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A Adolescência como desafio

1. Desafio diante de uma sociedade violenta

A pesquisa A Voz dos Adolescentes revelou que 85% dos adolescentesconsideram o Brasil um país violento.

Essa violência é percebida desde as relações familiares até os

acontecimentos mais explícitos do cotidiano, como os seqüestros,

assaltos, mortes violentas e as suas causas estruturais e sociais.

Não existem números nacionais sobre o quanto dessa violência é

praticada no contexto familiar, assim como não existem indicadores

de outras formas de violência doméstica praticadas contra adolescentes.

Entretanto, é possível observar que as disparidades econômicas,

étnicas, de gênero e regionais influenciam diretamente as condições

familiares, produzindo situações de graves violações de direitos nas

quais, muitas vezes, o espaço familiar – que deveria ser um espaço

de proteção – constitui-se num lugar perigoso e inseguro.

A pesquisa A Voz dos Adolescentes (UNICEF/Fator OM/2002) identificou6% dos adolescentes entrevistados que informaram sofrer agressão dos

pais que batem com objetos e 18% que já foram agredidos com gritos

e xingamentos.

Essa violência que ocorre no ambiente familiar é ao mesmo tempo uma

reprodução da violência social e um fator que corrobora para a

continuidade de uma cultura de violência.

A violência presente na sociedade atinge de forma contundente o

adolescente. Somente no ano 2000 foram 9.302 mortes de adolescentes

por causas externas (MS/DATASUS/2000-Dados preliminares). Entre essas

causas, destaca-se a mortalidade por homicídio. Os cálculos usados

para a constituição de médias nacionais são polêmicos e não se

referem sempre às mesmas faixas de idade. A UNESCO (Organização das

Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) usa como referência

de cálculo a população de 15 a 24 anos e obteve no ano de 2000 a média

nacional de 52 mortes por grupos de 100 mil. A Fundação SEADE

(Sistema Estadual de Análise de Dados de São Paulo) identificou

bairros na cidade de São Paulo onde a taxa de mortalidade de

adolescentes de 15 a 19 anos chega a 532 por 100 mil. O Índice de

Vulnerabilidade Juvenil (IVJ) – uma combinação da taxa de crescimento

// Tabela 1 - Adolescentes, por classe social, segundo correção em que os pais batem com objetos (nacional),2001/2002 (%)

Classe social Pais que corrigem filhos batendo com objetosSim Não Sem resposta Total

Classe A 2,2 97 0,8 100 (134)Classe B 4,5 94,2 1,3 100 (963)Classe C 6,1 92 1,9 100 (3.278)Classe D 9,3 88,6 2,1 100 (843)Sem resposta 11,3 85,5 3,2 100 (62)Fonte: Pesquisa “A Voz dos Adolescentes”, UNICEF/Fator OM/2002.

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populacional de 1999 e 2000; percentual da população de 15 a 19 anos;

taxa de mortalidade por homicídios; mães com idade entre 14 e 17 anos;

valor do rendimento do chefe de família; e percentual de adolescentes

que não freqüentam a escola – classificou as regiões da cidade de São

Paulo para identificar os locais que demandam uma ação prioritária.

As causas externas são divididas em mortes por homicídio (40,5%),acidentes em meios de transportes (23,5%), afogamento acidental(13,4%), suicídios (3,7%), exposição ao fogo (0,7%), intoxicaçõesacidentais (0,1%) e outras causas (16,7%). Fonte: FundaçãoNacional de Saúde, do Ministério da Saúde, 2000.

Comunidade, espaços de lazer, família, escola e diferentes espaços

de convivência não ficam imunes ao problema da violência. Uma

combinação de fatores complexos vem gerando na sociedade brasileira

situações nas quais toda a população, mas especialmente as crianças

e os adolescentes, é submetida a circunstâncias de vulnerabilidade,

transformando-se em vítima de processos cada vez mais visíveis de

violência, acobertados pela impunidade dos agressores, por falta de

políticas de proteção e especialmente pela ausência de um sistema de

garantia de direitos e proteção.

“É certo que os meios de comunicação não estão dando a ênfase quevinham dando na década de 80 e sobretudo nos anos 90, tornandobastante visível a atuação dos grupos de extermínio que vitimavammilhares de jovens brasileiros. Contudo, é certo também que oproblema persiste ou até esteja agravado pelo novo modus operandido crime organizado.Os grupos de extermínio operam às escuras, em locais ermos, comdesovas de difícil investigação e com singular participação deagentes do Estado.O que verificamos hoje são delinqüentes do crime organizado,operando de forma mais aberta, com maior audácia, com indiscutívelpoder de confronto com o Estado, praticando execuções quase emmassa. É o que constatamos na ocorrência de chacinas que têm comovítimas maiores os adolescentes.”Dr. Augustino Veit - Comissão de Direitos Humanos da Câmara dosDeputados

2. Desafio diante das novas formas de organizações familiares

Embora ainda ocupe espaço importante no imaginário sobre a família

nas diferentes classes sociais brasileiras, o padrão de família

idealizada (pai, mãe e filhos) confronta-se no cotidiano das pessoas

com o perfil da família real e vivida, que é bastante diferente.

As reorganizações familiares, a partir do divórcio ou da reconstrução

de vínculos conjugais e de outras tantas mudanças nesse padrão,

resultam em situações diversas a ser administradas pelas famílias,

intermediadas por instâncias reguladoras, responsáveis, no fim, por

garantir a convivência familiar e comunitária, conforme estabelecido

pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Outro aspecto importante é o número de filhos de cada família, que

vem apresentando uma nova configuração como pode ser visto abaixo:

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(1) IBGE, Censo 2000, dadospreliminares para

divulgação, 2002, mimeo

“As informações preliminares do Censo Demográfico de 2000 não sóconfirmam a tendência, já observada nos censos anteriores, dequeda da taxa de fecundidade, como também mostram a redução dosdiferenciais regionais. Os níveis estimados da fecundidade paraas Grandes Regiões encontram-se bastante próximos ao da médianacional (2,3 filhos por mulher, em 2000). A menor taxa defecundidade foi verificada na Região Sudeste (2,1 filhos pormulher) e a mais alta na Região Norte (3,2).”1

// Tabela 2 - Taxas de Fecundidade Total Brasil e Grandes Regiões: 1940-2000

Brasil e Grandes Regiões Anos Censitários1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000

Brasil 6,2 6,2 6,3 5,8 4,4 2,9 2,3Norte 7,2 8,0 8,6 8,2 6,4 4,2 3,2Nordeste 7,2 7,5 7,4 7,5 6,2 3,7 2,6Sudeste 5,7 5,5 6,3 4,6 3,5 2,4 2,1Sul 5,7 5,7 5,9 5,4 3,6 2,5 2,2Centro-Oeste 6,4 6,9 6,7 6,4 4,5 2,7 2,2Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1940, 1950, 1960, 1970, 1980, 1991 eResultados Preliminares do Censo Demográfico 2000.

Chama a atenção, nessas novas composições familiares, o crescimento

da participação das adolescentes. Embora haja um decréscimo nas

taxas de fecundidade das diferentes faixas etárias, na faixa que

inclui as adolescentes essa mesma taxa cresceu, o que revela um

aumento no número de crianças filhas de adolescentes.

(2)IBGE, Censo 2000.Mantivemos a representação

%0, que designa por mil.Então 80%0 = 80 por 1.000.

// Tabela 3 - Taxas específicas de fecundidade segundo grupos de idade dasmulheres

Grandes Regiões e grupos de idade da mulher Taxas específicas de fecundidade1980 1991 2000

Brasil15 a 19 anos 0,0797 0,0874 0,091020 a 24 anos 0,2130 0,1618 0,133525 a 29 anos 0,2260 0,1429 0,113830 a 34 anos 0,1730 0,0941 0,075135 a 39 anos 0,1170 0,0545 0,040840 a 44 anos 0,0526 0,0243 0,013345 a 49 anos 0,0108 0,0056 0,0020Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1980-2000.

“Em 2000, no Brasil, para cada grupo de 1.000 mulheres de 15 a19 anos de idade, mais de 90 tinham pelo menos 1 filho. Em 1980,essa taxa era de 80 %0. Na Região Norte, em 1980, para cadagrupo de 1.000 mulheres de 15 a 19 anos, quase 130 delas jáhaviam tido pelo menos 1 filho. Em 2000, a respectiva taxaultrapassa os 140%0. Com isso, a idade média da fecundidadesofre um processo de rejuvenescimento e cai de 1980 para 2000,no Brasil e em todas as Regiões. Nesse período, a idade média dafecundidade no Brasil declinou de 28,9 anos para 26,3 anos.”2

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O adolescente desempenha uma função importante de protagonista no

interior de sua própria família.

Com sua voz crítica, assume o lugar daquele que denuncia necessidades

de mudança. Muitas vezes, essa denúncia é feita por palavras e

outras, por sua conduta. Nessa perspectiva, o adolescente sempre se

comunica por seus atos contestatórios. Precisa, portanto, de canais

de comunicação com sua famílias para processar suas angústias e

amadurecer em direção a uma postura adulta na família e na sociedade.

Entretanto, por vezes, esse protagonismo reveste-se de uma

obrigatoriedade e de uma responsabilização precoce como chefe do

lar. Os dados abaixo expressam que mais de 83 mil adolescentes são

chefes de família. Essa situação acrescenta complicadores ao processo

de desenvolvimento do adolescente, uma vez que lhe exige o desempenho

de tarefas e papéis para os quais, na maioria das vezes, não está

preparado nem dispõe dos recursos e das oportunidades para cumpri-

los.

Políticas específicas no apoio sociofamiliar podem representar uma

forma de resgatar a oportunidade da vivência da adolescência e

contribuir para que a família constitua-se em retaguarda de apoio e

não em peso a ser sustentado.

// Tabela 4 - Pessoas responsáveis pelos domicílios particulares permanentes

Urbana RuralHomens Mulheres Homens Mulheres

10 a 14 anos 6.578 3.082 2.409 52015 anos 3.136 2.895 1.179 39116 e 17 anos 31.197 19.454 10.362 2.09818 e 19 anos 148.734 60.218 43.315 4.75120 a 24 anos 1.545.511 389.454 398.469 26.00425 a 29 anos 2.944.979 648.292 676.217 40.44930 a 34 anos 3.669.091 877.792 804.791 56.16535 a 39 anos 3.818.443 1.089.443 822.543 68.19240 a 44 anos 3.488.203 1.174.989 735.504 77.54245 a 49 anos 2.959.791 1.109.335 656.636 82.28850 a 54 anos 2.399.226 1.007.541 586.321 89.97755 a 59 anos 1.784.073 861.296 503.411 97.96460 a 64 anos 1.471.792 830.814 434.142 101.31765 a 69 anos 1.121.685 728.941 321.223 93.56970 a 74 anos 832.207 612.718 235.137 82.85975 a 79 anos 505.355 410.194 146.967 61.45980 anos ou mais 398.954 379.453 126.885 69.179

Total 27.128.955 10.205.911 6.505.511 954.724

Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2000

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“Seu” José Ferreira é vigilante noturno em Salvador. Vira as noites

trabalhando. Mal o dia amanhece, ele coloca a mochila com o figurino

nas costas, sobe no palco e entra em cena na peça “Diálogos”, montada

no pátio de escolas públicas da capital baiana. Um de seus companheiros

no tablado é seu filho caçula. O tema da peça é a importância da

conversa entre pais e filhos sobre a sexualidade e o autocuidado.

“Seu” José é um ator e um pai cheio de orgulho. “Minha vida mudou

100%, eu fiquei mais consciente e o meu filho se tornou meu grande

amigo”, conta.

Desde 1994, o CRIA aposta nas artes cênicas para informar, mobilizar

e melhorar a vida de milhares de adolescentes em Salvador. Atualmente,

o Centro trabalha diretamente com 80 jovens, chamados de

multiplicadores. Eles formam as trupes de teatro e percorrem escolas

de Salvador, apresentando peças com temas de interesse dos

adolescentes. Há textos sobre prevenção de doenças sexualmente

transmissíveis e gravidez precoce, a escola e a melhoria no sistema

de ensino, o diálogo com os pais, a participação comunitária, o

Teatro transforma vidas

Em escolas e espaços comunitários de Salvador, Bahia,adolescentes do Centro de Referência Integral paraAdolescentes, CRIA, apresentam peças de teatro quefalam da escola, da família e de suas paixões. Asencenações mudam a vida de quem está no palco e dequem está na platéia.

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vestibular, violência e drogas. “O grande diferencial das peças é que

falamos sobre coisas muito sérias, mas de uma forma leve e de fácil

compreensão”, explica o ator Cássio Vinicius da Silva, 18 anos. Por

sua capacidade de falar diretamente com milhares de adolescentes, o

CRIA, embora seja uma organização não-governamental de pequeno porte,

consegue impactar as políticas públicas que garantem os direitos à

saúde, educação, cultura e participação dos adolescentes. “Nosso

objetivo é abrir um espaço de escuta para as questões da juventude e,

a partir dessa escuta e da construção coletiva, elaborar propostas de

intervenção na sociedade”, esclarece a coordenadora pedagógica do

projeto, Eleonora Rabelo.

As apresentações do CRIA são sempre seguidas de debates com a

platéia. Nas escolas, alunos e professores trocam idéias e opiniões,

esclarecem dúvidas e sugerem estratégias e soluções. “Trabalhamos

muito com o conceito de mobilização social e nossa intenção é fazer

de nossos meninos cidadãos conscientes e exigentes”, diz Rabelo.

Arte & Cidadania

Além do trabalho de educação pelo teatro, o CRIA é responsável

também pela coordenação do Movimento de Intercâmbio Artístico

Cultural pela Cidadania (MIAC), uma rede que agrega mais de

200 instituições sociais para debater e formular propostas de

políticas públicas de saúde e educação para adolescentes. Os

adolescentes participam ativamente propondo estratégias para a

melhoria de suas escolas, de seus bairros, de atendimento em

postos de saúde, entre outras.

O MIAC surgiu em 1997 depois que um dos adolescentes do grupo

de teatro do CRIA foi preso e torturado pela polícia.

Atualmente, em seus festivais anuais, o MIAC reúne mais de 3

mil pessoas, entre crianças, adolescentes e adultos, em torno

de temas como a arte e os direitos humanos.

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3. Desafio na promoção do conhecimento, da educação e dainserção no mundo do trabalho

Como fase da vida de rápida aprendizagem, de curiosidade e busca, de

desprendimento para viver novas descobertas, a adolescência constitui-

se também em um desafio para a integração de políticas que possibilitem

o seu desenvolvimento integral.

Associar a questão do conhecimento às demais experiências da vida é

um importante desafio a ser enfrentado. Nessa perspectiva as políticas

de educação não podem continuar centradas na escolarização pura e

simples. A educação dos mais de 21 milhões de adolescentes brasileiros

é, sem dúvida, o maior desafio das políticas sociais do País neste

início de milênio. Entretanto, esse desafio precisa ser enfrentado

por um trabalho conjunto entre a escola, a família, comunidade, ONGs

e demais instituições responsáveis pela proteção à infância e à

adolescência.

Nesse processo, a escola

é obviamente uma

instituição de vanguarda.

Juntamente com a família,

desempenha papel decisivo

na formação dos

adolescentes como

sujeitos plenos, capazes

de exercitar seus

direitos e corresponder

com seus deveres na

sociedade que integram

como cidadãos.

Entretanto, isoladamente,

a escola não consegue

responder à sua principal

tarefa de dar as

condições necessárias

para o exercício da

cidadania.

Além dessa necessidade de

integração de políticas

em torno de um processo

de educação integral, há

desafios específicos a serem enfrentados.

Como mostram as análises dos dados disponíveis, há graves

distorções na oferta de ensino de qualidade aos adolescentes

brasileiros. Enquanto no País 91,7% dos adolescentes estão

matriculados na escola, apenas 33% com idade entre 15 e 17 anos

estão matriculados no Ensino Médio. Regionalmente, as

disparidades são ainda mais impressionantes. No Estado de São

Paulo, 54,7% dos adolescentes de 15 a 17 anos estão matriculados

no Ensino Médio. Em Alagoas, esse índice é de 11,8%.

Em todo o País, existem mais de 1,3 milhão de adolescentes analfabetos.

Ou seja, de cada 100 adolescentes, mais de 5 (5,2%) não sabem ler nem

escrever. Em Alagoas, esse índice chega a 18% – a maior taxa de

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analfabetismo de adolescentes no País – e, em Santa Catarina – a menor

–, 1,3%.

No ano 2000, apenas 11,2% dos adolescentes com idade entre 14 e 15

anos concluíram o Ensino Fundamental. Oito estados brasileiros (vide

tabelas ao final) obtiveram desempenho superior à média nacional e 19

obtiveram uma média inferior à média nacional.

Houve um crescimento importante na taxa de conclusão do Ensino

Fundamental e no acesso ao Ensino Médio. Entre 1991 e 1999, o índice

de matrícula de adolescentes de 15 e 17 anos no Ensino Médio passou

de 17,6% para 32,6%, um crescimento anual médio de 11,5% ou mais de

4 milhões de novos estudantes na terceira fase da educação básica.

A educação básica: um direito do adolescente comocidadão

O processo educativo básico contribui não apenas com uma melhor

qualificação profissional e melhores salários, como assegura o acesso

dos indivíduos a um conjunto de conhecimentos necessários para participar

da vida pública e enfrentar as dificuldades impostas pelos processos

das diferentes formas de globalização.

Dentro desses desafios, a adolescência é um período de vida precioso

para o desenvolvimento de habilidades intelectuais necessárias a

essas novas realidades. Isso inclui fundamentalmente o desenvolvimento

da inteligência, que na adolescência atinge a fase do pensamento

formal, condição essencial para todo o trabalho de raciocínio mental

e abstrato.

Nessa fase importante da formação da personalidade, a escola constitui

referencial estruturante. Em seu projeto pedagógico, a escola deve

promover atividades que estimulem o amadurecimento do adolescente.

Portanto, cabe à escola, além das ações específicas da escolarização,

assumir um papel de instância formadora para exercício da cidadania

em todas as suas dimensões.

O estímulo ao pensamento crítico, ao debate, às descobertas, aos

desafios intelectuais são muito importantes. Nesse momento, as

experiências vividas na escola pelos adolescentes são muito valiosas

em seu processo de socialização e de desenvolvimento.

A escola: espaço para o exercício da participação

Assim como na família, o adolescente precisa encontrar, na escola,

espaços para exercer sua participação, enfrentando os limites impostos

pela sociedade e pelas leis de convivência social e aprendendo a

negociar em vez de apenas submeter-se ou se impor.

Para garantir o direito à participação, a escola deve oferecer

espaços para que os adolescentes se expressem. Nesse sentido, são

fundamentais atividades artísticas e de expressão de todo o gênero:

literárias, cênicas, musicais, esportivas. Esses canais de expressão

podem representar recursos preciosos e funcionar como oficinas de

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discussão sobre temas de interesse, nas quais exercitem a habilidade

de expressão verbal de seus sentimentos e de seus posicionamentos e

aprendam a construir propostas, em processos participativos e coletivos

de resolução dos problemas. Além disso, adolescentes podem – e devem

– participar na elaboração dos planos e projetos pedagógicos da

escola, bem como ser estimulados para o associacionismo, seja em

grêmios estudantis ou em outras formas organizativas.

Essas atividades, a serem realizadas no contexto de outras atividades

educativas na escola, estimulam o desenvolvimento emocional e cognitivo

dos adolescentes e lhes dão oportunidades de exercitar, na escola,

seu desenvolvimento social do ponto de vista de sua participação

coletiva, como cidadãos de direitos e de deveres.

A garantia do direito à participação é mais que um exercício

complementar na escola. Na verdade, os processos participativos da

gestão escolar, do processo pedagógico e das relações entre educador

e educando têm muito a ver com o desafio de melhoria da qualidade do

ensino, baseada no aprimoramento dos processos de ensino e

aprendizagem.

Estudos recentes apontam que um dos mitos mais importantes derrubados

por terra no final dos anos 80 foi o da evasão precoce. O estudante

brasileiro permanece, em média, oito anos e meio na escola fundamental.

Porém, avança somente até a 4ª série. Assim, a maioria dos alunos com

enorme defasagem entre idade e série cursada não entrou tardiamente

no sistema escolar por falta de escola ou por necessidade de trabalho,

como em alguns momentos se pensou. A defasagem é gerada internamente,

no próprio sistema educativo.

É importante lembrar que os quatro primeiros anos do Ensino Fundamental

são decisivos para o desenvolvimento cognitivo rumo ao estágio das

operações formais e das habilidades intelectuais subjacentes para

acompanhar o programa de ensino. Pesquisas recentes sobre as

dificuldades do adolescente em prosseguir os estudos a partir da 5ª

série do Ensino Fundamental apontam para a importância da qualidade

da alfabetização como fator de fixação e continuidade na escola.

Em seu processo classificatório, é importante que a escola se

preocupe em não perpetuar desigualdades e injustiças sociais próprias

do sistema ao desconsiderar, por exemplo, as disparidades produzidas

pela próprio modelo econômico, social e cultural predominante no

País.

Na adolescência, assim como na infância, as dificuldades escolares

por defasagens ou diversidades culturais não podem ser confundidas

com déficits intelectuais, sob o risco de legitimar um discurso há

muito combatido, denominado “a cultura da pobreza”. O adolescente,

por características próprias de sua idade, torna-se especialmente

sensível aos olhares discriminatórios e de injustiça.

Esses aspectos permitem-nos perceber dois tipos de excluídos da

escola. Os excluídos que estão dentro da escola e os que estão fora

da escola.

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Todos mais bonitosDuas meninas encontram-se em um projeto chamadoArte de Viver e decidem transformar sua vida e a vidados adolescentes de seu bairro em Belém. Com outrasoito amigas, conquistam o apoio de outrosadolescentes e de adultos e abrem os portões de umaescola para a alegria, a arte e o respeito pelo outro.

Há três anos, a Escola de Ensino Fundamental Comandante Katau, no

bairro do Barreiro, em Belém, é um lugar mais bonito. Os adolescentes

que brincam, conversam e dançam no pátio da escola também são mais

bonitos. Há rodas de capoeira, aulas de dança, reforço escolar. A

música enche o ar, traz da rua para a escola crianças e adolescentes

e transforma histórias de exploração em relatos de alegria. As

atividades são parte do projeto “Fazer o Outro Bonito”.

O projeto foi idealizado e criado por dez meninas do bairro, um dos

mais pobres de Belém, onde não há saneamento básico e as famílias

contam com o trabalho de seus filhos para complementar a renda.

Gisele Tenório da Costa, 21 anos, e Glaciene Rodrigues, 17 anos, são

duas das criadoras do projeto. Depois de experiências de exploração

sexual e de vender balas nas ruas durante todo o dia para conseguir

algum dinheiro, elas quiseram fazer mais bonitas a vida delas e a

vida de seus amigos. “As meninas que protagonizaram o Fazer o Outro

Bonito encontravam-se em situação de extremo risco. Estavam

constantemente sujeitas às drogas, à prostituição e à miséria. Hoje

elas se tornaram referência para outras meninas”, conta o padre

Bruno Sechi, coordenador do Movimento de Emaús, onde as meninas

encontraram-se pela primeira vez. Atualmente, todas elas estudam em

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programas de aceleração escolar, são monitoras do projeto Fazer o

Outro e recebem bolsa-auxílio.

A Escola Comandante Katau é a sede do projeto e todos ali estão

envolvidos de alguma forma nas atividades. Fora dos horários de aulas

regulares e principalmente nos finais de semana, o colégio abre suas

portas para 300 adolescentes que freqüentam as oficinas de capoeira,

teatro, dança e artes plásticas. Também são organizados debates

sobre temas que interessam a comunidade, como participação comunitária,

segurança, abuso de drogas e sexualidade.

A essência do projeto Fazer o Outro Bonito é resgatar a auto-estima

desses adolescentes e despertar neles a dignidade e a noção de

direito e cidadania. O nome do projeto foi escolhido pelas próprias

meninas que o criaram. “A partir do momento em que saímos da rua e

notamos a nossa capacidade de ajudar os outros, começamos a nos

sentir mais bonitas, mais autoconfiantes. E é isso que estamos

tentando fazer outras pessoas sentirem”, explica Glaciene Rodrigues.

O projeto tem apoio do UNICEF e da Secretaria Municipal de Educação

de Belém.

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Adolescência, escola e mundo do trabalho

Além de vencer os processos de exclusão que ainda caracterizam

grande parte do sistema de ensino, há ainda o desafio de vinculá-lo

às expectativas dos adolescentes em relação ao mundo do trabalho.

A educação profissional realizada de forma segmentada e apartada do

sistema de ensino, por meio de cursos de curta duração e sistemas

distintos e desarticulados, faz com que não se tenha no País uma rede

de programas de educação que concilie os conteúdos do ensino formal

com as necessidades do mundo do trabalho.

A contribuição das organizações não-governamentais e do setor privado

tem sido relevantes para o desenvolvimento de metodologias e abordagens

da profissionalização que necessitam ser incorporadas a um sistema

público e universal.

A legislação brasileira proíbe qualquer forma de trabalho antes dos

14 anos de idade e dos 14 aos 16 só admite na condição de aprendiz.

Entretanto, essa aprendizagem não pode substituir a escolarização,

nem se dar descolada dela, sob o risco de tornar precária a formação

integral do adolescente, promover sua inserção precoce e limitada no

mercado de trabalho e diminuir suas chances de realização pessoal e

profissional nesse universo, em função da obrigatoriedade de

satisfação das necessidades imediatas.

A inexistência de dados sobre a educação profissional em relação aos

adolescentes e a informação de que apenas 11,2% dos adolescentes de

14 e 15 anos de idade concluíram o Ensino Fundamental, demonstra a

fragilidade dos processo formativos neste campo e a urgente necessidade

do País em estruturar uma rede de educação profissional fundada em

uma reestruturação e melhoria do sistema público de ensino.

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Profissionalização & arte noProjeto AxéNo candomblé, Axé significa a força ou a energia criativaque permite que todas as coisas do Universo existam edá a elas um sentido para sua existência. Axé é o nomedo projeto, com 12 anos de atuação, para a garantia dosdireitos de meninos e meninas em situação de pobrezaem Salvador, Bahia.

No Projeto Axé, arte e educação não são complementos, nem sequer

palavras com sentidos diversos. Arte e educação têm o mesmo significado

para os mais de 1,5 mil crianças e adolescentes que participam do

projeto e para seus educadores. “Quando colocamos os meninos em

contato com a obra de arte, seja qual for a origem, isso desperta

neles noções de cidadania. A arte incita nos jovens o desejo e

proporciona a construção de um projeto de vida”, ressalta o educador

e coordenador do projeto, Cesare La Rocca.

Robson de Souza é um desses meninos “desejantes” do projeto. Aos 17

anos, orgulha-se em ter o Axé como sua segunda casa. Antes de

encontrar o projeto, Robson dormia nas ruas de Salvador e pedia

dinheiro nos sinais de trânsito da cidade para jogar fliperama. Nos

primeiros contatos com os educadores do Axé, desconfiou. “Pensei que

fosse gente do juizado de menores* e saí correndo”, lembra, sorrindo.

Para Robson, o projeto mudou sua vida e de seus cinco irmãos, que

também estão envolvidos em atividades do Axé. O adolescente voltou

a morar com a família e cursa a 1ª série do Ensino Médio. “Quero ser

um cidadão e sei que vou conseguir ser” diz, cheio de confiança e de

boas expectativas para o futuro.

Como Robson, Nívea Rita Franco, 17 anos, também tem no Axé sua

segunda casa. Seus colegas e monitores são seus grandes amigos.

“Aqui eu me abro, conto minhas alegrias e problemas para os educadores

e para os meus amigos”.

* Embora ainda seja parte do discurso de muitas pessoas, osJuizados de Menores deixaram de existir desde a criação doEstatuto da Criança e do Adolescente. O atendimento a crianças éfeito em diferentes instâncias dentro do chamado Sistema deGarantia de Direitos, que inclui conselhos tutelares, conselhosde direitos, centros de defesa, delegacias especializadas noatendimento a crianças e adolescentes, promotores e juízes nasVaras da Infância e da Juventude.

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A mistura de arte e educação inclui ainda a profissionalização. Os

amigos Nívea e Robson, por exemplo, participam das atividades do

Modaxé, um dos braços do Axé voltado à formação profissional dos

adolescentes em moda com destaque para o senso estético, para a

beleza. “No curso, aprendemos muito mais que costurar”, conta Nívea.

As aulas incluem noções de história da arte e de literatura. Assim, os

adolescentes criam suas próprias coleções. O trabalho inclui também

debates sobre a realidade dos adolescentes, temas como drogas, violência,

a situação do bairro onde vivem, entre outros. “Procuramos desenvolver

a percepção crítica dos educandos e fazê-los inventar a partir da

realidade que os cerca”, explica Licínia Lírio, educadora do Axé.

Para participar do trabalho no Axé, os adolescentes precisam freqüentar

a escola formal. Um dos desafios do Projeto é estimulá-los a freqüentar

as aulas e ter bons resultados. Por isso, há quase três anos, o Axé

gerencia a Escola Municipal Barbosa Romeu, da rede municipal de

ensino. Na escola, os professores são da prefeitura, a proposta

pedagógica é elaborada em parceria com os educadores do Axé e conta

com a participação dos próprios alunos. Todo o processo é aprovado e

acompanhado pelo Conselho Municipal de Educação. Atualmente, a escola

atende cerca de 1,1 mil alunos – 600 são crianças e adolescentes

atendidos pelo Axé, as outras crianças vivem na comunidade do Bairro

de São Cristóvão, próxima à escola.

Desde sua criação, o Axé conta com o apoio do UNICEF e de outras

instituições.

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4. Desafio para a valorização da vida, para o desenvolvimentoda saúde e da sexualidade

Informações epidemiológicas sobre adolescentes são escassas e estão

quase sempre influenciadas pelo referencial das doenças e de

comportamentos de risco. Além disso, em geral, as estatísticas de

saúde não estão organizadas por faixas etárias específicas, o que

dificulta as comparações entre comunidades ou regiões.

Na adolescência, os cuidados com a saúde extrapolam a atenção médica

e pedem atendimento multidisciplinar, com um enfoque de promoção de

saúde num sentido mais amplo, com equipes especializadas e competentes,

capazes de acolher os adolescentes na complexidade de suas demandas,

incluindo políticas de promoção de saúde mental, com serviços

especializados para adolescentes.

Essa abordagem da saúde integral entende o adolescente em seus

aspectos físicos, afetivos, cognitivos, numa interação dinâmica com

o seu contexto sociocultural. Nessa fase da vida, as políticas de

saúde do adolescente devem fortalecer programas preparados para a

abordagem de questões próprias da adolescência como o desenvolvimento

da sexualidade, as relações amorosas, o lazer, o consumo de drogas,

a iniciação sexual e a prevenção das DST/AIDS, as relações familiares,

os grupos de pares, a escolha profissional.

Nesse sentido, desempenham papel importante os espaços próprios e

adequados ao adolescente nos serviços da rede pública, serviços que

lhes permitam cuidar de sua saúde tanto física como mental. Fundamental

também é o caráter preventivo de todo o investimento na promoção de

saúde do adolescente, afinal trata-se de uma idade de consolidação

e de aquisição de hábitos de vida que irão marcar todos os comportamentos

adultos relativos aos cuidados com a saúde: hábitos alimentares, uso

e abuso de drogas, relações sociais e afetivas, práticas de violência,

práticas sexuais e comportamentos de risco.

Uma política de estímulo ao autocuidado e autoproteção configura-se em um desafio de múltiplas políticas nas quais educação,saúde, cultura, esporte, lazer, assistência social desempenhamtarefas específicas mas profundamente articuladas em um processono qual o acesso à informação tem ligação direta com o acesso aosserviços, condição básica para a mudança de atitude.

A sexualidade é uma das dimensões essenciais no desenvolvimento

humano e, portanto, no desenvolvimento dos adolescentes. A iniciação

sexual na adolescência é uma experiência marcante que terá repercussões

também no decorrer da vida sexual adulta.

Os adolescentes podem ser apoiados para que dêem início à vivência

da sexualidade com a devida maturidade e responsabilidade. Ou seja,

com condições de assumir a vida amorosa e afetiva com o parceiro em

todas as suas conseqüências. Para isso, é fundamental que sejam

considerados como pessoas e não apenas em seus impulsos, sejam eles

sexuais ou de qualquer outra natureza. Acompanhamento e diálogo com

os adolescentes precisam ser oferecidos tanto pela escola como pela

família. Os programas de educação e de saúde sexual para adolescentes

devem prever também espaços de discussão para os pais, educadores e

outros profissionais que lidam com adolescentes.

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Sendo a adolescência uma fase privilegiada na aquisição de muitos dos

hábitos de vida que poderão ser ou não saudáveis, esse é um momento

fundamental para a promoção da saúde em um caráter preventivo. Porém,

isso nem sempre é possível. Além das dificuldades da própria família

e de profissionais envolvidos com os adolescentes e de questões

culturais, os adolescentes têm forte tendência a viver basicamente o

presente.

Exemplo disso é a relação dos adolescentes com o consumo

de bebida alcoólica. Sabe-se que o alcoolismo é uma

dependência química que se instala lentamente e se

revela em geral na vida adulta. No entanto, é na

adolescência que o hábito de beber tem início e que

a prevenção deve ocorrer.

A ingestão abusiva de bebida alcoólica por

adolescentes, ainda que não caracterize estado de

dependência, tem sido responsável por

considerável índice de mortes entre os

jovens, tanto por práticas de violência

como por acidentes de trânsito. Além disso,

o consumo de bebidas alcoólicas pode gerar

desadaptação escolar, desentendimentos

familiares ou outros problemas na condição

física e psíquica do adolescente.

A pesquisa Avaliação das Ações e Prevenção

de DST/AIDS e Uso Indevido de Drogas nas

Escolas de Ensino Fundamental e Médio em

Capitais Brasileiras, produzida pela

Organização das Nações Unidas para a

Educação, Cultura e Ciência (Unesco/2001)

revela que, em 14 capitais brasileiras, a

porcentagem do uso de drogas ilícitas

pelos alunos variou de 2%, no Ceará, a

15%, no Rio de Janeiro e Rio Grande do

Sul. Segundo a pesquisa A Voz dosAdolescentes (UNICEF/Fator OM/2002),que trabalhou com público semelhante,

15% dos adolescentes entrevistados

disseram que usam ou já utilizaram algum

tipo de droga.

Em relação ao tema da sexualidade na

adolescência a pesquisa A Voz dosAdolescentes (UNICEF/Fator OM/2002)constatou que 32,8% dos adolescentes

mantém ou já tiveram relação sexual.

Desses, 16,6% já engravidaram, e, dos

que engravidaram, 28,8% declararam que

não tiveram o bebê.

A mesma pesquisa indicou que, pelo

menos, 48,5 % dos adolescentes que mantém

ou já tiveram relação sexual não usam

preservativo ou não usam sempre.

Acolhimento e equilíbrio emsituação de riscoPara enfrentar o desafio da inclusão social de cerca de 100mil crianças e adolescentes vivendo em estado deindigência e exclusão – segundo o IPEA –, um projeto emPorto Alegre dá prioridade ao atendimento a meninas emeninos expostos à exploração do trabalho infantil, àexploração sexual, à violência física e psicológica, ao usoabusivo de drogas e à situação de rua.

Mãos sujas de argila e papel marchê, sorriso no rosto, cuidados e

atenção. Nesse cenário acolhedor, estão as meninas e os meninos que

participam do Programa Municipal de Atenção Integral a Crianças e

Adolescentes em Situação de Rua – PAICA-Rua, coordenado pela Prefeitura

de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

O programa, criado em 1997, tem o desafio de lidar com um dos mais

complexos problemas enfrentados por adolescentes, o uso abusivo de

drogas. Por isso, é ampla a rede de atendimento do projeto, desde o

atendimento de saúde na chamada Casa Harmonia até a Casa de Acolhimento

Noturno e a Escola Porto Alegre. Como o próprio nome diz, o projeto

dá assistência integral aos meninos, diminuindo ao máximo os fatores

de risco e ajudando-os a mudar de condição.

Criada há dois anos com apoio do UNICEF, a Casa Harmonia é parte do

Programa. Ali, adolescentes em situação de rua e com histórico de

abuso de drogas encontram apoio e atividades educativas durante o

dia. A casa funciona das 8h às 18h, e os adolescentes podem participar

de oficinas de teatro, artes plásticas, capoeira e rap, além de

receber acompanhamento médico e psicológico.

Ao lado da Casa Harmonia, está a Escola Porto Alegre (EPA). A Escola

tem uma missão bem maior do que alfabetizar e trabalhar o conhecimento

com os meninos em situação de rua que vivem na cidade. “O objetivo

é ser uma instituição de travessia e reintegração social”, explica

a diretora da escola, Maria Lúcia dos Reis. O trabalho da escola é

apoiar os adolescentes em um período de transição, oferecendo ensino

formal especializado até sua matrícula em uma escola da rede pública

de ensino. Segundo Maria Lúcia, apesar da EPA ser exclusiva para

meninos em situação de rua, ela não tem o objetivo de isolá-los da

sociedade. A equipe da Escola Porto Alegre ajuda o adolescente a

resgatar sua história pessoal e, quando seus laços familiares rompem-

se, estimula-os a reatar a relação com a família.

Durante a manhã, os meninos freqüentam as aulas de aceleração escolar

do Ensino Fundamental. À tarde, participam de atividades complementares,

como oficinas de informática, de artes e de temas educativos. “O mais

interessante é que foram os próprios adolescentes que pediram essas

atividades. Foi uma maneira que encontraram de ficarem mais tempo

longe das drogas”, esclarece a diretora.

O Programa de Atenção Integral também apóia as famílias dos

adolescentes, oferecendo acompanhamento psicológico e assistência

social. Na maioria das vezes, são famílias com baixíssima renda e

acesso restrito a bens e serviços de necessidade básica. Esse

trabalho com as famílias é feito a partir do Núcleo de Apoio Sócio-

Familiar (NASF) e inclui, em alguns casos, complementação de renda

e atividades comunitárias entre famílias de um mesmo bairro. Além

de apoiar os adolescentes já em situação de rua, o núcleo tem um

trabalho preventivo importante.

Marcus Rafael, 20 anos, foi um dos adolescentes atendidos pelo

Programa de Atenção Integral e hoje é um exemplo para todos os outros

meninos do programa. Ele foi aluno da Escola Porto Alegre, freqüentou

a Casa Harmonia, os abrigos noturnos e, recentemente, o curso

profissionalizante Papel Social. Rafael conseguiu juntar dinheiro

para comprar a própria casa, onde mora com a esposa – que conheceu na

rua – e com a filhinha, que tem menos de um ano. “Só penso em

trabalhar e criar minha menina. Não quero nem mais ouvir falar em

droga. Para mim, isso é passado”, conta.

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A prevenção da gravidez e das DST/AIDS na adolescência

Assumir uma vida sexual ativa na adolescência implica prevenir os

possíveis problemas dela decorrentes, como as doenças sexualmente

transmissíveis (DST) – com destaque para o HIV/AIDS – e a gravidez

na adolescência.

Uma política de prevenção nessa área deve ter como enfoque a educação

sexual como um todo. Embora seja possível presenciar versões

romantizadas sobre a experiência de ser mãe ou pai adolescente, é

preciso considerar que, na área específica da saúde física, problemas

decorrentes da gravidez, parto, pós-parto e de abortos constituem

uma das causas de maior incidência de hospitalizações e mesmo de

óbitos de adolescentes do sexo feminino.

Isso sem levar em conta as implicações em outras esferas da vida dos

adolescentes (escolaridade, profissionalização, relação com sua

família e amigos).

Essas dificuldades, além de outros aspectos subjetivos, levam muitas

adolescentes que engravidam a optar pela interrupção da gravidez em

clínicas clandestinas ou usando práticas caseiras, correndo sérios

riscos para sua saúde e, por vezes, riscos de morte.

A pesquisa A Voz dos Adolescentes (UNICEF/Fator OM/2002) informa que28,8% dos adolescentes que engravidaram (meninas) ou engravidaram

alguém (meninos) não tiveram o filho.

Fonte: A Voz dos Adolescentes, UNICEF/FatorOM/2002 – Pesquisa Nacional com 5.280 adolescentes.

// Número de adolescentes que declararam ter relação sexual segundo o usode preservativo

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// Número de adolescentes com relação sexual em relação à gravidez e a ter ofilho

Fonte: A Voz dos Adolescentes, UNICEF/FatorOM/2002 – Pesquisa Nacional com 5.280 adolescentes.

Esses indicadores revelam que a adolescência brasileira enfrenta

situações de vulnerabilidade que devem ser enfrentadas de forma

ampla e imediata.

Os desafios colocados demandam políticas com princípios baseados na

preservação da vida, da integridade psíquica e física e da liberdade,

respeito e dignidade como seus valores fundamentais.

O respeito à subjetividade, a privacidade e às decisões de caráter

íntimo e pessoal são garantias que devem ser asseguradas a todos os

adolescentes. Sua participação em todos os processos será valorizada

como forma de dar coerência à política com as reais necessidades e

direitos dos adolescentes.

A integração de políticas, programas e serviços das diferentes áreas

das políticas públicas será o princípio básico para a otimização de

recursos e garantia de efetividade, bem como o envolvimento da

família como núcleo básico de vivências, apoio e aprendizagens.

Além disso, o grande desafio a ser enfrentado para a redução da

vulnerabilidade na adolescência é a garantia do direito à informação

associado ao acesso a serviços básicos.

Por outro lado, adolescentes que decidem ter o bebê, quase sempre sem

condições psicológicas e financeiras para isso, acabam prolongando,

ainda mais, seu período de dependência da família, em diferentes

níveis. Além disso, a possibilidade de um adolescente assegurar a seu

filho todos os seus direitos é condicionada por fatores que vão desde

sua condição financeira, escolaridade e maturidade até seu grau de

dependência em relação à sua própria família e às condições desta.

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Meninas & mãesEm São Luís, no Maranhão, num dos bairros maispopulosos da cidade, garotas recebem orientação sobreplanejamento familiar em divertidas oficinas de teatropara gestantes, com atendimento pré-natal e apoio paracuidar de seus bebês.

Do outro lado do muro da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) está

o bairro de Vila Embratel, uma das regiões mais populosas de São

Luís. Ali, é comum ver o esgoto correndo a céu aberto, poucas são as

ruas asfaltadas e praticamente não existem áreas de lazer para as

crianças e os adolescentes. E os problemas de infra-estrutura estão

longe de serem os únicos. Na comunidade da Vila, há um grande número

de adolescentes grávidas. Para dar uma resposta positiva a essa

situação, professores e alunos da Universidade romperam as barreiras

do campus e foram atuar na comunidade vizinha.

O projeto “O Jovem de Bem com a Vida”, desenvolvido pela Universidade,

com apoio do UNICEF, tem como objetivos prevenir e reduzir os riscos

de gravidez entre meninas de 10 a 19 anos, além de apoiá-las na busca

de novas perspectivas para sua vida. O projeto, criado em 1999,

transformou a vida de mais de 500 adolescentes da capital maranhense

e oferece programas de saúde e também atividades educativas, culturais

e profissionalizantes. “O Jovem de Bem com a Vida é um projeto

interdisciplinar. Nosso foco de trabalho é a questão do sentido da

vida e a valorização da pessoa”, completa o professor de medicina da

Universidade e coordenador do projeto, Fernando Ramos.

O Centro de Saúde Dom Oscar Romero, uma entidade filantrópica ligada

à Igreja Católica localizada na Vila Embratel, é umas das principais

unidades do projeto. Nele, as adolescentes grávidas têm acompanhamento

pré-natal, pós-natal e ginecológico, além de tratamento pediátrico

para seus filhos. Todas as semanas, são atendidas mais de 60 jovens

mães e crianças.

Aos 17 anos e no quinto mês de gestação, Gláucia de Holanda Silva

foi pela primeira vez ao centro de saúde para dar início aos exames

pré-natais. Mãos dadas com a mãe, ela conta que soube do projeto por

outras amigas que também fizeram acompanhamento da gestação no

centro de saúde. Segundo a mãe, dona Raimunda, a filha demorou a

procurar acompanhamento médico, porque mantinha a gravidez em

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segredo. “Fiquei desesperada, parecia que o mundo ia acabar”,

lembra a jovem.

Ansiosa, Danielle Viera Marinho também espera a consulta no centro.

Grávida aos 15 anos, ela abandonou os estudos na 8ª série do Ensino

Fundamental. O ex-namorado, pai da criança, não quer assumir o bebê.

Sentada no banco de espera, Danielle a todo instante ajeita-se na

cadeira. É a sua primeira consulta com um ginecologista. “Estou um

pouco nervosa, não sei como é. Sei que vou sentir muita vergonha de

falar as coisas com ele.”

Além do atendimento das meninas grávidas, o projeto desenvolve um

trabalho preventivo na Oficina de Planejamento Familiar. “Nós trabalhamos

muito para adequar a gravidez a um momento propício e planejado”,

explica Maria de Jesus Pacheco, pediatra e professora da Universidade.

O projeto também ajuda a quebrar a resistência das adolescentes a

visitar o posto de saúde. “No Brasil, as pessoas procuram o hospital

em caso de doença, não há o costume de se prevenir”, diz Maria de

Jesus. E completa: “É também um desafio conseguir atrair os adolescentes

homens para a oficina”.

A maior parte dos freqüentadores são meninas. A cada oficina são mais

de 20 adolescentes e, em sua maioria, mães. Lucilia, 17 anos, é uma

das exceções. Depois que a irmã de 15 anos ficou grávida, ela

resolveu precaver-se. “É difícil ser mãe adolescente, você perde

muitas oportunidades. Eu vi que não queria isso para mim agora, por

isso, resolvi participar da Oficina de Planejamento Familiar”, explica.

O projeto reúne também jovens de diferentes classes sociais. Estudante

do curso de Pedagogia da UFMA, Mariana Rocha, 21 anos, é umas das

monitoras da Oficina de Planejamento Familiar. Ela entusiasma-se em

poder sair da sala de aula da universidade. “É muito bom ter a

oportunidade de poder apoiar alguém com o que se aprende na faculdade”,

explica.

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5. Desafio para o desenvolvimento integral por meio doesporte, da cultura e do lazer

O adolescente é um desbravador do mundo, curioso por natureza e

sedento de novas experiências que ampliem seu mundo familiar e

escolar. A adolescência implica exatamente sair do círculo restrito

familiar para participar da sociedade que lhe acolhe como cidadão de

direitos e deveres, a partir da transmissão dos valores de sua

cultura. Em muitas sociedades, essa passagem é comemorada por rituais

de reconhecimento do jovem em sua nova condição.

Adolescentes precisam ser acolhidos e valorizados pela sociedade que

se enriquece com a sua participação na construção de uma cultura de

solidariedade, de participação e de maior justiça social. Para isso,

o adolescente precisa encontrar na sociedade os canais que necessita

para a expressão de seus sentimentos, de suas inquietudes, de sua

reflexão crítica e, sobretudo, de sua criatividade e sensibilidade

face às desigualdades sociais.

Atividades de arte, cultura, esporte e lazer representam espaços

privilegiados de evasão das energias positivas, mas também para

canalizar impulsos

destrutivos, angústias,

depressão, insegurança e

mesmo o desespero que por

vezes assaltam seus

corações e mentes. A carga

impulsiva, o turbilhão de

sentimentos e idéias que

afloram nesse momento da

vida do ser humano

representam ao mesmo tempo

sua potencialidade e seu

risco. Mesmo determinadas

experiências de

transgressão podem trazer

crescimento e

amadurecimento, desde que

reconhecidas em seu

significado e assumidas

como aspectos de um

processo de busca de

referências de autoridade e

de limites em uma fase em

que seu desejo é transpor a

tudo e a todos.

Nesse cenário de demandas de expressão e, também, de desejo de

participar de sua cultura e de descobrir os seus valores e sua

história, é fundamental a garantia dos direitos dos adolescentes à

participação em atividades de cultura, arte, esporte e lazer.

Existem pesquisas recentes que estabelecem importantes relações

entre ser sujeito produtor e consumidor de cultura e sentir-se uma

pessoa com responsabilidades sociais e mais gratificada consigo

mesma. Entretanto, os adolescentes brasileiros não têm um acesso

facilitado a esse tipo de serviços.

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A pesquisa A Voz dos Adolescentes (UNICEF/Fator OM/2002) ouviu 5.280adolescentes em todo o País e revelou que “ ir à casa dos amigos é o

principal entretenimento dos adolescentes, citado por 53% dos

entrevistados. A TV vem logo a seguir, como a segunda principal fonte

de diversão e lazer. Entre 20 opções possíveis (e não excludentes)

apresentadas no questionário, 51% dos adolescentes entrevistados

citaram a televisão. A porcentagem de adolescentes entrevistados que

respondeu “televisão” é maior que a dos que citaram atividades mais

dinâmicas, realizadas no espaço público, como passear pela rua e

praticar esportes (ambos com 47%)”

Ainda com dados da referida pesquisa, observa-se que o tempo médio

dedicado diariamente pelos adolescentes à TV é de 3h55min, índice que

mais do que revelar uma preferência pela TV pode ser explicado pela

falta de outras opções. Apenas 24% dos adolescentes entrevistados

informaram ter a possibilidade de participar de alguma atividade

artístico-cultural fora da escola; 83% não têm acesso a clubes de

lazer; 74,5% não podem freqüentar um cinema; 60% não têm onde

praticar esportes; e mais de 80% não dispõem de equipamentos públicos

ou comunitários que assegurem o direito ao esporte, cultura e lazer

gratuitamente.

Essas informações são parte da explicação para o quadro de violência

que envolve adolescentes especialmente no meio urbano e mais

precisamente nos cinturões de pobreza onde a inexistência dessas

atividades socializadoras abre espaço para outro tipo de socialização

entre pares resultando em atos anti-sociais como as chamadas “gangues”

ou “galeras”.

Estudos em andamento nos Espaços Criança Esperança demonstram que a

criação de espaços para o desenvolvimento de atividades artísticas,

culturais e esportivas tem forte impacto na redução da violência

nessas comunidades.

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A auto-imagem positiva e a confiança em suas próprias qualidades são

ingredientes fundamentais para que o adolescente possa projetar-se

positivamente no futuro. O fato de vislumbrar um projeto de vida no

qual se situe familiar, profissional e socialmente parece ser a

melhor garantia para que o jovem não se envolva na prática de atos

violentos. Alguns estudos sobre adolescentes em conflito com a lei

revelam que esses meninos e meninas sofrem por perceber uma imagem

social negativa a seu respeito, vêem-se sem condições de pensar no

seu futuro e, portanto, sem perspectivas de mudança de atitude.

A grande via de transformações aberta pela participação em atividades

culturais e artísticas, em suas diferentes formas e natureza, é o

desenvolvimento da sensibilidade que faz o ser humano voltar-se para

o belo, para o estético e também para o outro e para o ético. Essa

dimensão da alteridade é ingrediente fundamental para a construção

de redes afetivas e sociais.

Portanto, têm grande valor os projetos que visam, por meio da arte

e da cultura, mobilizar adolescentes para ações de solidariedade e

para a formação de multiplicadores atuantes na promoção de cidadania

entre seus pares. No Brasil, existem muitos exemplos de projetos

dessa natureza, com bons resultados tanto do ponto de vista da

prevenção à violência e ao abuso de drogas, como de canais de

reinserção de jovens já envolvidos com drogas ou em conflitos com a

lei.

O alcance educativo e preventivo da participação juvenil em atividades

de cultura, esporte e lazer dependerá, antes de tudo, da qualidade

das propostas pedagógicas e de socialização desses projetos. Nessa

perspectiva, atividades de artes, esporte ou cultura não devem ter

um fim em si mesmas, mas constituem canais de expressão e vias de

acesso ao mundo das emoções, do belo e do sensível a ser valorizado

e resgatado nos adolescentes.

Essas atividades podem fazer parte de programas alternativos extraclasse

ou, melhor ainda, como atividades complementares à escola regular e

parte da própria proposta pedagógica da instituição, assim como

fonte de renovação das relações dos adolescentes com essas instituições.

A criação de clubes de cultura, de grupos de artistas, equipes de

esporte, organizações ecológicas podem ser embriões preciosos de

estímulo para a participação coletiva dos adolescentes. As vivências

grupais são muito importantes na motivação e no aprendizado das

habilidades necessárias aos adolescentes para uma participação efetiva

no coletivo, ainda na adolescência ou na vida adulta.

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Educação, esporte e proteçãoNão é fácil lidar com o estigma. Adolescentes do JardimÂngela, em São Paulo, sempre se vêem referidos comohabitantes de um dos mais violentos bairros do mundo.Porém, em um lugar chamado Espaço Criança Esperança,eles fazem o bairro transformar-se em um espaço deaprendizagem, esporte e solidariedade.

De segunda a sexta-feira, das 8h às 17h, crianças e adolescentes ocupam

o complexo esportivo do bairro, um lugar com piscina, quadras

poliesportivas, salas de aula e espaços verdes. Ali, 2 mil meninas e

meninos praticam esportes sob a orientação de monitores capacitados,

têm reforço escolar e alimentação balanceada.

O lugar é alegre, como as crianças e adolescentes reunidos nas atividades.

Aos 17 anos, Michele Sofia Lima é uma das freqüentadoras do Espaço

Criança Esperança. Para ela, a tranqüilidade é o maior atrativo do

lugar. “Aqui não tem encrenca, é só calma”, explica. É verdade, a

violência do Jardim Ângela fica do lado de fora e, no Espaço, procura-

se construir um presente diferente para esses meninos e meninas.

“Pretendemos bem mais do que formar atletas ou artistas. Queremos

preparar cidadãos. Nós nos empenhamos em mostrar para os adolescentes

os direitos que eles possuem”, diz o diretor do Espaço, Geraldo

Salvador de Souza.

O Espaço Criança Esperança é um projeto mantido com recursos da

campanha Criança Esperança. O Espaço é resultado de uma parceria entre

a Rede Globo, o Instituto Sou da Paz, o Governo do Estado de São Paulo

e o UNICEF*. A Polícia Militar também participa da iniciativa, ajudando

a proteger o Espaço e encaminhando para a coordenação pedagógica

crianças e adolescentes em situação de risco.

* Há ainda um Espaço Criança Esperança no Riode Janeiro, na comunidade do Cantagalo, Pavão,Pavãozinho. Ali também são oferecidasatividades educacionais, culturais eesportivas, complementares à escola regular.No Rio, o Espaço é resultado de uma parceriada Rede Globo, UNICEF, Viva Rio e Governo doEstado do Rio de Janeiro.

Além das atividades esportivas e do parquinho para as crianças menores,

o projeto oferece também a crianças e adolescentes um núcleo multimídia,

com sala de informática, um estúdio de som e uma rádio comunitária.

“Isso permite aos adolescentes o uso da tecnologia para produzir

documentários, fazer páginas na Internet, criar o jornal do Espaço

Criança Esperança”, explica Sergio Sampaio, coordenador pedagógico do

Instituto Sou da Paz.

Uma das principais preocupações dos parceiros do projeto é o alto nível

de capacitação dos monitores e educadores, identificados principalmente

na própria comunidade do Jardim Ângela.

Outro parceiro fundamental do projeto são as famílias das crianças e

dos adolescentes. Elas são estimuladas a também freqüentar o Espaço e

acompanhar o desenvolvimento de seus filhos nas atividades. Os pais

reconhecem a importância do projeto e se sentem mais tranqüilos. “Nosso

maior objetivo é tirar os adolescentes do convívio com a violência e a

droga e colocá-los em uma atividade física e cultural”, explica o

professor de educação física Sílvio José de Almeida. Morador do Jardim

Ângela, ele entende com profundidade a realidade dos seus alunos. “Tudo

o que um menino de periferia precisa é a chance de estudar e se divertir

com saúde e segurança. O bairro não é violento por causa das pessoas que

moram aqui e sim pela falta de oportunidades para elas”.

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6. Desafio em função da prática de atos infracionais e do conflito coma lei

A prática de atos infracionais por adolescentes gera polêmica, temores e

propostas de soluções desmedidas na sociedade brasileira. O entendimento

sobre a prática de infrações por adolescentes oscila entre a atribuição

exclusiva de responsabilidade ao próprio adolescente ou a responsabilização

das condições sociais nas quais o adolescente está inserido.

Essas percepções extremistas dificultam a compreensão de que o delito é uma

produção social e que o infrator age sempre num contexto de condições

objetivas que podem ora estimular ora inibir sua atuação, mas que não servem

como explicações únicas ao fenômeno do conflito com a lei por parte de

adolescentes.

Entre aqueles que atribuem exclusiva responsabilidade ao adolescente pela

prática de atos infracionais, costumam prosperar mitos sobre a periculosidade

do jovem, sua participação no aumento da violência e a necessidade do

agravamento de penas a eles aplicadas. A idéia de reduzir a idade de

inimputabilidade penal para 16 ou 14 anos origina-se dessa percepção equivocada

da infração e poderá ter graves conseqüências no aumento da criminalidade,

uma vez que inserido no sistema penal de adultos suas oportunidades de

recuperação e mudança de vida restringem-se significativamente.

Ainda não existe no País um sistema de registro de informações que permita

dimensionar com precisão o problema do cometimento de atos infracionais por

adolescentes. Essa ausência constitui a base para interpretações distorcidas,

baseadas em dados localizados e que geram na sociedade um sentimento de temor

em relação à violência dos adolescentes.

Pesquisas desenvolvidas com o apoio do UNICEF procuraram traçar um quadro

geral que permite apenas identificar alguns aspectos importantes desse

contexto:

A incidência de atos infracionais praticados por adolescentes é menor do que

8% da soma de delitos praticados por adolescentes e adultos.

A prática de delitos por adolescentes concentra-se nos delitos contra o

patrimônio, constituindo-se em 75% do total de delitos.

Aproximadamente 30 mil adolescentes são privados de liberdade a cada ano.

O desenvolvimento de uma política de controle do conflito com a lei por parte

dos adolescentes, a partir da consideração dos fatores pessoais e sociais que

o envolvem, implica a aplicação das medidas socioeducativas previstas no

Estatuto da Criança e do Adolescente e concebidas no marco da Convenção sobre

os Direitos da Criança. Tanto o Estatuto quanto a Convenção determinam os 18

anos como idade mínima para a responsabilização penal. Portanto, antes dos 18

anos completos, a legislação prevê atenção prioritária, diferenciada e

específica por parte da família, da sociedade e do Estado aos adolescentes em

conflito com a lei.

Nesses casos, o Estado deve investir em processos socioeducativos, a fim de

que os comportamentos transgressivos que os adolescentes expressaram em

infrações não venham a se tornar, por força da negação de seus direitos e

pela falta de oportunidades, em traços constitutivos de sua própria

personalidade.

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Há três importantes desafios a serem enfrentados para assegurar um

atendimento digno aos adolescentes em conflito com a lei:

- Ampliar o atendimento aos adolescentes nas medidas em meio aberto,

especialmente pelos programas de Liberdade Assistida e Prestação de

Serviços à Comunidade. Esses programas de base municipal devem ser

apoiados tanto pelo governo federal quanto estadual, pois se constituem

na melhor alternativa para superar a concentração do atendimento em

regime de privação de liberdade.

- Elaborar políticas estaduais e municipais que integrem serviços de

diferentes áreas para o atendimento aos adolescentes em conflito com

a lei, permitindo-lhes construir uma trajetória de inclusão social,

garantia de direitos e participação positiva na sociedade.

- Extinguir as instituições que não se reordenaram conforme as

diretrizes da legislação brasileira, substituindo-as por uma política

descentralizada de atendimento a adolescentes em pequenos grupos e

próximos da sua comunidade origem.

Os estados mais ricos do País convivem, paradoxalmente, com os

piores sistemas de encarceramento de adolescentes, preservando

estruturas físicas totalmente obsoletas onde relações pedagógicas

são inibidas em função da violência e repressão a qual são submetidos

os adolescentes.

Oferecer aos adolescentes em conflito com a lei um projeto de

inclusão social é tarefa de toda a sociedade. Seus resultados serão

a ampliação da visão de mundo e das relações sociais não só dos

adolescentes autores de atos infracionais, mas de todos os atores

sociais envolvidos nesse processo. O maior desafio nessa área é o de

construir um sistema educativo no qual o projeto pedagógico possa

ser desenvolvido a partir dos diversos recursos de uma rede articulada

para o oferecimento de atenção integral e especializada aos

adolescentes.

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Medidas fora do papelEm Macapá, no Amapá, o Estatuto da Criança e doAdolescente sai do papel. As medidas socioeducativas sãoaplicadas aos adolescentes em conflito com a lei, comeducação formal, participação da família e atividadesesportivas.

Dona Leuza Moraes não esconde a emoção quando fala de seu caçula. Com

os olhos cheios de lágrimas e a voz embargada, não consegue dissimular

a preocupação e a tristeza de ter de abrir mão da convivência diária

com o garoto. “O lugar é muito bom, ele está estudando e sei que os

direitos dele são respeitados, mas está longe da gente”, diz com um

nó na garganta.

O lugar a que Dona Leuza refere-se é o Centro Educacional Aninga, uma

unidade de internação da Fundação da Criança e do Adolescente

(FCRIA), responsável pela aplicação de medidas socioeducativas a

jovens em conflito com a lei. Essa experiência em Macapá (AP),

promovida pelo governo estadual, é um exemplo para todo o Brasil.

“Procuramos atender os adolescentes em todos os aspectos, desde as

atividades lúdicas até a assistência a suas famílias”, explica

Sandra Regina Smith Neves, diretora-presidente da FCRIA. Dentro do

centro funciona uma escola estadual onde são desenvolvidas oficinas

de teatro, dança, capoeira, judô e futebol.

Há mais de um ano, Cléber* cumpria sua primeira medida socioeducativa.

Nunca tinha freqüentado a escola em Jari, município próximo a Macapá

onde moram sua mãe e cinco irmãos. “Só ficava na rua, usando drogas,

nunca pensei em estudar”, explica. No Centro, ele freqüenta o

programa de aceleração escolar, faz aulas de teatro, capoeira e joga

bola. Cléber não esconde a saudade da família, mas garante: “Não

tenho vontade de fugir”.

Um dos grandes diferenciais do Centro Aninga é o sistema de gestão

compartilhada. Os adolescentes internados participam das decisões

que dizem respeito ao uso do espaço e dividem responsabilidades com

a equipe de educadores. Nas Oficinas de Integração, pedagogos e

adolescentes internos elaboram as normas e regras do Centro, escolhem

o cardápio e discutem o planejamento bimestral das atividades de

recreação. Segundo Sandra, “os adolescentes empenham-se muito para

cumprir as decisões e chegam a sugerir sanções para quem desobedecer

ao que foi acertado”.

Aos 14 anos, Vitor* foi obrigado a cumprir medida socioeducativa de

três meses de internação por envolvimento com drogas. Para ele,

participar da escolha das atividades do Centro é uma grande ajuda na

reintegração social dos meninos do Aninga. “Ficamos mais responsáveis

e nos recuperamos mais rápido”, diz, em tom sério.

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Como previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, os jovens do

Aninga têm acesso a cursos de profissionalização, embora o ensino

regular e a recreação tenham prioridade. Nos primeiros seis meses de

internação, os adolescentes experimentam atividades como a capoeira,

artes plásticas, teatro, judô, futebol. Há também trabalhos de

orientação sexual com os adolescentes. Os internos têm acesso a

preservativos e participam de palestras sobre prevenção de DST/AIDS

e saúde sexual. “A gente não nega a existência de relações entre

meninos. Isso não quer dizer que eles sejam homossexuais, mas essa é

a única forma encontrada para exercer a sexualidade”, esclarece a

coordenadora.

Outro grande diferencial é o trabalho com a família dos jovens

internados. A Oficina da Palavra funciona como um canal de diálogo

para os pais e também um espaço de reflexão. “As mães têm extrema

dificuldade de entender o que está acontecendo com o seu filho. Elas

sofrem muito e sentem-se culpadas”, explica Maria Goreth Souza,

diretora técnica do Centro. Durante as oficinas, os pais dos internos

trocam experiências e tiram dúvidas com o apoio de uma psicóloga.

Em média, ficam sob a responsabilidade do Aninga aproximadamente 40

internos. Cerca de 10% do total são meninas. Elas convivem no mesmo

espaço que os garotos, mas dormem em alojamentos diferentes. Sandra

garante que a interação entre ambos os sexos é uma experiência

inovadora e saudável. “Ajuda a criar um ambiente descontraído, as

meninas até recebem cartas”. O namoro entre os adolescentes privados

de liberdade não é incentivado, mas também não é proibido.

Desde a implementação do modelo de atendimento do Aninga, não há

registro de rebeliões no Centro. Os problemas enfrentados pelos

educadores, garante a diretora, são os mesmos de anos atrás. O que

mudou foi a forma de encará-los. “Tumultos acontecem, mas sempre são

resolvidos com reuniões e conversa com os próprios meninos. Quase

sempre, são uma forma de pedir socorro”, explica a diretora.

Por causa do sucesso do trabalho no Centro Educacional Aninga, o

Amapá possui um dos menores índices de reincidência de jovens

infratores, uma taxa que oscila entre 8 e 10%.

* Nomes fictícios usados para proteger a identidade dos adolescentes

em conflito com a lei.

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7. Desafio diante da mídia

Um complexo universo de possibilidades e riscos, a mídia brasileira

representa um espaço contraditório de aprendizagem. Embora tenha

evoluído na abordagem da questão da adolescência, segundo dados da

Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI/2001), ainda

persistem nos meios de comunicação social abordagens equivocadas,

informações distorcidas e uma tendência a tratá-la simplesmente

como público consumidor.

Falando sobre adolescentes

Numa análise das matérias publicadas nos 50 maiores jornais do País

e nas oito maiores revistas semanais, observou-se que nos últimos

anos vem crescendo a presença do adolescente como um tema abordado

por esses meios, conforme indica o seguinte gráfico.

Este crescimento quantitativo – de 10.700 inserções do tema em 1996

para 64.396 em 2000 –, embora represente uma atenção maior para com

o tema, nem sempre foi acompanhado de uma melhoria na abordagem. Os

principais problemas encontram-se especialmente na dificuldade em

contextualizar as questões abordadas; a imprecisão na terminologia;

a confusão no uso de dados estatísticos e uma ausência da opinião do

próprio adolescente. Esse último aspecto bem evidenciado na pesquisa

da ANDI na qual 72,6% das matérias não ouviram nenhum adolescente.

O pior desempenho ocorre na cobertura sobre a questão da prática de

atos infracionais por adolescentes. É o segundo tema em número de

inserções e aquele no qual aparecem os maiores equívocos, revelando

uma imprensa predisposta a condenar o adolescente assumindo a visão

única dos boletins de ocorrência da polícia e reproduzindo visões

repressivas e sensacionalistas.

O melhor desempenho está no fato de que quase 48% da matérias do ano

2000, ainda segundo pesquisa da ANDI, inserem-se na perspectiva da

busca de solução para os problemas apresentados, destacando iniciativas

e mostrando bons exemplos.

Fonte: ANDI/2001

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Falando para adolescentes

Os programas de rádio e televisão, cadernos especiais, revistas e

outras mídias produzidas para o público adolescente não obtiveram

ainda por parte de pesquisadores, especialistas em comunicação social

e instituições ligadas à defesa dos direitos dos adolescentes, uma

análise ampla e profunda que permitisse fazer uma análise geral da

questão. Entretanto, estudos específicos vêm apontando preocupações

cada vez maiores com o poder que esses meios tem em impor valores e

atitudes.

A boa notícia vem de alguns dos chamados cadernos teens, encartadosnos jornais em todo o País. Com aparência, linguagem e temáticas

especialmente produzidas para comunicar-se com os adolescentes,

representam o melhor esforço na tentativa de deixar de tratá-los como

consumidores e tratá-los como cidadãos. Centrando a pauta no temas de

interesse do adolescente, abordam desde questões do meio ambiente e

da sociedade em que o adolescente está inserido até questões mais

íntimas da sua sexualidade, seus sonhos e seus desejos, apresentando

informações mais precisas e conteúdos mais realistas.

O rádio e a televisão, meios que mais atingem os adolescentes, são

marcados pela ambigüidade. Convivem num mesmo universo iniciativas

de debate crítico dos problemas sociais, informações consistentes

sobre abuso de drogas, prevenção da gravidez e das doenças sexualmente

transmissíveis e da AIDS, orientação para educação e a escolha

profissional com programas de banalização da violência, erotização

exacerbada da adolescente com respectiva valorização de comportamentos

machistas dos adolescentes, como pode ser verificado nas análises de

mídia dos jovens produzida pela ANDI anualmente.

Há ainda as revistas especialmente dirigidas a esse público, criadas

para alavancar o mercado dos produtos para adolescentes. Constituíram-

se elas mesmas em produtos descartáveis com informação e abordagens

superficiais e por vezes prejudiciais ao desenvolvimento sadio e

harmonioso dos adolescentes. Provocadas pelo debate público e por

alguns estudos críticos, algumas delas começam a descobrir sua

função social mais relevante, incluindo em suas pautas uma preocupação

em contribuir para a informação de qualidade e a divulgação de

experiências nas quais adolescentes são protagonistas de iniciativas

para enfrentar problemas sociais e contribuir para um mundo melhor.

Com o objetivo de situar o debate sobre mídia e adolescência, essas

rápidas observações apontam para a necessidade de uma maior atenção

de todos os setores preocupados com a promoção e a garantia dos

direitos dos adolescentes, no sentido de estabelecer critérios éticos

que lhes assegurem uma atenção adequada, seja como sujeitos da

programação ou como público leitor, ouvinte ou telespectador.