para asdiversas comunidades de fé que atuam na realidade urbana.

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conclusão

Estes esforços iniciais para delinear o assunto, certamente nãoencerram a extensão do tema, tampouco se aproximam disto: seja peladimensão temporal, seja pelas ponderações culturais em cada tempo;seja pela dimensão de conceitos abordados, seja pela necessidade demaior aprofundamento teológico, ou ainda, pelas distintas e atuaisaplicações práticas, ou até mesmo, por questões de ordem eclesioló-gica e a diversidade denominacional no meio cristão. quer dizer, oque aqui se procurou afirmar é que a proposta de pequenos grupos éatual, oportuna, e oferece possibilidades concretas de efetividade.ainda assim, interessa saber se o texto conseguiu apontar ou aguçarpara futuros mergulhos mais profundos e especializados. Entendoque o tema pode se tornar pauta recorrente nas diversas denomina-ções cristãs, igrejas locais e comunidades de fé.

conforme o Pastor Paschoal Piragine Jr., que destaca texto doreve rendo Mathias quintela, confirma-se a seriedade que o temamerece:

a prática efetiva do sacerdócio universal dos crentes requer comu-nidades menores, de base, nas quais os relacionamentos possam ser tãointensos que tornem possível a verdadeira comunhão cristã. Essas comu-nidades de base, no entanto, precisam fazer parte de uma comunidademaior; como células, elas são partículas constitutivas de um organismovivo. Essa comunidade maior identifica-se com a igreja local que tenhamar cas da igreja de cristo (v. Mt. 18.20). (qUinTELa, apud PiRaGinEJÚniOR, 2006, p. 134.)

é inegável e cada vez mais necessária a promoção e a manutençãode ambientes relacionais saudáveis que favoreçam contatos verdadei-ros entre as pessoas e nas próprias igrejas, ambientes nos quais os seusparticipantes possam ser percebidos, ouvidos, em que suas dores ealegrias possam ser consideradas. ambientes em que haja uma preo-cupação de um processo de ensino-aprendizagem andragógico, ouseja, nos quais se avolumam esforços para que preciosas mensagensde fé, esperança e amor não se percam por desconhecimento ou, atémesmo, por descaso para com a necessidade alheia. Só assim as pes-soas serão notadas e acolhidas. ao mesmo tempo, em tais ambientescertamente terão mais oportunidade de crescimento pessoal, um cres-cimento integral, sendo também abordados, encorajados e/ou con -

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fron tados pela realidade do outro e no outro, para se permitirem revi-são na conduta pessoal diante dos desafios rotineiros que a vida com-porta. além disso, sugere-se que nestes ambientes de pequenos gru -pos as necessidades das pessoas não apenas serão (re)conhecidas, mastambém se poderá vislumbrar meios para mudança individual e co -munitária. isto tudo servirá, sem dúvida, para uma renovação da pers-pectiva de ação e da missão da igreja. Obviamente, aqui se está alu-dindo a uma igreja interessada e comprometida em fazer positiva ere levante diferença nos atuais centros urbanos e seus respectivos con-textos; e círculos de influência e afluência.

O tom proposto, nesta breve reflexão, é o de promoção de alterna-tivas à realidade dos centros urbanos, através da vida em pequenosgrupos, ou seja, através de ambientes relacionais, nos quais pessoaspossam ser percebidas, ouvidas, notadas e valorizadas; seja comoalvos de transformação pessoal; seja vivenciando transformaçãocomunitária.

como exercício de reflexão futura, pode-se, por último, propor aideia de intencionalidade na promoção massiva de novas leituras, pes-quisas, debates, fóruns, palestras, treinamentos, e outras formas desocialização deste tema, pela pertinência que o mesmo acarreta tantopara a igreja cristã em suas relações internas, a saber, sua liderança,membresia e parceiros noutras igrejas, quanto em suas relações exter-nas, com as diversas comunidades com as quais esteja se comunican -do e, não por último, até mesmo na realidade social e política das cida-des onde se fazem presentes estas referidas comunidades de fé.

referências

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Religiosidade e cidadania num contexto plural

nOêMia DOS SanTOS SiLVa *

1. Introdução

a disciplina de Ensino Religioso é objeto de discussão nos últimostempos no meio acadêmico e um dos temas em foco é a metodologia.quais metodologias se utilizar para tratar do fenômeno religioso emsala de aula? E este também foi um dos problemas que encontrei du -rante a minha docência nesta disciplina. O que trago neste texto é a ex -periência inquietante de uma professora pesquisadora insatisfeita commetodologias que não atendiam mais a realidade de uma nação ondeo fenômeno religioso se manifesta de forma diversa. Urgia atenderesta realidade em minha docência.

Durante os anos de 1997-2004 fui professora da disciplina de Ensi -no Religioso no colégio Frei Orestes Girardi (campos do Jordão – SP).Este colégio pertence ao instituto das irmãs Franciscanas de nossa Se -nhora de Fátima em parceria com a Prefeitura de campos do Jordão(SP). Enquanto professora desta disciplina sempre fiz um trabalho in -terdisciplinar com as professoras regentes de cada sala. neste período,nós realizamos alguns projetos, entre eles, este que apresento nesteartigo. Portanto, as professoras participaram ativamente de todas asatividades com sua turma. Procurei o máximo possível envolvê-las emtodos os projetos realizados.

Divido este artigo em três partes. num primeiro momento, apre -sen to o desenvolvimento do trabalho realizado em sala de aula com asseis turmas, períodos matutino e vespertino, e a expectativa dos edu-candos diante do resultado final dos trabalhos realizados.

* irmã Franciscana de nossa Senhora de Fátima. Graduada em Letras – Português\Lite-ratura (UniTaU); Especialização em Ensino Religioso Escolar (DEhOniana); Mestre e dou-tora em ciências da Religião (UMESP); atualmente participa do grupo RELEGERE (UMESP)([email protected]).

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Em seguida relato como foi a volta dos educandos ao Projeto esco-lhido e a entrega do jornal na escola, no comércio. Esta volta foi umdos momentos aguardado por cada turma, e também pelas pessoasparticipantes dos projetos pesquisados.

Finalizo com reflexões para o Ensino Religioso nos tempos atuaisatravés dos Parâmetros curriculares nacional do Ensino Religioso(PcnER).

2. O problema: contextualização para gerarum projeto de Ensino religioso

Um dos pontos fortes da disciplina de Ensino Religioso que sem -pre me mantive firme foi o de desenvolver projetos interessantes paraa vida dos educandos. quando eu digo interessantes, falo de conheci-mentos relacionados com a vida dos educandos; que o envolvam comos conhecimentos em produção.

Durante o ano de 2002, realizamos um projeto cujo produto finalfoi uma revista “O Freizinho”. a produção de textos desta revistagirou em torno da diversidade religiosa do colégio Frei Orestes Girar -di. Para elaborar o texto, montamos um questionário e cada educandoo levou para sua comunidade religiosa responder. Uma das questõesera: “O que sua comunidade religiosa faz para ser solidária com aspessoas em situação de pobreza”? O que me surpreendeu foi que 90%das respostas se referiam somente a “doações de cestas básicas”. Fi -quei muito insatisfeita com esta resposta e no ano seguinte, 2003, o de -sa fio foi de investigarem com mais atenção o serviço solidário presen -te na cidade por grupos religiosos. O resultado foi muito além does perado. E compartilho com vocês esta minha experiência.

Durante o ano de 2003 desenvolvi no colégio Frei Orestes Girardio projeto de Ensino Religioso “Religiosidade e cidadania”. como umdos nossos objetivos era de divulgar os projetos solidários de gruposre ligiosos de campos do Jordão (SP), optamos que este meio de divul-gação seria um jornal. como estes projetos tratavam da cidadania, onosso embasamento teórico foi a leitura do livro de nílson José Ma -cha do: cidadania é quando ... (2003). é um texto com frases para com-pletar com a introdução: cidadania é quando ... após a leitura e dis-cussão do livro cada turma elaborou seu próprio livro com frasesvol tada a cidadania, mas no sentido religioso.

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Depois desta atividade, discutimos o conceito de cidadania e a im -portância de a exercermos. num segundo momento, lemos o livro deMaicon Tenfen: Gandhi: a marcha do Sal (s\d). Gandhi foi um líderre ligioso que com seu empenho modificou o seu país (índia), ao recu-perar a dignidade do povo indiano. Discutimos a questão de que cadapessoa também é interpelada a dar sua parcela de contribuição paramo dificar espaços onde existe a dor humana. E é muito visível estacontribuição em grupos religiosos. Estes grupos unem religião e cida-dania. cada um, conforme a sua crença, monta seu projeto. isso nosapresenta formas diversas de olhar o ser religioso e a sua necessidadeenquanto ser biológico, social. é nesta resposta dada por cada grupo,que ao longo do projeto deparamos com estes grupos envolvidos emprojetos de resgate do cidadão.

Uma vez que discutíamos os projetos dos grupos religiosos, neces-sário se faz compreender o sentido de um projeto, e um projeto de umgrupo religioso. com este enfoque, apresentei-lhes um projeto de umacomunidade religiosa. Pedi-lhes que elaborassem o conceito de projetobaseado nas discussões em sala aula. Ouvimos o conceito de cada um,escrevemos alguns conceitos na lousa e os educandos os registraramem seus cadernos.

Depois desta discussão, sugeri aos educandos pesquisarem, emcasa, nomes de projetos sociais que as comunidades religiosas tinhame que beneficiavam as pessoas necessitadas, na cidade de campos doJordão (SP). incentivei-os a pesquisarem com muita atenção para nãodeixar nenhum nome para atrás. aparecerem praticamente todos osprojetos da cidade de campos do Jordão que desenvolvem trabalhoscom esta finalidade. Então, cada turma apresentou a relação dosnomes dos projetos e escolhemos apenas um por turma para pesquisarcom mais atenção. E ficou da seguinte forma:

– ajuda as mães gestantes (centro Espírita) – Professora anaPaula Ferreira de carvalho 5a;

– nova Vida (igreja assembleia de Deus Missões) ProfessoraSandra cristina de Oliveira – 5B;

– Piac (irmãs Franciscanas de nossa Senhora de Fátima – igrejacatólica) Professora Fabiana Damas cavalheiros de Freitas – 5c;

– asilo da Divina Providência (irmãs Franciscanas da Divina Pro -vi dência – igreja católica) – Professora Dagmar da Silva Tavares– 5D;

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– Biblioteca comunitária (igreja Metodista) Professora MarinêsMercado alves– 5E;

– asilo Lar do Outono (Exército da Salvação) – Professora Gabrieleisabel de carvalho – 5F.

após leitura dos livros, discussão sobre o que é cidadania e suaimportância no contexto civil e religioso, e escolha dos projetos, foca-mos na produção do texto jornalístico, especificamente o informativo.Dividiu-se a sala em grupos de 5 alunos. Eles trouxeram para sala deaula vários modelos de jornais. Sugeri que observassem as diferençase semelhanças entre eles. Separei o jornal informativo a fim de que elesdiferenciassem dos demais principalmente em relação às reportagens.Pedi-lhes que observassem quais são as partes que compõe este tipode jornal. Fizeram uma lista destas partes para o registro no caderno.

na aula seguinte, discutimos como se faz uma reportagem para otipo de jornal que escreveríamos. Pedi-lhes que elaborassem possíveisperguntas para o projeto que eles pesquisariam. Socializamos as per-guntas, escolhemos algumas para fazer parte da pesquisa. Discutimoscomo é feita uma pesquisa de campo. Elegemos um grupo de setealunos, de cada turma, para visitar o projeto. Dentre estes educandos,um foi especialmente para tirar fotos. neste sentido, enquanto o grupofazia o registro por escrito, este educando registrava a parte visual doprojeto.

as visitas aos projetos foi um marco especial para o desenvolvi -men to do trabalho. antes da nossa visita, liguei para os líderes co-municando da nossa visita e o objetivo do nosso trabalho. Todos nosreceberam muito bem, e conversamos muito além das questões plane-jadas. é interessante observar as curiosidades dos educandos diantede cada projeto pesquisado. Eles estavam todos envolvidos e a apren-dizagem aconteciam. é neste momento que compreendo a importân-cia do Ensino Religioso nas escolas. “Pelo entendimento das práticasreligiosas para os diferentes grupos, espera-se que o educando chegueao entendimento e direito de expressão religiosa na sala de aula e nasociedade” (Pcner, 2001, p. 48).

Os alunos que visitaram os projetos relataram a experiência quetiveram com os líderes e o modo como os acolheram. Depois apresen-taram os dados coletados às suas salas de aula com as devidas fotos.Em cada sala de aula os educandos se dividiram em grupos e os gru -pos elaboraram as reportagens para o jornal. Em cada grupo teve um

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aluno que fez a pesquisa de campo para esclarecer melhor como fun-cionava o projeto visitado.

Depois do texto pronto, duas aulas para a maioria dos grupos, re -colhi os textos para as devidas análises. E na aula seguinte, os devolviaos grupos a fim de que eles fizessem as devidas correções. Os textosforam lidos em sala de aula. Depois se escolheu um para fazer partedo jornal e uma foto. Lembremo-nos que cada texto jornalístico infor-mativo foi escolhido um título. Os títulos foram os seguintes:

houve um momento em que discutimos o nome do jornal. Foramdi versos nomes apresentados até chegar ao escolhido “a boa se -mente”. O logo tipo também foi um período de envolvimento de todasas salas para ver qual seria melhor para contemplar o objetivo dojornal.

Partimos agora para o trabalho final do jornal, a parte gráfica. Oinstituto das irmãs Franciscanas de nossa Senhora de Fátima tinhauma gráfica onde fizemos toda esta parte com um custo acessível.quando o jornal estava pronto, cada educando recebeu o seu exem-plar. como o objetivo principal deste trabalho foi a divulgação destesprojetos, ao receber o seu exemplar o educando também recebia amissão de repassá-lo a sua família.

Depois do jornal impresso, cada turma preparou um dia paravoltar ao projeto, levar algumas cópias do jornal para deixa-la lá efazer várias apresentações no local: danças, teatros, músicas. E posso

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até afirmar que este foi um ponto de maior tensão entre os educandos,pois agora a turma inteira visitaria o projeto para passar uma manhã,ou uma tarde, junto com um grupo de pessoas desconhecidas, masque eles tinham um desejo imenso de as conhecerem pessoalmente.Dei a liberdade às turmas de discutirem que tipo de atividades gosta-riam de desenvolverem nos projetos escolhidos. além de campanhasde alimentos, livros, roupas, conforme as necessidades dos projetos.

Depois da volta dos educandos aos projetos pesquisados, umgrupo de cada turma passou nas salas do colégio Frei Orestes Girardi,falou sobre o trabalho que eles fizeram e distribuíram os jornais. E ogrande incentivo foi de que cada um convidasse seus familiares a visi-tarem estes projetos e verem suas necessidades.

E finalmente, os jornais foram entregues pelos educandos nocomércio da cidade. Escolhemos um grupo e fizemos a parte final doprojeto. as pessoas ficavam surpresas, pois não sabiam da existênciada maioria destes projetos e seus objetivos. no comércio tambémhouve o incentivo, por parte dos educandos, das pessoas visitaremestes locais e se envolverem com os trabalhos realizados

neste sentido, este projeto deu a oportunidade para muitos mora-dores da cidade conhecerem um pouco a realidade dos projetos soli-dários em prol do resgate da cidadania de muitas pessoas em situaçãode pobreza e desamparo. Foi através deste trabalho no colégio FreiOrestes Girardi que muitos educandos, que ali estudavam, tiveramconhecimento destes projetos tão necessários e desconhecidos pelapopulação jordanense. Ou se pode até mesmo dizer, os próprios edu-candos que fizeram parte desta pesquisa, os desconheciam antes darealização desta pesquisa.

Depois de comentar sobre o desenvolvimento do projeto em salade aula, as entrevistas, a recepção do jornal impresso pelos educandos,suas famílias e o comércio da cidade, faremos agora uma reflexãosobre pontos importantes da disciplina de Ensino Religioso que acon-teceu na preparação e volta aos projetos.

3. Diversidade religiosa e cidadania

Os seis grupos religiosos que pesquisamos, desenvolvem de formadi versa, projetos religiosos e sociais com o objetivo de resgatar o cida-dão que se encontravam à margem da sociedade. Ou seja, eles unem o

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religioso para resgatar a dignidade da pessoa que os procuram; ouque os próprios grupos vão ao seu encontro. O que apresento a seguirsão as formas que estes grupos encontraram para resgatar o universore ligioso e civil do ser humano. antes, vale lembrar que depois dojornal pronto, cada turma voltou ao projeto para entregá-lo ao líder dogrupo e apresentar uma atividade recreativa ou artística, além de doa-ções, conforme a necessidade de cada projeto. cada turma ficou bemà vontade para perguntar ao líder sobre o ser religioso dos grupos emvisita. a seguir apresento o trabalho de cada turma e faço reflexõespertinentes a disciplina de Ensino Religioso.

a turma do 5.ºa, escolheu o projeto “ajuda às mães gestantes”(centro Espírita). Este projeto tem como objetivo ensinar as gestantescarentes a cuidar de si e do seu bebê. O título do texto desta turmapara o jornal ficou: “Um futuro para o seu bebê”. Prepararam umteatro sobre o Sítio do Pica-Pau amarelo com a ajuda da Professoraana Paula Ferreira de carvalho e mães das crianças da sala. O interes-sante desta turma foi a possibilidade de envolver mães ao projeto. Eem uma situação de querer conhecer um pouco mais o centro Espí-rita. Esta mãe que acompanhou o projeto da turma desde o princípioao fim, relatou que o objetivo via o centro Espírita como amedronta-dor. Esta seria uma oportunidade de ver de perto o que lhe causavame do. O mesmo se observou em relação ao grupo de crianças. ir aocen tro Espírita e conversar, tirar as dúvidas sobre esta forma de serre ligiosidade no mundo, e ir ao encontro de pessoas necessitadas, foiuma aprendizagem de conhecimento religioso no espaço onde eleacontece.

as crianças e a mãe que nos acompanharam tiveram contato comeste diferente religioso e estranho. a reflexão prévia desta diferença eestranheza possibilitou uma compreensão maior deste outro jeito deser religioso no mundo. O que a disciplina de Ensino Religioso propõeé justamente uma reflexão sobre este diferente e metodologias paraaplicar em ambientes de aprendizagem. além disso, existe um pro-cesso de superação desta estranheza diante do diferente comum aqual quer tema de educação. quando se vai para um ambiente deapren dizagem, o sujeito vai com seu ser integral. isso significa quemesmo numa aprendizagem de um tema da disciplina de Língua Por-tuguesa existem temas que travam a aprendizagem do ser aprendente.Se ele lida com estranheza com as aulas de leitura, não sentirá estimu-lado a gostar de ler um livro, tratará com estranheza toda vez que sever diante desta situação. Ou seja, em qualquer ambiente de aprendi-

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zagem deparamos com educandos que lidam com estranheza diantede certos temas, mas enquanto docente precisamos rever nossas meto-dologias e adequá-las ao contexto de aprendizagem.

neste mesmo grupo tinha uma aluna que a família não permitiuque ela fosse visitar o centro Espírita justamente por estar neste es -tado de estranheza. Então, não queria ter contato com este diferentepor princípios religiosos familiares. a forma que encontrei diantedesta situação foi de conversar com a família, explica-la novamente oobjetivo do Ensino Religioso, mas não foi o suficiente. Diante desta si -tuação, apresentei-lhes os projetos das outras turmas e escolheremuma para a visita. a menina, então, visitou outro projeto que lhe eramenos estranho ao contexto religioso familiar. Esta foi uma forma queencontrei para lidar com esta situação. Para finalizar a visita, a turmapreparou brincadeiras com as crianças e as mães presentes e fizeramum sorteio de uma cesta de bebê para as mães.

a turma do 5.ºB, escolheu o projeto “nova Vida” (igreja assem-bleia de Deus Missões). Este projeto tem como objetivo a recuperaçãode pessoas que entraram no mundo do vício. O título do texto jorna-lístico da turma ficou “Recuperando Vidas”. as meninas prepararamuma dança, e os meninos um teatro envolvendo o tema da recupera-ção de pessoas alcoolizadas junto com a Professora Sandra cristina deOliveira. como se tratava da visita a um grupo de ex-dependentes doálcool, drogas e vícios semelhantes, algo foi marcante nesta turma: adisposição em ir conhecer um ambiente de recuperação de pessoas ede conviver com este outro em sua fragilidade. Os meninos ansiavampelo dia da visita para poder jogar bola com aqueles homens adultos,muitos até esquecidos lá por seus familiares. E o mais interessante foique choveu muito antes da nossa visita, o campo estava com muitalama. Eles não se intimidaram. Formaram times e jogaram até o finalda visita. Voltaram para suas casas sujos e satisfeitos com a visitaaqueles homens em estado de recuperação.

Este contato com o outro em sua diferença religiosa e carente daatenção de uma criança cheia de vida, que se preocupou em estar alifoi uma de aprendizagem gerada depois de longas reflexões sobre esteser diferente em sala de aula. O Ensino Religioso possibilitou esta re -flexão sobre o diferente religioso e em situação perda de sua cidada-nia. Somente um menino a família não possibilitou a visita. não porestranhar a igreja assembleia de Deus Missões, mas por que o seu paipassava por uma situação semelhante. apresentei-lhes outros grupospara visitarem e que escolheste um. isso ele o fez. E o mais interessan -

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te foi que ele visitou um projeto que não era do seu grupo. Participoude todas as atividades junto com a turma e voltou todo animado. Ecomo sua turma ainda não tinha visitado o projeto “nova Vida, sepropôs em acompanhá-la. não me opus, pois pude perceber o quantoesta visita seria importante pra ele.

a turma do 5.º c, que escolheu o projeto Piac – Programa de inte-gração dos adolescentes a comunidade (igreja católica – irmãs Fran-ciscanas de nossa Senhora de Fátima): “Destino dos adolescentes”.Este projeto tem como objetivo formar adolescentes para um futuromelhor. O título do texto jornalístico ficou “Destino dos adolescen-tes”. as crianças prepararam um dia com atividades com a ProfessoraFabiana Damas cavalheiros de Freitas, mas não foi possível apresen-tar aos jovens, pois como era final de ano, já tinha encerrado suas ati-vidades. Então, a turma se apresentou para outras do colégio FreiOrestes Girardi.

a turma do 5.º D, escolheu o projeto do asilo Divina Providência(igreja católica – irmãs Franciscanas da Divina Providência). O obje-tivo do asilo é de acolher idosos carentes, dando-lhes ajuda especiali-zada com médicos, enfermeiras, psicólogos e atividades recreativas. Otítulo do texto jornalístico da turma ficou “Esperança para os idosos”.a turma preparou apresentações com danças, capoeira com ajuda daProfessora Dagmar da Silva Tavares. Eles tomaram um lanche juntose prepararam “um forro” em que as crianças dançavam com os idosos.Foram momentos de muito envolvimento das crianças com os idososa ponto de muitos se compadecerem com situação de internos queforam abandonados por seus familiares.

a turma do 5.º E, que escolheu o projeto Biblioteca comunitária(igreja Metodista): “Biblioteca em ação”. O objetivo desta biblioteca éde dar assistência da Educação infantil ao Ensino Fundamental, ascrianças e adolescentes, que fazem pesquisas ou emprestam livrospara lê-los em casa. O título do texto jornalístico ficou “Biblioteca emação”. a Professora Marinês Mercado alves preparou com a turmauma apresentação musical para o dia da visita. E como chovia muitono dia, não apareceu nenhuma criança para pesquisar na biblioteca.Então fizemos a apresentação para as crianças da escola do bairro. Edoaram livros à biblioteca.

a turma do 5.º F, que escolheu o projeto asilo Lar do Outono(Exér cito da Salvação): “Um coração precisando de outro coração”. Oobjetivo do Lar do Outono é acolher pessoas idosos a partir dos 64anos que não têm condições de ficar com suas famílias. O título do

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texto jornalístico ficou “Um coração precisando de outro coração”.Eles prepararam materiais de desenho e pintura para realizar uma ati-vidade com estes idosos, com a ajuda da Professora Gabriele izabel decarvalho. nesta turma também deu para observar o quanto as crian-ças ficaram compadecidas ao verem muitos idosos que não recebiamnenhuma visita de seus familiares.

Diante de tudo isso, vale ressaltar a importância deste contato doseducandos com uma comunidade religiosa diferente e poder fazerperguntas curiosas ao líder sobre sua Religião. além do mais, o envol-vimento dos educandos com as pessoas dos projetos visitados e a sen-sibilização para com elas. após esta visita, a maioria dos projetos rece-beram mais ajuda e visitas das pessoas que tomaram conhecimentodos projetos através do jornal.

4. considerações sobre o projeto

ao partir do princípio de que a educação para o convívio com adiversidade religiosa é um marco de extrema urgência no contextosocial brasileiro, este projeto propiciou a reflexão sobre esta problemá-tica. Para o Pcner “a escola deve ajudar o educando a adquirir ins-trumentos universais que o auxiliem na superação das contradiçõesnas respostas isoladas e procurar dar coerência a sua concepção demun do” (2001, p.24). Foi o que procurei realizar ao propor este pro-jeto. cada educando tinha sua realidade religiosa particular vivida nocontexto familiar. O que a escola propõe é a ampliação deste contextoreligioso de cada um para ao refletir sobre a realidade plurirreligiosados tempos atuais. Esta reflexão possibilitou ao educando a aprendi-zagem sobre o diferente que muitas vezes lhe causa estranheza. O fatode se aproximar, refletir sobre este diferente é um papel da escola,principalmente desta disciplina de Ensino Religioso.

Observamos que muitas realidades familiares propiciam aos edu-candos elementos que os levam a olharem o contexto religioso dooutro com o olhar de estranheza, ou até mesmo de forma preconcei -tuo sa. Foi o que aconteceu principalmente com a comunidade Espí-rita. “a escola tem a função de ajudar o educando a se libertar de es -tru turas opressoras que o impedem de progredir e avançar Pcner,2001, p. 27)”. Este projeto deu a cada participante a oportunidade derefletir sobre esta questão e ampliar sua aprendizagem ao se deparar

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com esta problemática. com esta abordagem, o estranho e elementode preconceito, tornou-se conhecido e compreendido dentro do con-texto como uma forma diferente de ver o religioso, o divino, o sagra -do. O que era objeto de preconceito, transformou-se em conhecimentodo diferente que merece ser respeitado.

ao final deste projeto pude observar a urgência de trabalhar nasescolas as diferenças religiosas, principalmente aquelas que causammais estranheza aos educandos. aqui neste projeto apareceu o centroEs pírita, mas sabemos que este é apenas um dado. O preconceito reli-gioso é um mal destruidor carente de uma educação que aponte meto-dologias para trabalha-lo.

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Ensino religioso na proposta curricular de Santa catarina/Brasil: a construção de espaços polifônicos e interculturais

aDEciR POzzER *

Introdução

O ER é Área de conhecimento da Educação Básica (ResoluçãocnE/cEB n.º 04/2010) e componente curricular do Ensino Funda-mental (Resolução cnE/cEB nº 07/2010) das escolas públicas brasi-leiras. Esse reconhecimento é resultado de inúmeros processos histó-ricos, marcados por tensões, dilemas e contradições. no decorrer dahis tória, em especial após a separação Estado-igreja (1889), surgeminú meras concepções teórico-metodológicas de ER com perspectivasdi versas: confessional, interconfessional e ecumênica. na atualidade,ex periências inter-religiosas e interculturais se apresentam como pos-sibilidades capazes de dialogar abertamente com os demais compo-nentes e áreas de conhecimento no contexto da Educação Básica, demodo a assegurar o reconhecimento e respeito à diversidade culturalreligiosa.

Os dilemas, incompreensões e resistências em torno do ER estãopresentes em diferentes setores da educação e, quando tratado no cur-rículo escolar, evidenciam-se desconhecimentos e ambiguidades rela-cionados a este componente. Paralelamente, observa-se também umamaior compreensão e aceitabilidade entre os profissionais da educa-ção e familiares, quando tratado e compreendido enquanto possibili-dade de estudo, construção e sociabilização de saberes e conhecimen-

* Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa catarina (UFSc). Membro doGrupo de Pesquisa Ethos, alteridade e Desenvolvimento (GPEaD/FURB). coordenador doFórum nacional Permanente do Ensino Religioso (2012-2014). assistente técnico-pedagógicoda Secretaria de Estado da Educação de Santa catarina (SED) e Professor substituto do centroUniversitário Municipal São José (USJ) ([email protected]).

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tos religiosos das culturas e tradições religiosas sem proselitismo;quan do contribui com o questionamento de concepções e práticas dis-criminatórias e preconceituosas em relação ao Outro 71; quando ques-tiona a utilização do religioso 72 para fomentar desigualdades e injus-tiças; e quando problematiza as relações de poder relacionadas aoreligioso, utilizado em muitos casos, para legitimar a negação da dig-nidade humana.

é neste contexto de tensões, diálogos e avanços que o ER vemocupan do espaço nas edições da PcSc, possibilitando que nas escolaspúblicas catarinenses os sujeitos sejam reconhecidos em suas identida-des e escolhas no que diz respeito à crença religiosa, e, de igual ma -neira, (re)conheçam os elementos básicos que integram os fenômenosreligiosos das distintas cosmovisões.

neste sentido, apresentaremos aspectos históricos da construção eatualização da PcSc, procurando situar alguns desafios que o ER temen frentado para o seu reconhecimento no currículo escolar catari-nense, bem como seu aprofundamento e ampliação do ponto de vistaepistêmico e pedagógico na atual edição da PcSc, atualizada nodecorrer do ano de 2014.

1. Proposta curricular de Santa catarina:percurso histórico

e aportes teórico/metodológicos

O processo de redemocratização do Brasil, ocorrido amplamenteapós o período ditatorial (1964-1985), possibilitou inúmeras discussõesno campo da educação, provocando no Estado de Santa catarina,abertura para um pensamento mais social e político na educação, cujofundamento teórico encontra-se em pensadores como Vygostsky(1896-1934), Wallon (1879-1962), Gramsci (1891-1937) e outros da ver-tente teórica histórico-cultural.

neste contexto, a Secretaria de Estado da Educação de Santa cata-

71 Outro (com a inicial em maiúsculo) quer indicar os Outros e Outras. Para Levinas, re -presentam aqueles que não podem ser contidos, nem reduzidos a um conceito; é rosto, pre-sença viva que interpela, convoca, desafia e constrói. (LEVinaS, 2005).

72 De acordo com Ruedell (2007, p. 45) o termo religioso refere-se a um “elemento consti-tutivo do ser humano [...] é o que há de mais profundo e basilar na multidimensionalidade davida”.

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rina (SED) organizou discussões e estudos que culminaram com a pu -blicação da primeira edição da PcSc, em 1988. no entanto, o Estadojá contava com o Plano Estadual de Educação (PEE), regulamentadopela Lei n.º 4.394, de 20 de novembro de 1969, do qual já havia esbo-çado um programa curricular que contemplava os componentes cur-riculares, sobre o qual se organizaram formações continuadas de pro-fessores, dentre elas para o Ensino Religioso, denominado na época deEducação Religiosa Escolar (ERE) (SanTa caTaRina, 1969).

Uma segunda versão da PcSc na perspectiva histórico-culturalocorreu no início do ano de 1991, cujo objetivo foi rever e incorporaras pectos ausentes na primeira edição. a partir de 1995, constituiu-seum “Grupo Multidisciplinar” para organizar um Projeto de Revisão eaprofundamento da Proposta curricular, ampliado com educadoresde todas as regiões do Estado em 1997 que, após uma ampla discus-são, chegou-se a publicação da terceira edição, em 1998. Ficou organi-zada em três volumes, uma contendo as disciplinas curriculares, umase gunda os temas multidisciplinares, e a última, as disciplinas de for-mação para o magistério (SanTa caTaRina, 1998).

no caso do ER, o conselho interconfessional da Educação Reli-giosa Escolar (ciER) participou da organização de uma proposta, em1997, não contemplada na terceira edição. antes disso, sempre estevearticulando cursos de formação continuada e estudos em torno daconcepção, conteúdos e metodologias deste componente. Somente em2001 a SED reuniu um grupo de professores vinculados a Universida-des comunitárias (FURB, UniViLLE e UniSUL) que ofertavam for -ma ção inicial para o Ensino Religioso, Sistemas de Ensino, conselhodo Ensino Religioso de Santa catarina (cOnER/Sc) e representantedo Fórum nacional Permanente do Ensino Religioso (FOnaPER),para elaborar a Proposta curricular de Santa catarina, tendo em vistaa implementação do Ensino Religioso nas escolas da rede pública esta-dual. neste mesmo ano, a SED organizou as Diretrizes para a Organi-zação da Prática Escolar na Educação Básica, com a participação dosprofessores da rede.

Em 2005, a PcSc sofreu uma reformulação que resultou na publi-cação dos cadernos de Estudos Temáticos. Eles são produto de umadis cussão, sistematização e socialização iniciada em 2004, pela SED,através da Diretoria de Educação Básica e Profissional. a partir da or -ga nização de seis temas multidisciplinares, considerados relevantesno momento histórico, discutiu-se e organizou-se as diretrizes curri-culares para as temáticas: educação e infância, alfabetização com letra-

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mento, educação e trabalho, educação de trabalhadores, ensino no tur -no e educação de jovens (SanTa caTaRina, 2005).

Diante das novas demandas sociais, educacionais e curriculares,novas Diretrizes curriculares educacionais em âmbito nacional forampu blicadas nos últimos anos, evidenciando a centralidade no direito àaprendizagem e ao desenvolvimento dos estudantes. Frente a estesde safios, a atualização da PcSc, ocorrida em 2014, orientou-se portrês fios condutores, a saber: a educação integral; a concepção de per-curso formativo e; inclusão da diversidade para o reconhecimento dasdiferenças, enquanto princípio formativo (SanTa caTaRina, 2014).

neste sentido, os diferentes sujeitos têm de ter a possibilidade dedialogar e reconhecerem-se mutuamente, através da criação de pro-cessos polifônicos que propiciam vivências interculturais, em que lógi-cas monoculturais são questionadas e extirpadas dos processos educa-cionais. implícito ao percurso formativo está a diversidade comoprincípio formativo, trazendo à roda outras racionalidades e diálogospossíveis e necessários em tempos cada vez mais marcados e provoca-dos pelo multiculturalismo 73.

quanto a perspectiva teórico-metodológica, identificamos umaescolha desde a primeira versão da PcSc. através da abordagem filo-sófica do materialismo histórico e dialético, busca-se compreender quetipo de ser humano se quer formar, para quê sociedade e quais os pro-cessos de aprendizagem são necessários para tal. O enfoque metodoló -gico centra-se na concepção histórico-cultural de aprendizagem, co -nhecida também como sócio-histórica ou sociointeracionista (SanTacaTaRina, 1998).

O ser humano, um ser social e histórico, é concebido enquanto re -sul tado de um processo conduzido pelo próprio homem. é ele que faza história, ao mesmo tempo em que é determinado por ela. Esta com-preensão pressupõe concebê-la como elaboração humana. “Os ho -

73 O multiculturalismo é um termo que possui uma pluralidade de abordagens, como omulticulturalismo conservador, o liberal, o pluralista, o comercial, o crítico ou revolucionário.Dentre estes, optamos pela compreensão desenvolvida por McLaren (2000, p. 284) sobre omulticulturalismo revolucionário, no qual se “reconhece que as estruturas objetivas nas quaisvi vemos, as relações materiais condicionadas à produção nas quais estamos situados e as con-dições determinadas que nos produzem estão todas refletidas em nossas experiências cotidia-nas. [...] O multiculturalismo revolucionário não se limita a transformar a atitude discrimina-tória, mas é dedicado a reconstituir as estruturas profundas da economia política, da culturae do poder nos arranjos sociais contemporâneos. Ele não significa reformar a democracia capi-talista, mas transformá-la, cortando suas articulações e reconstruindo a ordem social do pontode vista dos oprimidos” (McLaREn, 2000 apud PanSini; nEnEVé, 2008, p. 37).

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mens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem: nãoa fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com asquais se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”(MaRX, 1851-1852, p. 6).

Se o ser humano é o sujeito, seu objeto é o conhecimento, conce-bido como um patrimônio coletivo. Sendo assim, precisa ser acessadoe sociabilizado, inclusive entre as camadas populares. O conhecimentocientífico, quando socializado, precisa relacionar-se com outros sabe-res, como o cotidiano e o religioso, por exemplo. na perspectiva his -tór ico-cultural da aprendizagem, os conhecimentos do cotidiano nãopodem ser ignorados, mas considerados ponto de partida para estabe-lecer diálogos com os demais saberes que, quando apropriados, po -dem levar a formas mais científicas de pensar (SanTa caTaRina,1998).

Pensar de uma maneira mais científica não significa a mera apre -en s ão de informações científicas, mas implica reconhecer os processosde produção do conhecimento, a autonomia dos sujeitos e a valoriza-ção das singularidades na busca e construção do mesmo, reconhe-cendo as diversas racionalidades. na socialização do conhecimento,há que se considerar abordagens locais e universais. na perspectivauniversal, implica abordar os conhecimentos sem se prender a saberesloc alizados, bem como à abordagens localizadas do conhecimento.não representa desprezo dos saberes locais e individuais, mas amplia-ção do leque de compreensão da vida, assim como as possibilidadesde interação com o mundo e a sociedade (idem, 1998).

na perspectiva histórico-cultural da aprendizagem, a interaçãosocial possui fatores determinantes na formação das funções psicoló-gicas dos sujeitos, diferenciando-se de perspectivas inatistas 74 e empi-ristas 75. neste sentido, a aprendizagem sempre acontecerá indepen-dente do contexto social ou cultural, porém, com diferenças, pois umacriança de um meio intelectualmente mais amplo de possibilidades,tende a aprender mais que outra criança que supostamente vive nummeio intelectualmente com menos acessibilidade de informações econhecimentos universalmente difundidos. com isso, “ser mais ou

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74 De origem grega, o inatismo compreende que todo conhecimento possui origem emes truturas mentais inatas, sendo, portanto, anterior a toda experiência (SanTa caTaRina,1998).

75 Também originário da Grécia antiga, o empirismo entende que todo conhecimento étrans mitido, com isso, o sujeito receptor não age sobre ele, transformando-o de maneira aampliá-lo ou não (SanTa caTaRina, 1998).

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menos capaz de acompanhar as atividades escolares deixa de ser vistocomo uma determinação da natureza, e passa a ser visto como umadeterminação social” (idem, 1998, p. 14).

Diante das discussões contemporâneas da diversidade cultural, domulticulturalismo e da interculturalidade, em que medida esta pers-pectiva histórico-cultural tem possibilitado o reconhecimento dossaberes e conhecimentos produzidos pelas distintas culturas, movi-mentos sociais, tradições religiosas e demais organizações, de modoequânime aos conhecimentos científicos?

admite-se no texto da atualização da Proposta curricular de 2014que, “por força do processo pela qual foi construída, manifesta algumpluralismo teórico-metodológico, expressando o próprio movimentopo lítico e epistemológico presente nos debates contemporâneos sobreedu cação, bem como possíveis contradições deles decorrentes” (San -Ta caTaRina, 2014, p. 20).

é necessário reconhecer que historicamente inúmeras culturas egrupos humanos construíram e validaram um conjunto de conheci -men tos através da organização social e da constituição de suas identi-dades, que necessariamente não foram validados pela razão científica,mas por outras racionalidades. há na PcSc abertura para suspeitasque, necessariamente, precisam existir para continuar provocando opensar dos processos formativos e educacionais, de modo a se torna-rem cada vez mais estratégias de inter-reconhecimentos dialógicos,interculturais e polifônicos. não nos ocuparemos desta análise no mo -mento, porém, reconhecemos a questão como crucial para continuar-mos a pensar a temática.

2. Ensino religioso na PcSc: desafios, perspectivas e direito do estudante

O Estado de Santa catarina sempre procurou contemplar o ER emconformidade com as legislações federais. no entanto, somente a par -tir de 1935 é que aparece na constituição 76 um tratamento mais claro

76 O art. 138 da constituição do Estado de Santa catarina de 1935, afirma que o EnsinoRe ligioso será de frequência facultativa e ministrado de acordo com os princípios da confissãore ligiosa do aluno, manifestada pelos pais ou responsáveis, e constituirá matéria dos horáriosdas escolas públicas primárias e secundárias, profissionais e normais (SanTa caTaRina,1935).

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de como se dará este ensino na escola pública catarinense, mesmo semhaver uma discussão específica de currículo. Estas mesmas orienta-ções legais se mantiveram semelhantes nas constituições estaduaissubsequentes, como dos anos de 1945, 1947, 1967 e 1970 (cEcchETTi;ThOMé, 2007).

De acordo com caron (2007), até os anos de 1969, o ER possuía ca -rá ter confessional católico, não possuindo na Secretaria de Estado daEducação uma proposta curricular, pois era orientada e definida pelaprópria igreja católica. Devido às mudanças sociais, discussões emtorno da educação no país e experiências ecumênicas existentes entredi fe rentes confissões religiosas cristãs no estado, a partir dos anos de1970, organizou-se o ciER 77. Este conselho teve grande influência naformação continuada de professores para o Ensino Religioso, bemcomo na definição do currículo para este componente no período de1970 a 1997. Sua finalidade era a de acompanhar a implantação e atua-lização do currículo da Educação Religiosa Escolar 78.

Um dos motivos da fundação do ciER foi a criação de um Progra -ma de ERE por parte da SED/Sc, implantado em 1972. é reconhecidocomo um projeto pioneiro para esta área no país. O programa tinha ca -ráter ecumênico, pois a grande maioria 79 dos estudantes pertencia àsigrejas que integravam o ciER. Este programa se tornou o primeiropro jeto curricular de ER no estado. Por ser pioneiro e de caráter ecu-mênico, uma das grandes dificuldades encontradas estava relacionadaà formação de professores para trabalhar nesta perspectiva, o quetrazia implicações diretas ao desenvolvimento do currículo nas esco-las. Por isso, um dos critérios para a seleção dos professores da comis-são Regional de Educação Religiosa (cRER) 80, era conhecer e assumir

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77 Em 1972, com a implantação do Programa de ERE, o Pe. Osmar Muller, representanteda Regional Sul iV da cnBB, convidou líderes religiosos de confissões cristãs para tratar dacriação do ciER, enquanto espaço destinado a tratar das questões relacionadas ao ERE(caROn, 1995).

78 O termo Educação Religiosa Escolar foi utilizado nas escolas públicas de Santa catari -na com base no Decreto n.º 13.692, de 14/04/1981. Somente em 1996, por ocasião da novaLDB que, em seu art. 33 denomina Ensino Religioso, assim como consta na constituição Fe -deral de 1988, é que se passa a denominar Ensino Religioso.

79 a maioria não contempla todos/as, pois havia nas escolas muitos estudantes descen -den tes de outras culturas, como as africanas e indígenas, as quais não eram contempladas emuito menos reconhecidas. Participavam das aulas e aprendiam sobre as religiões cristãs,mantendo-se a negação ao direito a diferença e, consequentemente, levando os estudantes aquestionar os fundamentos da própria identidade cultural religiosa.

80 Para ser professor de ERE, a comissão Regional de Educação Religiosa (cRER), criadapara auxiliar no processo de seleção e formação de professores, possuía alguns critérios, a

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o programa de ERE elaborado pelo ciER em comum acordo com aSecretaria de Estado da Educação (caROn, 1995).

Desde 1970, a Educação Religiosa Escolar é reconhecida como disci-plina do currículo no Ensino Fundamental e Médio das escolas da redepú blica estadual, passando a ter proposta curricular com programas se -riados. O conteúdo das aulas seguia a estrutura do pensamento cristão,com linguagem própria ao nível de cada série. Para este novo fazer pe -dagógico da ERE, a tônica estabeleceu-se em torno da formação de pro-fessores (caROn, 2007, p. 201).

De caráter ecumênico, o objeto de estudo era o Transcendente,con cebido numa perspectiva cristã, desconsiderando ainda concep-ções e práticas de outras cosmovisões constituintes das diferentesidentidades presentes nos espaços escolares, como as de origem indí-genas, afro-brasileiras, ciganas e outras que, por serem minoria, nãoeram reconhecidas. a metolodologia proposta centrava-se em discus-sões e experiências celebrativas de temáticas previstas para cada nívelno Programa de ERE.

como já dissermos, em 1997, a SED solicitou ao ciER a elaboraçãode uma Proposta curricular para a ERE, a qual foi elaborada e apro-vada internamente. Tal proposta centrava-se nos valores e objetivoscomuns a todas as crenças, a fim de promover o respeito à diversidadecultural e religiosa. afirmava que é de responsabilidade da escola dis-ponibilizar ao estudante os conhecimentos históricos elaborados pelahumanidade, de modo a serem apropriados através dos processos deensino-aprendizagem. Sendo a dimensão religiosa do ser humano um

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saber: i – Pertencer a uma das confissões religiosas filiadas ao ciER que esteja regularmentere presentada na comissão Regional de Educação Religiosa (cRER); ii – Ter idoneidade morale profissional, dar testemunho e vivência cristã e estar integrado em sua comunidade eclesialde fé; iii – Ser recomendado pela autoridade religiosa de sua comunidade eclesial de fé comaprovação do cRER, considerando a legislação estadual vigente; iV – Possuir curso de nívelsu perior na área de educação, preferência com curso de Teologia, ciências Religiosas e, na im -possibilidade desses, curso de magistério ou outro nível de 2.º grau; V – Participar de encon-tros, cursos, seminários e outros pertinentes à área de ERE promovidos pelo ciER, cRER, pelaSecretaria de Estado da Educação, Secretaria Executiva Regional de Educação ou outras enti-dades ligadas direta ou indiretamente, dentre e fora do estado; Vi – Evitar o proselitismo e apo lêmica durante as aulas de ERE e estar comprometido com a mesma; Viii – conhecer eassumir o programa de ERE (elaborado pelo ciER e adotado em Santa catarina), e ser capazde orientar sua adaptação à realidade e desafios educacionais; iX – Levar em conta o tempode serviço como professor e a avaliação de desempenho pela direção e/ou equipe pedagógicada unidade escolar (cRER, 1993, p. 2, apud caROn, 1995, p. 124).

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dos componentes deste conhecimento, precisava estar disponível parao seu acesso (SanTa caTaRina, 1998).

na proposta apresentada pelo ciER, o objeto da ERE continuousendo o Transcendente, considerado o núcleo e razão de ser do fenô-meno religioso, substrato de toda cultura. São apresentados tambémos pressupostos, a saber: antropológicos, culturas e tradições religio-sas, ritos e celebrações, ethos, teológicos e pedagógicos. O tratamentodidático priorizava a organização social das atividades, organizaçãodo espaço e do tempo e os critérios para seleção e utilização de mate-riais e recursos. a metodologia indicada orientava para a vivência,ação interativa e o conhecimento. (idem, 1998).

a Proposta curricular de Santa catarina – implementação do En -sino Religioso, de 2001, foi elaborada a partir da parceria entre SED ecOnER/Sc, que naquele período era composto por representantes dequatorze denominações religiosas. Esta produção se deu pela necessi-dade de implementar o ER com base nos dispositivos da Lei de Dire -tri zes e Bases da Educação nacional n.º 9.394/1996, alterada pela Leide n.º 9.475/1997, e da Lei complementar n.º 170/1998, que dispõesobre o sistema estadual de educação, apontando alguns avanços sig-nificativos na sua compreensão e nos encaminhamentos.

De acordo com a perspectiva teórica da PcSc, o documento daimplementação do ER em Santa catarina, propõe que o conhecimentodo ER se dê através da “releitura do fenômeno religioso a partir doconvívio social dos educandos” (SanTa caTaRina, 2001, p. 8), con-cebido agora como o seu objeto de estudo. Trata dos princípios orga-nizativos, dos conceitos essenciais, das ideias mais específicas e dospossíveis enfoques dos temas para cada ano do ensino fundamental.Os conceitos essenciais selecionados são: ser humano, conhecimentorevelado, conhecimento elaborado, diversidade de práticas e cami-nhos de reintegração. O tratamento didático proposto é que ele ocorraem nível de análise e conhecimento, contemplando a pluralidade cul -tu ral. Tem de abarcar e valorizar os conhecimentos prévios que os es -tudantes possuem, de modo que a aprendizagem se desenvolva paraníveis de maior complexidade no entendimento dos fenômenos reli-giosos. a proposta lança também os fundamentos da avaliação em ER,entendida de modo processual, contínua e subsidiadora dos processosde ensino e aprendizagem (SanTa caTaRina, 2001).

neste mesmo ano de 2001, a SED organizou e publicou as Diretri-zes para a Organização da Prática Escolar na Educação Básica 3: con-ceitos científicos Essenciais, competências e habilidades. Essas dire-

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trizes objetivaram subsidiar a elaboração dos Projetos Político-Peda-gógicos das escolas da rede pública estadual. assim como aos demaiscomponentes, foi elaborado para o ER um mapa conceitual em que semanteve o fenômeno religioso como seu objeto de estudo. Elaborou--se ainda um quadro de ênfase dos conceitos científicos essenciais da1.ª a 8.ª série que, ao serem trabalhados, deveriam desenvolver deter-minadas competências e habilidades, elencadas também nestas dire-trizes (SanTa caTaRina, 2001a).

a participação do ciER e do cOnER/Sc nos momentos históricosem que estiveram atuantes no estado foi determinante para que o ERfosse reconhecido e inserido nas diferentes edições da PcSc, bemcomo na formação e organização do ER na rede de ensino. atualmen -te, nenhuma das organizações está em atividade. Em virtude do de -crescente envolvimento das instituições religiosas e o crescimento donúmero de professores habilitados na área, por meio dos cursos deciências da Religião: Licenciatura em Ensino Religioso, atrelado aode sejo de autonomia por parte dos professores, criou-se em 2003, aassociação de Professores de Ensino Religioso do Estado de Santa ca -tarina (aSPERSc). Em conjunto com as universidades que ofertam li -cenciatura para este componente, esta associação tem fomentado a for-mação continuada dos professores em articulação com a Secretaria deEstado da Educação, ou junto as Gerências de Educação (GEREDs) ese cretarias municipais de educação, a fim de assegurar o direito doses tudantes compreenderem a dinâmica dos fenômenos religiosos nasdiferentes culturas e tradições religiosas. Esse conhecimento propiciao desenvolvimento de uma maior consciência sobre o direito à liber-dade religiosa, o respeito à diferença e a responsabilidade ética frenteàs alteridades.

nesta perspectiva, o direito ao ER nas escolas brasileiras, além depossuir um caráter legal, tem se sustentado nas dimensões pedagógi-cas e epistemológicas, pois uma das principais finalidades é a de con-tribuir com a formação integral dos sujeitos. neste sentido, na últimaversão da PcSc afirma-se que:

Esse sujeito tem o direito a uma formação que tome como parâmetrotodas as dimensões que constituem o humano. Uma formação que reco-nheça e ensine a reconhecer o direito a diferença, a diversidade culturale identitária; que contemple as dimensões ética, estética, política, espiri-tual, socioambiental, técnica e profissional (SanTa caTaRina, 2014,p. 27).

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Esse é um dos fundamentos da educação integral, que necessaria-mente ultrapassa os muros da escola ou da sala de aula, propiciandoe exigindo diálogos e interações com o contexto sociocultural dos estu-dantes, isto é, com o mundo da vida e sua cotidianidade. Para efetivaruma perspectiva intercultural, dialógica e polifônica na educação e noEn sino Religioso, há que se realizar uma profunda revisão das concep-ções e práticas em educação, questionando visões e relações que, combase em Foucault (2004), permitem o conhecimento tendo em vista ocontrole das pessoas através da burocracia escolar, treinando-as sim-plesmente para ocupar os lugares na estrutura social. assim, somosinterpelados a pensar a escola como um não-lugar, num conjunto deex tensões ou estratégias que propiciam aprofundamentos, ressignifi-cações, dialogicidade e apreensão de conhecimentos que asseguremuma maior compreensão daquilo que afeta a integralidade dos corpos,mentes, consciências e ações dos sujeitos envolvidos – ou que deve-riam estar incluídos – nos processos formativos.

2.1 Atualização da PCSC de 2014: espaços polifônicos e ER intercultural

como já assinalamos, na edição de atualização da PcSc de 2014não identificamos grandes mudanças em termos de opção epistemo -lóg ica. no entanto, algumas aberturas teóricas são perceptíveis eadmitidas na tentativa de abarcar as discussões contemporâneas deeducação em suas múltiplas interfaces. Essa constatação indica a ne -cessidade de a educação constituir-se cada vez mais como que umapo lifonia, em que os diferentes sujeitos tenham assegurado o direitoao inter-reconhecimento das identidades culturais e religiosas.

as Diretrizes curriculares nacionais da Educação Básica (BRaSiL,2010, p. 25) sustentam esta perspectiva, quando afirmam que:

a educação destina-se a múltiplos sujeitos e tem como objetivo atroca de saberes, a socialização e o confronto do conhecimento, segundodiferentes abordagens, exercidas por pessoas de diferentes condiçõesfísicas, sensoriais, intelectuais e emocionais, classes sociais, crenças,etnias, gêneros, origens, contextos socioculturais, e da cidade, do campoe de aldeias. Por isso, é preciso fazer da escola a instituição acolhedora,in clusiva, pois essa é uma opção “transgressora”, por que rompe com ailusão da homogeneidade e provoca, quase sempre, uma espécie de crisede identidade institucional.

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Justifica-se assim a inserção da diversidade como princípio forma-tivo. Esta escolha requer que se assuma um conjunto de transforma-ções necessárias que repercutem na organização curricular, nos con-teúdos, nos encaminhamentos metodológicos, na seleção e utilizaçãode materiais, na gestão escolar, na avaliação, nos tempos e espaços for-mativos, sem abdicar do caráter provisório e contextual do cotidianoda vida.

Para assegurar o diálogo entre as áreas de conhecimento e o eixoda Diversidade, definiram-se alguns princípios 81 basilares. O ER, tra-tado nas ciências humanas devido a sua proximidade com a história,Geografia, Sociologia e a Filosofia, contribuiu com a compreensão crí-tica e responsável da sociedade, permeada por saberes, conhecimentose práticas historicamente construídas, mas em constantes transforma-ções. “a área de ciências humanas assume, ao longo do processo for-mativo da Educação Básica, o papel de contribuir para que os estudan-tes elaborem conceitos sobre o ser humano e suas relações, tecidascon sigo, com o outro, com o ambiente e com o transcendente” (BETTO,2013 apud. SanTa caTaRina, 2014, p. 139).

conceber e organizar a prática pedagógica do ER numa perspec-tiva interdisciplinar e intercultural pressupõe que todos os sujeitosenvolvidos nos processos formativos superem a rigidez das fronteirasdis ciplinares. neste sentido, as ciências humanas na PcSc de 2014,or ganizam-se estrategicamente em torno de conceitos estruturantes 82,que se desdobrarão em conteúdos, abordagens e atividades de apren-dizagem dos componentes curriculares que integram esta área. ca be -rá aos componentes curriculares potencializar os conceitos mais pró-ximos aos seus objetos de estudo, sem perder de vista as dimensõesinterdisciplinares e dialógicas em todo o percurso formativo (SanTacaTaRina, 2014).

81 Os princípios da Diversidade são: Educar na alteridade; consciência política e históricada diversidade; Reconhecimento, valorização da diferença e fortalecimento das identidades;Sustentabilidade ambiental; Pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; Laicidade doEs tado e da escola pública e; igualdade de direitos para acesso, permanência e aprendizagemna escola, (SanTa caTaRina, 2014).

82 Os conceitos estruturantes na área das ciências humanas na PcSc 2014 são: “tempo,es paço e relações sociais que se desdobram em outros conceitos, tais como ser humano, rela-ções socioambientais, relações sociais de produção, conhecimento, território, ambiente, natu-reza, redes, transformações sociais, cultura, identidade, memória, temporalidade, imaginário,ideologia, alteridade, indivíduo, sociedade, poder, trabalho, tecnologia, economia, linguagem,ética, estética, epistemologia, política, Estado, direitos humanos, imanência, transcendência,patrimônio, corporeidade, sociabilidade, convivência, cooperação, solidariedade, autonomiae coletividade” (idem, 2014, p. 142).

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é neste contexto mais amplo que os saberes e conhecimentos reli-giosos, enquanto produção histórica das diferentes culturas e tradi-ções religiosas tornam-se objeto de estudo do ER ao subsidiarem oentendimento dos fenômenos religiosos. amparados em princípioséticos e legais, não podem servir à prática de proselitismo, mas paraassegurar o respeito à diversidade cultural religiosa (BRaSiL, 1997) naescola laica. necessitam, pois, ser concebidos e tratados pedagogica-mente enquanto elementos de aprendizagem na educação básica, afim de contribuir com a formação de cidadãos críticos, capazes de ana-lisar e compreender as distintas percepções, vivências e elaboraçõesrelacionadas ao religioso, elemento que integra o substrato das cultu-ras (FOnaPER, 2009).

na educação básica, a presença do ER em perspectiva interculturalcontribuirá para o enfrentamento e superação da intolerância e da dis-criminação cultural religiosa, assim como em relação a outras diferen-ças utilizadas para justificar concepções e práticas discriminatórias emrelação ao Outro.

neste sentido, concordamos que:

[...] discriminações e preconceitos étnicos, culturais, religiosos, sexuais,de gênero, dentre outros, têm a oportunidade de ser problematizados name dida em que são abordados como elementos de aprendizagem, con-tribuindo para o conhecimento e respeito das histórias, identidades, me -mórias, crenças, convicções e valores de diferentes grupos religiosos enão-religiosos (SanTa caTaRina, 2014, p. 146).

é de responsabilidade da escola oportunizar o acesso e a reflexãocrítica dos conhecimentos religiosos presentes na vida social dos estu-dantes, bem como de outras culturas e tradições religiosas. Tais conhe-cimentos são legítimos para cada cultura e tradição religiosa, manifes-tando-se na “multiplicidade de ritos, textos, mitos, símbolos, espaços,linguagens, atitudes, valores e referenciais éticos que balizam e atédeterminam como o ser humano se define e se posiciona no mundo”(idem, 2014, p. 147).

a apreensão dos conhecimentos da diversidade religiosa, atravésdo exercício do diálogo, do estudo, pesquisa e reflexão crítica e res-ponsável, proporciona às crianças e jovens, uma formação voltada àcompreensão e acolhimento das distintas identidades e diferenças,favorecendo o desenvolvimento de relações menos exploratórias, indi-vidualistas e preconceituosas em todo percurso formativo. Destamaneira, as diferenças religiosas não se tornam motivo de violência

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que provocam (re)ações de grandes proporções, como a ii GuerraMun dial, os recentes atentados terroristas e tantos outros aconteci-mentos e estratégias legitimadas por governantes e multinacionais,reproduzindo assim a colonialidade que afronta a dignidade humana.Fatos em que o Outro é simplesmente ignorado por pertencer a umadeterminada cultura, crença ou por possuir outros princípios ideoló-gicos, corroboram com a construção e manutenção de uma cultura queproduz a diferença e as desigualdades sociais.

é visível que a negação do direito ao acesso e à aprendizagem dossa beres e conhecimentos religiosos das distintas cosmovisões, demodo acolhedor, respeitoso, responsável e crítico, a partir de pressu-postos científicos e culturais, vem desencadeando uma espécie deanalfabetismo religioso. Este analfabetismo é um pressuposto quefavorece a criação e difusão de estereótipos relacionados às pessoas deuma determinada religião, afrontando os princípios básicos da demo-cracia, como a liberdade de consciência, pensamento, expressão e decrença. Está longe de ser uma defesa de que toda pessoa deva ter umareligião. O que se propõe é que toda pessoa, seja adepta a uma religiãoou não, tenha clareza das suas escolhas no campo religioso, e possuaconhecimento e respeito aos princípios que orientam a prática reli-giosa ou não religiosa do Outro.

Por isso, um ER de perspectiva intercultural, apresenta-se comoum desafio a si mesmo no contexto da educação, pois, especificamentea escola existente na atualidade, foi pensada, estruturada e é mantida,em certa medida, sob uma única lógica, a monocultural e colonialista.Para a sua difusão, utilizou-se oficialmente da religião cristã, em detri-mento a outras crenças que constituem a rica diversidade religiosabrasileira, para estabelecer um padrão civilizatório fundado nas carac-terísticas do homem branco, europeu, masculino e cristão. a efetiva-ção de um ER intercultural, portanto, requer que se assumam os riscosde uma profunda transformação na forma de conceber e organizar ostempos, espaços e práticas pedagógicas, que inadiavelmente, precisamatingir os fundamentos que orientam a formação dos formadores.

a interculturalidade implica na criação de outras formas de re-lacionamento social e de representação dos “nós” e dos “Outros”,questionando padrões culturalmente aceitos e difundidos que his to -rica men te impediram interações enriquecedoras entre pessoas de dife-rentes identidades. a constituição das sociedades ocidentais orientou--se por princípios homogeneizadores e padronizadores que excluíramformas diversas de interagir com o mundo, com o cotidiano da vida e

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com a diversidade humana e cultural. é intransferível, portanto, a res-ponsabilidade de pensar a vida questionando as imagens e autoima-gens que temos em relação a nós mesmos e aos Outros. questões estasque precisam integrar o cotidiano da vida e os processos formativos,ampliando e potencializando as formas de interação social, pois, deacordo com Fornet-Betancourt (2004), a interculturalidade não sereduz a fala e análise dos sistemas sociais, das relações de poder e cos-movisões, mas se trata de uma contínua e profunda reflexão em tornode nós mesmos, de nossa potência criadora e destruidora, de nossosanseios e receios, enfim, de nossa condição de seres humanos incon-clusos e infinitos.

considerações finais

a concepção e a abordagem dos conhecimentos religiosos, articu-lados a partir da manifestação dos fenômenos religiosos propostos naatualização da PcSc, apresentam indicativos de um ER intercultural,pois busca acolher todos os sujeitos que integram os processos educa-cionais, desde os que assumem uma identidade religiosa, bem comoaqueles que se declaram sem religião. Esta compreensão de ER, aliadaàs inúmeras práticas e experiências pedagógicas já desenvolvidas naRede Pública de Ensino do Estado de Santa catarina, tornam estecom ponente curricular e área de conhecimento da educação básica,um tempo e espaço privilegiados ao considerar a diversidade comoprincípio formativo. é um potencial estimulador das relações intercul-turais ao promover a interação e o diálogo entre pessoas com seussaberes, conhecimentos e experiências que, ao serem problematizadose analisados a partir de pressupostos científicos, geram ampliações de perspectivas para melhor compreender o mundo da vida e sua cotidianidade.

Deste modo, o acesso, a apreensão e a significação dos conheci-mentos presentes nos inúmeros diálogos proporcionados pelo ER,geram transformações nos sujeitos envolvidos e atitudes de profundorespeito e inter-reconhecimento das pessoas e suas diferenças, especi-ficamente as culturais e religiosas, sem proselitismo, em um Estadolaico.

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referências

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Pedagogías pertinentes para una educaciónreligiosa escolar de cara al siglo XXi 83

aMPaRO nOVOa PaLaciOS *

“La vida es una oportunidad; aprovéchala. Lavida es belleza; admírala. La vida es beatitud;

saboréala. La vida es sueño; hazlo realidad. Lavida es un reto; afróntalo. La vida es un deber;

cúmplelo. La vida es un juego; juégalo. La vidaes preciosa; cuídala. La vida es riqueza;

consérvala. La vida es amor; gózala. La vida esmisterio; devélalo. La vida es promesa cúmplela.

La vida es tristeza; supérala, La vida es himno;cántalo. La vida es combate; acéptalo. La vida es

una tragedia; domínala. La vida es aventura;arrástrala. La vida es felicidad; merécela.

La vida es vida; defiéndela”.

BEaTa TERESa DE caLcUTa

Introducción

En pleno siglo XXi con todos los cambios vertiginosos que vienetrayendo y que transcurren en segundos, muchas veces sin tiempo

* Miembro de la Sociedad de auxiliadoras. Doctora en Teología Dogmática por la Uni-versidad de la compañía de Jesús, Facultad de Teología, cartuja, Granada (España). Bachilleren Filosofía, Licenciada y Magister en Teología por la Pontificia Universidad Javeriana. Profe -sora y Directora del Programa Licenciatura en Educación Religiosa de la Universidad de LaSalle. Profesora y coordinadora de la Línea de investigación cultura, fe y formación en valo-res del Doctorado en Educación y Sociedad de la Universidad de La Salle. Miembro del grupode investigación Educación ciudadana, ética y Política y del grupo de investigación Educa-ción y Sociedad. Miembro de la comisión de Reflexión teológica de la conferencia de Religio-sos de colombia ([email protected]).

83 Esta ponencia es resultado del proceso investigativo que se adelanta con el proyectoDi versidad cultural y Educación Escolar en Brasil y en colombia: implicaciones en la acciónde profesores/as. Se constata la necesidad que tiene la sociedad y su ambiente cultural de pro-mover actitudes de paz y reconciliación a partir de la educación y la pedagogía.

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para “digerirlos”, alcanzamos apenas, a contemplarlos en su superfi-cialidad, se evidencia una llamada, un clamor por crear espacios quepermitan el diálogo, el reconocimiento y la valoración sobre las condi-ciones culturales, políticas, éticas, económicas y religiosas para re-sig-nificar el papel que tiene la educación como camino clave para asumirlos desafíos pedagógicos que hoy se plantean, los cuales exigen diá-logo permanente con la realidad en la cual estamos inmersos. Desdeaquí surge con sentido el preguntarnos: ¿cuáles son los aportes de laEducación Religiosa a la paz y la reconciliación? O mejor aún ¿cómoedu cador/a qué desafíos identifico para construir la paz y la reconci -lia ción? a partir de la Educación Religiosa ¿qué aspectos del ser hu -mano se necesitan educar hoy para que pueda convivir en paz y converdad? ¿cuáles pedagogías son pertinentes para los hombres y muje-res de hoy?

Una de las formas de expresar una postura frente a la realidad sere coge cuando se identifica que lo que acontece en ella plantea desa-fíos. al indagar sobre el significado del verbo desafiar se descubre unariqueza en su sentido semántico que vale la pena traer a la memoria,cuando se comprende como: enfrentarse a las dificultades con deci-sión. Pero además de ello, se trata de enfrentar la realidad con creati-vidad. De este modo, abordar la realidad con decisión y creatividad esuna tarea ineludible que hoy la Educación Religiosa debe asumir en sufundamento teológico, antropológico y pedagógico.

Generalmente los desafíos surgen en situaciones complicadas y dedifícil resolución, lo que supone una profunda reflexión sobre loshechos que acontecen en el diario vivir y que tocan, de forma concreta,el tejido existencial de hombres y mujeres. Si esto es así, es necesarioen un primer momento, contextualizar la realidad, es decir, se trata desituar al sujeto en su circunstancia y aquel aspecto de la realidad quese quiere experimentar, conocer, apropiar y transformar, esto significaenfrentar la realidad como ella realmente aparece. Para luego, en unsegundo momento, ver los condicionamientos sociales, económicos,po líticos y culturales, que pueden distorsionar la percepción y com -pre nsión de la realidad, el dinamismo de la fe y la situación personaldel individuo. Esta perspectiva de posicionamiento de la personafrente al contexto es importante rescatarla hoy, pues no se trata decontinuar concibiendo a un sujeto abstracto y una práctica de fe quedesconoce lo que ocurre en el mundo. hoy el ser humano vive conmucha información que lo posiciona en la realidad bajo los paráme-tros de la apariencia y lo mantiene sumergido en lo superficial al omi -

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tir argumentos que den razón de sus acciones y al asumir actitudespasivas y fáciles ante los problemas que la vida le trae.

Lo dicho anteriormente, plantea el siguiente recorrido: en un pri -mer momento, identificar los desafíos que emergen del contexto de laeducación, los cuales se constituyen en grandes retos para la Educa-ción Religiosa hoy. En segundo lugar, es de vital importancia ubicar-nos en el contexto de nuestra opción de vida como “Educador@s” ydesde aquí expresar las transformaciones radicales que hay que pro-mover desde la Educación Religiosa en su matriz teológica y episté-mica para construir la paz y la reconciliación. y por último, se plan-tean algunas conclusiones que pueden servir como pautas paracontinuar la reflexión a partir de nuestro ser y quehacer docente.

1. Algunos desafíos de la Educación 84

1.1. Asumir el desafío de una educación a partir de dos enfoques: el pedagógico y el ético

La educación es una vía para el buen vivir. Ella se constituye en laherramienta principal y el bien colectivo más importante para superarla pobreza y lograr el desarrollo. De ahí que sea fundamental investi-gar la relación entre educación y pobreza, bajo el dilema: ¿Educar paraaliviar la pobreza o aliviar la pobreza para poder educar? La pobrezagenera menos educación y la falta de educación impide salir de la po -bre za. Esto evidencia un círculo vicioso que se puede expresar de la si -guiente manera: “El alumno pobre tiene una familia pobre, en unaescuela pobre, servida por docentes pobres y que logra –previsible-mente- resultados escolares pobres, que son atribuidos a la pobreza delos pobres. Esto nos debe desafiar a defender la educación como unde recho. al respecto Paulo Freire nos recuerda: “en la medida en quelas clases populares empezaron a poder entrar en las escuelas públi-cas, entonces el Estado las empezó a maltratar… ahora la pelea por laes cuela pública es buena, pues se pelea por una escuela pública recu -pe rada, por una escuela pública en cantidad y calidad, es una peleademocrática.”

84 aportes ofrecidos por Oscar azmitia en el Primer Seminario-Taller “Religión, espiri -tua lidad y nuevas epistemologías en la educación” realizado en San José de costa Rica losdías 21 al 23 de noviembre de 2013.

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Es claro que la educación sola no cambia el país, pero el país nocambia si no cambia la educación, lo cual exige aumentar la inversiónen la educación. y no se trata de cualquier educación, no la que ponees tándares, no la que elimina la flexibilidad para hacer más pertinen-tes los currículos o la que destruye la cultura. no se puede seguir mal-gastando los recursos en la búsqueda de una educación de calidad,pro moviendo anti-valores y negando lo más fundamental de la natu-raleza humana la comprensión y el sentido de la vida. La segregaciónahora se vive en el interior del sistema educativo. a la vez, que tene-mos alumnos del siglo XXi, con profesores del siglo XX y escuelas delsiglo XiX.

1.2 La educación como camino para encauzar el sentido del pensar

Uno de los grandes retos que hoy se plantea a la educación es des-cubrirla y practicarla como movilizadora de derechos. Esta perspec-tiva exige inventar y pensar sobre cómo van a ser las nuevas estructu-ras, lo que evidencia que la educación atraviesa por un momento dereestructuración y de recuperar lo originario, lo que hace que la edu -ca ción sea educación y no otra cosa ajena a su “espacio vital”. Un as -pecto para cumplir con dicho cometido y que considero importanteex plicitarlo, consiste en dar sentido a lo que hacemos, compartir sen-tidos, impregnar de sentido muchas de las prácticas de la vida cotidia -na e inclusive comprender el sinsentido de muchas otras. Se trata deto mar el sentir como eje articulador de la educación, “lo que no sehace sentir no se entiende y lo que no se entiende no interesa” (SimónRodríguez).

La objetividad y la estaticidad son las dos trampas de la educaciónsin sentido. En nombre de ellas se excluye la subjetividad. no se lograencauzar el sentido del pensar precisamente porque no educamos elsentido del sentir. El retraso emocional y el subdesarrollo de la sensi-bilidad explican ampliamente la deshumanización de nuestra socie-dad. La enfermedad esencial es la falta de sentido que les sume en elvacío existencial. (Víctor Frank). Es así que la educación debe de asu -mir una visión más incluyente que sea capaz de comprender las rela-ciones dialógicas que establece el sujeto con su entorno para darle sen-tido y transformarlo. 85

85 cfr. castillo cedeño, ileana, “La utopía como esencia transformadora”, p. 4 enhttp://www.lectura-online.net/libro/cartas-a-quien-pretende-ense%c3%B1ar-doc-2.html

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no son los conocimientos, los saberes, las verdades y los valoresque se transmiten a través de discursos, los que dan sentido a la vida.El sentido no está ni en los planes de estudio, ni en los objetivos, ni enel traspaso de los contenidos. El sentido se entreteje de otra manera,desde las relaciones inmediatas, cotidianas que establece cada ser,desde los diversos contextos en los cuales se vive, desde los procesos,desde las relaciones significativas. y para ello es necesario rescatar losde rechos del corazón, los afectos y la razón cordial que dignifique lacon vivencia colectiva y favorezca la compasión hacia los demás, as -pectos que procesualmente se han ido relegando por el modelo racio-nalista, por ello se hace necesario favorecer una educación que re-cupere el nicho donde residen los valores, la razón cordial.

En un mundo signado por todo tipo de riesgos, es importante im -plementar una pedagogía de la incertidumbre, la educación no puedeasentarse en las certezas del autoritarismo ni en la ilusión y seguridadde afirmaciones estereotipadas y ni siquiera en las respuestas pre-esta-blecidas y unívocas que ofrecen muchos libros de texto. Bien decía Or -te ga y Gasset “cada vez que enseñes, enseña también a dudar deaquello que enseñas”. En este sentido, “Moisés dijo “La ley es todo”.Jesús dijo “el amor es todo”. Marx dijo “el dinero es todo”. Freud dijo“la sexualidad es todo” y finalmente Einstein dijo “Todo es relativo”y lo relativo está dentro de un contexto de sentido. En esta perspectivaprobablemente la tarea educativa debería estar referida a la preguntacomo un recurso pedagógico. y de este modo, en la práctica cotidianamaestros y educandos aprendiéramos a valorar el uso de la preguntaen nuestras relaciones interpersonales, y que llegáramos a conside-rarla como fuente de conocimiento tanto en la vida corriente como enel aula escolar. Para Gadamer en su libro verdad y método, nos ilustraex profeso lo pertinente a la pregunta. Para él preguntar quiere decirabrir la posibilidad al conocimiento. El sentido de preguntar consisteprecisamente en dejar al descubierto la posibilidad de discutir sobre elsentido de lo que se pregunta. Una pregunta sin horizonte o sin sen-tido, es una pregunta en vacío que no lleva a ninguna parte. 86

Desde los tiempos de Grecia clásica, el arte de preguntar se ha lla-mado dialéctica, porque es el arte de llevar una auténtica conversa-ción. Para llevar una conversación es necesario en primer lugar que losin terlocutores no argumenten al mismo tiempo. La primera condición

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|20386 cfr. zULETa aRaÚJO, Orlando, “La pedagogía de la pregunta una contribución para elaprendizaje”, en Revista Educere, n.º 28, enero-marzo, 2005, pp. 115-119.

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del arte de conversar es asegurarse de que el interlocutor sigue el pasode uno. Llevar una conversación quiere decir ponerse bajo la direccióndel tema sobre el que se orientan los interlocutores. Requiere no aplas-tar al otr@ con argumentos sino balancear realmente el peso objetivode la opinión antagónica. La conversación como comunicación inter-personal tiene necesariamente una estructura de intercambio de pre-gunta y respuesta. Por ello, en toda conversación, sin que esto sea mi -rado como un ritual académico, el arte de preguntar está siemprepre sente como recurso pedagógico, como una posibilidad dinámica deapertura al conocimiento. al respecto Freire afirma: “Las preguntasayudan a iniciar procesos interactivos de aprendizajes y solución deproblemas, lo mismo que mantenerlos hasta cuando se logran los obje-tivos y se planteen nuevos problemas y nuevas situaciones de apren-dizaje en este continuo trasegar que es la vida”. 87

1.3. Recuperar el carácter político y transformador de la educación

La educación de hoy necesita recuperar su carácter político ytransformador, lo que obliga a repensar el pensamiento (antonio Ma -chado) y repensar la educación, lo cual exige plantearnos una reformaparadigmática (Morin) que debe llevarnos a un cambio profundo en lavisión del mundo, a ver la realidad con nuevas categorías de interpre -ta ción. Esto supone nuevas maneras de enfocar la educación. Porejem plo, es importante superar el pensamiento único y valorar lossaberes cotidianos, de las culturas originarias porque ayudan a la solu-ción de problemas mundiales. “Si queremos hacernos ricos y acumu-lar... es inútil que pidamos consejo a los indígenas...pero si queremosser felices, unir al ser humano con lo divino, integrar persona y natu-raleza, compatibilizar el trabajo con el ocio, armonizar las relacionesintergeneracionales... entonces hablemos con ellos” (Boff).

Por otra parte, Estamos en una sociedad de la información, deredes, mundializaciones, migraciones complejas, que nos obliga arepensar la praxis educativa y sus instituciones para poder explicar ycomprender las nuevas transformaciones y poder reformular sus es -tructuras y las nuevas intervenciones. Esto nos desafía a volver a loori ginario de la educación, cuando ella se confundía con la vida y laso ciedad, donde no había instituciones formales, sino que el tiempo yel espacio social eran comunes a la educación. La nueva sociedad mul-

87 cfr. ibid.

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timediática trastoca el tiempo y los espacios de la educación, a la vezque su estructura y las instituciones.

1.4. La educación a lo largo de la vida

La educación en general, 88 y también la educación escolar, va atener que reformularse, volverse a conceptuar en términos de educa-ción a lo largo de la vida y en el ámbito de toda la sociedad. ha de vol -ver a lo social, reinventarse como una educación social en la que losobjetivos de integración y convivencia sean determinantes y en la quela «escuela» –el tipo de escuela que emerja de todo este proceso detransformación– sea una instancia más de ese continuum educativoque abarca toda la vida de los hombres en la comunidad y no que seaalgo separado y segregado de ésta.

La educación social es una forma de educación, que, a su vez, es elobjeto y ámbito de la Pedagogía Social. La educación social sería el fe -nó meno, la realidad, la praxis y la acción, y la Pedagogía Social lareflexión científica, la disciplina científica, que considera, conceptúa einvestiga esa educación social. En general, toda educación es o debeser social. ya que, aunque se hable de educación del individuo e, in -cluso, individualizada, ésta no deja de tener lugar en la familia, en laescuela, en la comunidad e incluso, en cierto grado, para la sociedaden la que el individuo vive. no se puede hablar de auténtica educa-ción individual si a la vez no se forma al individuo para vivir y convi-vir con los demás. La educación supone una progresiva y continuaconfiguración de la persona para ser y convivir con los demás.

El educador brasileño Moacir Gadotti propone una pedagogía dela praxis como respuesta a la responsabilidad que tiene la educaciónde comprometerse social y políticamente hacia la generación de cam-bios históricos. De este modo, la pedagogía social puede asumir un rolprotagónico para parir la resistencia y para alimentar la esperanza,donde se privilegie el proceso y no el producto final del quehacer edu-cativo (pedagogía dialógica) y entiende que el aprender y el enseñarse hacen a través de la comunicación, de la conversación entre la per-sona educadora y la comunidad donde acontece el proceso educativo.

La educación acontece y se desarrolla a lo largo de la vida, esto es,

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|20588 Sigo el aporte de: ORTEGa ESTEBan, José, “Pedagogía social y Pedagogía escolar: la edu-

cación social en la escuela”, en Revista de Educación Social, n.° 336, enero-abril 2005, Madrid,pp. 111-127.

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desde que el individuo nace hasta que muere. no se da, pues, única yexclusivamente en una determinada etapa de la vida, ni se circuns-cribe sólo a la escuela. y es en el continuum de la «educación a lo largode la vida» donde se inserta la educación social. Más específicamente,po dríamos entender que la educación social es, por un lado, dinami-zación o activación de las condiciones educativas de la cultura y de lavida social y sus individuos; y, por otro, prevención, compensación yreconducción socioeducativa de la dificultad, la exclusión o el con-flicto social. En consecuencia, la cobertura conceptual o teórica de laeducación social debería buscarse, a nuestro entender, en su funciónpromotora y dinamizadora de una sociedad que eduque y de unaedu cación que socialice e integre, y, a la vez, ayude mediante la edu-cación a evitar, equilibrar y reparar el riesgo, la dificultad o el conflictosocial.

1.5. ¿Es posible otra educación?

Existen dos condiciones para hacer caminos nuevos: ruptura yapertura. ambas van de la mano y requieren decisión y coraje; visióny liderazgo de servicio. a esto se añade la necesidad de mantener lautopía que alimenta un espíritu de esperanza y las posibilidades deotra educación y otro mundo, bien lo señaló Freire, “Una de las tareasdel educador o la educadora … a través del análisis político serio ycorrecto, es descubrir las posibilidades – cualquiera que sean losobstá culos – para la esperanza, sin la cual poco podemos hacer porquedi fícilmente luchamos, y cuando luchamos como desesperanzados odesesperanzadas es la nuestra una lucha suicida, un cuerpo a cuerpopu ramente vengativo.” (Freire, 2005, p. 9) 89 no obstante, una pedago-gía de la esperanza necesita para su cumplimiento una pedagogíadesde la ética del cuidado.

1.6. Una pedagogía de la ética del cuidado revitaliza otra educación posible

hoy constatamos que nuestras instituciones educativas, guiadas yfascinadas por los mapas del conocimiento académico occidental seex traviaron del territorio de la vida. cuando a inicios del siglo XXi

89 FREiRE, P. (2008), Pedagogía de la esperanza. Un reencuentro con la pedagogía del oprimido,argentina, Siglo veintiuno, p. 9.

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despertamos de nuestro sueño racionalista nos encontramos con unaacademia separada de la vida para luego llegar a confirmar que cadavez es más difícil responder qué son las instituciones educativas ypara qué sirven. Para tal, nos proponemos pensar en una pedagogíadesde la ética del cuidado, lo que implica no únicamente una renova-ción pedagógica, sino una renovación total que permita re-significar elmundo que producimos y el futuro que di-soñamos. “Di-soñar el fu -turo” pedagógicamente significa ampararnos en una pedagogía de laimaginación para diseñar itinerarios que nos permitan construirmundos-de-otro-modo a la altura de los sueños y utopías de los suje-tos negados de la modernidad occidental y el capitalismo.

De aquí que sea necesario tomar distancia con las teorías tradicio-nales de la educación que generalmente parten de la premisa de queel conocimiento es el cumplimiento de la tradición (occidental), y lape dagogía es una práctica técnica fundamentalmente involucrada conel proceso de transmisión (Giroux, 2005, p. 127), para comprender lape dagogía “como política cultural, como práctica social y política deproducción ytransformación, como modo de lucha crítica, dialógica ycolectiva” (Walsh, 2009, p. 14). Eso implica reconocer que en la cons-trucción de un pensamiento radical, la pedagogía puede compren-derse como el resultado de luchas específicas que los sujetos empren-den para definir la historia, el conocimiento, la experiencia y elsig nificado de sus vidas encontextos locales/globales. Para nosotros,el sustento ético de la pedagogía así comprendida está en el cuidadode la vida en todas sus formas.

El cuidado es la experiencia básica de la vida (Boff, 2004). Es la“cualidad existencial” que permite sentir la totalidad una y complejadentro del mundo. Es el modo de ser esencial y la expresión funda-mental para re-significar la relación que el ser humano entabla con larealidad.

Un itinerario pedagógico pertinente para nuestra época vincula elcuidado como un proyecto histórico que englobe la tradición de logosy pathos como dimensiones del mismo cuerpo. Este itinerario pedagó-gico se presenta como una doble tarea para las comunidades educati-vas en, al menos, dos sentidos: 1) que la ética del cuidado fundamenteel ser y quehacer de las comunidades educativas de cara a salvaguar-dar la Tierra como sistema vivo, y 2) que la ética del cuidado sirvacomo camino para que las comunidades e instituciones educativas sere vitalicen a sí mismas. En este último sentido, en las comunidadeseducativas, el cuidado hace crecer la sintropía (la suave combinación

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de todos los factores que mantienen su existencia), mientras que lafalta de cuidado genera entropía (desgaste que sufren todas las cosasa causa del paso del tiempo). 90 y para ello, es importante seguir afian-zando una pedagogía para favorecer la convivencia

1.7. Fortalecer una pedagogía de la convivencia

no sobra recordar que esta pedagogía desde la ética del cuidadoimplica también una pedagogía de la convivencia 91; comprendiendola convivencia como fenómeno y proyecto humano. La primera invitaa indagar sobre las formas de socialización e interacción de los proce-sos educativos, la segunda, exige pensar a partir de determinadosvalores, en cómo convivir mejor ahora y aprender a convivir para des-pués. Esto nos lleva a preguntarnos: ¿qué tipo de convivencia son laque pre domina en nuestras prácticas educativas? ¿Para qué tipo deconvivencia preparan las instituciones escolares? ¿hasta qué punto losprocesos de enseñanza aprendizaje están potenciando aquellos valo-res y competencias que las personas necesitan para ser más tolerantesy abiertos en la relación y comprensión de los demás? ¿cómo la edu-cación puede prevenir el desarrollo de la intolerancia, el dogmatismoy el autoritarismo? ¿qué enfoques pueden ayudarnos a problematizarlos múltiples aspectos que implican el aprender a convivir en unmundo de semejantes y diferentes?

Para Latapí (1998:15) una «pedagogía de la convivencia solidaria»puede distinguirse a través de cuatro pasos:

El primero consiste en trabajar para desmantelar nuestros prejuicios.Vía el análisis racional y psicológico, identificar esas barreras con queblindo al diferente; dentro de esto está también comprender que otrostengan prejuicios contra mí y tratar de explicármelo.

El segundo paso radica en enfrentar al diferente mediante la comu - nicación y el diálogo. ante el diferente hay dos maneras incor rec tas deproceder: anularlo para afirmarme, e integrarlo a lo mío re duciéndolo amis categorías, que es otra manera más sutil de anularlo. La correctasería intentar comprenderlo como es y reconocer su propia razón.

90 cfr. VÁSqUEz, Jorge Daniel, (2011), “Pedagogía desde la ética del cuidado. apuntespara problemas utópicos”, en Revista Jícara, Bogotá, Universidad Distrital Francisco José decaldas, pp. 68-74.

91 cfr. SiME, Luis, “hacia una pedagogía de la convivencia”, vol. Viii, n.º 15, marzo, Pon-tificia Universidad católica del Perú, pp. 39-59.

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Un tercer paso es intentar construir juntos, construir algo nuevo apartir de lo mío y de aquello que considero valioso en el diferente.

El cuarto paso reside en abrirnos a una actitud solidaria con eldiferente, lo que implica hacer mías sus necesidades y colaborar conél/ella en satisfacerlas.

2. Opción de vida: educador@s creyentes

Todo lo anterior caerá en saco roto si no acompañamos a nuestrosjóvenes en un camino de conversión personal a la persona y mensajede Jesús, como motivación última que articule los otros aspectos. Estonos exigirá además de coherencia personal –no hay predicación posi-ble sin testimonio-, una búsqueda abierta y sincera para asumir latarea educativa como un compromiso compartido.

nuestra opción de vida está dada por Jesucristo y él como centrode nuestras motivaciones nos invita a desarrollar la capacidad dejuicio crítico para salir de la “dictadura de la opinión”. Por eso no hayque cansarnos de preguntar una y otra vez si no estaremos simple-mente transmitiendo informaciones en lugar de educar para la liber-tad, que exige la capacidad de comprender y criticar situaciones y dis-cursos. Si vivimos cada vez más en una “sociedad de información”,que nos satura de datos indiscriminadamente, todo en el mismo nivel,la escuela tendría que resguardar su rol de “enseñar a pensar” y apensar críticamente. Para ello los educador@s tenemos que ser capacesde mostrar las razones que subyacen a las distintas opciones de lecturade la realidad, así como de promover la práctica de escuchar todas lasvoces antes de emitir juicios. asimismo, tendremos que ayudar a esta-blecer criterios valorativos y un último paso, no siempre tenido encuenta, poner de relieve cómo todo juicio debe dejar lugar para ulte-riores interrogantes, evitando el riesgo de absolutizarse y perder vita-lidad rápidamente.

Otro desafío que se nos plantea como educador@s en EducaciónReligiosa versa en educar en todas las disposiciones que ayuden a laspersonas a la búsqueda de la verdad, lo cual exigirá de cada uno denosotros, la actitud de “saber dar razón” pero no sólo con explicacio-nes conceptuales, con contenidos, sino conjuntamente con hábitos yvaloraciones encarnadas. Será verdader@ maestr@ quien pueda soste-ner con su propia vida las palabras dichas. Esta dimensión transforma

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al maestr@ en un ícono viviente de la verdad que enseña. él tambiéncomo Jesús. Debe unir la verdad que enseña, cualquiera sea el ámbitoque se mueva, con el testimonio de su vida, en íntima relación al saberque enseña. Sólo así el discípulo puede aprender a escuchar, ponderar,valorar, responder, aprender la difícil ciencia de la sabiduría del diá-logo para la convivencia y la paz.

Muchas instituciones promueven la formación de lobos, más quede herman@s. Educan para la competencia y el éxito a costa de otros,con apenas una débiles normas de “ética”, sostenidas por paupérri-mos comités que pretenden paliar la destructividad corrosiva de cier-tas prácticas que necesariamente habrá que realizar. En muchas aulasse premia al fuerte y rápido y se desprecia al débil y lento. En muchasse alienta a ser el número uno en resultados y no en compasión. 92 Puesbien, nuestro aporte específicamente cristiano es una educación quetestimonie y realice otra forma de ser humanos. El único motivo por elcual tenemos algo que hacer en el campo de la Educación Religiosa yla Educación en general es la esperanza en una humanidad nueva, enotro mundo y educación posible. nuestro objetivo no es formar islasde paz en medio de una sociedad desintegrada sino educar personascon capacidad de transformar esa sociedad. 93 y para ello es necesariooptar, sin vacilación, por la lógica del evangelio. Lógica de gratuidad,del don incondicional, de transparencia y verdad. La mentira todo lodiluye, la verdad pone de manifiesto lo que hay en los corazones. Poreso digamos siempre la verdad en y desde nuestras escuelas. 94

Los trabajos administrativos y docentes deben ser un servicio, unmedio y no un fin. Vivir con actitud abierta y sencilla es una tarea in -dispensable. Ejercer el poder desde aquí debe ser para incluir y nopuede ser un poder como el que practica el mundo para excluir.

conclusiones

a modo de conclusión es pertinente retomar la propuesta de lasdi versas pedagogías que hoy la Educación Religiosa debería priorizarcon el objetivo de cualificar el acompañamiento que todo educad@r

92 cfr. PRaDa cORaL, ana Lucía, “Pensamientos del cardenal Bergoglio acerca de la edu-cación”, en Revista Educación hOy, julio-septiembre 2013, Bogotá, p. 17.

93 cfr. ibid.94 cfr. ibid., p. 11.

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está llamad@ a ofrecer a quienes se acercan a ell@s en búsqueda dealguna orientación. Para tal fin y para permitir una reflexión abierta eincluyente propongo las siguientes preguntas 95:

– ¿qué cosas cambiaron en estos años en cada un@ de nosostr@s,en nuestros sentimiento, en nuestra inteligencia y corazón?

– Dónde están los falsos educador@s que enseñan la mentira ycon ducen al encierro y a la muerte?

– Si hoy nosotr@s estuviéramos sentados en el lugar de nuestrosestudiantes ¿qué esperaríamos de nuestros docentes?

– ¿cómo fueron las clases de Jesús?– ¿con base en qué criterios eligió a los discípulos y de qué modo

los acompañaba?– ¿qué aportes puede ofrecer una pedagogía de la convivencia a la

educación religiosa?– ¿cómo podemos educar en lo religioso para transformar en la

sociedad?– ¿Para cuál Paz se debe educar?

referenciais

azMiTia, O. (2013), aportes al Primer Seminario-Taller “Religión, espiri-tualidad y nuevas epistemologías en la educación”, realizado en San Joséde costa Rica los días 21 al 23 de noviembre.

caSTiLLO cEDEñO, ileana, “La utopía como esencia transformadora”,Documento consultado en: http://www.lectura-online.net/libro/cartas-a-quien-pretende-ense%c3%B1ar-doc-2.html

FREiRE, P. (2008), Pedagogía de la esperanza. Un reencuentro con la pedagogía deloprimido, argentina, Siglo Veintiuno.

ORTEGa, E. J. (2005), “Pedagogía social y Pedagogía escolar: la educaciónsocial en la escuela”, en Revista de Educación Social, n.° 336, enero-abril,Madrid.

PRaDa cORaL, a.L. (2013), “Pensamientos del cardenal Bergoglio acercade la educación”, en Revista Educación hOy, julio-septiembre, Bogotá.

SiME, L. (1999), “hacia una pedagogía de la convivencia”, en Revista Edu-cación, v. Viii, n.º 15, marzo, Pontificia Universidad católica del Perú.

VÁSqUEz, J.D. (2011), “Pedagogía desde la ética del cuidado. apuntes para

95 cfr. ibid., p. 13-14.

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problemas utópicos”, en Revista Jícara, Universidad Distrital FranciscoJosé de caldas, Bogotá, colombia.

zULETa aRaÚJO, O. (2005), “La pedagogía de la pregunta una contribu-ción para el aprendizaje”, en Revista Educere, n.º 28, enero-marzo,Venezuela.

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* Mestre em Educação pela Universidade comunitária da Região de chapecó – Uno -chapecó (Sc), Graduada em história e ciências da Religião pela Universidade comunitáriada Região de chapecó – Unochapecó (Sc) e professora efetiva da rede estadual de Santa cata-rina ([email protected]).

** Mestre em Educação pela Universidade comunitária da Região de chapecó – Unocha-pecó (Sc), Graduado em Filosofia e ciências da Religião pela pela Universidade comunitáriada Região de chapecó – Unochapecó (Sc) e professor efetivo da rede estadual de Santa cata-rina ([email protected]).

a formação de professores de ensino religiosono Parfor da Unochapecó

EDiana M. M. FinaTTO *

GiLBERTO OLiaRi **

considerações iniciais

Desde a efetivação da LDB em 1996 o Ensino Religioso, como com-ponente da educação básica, tem se mostrado desafiador quanto a suaconsolidação. que não é mais permitido se fazer proselitismo ou “con-verter os alunos” muitos profissionais já sabem. aliás como professo-res de Ensino Religioso na educação básica podemos afirmar que nemé mais possível de fazê-lo. a diversidade grita por reconhecimento eespaço no espaço escolar, e é necessário que o conhecimento seja cons-truído em bases interculturais.

Em nosso ponto de vista existe a grande necessidade de se ampliarcada vez mais a formação de professores. Duas situações são inaceitá-veis: que professores sem habilitação desenvolvam esse componentecurricular; que professores de outras áreas do conhecimento “comple-mentem carga horária” com Ensino Religioso. inegavelmente muitaspessoas são conhecedoras de procedimentos didáticos, e mesmo deconhecimentos interculturais mas, o especifico de dialogar e construirconhecimentos com a amplitude das religiões se dá através do pro-cesso formativo especifico.

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Esta pesquisa tem como objetivo refletir sobre a formação de pro-fessores de Ensino Religioso desenvolvida na UnOchaPEcÓ comvistas a buscar elementos que identifiquem práticas significativas naturma egressa e na turma presente do curso ofertado através doPaRFOR. Encontra-se divido em duas partes: na primeira abordamoso Ensino Religioso e a formação de professores através do Plano na -cio nal para a Formação de Professores da Educação Básica – PaRFORe no segundo momento abordamos o currículo da formação de profes-sores de Ensino Religioso na Universidade comunitária da Região dechapecó.

Ensino religioso e formação de professores/PArFOr

Logo de início nessa reflexão é importante tomar um posiciona-mento sobre qual Ensino Religioso estamos tratando. Lilian de Oli-veira (et. al. 2006) nos apresenta de forma muito simples o princípionodal desta área do saber, que instiga as práticas pedagógicas do com -po nente: “o E. R. articula-se a partir da leitura e decodificação do fenô-meno religioso considerando a pluralidade cultural da sociedade,assim como o desenvolvimento de ensino-aprendizagem pertinente atodo e qualquer componente curricular” (p. 91). Dessa forma afirma-mos que o Ensino Religioso não toma posição de uma única religiãopara discutir e construir conhecimentos. Para justificar o pensamentoan terior lembramos que no artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases daEducação nacional – LDB de 1996, o componente curricular EnsinoReligiosos será desenvolvido sem qualquer forma de proselitismo.Portanto, a pluralidade cultural e religiosa será tomada sempre comoponto de partida para desenvolver diferentes práticas educativas.

O E. R. como componente curricular da educação básica, assimcomo tantos outros não escapa à necessidade de formação de profes-sores. Por isso a Universidade comunitária da Região de chapecó –UnOchaPEcÓ, através de convênio firmado com a caPES/PaRFORofertou em 2009 o curso de ciências da Religião: Licenciatura em En -si no Religioso. naquele momento aproximadamente 70 pessoas préinscreveram-se na Plataforma Freire, 40 se matricularam (número má -ximo permitido pela instituição) e apenas 10 vieram a concluir o cursono segundo semestre de 2013. Por iniciativa da mesma instituição,

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novamente em 2014 ofertou-se pelo PaRFOR o curso, desta vez ocor-reram 40 pré-inscrições e destas apenas 26 efetivaram realmente amatrícula no referido curso. Percebe-se diante disso que a busca pelaformação tem sido encarada por profissionais que sentem-se provoca-dos pelas transformações sociais que vem ocorrendo. assim, buscaraprimorar seus conhecimentos para poder discutir novas possibilida-des de ensino e obter novos olhares em relação ao outro também vemsendo o objetivo dos que buscam a formação continuada.

O Plano nacional de Formação dos Professores da EducaçãoBásica – PaRFOR, visa fomentar a oferta de cursos superiores gratui-tos para professores em exercício nas redes públicas de ensino. O pro-grama se consolida na Universidade comunitária da Região de cha-pecó – UnOchaPEcÓ no segundo semestre do ano de 2009. Entre oscursos ofertados (Licenciatura em Sociologia, Educação Especial)encontra-se o curso de ciências da Religião – Licenciatura em EnsinoReligioso (curso este que já era ofertado pela instituição).

O PaRFOR surge para atender o Decreto Presidencial n.º 6.755//2009, que instituí a política nacional de formação de profissionais domagistério da educação básica e tem como princípios básicos: a forma-ção de professores com compromisso de um projeto social, político eético, que contribua para a consolidação de uma nação soberana, de -mo crática, justa e inclusiva; articulação entre teoria e prática no pro-cesso de formação docente; reconhecimento da escola e demais insti-tuições como espaços de formação de professores. Percebe-se que oPaRFOR surge como possibilidade de instituir uma nova roupagemna formação de professores, uma formação que seja diferenciada da -quela já praticada pelas instituições formadoras, que dê ênfase no pro-cesso de aprendizagem integral tanto dos futuros professores quantodos alunos da educação básica.

O art. 3.º do decreto (6.755/09) apresenta os objetivos do plano,dentre os quais destacamos:

i – promover a melhoria da qualidade da educação básica; [...]Viii – promover a formação de professores na perspectiva da educa-

ção integral, dos direitos humanos, da sustentabilidade ambiental e dasre lações étnico-raciais, com vistas à construção de ambiente escolar in -clusivo e cooperativo;

iX – promover a atualização teórico metodológica nos processos deformação dos profissionais do magistério, inclusive no que se refere aouso das tecnologias de comunicação e informação nos processos educa-tivos (art. 3.º)

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Todo o decreto de criação revela o desejo de se executar um pro -gra ma que produza novos frutos na formação de professores. quecapacite profissionais comprometidos com um projeto de sociedade,onde os estudantes sejam autônomos na construção do conhecimentoe que os professores possam atualizarem-se constantemente com asferramentas tecnológicas de comunicação e informação existentes nasociedade.

Os cursos apoiados pelo PaRFOR são todos aqueles relativos àsdisciplinas aplicadas no currículo da educação infantil, do ensino fun-damental, do ensino médio e da educação profissional e técnica denível médio, tanto das redes municipais quanto das redes estaduais. Oprograma se desenvolve em regime de colaboração entre a União, pormeio da capes, dos Estados, Distrito Federal e os municípios (atravésdas secretarias de educação), utilizando-se da cooperação técnica entrea capes e os Estados; da criação de fóruns estaduais permanentes deapoio à formação docente; da participação dos municípios.

O programa, conforme o Manual Operativo (2013), oferta cursosde: Licenciatura – para docentes ou tradutores intérpretes de Librasem exercício na rede pública da educação básica que não tenham for-mação superior ou que mesmo tendo essa formação se disponham arealizar curso de licenciatura na etapa/disciplina em que atua em salade aula; Segunda licenciatura – para professores licenciados que este-jam em exercício há pelo menos três anos na rede pública de educaçãobásica e que atuem em área distinta da sua formação inicial, ou paraprofissionais licenciados que atuam como tradutor intérprete deLibras na rede pública de Educação Básica; Formação pedagógica –para docentes ou tradutores intérpretes de Libras, com nível superiorem curso que não seja de Licenciatura, que se encontram no exercícioda docência na rede pública da educação básica. Dessa forma justifica--se a oferta do curso de ciências da Religião pelo programa.

após a conclusão do curso ciências da Religião (da turma que in -gressou em 2009) quatro egressos tornaram-se professores efetivos deEnsino Religioso na rede estadual de ensino de Santa catarina, tendoassumido as vagas por terem sido aprovados no concurso do ano de 2012. Dois concluintes da turma ao longo da graduação já esta-vam cursando mestrado em educação na UnOchaPEcÓ, buscandoadqui rir mais conhecimentos e excelência nas práticas pedagógicasde senvolvidas. ao longo do tempo muitas pesquisas e atividades pe -dagógicas foram apresentadas e publicadas, por alunos e professores,em eventos da área organizados pelo Fórum nacional Permanente do

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Ensino Religioso – FOnaPER, pela associação de Professores de En -si no Religioso de Santa catarina – aSPERSc e por universidades quepromoveram espaços de discussão sobre a temática.

Dois egressos assumiram um papel importante frente às discus-sões e construções do Ensino Religioso no Estado vindo a assumircargos na diretoria da aSPERSc, como presidente e segunda tesou-reira (gestão 2013-2015). a associação tem como objetivos, conformeseu estatuto, garantir espaços autônomos de encontro para reflexão eaprimoramento do Ensino Religioso; promover seminários, colóquiose contribuir com ações sistemáticas que promovam e evidenciem o ERnas escolas, mediante representação junto aos órgãos oficiais e arti -culação com instituições civis e religiosas. isso demonstra o quanto ocurso tem provocado transformações didáticas e promovido envolvi-mento referente ao comprometimento com ações de desenvolvimentona educação.

O curso tem desenvolvido também a extensão, envolvendo os aca-dêmicos e egressos na organização de colóquios regionais de EnsinoReligioso, cursos de formação continuada à professores de ensino reli-gioso de outros municípios. além disso, os egressos recentemente seen volveram na organização do ii Seminário internacional culturas eDe senvolvimento, ii congresso Sul-brasileiro de Promoção dos Direi-tos indígenas e V colóquio catarinense de Ensino Religioso, que ocor-reram concomitantes na instituição (UnOchaPEcÓ) no mês de maiode 2014.

Orientados pelo princípio de desenvolver o diálogo intereligiosodesenvolvem-se muitas viagens de estudos, com vistas a observar ecompreender a presença de distintas tradições religiosas que não seinstalaram na região de chapecó (cidade sede do curso). as visitas sãosempre organizadas com a presença de algum seguidor da religião,contribuindo para o esclarecimento de dúvidas que possam surgir aolongo do percurso. Os acadêmicos sempre se comportam de formares peitosa provando que àquilo que aprenderam na teoria desenvol-vem também na prática.

nas palavras de uma pessoa que trabalha na gestão da 4.ª Gerên-cia Regional de Educação de chapecó e Região – 4.ª GERED (órgão deadministração descentralizada da Secretaria Estadual de Educação deSanta catarina – SEDSc) “o curso de ciências da Religião da UnO-chaPEcÓ, é o curso que tem formado professores com grande dife-rencial e que estão fazendo a diferença nas escolas por onde passam”.Em sua percepção os egressos desse curso tem grande receptividade à

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interdisciplinaridade, ao trabalho em grupo e em desenvolver suadocência pautado por sentimentos de receptividade e humanidadefrente a diversidade presente na escola.

Para cortella (2006) “ensino religioso é parte fundamental da ta -refa educativa e, como tal, precisa de robusta base científica, religiosi-dade consciente, solidez pedagógica e compromisso cidadão” (p. 20).Essa compreensão pode ser pormenorizada em algumas reflexões quetratam diretamente da ação pedagógica desenvolvida. Robusta basecientífica se desenvolve apropriando os acadêmicos com teorias quepossibilitem interpretar a vida, a escola e as relações que se estabele-cem, além de proporcionar conhecimentos específicos da área deaprendizagem.

quanto a religiosidade consciente o professor, como ser humano,tem a possibilidade de escolher alguma tradição religiosa para seguir,bem como não seguir nenhuma. Mas esse seguimento deve ser cons -cien te, ou seja, não pode ter a pretensão de converter os alunos paraque o sigam. não estamos falando de neutralidade, mas que o docenteseja capaz de distinguir entre o que é a sua crença e o que é o conheci-mento que precisa ser desenvolvido na escola. Solidez pedagógica ecompromisso cidadão referem-se a construção e assunção de metodo-logias que possibilitem tornar o aluno sujeito construtor de sentido esignificado para o que acontece ao seu redor.

reflexões sobre o currículo de formação de professores do Ensino religioso

na UNOcHAPEcÓ

Tendo presente toda a complexidade a ser desenvolvida pelo En -sino Religioso na escola, vale sempre refletir sobre os campos teóricosnos quais os graduandos tem contato durante o curso. Oliveira (Et. al.2006, p. 92) afirma que “os cursos de licenciatura em ER tem umagrande contribuição a dar [...] uma vez que analisam e pesquisam ocampo religioso dentro de sua complexidade a partir de um olhar eabordagens de cunho inter e transdisciplinar”. Por isso defende-seque os professores de Ensino Religioso sejam habilitados em ciênciasda Religião e não em Teologia, possibilitando construir saberes sólidosde cidadania e de humanização.

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Segundo o Projeto Pedagógico do curso – PPc, da UnOchaPEcÓ,tem-se como missão “produzir e difundir conhecimentos, contribuin -do com o desenvolvimento regional e a formação profissional cidadã”.Dessa forma há uma interação, que é imprescindível com as comuni-dades locais, com seu processo histórico e social, a fim de gestar pro-fissionais envolvidos, comprometidos com o desenvolvimento daregião e do próprio curso. Por isso o objetivo geral do curso visa habi-litar um profissional com conhecimentos teóricos/metodológicos con-textualizados para o exercício da docência em E. R.

Frank Usarski (2006), em um estudo realizado nos cursos de ciên-cias da Relegião da alemanha aponta três categorias de componentespresentes no curso, que se tornam elementos chave na constituiçãodessa área do conhecimento.

Trata-se primeiro de unidade com a intenção de fornecer aos alunosum conhecimento pelo menos sobre as principais religiões do mundo efenômenos tipicamente associados a ela. O segundo elemento-chave fazparte do objetivo de gerar e aprofundar no aluno a atitude da tolerânciaen quanto integrante de uma sociedade multirreligiosa e pluricultural. Oter ceiro aspecto tem a ver com o propósito de capacitar os participantesdo curso a associar suas próprias preferências ideológicas a quadros filo -só ficos cujo caráter sistemático questiona ecletismos subjetivos ingênuose a combinação ingênua de elementos de origem variáveis muitas vezeslo gicamente incompatíveis (USaRSKi, 2006, p. 51-52).

Munidos dessas características passa-se a fazer uma reflexão sobrea matriz curricular do curso de ciências da Religião da UnOcha-PEcÓ. Vale destacar que nas categorias de análise acrescenta-se a ca -tegoria pedagógica, justamente pelo curso visar à preparação de pro-fessores dinâmicos e de fácil envolvimento interdisciplinar. alémdisso, busca-se compreender como o desenvolvimento do curso lidacom complexidade do fenômeno religioso em consonância com a salade aula.

abordando e refletindo a partir desses elementos apontados porUsarski (2006), podemos encontrar na matriz curricular do curso ocomponente: introdução aos textos e narrativas sagradas indígenas,africanas, orientais, semitas (quatro componentes, onde cada um abor -da uma matriz especifica); histórias religiosas da américa Latina; asreligiões no oeste de Santa catarina e mais algumas que tem comoobjetivo fornecer conhecimentos sobre as diferentes religiões aos estu-dantes. Podemos perceber com isso que o curso não faz opção de pri-

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vilégio de nenhuma tradição religiosa em especifica, pelo contrárioaborda a multiplicidade existente no mundo. além disso, de acordocom a matriz procura-se abordar também o contexto regional ao estu-dar a américa Latina e o oeste catarinense, inserindo assim o edu-cando em sua realidade.

alguns componentes têm por objetivo despertar justamente paraa necessidade de tolerância e de diálogo inter-religioso e intercultural,podemos identificar os seguintes: sociedade e desenvolvimento; diá-logos interculturais e diversidade religiosa; ensino religioso e direitoshumanos; éticas e ensino religioso; artes culturas e religiões. Existeuma preocupação grande em construir conjuntamente com os acadê-micos, sentimentos que possibilitem amenizar muitos conflitos exis-tentes e que tem raízes nas atitudes de intolerância e desrespeito à reli-giosidade. Destaca-se aqui a presença de um componente que abordadiscussões sobre Direitos humanos, no entanto na abordagem dagrande maioria dos componentes curriculares os professores abarcamconceituações acerca da Declaração Universal dos Direitos humanos,tão necessária de ser conhecida e aplicada nos dias de hoje.

Obviamente que no percurso da graduação, existe uma preocupa-ção em construir conhecimentos com cuidados de não cair em ecletis-mos e subjetivismos muitas vezes incompatíveis com o processo deconstrução do curso. nesse sentido, percebemos a presença de compo-nentes curriculares que tem como predisposição abordar quadros con-ceituais/filosóficos que permitam ao acadêmico aprofundar suasreflexões ancorados em filósofos/teóricos que permitam relacionar omundo da vida com o conhecimento. Esses componentes são: psicolo-gia e religiosidade; antropologia da religião; epistemologias e fenôme-nos religiosos; filosofia da religião; sociologia da religião. Estes permi-tem uma compreensão ampla do fenômeno religioso e possibilitamabordagens diferenciadas a partir do mesmo.

Esses componentes descritos até aqui não podem ser tidos apenascomo abordagens de conhecimentos teóricos, ou como parte teóricado curso. Pelo contrário, eles possibilitam que o acadêmico a todo omomento reflita a luz de suas vivências cotidianas em sala de aula ecom isso reveja suas atitudes e posicionamentos tomados diante deseus grupos de alunos. Existe também a presença muito contundenteda pesquisa que se revela frutífera no planejamento de aulas e na di -vulgação e apresentação desses resultados em eventos e publicaçãoem anais.

Voltando-se para os aspectos pedagógicos, propriamente voltados

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a responder as obrigações legais dispostas na formação de professoresno Brasil e a ampliar as discussões no campo escolar e no ensino dessepensamento e conhecimento desenvolvido no curso, podemos encon-trar componentes como: metodologia do ensino religioso i e ii; está-gios supervisionados; didática; política e gestão da educação básica;educação especial e inclusão e outros. nesses componentes discutem--se formas de mobilizar o estudante da Educação Básica ao conheci-mento, portanto discutem-se os planos de aprendizagem, planeja-mento de aulas, avaliação e os aspectos necessários à aulas mais práti-cas e envolventes.

nesta breve abordagem feita sobre a matriz curricular e sua orga-nização é pertinente refletir que o curso está voltado a pensar e recriaro ofício de professor, conforme canário (2007) nos instiga a pensar. Se -gundo o autor é necessário superar a situação do exercício docenteque acontece de forma “tutelada” aos interesses do sistema, gerandouma autonomia profissional. canário (2007) aborda quatro dimensõesessenciais a serem refletidas e construídas na identidade profissionaldocente.

Segundo ele, o professor precisa ser entendido como um analistasimbólico sendo “alguém que equaciona e resolve problemas, em con-textos marcados pela incerteza e pela complexidade” (canaRiO,2007, p. 22), ou seja, não àquele professor treinado para dar respostaspron tas independente do contexto no qual está inserido, mas aqueleque provoca para a elaboração de belas perguntas. isso pode ser apon-tado no curso quando se discutem os referencias teóricos de relaçãocom a antropologia, a filosofia e mesmo com a psicologia que permi-tem ao licenciando compreender a complexidade que se estabelece emseu contexto de trabalho e solucionar situações problemáticas que seapresentam a ele.

Outra categoria apontada é a de entender o professor como umpro fissional de relação o qual “ensina não aquilo que sabe, mas sim,aquilo que é” (canaRiO, 2007, p. 22). nesse sentido o professor in -ves te toda a sua potencialidade e suas habilidades para desenvolvercom o aluno suas atividades. é o professor que sensibiliza-se com asdúvidas e questionamentos de seus estudantes e aventura-se a viajarna busca pelo conhecimento junto com os alunos. ambos descobreme solucionam dúvidas, construindo novo saberes. Essa habilidadepode ser aprendida no curso, justamente nos componentes que abor-dam a tolerância e o diálogo inter-religioso, que podem ser interpreta-dos em atitudes como essas que foram citadas.

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“Mais do que um reprodutor de práticas, o professor é um rein-ventor de práticas, reconfigurando-as de acordo com as especificida-des dos contextos e dos públicos” (canaRiO 2007, p, 22). Essa con-ceituação apresenta a dimensão de um professor que se constrói comoum artesão, aquele que é capaz de abstrair todas as situações do con-texto e partir deste desenvolver suas aulas. Essa ideia supera muitasan tigas concepções das quais se preocupavam em municiar o profes-sor com técnicas e transcende para o princípio de desenvolver nodocente, habilidades para construir seus próprios métodos e formasde trabalho.

Junto a essa noção podemos avançar e entender o professor comoum construtor de sentidos.

O professor tem de funcionar cada vez mais como um construtor desentido para as situações educativas, contrariando, assim, o divorciocrescente entre a instituição escolar e a diversidade de expectativas e deló gicas de ação presentes em alunos cada vez mais diferenciados (ca -nÁRiO, 2007, p. 22).

Para tal a formação de professores não pode furtar-se a discutirques tões contextuais/locais e atribuir sentido e significado a elas. Oprofessor ao desenvolver essa habilidade sem dúvida nenhuma pro-porcionará ao aluno momentos de aprofundar reflexões sobre a suavida e a significar de forma mais consciente e cidadã o que acontece aoseu redor.

O curso de ciências da Religião tem mostrado na região de cha-pecó e arredores que é possível desenvolvermos aulas práticas deforma interdisciplinar.

considerações finais

Diante de tamanha necessidade de formação de professores de En -sino Religioso a UnOchaPEcÓ tem demonstrado-se preocupada ecapaz de oferecer um curso que contribui com a formação de profis -sio nais comprometidos com as demandas de diálogo interreligioso eintercultural. através das inúmeras atividades realizadas extra sala deaula, mostra-se que existe a preocupação com o desenvolvimento lo -cal, mas também o desejo de que seus acadêmicos desenvolvam au to -nomia frente os inúmeros desafios que se colocam em sua caminhada.

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através do relato sobre seus componentes curriculares revela-seque a preocupação é desenvolver profissionais, não apenas habilita-dos para o ensino mas, para construir espaços de discussão que envol-vam a sociedade de forma ampla a fim de desenvolver uma sociedademais tolerante e que saiba dialogar. além disso busca-se construir umprofessor capaz de resolver os conflitos que se apresentam em sala deaula, mas também um professor que saiba mediar o conhecimentocom o aluno e não apenas impor um saber.

referências

canÁRiO, Rui, A escola tem futuro? Das promessas às incertezas, Porto alegre,artmed, 2007.

cORTELLa, Mario Sergio, “Educação, Ensino Religioso e Formação Docen -te”, in SEna, Luzia, Ensino Religioso e formação docente: Ciências da Reli-gião e Ensino Religioso em diálogo, São Paulo, Paulinas, 2006.

JaEGER, Werner Wilhelm, Paidéia: a formação do homem grego, 5.ª ed., SãoPaulo, Editora WMF Martins Fontes, 2010.

nÓVOa, a., “Formação de professores e profissão docente”, in a. nÓVOa(org.), Os professores e sua formação, Lisboa, nova Enciclopédia, 1992. file:///c:/Users/User/Downloads/12424596.pdf. acessado em06/09/2014.

OLiVEiRa, Lilian Blanck de (et. al), “curso de Formação de professores”, inSEna, Luzia, Ensino Religioso e formação docente: Ciências da Religião eEnsino Religioso em diálogo, São Paulo, Paulinas, 2006.

USaRSKi, Frank, “ciências da Religião: uma disciplina referencial”, inSEna, Luzia, Ensino Religioso e formação docente: Ciências da Religião e En -sino Religioso em diálogo, São Paulo, Paulinas, 2006.

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Ensino religioso: da teoria à práxis educativa

MaRia JOSé T. hOLMES *

Breve relato da história do Ensino religioso

Falar sobre a história do ER 96 é uma questão complexa, na históriada educação brasileira. ao longo da história, desde os tempos impe-riais percebe-se que este sempre foi um tema polêmico no decorrer detoda sua trajetória até os momentos atuais.

De acordo com MiELE (2011, p. 25): “no Brasil, o Ensino Religiosoé o único componente curricular para o Ensino Fundamental e Médioque é regido pela constituição. apesar disso o conselho nacional deEdu cação não instituiu as Diretrizes curriculares para a regulamenta-ção da formação de professores.”

nos Sistemas de Ensino do Brasil, este componente curricular, eravisto sob um olhar de doutrinação, uma questão de fé, onde apareciaapenas uma verdade, isto é, um ensino confessional, gerando assimuma temática tão polêmica que se propagou nas escolas como um ele-mento evangelizador, um saber diferenciado dos saberes pedagógico.nesse caso esses mesmos professores eram entre outros catequizado-res e orientadores espirituais, eram indicados pelas igrejas, bastavaque fossem aprovados por sua comunidade de fé. Para JUnqUEiRa(2002, p. 12): “[...] a disciplina é vista como um braço manipulador daigreja dentro do sistema educacional, sobretudo estatal.”

a partir da 1.ª constituição da República dos Estados Unidos doBrasil, de 24 de fevereiro de 1891, é que o Brasil passa a ser conside-rado um Estado Laico. Observa-se isto através do art. 72 nos parágra-fos abaixo:

* Ma./Especialista/ciências das Religiões. Pedagoga /UFPB. Prof.ª/ ER- Rede Pública;coord. do ER. Secretaria de Educação e cultura de João Pessoa/PB. Grupo de Pesquisa: FiDE-LiD/UFPB/PB ([email protected]).

96 Ensino Religioso.

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§ 3.º – Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercerpública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adqui-rindo bens, observadas as disposições do direito comum;

§ 6.º – Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos; § 7.º – nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá

relações de dependência ou aliança com o Governo da União ou dosEstados;

§ 28 – Por motivo de crença ou de função religiosa, nenhum cidadãobrasileiro poderá ser privado de seus direitos civis e políticos nemeximir-se do cumprimento de qualquer dever cívico

§ 29 – Os que alegarem motivo de crença religiosa com o fim de seisentarem de qualquer ônus que as leis da República imponham aos ci -dadãos, e os que aceitarem condecoração ou títulos nobiliárquicosestrangeiros perderão todos os direitos políticos.

a partir da constituição de 1934, O ER volta a ser tema de debatenovamente. Este fato perdurou por muitos anos, somente nos anosfinais da década de 80, quando instituída a constituição da RepúblicaFe derativa do Brasil em 1988, aconteceu através do artigo 210 § 1º. “OEn sino religioso, de matrícula facultativa constituirá disciplina dos ho -rários normais das escolas públicas de ensino fundamental.” Essaabor dagem fez renascer em nós, um grande otimismo! Esse novoolhar trouxe algumas gotas de esperanças para os educadores, ge ran -do novas perspectivas e, provocando polêmicas na sociedade. “a mo -bi lização da sociedade liderada por educadores pela permanência doER como ‘direito do educando e dever do Estado’ veio a facilitar a suain clusão no processo decisório da constituição da República Federa-tiva do Brasil de 1988.” (hOLMES, 2010, p. 80).

a partir desses movimentos foram surgindo outros, porém a gran -de mobilização na história da Educação do Brasil em relação ao ERsur giu com a mudança da Lei de Diretrizes e Bases, (LDB) de n.º 9394//1996, cujo artigo 33 aponta o ER enquanto disciplina do currículo es -colar, porém, “sem ônus para os cofres públicos”. E como seria minis-trada esta disciplina nas escolas públicas e quem ficaria responsávelpor esta oferta, já que não era função do Estado Laico Brasileiro?

nesse momento histórico foi quando o FOnaPER 97 assumiu a

97 Fórum nacional Permanente do Ensino Religioso, fundado em (27/09/1995),tambémres ponsável por vários escritos como o seu Estatuto; a sua carta de PrincípiosParâmetros cur -ri culares nacional do Ensino Religioso e outras obras como: Ensino Religioso: Referencial cur-ricular para a proposta pedagógica da escola; Ensino Religioso: culturas e tradições religiosas;

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gran de mobilização social e política entre todos os professores de ERdeste País, colhendo setenta e oito mil (78.000) assinaturas com o obje-tivo de mudar esse pequeno trecho acima citado do que preconizavaa Lei. Pode-se relatar que “essa pesquisadora também fez parte dessemo vimento!” além dessa conquista construíram os PcnER, pois oMEc ao propor os Pcns para todos os componentes curriculares, nãoincluiu o ER. isso provocou cada vez mais o desejo de lutar, ondevários educadores de diversas denominações religiosas elaboraramem tempo “Record” esses PcnER, e entregaram ao MEc 98. Tudo issocontribuiu para o fortalecimento da luta. com a mudança do textodesse mesmo artigo 33, originou-se a Lei 9475/1997, Lei do EnsinoReligioso que estabelece:

art. 33 – O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é parte inte-grante da formação básica do cidadão, constitui disciplina dos horáriosnormais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o res-peito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquerformas de proselitismo.

atualmente, este componente curricular, encontra-se situado entreas demais áreas de conhecimento, nas Diretrizes curriculares nacio-nais para o Ensino Fundamental, através da Resolução de n.º 02/98,em que este é reconhecido como parte integrante da formação básicado cidadão, o que significa mais um avanço na história do ER no Bra -sil, cujo estabelecimento se fortalece através da legislação e outros do -cumentos. Seus objetivos são as suas grandes metas e, o seu objeto deestudo, está alicerçado no fenômeno religioso que apresenta as maisdiversas formas de expressões religiosas existentes no nosso Planeta.

como estudar o fenômeno religioso na escola pública?

De um modo geral, pela sua natureza o ser humano é um ser debuscas, um ser religioso que está sempre à procura de algo que venhacomplementar a sua vida.

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En sino Religioso: capacitação para um novo milênio; Propostas de diretrizes curriculares na -cionais para o curso de graduação em ciências da religião – Licenciatura em ensino religio so;concepção de ensino religioso no FOnaPER: Trajetórias de um conceito em construção.

98 Ministério de Educação e cultura.

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assim afirma um grande teólogo da igreja: “O coração humanovive inquieto enquanto não repousar em Deus” (Santo agostinho).Essa é a grande necessidade que os humanos sentem, mesmos aquelesmais distantes, se reconciliam ao seu sagrado. é nessa transcendênciaque se apresenta o fenômeno religioso!

na abordagem a respeito do ER, é importante destacar quandoeste componente curricular apresenta o fenômeno religioso, tem comodestaque tudo que se relaciona ao espírito da religiosidade de toda equalquer tradição cultural religiosa, são sinais de transcendência quese apresentam ao ser humano com olhares diferenciados, através deobjetos, pedra, árvore, rios e tudo que se relaciona ao sagrado, poisdesde os primórdios que se verifica essa presença marcante na vidadas pessoas. isto é parte integrante da história da humanidade, porisso é que os estudiosos afirmam que esse fenômeno tem algo emcomum com a natureza humana.

ORO (2013 p. 12), afirma que: “O fenômeno religioso atual é am -plo e complexo. Por fenômeno entendemos tudo o que está aconte-cendo e aparecendo no cenário das religiões: êxodos, migrações, esti-los preferidos, novas práticas, grupos e correntes que crescem ouesvaziam, tendências e outros elementos.”

O FOnaPER apresenta três exemplos de conceito sobre o fenô-meno religioso:

– O fenômeno religioso é um verdadeiro fenômeno humano, que setraduz por atitudes e costumes característicos, nos quais podemos obser-var tanto o “acontecimento” religioso quanto a sua significação religiosa;basta considerar a sua manifestação mais típica, a “oração”;

– O fenômeno religioso radica-se na própria natureza humana, peloque é possível, neste princípio de unidade, chegar a sua própria essência;

– O fenômeno religioso é decisivo para o comportamento humano epara a estruturação da sociedade e, por isso, deve ter um “significado”próprio e profundo. (2000, p. 9 - Módulo 4).

com esses conceitos deduz-se que o fenômeno religioso é um fatouniversal importante, pois se encontra em todas as tradições e culturasre ligiosas e, portanto em todos os povos, bem como em todos os tem -pos e lugares.

Tratar dessa temática em sala de aula não é nada fácil, pela suacom plexidade! Entretanto é fundamental que o educador facilite tudopara que os (as) educandos (as) percebam tudo que está em sua volta,a começar pelas diferenças existentes em sala de aula, as características

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físicas, psicológicas e, sócia cultural religiosa de cada um (a). Daí osur gimento das perguntas existenciais: De onde vim? Para onde vou?Por que vivo? a essas perguntas só se darão respostas a partir do mo -mento em que o este mesmo educador (a) levar para sala de aula eabrir o debate, para que cada educando (a) possa expor sobre o seupensamento.

Partindo desse ponto, afirma-se que está aberto o diálogo para adis cussão sobre o sagrado da pessoa, onde vão falar sobre as suas ver-dades de fé, enquanto o (a) educador (a) vai conduzi-lo para manter ores peito por essas diferenças existentes no contexto escolar. isto signi-fica uma questão de abertura pela aceitação do outro, um princípio deal teridade. OLEniKi e DaLDEGan afirmam que: “a abertura acon -te ce quando o educando se permite conhecer o diferente, participandodo exercício para compreender por que o outro pensa, age e mani-festa-se religiosamente diferente, rompendo com o seu ponto de vistae ampliando a sua visão.” (2004 p. 21).

nessa teia do fenômeno religioso, uma vez tratado em sala deaula, onde educadores e educandos procuram compreender o sagradodo outro, a partir da tradição religiosa de cada um, que dizem respeitoà totalidade da vida, onde as pessoas buscam essa transcendência quedá sentido à vida se apresentam num emaranhado da diversidade reli-giosa e por isso não poder haver um fechamento em si e sim umaaber tura para que esse tear possa ultrapassar as barreiras do precon-ceito, favorecendo sempre o diálogo em sala de aula, uma das caracte-rísticas dos componentes curriculares, principalmente do ER.

Por outro lado, assim como as leis garantem o ER escolar, vale res-saltar que o estudo deste fenômeno religioso também é garantido nasescolas, pois quando se fala para os (as) educandos (as) sobre determi-nada tradição cultural religiosa, mostra-se a eles e elas como este fenô-meno é visto à luz das tradições religiosas, e também pelas ciências. Sãonessas aulas que o educador apresenta essa temática fazendo a dis tinçãoentre o religioso e o científico. Deve mostrar tudo que está re lacionadoà área das ciências das Religiões, pois a parte confessional religiosa per-tence às determinadas confissões religiosas, isto é às igrejas.

com essa compreensão vale destacar o pensamento dos autores:hEERDET; BESEn; cOPPi que asseguram: (2008, p. 239).

O Ensino Religioso será organizado e efetivado a partir de um pro-jeto abrangente e eficiente. Terá como fundamento os princípios e crité-rios democráticos, onde a liberdade religiosa e o respeito são salvaguar-dados. O ER favorecerá a educação da cidadania e a socialização dos

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valores humanos fundamentais no âmbito da escola, da família e dasociedade.

nessa abordagem pode-se verificar que ainda existem muitospassos importantes para que o ER se efetive nas escolas públicas,trata-se, pois da formação específica desses profissionais. assim comoos sistemas de ensino não concebem um professor de Língua Portu -gue sa ensinando Matemática e por que conceber um professor deoutras áreas de conhecimento ministrando aulas de Ensino Religioso?Por que isso? é o que será tratado no subtítulo abaixo.

Formação inicial

Essa é uma temática que ainda preocupa não só os educadoresdessa área de conhecimento, mas de um modo geral a própria socie-dade. como é de conhecimento das pessoas o ER sempre foi tema dedebates polêmicos não somente nos meios acadêmicos, mas, nos siste-mas de ensino, bem como nos mais diversos segmentos da nossasociedade, pois grande parte desses segmentos ainda rejeita o ER esco-lar. apesar de estar garantido pela Legislação de Ensino, nos Parece-res, e inserido nos estabelecimentos públicos escolares, porém aindapreo cupa os educadores de um modo geral, principalmente quando aescola o considera como um apêndice da educação. O que provocacerta insegurança nesses (as) profissionais.

Destaca-se neste escrito o artigo 62 da Lei de Diretrizes e Bases (Lei9394/96), apontando que:

art. 62. a formação de docentes para atuar na educação básica far--se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena,em universidades e institutos superiores de educação, admitida, comofor mação mínima para o exercício do magistério na educação infantil enos 5 (cinco) primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida emnível médio na modalidade normal.

quando se analisa o que preconiza a lei. Observam-se as contradi-ções que existem nas afirmações dessa Lei e o cumprimento pelas ins-tituições de curso Superior do Brasil, pois, ainda têm-se muitos cami-nhos a percorrer para que as universidades públicas abram suas

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portas e ofereçam à sociedade um curso Preparatório para professo-res de ER.

cORTELLa, (2006 p. 19), assegura que: “Uma escola inteligentenão pode deixar de fora o conteúdo religioso. Pôr para escanteio essanoção é esquisito, pois, se ela não é estranha à vida, como pode serestranha à escola?” assim como este autor, outros teóricos que defen-dem esta área de conhecimento vivem questionando! Este mesmoautor se refere também pela existência do ER nas escolas, bem como asua normatização e assevera no subtítulo do seu artigo:

“há Ensino religioso? Então, formemos a nossa competência” (pp.19-20).

Ensino! não é só voluntariado, filantropia, boa-vontade, disponibi-lidade, interesse. Pode até conter tais forças intrínsecas, mas é ensino eden tro da escola, e, assim, deve requerer formação específica, graduaçãoem nível superior e educação continuada dos docentes.

é nessa condição de formadora específica que entra a urgente conso -li dação da graduação em ciências da Religião, com uma licenciaturadentro dela que dê conta da responsabilidade social que tal ensino de -man da, evitando-se o proselitismo e a doutrinação, garantindo-se a de -mocracia e o multiculturalismo.

Este autor chama atenção no que diz respeito a essa construção daformação inicial para os docentes de ER, tendo em vista ser uma temá-tica muito polêmica e, portanto, muito delicada e por isso deve sermuito bem fortalecida pelo embasamento teórico, de forma sistemati-zada, voltada para o campo didático- pedagógico. como se vê essaapresenta uma grande reflexão quanto à formação e a preparaçãodesses profissionais no campo educacional brasileiro, em que se deveperceber que somente com este aporte teórico voltado para as ciênciasda Religião, ciência das Religiões ou ciências das Religiões. Sendoesta última implantada na UFPB 99.

assim afirma MiELE 100 (2011, p. 9): “O curso de Licenciatura visaformar o professor para ministrar a disciplina Ensino Religioso nas es -colas, sobretudo públicas, na perspectiva da Diversidade cultural Re -li giosa. [...]. Fortemente alicerçado na diversidade cultural religiosa[...] tal curso não se confunde com teologia.” Essa mesma autora, asse-

99 Universidade Federal da Paraíba implantado no ano de 2009 / cidade de João Pessoa/PB.

100 coordenadora do curso de Licenciatura em ciências das Religiões pela UFPB/PB.

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gura ainda na (p. 13-14) que este curso está fortemente fundamentadonos teóricos fundadores das ciências Sociais como émile Durkheim;Max Weber; Marcel Mauss, entre outros que se debruçaram em seusestudos e pesquisas à respeito do fenômeno religioso.

Para JUnqUEiRa (2002 p.139) “O fenômeno religioso, numa pers-pectiva atual, é a resposta articulada culturalmente para afrontar asques tões existenciais do ser humano, diante de um mundo em cons-tante transformação e continuamente desafiado pelas condições socio-culturais de sua realidade.” Portanto, torna-se imprescindível queesses profissionais da educação estejam fortemente atualizados, ga -rantidos pelas licenciaturas nesta vasta área de ensino para quepossam acompanhar as grandes mudanças e com isso fortalecer o ERna esfera escolar, participando de grupos de estudos como forma deproduzir teoricamente tudo que está relacionado a esta área de ensino.

PaSSOS afirma que:

atividades permanentes de aprofundamento teórico e metodológicodos fundamentos do ER podem ser organizadas pelas instituições de en -sino que abrigam projetos acadêmicos sobre a temática da religião e doensino. O cruzamento entre os estudos de ciências da Religião e de edu-cação pode produzir efeitos positivos sobre as interfaces das duas árease suas aplicações para o ER (2006, p. 44).

acredita-se que o Ensino Religioso será fortalecido nos Sistemasde Ensino Público Superior do Brasil, através dos cursos de Licencia-tura na área de ciência das Religiões, ciências da Religião ou ciênciasdas Religiões, pois o que importa é saber que este profissional possuiuma Licenciatura específica para ministrar as aulas de Ensino Reli-gioso nos estabelecimentos de ensino público.

como reverter esta situação se, pouquíssimas universidade pú-blicas 101 oferecem cursos de habilitação para os professores de EnsinoReligioso? como se justificam os artigos das leis quando abordamsobre a oferta do ER nas escolas públicas? não se concebe um profes-sor de Matemática ensinando Geografia ou outro componente curri-cular. E Por que o professor de qualquer licenciatura pode ministraraulas de Ensino Religioso?

JUnqUEiRa assegura quando trata da formação do educador.Relatando que:

101 (grifo nosso).

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[...], faz-se mister alertar sobre a urgência da habilitação profissional dedocentes de Ensino Religioso. Estes precisam ter competência para com-preender e estabelecer um trabalho no campo pedagógico e operaciona-lizar o atual modelo de Ensino Religioso, numa busca contínua de apro-fundamento. (2002 p. 142).

Percebe-se que não há muito interesse principalmente por parte doMEc para que se reverta esta situação. O que se concebe sim é o inte-resse de educadores que defendem o ER escolar, bem como os pesqui-sadores desta área e alguns teóricos que em seus escritos apresentamdiferentes situações e sugestões para que isso realmente aconteça.

Segundo OLiVEiRa et al. (2002 p. 93), asseveram que:

as pesquisas e os trabalhos científicos já publicados na área de En si -no Religioso no Brasil atestam a caminhada empreendida, os desafios eas conquistas alcançadas. Em todas as regiões, de norte a Sul, existe pes-quisadores/professores desenvolvendo trabalhos no espaço educacionalem prol da educação religiosa do ser humano. [...].

nesse caso, percebe-se que essa busca só será efetivada e fortale-cida través da formação continuada. Por este motivo justifica-se a lutain cansável do FOnaPER pela busca de novos paradigmas para oEnsino Religioso através da construção de um novo currículo, cujasdiscussões são realizadas nos debates e palestras através de fóruns,simpósios, seminários e congressos, onde são extraídas as mais ricaspropostas que são apresentadas ao MEc e ou instância de competên-cia na área educacional, daí a importância da Formação continuada,dando um embasamento teórico e prático para o educador assumiruma sala de aula. E, por outro lado essa prática vem fortalecer a gran -de luta pela conquista da Formação inicial para todos os educadoresenvolvidos com o ER.

Formação continuada

Esta é uma das preocupações dos professores, pesquisadores e teó-ricos, quando o assunto é Formação continuada, vale ser destacado,que este tipo de atividade é o fortalecimento da postura do educadornuma perspectiva metodológica para buscar recursos que venhaminovar e enriquecer suas aulas e, portanto, favorecer o processo de

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ensino e aprendizagem em qualquer área de conhecimento. Pode-seaté afirmar que seja um “alimento pedagógico” para este profissional.

quando se trata do ER, isso tem um significado ainda maior, poisgrande parte de seus educadores não possuem ainda a formação espe-cífica nesta área de ensino. Existe uma diversidade desses profissio-nais atuando com o ER, com licenciaturas em Sociologia, Filosofia, Psi-cologia, Pedagogia, história, Geografia, artes entre outras. contudo,em pesquisas, observa-se na LDB sobre essa temática, e verifica-se quenos artigos abaixo o tratamento dado nos seguintes artigos, já é umarealidade, isto está bem detalhado:

art. 61. a formação de profissionais da educação, de modo a aten-der aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e àscaracterísticas de cada fase do desenvolvimento do educando, terá comofundamentos: i – a associação entre teorias e práticas, inclusive mediantea capacitação em serviço;

art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profis-sionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatu-tos e dos planos de carreira do magistério público: ii aperfeiçoamentoprofissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remune-rado para esse fim.

art. 87. é instituída a Década da Educação, a iniciar-se um ano apartir da publicação desta Lei. iii – realizar programas de capacitaçãopara todos os professores em exercício, utilizando também, para isto, osrecursos da educação à distância.

Em se tratando de formação, isso é fundamental para todos oscom ponentes curriculares!

Vale destacar, sobretudo no ER, em que se têm muitos documen-tos falando sobre a oferta do ER, porém ainda existem muitos cami-nhos para se percorrer e aumentar cada vez mais os passos, para fazervaler esses direitos. Para JUnqUEiRa, (2002 p. 110): “a prática detodo professor, mesmo de forma inconsciente, sempre pressupõe umaconcepção de ensino e aprendizagem que determina sua compreensãodos papéis de professor e aluno, da metodologia, da função social daescola e dos conteúdos a serem trabalhados.”

Daí a importância da formação continuada para o processo de en -si no e aprendizagem e, principalmente para os educadores de ER, poiseste desempenha um papel fundamental no desenvolvimento das ati-vidades, por estar em sintonia com o resgate das informações, bus-cando com isso novos recursos, dando assim uma conotação ímpar

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para o seu desempenho no processo de ensino e aprendizagem, naaplicação de práticas pedagógicas que venham dinamizar suas aulas.Todavia é preciso antes de tudo que este, seja um espelho para seuseducandos (as) apresentando uma postura ética em sala de aula, poisao transmitir a sua fala precisa passar um testemunho sério com segu-rança, doçura, respeito, principalmente com muita paciência e afetivi-dade, enfim conquistando todos para superar assim as grandes difi-culdades que aparecem no cotidiano da sala de aula. Todo educadorprecisa compreender que para haver aprendizagem é necessário antesde tudo estar em sintonia com a turma, observando sempre parapoder ter êxito e atingir os seus objetivos propostos.

FREiRE assegura que: “Tão importante quanto o ensino dos con-teúdos é a minha coerência na classe. a coerência entre o que digo, oque escrevo e o que faço.” (2006 p. 103). Daí a necessidade da Forma-ção continuada para o profissional do ER.

A relação entre o ensinar e o aprender

Dentro do espaço pedagógico, no seio da equipe escolar devehaver uma importante relação entre o ensinar e o aprender. inicia-seesse subtítulo questionando: como deve ser essa relação? Ensinarpara que e para quem? que procedimentos devem ser priorizados aoapresentar a proposta curricular do Ensino Religioso para a comuni-dade escolar?

Em primeiro lugar diagnosticar o contexto escolar considerando adiversidade religiosa nesse universo para poder sensibilizar a todos(as) priorizando isso e conhecer de perto o contexto da sala de aula esuas diferenças.

a Declaração Universal dos Direitos humanos em seu artigoXViii, afirma: “Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento,consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de reli-gião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, peloensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletiva-mente, em público ou em particular.”

isso determina um exercício permanente que o professor educadorde ER acolha com compromisso e responsabilidade de assumir de ma -neira efetiva e afetiva, demonstrando assim para seus educandos (as),uma convivência amorosa, tendo o cuidado de incentivá-los (as) a

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uma relação de alteridade no contexto escolar, bem como na sociedadeem geral e no seu ambiente familiar de forma ética. FREiRE (2006, pp. 15-16) ao se dirigir aos educadores e educandos, chama atençãopara: “a ética universal do ser humano. [...] a ética de que falo é a quese sabe afrontada na manifestação discriminatória de raça, de gênero,de classe. [...]. E a melhor maneira de por ela lutar é vivê-la em nossaprática, é testemunhá-la, vivaz, aos educandos em nossas relações comeles.”

Esta sensibilização, mostra para o educador a importância destaex periência na prática juntamente com os educandos (as), para quehaja mais interação com outras pessoas de diferentes espaços e am -bientes. Esse procedimento favorecerá a construção do conhecimentodentro do âmbito escolar, o que permitirá outras construções e situa-ções de aprendizagens tanto no aspecto formal quanto no informal eabrirá um leque de possibilidades na relação com as diferenças o quefacilitará “na construção do arcabouço cultural de cada pessoa.” OLE-niKi e DaLDEGan (2004, p. 15).

De acordo com a Legislação, os PcnER, e livros, que abordam oER no ambiente escolar, novas reflexões contendo suas especificidadesvão surgindo para o conhecimento da diversidade religiosa; o respeitopelas diferenças; a abertura para o diálogo; a relação positiva entreeducandos (as) e educadores e a formação cidadã, tão importante nouniverso escolar, tudo isto vem contribuir para eliminar ou amenizaras formas preconceituosas existentes não só no ambiente escolar, masna própria família e na sociedade. Tendo responsável por tudo o edu-cador, pois segundo FREiRE (2006, p. 58): “Ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando.” Daí a presença marcante desse educador em sala de aula, dando asas para que seus educandos (as)possam alçar vôos mais longos, com segurança e despertem paraoutros saberes que é o da pesquisa. Este saber científico que traduz nasua imaginação a importância de novas descobertas para saber mais.

Toda essa demanda focaliza principalmente no educando (a) a im -portância de novas aprendizagens. isso vai despertando cada vezmais a sua curiosidade e o interesse e de aprender cada vez mais e porisso, “como professor devo saber que sem a curiosidade que me move,que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino.”(FREiRE, 2006, p. 85).

nessa relação entre o ensinar e o aprender, destacam-se doispontos fundamentais:

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1 – Formação Continuada de professores de Ensino Religioso. nesse primeiro item, vale destacar que na implantação do ER na

Rede Municipal de Ensino de João Pessoa-PB, por ocasião do i coló-quio Municipal de Educação (cOMED) no ano de 2006, foi uma gran -de oportunidade para nós educadores deste sistema de ensino, pois foionde a chance não só de conhecer, mas de estar mais próximo dagrande pesquisadora e autora da coleção Ensino Religioso Funda-mental, dando o pontapé inicial com um Seminário de 08 horas, desta -cando o “Ensino Religioso na Diversidade cultural Religiosa”. En -quanto ministrante desse Seminário se pronunciou dizendo: “O novomodelo de Ensino Religioso, procura iluminar com o conhecimento datranscendência, o processo da educação para a cidadania, para o pro-tagonismo na transformação do mundo, isso parece uma utopia,porém, é um sonho de todas as religiões.” com essa afirmação com-preendeu-se o que esta autora quis dizer: um mundo para todos, ondenão exista exclusão de qualquer natureza e o diálogo seja uma cons-tante para essa diversidade.

no decorrer deste mesmo ano, partiu-se para a Formação conti-nuada embasada nos escritos do FOnaPER e de outros autores volta-dos para essa área temática. Entre 2006 e 2007 a SEDEc/JP/PB, fezuma parceria com a Livraria Paulinas através do professor VanderlanPe reira, membro dessa instituição que se prontificou de dar essa for -ma ção através de um estudo com esses educadores sobre O EnsinoRe ligioso desde a colonização até o momento atual envolvendo a Le -gislação; a diversidade cultural Religiosa; O fenômeno religioso,entre outros.

Em 2008/2009, foi feita outra parceria com a Universidade Federalda Paraíba / UFPB, voltada para as ciências das Religiões. com a mu -dança do Secretário de Educação, essa parceria foi interrompida, fi -cando tal formação com essa pesquisadora 102. Em suas práticas peda-gógicas da formação, além das reflexões e discussões sobre os textosdos teóricos, elaboram-se produções de textos, oficinas pedagógicascom exposições de dinâmicas; vídeos; músicas, bem como os relatosde experiências de alguns professores. Entre as experiências exitosasdurante a formação têm como exemplo o estudo sobre os Eixos Temá-ticos do ER, através da interdisciplinaridade com ciências e Língua

102 Maria José Torres holmes coordenadora de ER, de 2003 -2013, por ocasião da publica-ção de sua aposentadoria. Mesmo assim, continua com um trabalho voluntário ministrando aFormação continuada para todos os que cultivam o ER, em parceria com as Paulinas.

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Por tuguesa e história. Ex: Formaram-se cinco grupos e cada grupo re -presentava um eixo e uma parte da planta, associando uma à outra.como exemplo apresenta-se:

– a Raiz: é a parte responsável pela sustentação da planta ao solo,alimentando-a e nutrindo-a com seus sais minerais. Supondo que essaparte represente as culturas e Tradições Religiosas, consideradas asustentação e a continuidade de um povo no Planeta Terra, por issovejam:

a) como o grupo se vê diante do preconceito religioso de uma cul-tura em relação à outra?

b) Em suas escolas isso acontece. De que maneira você enfrentariaessa situação?

– O caULE: é a parte que sustenta a planta transportando a seivaretirada da raiz levando até as outras partes da planta. Esta pode sercomparada com os textos sagrados orais e escritos, sendo estes respon-sáveis pela transmissão da comunicação através do tempo-história, averdade e a fé, de uma cultura religiosa, o mistério do Transcendente.

a) qual a diferença entre um texto sagrado oral e um texto sagradoescrito?

b) quais dos dois são mais importantes, os das culturas religiosascom texto oral ou os das culturas religiosas com escritos sagrados?

– aS FOLhaS: as folhas são responsáveis pela fotossíntese, respi -ra ção e transpiração, funções primordiais de um ser vivo do reino ve -getal. Essa parte da planta simboliza o eixo temático: Teologia, querepresenta o oxigênio das culturas religiosas que sistematiza as afir-mações, os conhecimentos das religiões sobre o sagrado, sendo este osenhor absoluto das verdades de fé e crenças com suas doutrinas.

a) quais são as possíveis respostas para a vida além morte nas tra-dições religiosas?

b) Você enquanto professor (a) de ER, de que maneira você trans-mite isso para seus alunos?

– aS FLORES: quando uma flor desabrocha significa que estápronta para reproduzir-se. quando uma planta “dá flor”, está em suafase mais crítica, pois direciona toda a energia a esta atividade.

assim são os Ritos religiosos na vida das pessoas que se recolhemao se preparar para iniciar em determinada cultura religiosa e seusdiversos ritos, onde acontecem os rituais com as práticas celebrativas,seus símbolos e espiritualidades.

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a) qual a importância dos ritos nas tradições religiosas ou não têmnenhum significado?

b) como você vê essa questão em relação ao preconceito religioso,é possível um diálogo?

– OS FRUTOS: representam o ovário fecundado que se incumbede proteger a maior riqueza de uma planta, a semente, guardando-aem seu interior, para dar origem a outro vegetal da mesma espécie.

assim também o Eixo Ethos representa o próprio sentido do ser,é formado na percepção de valores de que nasce o dever como expres-são da consciência como resposta do próprio “EU” pessoal. ética ereligião são temas centrais no processo de humanização das pessoas.Portanto não pode ficar de fora do processo educacional. é por issoque o ER nas escolas se torna um espaço importante.

a) Pensem numa ética educacional para os dias atuais, como traba-lhar isso nas culturas religiosas?

b) com base nisso, tentem elaborar os princípios de uma ética edu-cacional para o Ensino Religioso.

Essa experiência resultou num lindo texto que tem como título:construindo a árvore dos Eixos Temáticos do Ensino Religioso, que seencontra postado numa das páginas do Blog 103:

2. Relatos de experiências. é no momento da Formação continuada que percebemos a rique -

za do “ensinar e do aprender”, pois é onde o compreendemos comouma verdadeira troca das experiências que são bem sucedidas em salade aula. como exemplos apresenta-se algumas:

a) a Educação Biocêntrica e o campo da inclusão nas aulas deEnsino Religioso. a educação inclusiva no Ensino Religioso das esco-las deve ser um processo pelo qual o educador tenta desenvolver emseus educandos, de forma integral e equilibrada, a mente, o senti-mento e o corpo utilizando uma metodologia onde o respeito à diver-sidade religiosa bem como o Sagrado de cada um esteja presente emtoda a dinâmica pedagógica trabalhada em sala de aula. Experiênciaexitosa vivenciada com os alunos da EJa que trouxe de volta os alunosdesestimulados da Escola Municipal Bartolomeu de Gusmão (Profª.Simone).

b) a mudança metodológica quebrou a rotina dessas aulas para os

103 Blog – pensandooensinoreligioso.blogspot.com.br

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alunos trabalhosos, a partir de músicas e outras dinâmicas nas escolasMunicipal Violeta Formiga e João Gadelha nas turmas do Fundamen-tal i, verificando-se dessa forma o respeito pelo outro. Em depoimen-tos isso causou surpresa na escola quanto à mudança no comporta-mento desses alunos. Os professores polivalentes dessas turmas,perguntaram à professora o que ela fez com os alunos para que melho-rassem de comportamento? (Profª. clenia);

c) Depoimentos a respeito de alunos de diversas denominaçõeseva ngélicas, que se recusavam de assistirem as aulas de ER, quando aprofessora tratava dos temas sobre o fenômeno religioso evidenciandoo respeito pela diversidade e isso tornava as aulas polêmicas. isso pro-vocou reflexões e a professora passou a desenvolver um trabalho arespeito da alteridade com o objetivo de sensibilizar as turmas parapoder trabalhar com todas. como resultado teve um bom desempe-nho nas turmas do Fundamental ii da Escola Luis Municipal LuisMentes Pontes. (Profª. Graça).

E assim percebe-se que apesar das dificuldades, mesmo assim égratificante trabalhar com esse componente curricular. assim afirmaKOnG (2004 p. 59): “O professor é um “provocador”. [...]. O professorestá em sala de aula não para repetir lições e cumprir programas. Eleestá para “acordar” o que dorme dentro daquele aluno: homem novoque emergirá de suas propostas desafiadoras.” isso foi o que se obser-vou nos relatos de experiências dos educadores citados acima e detantos outros (as).

considerações

Esses são os momentos vivenciados na prática pedagógica da For-mação continuada, em João Pessoa /PB. Essas atividades são impor-tantes para o processo de ensino e aprendizagem. Tendo a sala de aulacomo um laboratório, onde são desenvolvidos trabalhos pedagógicos,apesar de que ainda têm-se muitas dificuldades em relação às formaspreconceituosas de proselitismo; a rotatividade de professores e a faltade compromisso de alguns profissionais que não participam da forma-ção. Daí a importância da Formação inicial complementada pela For-mação continuada.

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Formação e trabalho docente no contexto da diversidade cultural e religiosa: relatos

de experiências no alto Sertão da Bahia

JaRDELina BiSPO DO naSciMEnTO *KRzySzTOF DWORaK **

SanDRa céLia c. G. Da S. S. DE OLiVEiRa ***

Introdução

a modernidade, que pode ser considerada também como líquida,liberada das amarras do tempo e do espaço (BaUMan, 2001, p. 8),traz para o campo da educação grandes desafios, especialmente noque se refere à identidade cultural. Pretendemos neste espaço apresen-tar algumas inquietações sobre a formação e trabalho docente, no con-texto das diversidades culturais e religiosas, que fazem parte inte-grante do alto Sertão da Bahia.

Esta pesquisa vem sendo desenvolvida pelo Grupo Estudos e Pes-quisa em Educação, Religião, cultura e Saúde (GEPERcS), desde2011, quando então foi apresentado na XVii Jornada alternativa dos

* Mestra em Educação e contemporaneidade, Pós- Graduada em Metodologia do EnsinoSuperior, Pedagoga, Professora auxiliar da Universidade do Estado da Bahia (UnEB).Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação, Religião, cultura e Saúde(GEPERcS) ([email protected]).

** Doutor em ciências da Religião (PUc-SP), Mestre em Teologia Sistemática com Espe-cialização em Liturgia (FnS assunção – SP). Membro da Equipe de Subsídios da cnBB nE3e da Equipe de Reflexão da cnBB nE3. Membro da associação dos Liturgistas do Brasil(aSLi). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação, Religião, cultura e Saúde(GEPERcS) ([email protected]).

*** Doutora em ciências da Religião (PUc-GO), Mestra em ciências da Religião (PUc//GO), professora assistente da Universidade do Estado da Bahia (UnEB), Departamento deEdu cação – campus Xii – Guanambi. Membro da associação de cientistas Sociais da Religiãodo Mercosul (acSRM), Vice- conselheira da Regional centro-oeste da Sociedade de Teólogose cientistas da Religião(SOTER). Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação, Reli-gião, cultura e Saúde (GEPERcS) ([email protected]).

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cientistas Sociais da Religião do Mercosul (acSRM), no Uruguai, oresultado de um estudo sobre o Perfil do Professor de Ensino Religio -so na pós-modernidade. Em seguida, com base nesses estudos, forampromovidos alguns minicursos realizados na Semana de integração,Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade do Estado da Bahia, emBom Jesus da Lapa e em Guanambi. Durante os minicursos sobre for-mação de professor no contexto da diversidade cultural e religiosa,procurou-se incitar e ouvir os participantes sobre o que acontece nassalas de aula, quando entram na pauta questões de religião e como en -frentam esse desafio. assim, as experiências vivenciadas proporciona-ram aos pesquisadores um material bastante vasto que serviu comoum dos argumentos para a tentativa de implantação do centro inter -de partamental de Estudos em culturas e Religiões (cEicR), na Uni-versidade do Estado da Bahia e que agora trazemos, mesmo resumi-damente, também para este fórum.

as questões de cultura em seus diversos aspectos, dentre eles adiversidade cultural e religiosa, baseadas nas tradições recebidas, sãocada vez mais discutidas. certas visões niilistas, que anunciavam eproclamavam com bastante veemência a morte de Deus e o inevitávelfim da religião, dando lugar ao reinado soberano e ilimitado da razão,não se sustentam mais. Em quase todos os espaços, as questões reli-giosas tornaram-se assunto de diversas discussões. a religião torna-sepresente cada vez mais na sociedade, na qual exerceu e continua exer-cendo uma influência inegável. Está presente nos meios de comunica-ção televisivos e nos programes de auditório, nos debates políticos,nas questões da saúde e da ecologia, nas questões de ética e bioética,no turismo etc. as questões religiosas entraram também na sala deaula com mais força do que nunca. O mesmo pode ser dito sobre a di -versidade cultural e sobre a orientação sexual. Daí emerge algunsquestionamentos: Será que os cursos de formação e de capacitação deprofessores estão subsidiando eficazmente seus alunos para trabalharcom tais diversidades culturais e religiosas na sala de aula? Se estive-rem, como isto é feito? como acontece o diálogo entre a escola e acomunidade sobre esta temática? quais são os maiores desafios senti-dos pelos professores? quais seriam as proposições viáveis a fim deauxilia-los nesta árdua tarefa? Estas questões pretendem ser desenvol-vidas no decorrer deste texto.

O cenário desta análise é a região de Bom Jesus da Lapa e Gua -nam bi, localizada no alto Sertão da Bahia. Em Bom Jesus da Lapa,

JARDELINA BISPO DO NASCIMENTO | KRzYSzTOF DWORAK | SANDRA CÉLIA OLIVEIRA — Formação e trabalho...

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acontece anualmente uma das maiores expressões do catolicismo po -pular Brasileiro, que é a Romaria ao Santuário do Bom Jesus da Lapa.

Diversidade cultural e religiosa no alto Sertão da Bahia:

a romaria do Bom Jesus da Lapa

O crescente desenvolvimento das romarias como fenômeno reli-gioso e enquanto uma das manifestações do catolicismo popular, quese processa na sociedade brasileira, em especial no alto Sertão Baiano,marcado pela presença do Santuário do Bom Jesus da Lapa, vemapon tando para a necessidade de tomar esta realidade como objeto dees tudo e de pesquisas, não somente no que concerne à pesquisa etno-gráfica, antropológica, social e geográfica, mas também como um con-junto que compreende as transformações econômicas e culturais.

O conceito português ‘romaria’, que significa literalmente, ir aRoma, é sinônimo de peregrinação, que indica a migração religiosa,não obrigatória, de pessoas para um lugar sagrado, de elevada impor-tância, por motivos religiosos, em especial, à Terra Santa; e com opassar dos séculos, a outros lugares considerados santos, em reverên-cia a um santo ou uma santa, incluindo principalmente o túmulo dosapóstolos Pedro e Paulo, em Roma (POEL, 2013, p. 916). a mesma éum caminhar muitas vezes penoso, em condições voluntariamentepre cárias, por vezes demorado, mas cheio de fé e de encantos, tornan -do-se uma das características do catolicismo popular brasileiro. Se -gundo Sanchis (2006), a romaria é uma manifestação religiosa com-plexa e popular, que compreende a atitude de caminhar ao encontrode um santo e de colocar-se na sua presença, tendo como ápice a che-gada a um santuário.

a Romaria ao Bom Jesus da Lapa, uma cidade situada no oestebaia no, às margens direita do Rio São Francisco, remonta aproximada -mente ao ano de 1691, tendo como fundador o português e ermitãoFran cisco de Mendonça Mar (1657-1722). Os objetos de devoções tra-zidas pelo ermitão se encontram no Santuário: as imagens do BomJesus (crucifixo), de nossa Senhora da Soledade (nossa Senhora dasDores) e de Santo antônio.

hoje, as principais romarias ligadas ao calendário devocional e li -túrgico da igreja católica são: a romaria da Terra e das Águas (pri-

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meiro final de semana de julho); a novena e a festa do Bom Jesus daLapa (27/07 – 06/08); o Setenário e a festa de nossa Senhora da Sole-dade (08/09-15/09); a festa de São Francisco de assis e a descobertada Gruta; o Tríduo e festa de nossa Senhora aparecida (09/10 –12/10); a novena e a festa da imaculada conceição de Maria (08/12);a festa de Santa Luzia (13/12); as festas do natal; o tríduo e a festa doBom Jesus dos navegantes (segundo final de semana de janeiro); asce lebrações da Semana Santa. além destas festas, no mês de janeiroacontece bastante intenso, o fluxo perigrinatório ligado ao turismoreligioso. hoje a administração e coordenação pastoral do Santuáriode Bom Jesus da Lapa, está sob a responsabilidade dos MissionáriosRe dentoristas, da Vice Província Redentorista da Bahia. a cidade deBom Jesus da Lapa, Ba, faz parte da Diocese de Bom Jesus da Lapa.

neste ano, a Romaria de Bom Jesus da Lapa completa 324 anos.no dia da Festa do Bom Jesus da Lapa ( 06 de agosto), cerca de700.000 romeiros provenientes de toda a parte do Brasil e do mundo,participam deste evento religioso. O maior número de romeirosprovém dos seguintes Estados: Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo,São Paulo. castro (2004) menciona que gente de todos os povos, detodas as raças, que geralmente pertencem às classes mais populares,se dirige anualmente a Bom Jesus da Lapa, em busca de paz, curas,qui tação de promessas, dentre outros motivos. Vindo das mais varia-das formas, como em caminhões, ônibus, bicicletas e até à pé, transfor-mam a cidade num verdadeiro canteiro religioso, de admiração emtodo o mundo. E esse povo não vai a Bom Jesus da Lapa apenas pedir,vai agradecer, reafirmar seu compromisso com o sagrado e pagarsuas promessas.

De acordo com Steil (1996), a movimentação dos peregrinos peloslu gares sagrados, dentro e em torno do morro, aponta para uma nar -ra tiva sobre o Bom Jesus da Lapa que é mais extensa do que aquelaque a racionalidade construída pelo clero é capaz de abarcar. as me -mó rias bíblicas preservadas no sertão, em forma de tradição bíblico--católica; os valores e princípios morais, que foram sendo sedimenta-dos na cultura popular; os mitos católicos e milenaristas anunciadosnos púlpitos e difundidos na tradição oral; os rituais e orações repeti-das nos cultos oficiais e nos espaços clandestinos; os santos e heróis docatolicismo colonial e moderno; as cosmologias religiosas e as visõesde mundo tradicionais e secularizadas; enfim, estes são alguns ele-mentos dessa narrativa inscrita na geografia da Lapa e continuamenteatualizada nos discursos de peregrinos, moradores e dirigentes do

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santuário e que tem aguçado o interesse de diversos pesquisadoresacadêmicos.

De acordo com Paulo Süss (1979, p. 27), o “catolicismo popular éum conjunto de fatores aculturados de fé, como também todas as ma -nifestações da igreja católica que expressa à vida religiosa de umpovo simples”. Lemos (2008) enfatiza que o catolicismo é um sistemaconcreto de mediação da igreja católica que, no encontro com diver-sas culturas provoca uma ruptura. Surge assim o fator divisório entreo catolicismo oficial e o catolicismo popular, que, por sua vez, sofreugrande influência de alguns aspectos medievais, dentre eles, a práticade romarias, de bruxarias e de blasfêmias (cf. azzi,1978). Embora aaparente polarização, existe uma dialética entre o catolicismo oficial eo catolicismo popular, pois a criatividade concreta dessa experiênciareligiosa, também renova as instituições da igreja oficial.

O grande desafio no campo de religiosidade popular na contem-poraneidade é compreender o fenômeno religioso como fundamentalpara entender a diversidade cultural. Tal realidade exige uma melhorre flexão filosófica que dê conta de compreender a estrutura específicada atividade religiosa. Para falar da diversidade cultural e religiosa épreciso pontuar o conceito de cultura. clifford Geertz (1989, p. 103)com preende a cultura como:

[...] um padrão de significados transmitidos historicamente, incorporadoem símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em formassimbólicas por meio das quais os homens se comunicam, perpetuam edesenvolvem seu conhecimento e sua atividade em relação à vida.

a cultura é entendida como base de significados e de sentidos con-feridos às estruturas sociais. a religião faz parte dessa estrutura. Por-tanto, a cultura não pode ser separada de religião, pois a religião é umde terminante social e cultural. O conceito de diversidade cultural estáfundamentado no conceito de cultura de Geertz (1989), já mencio-nado, que se refere a ela como um emaranhado complexo de significa-dos e sentidos, que se entrecruzam na sociedade brasileira, por meiodos costumes, usos e por meio de mais diversas práticas criadas peloshomens em seus diferentes contextos sociais. Segundo anete abramo-wicz (2006, p. 01), “Diversidade pode significar variedade, diferença emultiplicidade. a diferença é a qualidade do que é diferente; o quedistingue uma coisa de outra, a falta de igualdade ou de semelhança”.

na visão da autora supracitada onde existe diversidade há dife-rença. conforme candau (2005), não devemos contrapor a igualdade

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à diferença. a igualdade se refere à universalidade, enquanto que a di -ferença se reporta à diversidade.

ao nos referir ao povo brasileiro, constatamos a existência dessadiversidade, pois ele é formado pela mistura da raça europeia, afri-cana e indígena e pelos aspectos culturais próprios de cada uma delas(RiBEiRO, 2006, p. 114). Essa miscigenação contribui, por sua vez,para a diversidade religiosa. O panorama religioso traçado no Brasilcolo nial foi marcado pelo catolicismo como religião oficial impostapelos portugueses. na contramão desse contexto, nas periferias, emer -ge um catolicismo popular sincrético, onde estavam presentes elemen-tos culturais e religiosos, indígenas e africanos. O último censo reali-zado pelo iBGE 2010 trouxe um novo panorama religioso que mostrao retrato mais complexo ainda dessa diversidade. Segundo estesdados, houve crescimento das outras religiões, sobretudo, pentecos-tais, e dos que se declaram sem religião, diminuindo, assim, a hege-monia do catolicismo.

Essa constatação mostra que a sociedade não é estática, mas dinâ-mica. Os diferentes grupos sociais, inclusive os religiosos e educacio-nais, fazem parte deste processo. nesse sentido, candau (2002) dizque a desnaturalização da cultura escolar dominante nos sistemas deen sino se faz urgente, sendo necessário incorporar a diversidade cul-tural no cotidiano escolar. na concepção dessa autora, a diversidadecultural é um tema de especial relevância para inclusão das culturasdiscriminadas e para a construção de uma escola democrática. Mas,esta questão parece ser ainda pouco trabalhada no ambiente escolar,pois os professores não possuem uma formação pedagógica que con-temple essa questão. candau (2002, p.107), diz que

[...] a abordagem cultural, numa perspectiva sociológica e antropológica,pode enriquecer a reflexão didática e a compreensão da prática pedagó-gica, afirmamos que esta apresenta um amplo horizonte para o desen-volvimento da pesquisa e do debate sobre as questões do cotidiano esco-lar e da formação de professores, especialmente desafiador para adi dática (canDaU, 2002, p. 107).

conforme explanado acima, a questão religiosa influencia direta-mente diversos contextos sociais, principalmente a educação. Os cien-tistas sociais e cientistas da religião afirmam que as questões religiosasconduzem a novas formas de condutas sociais na educação, no queconcerne à formação de professores. Porém, foi constatado, através dapesquisa de campo, que existe uma lacuna bastante latente no campo

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de formação e trabalho dos professores, pelo menos no contexto aoqual nos referimos. E é nessa perspectiva que pretendemos refletir emseguida.

Formação e trabalho docente no contexto da diversidade cultural e religiosa

a complexa tessitura vivenciada no contexto social atual, oriundoda globalização e da secularização, composta por diferentes etnias,culturas, religiões, conhecimentos e saberes, leva a perceber outrosolhares e ações em prol da construção de propostas de formação e tra-balho dos educadores, que atendam a essa complexa demanda. nosdias atuais, muitas vezes devido à necessidade de garantir a própriasobrevivência, o professor tem assumido uma multiplicidade de fun-ções perante a sociedade, deixando a desejar no que se refere à práxisda sua principal função, isto é, a de ensinar e a de aprender. SegundoPaulo Freire (2010, p. 47), “a tarefa principal do educador não é trans-ferir o conhecimento, mas a de ensinar”. assim, a diversidade culturale religiosa é algo que se vive, se ensina e se aprende. “como todo o en -si namento ela exige consciência do inacabamento” (FREiRE, 2010, p. 50) e ela é um trabalho de construção, no qual o envolvimento detodos se dá pelo respeito e pela própria constatação de que, sem ooutro nada se sabe.

no Brasil, a diversidade cultural e religiosa é latente e instiga ospesquisadores a desenvolverem estudos sobre o tema. no campo reli-gioso, diante das particularidades e especificidades, essa questão seapresenta como um desafio. a grande questão não é negar a existênciadas características comuns, mas negar o diferente. Por isso, o grandede safio na formação e trabalho docente é propor a eles uma metodolo -gia de ensinar que lhes permita estabelecer uma conexão entre o quese aprende na escola e o que possa ser aplicado na vida cotidiana dapopulação brasileira. Deve existir, portando, um o momento de ressig-nificar os conteúdos.

Para além da prática do professor, refletir uma educação sobreuma episteme que justifique o seu aprendizado enquanto profissionalé crucial para entender a sua metodologia e relações com as culturas,pois como salienta Becker (2002, p. 37), na ausência de uma reflexãoepistemológica o professor acaba assumindo as noções do senso

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comum. Uma delas é a adequação. Onde o conhecimento é concebidocomo um ajuste ou uma adaptação entre a mente e as coisas. Estaidentificação acontece por uma vivência ou por uma experiência devida. Sob esta concepção, muitos professores foram formados, muitaspráticas foram argumentadas, inclusive as políticas de educação bra-sileiras anteriores à nova constituição Federal, onde o ensino de reli-gião era fundamentado pelos dogmas católico cristão e o professor,inicialmente um religioso ou um adepto desta crença e filosofia.

neste contexto, tanto o trabalho quanto a formação do professortinha por base a adequação moral e espiritual: a fé, a obediência, adedicação e a forma de vida desses profissionais. a lógica cristã apos-tólica romana influenciou por muitas décadas todo currículo escolarbra sileiro. as metodologias, os conteúdos e todo aprendizado nestaperspectiva atenderam muito bem ao contexto político de determi-nada época sem considerar uma noção mais ampla de conhecimento ecultura.

Formação e Trabalho Docente

a partir do processo de democratização da sociedade e da educa-ção no Brasil, o trabalho e a formação dos professores merecem desta-que, tanto na constituição, quanto na Política Educacional – nova LDBn.º 9394/66, nos artigos 62 a 67, inclusive o Decreto n.º 3.276, de 6-12--1999, trazendo novos parâmetros para as práticas docentes, entre elasa perspectiva da multirreferencialidade.

Esta perspectiva é crucial para abordar a formação e o trabalho doprofessor, pois, conforme Jardim (apud BaRB0Sa, 2000, p. 30), vemproporcionar uma abertura no discurso, do instituído. Enquanto orga-nização e formato disciplinar, cria um mundo de verdade-aceitaçãoem torno do homem e de suas relações.

Multirreferencialidade , enquanto epistemologia navega em águassinuosas e, de certo modo, desconhecidas, tentando fazer a passagemdos conceitos de subjetividade negada, à subjetividade afirmada, tra-zendo à superfície o sujeito, fazendo-o sentir na pele o jogo de tensõesque é despertar em si o homem sujeito, querendo reverter os processosde sua institucionalização, como auto-negação e submissão via tecnolo-gias de subjetivação. (JaRDiM, 2000, p. 30).

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relatos de experiências de educadores sobre diversidade cultural e religiosa

no alto Sertão da Bahia

assim, a formação e o trabalho dos educadores, no contexto da di -ver sidade cultural e religiosa, deve buscar uma educação que contem-ple a diversidade e aborde estudos e reflexões que pautem as diferen-ças culturais e religiosas, dentro e para além do espaço escolar. nessesentido, as práticas formadoras que se pautem na diversidade contri-buem para uma percepção e compreensão da humanidade, no con-texto da heterogeneidade. Segundo Sacristán (1995, p.83), só perceberas diferenças não basta: “é necessário uma estrutura curricular dife-rente da dominante e uma mentalidade diferente por parte dos profes-sores, pais, alunos, administradores e agentes que confeccionam osma teriais escolares.”

a pesquisa realizada entre os professores que participaram dominicurso Formação de professores para a diversidade cultural e reli-giosa revelou alguns aspectos importantes para a nossa análise: a pri-meira pergunta solicitava um parecer sobre o interesse em participardo minicurso. alguns professores responderam que esperavam en -contrar nesse minicurso uma formação que lhes permitisse atender adiversidade cultural e religiosa, no âmbito da sala de aula; para outrosera importante entender a diversidade cultural como riquezas e valo-res que precisam ser levados em consideração; outros esperavam en -contrar dicas sobre como lidar com diferenças culturais e religiosas nasala de aula; outros ainda, esperavam conhecer subsídios sobre otema. Porém, todos afirmavam que sentem falta de conhecimento e deformação neste campo.

a segunda questão referia-se às situações que os professores en -contravam na sala de aula: que situações encontramos na sala de aulaquanto às questões religiosas? as respostas foram diversas:

• as crianças já vêm com uma concepção religiosa: católica ouevan gélica, formada negativamente, uma a respeito da outra;

• algumas discussões, de vez em quando, terminavam em brigas; • a religião influencia as aulas de educação física, excluindo

alguns alunos evangélicos de atividades esportivas; • Muitos pais não concordam com a participação dos filhos nas

aulas de religião;

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• cria-se uma “confusão” entre os professores e familiares; • Surgem conflitos ligados a algumas festas tradicionais que

fazem parte da cultura local como, por exemplo, “natal”, “Papainoel”, e as “festas juninas”;

• Frequente “demonização” das religiões e das culturas de matrizafricana.

algumas respostas relacionavam-se mais especificamente com oSantuário do Bom Jesus da Lapa. nelas o santuário era:

• ignorado, como lugar “não existente”; • “demonizado”;• apontado como idolátrico; • Estigmatizado, como lugar proibido de ser visitado; • inculcado como lugar que gera medos.

a terceira questão procurou saber como estes desafios são traba-lhados pelos professores. como lidamos com estas questões? Segundoos professores a solução mais frequente é trabalhar a religião em geral,aos poucos, superando tabus e desconstruindo certas concepções domundo e da religião, trabalhando a questão de resistência e preconcei-tos; por fim, questionando as práticas e formação religiosa que nãopermitem a participação em alguns eventos esportivos, culturais etc.

a quarta pergunta pedia sugestões: que tipo de ajuda esperamosda academia ou de outras instituições? Diante desta bastante com-plexa realidade sócio religiosa presente na sala de aula, foram men -cio nadas algumas sugestões como:

• buscar a formação específica; • fazer pesquisas na internet e nos livros especializados sobre o

assunto; • cobrar das autoridades acadêmicas os cursos de formação neste

campo; • promover articulações entre os professores; • implantar a história da religiosidade da região como disciplina

escolar; • implantar projetos ligados com a cultura e religiões; • promover campanha de apoio e incentivo na formação de pro-

fessores; • fomentar as leituras sobre religiões;

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as respostas dadas coincidem com aquilo que se pede em nívelna cional, no entanto a posteriori estaremos analisando e fundamen-tando os mesmos, a partir de uma proposição sistematizada. O Fórumna cional para o Ensino Religioso (FOnaPER), foi responsável pelade finição dos parâmetros curriculares adotados pelo MEc, para anova modalidade de Ensino Religioso. O FOnaPER ressalta a neces-sidade do conhecimento e da valorização das características étnicas eculturais dos diferentes grupos sociais existentes no território nacional,levando ao aluno a possibilidade de conhecer o Brasil como um paíscomplexo, multifacetado e algumas vezes paradoxal (JUnqUEiRa,2002, p. 139). Daí a afirmação de que

[...] o fenômeno religioso, numa perspectiva atual, é a resposta articuladaculturalmente para afrontar as questões existenciais do ser humano,diante de um mundo em constante transformação e continuamentedesafiado pelas condições socioculturais de sua realidade (JUnqUEiRa,2002, p. 139).

a configuração desse novo paradigma para o Ensino Religioso foies tabelecida pelo artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educaçãonacional (Lei n.º 9394/96), com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 9475. Os eixos temáticos correspondem aos critérios para organiza-ção e seleção de conteúdos – e seus pressupostos didáticos – para oEn sino Religioso numa sociedade pluralista. Os Parâmetros curricula -res nacionais, aprovados pelo MEc, em 1996, propõem como um dostemas transversais, a pluralidade cultural. Justificam sua inclusão nosseguintes termos: tratar da diversidade cultural brasileira, reconhecen -do-a e valorizando-a. é fundamental propor a superação das discrimi-nações aqui existentes e atuar sobre os mecanismos de exclusão. Estaé uma tarefa necessária, ainda que insuficiente, para caminhar na dire-ção de uma sociedade mais democrática:

é um imperativo de trabalho educativo voltado para a cidadania,uma vez que tanto a desvalorização cultural – traço bem característicoda nossa história de país colonizado – quanto à discriminação são entra-ves à plenitude da cidadania para todos, portanto, para a própria nação(Pcns, 1996, p. 4).

na formação de sua identidade profissional, o professor está con-tinuamente em contato com o múltiplo, apesar de sua formação estarpautada na igualdade. O diálogo se estabelece quando este profissio-

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nal se depara com universos de diferentes significações e estrutura-ções culturais. Esse profissional é constantemente instigado a dialogarcom essas manifestações. Entretanto, é convidado a isentar-se de tecerqualquer julgamento a respeito de um ou de outro. nesse contexto

[...] o Ensino Religioso, ao caracterizar-se como espaço de conhecimento,explicita para o educando o papel das relações sociais, mostrando aconstrução da identidade cultural das comunidades realizada nas dife -ren tes tradições religiosas, capazes de interferir de diferentes formas noestabelecimento de parâmetros organizacionais da sociedade (JUn-qUEiRa, 2002b, p. 23).

O Ensino Religioso como parte obrigatória dos currículos nacio-nais, como área de conhecimento, refere-se às noções e conceitosessen ciais sobre fenômenos, processos, sistemas e operações que con-tribuem para a constituição de saberes, conhecimentos, valores e prá-ticas sociais indispensáveis ao exercício a uma vida de cidadania plena(JUnqUEiRa, 2002, p. 21).

alguns aspectos relacionados à função do professor frente à diver-sidade cultural e religiosa devem ser destacados:

• a escolarização é uma forma de vida institucional fora da famí-lia, e a experiência do indivíduo na escola possui um papel cru-cial na formação do Eu;

• a transição da casa para a escola pode exigir do aluno lidar comculturas diferentes, que requerem diferentes disposições e habi-lidades;

• a escola deve conduzir o processo de diversidade e pluralidadecultural no sentido de gerar um sentimento de inclusão dosalunos.

algumas contribuições para o estudo da diversidade cultural e re -li giosa no âmbito escolar fundamentam-se na interdisciplinaridade,multidisciplinaridade e transdisciplinaridade e nos princípios éticos,produzindo ao mesmo tempo conhecimentos: históricos e geográficos,sociológicos, antropológicos. Eles devem levar ainda em consideraçãoas linguagens e representações, diversidades populacionais, psicológi-cos e pedagógicos. com isso, o Ensino Religioso ao se propor a cola-borar e a trabalhar juntamente com as outras disciplinas do currículo,ajuda a fazer uma “leitura e uma interpretação da realidade, essenciais

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para garantir a possibilidade de participação do cidadão na sociedadede forma autônoma” (JUnqUEiRa, 2002b, p. 24).

Uma proposta dessa natureza traz como preposto a reflexão sobreo diálogo ecumênico e inter-religioso 104 e o respeito à diversidade cul-tural. a questão cultural e religiosa vem sendo discutida atualmenteem diversos contextos, muitas vezes de forma diversa, até mesmoequivocada e reducionista. assim, faz-se necessária uma reflexão maisaprofundada e ampla que aborde a cultura e a religião, nas várias ins-tâncias institucionais e comunitárias, dentro de uma perspectiva com-plexa e multifacetada.

Em razão disso, defendemos a implantação do centro de Estudosinterdepartamental em culturas e Religiões (cEicR), no Departa-mento de Educação, campus Xii – Guanambi, da Universidade doEstado da Bahia, através do GEPERcS (Grupo de Estudos e Pesquisaem Religião, cultura e Saúde), juntamente com os Departamentos deciências humanas (Dch – campus Vi – caetité), Departamento deciências humanas e Tecnológicas (DchT – campus XVii – Bom Jesusda Lapa – DchT – campus XX – Brumado), em contribuir para siste-matizar, integrar e articular os projetos já existentes nos diversos cam -pus, em outras instituições de Ensino Superior e nas prováveis institui-ções de Ensino Superior(iES) parceiras, como também propor pro jetose participar dos projetos já existentes, pertencentes ao GEPERcS edemais Grupos de pesquisa, visando integrar a universidade à comu-nidade. O projeto busca ressaltar as diversas expressões religiosas e dereligiosidade e cultura existentes como eixo de pesquisa, com relevân-cia tanto no âmbito nacional quanto no internacional e um importanteobjeto de investigação científica.

Uma das metas do cEicR é criar um Programa de Extensão emFor mação de Professores que contemple as diversidades culturais ereligiosas, enfatizando a questão do negro, do índio, do quilombola edos ciganos. Esta ação já foi iniciada através dos eventos realizadospela instituição, através de minicursos e dos Seminários Temáticos nocurso de Formação Docente (PaFOR – PLaTaFORMa FREiRE).

104 O diálogo inter-religioso e, sobretudo “um ato espiritual”, cujo motor essencial é oamor. não é, capaz de cumprir essa jornada espiritual senão aquele que se, encontra aberto esensível à linguagem do Espírito que não impõe resistência ao sopro de gratuidade. Trata-sede uma “viagem comum fraterna, sempre em companhia do Espiríto”. Reduzi-lo à mera es -tratégia em plataforma para conversão é deixar de compreendê-lo, no que tem de mais pro-fundo e essencial. Os autores com os quais se dialoga deixam de ser estrangeiros e passam aser nossos amigos (TEiXEiRa, 200, p. 419).

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considerações Provisórias

a partir do exposto, pode-se inferir que é indispensável que hajauma formação Docente, que contemple as diversidades culturais ereligiosas, principalmente para o professor de Ensino Religioso, assimcomo das demais disciplinas. isto porque, na medida em que ele estejaatento a essa questão, se torna mais viável o diálogo e a capacidade decompreender e de se aproximar de uma diversidade religiosa apresen-tada na sala de aula.

Portanto, trabalhar as diversidades culturais implica transcenderpadrões de leitura exclusivos da própria cultura para compreender oser em relação à sua cultura, tendo a religião como um dos pontos dere flexão. assim, o processo de formação do docente pode orientar-seno sentido de ampliar as faces visíveis das estruturas significativas,porém, sem jamais esgotar-lhes os sentidos. a diversidade cultural ereligiosa se caracterizaria, assim, pela incansável busca de compreen-der e respeitar outras culturas.

a implantação desse projeto visa contribuir para o desenvolvi-mento e implementação de ações em ensino, pesquisa e extensão, naárea das diversidades culturais e religiosas, objetivando estimular osdi versos atores sociais a preservarem a sua cultura, assim, como en -tenderem, a importância do estudo das religiões no âmbito acadêmico.nessa perspectiva, se propõe abordar uma linguagem interdisciplinarque envolva todas as dimensões do conhecimento. Sua finalidade étam bém aglutinar pesquisadores nas áreas propostas e solidificar asações do GEPERcS (Grupo de Estudos e Pesquisa em Religião, cul-tura e Saúde), já reconhecido pelo cnPq e certificado pela Universi-dade do Estado da Bahia (UnEB).

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JARDELINA BISPO DO NASCIMENTO | KRzYSzTOF DWORAK | SANDRA CÉLIA OLIVEIRA — Formação e trabalho...

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O eu e o transcendente: em busca da respostaà pergunta sobre o sentido da vida de curso

universitário a seminário para adultos

Partilha de uma experiência

FiLiPa RiBEiRO Da cUnha *

Introdução: um desafio irrecusável

Em 2004 fui convidada pela Universidade católica Portuguesa(UcP) de Lisboa a lecionar as aulas práticas da disciplina intitulada“cristianismo e cultura”. Tratava-se de uma disciplina semestralnova, obrigatória para todos os alunos do 2.º ano de licenciatura daUcP das faculdades de Direito, Economia, Gestão de Empresas ecomunicação Social. Pretendia-se propor aos alunos um método deabordagem existencial ao fenómeno religioso que lhes permitisse ajui-zar a realidade envolvente num permanente confronto com as suasexigências mais profundas de felicidade, amor, beleza, justiça, ver-dade, exigências inextirpáveis, presentes em todo o homem, queanseiam por uma resposta. Para tal, os alunos eram introduzidos noestudo das motivações racionais da adesão à fé, estudo esse efetuadoem comparação constante com as grandes correntes do pensamento ealgumas das expressões artísticas da genialidade humana. Tratava-sede verificar a complementaridade entre as duas dimensões estruturaisdo homem – fé e razão – e a sua importância no caminho do homemrumo ao seu destino. Os alunos eram desafiados a olhar para dentrode si mesmos e para a realidade circundante em busca de uma res-posta à pergunta sobre o significado da vida.

com vista a contribuir para uma formação integral do aluno, im -

* Licenciada em Economia pela Universidade católica Portuguesa de Lisboa ([email protected]).

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punha-se contrariar o atual contexto de visão fragmentária da reali-dade propondo um uso da razão mais alargado que permitisse aosalunos uma atenção à própria experiência a fim de confirmar que oseu coração, tal como o de cada homem, é exigência de felicidade, umafelicidade que só o infinito pode satisfazer e realizar plenamente. Re -conhecer essa relação com o infinito significa aceitar a existência deum Mistério para o qual o desejo do homem tende e que é resposta àssuas perguntas mais profundas. as religiões nasceram precisamentecomo esforço do homem de compreender a sua relação com esse Mis-tério. O cristianismo distingue-se por ser a única religião na qual opró prio Deus veio ao encontro do homem, revelando-se em Jesuscristo. O Mistério escolheu entrar na história do homem com umahis tória idêntica à de qualquer homem, dirigindo-se à liberdadehumana e propondo “Vinde e vede” 105. Deus salva o homem atravésdo homem e este método prolonga-se na história, dentro da igreja. Re -conhecer esta presença viva, move a vontade e a liberdade individuale transforma a vida numa oferta.

Mas como interessar os alunos e colocá-los face a si mesmos?como sacudi-los, de forma a saírem do entorpecimento onde se en -contravam? como despertar neles o desejo de procura de sentido davida? como mostrar-lhes que a fé cristã está cheia de razões? Tornava--se claro que estes alunos universitários, maioritariamente educadosnum contexto de hostilidade contra a religiosidade, eram jovens frá-geis que não sabiam o que queriam da vida e por onde caminhar.Tinham crescido em frente da televisão e do audiovisual, com poucacapacidade para acompanhar aulas expositivas de 90 minutos sobretemas filosóficos que lhes eram indiferentes. Sendo a cadeira obriga-tória, via em muitos o cepticismo de quem julgava não ter fé e nãoestava minimamente interessado em abordar tal assunto. Despertá-losnão era tarefa fácil. no entanto, foi-me dado perceber que todos elesse deixavam atingir pelo desejo da beleza. confirmei que, apesar dacrise existencial e espiritual na qual nos encontramos, a beleza aindapode falar aos corações. as várias expressões artísticas da genialidadehu mana, sejam elas música, pintura ou poesia, falam sobre a beleza,uma beleza que aponta para algo maior, “Eu sei – dizia Sophia deMello Breyner andresen – que a beleza é apenas o rosto, a forma, osinal de uma verdade da qual ela não pode ser separada” 106. Essa be -

105 Jo 1, 38-39.106 S. M. BREynER anDRESEn, Antologia, arte Poética i, p. 229.

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leza artística contribui para que o ser humano não se contente comuma beleza banal, antes se lance em busca da própria Beleza, a belezain finita. “Procure entender a fundo o que dizem os grandes artistas, osverdadeiros artistas, nas suas obras-primas, e encontrará Deusnelas” 107, sugeria Vincent Van Gogh. Ou, nas palavras de Johann Se -bastian Bach “o objetivo e a razão final de toda a música não podemser outros senão a glória de Deus e a satisfação da alma” 108. a beleza éuma chamada à transcendência, permite-nos um encontro com o invi-sível. como afirmou o Papa João Paulo ii, “a beleza é chave do misté-rio e apelo ao transcendente” 109.

Tinha finalmente encontrado a modalidade para lecionar a disci-plina: escancarar a beleza diante dos olhos, ouvidos e coração palpi-tante dos alunos por forma a descobrirem um gosto novo pela vida.através do PowerPoint e com o recurso permanente às várias expres-sões artísticas procuraria “suscitar admiração e desejo do belo, formara sensibilidade [dos alunos] e alimentar a paixão por tudo aquilo queé autêntica expressão do gênio humano e reflexo da Beleza divina” 110.não se tratava de propor uma religião, antes de dar ferramentas paraque cada um pudesse verificar a razoabilidade das suas convicções edos seus comportamentos.

Entendi este meu trabalho na universidade como um verdadeiroexercício de educação no sentido mais profundo da palavra; mais doque instruir e dar matéria desejava educar, isto é, introduzir à reali-dade total cada um daqueles que me fora confiado: propor aos alunosaquilo que eu própria encontrara e continuava diariamente a encon-trar como verdadeiro.

nesta apaixonante tarefa jogavam-se duas liberdades, a minha e ado aluno, unidas pelo inesgotável desejo de felicidade e de cumpri-mento que caracterizam o nosso “eu” humano e que pede uma res-posta à pergunta “quem és Tu pelo qual o meu coração anseia?” 111.Um Tu que sustenta o meu eu, que abraça a minha existência e quemantém viva a minha esperança.

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107 V. Van GOGh, Cartas a Théo, carta de Julho de 1880, p. 52.108 h. R. FERnanDES BRaGa, Cânticos de Natal, p. 14.109 JOãO PaULO ii, Carta aos artistas, 23 abril 1999, 16.110 BEnTO XVi, Mensagem para a XIII sessão das Academias Pontifícias, 24 novembro 2008.111 “a minha alma anseia por ti de noite e do mais profundo do meu espírito, eu te pro-

curo pela manhã” (is 26, 9).

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1. Itinerário do curso

as aulas seguiam o Percurso de Formação cristã 112 proposto peloteólogo italiano Luigi Giussani 113 onde o autor apela a um trabalhopessoal, a uma ascese que permita a cada um começar a ajuizar a rea-lidade, sem receio de enfrentar as perguntas sobre o sentido da vida eaceitando uma eventual mudança no seu coração. O autor não parteda apresentação de uma religião, mas de um apelo a viver sempre in -tensamente o real para se ser verdadeiramente religioso. nesse sen-tido, ser religioso é estar comprometido seriamente com a vida, poisisso acarreta uma urgência ontológica de entender o todo, o mundo ea si mesmo. Este despertar das perguntas últimas era avivado pelasobras de arte que apresentava em cada aula, pois embora a arte nãotenha uma função utilitária imediata, permite que cada um descubramais facilmente a sua própria humanidade, tal como o afirmava a poe-tisa brasileira adélia Prado: “a arte humaniza o homem porque mos -tra não a aparência, mas nos induz por causa da emoção que ela noscausa. Ela nos induz à intimidade, à alma das coisas, à nossa própriaintimidade e é por isso que ela nos comove; porque mexe” 114. Destaforma a arte tornava-se um meio privilegiado nas aulas para expressara necessidade que o homem tem de ir além da realidade visível, mani-festando a sua procura por um significado último. a pergunta sobre aprópria identidade, “quem sou eu?”, é naturalmente um dos funda-mentos da filosofia, mas também da literatura, da música e da pinturapois o artista revela de forma mais consciente a autêntica natureza doho mem que é a de procurar respostas às grandes interrogações sobreo sentido da sua existência. como não recordar os inúmeros autorre-tratos de Rembrandt (mais de sessenta) ou de Van Gogh (cerca detrinta) na busca incessante por compreender o significado da sua pró-pria existência? como não tomar a sério o drama da poetisa Fernanda

112 Trilogia composta por:L. Giussani, O sentido religiosoL. Giussani, Na origem da pretensão cristãL. Giussani, Porquê a Igreja.113 Sacerdote católico italiano (1922-2005) fundador do Movimento eclesial comunhão e

Libertação. Em 1954 deixa o ensino no Seminário para ensinar religião no liceu Berchet deMilão. Deseja propor aos jovens a urgência da experiencia cristã. O conteúdo das suas liçõesdá origem à publicação do Percurso de Formação cristã. De 1964 a 1990 ensina Introdução àTeologia na Universidade católica do Sacro cuore de Milão.

114 a. PRaDO, Conferência “O poder humanizador da poesia”.

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de castro, “há trinta anos que busco nos meus passos / Saber paraonde vou e de onde vim” 115. Ou o grito do conjunto musical Super-tramp “But please tell me who i am” (Por favor, diz-me quem sou eu)na sua famosa música Logical Song 116? Estas perguntas fundamentais,ainda que obscurecidas pela vivência social, não podem ser elimina-das pois estão enraizadas no fundo do nosso ser e repropõem conti-nuamente a pergunta última que define o homem como tal. Para en -frentar estas perguntas era necessário que cada aluno aceitasse partirde si mesmo, vivendo intensamente o real, observando-se em ação etendo em mente a interrogação colocada por Fernando Pessoa no seuhe terónimo Álvaro de campos, “Eu serei tal qual pareço em mim? /Serei tal qual me julgo verdadeiramente?” 117. Procurava despertar asexigências fundamentais do coração, aquilo que passaríamos a intitu-lar de sentido religioso. Essas exigências de verdade, justiça, felici-dade, amor, beleza são inextirpáveis e exigem uma resposta total quecubra o horizonte da razão. Resposta que não pode ser encontrada nasciências pelo simples facto de que não pertencem ao campo do seudomínio e da sua investigação. como afirmava o teólogo suíço Mau-rice zundel, “o destino do homem surge sempre infinitamente trá-gico, quando parece estar apenas ligado à biologia” 118 pois nessa“iden tificação passiva com a biologia” 119, o homem reduz-se a umsimples objeto em vez de se reconhecer sujeito, pessoa, com um signi-ficado próprio. a “vida tem um sentido potencial sob quaisquer cir-cunstâncias – sublinhava o fundador da logoterapia, Viktor Frankl –mesmo nas mais miseráveis” 120, e esse sentido tem de se encontrarfora da vida, numa relação com algo que esteja para além da compre -ensão humana, algo transcendente. a razão abre-se e afirma a existên-cia de uma realidade última, um Outro pelo qual vale a pena viver.“(...) o que me há na alma / E faz a febre em mim de navegar / Só en -contrará de Deus na eterna calma / O porto sempre por achar”, dizFernando Pessoa no seu poema Padrão 121. no entanto, para que o ho -mem possa chegar a afirmar esse Deus, esse Tu transcendente que o

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115 F. caSTRO, Trinta e Nove poemas.116 SUPERTRaMP, Logical Song, álbum “Breakfast in america”, 1979.117 a. caMPOS, “Três Sonetos” Livro de versos. Fernando Pessoa, p. 56, poema “quando olho

para mim não me percebo”.118 M. zUnDEL, Conferência no Cairo, 13 abril 1965.119 M. zUnDEL, Que l’homme soit!, choisir 138 (1971), 2-3.120 V. E. FRanKL, Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração, p. 10. 121 F. PESSOa, Mensagem, ii, iii, p. 61, poema “Padrão”.

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acompanha em cada momento da sua vida, é necessário um compro-misso sério com a realidade, uma caminhada pessoal aberta à fé e àrazão. Talvez não se consiga desvendar o rosto dessa Presença, masnão se pode deixar de a reconhecer. “Fosse qual fosse o chão da cami-nhada, / Era certa a meu lado / a divina presença impertinente / Doteu vulto calado / E paciente...” 122 afirma Miguel Torga. Pode-se in -clu sive negar essa Presença – “não tenho mais palavras. / Gastei-as anegar-te...” 123 – sem no entanto deixar de intuir a sua existência, comona dramática Oração do ateu de Miguel de Unamuno, “ouve o meurogo, Tu, Deus que não existes” 124. quando o homem exclui a possibi-lidade de Deus, de um Tu presente que abraça o seu ser e que res-ponde às suas exigências, o sentido das coisas resulta profundamentede formado. adverte o papa Bento XVi, “quando Deus é expulso, omundo transforma-se num lugar inóspito para o homem” 125. comonão recordar toda a pintura de Francis Bacon que exprime dramatica-mente a inadaptação dos seres por deformações violentas e pelaacidez das cores? a tentativa do homem de esvaziar as perguntas últi-mas que estão dentro do seu coração ou o seu esforço em dar uma res-posta redutora a essas mesmas perguntas, conduzem ao “eclipse dosentido de Deus e do homem” 126. a realidade é reduzida à sua apa-rência e o homem procura a felicidade onde não a vai conseguir en -contrar. cai-se facilmente no “materialismo prático, no qual proliferao individualismo, o utilitarismo e o hedonismo” 127 pois o único fimque conta é a busca do próprio bem-estar material. nesse caso, o ho -mem, preso na ilusão de conseguir tudo, acaba por cair no nada. é estacontradição que faz Fernando Pessoa dizer na sua Mensagem “porqueé do português [poderíamos dizer porque é do homem], pai deamplos mares, querer, poder só isto: o inteiro mar, ou a orla vã des-feita – o todo, ou o seu nada” 128. Um nada que conduz ao desespero.O papa Francisco adverte para o cancro do desespero que aflige as so -ciedades materialistas 129 onde a pretensão de autonomia absoluta do

122 M. Torga, Câmara Ardente, poema “Desfecho” 123 Ibid.124 M. Unamuno, Rosario de sonetos líricos, soneto XXXiX, v.1125 Bento XVi, Audiência geral, 4 de abril de 2012126 João Paulo ii, Carta Encíclica Evangelium Vitae, 25 Março de 1995, 21.127 Ibid.128 F. Pessoa, Mensagem, i, iii, 4, p.41, poema “D. João, infante de Portugal” 129 Francisco, Homilia, Missa no World cup Stadium, Daejeon, coreia do Sul, 15 agosto

2014. “O espírito de desespero que parece crescer como um cancro no meio da sociedade, queexteriormente é rica e todavia muitas vezes experimenta amargura interior e vazio”.

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homem deixou campo livre ao pessimismo e ao niilismo. “Doençamortal é o desespero” 130 escreve Kierkegaard evidenciado no avisodo loroso do poeta noel de arriaga de que “nada vale a pena” 131, ou no grito desesperado pintado por Edvard Munch, ou ainda no trá-gico pessimismo de Sartre segundo o qual “o homem é uma paixãoinútil” 132, todos confirmando a explicação de Dostoiévski: “se priva-rem as pessoas do infinitamente grande, elas não quererão viver emorrerão no desespero.” 133

a história da filosofia e da arte em geral tem tido como um dostemas dominantes o mistério de Deus, seja como afirmação, seja comonegação. Reconhecer esse mistério reduz-se a um gesto de liberdade.De acordo com o filósofo Gabriel Marcel ,“Deus não é um problema,mas um mistério de presença, que, propriamente, não se conhece, masnós o podemos reconhecer e aceitar ou negar” 134. aceitar esse Misté-rio, Deus, significa não renunciar à esperança de encontrar um nexoentre a inquietação que caracteriza o homem e este mundo passageiro,significa manter vivo o irreprimível “desejo de totalidade, desejo deDeus, desejo de uma satisfação total [pois] a natureza do homem ésede de infinito” 135. Dizia o escritor José Régio: “Vi que ao longo dosmeandros da minha corrupção e fraqueza de homem, transportavaintacta a minha até então mal conhecida, mas nunca ausente, necessi-dade de qualquer coisa que me ultrapasse... assim, através do conhe-cimento de mim, se me revelava a humanidade. E assim me revelouDeus!” 136

no esforço imaginativo do homem de encontrar uma ligaçãoentre o seu ser efémero e o divino, nasce a religião (a própria palavra,derivada do termo latino “re-ligare”, é muito elucidativa). as religiõessão um esforço verdadeiro do homem de se adentrar no Mistério, semno entanto pretender abarcá-lo. analisando, embora de forma sucinta,as principais religiões existentes, pode-se confirmar a definição deGiussani de que “a religião é um conjunto expressivo que será concep-tual, prático e ritual, e que dependerá da tradição, do ambiente, do

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130 S. KiERKEGaaRD, O desespero Humano.131 M. B. Pereira, João Villaret: Antologia poética, poema “nada vale a pena”, p. 60.132 J. P. SaRTRE, L’être et le néant: essai d’ontologie phenomelogique, p. 662. 133 F. DOSTOiéVSKi, Os demónios, iii, cap. 7, p. 586.134 U. ziLLES, Gabriel Marcel e o existencialismo, p. 10.135 J. caRRÓn, A esperança não desilude, Exercícios da Fraternidade de comunhão e Liber-

tação, p. 13. 136 J. RéGiO, Jogo da cabra cega, p. 377.

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momento histórico, como também de cada temperamento individuale pessoal” 137. Os chefes espirituais têm – segundo o Papa Bento XVi –“um dever particular, e poderíamos dizer uma competência especial,que consiste em pôr em primeiro plano as questões mais profundas daconsciência do homem, em despertar a humanidade diante do misté-rio da existência humana e, num mundo frenético, em reservar espaçoà reflexão e à prece” 138. a grande maioria da humanidade professa,direta ou indiretamente, alguma crença religiosa. a fé cristã, no en -tanto, difere de uma simples crença pois consiste em aceitar como ver-dadeira a Palavra revelada de Deus. Jesus cristo, “o Logos eterno, fez--se carne para reconciliar o homem com Deus” 139. nesse sentido ocristianismo apresenta-se como a única estrada na qual Deus veio aoencontro do homem. “O próprio infinito – dizia o Papa Bento XVi -para que se tornasse resposta que o homem pudesse experimentar,assumiu uma forma finita. a partir da Encarnação, o momento noqual o Verbo se fez carne, a distância incomensurável entre finito e in -finito extinguiu-se: o Deus eterno e infinito deixou o seu céu e entrouno tempo, ingressou na finitude humana” 140.

acreditar ou não na divindade de Jesus cristo passa a ser a ques-tão religiosa. acreditar e seguir Jesus, cada um na sua vocação especí-fica, a exemplo de charles de Foucault, “Logo que descobri que existeDeus entendi que não podia mais fazer outra coisa a não ser viver porEle: a minha vocação religiosa começa no exato momento em que des-pertou a minha fé” 141. Ou então acreditar e no entanto escolher omundo secular, como no poema de Sophia de Mello Breyner andre-sen, “Senhor sempre te adiei / Embora soubesse que me vias / quisver o mundo em si e não em ti / E embora nunca te negasse te apar-tei” 142. Será razoável afastar-se de cristo por medo a perder algumacoisa, por receio a ter de renunciar a si mesmo? 143 “não – responde oPapa Bento XVi – quem deixa cristo entrar não perde nada, nada,

137 L. GiUSSani, Na origem da pretensão cristã, p. 18.138 BEnTO XVi, Discurso, centro cultural “Pope John Paul ii”, Washington Dc, 17 abril

2008.139 Ibid.140 BEnTO XVi, Mensagem aos participantes do XXXIII Meeting para a Amizade entre os Povos,

Rimini, 2012.141 M. LaFOn, Prier 15 jours avec Charles de Foucauld.142 S. M. BREynER anDRESEn, Ilhas, p. 59, poema “Senhor”.143 “Então Jesus declarou aos seus discípulos: “Se alguém deseja seguir-me, negue-se a si

mesmo, tome a sua cruz e me acompanhe.” (Mt 16, 24)

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absolutamente nada daquilo que torna a vida livre, bela e grande.não! Só nesta amizade se abrem de par em par as portas da vida” 144.a experiência do encontro com cristo ressuscitado redesperta as exi -gên cias do coração e salva o homem. Uma fé que separe cristo davida pessoal é vã porque transforma cristo numa abstração, numaideia que não se sustentará diante das adversidades. Sem a sua Pre -sen ça real, viva, o humano e os seus valores não se salvam. ao afir-mar: “Eu sou a Ressurreição e a Vida. quem crê em mim, mesmo quetenha morrido, viverá.” 145 Jesus cristo responde plenamente ao desejomais profundo de felicidade do homem. Porém, Ele “não veio aomun do para se substituir ao trabalho humano, à liberdade humana oupara eliminar a provação humana – condição existencial da liberdade.Ele veio ao mundo para conduzir o homem até ao fundo de todas asquestões, à sua estrutura fundamental e à sua situação real.(...) Eleveio para chamar o homem à religiosidade verdadeira, sem a qualqualquer pretensão de solução é mentira” 146. assim aconteceu com osprimeiros discípulos, assim acontece ainda hoje. O cristianismonasceu de uma Presença que se impunha, de uma certeza que foi cres-cendo naqueles primeiros que O seguiam a partir da pergunta crucial,quem é este homem?, “quem é este homem que até os ventos e o marobedecem?” 147, “quem é este homem que até perdoa os pecados?” 148.como não se deixar interpelar pelo “quis est homo?” do Stabat Materde Pergolesi ou pelos cristos de El Greco? Essa pergunta percorre osséculos e chega até nós num dos maiores “poemas em pedra” 149 que éa Basílica da Sagrada Família, em Barcelona, do arquiteto Gaudí, “umespaço de beleza, de fé e de esperança, que leva o homem ao encontrocom quem é a Verdade e a própria Beleza” 150. Um espaço de belezapara que o homem possa descobrir a beleza de Deus e responder àper gunta que Jesus fez a Pedro e continua a fazer a cada homem, “Etu, quem dizes que eu sou?” 151

hoje, como ontem, chega-se ao conhecimento de Jesus cristo pelos

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144 BEnTO XVi, Homilia, Missa para o início do ministério petrino, Roma, 24 abril 2005.145 Jo 11, 25.146 L. GiUSSani, Na origem da pretensão cristã, p. 113.147 Mt 8, 27.148 Lc 7, 49.149 “Su [Gaudí] obra es uno de los más grandes poemas cristianos en piedra” disse o

nuncio apostólico Francesco Ragonesi, a antoni Gaudí, em 1915 ao visitar a obra. Disponívelem <https://www.aciprensa.com/arte/gaudi/gaudi.htm>

150 BEnTO XVi, Homilia, Missa na igreja da Sagrada Família, Barcelona, 7 novembro 2010.151 “E vós, quem dizeis que Eu sou?” (Mt 16, 15)

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Evangelhos, pelo modo como os primeiros discípulos O encontrarame se deixaram tocar, pelo testemunho de tantos que se deixaram sedu-zir pelo Seu amor. “Pedro encontrou-o nas margens do lago, Pauloencontrou-o na estrada de Damasco, Maria encontrou-o nas sendas davida, Dimas encontrou-o no cimo da cruz” canta uma música ita-liana 152. no entanto, cristo não pode ser reduzido a uma personagemfascinante do passado. Ressuscitou, está vivo, deseja também hojeencontrar e ser acolhido por cada homem. Se o cristão não sente na suaprópria carne o olhar de cristo, o mesmo olhar amoroso que mudouos discípulos há dois mil anos atrás, então não poderá afirmar quecristo acontece na sua vida, que cristo responde ao seu desejo de tota-lidade. “O cristianismo, antes de uma moral ou de uma ética, é umacontecimento de amor” 153 afirma Bento XVi, é “o encontro com umaPessoa viva que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumodecisivo”154.

“Deus existe; está aqui presente. é alguém, é um ser tão pessoalcomo eu! ama-me, chama por mim!” diz Paul claudel no momentoda sua inesperada conversão na catedral de notre Dame de Paris. “alise deu – acrescenta – o acontecimento que domina toda a minha vida.num instante, o meu coração foi tocado, e eu acreditei. Eu acrediteicom uma tal força de adesão, com uma tal exaltação de todo o meuser, com uma convicção tão poderosa, com uma tal certeza que nãodeixava lugar a nenhuma espécie de dúvida.” 155 não há cristianismoverdadeiro sem um encontro pessoal com Deus, um encontro que per-mita confirmar os versos de Sophia, “és tu a Primavera que eu espe-rava, / a vida multiplicada e brilhante, / Em que é pleno e perfeitocada instante.” 156

Para prolongar a Sua presença salvadora no meio dos homens,cristo não deixou apenas aos fiéis a Sua Palavra (as Escrituras e a Tra-dição) e o Seu Espírito, mas ainda a Sua igreja. “Sobre esta pedra edifi -carei a minha igreja” 157 disse Jesus a Pedro. a igreja permite ao ho -mem alcançar a certeza de cristo hoje porque “cristo ressuscitadopermanece, pessoal e realmente, na história e na vida do homem atra-

152 a. ROSciO, G. ROSciO, a. aGaPE, G. aGaPE, “noi non sappiamo chi era”, cancioneirocL, p. 68.

153 BEnTO XVi, Audiência geral, Roma, 14 novembro 2012.154 BEnTO XVi, Carta Encíclica Deus caritas est, 25 Dezembro 2005, 1.155 EccLESia, Lectures chrétiennes, pp. 53-58.156 S. M. BREynER anDRESEn, Dia do Mar, p. 93, poema “Promessa”.157 Mt 16, 18.

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vés do rosto histórico e vivo da comunidade cristã” 158. a igreja é, deum ponto de vista social e visível, o povo de Deus, Ecclesia Dei – osreu nidos por Deus – mas ela é ao mesmo tempo, de um ponto de vistaon tológico e espiritual, o corpo místico de cristo. Ela é una, mas for-mada por um duplo elemento: humano e divino. “Só com os olhos dafé – diz o catecismo da igreja católica – é que se pode ver na sua rea-lidade visível, ao mesmo tempo, uma realidade espiritual, portadorade vida divina” 159. Mais do que uma instituição, a igreja é uma Vidaque se comunica. Em poucas palavras definia Bossuet a igreja: “aigreja não é senão Jesus cristo derramado e comunicado a toda aterra” 160 ou ainda nas palavras de Santa Joana d’arc, “de Jesus cristoe da igreja eu penso que são um só, e que não há que levantar dificul-dades a esse respeito” 161. Por essa razão, para os fiéis não é possívelamar cristo sem a igreja, ouvir cristo e não a igreja, ser de cristo masfora da igreja. Esta convicção vem das próprias palavras de Jesus aosapóstolos, “quem vos ouve é a mim que ouve, e quem vos rejeita é amim que rejeita” 162. a igreja é cristo presente agora, tal como Ele quis.

a igreja mostra-se primeiramente em Maria sua Mãe, mulhercheia de graça; nos seus santos, testemunhos vivos da adesão incondi-cional a Jesus; no conjunto dos sacramentos que ela celebra, “prolon-gamento dos gestos redentores de Jesus” 163 que santificam os homens;e nas confissões de fé que professa pelo seu magistério. na profissãodo credo, os fiéis afirmam que creem na igreja Una, Santa, católica eapostólica. Esses quatro atributos, inseparavelmente ligados entre si,indicam traços essenciais da igreja e da sua missão. a igreja não ostem de si mesma; é cristo que, pelo Espírito Santo, lhos dá esperandoque ela os conserve. “Sobre todos os filhos de Deus que a igreja reúne– dizia henri de Lubac – ela põe o selo da unidade” 164. “Todos unidos,todos unidos com as nossas diferenças, mas sempre unidos: este é o

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158 L. GiUSSani, Porquê a Igreja?, p. 82.159 cic n. 770, p. 181.160 P. LaUBiER, L’Église, corps du Christ dans l’Histoire: une perspective catholique, Présentation. “L’église c’est Jésus-christ répandu et communiqué, c’est Jésus-christ tout entier, c’est

Jésus-christ homme parfait, Jésus-christ dans sa plénitude”.161 SOciéTé DE L’hiSTOiRE DE FRancE, Procès de condemnation de Jeanne d’Arc, Paris, éd. Pierre

Tisset, 1960, p. 166.“M’est avis que c’est tout un de notre-Seigneur Jesus-christ et de l’Eglise, et qu’on n’en

doit point faire de difficulte.”162 Lc 10, 16.163 L. GiUSSani, Porquê a Igreja?, p. 228.164 h. LUBac, Méditation sur l’Église, p. 44.

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caminho de Jesus – apela o Papa Francisco, acrescentando – Procuraia unidade, a unidade que faz a igreja. a unidade vem de Jesus cristo.Ele envia-nos o Espírito Santo para realizar a unidade.” 165 Esta uni-dade, mais do que obtida por um governo unificado ou por uma dou-trina compartilhada, é sustentada pela Eucaristia: cristo que por amorse oferece aos seus, para os incorporar no próprio ato em que ele seoferece ao Pai por eles. é por meio da mudança que cristo opera nosfiéis durante a Eucaristia, que eles O tornam presente no mundo. aEu caristia é o memorial da paixão e da morte de Jesus, mas tambémda Sua Ressurreição. Por isso, como afirmava Bento XVi, “a ressurrei-ção não passou, a ressurreição alcançou-nos e agarrou-nos. a ela, istoé, ao Senhor ressuscitado nos agarramos, sabendo que Ele nos segurafirmemente, mesmo quando as nossas mãos se debilitam. agarramo-nos à Sua mão, e assim seguramos também as mãos uns dos outros,tornamo-nos um único sujeito, não apenas um só. Eu, mas já nãoeu” 166. cristo vem ao encontro de cada homem com o desejo de oagarrar, de o tornar seu. Por isso a igreja é católica – ou seja, universal– porque é destinada a salvar a totalidade do género humano. nelaestá o “cristo todo”, cabeça e corpo, que a impulsiona a anunciar aBoa nova da salvação, “ide, fazei discípulos de todos os povos, bati-zando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” 167. Destaforma, o divino comunica-se através do humano enquanto verdade epor meio da ação da graça sobrenatural. importa salientar que não sepode ser plenamente cristão se não estiver presente a dimensão comu-nitária pois é na comunhão da igreja que o fiel vive a sua assimilaçãoe configuração ao mistério da morte e ressurreição de cristo. “a nossafé – dizia o Papa Bento XVi – só é verdadeiramente pessoal se for tam -bém comunitária; só pode ser a minha fé se viver e se se mover no«nós» da igreja, só se for a nossa fé, a fé comum da única igreja.” 168

a proposta cristã como realidade viva a ser seguida aborda o ho -mem diretamente e no seu presente, pede para ser verificada comtodos os instrumentos de uma experiência totalmente humana, pro-fundamente pessoal, enraizada numa relação comunitária. “Esta rea-lidade viva – dizia Giussani – é hoje a vida da igreja que é leitura doEvangelho, da Palavra de Deus, porém interpretada pela consciência

165 FRanciScO, Audiência geral, Roma, 19 Junho 2013.166 BEnTO XVi, Vigília Pascal, Basílica Vaticana, 15 abril 2006.167 Mt 28,19.168 BEnTO XVi, Audiência geral, Roma, 31 Outubro 2012.

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viva de um corpo vivo, guiada por uma realidade viva, o magistério,um corpo com o seu ritmo de tempo que corre, que é a liturgia”169. im -porta verificar, e este desafio era dirigido a cada aluno, se as exigên-cias mais profundas do coração do homem encontram resposta naigreja de forma a que cada um possa fazer suas as palavras de Sophia:“ali vimos a veemência do visível / O aparecer total exposto inteiro /E aquilo que nem sequer ousáramos sonhar / Era o verdadeiro” 170.

2. O recurso à arte como meio privilegiadode despertar os alunos

Este foi o itinerário do curso que teve um impacto decisivo na vidade muitos dos alunos. no decurso das aulas, os jovens eram provoca-dos a viver o nexo entre os diferentes conhecimentos adquiridos, e aajuizar os conteúdos ensinados com vista a alargar os seus horizontese contribuir para um empenho sério com o seu próprio eu. “quemjulga, compromete-se”, já o dizia Bernanos 171. Pretendia despertar emcada aluno o desejo do seu coração, ajudando-o a descobrir o seu sen-tido religioso, sem receio de enfrentar as perguntas mais profundas doseu eu. Desejava libertá-los da ditadura dos desejos para os lançar naprocura do Desejo, de um Tu que respondesse ao seu insaciável desejode felicidade. a beleza da arte era o instrumento privilegiado para ossa cudir: nem sempre uma beleza estética, sensorialmente atraente(que tantas vezes pode conduzir à evasão sentimental), mas algumasvezes uma beleza sob uma aparência brutal que arranca o homem desi mesmo e o interpela. Muitos dos artistas apresentados não se afir-mavam crentes, mas eram profundamente humanos e, nesse sentido,religiosos. na sua arte está contido um grito verdadeiro de procura deum sentido para a vida. Era essa beleza que interessava descobrir. Talcomo o defende o historiador de arte Timothy Verdon, a beleza devecriar no homem uma certa inquietação que lhe permita ir para além daaparência. as aulas foram-se tornando cada vez mais vivas e via des-pertar no olhar de muitos jovens uma curiosidade e uma atenção atéentão inimaginável. não se tratava de dar aos alunos modelos de pes-

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|271169 L. GiUSSani, O Sentido de Deus e o Homem moderno, p. 133.170 S. M. BREynER anDRESEn, Navegações, as ilhas, Poema V, p. 255.171 G. BERnanOS, La liberté, pour quoi faire?, p. 115, “qui juge s’engage”.

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soas, pois cada um descobriria os seus, mas momentos de pessoas, istoé, excertos de arte que pudessem falar ao coração tocando a sensibili-dade individual. a possibilidade de algum dos artistas não ter sidocapaz de se manter fiel ao grito contido naquele seu “momento”, nãotorna menos valioso o que aí está contido. imagens, música e poesia,expressões diferentes da genialidade humana, todas elas interligadasnas aulas para tocar os vários sentidos, para comover, isto é, pôr emmovimento confirmaram que a verdadeira beleza pode voltar a pôrem marcha a nossa humanidade enchendo-nos de nova esperança.

Para cada aula, um ou dois pintores ilustravam toda a temática.Passaram pelo curso pintores como almada negreiros, para quem oque lhe interessava era “ver” (“o espetáculo” como ele dizia); VanGogh que por meio da cor e da sua pincelada genial procurava ver aDeus em toda a realidade circundante; casper David Friedrich, conhe-cido como o “místico do pincel” pelas suas paisagens românticasalemãs profundamente simbólicas; Fra angélico, o pintor da perfeitasintonia entre fé e arte; Giotto, o grande revolucionário da pintura;Michelangelo, onde a perfeição é feita de pequenos detalhes; caravag-gio, Rembrandt e George de la Tour, três grandes estimuladores deemoções, exploradores do jogo da luz e sombra e perseguidores da luzdivina; Picasso ou Braque cuja arte teve como finalidade perturbar;René Magritte cuja pintura se caracteriza por uma figuração precisaonde está presente uma subversão mental, sinal do homem que não sepercebe; Rouault, o grande pintor cristão do séc. XX; e muitos outroscujas pinturas falavam diretamente ao coração.

Grande ênfase era dado também à escuta de música sacra, clássicae contemporânea. Teriam os alunos, alguma vez, escutado a beleza deum canto gregoriano? Era necessário prestar atenção a um colossocomo é Johann Sebastian Bach que criava as suas obras em louvor aDeus; a um Beethoven cujo amor à arte o fez ultrapassar a sua totalsurdez; a um génio como Mozart, transcendente e simples ao mesmotempo; a um chopin cujo piano nos fala da busca de Deus; a um Shos-takovitch que sempre serviu a Verdade. Entre compositores vivos,como não conhecer arvo Part, Gorecki ou John Tavener, todos comestilos originais muito diferentes entre si, mas em todos presente umprofundo conteúdo espiritual? Teve ainda lugar de destaque no cursoa escuta e crítica de canções contemporâneas. Bem sabemos que agrande maioria das canções que os jovens apreciam, sejam elas pop,rock, country ou rap são “superficiais e sedutoras até ao aturdimentoe, em vez de fazer sair os homens de si e de os abrir a horizontes de

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verdadeira liberdade atraindo-os para o alto, aprisionam-nos em simesmos e tornam-nos ainda mais escravos, privados de esperança ede alegria.” 172 Muitas das letras dessas canções despertam vontade depoder, de posse, de prepotência sobre o outro. no entanto, há tambémexcelentes canções que podem tocar intimamente, ferir inclusive, paranos abrir os olhos. algumas músicas de adriana calcanhoto, queen,Supertramp, Edith Piaf, Jacques Brel, Fausto, camané, amália, Ma fal -da Veiga, Bob Dylan, cat Stevens, Leonard cohen, claudio chieffo,U2 e R.E.M tinham a capacidade de reconhecer o sentido profundo donosso existir.

Resta ainda mencionar a importância fulcral da poesia no decursodas aulas. como dizia Sophia de Mello Breyner andresen, “sempre apoesia foi para mim uma perseguição do real” 173. Era essa busca darealidade que interessava avivar nos alunos e a poesia de Sophia eraum autêntico caminho para o real, como busca de uma aliança posi-tiva com as coisas e sobretudo pela sua capacidade de se avizinhar doMistério de Deus. Foi sem dúvida uma das principais âncoras poéticasdo curso. no entanto, muitos outros poetas portugueses, com um pro-fundo sentido religioso, marcaram presença nas aulas. FernandoPessoa, cuja temática preferida era a dimensão religiosa; MiguelTorga, um grande nostálgico de Deus, de um Deus que afirmava terperdido na infância e cuja busca percorria a sua poesia; José Régioonde o problema de Deus era tema central de toda a sua obra; Máriode Sá-carneiro, um dos grandes poetas da introspecção do eu, quecedo cedeu ao desencanto da vida e à autodestruição; Florbela Espan -ca, cuja poesia, triste e angustiada, era marcada por um desejo deamar, infinito, impossível de alcançar neste mundo; Fernanda decastro, mulher de esperança cujo amor à vida testemunhava no seuriso e alegria. Os alunos iam descobrindo como a beleza aviva o desejode alargar a razão e não se detém diante do medo do desconhecido,antes, arrisca ir além. Por que não se deixar tocar pelas narrativas deca mões nos Lusíadas, onde o poeta realça magistralmente o esforçohe roico da luta dos navegadores portugueses contra o mar e onde so -bressai a ânsia pela conquista do desconhecido? Se aceitamos que abeleza nos toque intimamente então somos capazes de “colher o sen-tido profundo do nosso existir, o Mistério do qual somos parte e doqual podemos haurir a plenitude, a felicidade, a paixão do compro-

172 BEnTO XVi, Discurso aos artistas, capela Sistina, 21 novembro 2009.173 S. M. BREynER anDRESEn, Obra Poética, p. 841.

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misso quotidiano” 174. Deixar-se tocar ainda pela sensibilidade dospoetas brasileiros como Drummond de andrade, cecília Meireles eadélia Prado, ou pelos escritos de grandes génios literários tais comoRilke, claudel, Dostoiévski, Péguy e chesterton. alguns livros eramindicados como leitura obrigatória: “1984” de Orwell ou “admirávelMundo novo” de huxley – nos quais se coloca a questão da liberdadenão como simples capacidade de escolha, mas sobretudo como adesãoàquilo que se deseja - e grandes romances como “crime e castigo” deDostoiévski e “Os noivos” de Manzoni onde se colocam os principaistemas existenciais: liberdade, amor, sofrimento, o bem e o mal, des-tino, a experiência de Deus.

ao longo do curso foi-se confirmando o amadurecimento de mui -tos alunos. as suas perguntas tornavam-se mais verdadeiras, as suasinquietações pertinentes, os seus receios legítimos, os seus comporta-mentos libertos do peso da imagem, os seus interesses mais alargados,as suas convicções mais razoáveis, os seus desejos mais profundos.

3. Um curso para além das fronteiras da universidade

O impacto das aulas extravasou para os pais dos alunos, provoca-dos pela mudança ocorrida nos filhos e pelo entusiasmo com que fala-vam das aulas, de tal forma que alguns deles começaram também afrequentar o curso. O número de curiosos foi aumentando ao ponto deme ser pedido para ministrar as aulas à noite, dirigido exclusivamentea adultos. Desta forma, o curso foi-se espalhando por escolas, paró-quias e centros culturais. Esses seminários para adultos decorriamuma vez por semana, durante vários meses, e contavam com a pre-sença assídua de centenas de pessoas.

De 2007 a 2012 residi nos Estados Unidos onde apresentei estesseminários em colégios e paróquias com grande reconhecimento porparte da assistência.

De regresso a Portugal, em 2013, fui convidada a lecionar o cursono iSEG, instituto Superior de Economia e Gestão, uma universidadepú blica que se interessou em oferecer aos alunos estas aulas comocurso livre. Por ser uma universidade laica, o curso passou a ter um

174 BEnTO XVi, Discurso aos artistas, capela Sistina, 21 novembro 2009.

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título mais abrangente: “O Eu e o Transcendente, em busca da res-posta à pergunta sobre o sentido da vida”. Tem sido uma experiênciamuito gratificante pela adesão e participação significativa de alunos epresença de vários professores.

a experiência das aulas, tanto nas universidades como fora delas,permitiu-me um contacto próximo com jovens e adultos onde era evi-dente a ignorância a respeito da fé. Essa constatação fez-me sentir aurgência de elaborar, para além das aulas, apresentações soltas sobretemas correntes da existência humana à luz da mensagem cristã. Oobjetivo era, mais uma vez, contemplar a Verdade através da fé e darazão, expressa no génio artístico. Seguindo a mesma metodologia dasaulas – com combinação permanente de pintura, música e poesia – ecom o recurso à Sagrada Escritura e aos ensinamentos do magistérioda igreja, foram abordados temas como a Fé, a Oração, o Sofrimento,o amor entre homem e mulher, a Educação, a Eucaristia, a Morte, asFérias, natal, quaresma, entre outros. Para cada tema escolhia um oudois pintores que ilustravam toda a temática. com uma duração entre30 min. a uma hora, estas apresentações propunham a redescoberta eo testemunho renovado da relação com o transcendente. O interessepor este trabalho foi imediato. as reflexões começaram a ser apresen-tadas nos mais variados espaços públicos, tanto em Portugal, como noes trangeiro. nos EUa, foi criada em 2012 uma associação sem fins lu -crativos, o Two Wings institute, que visa a publicação e difusão dasapresentações. O nome Two Wings (Duas asas) foi inspirado naspalavras de João Paulo ii na sua carta Encíclica Fides et Ratio, de 1998,em que o Papa afirmava que “a fé e a razão constituem como que asduas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplaçãoda verdade”. Todo o trabalho desenvolvido pelo Two Wings instituteestá diretamente relacionado com o encontro pessoal com Deus emJesus cristo, e com a razão, especificamente através da arte, meio pri-vilegiado de falar ao coração do homem e de comunicar a beleza comosinal da Verdade.

conclusão

O objetivo de todo este trabalho que tenho vindo a realizar nestesúl timos dez anos, tanto no âmbito universitário como na formaçãopara adultos, consiste em reavivar as perguntas existenciais que estão

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no mais profundo de cada homem e propor a razoabilidade do cris-tianismo como resposta às mesmas.

Pretende-se desta forma promover uma cultura enraizada noEvan gelho e salientar perante o mundo contemporâneo a complemen-taridade entre fé e razão.

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a identidade do ensino religioso a partir das contribuições da nova história

e teologia cultural

cLÁUDia REGina KLUcK *SéRGiO JUnqUEiRa **

Sobre as pesquisas do Grupo, legislações e cursos de formação

historicamente o Ensino Religioso tem sido mote de estudo, dis-cussão e reflexão e alguns grupos de pesquisa dispararam seus estu-dos a respeito disponibilizando os resultados obtidos a outros pesqui-sadores da área, como é o caso do Grupo de Educação e Religião.

Este grupo, dentre outras frentes de pesquisa a respeito do EnsinoReligioso, tem reunido e disponibilizado importante documentação arespeito, a saber: legislações em níveis nacional e estadual; um pro-fundo mapeamento quanto aos cursos de formação para a disciplina,em diferentes níveis (formação inicial, formação continuada, extensão,pós-graduação, etc.), teses e dissertações produção nacionalmente.

O estudo a que se refere o presente texto é parte de pesquisa quese dedicou para a organização, fichamento e análise do conteúdo delivros didáticos do Ensino Religioso, no período entre 1901 a 2014,bus cando favorecer o entendimento a respeito da identidade destaárea do conhecimento.

Para o desenvolvimento da pesquisa foram utilizados os pressu-postos da história cultural, que têm sua gênese no movimento daEscola dos annales e que desde os precursores Marc Bloch e LucienFebvre têm sofrido mudanças ao longo dos anos.

De uma história de longa duração (totalizante), das mentalidades

* Mestra em Teologia, PUc-PR, curitiba – PR – BR ([email protected]).** Doutor, Professor do Programa de Pós-Graduação em Teologia, PUc-PR, curitiba –

PR – BR ([email protected]).

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até a história vista de baixo, micro-história foram longos e pesadospassos, que deram condições para que a proposição de novos temas enovas fontes pudessem ser testemunhos do que já ocorreu, ou melhor,neste caso, pelo viés da análise histórica dos livros didáticos utilizadosna disciplina do Ensino Religioso, contribuíssem para o conhecimentode sua identidade.

Depois da primeira geração de annales, a segunda, em que háuma aproximação da história com a Geografia. Um dos importantesrepresentantes é Fernand Braudel, que desenvolve questões a respeitodo tempo e espaço. Ele decompõe o tempo da história em outros tem -pos, que tem interrelação, a saber, o tempo social, o individual e o geo -gráfico, este último marcando a relação entre o homem e o meio emque vive.

a terceira geração de annales estabelece vínculos com os aspectosculturais das coletividades, mais antropológica, e rompendo com umahistória total, ampla, passando a se dedicar a questões sociais e cultu-rais, introduzindo outros personagens na historiografia, como a crian -ça, a mulher, a família. Le Goff é um ícone desta geração, e se dedica aestudar detalhadamente as transformações do imaginário medieval noano 1000.

a nova história cultural, quarta geração da Escola dos annales,surge em 1980 com as publicações da historiadora Lynn hunt. Ta m -bém carlos Ginzburg (1998) se dedica a história deixada a margem,extraindo a partir do moleiro Menocchio, através dos documentos dain quisição medieval, aspectos da estrutura e dinâmica das realidadessociais. além dele Roger chartier, teórico por excelência das pesquisascom base na nova história cultural tem se dedicado a pesquisa aomundo dos impressos e em especial da cultura escolar.

insere-se na pesquisa, além de chartier, Paul Tillich distinguindo--se junto com a sua Teologia cultural, como capazes de contribuirpara o discernimento da identidade da disciplina. Tillich versa a res-peito do conhecimento teológico, muitos aspectos desenvolvidos pelahistória cultural.

Então estão distintos os dois colaboradores para o substrato doEnsino Religioso. Substrato como sendo aquilo que constitui a essênciada disciplina, tendo em vista ser seu foco o conhecimento religioso dire-tamente ligado ao aspecto cultural das diferentes vertentes religiosas.

Sobre a distinção a respeito da identidade do Ensino Religioso noBrasil entre 1901 e 1996

na constituição de 1988 o Ensino Religioso de forma destacada,

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mo veu um grande contingente a fim de que a disciplina permane-cesse no currículo da escola brasileira. isso se mostrou profícuo.

além de constar na constituição cidadã, também na Lei de Dire-trizes e Bases 9496/96 – e revisões posteriores têm orientado de ma -neira a assegurar a formação básica comum e respeito aos valores cul-turais e artísticos, nacionais e regionais. na Lei de Diretrizes e Basesde 1996, versa que

[...] art. 33 O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é parte integran -te da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários nor-mais das escolas públicas de Ensino Fundamental, assegurado o respeitoà diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas deproselitismo [...]. (REPÚBLica FEDERaTiVa DO BRaSiL, Lei n. 9.475(22 julho 1997), in: FÓRUM naciOnaL PERManEnTE DO EnSinORE LiGiOSO, Parâmetros curriculares nacionais do Ensino Religioso,São Paulo, ave Maria, 1998, 3.ª ed., p. 66.)

De acordo com a lei brasileira a prática e a identidade da disciplinadeve abolir a prática prosélita e estar ligada à fenomenologia de hus-serl (1996) que é apresentada como uma ciência aparece à consciência,como aquela do sentido do mundo e das suas coisas, procurando com-preender o homem a partir dos fatos, como forma de não parcializa-ção, evitando a explicação a partir de conceitos e crenças prévias, e dereferenciais anteriores ao exame do fenômeno.

Essa vertente conceitual dá condições de uma prática pedagógicaque observa a integralidade, da continuidade histórica e cultural.

História cultural em chartier

como dito anteriormente, este estudo qualitativo, se serve da fe -no menologia sob a ótica de Edmund husserl (1859-1938), que propõe“avançar para as próprias coisas” (apud GiL, 2008), sendo aquilo queé visto imediatamente, orientado para o objeto ou para o dado, ou seja,o fenômeno – não pretendendo aferir se o dado é uma realidade ouaparência.

assim o método fenomenológico busca compreender por meio daintuição e apresentar tão somente o que é o dado e esclarecê-lo, pois“não explica mediante leis nem deduz a partir de princípios, mas con-

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sidera imediatamente o que está presente à consciência: o objeto”(GiL, 2008, p. 14).

Tendo em vista a natureza dos materiais, cabe ao método histórico,que investiga acontecimentos ou instituições do passado, auxiliar napercepção da influência dos Livros Didáticos na sociedade, sendo seufoco, ao refletir sobre suas raízes, compreender sua natureza e funçãoconforme ensinam Marconi e Lakatos (2003, p. 107), “as instituiçõesalcançaram sua forma atual através de alterações de suas partes compo-nentes, ao longo do tempo, influenciadas pelo contexto cultural particu-lar de cada época.” Portanto é neste entrecruzamento de micro (livrosdidáticos do Ensino Religioso) e macrohistória (história da EducaçãoBrasileira) que a história cultural pode dar sua contribuição.

a característica metodológica da história cultural, diz sobre asinúmeras relações possíveis entre o detalhe e o contexto, tendo emvista às lentes utilizadas pelos pesquisadores na análise das fontes, oque é percebido por Burke (2005) como força e fraqueza, pois en -quanto flexibiliza as pesquisas, também pode fragmentar os temasabordados.

a história cultural aborda uma pluralidade de temas, que abrepossibilidade para um sem fim de fontes. além das tradicionalmenteutilizadas para o estudo da história da Educação – legislação e docu-mentos oficiais, relatórios e pareceres da instrução pública, tambémoutros documentos escritos de natureza oficial em geral – novas fontessão utilizadas pelos historiadores, como imagens, fontes orais (grava-ções, entrevistas e relatos), revistas pedagógicas, manuais escolares,jornais, peças publicitárias, obras artísticas, etc.

a diversidade de fontes exige daqueles que se propõem a analisá--las, cuidado desde sua localização, pois o tratamento das mesmasexige o rigor necessário para lhe atribuir o valor da cientificidade,além de poder propiciar um novo olhar para a escola – pois estas seapresentam “como locais que portam um arsenal de fontes e de infor-mações fundamentais para a formulação e interpretações sobre elaspróprias e, sobretudo, sobre a história da educação brasileira” (GaTTiJUniOR, 2004, p. 4).

compreender o modo de articulação entre os recortes sociais e aspráticas culturais tem sido o esforço dos historiadores da cultura, combase na base teórica desenvolvida por Burke, chervel e chartier.

Burke (2005, p. 164) explica que não existe uma defesa em prol dahistória cultural, no quesito em ser a melhor forma de história, porémele explica que são necessárias suas contribuições, como forma de não

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se retornar ao modelo “positivista dos documentos históricos de umacompreensão literal onde não se destacam os simbolismo”.

chervel (1990, p. 220) contribui de diferentes maneiras, e uma daspri meiras é o entendimento a respeito das disciplinas escolares en -quanto interventoras na história cultural da sociedade. Seu ideário selocaliza no bojo da história cultural, pois entende que seu “aspectofuncional é o de preparar a aculturação dos alunos em conformidadecom certas finalidades: é isso que explica sua gênese e constitui suarazão social”.

Opta-se pelo posicionamento histórico em chartier, tendo emvista seus conceitos de representação e apropriação, obtidos em pes-quisas cujo foco foram os impressos e suas diferentes leituras, volta-dos principalmente para formação de docentes.

chartier contribui de forma especial ao sintetizar conceitos deoutros teóricos como Pierre Bordieu, Michel de certeau, Michel Fou-cault e outros que dão lastro para a formulação dos próprios conceitos.

Servir-se de aporte teórico que este autor desenvolve, é poder refle-tir a respeito dos livros didáticos do Ensino Religioso e descobrir “umconjunto de significações que se enunciam nos discursos ou nas condu-tas aparentemente menos ‘culturais” (chaRTiER, 2002, p. 59), pois vaialém do entendimento de ser a cultura estabelecida somente por umaestrutura, como se fosse um nível à parte do todo social, na verdade énecessário pensá-la como o todo das relações, incluindo as econômicasou sociais, que envolvem os esquemas de percepção e de apreciação dediferentes sujeitos e suas representações constitutivas – e a isso se podechamar cultura (idem) que inclui a dimensão prática da vida.

Para chartier, é necessária a articulação de um trabalho de classi-ficação e de delimitação, as práticas em que pode perceber a identi-dade social e ainda as formas de discurso institucionalizadas, em ins-tâncias coletivas, que marcam a existência do grupo – estabelecem anoção de representação (chaRTiER, 1990, p. 23).

Desta forma, a história cultural, para ele é tomada como “histó-ria cultural do Social” (chaRTiER, 2002), sendo onde se destaca aprática como elemento fundamental.

a utilização dos estudos de chartier tem se constituído referen-ciais para historiadores, e em especial àqueles da Educação. Por exem-plo, ao analisar os manuais escolares, desde sua elaboração, edição edistribuição, chartier concebe estes materiais como produção culturale ao analisar as condições de consumo restitui sua historicidade(chaRTiER, 2002, pp. 52-53).

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a reflexão sobre os livros didáticos se estabelece num panoramaque considera as determinações legais e os reflexos destas na produ-ção, quantitativa e qualitativamente, e posteriormente a sua apropria-ção por docentes e discentes, confirmando sua qualificação como pro-duto cultural, pois os dados levantados dão condições de perceber oque representa esse material, sua influência, e o fazer pedagógico daescola brasileira, e se pode conceituá-lo como história cultural, poispresente promover uma identificação das práticas, dos discursos(apropriações) e representações assumidas.

Teologia cultural

hegel apud Gibellini (1998, p. 85) apresenta a religião como “prin-cípio e fim de tudo, e é igualmente aquilo que confere vida, animaçãoe espírito a tudo”, esse pensamento emana da obra de Tillich. Esteolhou criticamente para a Teologia, e assim tornou possível um diá-logo não só entre diferentes pensadores, mas também os ensaios dediálogo entre as religiões.

Ele amplia o conceito de Deus como um “Ser-além-do-ser” o quefaz transbordar muito das circunscritas idéias das religiões a Seu res-peito. quando se refere a Ele como o “incondicionado” apresentaquanto é ilimitado, já que criador dos limites.

considerando ser um teólogo de origem polonesa-alemã, queatuou como capelão na primeira guerra mundial, tendo migrou aosEst ados Unidos devido às ameaças de hitler, este importante teólogoprotestante desenvolve alguns conceitos que vão além do convencio-nal, pois pensa a respeito da cultura e isso afere um cunho social aprática da religião.

Esse autor coloca toda a criação de Deus, submissa a sua soberania,in dependente de ter ou não uma religião, pois, nada pode contrariar essaforça criadora, e em sua obra, apresenta que o ser humano vive paraDeus, ainda que não o cultue ou o aceite. Para Tillich, apesar da li ber -dade de cada um, toda a criação não se esquiva dos olhares de Deus. Eleversa a respeito de cultura e religião como sendo “religião é a substân ciada cultura e a cultura é a forma da religião” (GiBELinni, 1998, p. 90), epor isso indissociáveis, pensamento chave da teologia de Tillich.

as culturas são, portanto, expressões humanas de ato cúltico inatoà Deus, independente de sua consciência e direcionamento voluntário.

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como se fossem diferentes religiões, todos os atos seriam feitos paraDeus, obedecendo a um propósito que não pode ser invalidado. Porisso os conceitos de heteronomia, autonomia e teonomia são muito im -portantes para a teologia tillichiana, e ele faz relação entre elas no âm -bito religioso necessariamente ligadas à cultura.

alguns pontos importantes de sua Teologia Sistemática merecemdestaque: a liberdade do Espírito – não condicionando-o à esta ouaquela religião; a convergência entre sagrado e secular e a pertinênciaessencial mútua de religião e cultura – que é o foco de interesse desteestudo, onde se entende que a religião se expressa carregada por suacultura – pois assume seus caracteres em suas formas de expressão,segundo Tillich.

confluências

Entre os pressupostos teórico-metodológicos de Paul Tillich eRoger chartier existem pontos de confluência. Estes pontos destaca-dos podem ser marcos para a identidade do Ensino Religioso.

com relação à cultura, para Tillich, enquanto organização simbó-lica do mundo, ou dimensão simbólica expressiva da vida social, é ne -cessário que a sua vida e formação, até a vinda para a america donorte, deram para ele informações somente a respeito da situação cul-tural das elites.

Seu conceito de cultura (derivado de colere, cuidar de) estarialigado a cuidar de algo, manter vivo e fazer crescer. Porém, ao encon-trar e cuidar de algo as pessoas não deixam inalterados o que foi en -con trado, cria a partir dele e de seus próprios referenciais algo novo,que seja materialmente (função técnica), receptivamente (função teó-rica) ou reativamente (função prática).

Para Tillich, baseado em hegel, a análise da totalidade da culturaé tarefa filosófica, e a define como auto-criatividade da vida sob a di -mensão do espírito, dividindo em teoria, onde a realidade é apreen-dida e em práxis, onde a realidade é configurada.

Essa teoria converge com o pensamento de chartier ao perceberque cultura é o conjunto de significações que se enunciam nos discur-sos ou nas condutas aparentemente menos “culturais” (chaRTiER,2002, p. 59), correlacionando-as ao mundo do vivido, do real – assimcomo Tillich.

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Para a história cultural o que se deve pensar é como todas as rela-ções, inclusive aquelas que designamos como relações econômicas ousociais, organizam-se segundo lógicas que colocam em jogo, em ação,os esquemas de percepção e de apreciação de diferentes sujeitossociais, portanto, as representações constitutivas que se pode chamarde ‘cultura’, seja comum a toda uma sociedade, quer seja própria a umgrupo determinado (chartier, 2002, p. 59).

quanto à história, na perspectiva da Teologia da cultura, é percep-tível a ligação entre o ocorrido e a construção do sentido, conforme afir -ma Tillich “o infinito também aparecera no passado por meio de formasexpressivas de vida bem como nos seus grandes símbolos. Os períodosda história passada também haviam sido revelatórios” (2010, p. 107). Oautor explicita que essa inferência que o ser humano dá ao ocorridotorna o ato de pensar, e em especial pensar o passado, um caractertransformador. Falando da história da filosofia, ele apresenta que ela “émais do que a história de algumas ideias interessantes que se contradi-zem entre si. é a história da auto-interpretação do homem” (2010, p.137), ele diz que isso vai além do julgamento da lógica, pois alcança“também [...] o julgamento do sentido da existência como um todo. aíestá a responsabilidade de pensar, bem como a sua grandeza” (idem).

chartier (1990, p. 27-28) apresenta a história cultura como “his-tória cultural do Social” na qual a noção de prática destaca-se comoum aspecto fundamental, pois:

a história deve ser entendida como o estudo dos processos com os quaisse constrói um sentido (...) dirige-se às práticas que, pluralmente, contra-ditoriamente, dão significado ao mundo. Daí a caracterização das práti-cas discursivas como produtoras de ordenamento, de afirmação de dis-tâncias, de divisões; daí o reconhecimento das práticas de apropriaçãocultural como formas diferenciadas de interpretação.

ao ligar o sentido da existência, movido através do pensar, de Til-lich à construção de sentido de chartier, ligado a construção de sen-tido com as práticas se percebe a confluência da necessidade depensar, ensinar, discutir e reconhecer assim: ordens, afirmações, dis-tâncias e divisões – como forma de apropriação cultural, confirmandoque história cultural é percebida como uma “história cultural doSocial” (chaRTiER, 2002).

as linhas metodológicas dos dois autores também se encontramnos seus aspectos dialéticos. O método de empregar a tradição, em Til-lich, foi eminentemente dialético, no espírito do sic et non de abe-

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lardo. (TiLLich, 2010, 19). De acordo com Braaten, sua teologia siste -má tica foi construída segundo o ritmo de perguntas e respostas advin-das da situação existencial (idem, 20).

Tillich buscava selecionar e interpretar o material a partir, e consi-derando, um determinado ponto de vista, ou melhor, de um ponto devista bastante abrangedor. Pois pensava que elencar pessoas em dife-rentes épocas que falaram sobre o mesmo assunto “seria um modoestúpido de fazer história, mesmo se pudéssemos justificá-la com oadjetivo ‘factual’” (TiLLich, 2010, 38). Tillich considerava a históriaimportante para a existência do hoje, do aqui e agora, por isso enten-dia não ser possível interpretar a história sem algum ponto de vista(TiLLich, 2010, 38).

no aparato metodológico da história cultura emanam os concei-tos de representação, apropriação e práticas, que se mostram impor-tantes instrumentais e método de análise desenvolvidos por chartierpara interrogar os próprios objetos, em todas as suas estruturas. ascategorias de cultura de representação e apropriação são noções essen-ciais para os estudos nesta perspectiva.

quanto à noção de representação, onde são articulados aspectosbásicos da relação com o mundo social, o que seria um fazer próprioda classificação e da delimitação, onde surge a idéia que a realidade éconstruída; depois que através das práticas é possível se reconhecer aidentidade social e ainda considerar as formas institucionalizadasonde instâncias coletivas distinguem a existência dos grupos (chaR-TiER, 1990, 23).

com base em Bordieu, como um dos vários autores sobre os quaischartier se apóia, as divisões e classificações traduzem as percepçõesdo mundo real, enquanto representações do mundo social. Elas sãovariáveis, respeitando a cultura de cada sociedade, e determinadaspelos interesses desta. Por isso mesmo não são neutras, cada represen-tação produz estratégias e formas de legitimar suas escolhas (chaR-TiER, 1990, 17).

a apropriação é outro conceito que auxilia as análises tendo emtela a “história social das interpretações, remetidas para suas determi-nações fundantes (que são sociais, institucionais, culturais) e inscritasnas práticas específicas que as produzem” (chaRTiER, 1990, 26). Oconceito de apropriação apresenta dialeticamente diferença e de-pendência.

apesar da produção dos bens culturais seguirem regras, normas,hierarquias específicas (diferença), a questão da dependência é refor-

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çada pelo jogo de poder e códigos de inteligibilidade, ligada aos prin-cípios de organização e diferenciação sociais (chaRTiER, 1999, pp. 9--10) e que precisam ser considerados.

a apropriação “tem por objetivo uma história social das interpre-tações remetidas para as suas determinações fundamentais (que sãosociais, institucionais e culturais) e inscritas nas práticas específicasque as produzem (chaRTiER, 1990, p. 26).

com relação às práticas, é no entendimento entre o que representa ecomo ou o que se apropria, que desemboca na formação/construção dasidentidades. Torna-se possível, assim, perceber como acontece a apro -priação das representações, e a partir dela os seus reflexos sobre as práti-cas, que podem serem transformadas palatinamente em “tradições”.

a forma que as representações são assumidas (apropriadas) ecomo as práticas são interpretadas e assumidas, em diferentes socie-dades e períodos, é um viés histórico apresentado por chartier, ser-vindo-se de outras ciências para a compreensão e análise de represen-tações, apropriações e práticas – como, por exemplo, a Sociologia,an tropologia e também, no caso do Ensino Religioso, da Teologia,cujas práticas docentes e educativas, devem pensar considerando tam -bém a cultura escolar, que no caso da pesquisa, se serve dos livros d -id áticos. Estes, carregados de diferentes aspectos, mediam as relaçõesentre grupos e indivíduos, e ao basear-se em representações e emapropriações, é necessário que se perceba um movimento confluente(FOnSEca 2003, p. 63) e dialético.

Entre história cultural e Teologia da cultura, faz-se o destaquetambém para o rigor no uso das palavras. Tillich frisa isso ao ensinarque “conhecer a história nos ajuda a entender o significado dos termosque usamos às vezes sem muita precisão” (2010, 108-109) e chartierem entrevista a Revista de história (2007) destaque que, por exemplo,a palavra “moderna” tem sentido ambivalente, e passa a detalharessas diferenças.

Outra afirmação a respeito da íntima contribuição da história paraa Teologia foi proferida por Tillich que afirmando ser o “principalpropósito deste curso [que ministrava] é ajudar a entender os própriosproblemas procurando descobrir as suas raízes no passado (2010, p.36), o que recupera o pensamento de Bloch em ser a história “a ciênciados homens no tempo” (2001, p. 7). nesta definição Bloch coloca o his-toriador como aquele que não deve se ater ao passado, pois comosujeito ativo, está no presente, e olha por esta ótica.

Utilizando o pensamento de Bloch (2001, p. 45) que “uma ciência

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nos parecerá sempre ter algo de incompleto se não nos ajudar, cedo outarde, a viver melhor, se encontra a grande confluência entre Teologiae história, completada na escola também através do Ensino Religioso.

considerações finais

a identidade do Ensino Religioso, fundamentada teórico-metodo-logicamente na história cultural, com o auxílio das críticas lentes daTeologia cultural, dá condições em ir além das abordagens puramen -te pedagógicas, ampliando-se dessa maneira as fontes a serem utiliza-das e a diversidade de tratamento das mesmas, servindo-se de dife-rentes testemunhos históricos, e propiciando desenvolver análises quelevem em consideração as múltiplas temporalidades, as permanênciase rupturas nas práticas escolares.

Destarte é possível aferir que a história da Educação pode e deveser compreendida e desenvolvida como um campo temático da histó-ria cultural, cujas práticas escolares devem, e urgem, serem vistascomo práticas culturais.

Um dos pressupostos da pesquisa é que a escola, ao fazer uso de de -ter minados objetos culturais, em especial no caso o Ensino Religioso,deles se apropria de forma criativa e diferenciada, como lembram os his-toriadores chartier (1990) e chervel (1990), e assim aferem à disciplinaos caracteres necessários para que se faça distinção de sua identidade.

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CLáUDIA REGINA KLUCK | SÉRGIO JUNQUEIRA — a identidade do ensino religioso...

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O ensino religioso nos sistemas de ensino:avanços, desafios e perspectivas

ÂnGELa MaRia RiBEiRO hOLanDa *

1. cenário das discussões legais e pedagógicas do Ensino religioso

a implantação do Ensino Religioso – (ER) nos sistemas de ensinonas escolas públicas do Brasil tem sua origem de forma mais consis-tente durante o processo constituinte que culminou com a redação doartigo 210 e § 1º da constituição Federal de 1988: ”o ensino religioso,de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normaisdas escolas públicas de Ensino Fundamental”. nesse artigo há doisaspectos desafiadores e antagônicos para a sua implantação, a matrí-cula facultativa e a obrigatoriedade da oferta nos horários normais dasescolas públicas de Ensino Fundamental – (EF), do 1.º ao 9.º ano.

além da constituição Federal, o ER é assegurado nas legislaçõesna cionais e, especificamente, no art. 33 da LDB, Lei n.º 9394/96 alte-rado pela Lei n.º 9475/97. com essa alteração o ER apresenta umaidentidade de componente curricular e área de conhecimento com ele-mentos que o caracteriza pedagogicamente para sua operacionaliza-ção pelo sistema de ensino.

Para refletir sobre o percurso desse ensino a partir do aspectolegal, “matrícula facultativa”, observam-se contradições pedagógicaspara sua efetivação com o status quo de componente curricular e áreade conhecimento. Essa posicionalidade curricular é definida pelas

* Pedagoga e Especialista em Ensino Religioso. Professora técnica pedagógica da Supe -rin tendência de Políticas Educacionais atuando na equipe da Diretoria do Ensino Fundamen-tal da Secretaria de Estado de Educação de alagoas. associada ao Fórum nacional Permanen -te do Ensino Religioso – FOnaPER e integrante do GRaPER – Grupo de assessoria ePes quisa do Ensino Religioso da conferência nacional dos Bispos do Brasil – cnBB ([email protected]).

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Diretrizes curriculares nacionais Gerais para a Educação Básica 175 epelas Diretrizes curriculares nacionais para o Ensino Fundamental denove anos, Resolução, cnE/cEB n.º 04/2010 e n.º 07/2010 176.

contudo, há diferentes concepções quanto a sua implantação eoperacionalização nas unidades escolares devido à inserção na matrizcurricular que não ocorre em todos os anos do EF, limitando-se aoferta, apenas no 7.º e 9.º ano. Os Estados que estão em processo deimp lantação recorrem às experiências existentes, e, por conseguinteincorre no mesmo equívoco. há divergências de natureza pedagógica,estrutural, acadêmica e formativa na interpretação dos pressupostoslegais ao orientar o currículo escolar e o projeto político pedagógico.

na prática, o ER permanece com indefinições, se é ensino de reli-gião ou aula de religião pela concepção admitida no Brasil colônia eque persiste no imaginário da população brasileira, de ser um espaçode extensão da catequese na escola e pela posição que ocupa na cargahorária da matriz curricular das respectivas unidades escolares.

O problema persiste na busca da identidade, nome que caracterizea disciplina e a sua epistemologia. constata-se que, mesmo ao longode tantos anos esta área de conhecimento em alguns Estados continuafora do sistema de ensino e do espaço escolar

Do ponto de vista curricular, o ER é assegurado na constituiçãoFederal de 1988, art. 210, § 1.º [...] disciplina dos horários normais dasescolas públicas de Ensino Fundamental; na Lei n.º 9475/97 [...] disci-plina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamen-tal; na Resolução cnE/cEB n.º 04/2010 § 6.º: [...] parte integrante daformação básica do cidadão [...] componente curricular dos horáriosnormais das escolas públicas de Ensino Fundamental, assegurado orespeito à diversidade cultural e religiosa do Brasil e vedadas quais-quer formas de proselitismo. Por outro lado o ER se encontra faculta-tivo ao/a estudante e, no entanto, com conotação de componente cur-ricular incluído e excluído do currículo escolar. Por esse motivosurgem indagações, tanto pelos/as estudantes e professores/as e pelosistema de ensino para a sua efetivação no currículo escolar. a opçãoou não para assistir as aulas é problemática e desafiadora, pois aque-les/as estudantes que não optam pelo componente curricular ficam

175 Resolução conselho nacional de Educação/câmara de Educação Básica n.º 4/2010.Diário Oficial da União, Brasília, 14 de julho de 2010, Seção 1, p. 824.

176 Resolução conselho nacional de Educação/câmara de Educação Básica n.º 7/2010.Diário Oficial da União, Brasília, 14 de dezembro de 2010, Seção 1, p. 34 Resolução cnE/cEB7/2010.

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com déficit de carga horária na sua vida escolar. há proposições paraminimizar esse desafio no que concerne a não opção, e, nesse caso, sãoofertadas outras disciplinas da parte diversificada do currículo da es cola ou atividades em alguns contextos, porém, no histórico es-colar dos/as estudantes não há explicitação de como se deu esse pro-cedimento.

contudo, o cnE 177, ao orientar os sistemas de ensino para a efeti-vação deste componente curricular destaca a facultatividade, porémnão menciona a função e contribuições desse ensino na formação do/aci dadão (ã) com a conotação de área de conhecimento. as conquistas,avanços, desafios e perspectivas evidenciadas na Lei n.º 9475/97 res-ponsabiliza o sistema de ensino para os procedimentos de regulamen-tação e definição do currículo e das normas para habilitação dos/asprofessores/as. no caput desta lei encontram-se os aspectos da facul-tatividade e a obrigatoriedade nos horários normais das escolas públi-cas de Ensino Fundamental respeitando à diversidade cultural reli-giosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.

no parágrafo 2.º da mesma lei destaca-se a articulação com dife-rentes denominações religiosas participando do processo da discussãope dagógica, mas ao mesmo tempo, há um desafio expresso quandomenciona a definição dos conhecimentos por essas denominações enão pelo sistema de ensino. Essas considerações não se constituemcomo verdadeiras e únicas, mas que são necessárias para serem apro-fundadas. E, ainda, nesse mesmo parágrafo há uma afirmativa: [...] ossistemas de ensino ouvirão a entidade civil constituída por diferentesdenominações religiosas para a definição do currículo. as questões notocante à compreensão sobre as denominações religiosas não há enten-dimento sobre a matéria e nesse sentido os órgãos legislativos nãoemitiram parecer para esse fim. Diante da questão, o Fórum nacionalPermanente do Ensino Religioso (Fonaper) abriu espaço para discus-sões no sentido de organizar essa entidade civil com personalidadejurídica, denominando-a de conselho de Ensino Religioso - (cOnER)

é preciso considerar que o objeto da questão é a definição dosconhecimentos e dos saberes escolares para o ER. E, além disso, háoutro aspecto que merece atenção quando se refere aos demais com-ponentes curriculares que integram a Base nacional comum do En -sino Fundamental os quais não possuem entidades civis a serem ouvi-

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das para definição de seu currículo, sendo essa competência atribuídaaos sistemas de ensino.

a instância que trata das definições curriculares nos sistemas deen sino é o conselho nacional de Educação, através das Diretrizescurriculares nacionais Gerais para a Educação Básica e das demaismo dalidades de ensino e do Ensino Fundamental de nove anos. naesfera estadual e municipal são os conselhos, Estaduais e Municipaisde Educação que definem princípios, fundamentos que orientam asescolas brasileiras dos sistemas de ensino, na organização, articulação,desenvolvimento e avaliação de suas propostas pedagógicas, e, nelas,o ER.

nesse sentido, as determinações do conselho nacional de Educa-ção (cnE), estendem-se a todo o território brasileiro, o que na práticaainda há caminhos a serem trilhados pelo ER, tanto do ponto de vistaoperacional até na disponibilidade de políticas públicas educacionaispara a formação de professores/as nos sistemas de ensino. nessas re -flexões, discute-se sobre o objeto de estudo e as referências que dãosustentação e argumentação curricular e pedagógica a este compo-nente curricular. com isso as constantes perguntas permanecem sobreo que ensinar e como ensinar e quais são os conhecimentos, saberesescolares e avaliativos determinantes desse componente curricular.

2. Fórum Nacional Permanente do Ensinoreligioso e o movimento curricular

O movimento curricular na busca do entendimento do ER na pers-pectiva pedagógica vem sendo consolidado pelo Fonaper desde suainstalação, em 1995, por ocasião dos 25 anos do conselho de igrejaspara o Ensino Religioso – (ciER) em Florianópolis – Sc. Participaramdesse momento, professores/as, entidades, instituições de ensino su -perior e Secretarias Estaduais e Municipais de Educação das Unidadesda Federação para avaliar e repensar sobre os fundamentos epistemo-lógicos que coadunem com a realidade cultural religiosa brasileira.

com esse movimento surgem os Parâmetros curriculares nacio-nais do Ensino Religioso (PcnER), num processo de participação de -mocrática mobilizado pelo Fonaper e aprovados na 3.ª sessão na ci -dade de Piracicaba – SP, no ano de 1996. Esses parâmetros contribuemcom referenciais para um Ensino Religioso que,

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[...] valorizando o pluralismo e a diversidade cultural, presentes na so cie -dade brasileira, facilita a compreensão das formas que exprimem o Trans -cendente na superação da finituide humana e que determinam, subjacen-temente, o processo histórico da humanidade; [ ...] por isso não deve serentendido como Ensino de uma Religião ou das Religiões na es co la, massim uma disciplina centrada na antropologia religiosa, (FOnaPER, 1997,pp. 11 e 30).

Para a construção desse conhecimento incluem-se os fundamentoshistóricos, epistemológicos, filosóficos, teológicos e sociológicos, quecontribuem para a explicitação do objeto de estudo sobre o fenômenoreligioso, dos objetivos, dos eixos temáticos e do tratamento didáticoe avaliativo desta área de conhecimento apresentados pelos citadosparâmetros.

a promoção de Seminários nacionais do Ensino Religioso - (Sefo-per) nos anos pares, e os congressos nacionais de Ensino Religioso -(coneres) nos anos ímpares promovidos pelo Fonaper marcam acaminhada deste ensino no Brasil pelas temáticas estudadas e arti-culações com o Ministério da Educação e cultura – MEc. Esses even-tos acentuam o estudo sobre currículo, legislação, capacitação docente,habilitação, diretrizes curriculares nacionais da formação de professo-res do ER e as articulações e parcerias estabelecidas entre pesquisado-res e instituições de ensino superior com o cnE para a sua efetivaçãono currículo das escolas públicas do Brasil.

Toda área de conhecimento possui uma razão de ser no currículoescolar e não é diferente no ER, porém é preciso repensar a práticapedagógica e a formação docente. Para orientar esse aspecto existemas Diretrizes curriculares nacionais de Formação para Professores deER elaboradas pelo Fonaper e enviadas ao MEc em 1998.

Em 2004, mediante novas pesquisas e eventos acadêmicos foramampliadas às discussões dessas diretrizes nos aspectos epistemológi-cos e pedagógicos para a habilitação docente, Graduação em ciênciasda Religião – Licenciatura em Ensino Religioso com ementas e referen-ciais teóricos e bibliográficos. E, com essas reformulações o Fonaperencaminhou em 2008 ao MEc outro documento propositivo após area lização do X Sefoper, realizado em Taguatinga/DF. Trata-se de umdocumento que propõe diretrizes para a formação específica preten-dida para o/a professor/a do ER, em nível superior, em cursos de li -cenciatura de graduação plena, estruturado através de dois pressupos-tos: um epistemológico, cuja base é o conjunto de saberes das ciências

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da Religião, e o outro pedagógico, constituído por conhecimentos dasciências da Educação.

após a Lei 9475/97 há um reconhecimento nessa área de conheci-mento no que concerne a formação de professores/as. Porém existemoutros desafios em alguns Estados da Federação a serem enfrentadospela falta de diretrizes e políticas nacionais de formação docente.

a efetivação do curso de graduação, licenciatura em ER pelas ins-tituições de ensino superior nas universidades públicas é complexatanto na definição da tipologia dos cursos e das instituições de ensinosuperior devidamente credenciada e dos docentes para ministraremos cursos. O rigor acadêmico é falho para acompanhar a oferta doscursos e a respectiva matriz curricular. não basta a oferta de cursos, épreciso está atento aos aspectos sobre a tipologia do curso e a defini-ção da matriz curricular.

numa (re)leitura curricular, a partir do objeto de estudo do ERcom ênfase no fenômeno religiosa, constata-se que a LDB n.º 9394/96ao mencionar no artigo 26 sobre o currículo do EF aproxima-se do ERquando estabelece o estudo sobre as contribuições das diferentes cul-turas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente nasma trizes indígenas, africanas e européias, mesmo que não tenha sidoa intencionalidade do propositor. caberiam, talvez, nesse art. acrésci-mos referindo-se ao ER que pressupõe uma ação conjunta com osdemais componentes curriculares. O ER ao ser mencionado com umalei especifica e ao mesmo tempo com status quo de área de conheci-mento exige esforços de professores/as, escola, sociedade para com-preender o desdobramento estrutural, pedagógico e acadêmico queesta área demanda.

Observam-se em todas as discussões pedagógicas na elaboraçãode referenciais curriculares para as escolas públicas, uma série devariantes admitindo essa construção por competência e habilidades,matrizes curriculares de descritores, direitos de aprendizagem e direi-tos à aprendizagem. E o instrumento que orienta o referencial no ER,atualmente são os PcnER estruturados em eixos temáticos e articula-dos com outros conhecimentos e saberes escolares atribuídos à temá-tica. O currículo está proposto em eixos temáticos e organizado emblocos de conteúdos os quais evidenciam as culturas e Tradições Reli-giosas (filosofia, história, sociologia, psicologia das Tradições Religio-sas); Textos e Livros Sagrados: Orais e Escritos (revelação; história dasnarrativas sagradas, contexto cultural; exegese); Teologias (divinda-des; verdades de fé; vida além morte); Ritos e Rituais das Tradições

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Religiosas (símbolos, espiritualidade); Ethos nas Tradições Religiosas(alteridade, valores e limites).

Mesmo com a proposição do currículo por eixos temáticos há de -safios de concepções que abordam o ER com indicadores para a disse-minação do que e como ensinar e das características estruturantesdesse componente curricular no processo ensino e aprendizagem.

Em 2014, aconteceu o Xiii Sefoper, nos dias seis a oito, de novem-bro, na cidade de Belém-Pa, promovido pelo Fonaper e em parceriacom a Universidade Estadual do Pará – UEPa com a temática: EnsinoRe ligioso, ciências da Religião(ões) e Direitos à aprendizagem: pes -qui sas e práticas. Essa temática provoca o repensar para a construçãodos conhecimentos nessa área em sintonia com a discussão atual docurrículo da educação básica no Brasil que aborda a questão a partirdesses direitos.

a discussão curricular do ER inclui aspectos didáticos metodo-lógicos e avaliativos entre os fazeres e saberes escolares considerandoas respectivas faixas etárias do desenvolvimento humano dos/as es-tudantes.

3. Formação Docente para o Ensino religioso

Existe necessidade e urgência para o investimento na formaçãodo cente no sentido de atender o que está expresso na Lei n.º 9475/97com uma formação específica para o ER, ou seja, com cursos que ohabilite na área. a lei atribui essa competência aos sistemas de ensino,sobretudo nas normas de habilitação e admissão de professores/as decada sistema de ensino da federação. Esse é um aspecto ainda a serconsiderado nas legislações nacionais, estaduais e municipais para oreconhecimento desse profissional. E, neste sentido, compreende-seque essas normas devem ser as mesmas estabelecidas e definidas paratodos os profissionais da educação no Plano de cargo e carreira doMa gistério Público e no Estatuto do Magistério Público de cada Uni-dade Federativa. é preciso está atento a esses planos considerando asatribuições e critérios para o profissional do ER, não sendo concebidoum tratamento diferenciado dos demais profissionais da educação.

constata-se em alguns Estados que as Resoluções, Pareceres eDecretos admitem profissionais de áreas afins em caráter emergencial

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devido à inexistência de cursos de graduação em ER. Em alguns con-textos atribui-se a não efetivação da disciplina devido à atuação deprofissionais de outras áreas e a inexistência de formação específica eacadêmica, e, portanto, não se identificam com a questão em pauta,mas aceitam o desafio apenas para complementação da jornada de tra-balho. Esse aspecto quanto à definição do profissional merece apro-fundamento. nesse caso refletem-se, sobre a formação acadêmica, ocurrículo da formação docente, as políticas de formação nos sistemasde ensino para todos os componentes curriculares não sendo umapolítica, apenas para o ER.

nesse sentido muito esforços já foram empreendidos pelo Fonapernão apenas na publicação das Diretrizes de capacitação Docente comotambém nos critérios significativos para o professor/a do ER, dentreeles:

a honestidade cientifica do profissional que exige uma constantebusca do conhecimento religioso; o entendimento da complexidade doconhe cimento do fenômeno religioso; a capacidade de viver a reverenciaà alteridade; o reconhecimento da família e da comunidade religiosacomo espaços privilegiados para a vivencia religiosa e para a opção defé; o propósito de estar a serviço da liberdade do estudante; o aperfei çoa -men to nas cinco áreas temáticas de estudo do fenômeno religioso (Fun-damentos epistemológicos do ensino religioso, culturas e Tradições Re -li giosas, Textos e Livros Sagrados, Teologias e Ethos);

a competência profissional, que exige do professor: a compreensãodo fenômeno religioso, contextualizando-o espacial e temporariamente;a configuração do fenômeno religioso por meio das ciências da tradiçãoreligiosa; o conhecimento da sistematização do fenômeno religioso pelastradições religiosas e suas teologias; a análise das tradições religiosas naestruturação e manutenção das diferentes culturas e manifestações so -cio culturais; a exegese dos e textos sagrados orais e escritos das diferen-tes matrizes religiosas (africana, indígena, ocidental e oriental); a com-preensão do sentido da atitude moral como conseqüência do fenômenoreligioso sistematizado pelas tradições religiosas e como expressão daconsciência e da resposta pessoal e comunitárias das pessoas (OLiVEiRaet. al, 2007, pp. 125-127).

Partindo do princípio da relação entre conhecimento, habilidadese competências todo profissional necessita dominar a linguagem pró-pria de cada componente curricular, compreender os fenômenos, en -frentar situações, construir argumentos e elaborar propostas de mu -dança que pressupõem transformações.

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Revela-se daí um grande desafio, suprir a carência de profissionaishabilitados para exercitar a proposta do ER sob este olhar. há esforçospara estruturar a formação docente considerando que as questõesremetem as iniciativas muita mais de caráter político do que pedagó-gico, um dilema que levará, ainda, muitos anos para ser superado. amesma problemática ocorre com outros componentes curriculares.Trata-se também de uma decisão articulada entre conselhos, nacional,estadual e municipal de educação, além do estabelecimento do regimede colaboração entre Município e Estado para superação dessas cons-tatações.

algo já está sendo feito pelo MEc 178 em relação à formação dosque possuem uma licenciatura e atuam em áreas dissociadas a suagraduação e, neste sentido, há uma determinação para segunda licen-ciatura ofertada pelo MEc denominada de Programa nacional de For-mação de Professores da Educação Básica – PaRFOR na plataformaFreire, e, assim minimizar a problemática.

4. O Ensino religioso no Projeto Político Pedagógico da Escola

no conjunto do diálogo entre o que ensinar como ensinar e avaliare a reflexão sobre o papel e a função de cada componente curricular e,neste caso, na estrutura formal da escola, há o projeto político pedagó-gico que busca um rumo, uma direção, uma ação articulada entre ossa beres da escola e o papel social desses componentes. as legislaçõesque regulamentam o ER exigem que a sua inclusão no currículo esco-lar deva estar prevista nesta projeção pedagógica e descrita em suaorganização curricular, aspecto esse extensivo a todos os componentescurriculares. Em termos operacionais, a formulação do projeto políticopedagógico das unidades escolares tem se apresentado como desafia-dor e, em si tratando da inserção do ER, este ainda se encontra indefi-nido. O espaço do projeto político visualiza as utopias e esperanças detodos que fazem a comunidade escolar oferecendo suporte a todos osprofissionais para planejarem suas atividades em consonância com oprojeto social e educacional assumido pela escola.

nesta direção há necessidade de revisar o papel do ER enquanto

178 Ministério da Educação e cultura.

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área de conhecimento e em relação às demais áreas de conhecimentono currículo escolar e na formulação do projeto político pedagógico. alegislação aponta este lugar com a competência devida exigindo com-petência profissional e honestidade cientifica, mencionadas no perfildos profissionais.

5. Avaliação do processo ensino-aprendizagem no Ensino religioso

Um aspecto ainda indefinido nas legislações refere-se à avaliaçãodo processo ensino aprendizagem para o ER, dando margem para umtratamento avaliativo diferenciado com conceitos para o ER e registrode notas para os demais componentes curriculares. E, em algumassituações não há registros de notas ou conceitos na documentação es -colar, postura assumida pelo caráter facultativo da matrícula e respal-dada em algumas legislações estaduais que regulamentam este ensino.

a abordagem avaliativa no contexto escolar remete a concepçãode ensino e aprendizagem construída na formação acadêmica e peda-gógica de cada professor/a. Essa concepção interfere e influencia aprática pedagógica para conceber a avaliação na perspectiva da for-mação básica do cidadão (â).

nesta ótica, a avaliação é condição para análise do/a professor/ae do/a estudante, provocando reflexões sobre as práticas e processosde aprendizagem, não podendo ser compreendida como um ato mera-mente de aprovação e ou reprovação.

neste contexto, o ER como área de conhecimento e componentecurricular integrante da Base nacional comum do EF inclui no desen-volvimento do cotidiano escolar a avaliação, num conjunto de açõesque tem a função de aprofundar os conhecimentos, propondo questio -na mentos para informar, esclarecer, opinar, discernir, participar edecidir, orientando os/as estudantes para o exercício da cidadania.nos PcnER apresentam-se elementos e encaminhamentos avaliativosem cada eixo temático, conforme bloco de conteúdos, caracterizando-a em avaliação inicial, processual, formativa e final. a avaliação nestestermos decorre da postura do/a professsor/a em relação ao/a estu -dan te e os instrumentos avaliativos utilizados durante o desenvolvi-mento dos conhecimentos para obtenção da aprendizagem destes.Portanto o ER precisa:

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[...] fundamentar-se nos princípios da cidadania e do entendimento dooutro. O conhecimento religioso não deve ser um aglomerado de conteú-dos que visam evangelizar ou procurar seguidores de doutrinas, nem po -de ser associado à imposição de dogmas, rituais ou orações, mas um ca -minho a mais para o saber sobre as sociedades humanas e sobre simes mo. as religiões são corpos doutrinários de construção histórica, temcontextos vinculados à etnia, história social, geografia, arte, política, eco -nomia, etc. conhecê-las e desvendá-las significa ampliar a rede de co -nhecimentos dos estudantes sobre o patrimônio cultural humano e, aomesmo tempo, propiciar-lhe suporte emocional e social do ponto de vistado binômio: autoconhecimento, alteridade (aprender a ser/aprender aconviver”). Francisco José caboniari. (Parecer cEB/cEE/aL.n.° 006/02).

Dessa forma, a definição desses conhecimentos pelas escolas emseus projetos pedagógicos considerará a liberdade religiosa e a tole-rância como princípios e valores que fundamentam o Estado Demo-crático de Direito os quais promovem os conhecimentos sobre: fenô-meno religioso no contexto da formação social do Brasil e as múltiplasinfluências que compõe a pluralidade cultural e religiosa brasileira nascosmovisões orientais, africanas, indígenas e européias.

a partir desta concepção, o ER parte do convívio social dos/asestudantes, para que se respeite a tradição religiosa de suas famílias ese salvaguarde a liberdade de expressão religiosa de cada um. é atra-vés do respeito mútuo que se cultiva a reverência do Transcendentepelas muitas formas de expressão, conforme as culturas, possibili-tando o/a estudante se desenvolver no desarmamento pessoal e noempenho pelo entendimento mútuo, na paz, e na fraternidade.

nesta perspectiva nelson Mandela apresenta uma proposta deconvivência e aprendizagem para o convívio social sinalizando queninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele ou pela suaorigem ou ainda pela sua religião e acrescenta que, se para odiar aspessoas precisam aprender; e, se pode aprender a odiar, podem seren sinadas a amar. Essa é a questão central a ser inserida em todo ocurrículo da educação básica.

6. O Ensino religioso no Acordo Internacional Brasil e Santa Sé

O acordo internacional Brasil e Santa Sé, ato assinado por ocasiãoda audiência Privada do Presidente Luiz inácio Lula da Silva com sua

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Santidade o Papa Bento XVi – Vaticano, 13 de novembro de 2008, rela-tivo ao Estatuto Jurídico da igreja católica no Brasil provocou inúme-ras discussões em todo o território brasileiro quanto ao seu teor. Otexto composto de 20 artigos, sendo que no art. 11 é inserido o ERcom a seguinte redação:

a República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liber-dade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confesssional doPaís, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação in -tegral da pessoa.

§ 1.º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, dematrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das esco-las públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidadecultural religiosa do Brasil, em conformidade com a constituição e asoutras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação.

Para defender a concepção do ER determinada a partir da Lei n.º 9475/97 o Fonaper mobilizou pesquisadores, educadores, deputa-dos e senadores e instituições de ensino superior para discutir a ques-tão em pauta com representantes do congresso nacional aprofun-dando as discussões e as implicações desse acordo a ser implantadono currículo das escolas brasileiras.

no sentido de subsidiar as discussões o Fonaper, encaminhou umofício ao Relator da Matéria na comissão de Educação e cultura dacâ mara dos Deputados, explicitando aspectos a serem observadosnesse acordo. apresentou a questão sobre a posição de outro EstadoFe derativo, neste caso, a Santa Sé, intervir e sugerir concepções e enca-minhamentos determinados para uma área de conhecimento da edu-cação, de outro Estado, neste, na República Federativa do Brasil.(FOnaPER, 2009c).

a elaboração deste artigo abre espaço para a oferta do ER na moda-lidade confessional e apresenta problemática de ser ministrado semônus para os cofres públicos porque limita sua abordagem à religiãocristã. E, com este posicionamento há uma interferência na articulaçãocom os dispositivos das Leis nacionais n.º 10.639/2003 e 11.645/2008,que determinam a inclusão, no currículo escolar o estudo da história ecultura afro-Brasileira e indígena, de forma interdisciplinar.

há indagações e inquietações tanto dos sistemas de ensino, dasinstituições religiosas e no que se refere à modalidade deste ensino apartir da aprovação deste acordo. O que muda e o que permanece nasle gislações e decretos nacionais, estaduais e municipais que regula-

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mentaram este ensino. Esse acordo se for de fato implantado nos sis-temas de ensino no Brasil instiga o ensino de doutrinas de uma deno-minação religiosa.

a inclusão dos aspectos, confessional católico e de outras confis-sões religiosas no acordo refletiu nos espaços acadêmicos, no Fonapere nas instituições de ensino superior que ofertam cursos de licencia-tura em ciências da Religião (ões) – Ensino Religioso. é preciso com-preender o que está expresso na regulamentação do ER nas legislaçõesnacionais, Lei n.º 9475/97; com os princípios da educação básica queassegura [...] a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgarcultura, o pensamento, a arte e o saber; [...] o pluralismo de ideias e deconcepções pedagógicas; [...] o respeito à liberdade e apreço a tolerân-cia,” (LDB n.° 9394/96 art. 3.º inciso ii, iii, iV); [...] o princípio invio-lável a liberdade de consciência de crença (constituição Federal, art.5.º, inciso Vi.)

Este acordo foi motivo também de polêmicas com os evangélicosdesde o envio da matéria para o congresso nacional. Os contráriosacusaram o governo de privilegiar a igreja católica e ferir a condiçãode país laico. Daí surgiu à lei das religiões n.º 5598/2009 movimentadapela bancada evangélica do Brasil mencionando a mesma redação doart. 11, apenas substituindo a expressão católica por “todas as confis-sões religiosas”.

Surge nova redação do texto no art. 11:

o ensino religioso, de matrícula facultativa é parte integrante da forma-ção básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das es -colas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversi-dade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a constituição eas outras leis vigentes, sem qualquer forma de proselitismo.

Para reverter esse quadro os caminhos são diversos, às vezeslongos e longos demais, porém com possibilidades de um novo itine-rário reconhecido e articulado com o projeto político pedagógica decada unidade escolar. é através deste que se dá o reconhecimento e aga rantia da efetivação deste ensino e sua validação na instância entre,escola, estudante e comunidade.

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considerações Finais

Buscar incessantemente o espaço pedagógico desta área de conhe-cimento e seu status quo de componente curricular nos sistemas deensino constitui num desafio, pois a sua efetivação ocorre com as de -ter minações das Resoluções e Decretos, estaduais e municipais quan -do recomenda a sua inserção no projeto político pedagógico, na matrizcurricular e na formação dos/as professores/as. Outro aspecto é acondição de matrícula facultativa, opcional ao/a estudante e a ofertaobrigatória nas unidades de ensino.

a escola devido à expressão sobre a facultatividade utiliza de es -tratégias distanciadas da compreensão do objeto de estudo e das contri-buições desse ensino no currículo escolar na formação cidadã do sujeito.

Esse aspecto facultativo é um dos elementos que polemiza a suarazão de ser no currículo escolar quanto à opção ou não pelo/a estu-dante. a forma como o sistema de ensino acentua o aspecto da facul-tatividade demonstra uma conotação muito mais de rejeição pela dis-ciplina do que mesmo a preocupação de esclarecer a sua função emconsonância com os princípios e fins da educação nacional (cf. artigos2.°, 3.º da LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional, n.° 9.394/96).

O acordo entre o Governo Brasileiro e a Santa Sé levanta possibili -dades da modalidade confessional católica deste ensino e ao mesmotempo acentua a matrícula facultativa. Se não temos estudantes matri-culados para o componente curricular, naturalmente desaparece apessoa do profissional e o conhecimento escolar deste ensino.

Merece destaque no Brasil o movimento entre o Fonaper, gruposde pesquisadores, instituições de ensino superior na realização deeventos através de congressos e seminários nacionais, cuja tônica é aformação de professores/as para a construção da identidade pedagó-gica deste componente curricular. Estes vêm contribuindo na com-preensão desse ensino no currículo das escolas do Brasil.

Outro ponto a ser investigado no Brasil são as propostas pedagó-gicas e os referenciais curriculares dos diferentes Estados da Federa-ção elaborados para essa área que nem sempre traz as discussões doER como área de conhecimento, insistindo na abordagem determi-nante de uma religião, e, nesse caso aparecem apenas às religiões cris-tãs, deixando de acrescentar as demais religiões que constituem a for-mação do povo brasileiro.

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contudo, observa-se que o dispositivo sobre o ER traz no seusubstrato uma concepção de religião e das instituições religiosas, e,discutir a identidade pedagógica do ER é explicitar a sua função peda-gógica e formativa na vida cidadã dos sujeitos.

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* Mestre em administração, acompanhamento e Regulação da Educação ([email protected]).

179 O artigo vem no seguimento de um estudo efetuado no âmbito da dissertação de mes-trado intitulada a (des)construção do ensino da Religião e Moral na escola pública: enquadra-mento legislativo (1910-2004), defendida em 10 de abril de 2013, na ULhT – FcSEa – iE.

180 a dissertação de mestrado intitulada a (des)construção do ensino da Religião e Moralna escola pública: enquadramento legislativo (1910-2004) teve início antes de ser publicado oDecreto-Lei n.º 139/2012 de 5 de julho, no Diário de República, 1.ª série – n.º 129 de 5 de Julhode 2012 e da sua primeira alteração pelo Decreto-Lei n.º 91/2013 de 10 de julho de 2013, Diárioda República n.º 131, série i de 10 de julho de 2013, nos quais a disciplina de Educação Morale Religiosa sofre alterações no que diz respeito à sua carga horária semanal.

O ensino da Religião e Moral na escola pública entre 1910 e 2004

RicaRDO caETanO *

Introdução

Pretende-se, através deste artigo fazer uma reflexão sobre o modocomo o ensino de Religião e Moral se estruturou no sistema educativoportuguês entre 1910 e 2004 179.

a opção por este arco cronológico emerge de duas situações. aprimeira, tem que ver com o facto da implantação da República a 5 deOutubro de 1910 ter laicizado o país e a educação e a segunda, por2004 ser o ano da última publicação de legislação curricular 180. Dentrodeste arco cronológico a disciplina em estudo sofreu alterações con-soante as diferentes políticas governamentais.

Efetivamente a religião, seja ela qual for, sempre esteve presenteao longo de toda a história da humanidade. Por todo o mundo emnome da religião se mata, se ama e se morre. através da mesma pode--se manipular pessoas de forma nefasta ou incutir-lhes valores como ajustiça, a tolerância, o respeito e a partilha. Seja como for, tanto paraalgo positivo como para algo negativo, a religião só poderá transfor-mar a pessoa ou a sociedade a partir do momento em que é ensi-nada/transmitida.

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a religião sempre fez parte da identidade político-social dasnações e Portugal não foi exceção.

apesar das constituições Políticas da República Portuguesa de1911, de 1933 e de 1976, referirem a separação do Estado das igrejas ea neutralidade do ensino público no que se refere a matérias religio-sas, o certo é que o ensino religioso, com exceção na 1.ª República,sempre teve uma forte presença na escola pública portuguesa. Presen -ça, essa, que se fazia sentir essencialmente no plano das políticas edu-cativas dos vários governos e nos planos curriculares.

O impacto da laicização da 1.ª república no ensino da religião e moral

Uma das grandes vontades da nova república portuguesa e doideário republicano, passava pela promulgação da Lei da Separação.Vontade, essa, que foi colocada em prática através do decreto comforça de lei de 20 de abril de 1911 que oficialmente separou o Estadodas igrejas. Segundo Rui Ramos o “Estado deixava de reconhecer areligião católica como religião oficial do País” (Ramos, 1994, p. 407).

nesta lei entre os seus princípios mais importantes destacam-se:

• a liberdade de consciência para os portugueses e estrangeiros(artigo 1.º);

• a religião católica deixar de ser a religião do Estado (artigo 2.º);• ninguém poder ser perseguido por motivos de religião (artigo 3.º);• a república não reconhecer, não sustentar, nem subsidiar culto

algum (artigo 4.º);• a extinção das côngruas e outras imposições (artigo 5.º);• a condenação em pena de prisão correcional de todos os que,

por atos de violência, perturbarem ou tentarem impedir o exer-cício legítimo do culto de qualquer religião (artigo 11.º);

• a proibição de realização de reuniões políticas nos lugares habi-tualmente destinados ao culto de qualquer religião (artigo 50.º);

• a autorização de cerimónias, procissões e outras manifestaçõesex teriores do culto apenas onde e enquanto constituírem umcostume inveterado dos cidadãos da respetiva circunscrição(artigo 57.º);

• a regulação dos toques dos sinos pela autoridade administra-

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tiva municipal de acordo com os usos e costumes de cada locali-dade (artigo 59.º);

• a cedência gratuita e a título precário, na medida do estritamen -te necessário, das catedrais, igrejas e capelas que têm servido aoexercício público do culto católico assim como os objetos mobi-liários que as guarnecem, à corporação encarregada do culto,pelo Estado ou pelo corpo administrativo local (artigo 89.º).

na génese do ideário republicano e da Lei da Separação estavam,entre outros, Magalhães Lima e adolfo coelho.

no que diz respeito ao primeiro, sendo membro da comissão res-ponsável pela elaboração do Projeto de Bases da constituição de 1911,teve um papel preponderante na criação da referida lei. Defendiaainda a necessidade vital, segundo Maria Rita Garnel, de retirar “àsigrejas e às congregações a hegemonia na educação e no ensino.”(Garnel, 2004, p. 90). nesta linha seguia também adolfo coelho queadvogava a laicização do ensino público. afirma o mesmo acerca doensino em Portugal:

Lembremo-nos em primeiro logar de que estamos n’um paiz em queo catholicismo é a religião do estado imposta materialmente á conscien-cia de todos os que são portuguezes: o espirito scientifico é pois aqui re -pellido de tudo o que estiver sob a acção immediata do estado, perse-guido fóra d’élle: se um ao utro individuo isolado tenta introduzil-o, osseus exforços são facilmente suffocados. n’uma palavra, a investigaçãolivre da verdade é impossível em Portugal. Em resultado d’este facto oen sino official portuguez reduz-se em toda a parte […] a adornar os es -piritos com noções vagas, superficiaes, desconnexas […]. Esse ensinonão aspira a mais, não póde aspirar a mais, a religião do estado lh’oimpede 181. (coelho, 1872, pp. 23-24).

Perante a conjuntura política laica da 1.ª República, o ensino reli-gioso sucumbe legalmente passando o ensino da moral a assentar emprincípios de justiça e dignidade dos cidadãos, em detrimento dosconceitos religiosos baseados nos milagres e mistérios, conforme oreferido no ponto iV do decreto com força de lei de 29 de março de1911.

181 Manteve-se a ortografia original.

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A emergência do ensino da religião e moralno Estado Novo

Se na 1.ª República a preocupação foi a de laicizar o Estado e aEdu cação para que o republicanismo triunfasse, no Estado novo apreocupação foi diferente. Salazar, através da igreja, procurou cimen-tar e enraizar um regime autoritário corporativista. Regime, esse, quese perpetuou coesamente ao longo de 40 anos.

De facto, o grande erro dos Governos da 1.ª República residiu naforte hostilização e na radical laicização que levaram a cabo num paístão profundamente religioso, como é o caso de Portugal. Refere JoséThomaz calvet de Magalhães que, Salazar “nem hostilizava a igreja,com quem simpatizava e de cujo apoio precisava para o seu projetopolítico conservador, nem cedia demasiado […].” (Reis, 2005, p. 155).Salazar consegue assim, “estabelecer uma plataforma política e ideo-lógica capaz de forjar um compromisso de unidade indispensável nãosó à conservação do poder, mas sobretudo à instauração de um regimeautoritário, estável e duradouro.” (Teodoro, 2001, p.176).

no que se refere à Educação, a ideologia político-cristã marcou deimediato o sistema educativo português. afirma antónio Teodoro queapesar do Estado novo, por um lado ter expandido a escolaridade pri-mária, por outro remeteu o ensino na mesma para o “ideal prático ecristão de ensinar bem a ler, escrever e contar, e a exercer as virtudesmorais e um vivo amor a Portugal 182.” (Teodoro, 2001, p. 182). a igrejaconquistava assim a posição político-social que perdera na 1.ª Repú-blica, colocando deste modo, um forte cunho eclesiástico no ensinoportuguês.

De facto, a constituição de 1933, apesar de manter o regime deseparação do Estado da igreja católica e das outras religiões (artigo46.ª, Título X), contradiz-se ao conceder os direitos que constam nosartigos que se seguem:

• no artigo 45.º o Estado passa a reconhecer a existência civil epersonalidade jurídica às associações ou organizações religiosas,permitindo às diversas religiões o culto público e a sua própriaorganização hierárquica.

182 conforme consta no Decreto n.º 27 279 de 24 de novembro de 1936.

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• Mantém as relações diplomáticas entre a Santa Sé e Portugal(artigo 46.º).

• O Estado não poderia utilizar os edifícios religiosos para outrofim, que não fosse o de culto religioso (artigo 47.º).

contradição, essa, que acabaria por se evidenciar em diversosperíodos durante o Estado novo. O primeiro surge com a publicaçãoda Lei n.º 1:941 de 11 de abril de 1936 que obriga à colocação, em todasas escolas públicas infantis e primárias, de um cruxifixo por cima dacadeira do professor. Posteriormente é publicado o Decreto n.º 27:603de 29 de março de 1937, no qual podemos ler a frase “«Eu sou o cami-nho, a Verdade e a Vida» disse Jesus cristo, indicando-nos o ideal su -premo de toda a obra da educação.” (Educação Moral, Decreto n.º27:603/37 de 29 de março, p. 290). Em 1940, mais propriamente a 7 demaio, é assinada a concordata entre Portugal e a Santa Sé que paraalém de fortalecer a sua posição social acabaria por conduzir o ensinoda Religião e Moral para uma vertente cristã católica, nos diferentesníveis de ensino 183 do Estado novo. De salientar ainda o facto dos pro-fessores de Moral e Religião, poderem fazer parte do conselho deorientação escolar.

O lugar da religião e moral na 3.ª república

Se na 1.ª República o espírito político era o de laicizar o Estado e aEducação e no Estado novo era o de cristianizar os mesmos, qual seriaagora o papel da igreja na 3.ª República?

a igreja católica, refere José Ferreira, “foi uma das instituições quemais sentiu a mudança de regime operada a 25 de abril de 1974.”(Ferreira, 1993, p. 260). Durante o PREc 184, segundo o autor, váriosforam os grupos de cristãos que apoiaram o programa do MFa 185.Porém, era a partir dos mesmos que a igreja começaria a ter conflitosin ternos. como refere José Ferreira, destes grupos “partem as princi-pais críticas à hierarquia [da igreja católica], sobre a qual recai a grave

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|313183 Ensino Primário, Ensino Secundário e Ensino Técnico.184 Processo Revolucionário em curso.185 Movimento das Forças armadas.

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acusação de ter pactuado com o regime anterior. Às suas vozes irãojuntar-se as de vários membros da própria hierarquia eclesiástica:sacerdotes, religiosos, teólogos, etc.” (Ferreira, 1993, p. 261).

Todavia, a aprovação da constituição de 1976, veio alterar esta si -tuação. Refere José Ferreira que a “aprovação da constituição de 1976,a 2 de abril, e a formação do i Governo constitucional marcam o iníciode uma nova etapa nas relações entre a igreja e o Estado.” (Ferreira,1993, p. 266). ainda segundo o mesmo autor, o próprio poder político(representado nos seus partidos políticos) passaram a querer manteruma convivência tranquila com a igreja o que, gradualmente fez desa-parecer a tensão criada no PREc e os seus conflitos internos.

no que concerne ao lugar da igreja no ensino, refere José Ferreiraque:

“Em claro desacordo com as disposições e forma do diploma consti -tu cional, [constituição Política da República Portuguesa de 1976] aigreja desencadeia um amplo protesto em prol da livre criação de escolasda igreja, com real equiparação e paridade financeira com os estabeleci-mentos de ensino oficiais.” (Ferreira, 1993, p. 268).

Porém e findo o PREc a resposta à questão colocada anteriormen -te, surge da nova constituição Politica da República Portuguesa de1976 nos seguintes pontos:

• ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, priva -do de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de[…] religião, […] (artigo 13.º, ponto 2).

• as igrejas e comunidades religiosas estão separadas do Estado esão livres na sua organização e no exercício das suas funções edo culto (artigo 41.º, ponto 3).

• é garantida a liberdade de ensino de qualquer religião (artigo41.º, ponto 4).

• O ensino público não será confessional (artigo 43.º, ponto 3).

numa primeira abordagem a estes artigos, percebemos claramen -te duas situações. a primeira, que na realidade não difere muito dasconstituições de 1911 e 1933, é a vontade politica em manter a separa-ção do Estado em relação às igrejas e a não confessionalidade do en -sino público. a segunda, que emerge apenas nesta constituição de1976, tem que ver com a liberdade que passaria a ser reconhecida e

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garantida a todas as religiões, não só à cristã católica, no ensino dasmesmas.

Todavia, os normativos que surgem depois da constituição de1976, viriam colocar em causa as duas situações anteriormente referi-das. quanto à primeira situação, o Decreto-Lei n.º 323/83 de 5 de julhoque regulamentou de forma adequada a lecionação da disciplina o en -sino da Religião e Moral católicas, refere no seu artigo 2.º que omesmo seria ministrado nas escolas públicas primárias, preparatóriase secundárias devido à forte “representatividade da população cató-lica do País […].” (artigo 2.º do DL n.º 323/83 de 5 de Julho, p. 2433).O normativo era também claro quanto ao programa da disciplina.Segundo o seu artigo 4.º a orientação do ensino da Religião e Moralcatólicas era da exclusiva responsabilidade da igreja católica. a esta,através da conferência Episcopal, competia a elaboração e revisão dosprogramas e a elaboração e edição dos manuais da disciplina.

Posteriormente, em 1986, com a aprovação da Lei de Bases do Sis-tema Educativo 186, o ensino religioso cristão católico assume nova-mente um lugar de relevo. Se por um lado no artigo 2.º, no ponto 3, naalínea b), da Lei de Bases, consta que o ensino público não será confes-sional, por outro refere o artigo 47.º, ponto 3, os planos curriculares doensino básico e secundário “integram ainda o ensino da moral e dareligião católica […].” (artigo 47.º da Lei n.º 46/86 de 14 de outubro,p. 3078).

no que diz respeito à segunda, estaria subentendida uma igual-dade de tratamento ao nível legislativo, em relação ao ensino da Edu-cação Moral e Religiosa católica e das outras confissões religiosas, nosistema educativo português. no entanto essa igualdade acabou porser pouco clara. Em 1989 é publicado o Decreto-Lei n.º 407 de 16 de no -vembro que regulava o ensino da Educação Moral e Religiosa católicae obrigava as escolas a terem lugares nos quadros das mesmas para osdocentes da disciplina e passados nove anos, em 1998 é publicado oDecreto-Lei n.º 329 de 2 de novembro que criaria paralelamente à dis-ciplina da Educação Moral e Religiosa católica a disciplina de Educa-ção Moral e Religiosa de outras confissões.

normalizado o processo político no país depois da revolução de25 de abril de 1974 e após vários anos de luta partidária, Portugal,

186 Lei n.º 46 de 14 de outubro de 1986. in Diário da República, i-Série, n.º 237 de 14 de outu-bro de 1986.

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orientado por políticas socialistas, adere à comunidade EconómicaEuropeia (cEE).

adesão, essa, que trouxe grandes desafios também à igreja e anecessidade da mesma em adaptar o seu ensino religioso ao fenómenoda globalização o qual tem orientado todas as políticas educativaspara as questões económicas mundiais e para a qualificação da mão-de-obra.

Refere antónio Teodoro:

“assumida a integração na Europa comunitária […] o discursosobre a prioridade educativa passou a privilegiar a questão do papel dosis tema escolar na qualificação da mão-de-obra, associado à afirmaçãoda urgência em realizar uma reforma educativa global que desse coerên-cia ao sistema de ensino e respondesse às necessidades que o sistemaeconómico, nesta fase de integração europeia, atribuiu à educação. (Teo-doro, 2010, p. 21).

conclusão

ao longo da história da humanidade facilmente nos apercebemosque as religiões sempre influenciaram, e continuam a influenciar, avida política e social das sociedades. a capacidade que estas têm paramobilizar massas, era e ainda é, constantemente, utilizada pelo poderpolítico. as autoridades religiosas têm ganho, assim, uma forte impor-tância nas decisões políticas nacionais, em vários países.

Portugal não é nem foi exceção. com um forte cariz cristão, temsido a igreja católica a confissão religiosa com mais fiéis e aquela quemais influência teve e continua a ter na vida político-social do País.neste sentido, e quando se fala na vida político-social, falamos entreoutras coisas, na educação. De facto, a educação sempre foi um campopolítico e social muito influenciado pela igreja. apesar das três consti-tuições portuguesas mencionarem a laicidade do Estado e a não con-fessionalidade do ensino público português, o certo é que a próprialegislação para a educação no país, deu corpo ao ensino religioso naes cola pública, através da disciplina de Religião e Moral. Moral, esta,que também acabava por ser fundamentada nos valores religiosos 187.

187 na prática, não penso que os valores da moral religiosa sejam diferentes dos valoresda moral cívica, tendo em conta que ambos apelam ao respeito mútuo, à justiça, à equidade,à tolerância à não-violência. Porém concordo que ambos assentam em doutrinas diferentes.

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Mas o ensino da Religião e Moral teve altos e baixos durante as trêsrepúblicas.

De facto, o ensino da Religião e Moral foi sempre fortemente i n -fluenciado pelos vários governos durante as três repúblicas entre 1910e 2004. com implantação da 1.ª República a 5 de outubro de 1910, aigreja sofre um duro golpe. O Estado afirma-se laico e as políticas edu-cativas republicanas terminam com o ensino da Religião e Moral naescola pública ficando apenas o ensino da moral. O ensino religiosoera, desta forma, substituído por um ensino cívico virado para o amorà Pátria e a moral, descristianizada. O ensino da moral ia prevale-cendo associado à Educação cívica.

na Ditadura Militar e no Estado novo o quadro é diferente. Sala-zar, vê na igreja católica uma forma de cimentar a sua ideologia polí-tica fascista sobre o povo. Por conseguinte o ensino da Religião eMoral assume o seu lugar no currículo e o discurso normativo pre-sente na legislação fica fortemente condicionado a uma presença cristãcatólica no sistema educativo português. Presença, essa, que estánítida quando o Decreto n.º 27:603/37 de 29 de março afirma “ «Eusou o caminho, a Verdade e a Vida» disse Jesus cristo, indicando-noso ideal supremo de toda a obra da educação.” (p. 6).

De salientar ainda que a política do Estado novo face ao ensino dareligião e Moral nas escolas reata as relações 188 com a Santa Sé atravésda concordata de 1940, acabando por ter forte influência nas decisõespolíticas educativas do governo, dando um papel preponderante àdisciplina no quadro do desenho curricular. Esta relação tornou-seigualmente visível pelo simples facto dos professores desta disciplinaserem, primeiro, escolhidos pela autoridade eclesiástica e só depoisnomeados pelo governo.

com a implantação da 3.ª República foi dada total liberdade ao en -sino das várias religiões no quadro do sistema educativo. Todavia,constatamos que os normativos referem especificamente a disciplinade Educação Moral e Religiosa católica não enumerando quaisqueroutras confissões religiosas. como prova disto é o facto de existiremdecretos que conferem um diferente enquadramento legal à disciplinade Educação Moral e Religiosa católica em relação à disciplina deEducação Moral e Religiosa de outras confissões.

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|317188 Utilizo a expressão reata, na medida em que existiu uma concordata entre o EstadoPortuguês e a Santa Sé datada de 23 de junho de 1886.

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Finalmente é de extrema importância continuar a refletir acerca doimpacto do ensino religioso na atualidade.

neste sentido, se o ensino da disciplina de Religião e Moral foinegado na 1.ª República e fortemente assumido na 2.ª República pode-remos, através dos atuais normativos, questionar-nos sobre qual opapel desta disciplina no atual sistema educativo.

referências

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Decreto-Lei n.º 329 de 2 de novembro de 1998. Regula o ensino da disciplinade Educação Moral e Religiosa, de diversas confissões religiosas, em re -gime de permanência e em alternativa à disciplina de DesenvolvimentoPessoal e Social, e altera o Decreto-Lei n.º 407/89, de 16 de novembro,relativo ao ensino de Educação Moral e Religiosa católica. Diário daRepública, i-a Série, n.º 253 de 2 de novembro 1998.

Decreto-Lei n.º 407 de 16 de novembro 1989. cria nas escolas dos 2.º e 3.º ci -

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a função social do “carisma” da instituição na educação da escola católica

cLaRETE DE iTOz *SOnia DE iTOz **

Apresentando a questão

O “carisma” da instituição, tratado nesse ensaio o dos institutos eou congregações religiosas católicas, nos espaços e condições dasescolas de educação básica se coloca na perspectiva da sua funçãosocial. como ação concreta o carisma é o sinalizador de que é possíveleducar para conhecer e viver a base principal que sustenta todo o serhu mano que é o amor, a fraternidade, a partilha, a liberdade e o com-promisso com a uma realidade que se constitua em espaço de digni-dade e de respeito a cada um na sua sui generis. a igreja católica tam -bém como uma instituição social, nos seus diversificados espaços,deve “colaborar com todos os povos na promoção da perfeição inte-gral da pessoa humana, no bem da sociedade terrestre e na edificaçãodum mundo configurado mais humanamente.” (Gravissimum Educa-tionis, 1965, n.º 3).

Para tratar da função social dos carismas das instituições tomamoso recorte enquanto ação humana social e cultural concreta. não discu-tiremos a dimensão de inspiração espiritual e ou evangélica operativado carisma na ação da igreja. Entendemos que o carisma específico deum instituto ou congregação exerce uma função social e cultural, etambém de educar e formar na escola, antes mesmo de colocar adimensão religiosa, já que é uma ação desenvolvida no decorrer dahistória, na dinâmica da realidade e das necessidades humanas.

* Mestra em ciências contábeis pela Fundação Visconde de cairu, Professora efetiva daUniversidade Federal do Tocantins – UFT([email protected]).

** Mestra em Psicologia da Educação, PUc/SP, Pontifícia Universidade católica de SãoPaulo, membro do Grupo de Pesquisa Educação e Religião – GPER ([email protected]).

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Entre todos os meios de educação, tem especial importância a escola,que, em virtude da sua missão, enquanto cultiva atentamente as facul-dades intelectuais, desenvolve a capacidade de julgar retamente, intro-duz no patrimônio cultural adquirido pelas gerações passadas, promoveo sentido dos valores, prepara a vida profissional, criando entre alunosde índole e condição diferentes um convívio amigável, favorece a dispo -si ção à compreensão mútua; além disso, constitui como que um centroem cuja operosidade e progresso devem tomar parte, juntamente, as fa -mílias, os professores, os vários agrupamentos que promovem a vidacul tural, cívica e religiosa, a sociedade civil e toda a comunidade h u ma -na. (Gravissimum Educationis, 1965, no.3)

nesse aspecto, a função social do carisma institucional exerce umamissão a partir de uma identidade constituída na tradição histórico-cultural. O patrimônio cultural de um carisma que perpassa a históriahumana se traduz na reconfiguração da inspiração nascida de umanecessidade e de uma busca de resposta a essa. Enquanto não se esgo-tar o sentido para o qual nasceu e for constituindo significados para asnecessidades da humanidade o carisma tem um papel social e cultu-ral. no entanto, a fidelidade ao mesmo exige releituras e adequaçõesao processo histórico humano.

ao se falar em carisma se diz também de uma identidade na qualo mesmo se inspira, se fundamenta e, ao mesmo tempo, a traduz. ca -risma se constitui assim numa missão que determina um jeito de ser ede fazer de quem o vivencia. Missão é aquilo que tem incidência sobrealguém ou sobre alguma coisa, com o propósito de atuar e modificar.nesse aspecto é que entendemos e concebemos a função social de umcarisma.

a função social das escolas católicas é constituída na execução deseu carisma e que constitui o patrimônio cultural da mesma. O patri-mônio cultural é tudo aquilo que vai se estabelecendo pelo processohistórico da instituição, registrada em seus de documentos e referen-dada por suas obras que, ao mesmo tempo, cria uma identidade edefine o papel de sua atuação.

O organograma a seguir mostra como esse processo se organiza.ao olhar atualmente para a realidade das escolas católicas de edu-

cação básica, na maioria das vezes, percebemos que nem sempre afunção social do carisma do Fundador/Fundadora de congregações einstitutos Religiosos tem dado conta, na condição histórica humana emediante a sociedade civil, de manter e mostrar sua eficácia no serviço

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concreto às pessoas e às organizações sociais. como já dito, o carisma,quando entendido e assumido como a própria índole de cada institutoou congregação religiosa, é expressão de uma identidade, ou manifes-tação concreta do ser e fazer, da instituição e, evidentemente, contémem si o patrimônio cultural e espiritual que deve responder a umasituada e concreta realidade histórica e humana.

O próprio concílio Vaticano ii, realizado na década de 60 pelaigreja católica, sinalizou que cada instituição ou congregação deveriaregressar à própria origem e princípios e identificar os elementos maispeculiares que configuraram a cada um. Esta índole própria nãoprovém necessariamente das obras de apostolado específicas da con-gregação ou instituto, nem do modo de ser ou de atuar dos membros,mas de uma experiência que viveu primeiro o próprio fundador oufundadora e que o fez capaz de atender a situações de emergência edar respostas adequadas à mesma.

O “fundador”, a “fundadora” é aquele que nasce a partir de umprofundo desejo que sente e faz a experiência de sair de si mesmo, irao do encontro “do outro”, nas suas necessidades e carências, e dedi-car seu tempo para atender a uma realidade, que é humana concreta,para transformá-la.

nas escolas católicas brasileiras o carisma do fundador tem sidoatropelado pela própria (re)leitura do mesmo e por um modelo de

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concepção assumido e desenvolvido no processo de ensino-aprendi-zagem. coloca-se, pelas próprias exigências externas, um paradigmade formação acadêmico-profissional que não tem conseguido reler,traduzir, expressar e tratar a dimensão sociocultural inicial do carismafundacional. as “áreas do conhecimento” (Matemática e suas tecnolo-gias; ciências humanas e suas tecnologias; Linguagens, códigos e suastecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias) e as disciplinasdo currículo escolar tornaram-se mais um programa de conteúdos ede exercícios a serem cumpridos para dar conta de exames externos àinstituição.

conforme descrito na declaração Gravissimum Educationis (1965,n.º 1) os investimentos e os esforços, e todo o empenho das escolascatólicas mostram-se muitas vezes frustrados, já que os resultados nãodão sinais de estarem preparando cidadãos que se apropriam da ins-piração do carisma fundacional para “tomar parte na vida social e que,devidamente munidos dos instrumentos necessários e oportunos,sejam capazes de inserir-se ativamente nos vários agrupamentos dacomunidade humana, se abrirem ao diálogo com os outros e se esfor -ça rem de boa vontade por cooperar no bem comum”.

Outro espaço de desapontamento acontece especificamente edentro da área de conhecimento e componente curricular Ensino Reli-gioso. Mediante a própria condição atual de constituir-se uma das dis-ciplinas do currículo escolar, com conteúdos e estratégias próprios, oEnsino Religioso na maioria das escolas católicas ainda não tem claroo seu objeto de estudo e trabalho. Logo, o “espaço ideológico” quecabe ao componente escolar ensino religioso, e a busca de qualificar eespecificar uma matriz de conteúdos específicos que o justifique, nãotem conseguido, em geral, ainda estabelecer conexões intencionais eclaras com o “carisma congregacional”.

Função social do carisma

Tomamos Max Weber (1999) que trabalha com um referencial teó-rico que dá apoio histórico-conceitual para o entendimento do con-ceito de carisma. na sociologia weberiana, os acontecimentos quecom põem e integram o social tem origem nos indivíduos. Os aconte-cimentos sociais em geral são quantificáveis, no entanto, a análise docontexto social sempre envolve alguma subjetividade. Para Weber

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toda a ação é um comportamento humano dotado de sentido e fim. Ea interpretação do sentido de uma ação, ou a razão pela qual ela sema nifesta, é o objeto a ser investigado, de maneira que seja possívelen xergar as conexões de sentido, ou os motivos que possibilitamdeterminado comportamento.

Weber trabalhou entre 1910 e 1920 propondo separar do contextomágico-religioso e teológico o conceito de carisma, criando para omesmo uma nova concepção. Definiu carisma a tudo aquilo que rom -pe com as tradições e rotinas do dia a dia, o que gera algo radicalmen -te diferente e permite entender e explicar fenômenos sociais. VêWeber uma ligação entre o conceito de carisma e a explicação sobre onovo, as revoluções e as mudanças sociais.

Para Weber, carisma é tudo o que pode ser elucidado a partir dasper guntas: “como se desenvolve algo novo na história? O que originarevoluções que transformam o mundo? O que causa um novo início euma mudança de direção no decorrer da história da sociedade?” ca -risma passa, então, a ser compreendido não só como um modelo tipo-lógico, mas também e principalmente como um modelo de explicaçãoda realidade humana.

O carisma é a grande força revolucionária nas épocas com forte vin-culação à tradição (...). O carisma destrói (...) em suas formas de manifes-tação mais sublimes regra e tradição e inverte todos os conceitos sacrais.ao invés da piedade em relação àquilo que é, desde sempre, considera -do comum, e por isso sacral, ele força a sujeição interna sob aquilo quenunca antes existiu, sob o absolutamente singular, e por isso divino.nesse sentido puramente empírico e neutro, é, porém, o poder especifi-camente criativo e revolucionário da história. (Weber, 1991, p. 161)

Para Weber (1999) a interpretação de sentido de uma ação trata detrês condições que detonam a existência de um carisma, sendo elas: oreconhecimento, a legitimidade e a comunicação. isso explica quecarisma é uma força revolucionária dentro das resistências, o quepassa a ser um conceito da essência da ação humana. O que leva tam -bém a entender que carisma é uma força social essencialmente criativaou destrutiva, que irrompe no decorrer dos acontecimentos e quepode dar à história um novo rumo e abrir caminho para outras formasde vida.

no entanto, a tradução e execução de um carisma não se realizasem empenho e sem uma mínima clareza sobre o mesmo. na gênesedos processos históricos carisma é essencialmente uma dimensão de

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sentido que, pela sua natureza, precisa corresponder às exigênciasracionais do intelectualismo e do conhecimento racional. é nesse sen-tido que, para Weber, carisma é entendido como chave sociológicapara a compreensão daquelas correntes sociais que rompem de formainesperada o cotidiano e o convencional.

carisma, na concepção sociológica de Weber, passa a ser caracte-rizado pela personificação das orientações de valores vinculados àmissão e pela relação com a transformação da realidade. E, por estarazão, o ciclo de um carisma se dá por uma dinâmica que se colocame diante um processo social, ao que Weber chamou de “cotidianiza-ção”. Mesmo que em sua forma genuína o carisma seja de caráterextra-cotidiano, pois ligado à validade de determinadas qualidadespessoais e à prova destas, este é representado na relação que estabe-lece com uma realidade, com as necessidades e transformações damesma.

O carisma como fenômeno é aquilo que consegue mexer e reinven-tar as estruturas do cotidiano, onde a predominância dos interesses éinstaurada e se transforma numa força impulsionadora para a própria“cotidianização” do mesmo.

O círculo mais próximo ao portador do carisma se transforma,segundo Weber, na força impulsionadora da “cotidianização”. a entou-rage do líder procura principalmente colocar sobre um “fundamento co -tidiano duradouro” a própria posição dentro da comunidade carismá-tica e as oportunidades de poder e/ou sustento vinculados a ela. (Bach,2011, p. 63)

E é assim que através dos interesses pessoais e das necessidadessocioculturais o cotidiano é restaurado, o carisma cotidianizado etorna-se força criativa e renovadora, abre novos horizontes na históriahumana, origina outras concepções e abre outras veias para os cami-nhos da vida.

carisma e educação

Para Weber no curso das transformações históricas está a educa-ção com vistas à formação que, por princípio de carisma, pode se cons-tituir em uma instituição formal ou de livre iniciativa, quando social-mente direcionada a três tipos de finalidades: o despertar o carisma; o

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preparar o aluno para a conduta de vida; e o transmitir conhecimentoespecializado.

aceitar a ideia de que vive-se hoje em uma sociedade reconfigu-rada na sua constituição, chamada de sociedade do conhecimento,implica em repensar a educação. E para conseguir fazer essa transfor-mação, o primeiro passo é mudar a maneira com que as pessoas e, es -pecialmente, os educadores veem e colocam-se no mundo. é necessá-rio mais que nunca abandonar a concepção cartesiana e fragmentadade lidar com a realidade. a forma de ver o mundo compartimentali-zado hoje já não serve mais para a condição de vida e de mundo. arealidade, as situações, as possibilidades e problemas se tornaramholísticos, são sistêmicos. não é nada simples, mesmo sendo um espe-cialista, dar-se conta da complexidade da qual se faz parte e do con-texto da vida como um todo. a concepção de divisão de trabalho, porexemplo, entre os que pensam e os que fazem, está com seus dias con-tados, por isso as novas demandas, exigências e necessidades coloca-das à educação atual.

nesses tempos atuais a criatividade e a inovação são imposição domundo da produção. Se antes a competição era a mola propulsora dodesenvolvimento, hoje é a colaboração, o compartilhar informações econhecimentos que assume um papel preponderante. é aqui que entrao papel de educar para a nova demanda e que abre enorme brechapara recolocar a dimensão do carisma fundacional de uma instituição.é esta a hora de reler, recolocar e reinventar o carisma corresponden -do à força da função social da qual é portador. Pois, como relatado naGravissimum Educationis, 1965, n.º 1 “a verdadeira educação, porém,pretende a formação da pessoa humana em ordem ao seu fim últimoe, ao mesmo tempo, ao bem das sociedades de que o homem é mem -bro e em cujas responsabilidades, uma vez adulto, tomará parte.”

À educação, nesse momento do percurso da história humana, ca -berá estimular a criatividade, a participação e principalmente sempreem toda e qualquer circunstância a reflexão. Essa é a razão pela qual aprópria escola e os seus sistemas educacionais tem sido profundamen -te questionados, por não buscarem fundamentos que possibilitem aefetivação da formação necessária às novas competências para um ci -dadão que se perceba e se faça planetário. Percebe-se que o desafio doensino e da aprendizagem vai muito além da simples incorporaçãodas novas tecnologias e das novas interfaces de comunicar-se e rela-cionar-se.

a educação escolar, nesta perspectiva, passa a ter um outro papel

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social. Para a mesma se coloca um papel significativo na formação dosnovos cidadãos e de novas competências relacionais com o outro e coma realidade. não importa mais tanto formar para competências vincu-ladas à perspectiva de mercado, mas cidadãos que sejam capazes deproduzir uma sinergia com outros e com novos e diferentes saberes.

O ensino e a aprendizagem representam os dois termos de uma rela-ção que não é só entre um objeto de estudo e uma mente que aprende,mas entre pessoas. Essa relação não pode basear-se unicamente em con-tatos técnicos e profissionais, mas deve nutrir-se de estima recíproca, deconfiança, de respeito, de cordialidade. a aprendizagem, num contextoem que os sujeitos percebem um senso de pertença, é bem diferente deuma aprendizagem que se dá numa moldura de individualismo, de an -tagonismo ou de frieza recíproca. (Educar hoje e amanhã. Uma paixãoque se renova, 2014, ii-3)

Valores como solidariedade, trabalho coletivo, tolerância, diversi-dade, ética, passam a ser recuperados nesse contexto, a partir de umtrabalho mais abrangente e que tenha as novas tecnologias de comu-nicação e informação como elementos estruturantes desse novopensar, produzir, realizar e viver.

(...) a escola deixa de ser um ambiente que favorece uma aprendiza-gem completa, se aquilo que o aluno aprende não se torna também umaocasião de serviço à própria comunidade. ainda hoje muitos alunos con -si deram a aprendizagem uma obrigação ou imposição. é provável queisso dependa também de uma incapacidade da escola em comunicar aosalunos, além do conhecimento, também a paixão, que é o motor dabusca. quando, porém, os alunos tem a oportunidade de experimentarque aquilo que aprendem é importante para a sua vida e para a vida dacomunidade a que pertencem, a motivação deles muda. é desejável queos professores proponham aos alunos ocasiões para experimentar o im -pacto social daquilo que aprendem, favorecendo assim a descoberta dare lação entre a escola e a vida, e o desenvolvimento do sentido de res -pon sa bilidade e de cidadania ativa. (Educar hoje e amanhã. Uma pai -xão que se renova, 2014, ii-4)

na educação escolar o carisma institucional passa a ser o caminhotraçado e que direciona o cultivo da função social que cabe à escolaque, dentro da estrutura em que está inserida, é também o provocadorde um currículo escolar que prepara o cidadão para cumprir determi-nada função na e para a sociedade em que vive. a educação se volta e

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deve favorecer para isso que o indivíduo seja um ser autônomo, livree consciente de seu papel social.

O papel social do carisma no contexto da escola passa a ser o sus-citador da reflexão e o que faz possibilitar a criação de mecanismos demudança dentro da sociedade, como aconteceu e o fizeram os funda-dores das instituições educacionais católicas.

O carisma à luz da “Declaração Gravissimum Educationis

sobre a Educação cristã”

(...) é necessário que, tendo em conta os progressos da psicologia,pe dagogia e didática, as crianças e os adolescentes sejam ajudados emordem ao desenvolvimento harmônico das qualidades físicas, morais eintelectuais, e à aquisição gradual dum sentido mais perfeito da respon-sabilidade na própria vida, retamente cultivada com esforço contínuo elevada por diante na verdadeira liberdade, vencendo os obstáculos commagnanimidade e constância. (Gravissimum Educationis sobre a Educa-ção cristã, 1965, n.º 1)

Ensinar e aprender é a ação transformadora de educar, por isso,inclui também projetos de responsabilidade social da escola, conjunta-mente com a dimensão celebrativa da própria vida e dos acontecimen-tos que atingem toda a comunidade educativa. O ensinar e aprender sefaz por um tipo de conhecimento que tem suas bases no processo deconstruir significados para o existir humano. E à escola que é portadorada “identidade católica” cabe dar a conhecer e executar, além da relaçãoeducando-conhecimento-educador, os valores que constituem o patri-mônio cultural do “carisma Fundacional” que a inspirou.

na “Declaração Gravissimum Educationis” sobre a Educaçãocristã, a escola, entre todos os meios de educação, tem especial impor-tância em virtude da sua missão de preparar para a vida. é nesse es -paço social que se cultiva com específica atenção a dimensão cogni-tiva; é onde se desenvolve a capacidade de discernir; é por ela que seintroduz o patrimônio cultural adquirido pelas gerações passadas; éespaço onde se promove o sentido dos valores e se prepara para a vidaprofissional; nela também se criam as condições para um convívio derespeito com os diferentes. Ou seja, a escola é um espaço primordial

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que favorece a disposição para a compreensão mútua, enquanto sepromove a cultura e a religiosidade.

O dever de educar, que pertence primariamente à família, precisa daajuda de toda a sociedade. (...) além dos direitos dos pais e de outros aquem os pais confiam uma parte do trabalho de educação, há certos de -veres e direitos que competem à sociedade civil, enquanto pertence aesta ordenar o que se requer para o bem comum (...). (Gravissimum Edu-cationis, 1965, n.º 3)

(...) é de grande responsabilidade a vocação de todos aqueles que,aju dando os pais no cumprimento do seu dever e fazendo às vezes daco munidade humana, tem o dever de educar nas escolas; esta vocaçãoexige especiais qualidades de inteligência e de coração, uma preparaçãoesmeradíssima e uma vontade sempre pronta à renovação e adaptação.(Gravissimum Educationis, 1965, n.º 5)

Em Weber, como visto, para a “cotidianização do carisma” há umaexigência histórico/legal, que se coloca pela própria instituição. hátambém uma exigência sócio/cultural, que se coloca a partir da iden-tidade da escola. Para isso, não basta boas intenções é preciso açõesque deem legitimidade, ou que exerçam a função social ao qual se des-tina o carisma. Só assim se constitui o sentido histórico-sociológico ecumpre a função social um carisma.

no referencial weberiano a capacidade sociocultural-histórica docarisma se converte em um objeto possível de educação (WEBER,1996, p. 876). a compreensão atualizada e a fidelidade ao carisma sãoa fonte de abertura para um leque de possibilidades, para uma açãodinâmica, conjunta e renovada e voltada aos princípios cristãos sociaise culturais da vida. O carisma tratado na dimensão da função socialpossibilita instituir uma formação sólida e coerente e possibilitatambém a manutenção do carisma institucional. Ter comprometi-mento com as causas da própria comunidade humana e terrestre é terconhecimento da vida e dos ensinamentos do carisma dos Fundado-res, da espiritualidade, dos documentos, da tradição e, principal-mente, ter a capacidade de fazer a releitura nos sinais que o tempo dá.

(...) a escola católica, enquanto se abre convenientemente às condições doprogresso do nosso tempo, educa os alunos na promoção eficaz do bemda cidade terrestre, e prepara-os para o serviço da dilatação do reino deDeus, para que, pelo exercício duma vida exemplar e apostólica, se tor -nem como que o fermento salutar da comunidade humana. (Gravissi-mum Educationis, 1965, no.8)

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Toda organização sociocultural-religiosa tem uma razão para exis-tir. Essa razão é explicitada na missão para a qual a mesma surgiu, seconstituiu e se manteve na história da humanidade. no caso das esco-las católicas, a missão retrata a inspiração de um fundador, de umafundadora. a inspiração fundacional, que norteia a postura institucio-nal, é o seu carisma e que “deve ter em conta as necessidades do seutempo” (Gravissimum Educationis, 1965, n.º 8).

recolocar o “carisma” fundacional

Sempre em toda a história da humanidade surgiram indivíduosque tiveram a capacidade de aglutinar em torno de si milhares deseguidores e modificar a realidade e as estruturas de seu tempo. aestes indivíduos, como os fundadores de congregações/instituiçõesre ligiosas, foi dado o pressuposto de serem reconhecidos como sujei-tos portadores de um carisma especial.

hoje são pedidas novas posturas humanas na busca da construçãode uma sociedade que seja livre, justa, solidária, tolerante e digna paratodos. a partir do patrimônio sociocultural-histórico de um carismafundacional coloca-se um imperativo moral que convoca a uma atuali -zada releitura e ressignificação dos ideais do fundador, da fundadora.

Recolocar e atualizar o carisma fundacional é interferir direta-mente na comunidade educativa com a responsabilidade na qualidadede vida das atuais e futuras gerações. Weber propôs olhar o carisma apartir de um conceito mais abrangente. a função social do carismafundacional na educação escolar é ajudar o aluno na sua condição deser humano, possibilitando a este a criação de mecanismos de mu -dança da realidade em que está inserido.

referências

Bach, Maurizio, “carisma e racionalismo na Sociologia de max weber”, inMaRKUS a. hEDiGER (trad.), Sociologia & antropologia, v. 01.01:51–70,2011, em: http://www.revistappgsa.ifcs.ufrj.br/pdfs/ano1v1_artigo_maurizio-bach.pdf. acessado em: 10.12.2014.

concílio Vaticano ii, Declaração Gravissimum Educationis sobre a educaçãocristã, 1965.

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congregação para a Educação católica, Educar Hoje e Amanhã. Uma paixão quese renova, 2014.

WEBER, M., Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva, (R.B. Barbosa., trad.) Brasília, UnB, 1999.

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O ensino religioso confessional protestante:discutindo a proposta comeniana de interação didático-pedagógica

MichELLE RazUcK aRci MachaDO *

a partir dos princípios educacionais extraídos das obras comenia-nas Didática magna e na Pampaedia, pretendeu-se mostrar a impor-tância da indissociabilidade do ensino, da moral e da piedade comoprincípio fundamental para o ensino confessional protestante, visandoà formação integral do ser humano, como indivíduo e como cidadão.

Pesquisa realizada pelo Departamento de Psicologia da Universi-dade Federal de São Paulo (Unifesp), divulgada no jornal Diário deSão Paulo (31/08/2010), mostrou que os fatores decisivos para osjovens abandonarem o vício da droga são a fé e a religiosidade. a pes-quisa demonstrou que, entre os jovens que frequentam instituiçõesreligiosas, apenas 19% são usuários de drogas e, desse grupo, con-forme christiano (2010, p. 12), 13% buscou a religião para se livrar dovício, sem a ajuda de tratamento convencional 189. a pesquisadora res-ponsável, Solange nappo, partiu de uma interrogação:

Sempre quis saber porque alguns jovens, vivendo em locais onde adisponibilidade de drogas era grande, não a usavam, enquanto outros,na mesma localidade, não se afastavam delas. O fator decisivo, tantopara o não uso quanto para abandonar o vício, é a religião. (chRiSTia -nO, 2010, p. 12)

a pesquisa envolveu 85 jovens que largaram o vício após o envol-vimento religioso e que estavam em abstinência há seis meses ou mais.

O trinômio culpa, oração e perdão acaba sendo fundamental para

* Mestre em ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM),Orientadora Educacional do colégio Presbiteriano Mackenzie ([email protected]).

189 a pesquisa foi realizada em 21 instituições religiosas da cidade de São Paulo, comgrupos de evangélicos, católicos e espíritas (kadercistas).

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conscientizar os jovens, levando-os a trocar a sensação de euforia tra-zida pelo uso das drogas “por um bem tão abstrato como a religião”(chRiSTianO, 31/08/2010, p. 12). ao buscar ajuda na religião, ojovem sente muita culpa. O perdão traz conforto e a oração traz alívio,uma vez que “nos momentos de grande necessidade da droga, a precefacilita o enfrentamento da abstinência, porque representa o contatodireto com Deus” (chRiSTianO, 31/08/2010, p. 12). Em uma socie-dade que dá apenas duas opções para o viciado, cadeia ou internação,a religião ajuda o jovem a readquirir a autoestima e, aos poucos, novaidentidade.

Por meio dessas pesquisas, percebe-se, portanto, a lacuna de valo-res que o relativismo da pós-modernidade acabou por deixar. a reli-gião foi sendo deixada de lado, em prol de outros valores. as famíliastem o dever de educar, conforme a constituição de 1988, artigo 227.Mas, nas discussões da atualidade acerca da educação, a família acabase desvinculando de tal responsabilidade, transferindo-a à escola(LOPES; aRci, 2010, p. 5). ainda é na família que deve ocorrer a edu-cação na infância. Educação esta, também religiosa.

Entretanto, a religiosidade é conatural à vida humana (BERTOni,2009, p. 164). Ela serve tanto para contemplar como para interpretar omundo e a vida cotidiana. Mas vivemos em uma sociedade onde adiversidade religiosa é profunda.

a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional, lei no 9.394 de20 de dezembro de 1996 190, em seu artigo 33, contempla, em caráter fa -cultativo, as aulas de Ensino Religioso em todas as escolas públicas dopaís. O artigo 33 propõe duas formas de ensino: confessional e inter-confessional. Já a nova redação desse artigo, dada pela Lei no 9.475, de22 de julho de 1997 191 estabelece uma proposta interconfessional deensino. Lê-se no § 2.º que “os sistemas de ensino ouvirão entidadecivil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a defi-nição dos conteúdos do ensino religioso”. no âmbito estadual, a reso-lução de 27/7/2001, do conselho Estadual de Educação, regulamentaesse artigo e propõe um programa aberto.

Porém, a constituição Federal Brasileira de 1988 abriga, comoprin cípio, a liberdade de religião, no capítulo i, artigo 5.º, inciso Vi,

190 Para ver na íntegra a Lei n.o 9.394, de 20 de dezembro de 1996, acesse: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm

191 Para ver na íntegra a Lei n.o 9.475, de 22 de julho de 1997, que dá nova redação ao ar -tigo 33 da Lei n.o 9.394, acesse: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9475.htm

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onde se lê que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença,sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos [...]” (cOnS-TiTUiçãO da República Federativa do Brasil, 1988, s/p.). Já o artigo210, parágrafo 1º, afirma que o Ensino Religioso constitui disciplinados horários normais das escolas públicas de Ensino Fundamental;porém, sua matrícula é facultativa. Desses dispositivos, infere-se quea constituição assegura o livre exercício dos cultos religiosos, o res-peito à liberdade de consciência e também o ensino religioso. nessareflexão, insere-se o conceito apresentado por Bastos e Martins (1989,p. 51) sobre a educação confessional, quando definem que as “escolasprivadas podem ser confessionais no sentido de que adotam umadeterminada religião”. Baseando-se em tais dispositivos e na LDB9.394, que, no seu artigo 20, inciso iii, contempla a possibilidade doestabelecimento de escolas confessionais, sendo estas “instituídas porgrupos de pessoa física ou por uma ou mais pessoas jurídicas queatendam a confissão e ideologia específicas”, o presente artigo hipote-tizou a indissociabilidade da instrução, da moral e da piedade contidano pensamento de comenius, como princípio fundamental para oensino confessional protestante. além disso, buscou-se apresentar aex periência em sala de aula da disciplina Ensino Religioso no EnsinoFundamental ii de uma escola confessional protestante. O artigo emtela, portanto, vincula-se ao Grupo de Trabalho instituições Privadasde Ensino, e pretende relatar experiências em sala de aula realizadasem uma escola confessional protestante do ensino privado no Brasil.

no caminho para atingir-se tais objetivos gerais, podem-se identi-ficar os pressupostos, os quais estão intimamente relacionados com osobjetivos específicos. Buscou-se, portanto, como objetivos específicos:buscar a base constitucional para a existência e exequibilidade da edu-cação confessional (MOURa, 2010, p. 19), além de registrar a expe-riência de sala de aula no Ensino Fundamental ii, na disciplina deEnsino Religioso de uma escola confessional protestante.

a visão da formação integral do educando, na esteira da indisso-ciabilidade da instrução, da moral e da piedade, encontrada nas obrasde comenius, certamente vai ao encontro da formação de valores noaluno do Ensino Fundamental ii brasileiro, em cumprimento do artigo205 da constituição Federal Brasileira (1988, p. 133):

a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, serápro movida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando aople no desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cida-dania e sua qualificação para o trabalho.

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apesar de a LDB n.º 9.394/96 propor o Ensino Religioso como dis-ciplina facultativa, ela o reconhece como ferramenta primordial paraa formação plena dos estudantes brasileiros. Partindo dessa premissa,é possível compreender o Ensino Religioso como espaço propício parao despertar de valores éticos universais, capazes de conduzir osalunos ao seu desenvolvimento pleno.

“O homem tem necessidade da fé” atesta covello (1999, p. 10) eesse mesmo homem isentou a ciência da metafísica e da filosofia, apar-tando a religião da ciência. E comenius, em pleno século XVii, resolveesta equação, idealizando em sua pansofia uma unidade do conheci-mento, onde a ciência, a moral e a piedade são fontes de “acesso à rea-lidade” (cOVELLO, 1999, p. 11).

Weiss (1993, p. 161) atesta a importância do ensino da fé para a for-mação da personalidade plena do aluno.

O presente trabalho trata da relevância das aulas de Ensino Reli-gioso confessional Protestante para a formação integral do ser hu -mano. Ora, toda prática de ensino requer uma filosofia de educaçãoque possa orientar para um ideal de educação, que influencia cada es -colha. Toda confessionalidade pressupõe um credo. O alvo da educa-ção confessional cristã protestante, na visão de Moura (2010, p. 135) jazna proposta integral do homem, mediante a compreensão das coisasterrenas e das celestes, objetivando a formação plena da cidadaniacristã, que é composta pela cidadania do reino de Deus e pela cidada-nia civil, em sua dupla vertente.

as aulas de Ensino Religioso, na modalidade confessional, não selimitam a práticas litúrgicas, como se a escola fosse uma extensão daigreja. na sala de aula, não se procura doutrinar os alunos à fé protes -tan te. Também não se procura provar cientificamente as teses de seucredo, embora esse desejo, segundo Moura (2010, p. 137), possa seruma decorrência, não um objetivo imediato.

Mas, a premissa central da educação confessional protestante e,logo, do ensino religioso confessional protestante, é a formação inte-gral do aluno. aqui, postula-se, como método, o da indissociabilidadedo ensino, da moral e da piedade, em uma “visão cosmológica inte -gra da e integradora”. (MOURa, 2010, p. 138). E o estudioso que sealinha a este pensamento é João amós comenius. O artigo em tela,por tanto, procurou explicitar nas obras de comenius os princípioseducacionais para a disciplina do Ensino Religioso no Ensino Funda-mental ii.

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a educação confessional protestante abrange quatro áreas, anali-sados por Moura (2010, p. 139):

1. a cosmológica: sendo o estudo das teorias sobre a origem, natu-reza e desenvolvimento do universo;

2. a teológica: a teoria religiosa sobre a existência e atributos deDeus, e elementos daí resultantes;

3. a antropológica: o estudo dos seres humanos;4. a ontológica: o estudo da existência, sua natureza e significado.

Estas convicções se alicerçam na autoridade da Bíblia como sendoa revelação de Deus e ambos, Deus e a Bíblia, são a base do conheci-mento e da verdade.

a filosofia educacional confessional protestante leva os educado-res a tratarem com seus alunos questões relativas ao sentido e propó-sito da vida presente e também da educação. O aluno, então, deve serconfrontado com questões como a natureza da realidade, o sentido e afonte do conhecimento e a estrutura de valores.

as tarefas, portanto, da confessionalidade associada à educaçãosão sumarizadas por Moura (2010, p. 145):

1. fornecer a base axiológica (ou princípios reguladores) da educa-ção escolar cristã;

2. expor a não neutralidade e a orientação ideológica da legislaçãoeducacional no Brasil contemporâneo;

3. oferecer alternativa ao contexto cultural dominante.

O alvo, ainda segundo Moura (2010, p. 145), é o de reavivar o com-promisso intelectual decorrente do mandato cultural, dado por Deusaos homens. Portanto, é desafio da educação confessional protestanteformar cidadãos que vivam o mandato cultural com ousadia e pro-priedade.

Daí que, um conceito de educação confessional protestante, seria“toda e qualquer prática educativa que considera o ser humano doponto de vista do Evangelho” (MOURa, 2010, p. 146). Lopes (2010,pp. 109-110) conceitua a educação cristã da seguinte forma:

[...] a educação cristã não está restrita ao conhecimento bíblico dominicalde determinada comunidade, mas ela possui a importante tarefa demos trar que o conhecimento real ou verdadeiro procede de Deus e temsua causa última nele; com isso, explicita que essa é a educação que per -mi te ao homem de fato conhecer Deus, a si mesmo e o mundo, o que

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resulta na glorificação de Deus. [...] Todavia, a peculiaridade da aborda-gem cristã da educação é [...] mostrar [ao ser humano] o caminho paraque ele sirva e glorifique o nome de Deus, resultando no encontro dafelicidade.

Lopes (2010, p. 111) lembra que a educação cristã deve buscar odesenvolvimento da pessoa e de seus dons, bem como levá-la a conhe-cer a realidade, o mundo e a si mesma, sob a perspectiva cristã davida.

assim conceituada a educação confessional cristã, é importantecentrar a atenção nas bases fundamentais que devem nortear o ensinoreligioso confessional protestante.

A Bíblia

Para comenius existem três fontes de conhecimento: o mundo,nós mesmos e os textos sagrados. a Bíblia é o livro que revela a pessoado criador e é fonte de conhecimento de todas as coisas, pois é “arevelação escrita de Deus” (LOPES, 2006, p. 140); por esta razão, é amaior das três fontes de conhecimento, como pontua comenius (1997,p. 272):

as fontes são as Sagradas Escrituras, o mundo, e nós mesmos, ouseja, a palavra de Deus, suas obras e nosso sentimento interior. DasEscrituras se haurem a consciência e o amor de Deus. que depois, apartir do mundo e da sábia contemplação das admiráveis obras divinasnele existentes sejamos conduzidos para um sentimento de piedade, oque se vê entre os pagãos, que pela simples contemplação do mundo,foram levados a venerar o poder divino [...]

Dessa forma, comenius (1997, pp. 301-303) assume como princípiobasilar que o texto bíblico é suficiente para todo o conhecimento eensino.

comenius, portanto, compreende que o grande perigo que a ju -ventude cristã corria era o de conhecer muito mais as literaturas pagãse muito pouco de cristo. Dessa forma, pode-se perceber que come-nius se aproximou de uma interpretação reformada das Sagradas Es -crituras, pois, para ele, a Bíblia é a revelação de Deus, ou seja, o “único

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livro no qual o cristão poderia encontrar o puro e o verdadeiro conhe-cimento de todas as coisas”. (LOPES, 2006, p. 144)

na Pampaedia comenius (1992, pp. 54-55) adverte que a leitura bí -blica e seu valor devem ser conhecidos por todas as pessoas, em todasas idades: é desejo de Deus que a Bíblia seja comum a todas as pes-soas. Ele ainda discorre sobre como se deve ensinar às crianças e aosadolescentes o uso da Sagrada Escritura (cOMEniUS, 1992, p. 271):

1. deve ser dado o melhor exemplar, com a melhor edição, nalíngua utilizada na escola, na família e nas relações sociais que acriança estabelecer;

2. essa Bíblia deve ser impressa em bom papel, para que dure pormuito tempo;

3. esse exemplar deve ser usado durante toda a vida da criança,para que, utilizando sua memória visual, fixe-se em cada páginae ali possa também fazer anotações;

4. ao ler, a criança deve ser ensinada a subtrair do texto as passa-gens mais importantes, sendo o texto repetido diária, semanal emensalmente, para a fixação; na segunda vez que ler o mesmotexto, deve pintar de vermelho as passagens novas que obser-var; na terceira leitura, pintar de verde e assim por diante;

5. a leitura completa da Bíblia deve ser feita em dois anos; todos osdias devem ser lidos quatro capítulos, sendo dois pela manhã edois à tarde;

6. no término da leitura bíblica diária, deve-se proceder uma medi-tação sobre o que foi lido.

comenius, com o pressuposto da inter-relação da teologia com ape dagogia como o fundamento do conceito de educação, e tendo ohomem como a coroa da criação, entendia que o texto bíblico deveriaser o principal livro da escola. Os cristãos, portanto, na visão de come-nius, deveriam receber a formação bíblica, por ser a “fonte de toda sa -bedoria”. (cOMEniUS, 1997, p. 301)

Deus é a causa de educar a humanidade

c. S. Lewis afirma que “Deus é a rocha da realidade irredutível, daqual dependem todas as outras realidades” e esta frase, segundo

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Moura (2010, p. 116) expressa o axioma central da epistemologia teístaprotestante, que é a epistemologia teocêntrica por excelência. À luz damesma, que Deus é a sede e fonte de sabedoria, doador da habilidadeintelectual ao homem (MOURa, 2010, p. 117). é Deus, portanto, quemdá existência, conteúdo e significado a qualquer objeto de conheci-mento. Por isso, cabe ao homem conhecer a Deus. O conhecimento deDeus, segundo Moura (2010, p. 118) tem como objeto o próprio Deus:

Do conhecimento resulta a sabedoria; ou seja, em Deus, conhecimentoé causa e sabedoria é efeito; tal sabedoria tem por características ser essen-cial, inseparável do próprio Deus, sua propriedade exclusiva, originárianele, eterna e incompreensível ao homem (MOURa, 2010, p. 118).

Dessa forma, conhecer Deus fornece ao homem uma estruturacompreensível para toda a realidade:

[...] o princípio dominante da verdade cristã não é soteriológico (i. é., jus-tificação pela fé), mas cosmológico (i. é., soberania do Deus triúno sobretodo o cosmos, em todas as suas esferas e reinos, visíveis e invisíveis). atotalidade do cosmos só pode ser entendida em relação a Deus. [...] aimplicação é que todo assunto que investigamos, desde ética econômicaaté ecologia, a verdade só é encontrada em conexão com Deus e suarevelação (cOLSOn; PEaRcEy, 2000, pp. 12 e 33).

Daí, portanto, resulta o entendimento da epistemologia protes-tante, de que a fonte final do conhecimento é a revelação. Já o am bien -te do conhecimento é o relacionamento entre o criador e a criatura,entre Deus e os homens.

A piedade cristã – educar para a piedade

Para comenius, educar para a piedade significa impregnar o cora-ção humano do sentimento que se refere à fé e à religião; e, a razão deviver, do homem, deve ser adorar a Deus. (LOPES, 2006, p.177)

Dessa forma, comenius sugere que todas as coisas devem conver-gir para Deus, ou seja, o nosso pensamento, louvor e amor devem serdirecionados a Deus.

Mas, nem sempre encontramos nos corações humanos a piedade;por isso, há necessidade de procuramos as fontes dela. Para comenius

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(1997, p. 272) há três fontes de piedade: as Escrituras Sagradas, o mun -do e nós mesmos.

nota-se que comenius adverte que o sentimento de piedade deveser inculcado nas crianças desde cedo: “Tão logo aprendam a usar osolhos, língua, mãos e pés, devem aprender a olhar os céus, a erguer asmãos e pronunciar o nome de Deus e de cristo” (cOMEniUS, 1997,p. 274). as crianças devem aprender desde cedo que, nesta vida, nãofazemos outra coisa, senão nos preparamos convenientemente para avida futura (cOMEniUS, 1997, p. 275). E preparar as crianças para avida futura significa ensiná-las a buscar as coisas necessárias e úteisque nos acompanharão por toda a eternidade, pois há duas espéciesde vida eterna: a bem-aventurada, com Deus, e a miserável, no inferno(LOPES, 2006, p. 179). Todos nós devemos buscar a bem-aventurada e,apenas seremos conduzidos a ela se, na Terra, caminharmos com Deus,tendo-o diante dos olhos, temendo-o e obedecendo-lhe. (cOMEniUS,1997, p. 276)

comenius (1997, p. 226) afirmava que, educar para a piedade deveser o grande objetivo de nossas vidas; por isso, até os livros didáticosdeveriam ser preparados segundo essas regras, para que a piedadepudesse atingir seu ponto mais alto. Estabelece-se, assim, que a huma-nidade deve ser educada para a piedade; isto é, a finalidade do ensinoé a piedade, mas os caminhos para alcançá-la são a moral e a instru-ção. “Em síntese, o fundamento do conceito de educação baseia-se naco nvicção comeniana de que a instrução, a moral e a piedade são ter -mos inseparáveis”. (LOPES, 2006, p. 259)

cauly (1995, pp. 31, 32) concorda com tal proposição, pois declaraque, para comenius, a educação não estava limitada apenas à trans-missão de conhecimentos, mas sua preocupação era conduzir o ho -mem a Deus.

Para Gasparin (1994, p. 112), o homem somente será educado to -tal mente se for educado para a verdade, a Verdade divina. assim, ograu de perfeição, ou de educação do ser humano é medido pelamaior ou menor aproximação com a Verdade divina, isto é, racionali-dade e santidade absolutas. O grau de aproximação dessa VerdadeSu perior determina, pois, quanto cada um é verdadeiramente racio-nal, sábio, honesto, santo.

Só é sábio aquele que haure a sabedoria da piedade, que conheceo céu e cristo. comenius (1992, p. 73) recomenda que todos se esfor-cem para conseguir a sabedoria da piedade celestial, “antes de todasas coisas, por meio de todas as coisas e depois de todas as coisas”.

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Ensinar o aluno a ser questionador

comenius (1997, p. 200) aconselha o aluno a perguntar muitas coisas,a fim de retê-las e ensiná-las. “Perguntar significa consultar o mes tre, ocondiscípulo ou os livros sobre algo que não seja conhecido. Reter signi-fica enviar para a memória as coisas conhecidas e entendidas”.

Todos os dias, assim que uma matéria for ensinada, o professordeve estimular o aluno a perguntar o que quiser. Podem ser dúvidasda lição aprendida naquele dia ou em dias anteriores. Porém, come-nius (1997, p. 212) adverte que o professor não deve permitir pergun-tas em particular: “todos devem consultá-lo diante dos outros, [...] detal modo que tudo seja útil para todos, tanto as perguntas quanto asres postas”. Todos os alunos deveriam ser acostumados a fazer per -gun tas sábias e a contestar também sabiamente o que foi perguntado.(cOMEniUS, 1992, p. 124)

além do mais, comenius (1997, p. 212) ensina que os alunos quefi zerem as perguntas mais úteis ao ensino, devem ser elogiados, poisassim estão contribuindo para a educação de todos.

Trabalho por parcerias

além de ser estimulado a fazer perguntas, o aluno também deveapren der a transmitir respostas coerentes aos outros alunos. Dessemodo, estará conduzindo o ensino mútuo, “de forma que aqueles quepossuem mais facilidade em alguns conhecimentos podem transmitiraos outros e, assim, um pode acrescentar ao outro o que lhe faltar pelaprópria natureza”. (LOPES, 2006, p. 220)

Mesmo que não faltassem pais inteiramente dedicados à educaçãodos filhos, ainda assim seria mais útil instruir a juventude em gruposmais numerosos porque maior é o fruto do trabalho e maior é a alegriaquando uns têm o exemplo e o estímulo de outros. é natural fazer o queos outros fazem, ir aonde os outros vão, seguir quem nos precede e ir àfrente de quem nos segue. (cOMEniUS, 1997, p.85)

narodowski (2004, p. 51), ao comentar essa passagem da Didática,conclui que as crianças aprendem bem melhor quando estão juntas,por parcerias, umas ao lado das outras.

E Gasparin (1994, p. 79) ressalta a importância do trabalho por par-

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cerias, pois a “aprendizagem será mais eficiente, por causa da coope-ração e emulação”. Onde há trabalhos por parcerias, há sempre maiorprodução e melhor aproveitamento do tempo escolar.

Piaget (1959, p. 40) lembra que comenius na sua novissima Lin-guarum Methodus confere importância aos jogos coletivos e à imita-ção, mostrando o papel da vida social entre os jogadores e como sepode aprender coisas importantes fazendo parte de um grupo.

Educar para a reflexão

é objetivo da educação eficaz, ensinar o aluno a ser reflexivo.Sobre isso, comenius (1997, p. 189) diz que

instruir bem os jovens não significa atulhar as suas mentes com umamontoado de palavras, frases, sentenças, opiniões extraídas dos autores,mas, ao contrário, desenvolver o entendimento das coisas, de tal modoque dele brotem, como de fonte viva, tantos ribeiros quantas são asfolhas, as flores e as frutas que brotam de uma árvore, brotando no anoseguinte, de cada gema, um novo raminho, com folhas, flores e frutos.

comenius (1997, p. 190) diz que, em sua época, as escolas nadafaziam para que as mentes fossem reflexivas, mas que ensinava o alu -no a apenas “olhar com os olhos alheios e a tornar-se erudito com aerudição alheia”. E uma erudição constituída por doutrinas e senten-ças de diversos autores é comparada a uma árvore que é ornamentadacom guirlandas e coroas afixadas nela de várias formas, mas, comonada disso provem da raiz, tudo vem de fora, não duram muito tem -po. Mas o homem que aprende a refletir, que é instruído com funda -mento, é como “uma árvore que se sustenta com as próprias raízes e apró pria linfa; por isso, estará sempre vigoroso”. comenius (1992, p. 61) aconselha, então, que todos os homens sejam filósofos, pois umavez que é racional, deve ser-lhe imposto o mandato de estudar asrazões das coisas e ensiná-las aos demais.

Trabalhos inter e multidisciplinares

Piaget (1959, p. 40) salienta a atualidade do pensamento come-niano na interdependência das disciplinas, o que leva a uma coorde-nação dos programas.

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O método comeniano preconiza o ensino conjunto de matérias quesão afins. Por isso, os trabalhos escolares devem produzir mais de umresultado, servir para mais de uma disciplina. (cOVELLO, 1999, p. 62)

Para capková (1982, pp. 23-24) os aspectos interdisciplinares dapedagogia comeniana vão além dos laços entre as disciplinas. Mas,deve-se encontrar em todas o denominador comum, um “objetivo de -mocrático”, o que significa dar a todos os homens a oportunidade dedesenvolverem suas personalidades e potencialidades por meio dosobjetivos e métodos educacionais.

Uma vez expostos os fundamentos pedagógicos de comenius,conclui-se que, para o educador morávio, somente é possível com-preender a ação educativa quando se tem o foco tanto na teologiaquando na pedagogia; daí, estabelece-se que, para comenius, umaeducação plena somente poderá ocorrer se houver a indissociabili-dade do ensino, da moral e da piedade.

O modelo confessional de Ensino religioso

Existem três principais modelos ou concepções de ensino para aestruturação da disciplina Ensino Religioso: o modelo confessional ointerconfessional e o fenomenológico (JUnqUEiRa, 2008, p. 83).nesta seção procurar-se-á identificar as bases constitucionais da exi-quibilidade do modelo confessional de ensino, mais propriamente, deEnsino Religioso.

Moura (2010, p. 17) define as escolas confessionais como sendo“instituições de ensino que atendam a orientação teológico-filosóficaprópria de determinada orientação confessional, nas atividades inte-grantes da educação escolar propriamente dita”.

Portanto, a base constitucional da educação escolar confessional e,portanto, do ensino religioso, encontra guarida na associação da liber-dade de religião e das liberdades comunicativas, em especial na trans-missão e recepção de conhecimento, mediante “ponte estabelecidapela liberdade de consciência [...] e em uma visão pluralista de ideiase concepções pedagógicas expressamente declaradas e asseguradaspela constituição Federal”. (MOURa, 2010, p. 57)

Desse princípio verifica-se que, da base constitucional da educaçãoescolar confessional decorre, não apenas a existência da referida edu-

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cação, mas também as condições previstas na carta magna para a suaexiquibilidade:

[...] tais condições podem ser definidas como o reconhecimento e a ga -ran tia da liberdade de religião e da liberdade de manifestação do pensa-mento. ambas as liberdade vão associadas sob a forma daquilo que a leiordinária chama de orientação confessional e ideologia específicas.(MOURa, 2010, p. 57)

isto posto, pode-se afirmar que a funcionalidade da escola confes-sional não se limita apenas a práticas litúrgicas na vida escolar, po -dendo ir além, por meio da concepção dos conteúdos curriculares econcepção pedagógica, “ambas informadas pela orientação ideológica,ou, em termos, orientação teológica e filosóficas próprias da orienta-ção confessional desposada pela instituição escolar em questão”.(MOURa, 2010, p. 58)

Obviamente, no exercício do seu direito de liberdade religiosa, aescola confessional encontra-se com o direito de liberdade religiosa defiéis de outras confissões. Para isso conforme Moura (2010, p. 58):

[...] a escola, como instituição de ensino, ao mesmo tempo em que exerceple namente seu direito, fica obrigada a respeitar o direito do próximo,em observância ao “princípio da tolerância, que acarreta um dever de to -le rância” por parte “dos particulares, pessoas naturais ou jurídicas, denão perseguir e não discriminar os titulares dos direitos subjetivos cor-respondentes...”

Lopes (2003, p. 179) preconiza que a razão pela qual comeniusenfatiza que o ensino da moral e da piedade ocorra nas escolas, paraque elas se tornem efetivamente “oficina de homens”, jaz no fato deque a moral “refere-se aos homens e às suas relações sociais e que nãoexiste nada mais importante, nesta terra, do que o amor e a paz entreos homens. quanto à piedade, refere-se ao conhecimento e ao cami-nhar com Deus”. (LOPES, 2003, p. 179)

Dessa forma, aplicando-se a filosofia educacional de comenius eseu discurso, poder-se-ia estabelecer, como objetivo central para asaulas de Ensino Religioso confessional: “a formação da pessoa e docidadão, com o fundamento moral dos direitos e o fundamento reli-gioso central, que consiste no valor da vida humana como imagem de Deus e, no dever do homem para com Deus e com o próximo”.(MOURa, 2010, p. 65)

Uma vez que as Escrituras Sagradas afirmam que os homens

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devem amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a simesmos (Mt 22:34-40), a preocupação central de comenius reside nofato de que o homem deve ter seu coração inteiramente voltado paraDeus e para o próximo, não se deixando envolver demasiadamentecom as preocupações desta vida; por isso, ele afirma:

[...] que [as crianças] aprendam desde o princípio da vida a ocupar-seprincipalmente com as coisas que conduzem a Deus, como o estudo das Sa gradas Escrituras, os exercícios de culto divino e as boas ações.(cOMEniUS, 1997, p. 277)

Portanto, quando vivenciamos a piedade e a moral, encontramosa verdadeira felicidade, que, para comenius (1997, p. 98, 99) consisteno fato de que a educação adequada conduz o aluno ao verdadeiroprazer, o prazer da alma.

Percebe-se, portanto que, somente a inter-relação da instrução,moral e piedade conduzem o homem à perfeição. Por esta razão é quecomenius (1997, p. 100) exclama: “infeliz a instrução que não se con-verte em moralidade e piedade!”. Por isso comenius (1997, p. 100) de -clara que “o temor a Deus, princípio e fim da sabedoria, é também oápice e o coroamento do saber, pois a plenitude da sabedoria consisteno temor do Senhor”. as aulas de Ensino Religioso Protestante noEnsino Fundamental ii, portanto, devem ensinar o melhor caminhopara que o aluno aprenda a temer e amar a Deus.

Uma vez estabelecido, nos alunos, o conhecer a Deus, dever-se-iatambém despertar o desejo de aprender a reconhecer a Deus em tudoque virem, ouvirem, tocarem, fizerem ou sofrerem, por meio da lei-tura e da prática das Escrituras Sagradas. Eis o segundo objetivo dasaulas de Ensino Religioso Protestante no Ensino Fundamental ii.

Somente quando os alunos aprendessem a reconhecer Deus emtudo o que vissem seriam “inflamados com o desejo de contemplar opoder, a sabedoria e a bondade de Deus, patenteados em toda a cria-ção” (LOPES, 2006, p. 180). Para comenius (1997, p. 280) a piedade so -mente é evidenciada no coração dos jovens por meio das EscriturasSa gradas (do texto bíblico), pois elas devem formar o cristão verda-deiro, em questão de fé e de prática.

Para comenius, todos devem colocar a sua fé em prática. E issoocorre por meio da esperança e do amor, não apenas na crença ou noconhecimento dos textos bíblicos, mas também na “prova prática deque pertencemos a Deus, por meio de um cristianismo vivo e eficaz”.(LOPES, 2006, p. 180)

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comenius compreende, portanto, que a verdadeira fé deve condu-zir o homem à prática do cristianismo. Lopes (2006, p. 180) comenta osignificado do termo “prática” para comenius:

apesar de o significado do termo “prática” ser amplo, para come-nius, pode ser compreendido como um dos princípios que devem ser en -si nados aos jovens para que eles se dediquem com zelo religioso ao cultodivino, tanto interior quanto exterior, a fim de que, separados, o interiornão perdesse a intensidade e o exterior não se degenerasse em hipocrisia.

compreende-se também que a prática da fé refere-se à temperan -ça, justiça, misericórdia, paciência e boas obras.

as aulas de Ensino Religioso Protestante deveriam, à luz dessaproposta, se preocupar com uma sociedade mais justa e fraterna, ensi-nando-se aos alunos a prática de sua fé, baseada nos princípios cris-tãos da boa cidadania.

O próximo objetivo das aulas de Ensino Religioso seria incutir nosalunos a perspectiva da eternidade. nos ensinos de comenius, esteobjetivo parece ser bem recorrente. Em diversas partes de sua Didáticamagna e da Pampaedia encontram-se explicações sobre o aprendizadoda vida futura como mais importante do que o da vida presente, umavez que esta vida é apenas uma preparação para a vida eterna.

Percebe-se o propósito, de comenius, de educar alunos sábiospara a eternidade, conduzidos a ela por caminhos adequados, me -dian te a percepção da existência de duas habitações eternas: uma comDeus e outra, sem Deus:

convencê-los de que do mesmo modo que todos passamos poraque la nossa primeira habitação do seio materno (de onde fomos forma-dos para as necessidades da vida presente), e do mesmo modo que todospassamos por esta segunda mansão, abaixo do céu (onde somos prepa-rados para a vida futura), assim também é certo que nos espera uma ter-ceira mansão que é a eternidade, na qual não haverá nenhuma saída, sejaele promovido a luz eterna, seja ele lançado nas trevas. (cOMEniUS,1992, p. 78)

Diante disso, a proposta seria ensinar aos alunos que: 1. não hánada tão necessário quanto conhecer o que é necessário para a suavida futura; 2. que é considerado sábio aquele que sabe o que interessapara a eternidade (cOMEniUS, 1992, p. 78). Portanto, para comenius,é de suma importância ensinar os alunos a caminhar pela vida pre-sente de modo que cheguem à eterna morada com Deus:

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E como a idade madura termina na velhice, a velhice na morte e amorte na ressurreição, [os alunos] devem ser educados de tal maneiraque, através desta vida, entrem felizmente na vida que há de surgir.(cOMEniUS, 1992, p. 214)

E esta seria responsabilidade das aulas de Ensino Religioso Protes-tante no Ensino Fundamental ii. O aluno seria ajudado a reconhecer oseu bem, a servir-se e a fruir dele. Este quinto objetivo visaria a mos-trar ao aluno que Deus criou o homem como sua “imagem e seme -lhan ça” e que, por isso, o homem deve saber reconhecer a sua impor-tância no mundo, bem como seus deveres para com ele:

imite-se a escola do Paraíso terrestre, onde Deus mostrou ao ho -mem, para que o passasse em revista, todo o coro de suas criaturas, a fimde que, descobrindo que nenhuma era semelhante a si, tivesse, por essemesmo facto, ocasião de aprender onde se não encontra o bem a si ade -qua do e de se voltar para a sua fonte. com efeito, até agora, não se en -con trou melhor caminho para iluminar plenamente o homem e para olevar ao conhecimento e à fruição do Sumo Bem, do que conduzi-lo, docírculo das coisas que o rodeiam, como centro em que se reflectem todasas coisas visíveis, para a meta última das coisas, Deus, para o qual ten -dem todas as coisas visíveis e invisíveis. Efectivamente, se o homem forconduzido até ao ponto de reconhecer que só Deus está acima de todasas coisas, que contém em si tudo e é a fonte perene de todo o bem, facil-mente se deixará (com a ajuda de Deus) arrastar, arrebatar e absorver porele; e considerar-se-á feliz, e sê-lo-á verdadeiramente, fazendo e su por -tando tudo o que é da vontade de Deus. (cOMEniUS, 1971, pp. 55-56)

Portanto, seria objetivo das aulas de Ensino Religioso Protestanteensinar o aluno a reconhecer-se como coroa da criação divina, bem osdireitos e responsabilidades que tal título lhe conferem.

Os alunos devem também aprender a se contentarem com o quetêm, com o que lhes foi dado e criado por Deus, evitando a ganância,a soberba. Este objetivo refere-se a duas importantes temáticas atuais:o desenvolvimento sustentável (consumir os recursos naturais comsabedoria) e o consumismo que cresce a cada dia.

assim, percebe-se a preocupação do educador morávio com a sus-tentabilidade do planeta, ainda no século XVii e sua atualidade, bemcomo com uma sociedade que consome muito mais do que necessita.O ensino de comenius é o de que, além de se contentarem com pouco,os homens também devem agradecer a Deus por possuírem o neces-sário para garantir sua sobrevivência. À luz desse propósito, deveria

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ser preocupação dos professores de Ensino Religioso ensinar os alunosa administrarem bem o que possuem e o que é dado pela natureza,para jamais viverem na corrupção e sem destruírem o que Deus gra-ciosamente criou (LOPES, 2010, pp. 48-49).

Os alunos também devem ser conscientizados da importância dese viver de forma honrada, formando- os nos bons costumes. Paraatingir este objetivo, comenius (1992, p. 85) ensina as três vias:

1. que não se faça nada desonesto consigo mesmo, nem contra ne -nhum homem, nem contra nenhuma coisa. 2. não queira apenas aparen-tar honesto, mas seja. 3. nas tuas coisas não visar os homens, mas aDeus, vingador da Verdade, e a tua própria consciência, que é para cadaum testemunho íntimo.

Tal objetivo visaria, portanto, a ensinar ao aluno que, para viver deforma honrada, não basta apenas parecer honrado, mas que a honradeve ser manifesta em todas as ações em relação ao próximo, ao mun -do e a si próprio. consistiria, também, em “mandar sobre si mesmo ouem obedecer aos mandatos alheios” (cOMEniUS, 1971, p. 86), ou seja,o aluno seria encorajado a não agir por impulso, mas pela razão. Paratanto, aplicando-se o princípio comeniano de que os alunos, na faixaetária correspondente à do atual Ensino Fundamental ii, não têm arazão suficientemente formada, eles deveriam ser ensinados a obede-cer conscientemente o mando das autoridades. Para atingir esse fim,comenius (1971, p. 87) aconselha que o professor deve:

1. Ensinar sempre com exemplo extraídos da vida corrente, e da his-tória; 2. Explicar com doutrina cuidadosa as razões pelas quais se devefugir disto ou daquilo; 3. Estimular a ação contínua e prudente, não comviolência e aspereza, senão com uma direção suave e espontânea. Destemodo, cada homem chegará à plenitude de sua humanidade.

Outra decorrência desse princípio seria o de que os adolescentesnão têm condições de serem guias de suas próprias decisões. O aluno,portanto, mediante as aulas de Ensino Religioso, deveriam ser levadosa compreender que os desejos humanos estão corrompidos, e que,tendo a si próprios como guias, caminhariam senão para a perdição(cOMEniUS, 1992, p. 100). Dessa forma, comenius adverte que nãohá nada mais seguro do que o homem aprender a escolher Deus comoguia de suas decisões e a se sujeitar inteiramente à vontade divina, queé sempre boa, perfeita e agradável (Romanos 12.2): “Portanto, nada

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pode imaginar-se mais seguro que isto: que o homem escolha comoguia a Deus (que nos quer bem como um pai e sabe, mil vezes melhorque nós, o que nos convêm e o que nos prejudica). (cOMEniUS, 1971,p. 100)”.

as aulas de Ensino Religioso também deveriam proporcionar aoaluno o contato com o exercício da cidadania. nestas aulas, portanto,caberia ao professor ensinar ao aluno tanto a mandar como a obede-cer, como se fosse um “estado em miniatura”, para os alunos se acos -tu marem desde cedo a exercitar o mando sobre as coisas, sobre osoutros e sobre si mesmos. (cOMEniUS, 1971, p. 112)

O professor de Ensino Religioso deve procurar restaurar nosalunos a imagem perdida de Deus, apresentando-lhes o Deus criador,mantenedor da vida. Dessa forma, os alunos poderão “aprender aconhecer as coisas verdadeiras, a querer as boas e a fazer as necessá-rias” (cOMEniUS, 1992, p. 140).

Para tanto, o fácil manejo da Bíblia seria objetivo necessário a seralcançado nas aulas de Ensino Religioso:

Deverá fazê-lo gradualmente, começando pelas coisas sensíveis edepois continuando pelo intelectual, até o revelado. Deus mesmo ensi-nou este método quando primeiro formou o mundo sensível, depois oho mem racional e por fim falou com a sua própria Palavra. Tambémcris to sabia elevar-se do sensível ao intelectual, do visível ao invisível.Essas faculdades emergem do mesmo modo no homem: 1. na infânciaos sentidos; 2. na adolescência o raciocínio. 3. Finalmente surge a fédivina. (cOMEniUS, 1992, p. 161)

caberia também ao professor de Ensino Religioso enraizar os bonscostumes e a piedade, exercitando a arte de extirpar os vícios e deradicar as virtudes (cOMEniUS, 1992, p. 253). Para que este objetivoseja atingido, comenius (1992, p. 256) ensina que o vício deve ser con-vertido em tédio (porque o espírito humano não só permitirá quequitem o que é tedioso, mas também não quer mais tê-lo).

Portanto, para que o vício seja extirpado, deve-se adquirir umavirtude em seu lugar, contrária ao vício, uma vez que “o contrário secura pelas coisas contrárias”. (cOMEniUS, 1992, p. 256)

Tais objetivos estão em concordância com a LDB/1996, que pres-supõe, no artigo 22, como finalidade da educação básica, “desenvolvero educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para oexercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalhoe em estudos posteriores”.

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comenius enfatiza que é por meio da escola, que a família e oEstado podem obter os melhores resultados no que se refere à forma-ção do caráter dos alunos:

Se, pois, quisermos igrejas e estados e famílias bem organizadas eflo rescentes, antes de mais nada ponhamos em ordem as escolas, fa -zendo-as florescer, para que se tornem realmente forjas de homens e vi -veiros de homens de igreja, estado e família; só assim alcançaremosnossos fins, e não de outro modo. (cOMEniUS, 1997, p. 34)

considerações Finais

a escola apresenta-se, desse modo, como instrumento de Deuspara a formação do homem. comenius postula que a importância dasaulas de Ensino Religioso jaz no fato de que a alma humana necessitaser formada. Em outras palavras, uma vez que o ser humano é com-posto de corpo e alma – elementos interrelacionados de forma intrín-seca – o aluno deve aprender que o que realiza nesta vida, com seucor po, refletir-se-á na vida eterna, onde estará a alma. Portanto, a vidapresente é a oportunidade que o homem tem para se encontrar comgraça de Deus, ou perder-se dela. compreende-se, portanto que, paracomenius (1997, p. 77-78), a alma é preciosa e é formada (educada)por meio do corpo.

E uma vez que o homem não sabe o dia nem a hora em que suaalma se separará do nosso corpo, a criança deve ser formada na pie-dade desde a mais tenra idade para que não seja prejudicada “se nãofor devidamente educada para o conhecimento e para a participaçãode Deus” (LOPES, 2003, p. 157). aqui vê-se claramente a preocupaçãode comenius com a formação piedosa e teológica do homem, ou seja,no fato do encontro da sua alma com Deus ser a grande razão pelaqual deve preocupar-se com a formação e o conhecimento de Deus. aformação do aluno, portanto, teria como finalidade principal o conhe-cimento de Deus e do Transcendente, o que seria o propósito centraldas aulas de Ensino Religioso.

Uma leitura contemporânea dessa proposta, na confessionalidadeprotestante, seria consubstanciada nos seguintes termos:

Para cumprir o mandato espiritual (que dispõe acerca da relaçãodo homem com Deus) visando à identidade e à constituição moral doindivíduo, devem ser cumpridos os objetivos espirituais e os objetivos

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ético-valorativos da educação confessional protestante (MOURa,2010, p. 153), também objetivos do ensino religioso confessional pro-testante. Moura (2010, p. 153) descreve tais objetivos:

Objetivos espirituais – devem ajudar o aluno a desenvolver a visãode mundo informada e transformada pelos princípios bíblicos, me -dian te as seguintes ações:

1. orientar e incentivar o aluno cristão a desenvolver sua vidacristã rumo à maturidade espiritual, pelo compromisso, com aBíblia e com a oração, que o habilitará a uma vida de testemu-nho e serviço a Deus e à comunidade;

2. viabilizar, ao educando não cristão, a possibilidade de acesso aoconteúdo da cosmovisão protestante.

Objetivos ético-valorativos – devem contribuir para a formação deum aluno-cidadão mediante as seguintes ações:

1. enfatizar a origem bíblica do valor ético-político;2. auxiliar o aluno a viver a ética cristã como proposta de vida, no

contexto da moralidade individual e como elemento de impactosocial;

3. auxiliar o aluno a compreender a importância do conceito de au -toridade que se estabelece pela firmeza, afetividade e competência.

a fim de ser cumprido o mandato social (que dispõe sobre as rela-ções dos homens entre si) visando aos compromissos sócio-familiarese de cidadania, Moura (2010, p. 154) contempla os objetivos sociais, quevisam a “encorajar o espírito de cooperação, solidariedade, auto dis -ciplina e respeito próprio, ao outro como criatura de Deus, e ao con-texto social, visando à assunção das responsabilidades de cidadania”.

a proposta, portanto, é que as aulas de Ensino Religioso não sejamsuperficiais, mas proporcionem ao aluno a possibilidade de uma for-mação plena, como pessoa e como cidadão, à luz da fé que se professa.

referências

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MICHELLE RAzUCK ARCI MACHADO — O ensino religioso confessional protestante...

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a relação da disciplina e do professor de Ensino Religioso com a direção das escolas

SOnia iTOz *

cenário geral da disciplina de Ensino religioso na educação básica brasileira

é preciso informar que não há no Brasil uma legislação específicapara a disciplina de Ensino Religioso nas escolas “Particulares”. Ouseja, as escolas confessionais, empresariais e de cooperativas têm totalliberdade em seu currículo para fazer ou não fazer Ensino Religioso. Etambém mesmo quando o propõem têm a autonomia de ministrá-lode acordo com a sua própria ideologia religiosa e ou laica.

nesse processo e após todos os debates legais, embates acadêmi-cos e mediante a normatização dos sistemas estaduais e municipais deen sino, hoje existem pelo menos três possibilidades de conceber eministrar o Ensino Religioso nas Escolas Públicas e onde também sereferendam as escolas Particulares:

1. Ensino Religioso confessional. é onde cada representação reli-giosa, a critério da própria escola, tem espaço para tratar de suadoutrina.

2. Ensino Religioso Ecumênico ou interconfessional. no ecumê-nico a ênfase é colocada sobre princípios doutrinários e litúrgi-cos de religiões afins, como de diferentes igrejas cristãs porexemplo. Já no interconfessional o acento é colocado sobre oestudo das diversas e diferentes matrizes religiosas.

3. Ensino Religioso Fenomenológico. é o que trata do fenômenore ligioso por meio da abordagem antropológica. considera,

* Mestra em Psicologia da Educação, PUc/SP – Pontifícia Universidade católica de SãoPaulo, coordenadora de Ensino Religioso do colégio Emilie de Villeneuve, membro do Grupode Pesquisa Educação e Religião – GPER ([email protected]).

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percebe e tem como finalidade o ser humano, sua história, suageografia, sua cultura e suas organizações sociais. a disciplinaolha e considera o processo histórico humano e nele ressalta ofenômeno religioso nas suas expressões e manifestações paraentender como a humanidade faz a (re)leitura de mundo, cons-trói suas concepções e (re)significa o nascer o existir e o morrer.

Porém, é preciso ressaltar que o resultado do processo históricocolonizatório ainda faz com que a grande presença, no interior dasescolas brasileiras Públicas e Particulares, é a de práticas da religiãocatólica. no entanto, e ao mesmo tempo, atualmente cresce a presençade outros grupos que também tentam fazer valer suas aspirações ideo-lógicas, políticas e religiosas. começa assim a aparecer e a evidenciar,ainda que timidamente, implementações voltadas para garantir res-peito a outras identidades religiosas que buscam se defender de tenta-tivas de imposição sectárias e proselitistas.

Enfim, é nesse cenário que tentaremos colocar e situar “a relaçãoda disciplina e do professor de Ensino Religioso com a direção dasescolas”.

relação do Professor e da disciplina de Ensino religioso e Direção da(s) Escola (s)

a tradição escolar brasileira na sua prática histórica gerou umaconcepção e postou um imaginário no substrato cultural que a disci-plina de Ensino Religioso é o espaço escolar de uma igreja ou de umare ligião para fazer “doutrinação” do aluno. nesse cenário e condiçãoé que se apresentam diversas barreiras, entraves e dificuldades para otrabalho da disciplina de Ensino Religioso. Entendemos que no con-texto escolar o cunho de ensino e de aprendizagem é o pedagógico, ouseja, o de ter acesso ao processo humano e nele aprender a ser, a fazere o de colocar-se perante a condição e realidade da vida como umtodo.

hoje quando uma família procura a escola para matricular seu(s)filho(s) e na matriz curricular há a disciplina de Ensino Religioso,mesmo tendo uma certa referência de uma confessionalidade reli-giosa, em geral não lhe é dado conhecer os reais conteúdos que serãotratados. Às vezes os pais até esperam por um tipo de “doutrinação”,

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outras por apenas informação e conhecimento básico do que são e oquê oferecem as “religiões”, outras vezes contam com a Legislaçãopara que o filho não participe da aula de Ensino Religioso. Enfim,demandaria aqui outra análise, já que não é o propósito de nossotema.

no entanto, ainda a maior dificuldade evidente no Brasil atual é aformação do professor, ou do profissional para trabalhar com a disci-plina de Ensino Religioso. constatamos hoje que são poucos e espar-sos os cursos de formação acadêmica que preparam para o trabalhocom a disciplina de Ensino Religioso. E, se o professor é também frutodo meio sociocultural, ou seja portador de concepções advindas doprocesso histórico-religioso da própria vida, encontra barreiras antesde tudo em si mesmo para despir-se de concepções trazidas da pró-pria formação pessoal e acadêmica e se constituir como profissional dadisciplina de Ensino Religioso.

E, na imensa maioria das vezes, são exatamente esses professores,ou profissionais da educação que se tornam Diretores das escolas deeducação básica. é por isso que no Brasil atualmente o Ensino Reli-gioso na maioria das escolas da Rede Pública tem sido um campo debatalha entre religiões e igrejas. E há ainda os que defendem que a lai-cização do Estado significa não colocar em pauta o conhecimento decomo a religião se coloca e qual o seu papel na história humana. De -fendem que o Estado é laico e assim precisa permanecer, pois dizemque a disciplina Ensino Religioso se constitui numa ameaça aos prin-cípios democráticos do país.

O que podemos evidenciar de saída é que na escola Pública brasi-leira a relação da disciplina e do professor de Ensino Religioso é resul-tado da concepção que a Direção traz consigo. Logo, se o Diretor forrepresentante de uma igreja “x” é ele que determina a concepção e osconteúdos da disciplina de Ensino Religioso na sua unidade escolar. éa direção da escola que abre espaço para o Padre, para o Pastor, parao/a Pai/Mãe de Santo, para as concepções “transreligiosas”, agnósti-cas, ateias e assim de tantas outras presenças ou não presenças religio-sas na matriz curricular das escolas.

isso também quer dizer que no cotidiano da escola Pública brasi-leira o Ensino Religioso aparece de forma totalmente irregular e dasmais diversas maneiras. nas salas de aulas, por exemplo, é possívelencontrar o crucifixo na parede, imagens de santos, padroeiros ou da“mãe de Jesus”. Em escolas Públicas e confessionais há também prá-ticas de começar as aulas com a leitura da Bíblia, ou com o ato de

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rezar, de comemorar datas religiosas, entre tantos outras. E mais, háprofessores que usam textos religiosos como material pedagógico parao ensino da língua portuguesa, ou para trabalhar conteúdos de biolo-gia, de história entre outros.

Já na maioria das escolas confessionais há até um certo direciona-mento e determinação da Direção, porém sem possibilidade de acom-panhamento pela mesma, para que o Ensino Religioso tenha seu plane-jamento de aulas centrado numa determinada religião. Evidentementeque a visão de mundo do aluno desenvolvida na linha da confessiona-lidade se restringe ao grupo religioso que lhe é apresentado.

quanto à própria Lei n.° 9475, de 22 de julho de 1997 há duas in -ter pretações que corroboram para que a disciplina de Ensino Religiosose constitua de forma diferenciada. Uma interpretação é a de que a Leireconhece a diversidade religiosa do país e dá a disciplina de EnsinoRe ligioso o caráter de facultativo, quer dizer opcional para a frequên-cia ou não do aluno. Em outra interpretação da Lei afirma-se quedevem ser observadas as preferências manifestadas pelos alunos oupor seus responsáveis e, a partir daí, as turmas são separadas e rece-bem aulas de acordo com o credo religioso escolhido.

assim, a Direção da escola pode postular e fazer valer uma visãode Ensino Religioso interconfessional, ou seja, que envolva a reuniãode um conjunto de religiões tendo liberdade total para propor o con-teúdo a ser ministrado. nesse aspecto, o argumento passa por umaconcepção dita “neutra”, ou seja, capaz de dar voz a distintas religiõese a disciplina de Ensino Religioso busca trabalhar com aspectos dou-trinários e certos valores que dizem ser comum à todas.

há também nas escolas brasileiras atuais o Ensino Religioso comenfoque em conteúdos “transreligiosos”. é a concepção que se voltapara explicar o sentido da experiência humana em uma visão religiosaindependente das verdades e tradições estabelecidas pelo processohistórico.

E em outras escolas trabalha-se a partir de concepções mais agnós-ticas e ateias. O que em geral implica na possibilidade do indiví-duo viver com outras filosofias de vida, ou sem religião e leva ao tra-balho com conteúdos da antropologia, da filosofia, da sociologia,dentre outros, destacando a dimensão ética dos valores e das relaçõeshumanas.

E nos últimos dezoito, vinte anos há um número ainda que pe que -no de professores que se preparam para trabalhar a abordagem feno-menológica do Ensino Religioso. Estes tomam como concepção e fun-

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damento o ser humano no seu processo histórico e propõem uma lei-tura dos fenômenos religiosos que constituem a própria cultura na suaorganização. no entanto, aqui há apenas uma abertura e incentivo porparte das Direções escolares já que as mesmas, na sua imensa maioria,não tiveram ainda tempo hábil para esta formação e concepção.

Sabemos que a abordagem fenomenológica para o trabalho da disci -plina de Ensino Religioso exige, antes de tudo, formação em fundamen-tos antropológicos. Ou seja, o ponto de partida está em olhar primeiropara o ser humano e buscar entendê-lo no contexto das suas ex pressõessimbólicas e religiosas. E na disciplina de Ensino Religioso o recorte éestudar e entender o ser humano portador de religiosidades. Perpassarpelas religiões com suas expressões e arquitetura, ritos e rituais, símbo-los e simbólicos, organização e compreensão da vida-morte, ou seja,toda a estrutura sociocultural é o objeto concreto de es tudo do EnsinoReligioso. O objetivo cabal seria perceber o que dá sentido e o que nor-teia a vida humana na sua história, na sua geografia, nas suas expres-sões, nas suas representações com o sentido maior da própria vida.

O tema do Ensino religioso como um desafio à Direção escolar

Elencar desafios da disciplina de Ensino Religioso colocados àDireção escolar, sobretudo na complexidade do contexto atual, repre-senta um incômodo ainda maior quando se busca promover um en -sino de qualidade que contribua e respeite as diferenças culturais, reli-giosas e individuais dos educandos. isso exige da Direção escolar maisdo que competência técnica e política, exige competência humana, res-ponsabilidade social e liderança como serviço.

O Ensino Religioso passa pela gerência de uma disciplina que secoloca num Estado laico e plural, o que requer do Diretor um cuidadoes pecial para que os conteúdos trabalhados promovam e levem oseducandos à convivência social e democrática. Para isso, é necessáriobuscar fundamentos, princípios e rumos que norteiem a prática dessecomponente curricular de modo a alcançar a equidade entre todos osenvolvidos dentro da instituição escolar.

Um breve cenário sobre o tema, anteriormente tratado, constataque há desafios oriundos primeiro das brechas presentes na lei, ounaquilo que parece ser uma contradição, ou seja, na questão de o Es -tado ser laico e ofertar a disciplina Ensino Religioso.

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O segundo desafio atual coloca-se no aspecto da formação acadê-mica e profissional do Professor de Ensino Religioso e, em decorrênciados próprios cursos preparatórios para o exercício da disciplina deEnsino Religioso.

O terceiro desafio é que as disciplinas trabalhadas na EducaçãoBásica estão colocadas em cinco áreas do conhecimento, ou seja: lin-guagens, códigos e suas tecnologias; ciências humanas e suas tecno-logias; matemática e suas tecnologias; e ciências da natureza e suastecnologias; e ensino religioso. cada uma das referidas áreas, com ex -ceção Ensino Religioso, se referendam por “parâmetros educacionaise curriculares nacionais”, elaborados por especialistas e reconhecidospelos órgãos públicos.

O desafio se coloca na concepção da área de Ensino Religioso, poisnão há parâmetros que a referendem. hoje o Ensino Religioso é tra-tado apenas como disciplina por várias instituições e colocado na áreade ciências humanas e suas tecnologias. O que leva cada instituição,seja ela Pública ou Particular assim como cada Direção e Professor, afazer um programa baseado em convicções subjetivas e particulares.

há ainda, como já o mencionamos, o desafio do substrato imagi-nário da sociedade e das famílias que em geral ainda têm expectativasem relação à disciplina de Ensino Religioso que vai desde uma con-cepção proselitista até a de anticonstitucionalidade. Portanto, a disci-plina de Ensino Religioso atualmente proposta como tal, impõe enor-mes desafios a serem tratados pela Direção escolar.

Sabemos que no papel de educar a escola se propõe a ensinar aconvivência entre as diferentes concepções de vida e de mundo,também das estruturas religiosas, o que demanda um novo modelopara a própria gestão escolar. isto requer da Direção escolar e do Pro-fessor de Ensino Religioso uma formação adequada aos novos tempospara que possa, assim, repensar a forma de tratar e de fazer um EnsinoRe ligioso que dê respostas e seja eficiente para o individuo e para arealidade que o mesmo está inserido.

Evidências do cenário

na experiência da educação básica brasileira, a relação do profes-sor de ER e, consequentemente, da disciplina de ER diverge de escolapara escola, de estado para estado.

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a “relação da disciplina e do professor de Ensino Religioso com adireção das escolas” nesse trabalho contém a argumentação de que naexperiência da educação básica brasileira ainda é totalmente diversa.é diversa na legislação, pois cada Estado da Federação teve a liber-dade de normatizar. é diversa na concepção, pois depende da com-preensão de quem gerencia a escola, do Diretor e do Professor, Profis-sional da disciplina. E é diversa, ainda, na execução, pois poderá serconfessional, ecumênica, interconfessional ou fenomenológica, adepender da direção.

O segundo argumento é que a tradição escolar brasileira na suaprática histórica gerou uma concepção e construiu um imaginárioonde a disciplina de Ensino Religioso se coloca na escola como espaçoou como representação??? de uma igreja ou de uma religião que servepara “doutrinar” o aluno.

assim a relação da disciplina e do professor de Ensino Religiosomostra que:

– é a direção da escola que em geral dá o aval e norteia o trabalhoda disciplina de Ensino Religioso. na escola confessional a Dire-ção seleciona professores de Ensino Religioso que façam valer aconfessionalidade da mesma. E, na escola Pública, o Diretor dire-ciona a disciplina para professores que atendam, na maioria dasvezes, a concepções subjetivas e pessoais.

– há também uma certa expectativa de famílias: que o Ensino Reli-gioso seja essencialmente confessional e doutrinário. Em outroextremo, há famílias que não desejam que se trate de conteúdosde religião na escola.

– no caso brasileiro, o aspecto mais gritante ainda é a falta de pro-fissionais professores habilitados para o trabalho com a disci-plina de Ensino Religioso. a formação acadêmica não se preo-cupa com a formação para a disciplina de Ensino Religioso, ouquando prepara apresenta um currículo inadequado à condiçãoda educação básica.

– Por outro lado, começam a aparecer experiências pontuais e lo -calizadas da disciplina de Ensino Religioso numa leitura feno -me nológica. no entanto, na maioria dos casos ainda se colocatotalmente alheias à Direção da escola.

Resolver as questões geradas por um tipo de legislação fragmenta -da na própria concepção de disciplina de Ensino Religioso e por con-

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cepções pessoais, talvez seja, atualmente no Brasil, uma das principaisquestões para tratar “a relação da disciplina e do professor de EnsinoReligioso com a direção das escolas”. Pois, só assim será possívelpropor um tipo de educação que, na alteridade, desenvolva a tolerân-cia, a dialogicidade e os valores humanos. E o caráter dialógico quedeve permear o processo pedagógico no Ensino Religioso remete abuscar um referencial teórico que possa trazer iluminação para(re)pensar e (re)colocar questões que passam também à compreensãoquanto à essência da gestão escolar.

referências

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