derivas da comunicação: a cidade pelo olhar da...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Daniela Costa Derivas da comunicação: A cidade pelo olhar da artemídia Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação e Semiótica, sob a orientação da Profa. Doutora Giselle Beiguelman. Mestrado em Comunicação e Semiótica São Paulo 2007

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULOPUC-SP

Daniela Costa

Derivas da comunicação:A cidade pelo olhar da artemídia

Dissertação apresentada à Banca Examinadora daPontifícia Universidade Católica de São Paulo, comoexigência parcial para obtenção do título de Mestre emComunicação e Semiótica, sob a orientação da Profa.Doutora Giselle Beiguelman.

Mestrado em Comunicação e Semiótica

São Paulo2007

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Banca examinadora

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Agradeço a Deus pela vida,a meus Anjos da Guarda pela proteção,a meus pais pelo amor e compreensão,

a minha orientadora pela saberia.

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Inscrição

Sou entre flor e nuvem,estrela e mar.

Por que havemos de ser unicamente humanos,limitados a chorar?

Não encontro caminhosfáceis de andar

Meu rosto desorienta as firmes pedrasque não sabem de água e de ar.

E por isso levito.É bom deixar

um pouco de ternura e encanto indiferentede herança, em cada lugar.

Rastro de flor e estrela,nuvem e mar.

Meu destino é mais longe e meu passo é mais rápido:a sobra é que vais devagar.

(Cecília Meireles)

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DERIVAS DA COMUNICAÇÃO: A CIDADE PELO OLHAR DA ARTEMÍDIA

Daniela Costa

“Deriva: modo de comportamento experimental ligado às condições dasociedade urbana: técnica da passagem rápida por ambiências variadas.Diz-se também, mais particularmente, para designar a duração de umexercício contínuo dessa experiência”. Esta definição encontra-se em ummanifesto de 1958, da Internacional Situacionista. Registrando comfotografias, textos e filmes suas experiências, os situacionistaspercorriam a cidade em busca de “espaços vazios”, locais que, ao menosem termos turísticos ou arquitetônicos não possuíam significação, masque, para eles, tinham uma grande carga afetiva. Hoje a cidade é maisum hipertexto do que uma colagem, um emaranhado de caminhos que sebifurcam, por onde passam os fluxos – de informação e comunicação, detransporte, de capital – onde vivem seres que estão quase sempre, emmovimento, seja por escolha ou por necessidade. Nesse contexto,floresce uma outra forma de deriva, que se vale do próprio aparatotecnológico da cidade, como painéis eletrônicos e redes de comunicação,além de utilizar GPS, laptops, celulares e simuladores virtuais paracartografar a cidade, produzindo narrativas urbanas multilineares,coletivas e incitando à mobilidade. São essas manifestações artísticas oobjeto de estudo desta pesquisa, que se caracteriza como um recortesobre a deriva enquanto prática artística.

comunicação – espaço urbano – arte – literatura – artemídia – narrativa

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“Dérive: a way of experimental behavior that is linked to the urban societyconditions: a technique of rapid passage through varied ambiances. Moreparticularly, it is also said to designate the duration of an ongoing exercisefrom this experience”. This definition is found in a declaration made in1958 by the Situationist International. By registering their experiences withphotographs, texts and films, the situationists roamed about the city insearch of “empty spaces”, places that had no meaning at least in touristicor architectonic terms, but the situationists liked them so much. Today thecity is more a hypertext than a paste-up. It is an entanglement of ways thatare bifurcated, and flows – concerning information and communication,transport, capital – pass through these ways where there are humanbeings are nearly always in motion, either by choice or need. In thiscontext, it comes up an other form of dérive that makes use of the citytechnological apparatus – such as electronic panels and communicationnetworks – GPS, laptops, cell phones and virtual simulators to map thecity, creating collective, multilinear urban narratives and stimulating themobility. These artistic manifestations are the study purpose of thisresearch that is characterized as a depiction on dérive while being artisticpractice.

comunication – urban space – art – literature – midia art – narrative

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SUMÁRIO____________________________________________________

INTRODUÇÃO .......................................... Erro! Indicador não definido.

DERIVAS, DEAMBULAÇÕES E ARTE.... Erro! Indicador não definido.1.1 A cidade banal ....................................................Erro! Indicador não definido.1.2 A cidade inconsciente .........................................Erro! Indicador não definido.1.3 A cidade nômade ................................................Erro! Indicador não definido.1.4 O espaço entrópico.............................................Erro! Indicador não definido.1.5 A busca de um lugar na cidade...........................Erro! Indicador não definido.

ESPAÇO URBANO E MOBILIDADE........ Erro! Indicador não definido.2.1 A vida no espaço informacional ..........................Erro! Indicador não definido.2.2 A apologia da mobilidade....................................Erro! Indicador não definido.

HIPERTEXTOS URBANOS ...................... Erro! Indicador não definido.3.1 Relatos urbanos..................................................Erro! Indicador não definido.3.2 Derivas informacionais........................................Erro! Indicador não definido.3.3 A imersção como deriva......................................Erro! Indicador não definido.

CONCLUSÃO ........................................... Erro! Indicador não definido.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..... Erro! Indicador não definido.20

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ЏINTRODUÇÃO1

____________________________________________________

O mundo é vasto demais. Vasto e complexo demais para caber em minha pequenacabeça. Por isso, uso um truque que é o seguinte: um a um, pego pequenos pedaços demundo e tento compreende-los o melhor possível. Coleciono esses pedacinhos do mundoem vitrines na minha cabeça. Cada vez que pego um novo pedaço do mundo, procuro emminha coleção até encontrar um pedaço parecido. Arquivo o novo pedaço na ordem certaem minha coleção, assim expandindo meu conhecimento, e uso o que aprendi com outrospedaços do mundo para me ajudar a compreender o novo pedaço. Acho que todo mundofaz isso. Mas, é claro, isso não quer dizer que eu compreenda o mundo. Pelo menos,compreendo minha coleção. Por isso, é importante sempre fazer novas ligações, criarnovas conexões entre os pedaços do mundo.

Florian Talhofer – Alemanha – depoimento para a exposição FILE-São Paulo, 2005, referente à iStoryBox.

Havia um tempo que os homens partiam em longas viagens com o intuito de

investigar os lugares, colhendo dados diversos, impressões pessoais,

realizando anotações e produzindo representações dos locais visitados.

Quando voltavam, eram chamados a relatar tudo que vivenciaram, em

especial, as paisagens que tinham visto, a que distância elas se encontravam

do ponto inicial da viagem, qual o trajeto que se deveria realizar para chegar

até elas. Era uma forma de relato de viagem, que objetivava produzir um

mapeamento do espaço por meio da descrição. Por isso, muitos mapas

1 O símbolo Џ foi utilizado em uma referência ao Ka - desenho de um ser de braços erguidosem direção ao céu – que representava para os povos nômades do período neolítico a eternaderiva.

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medievais são geralmente conjuntos de traços, constituem-se, na verdade,

representações de um percurso.

Caminhar era e é uma forma de descobrir espaços. Esta é uma afirmação que

se relaciona com as idéias de Michel de Certeau, para quem caminhar era,

comparado ao ato de ler, uma forma de apropriar-se do espaço, da produção

do outro, atribuindo sentido e construindo uma nova escritura sobreposta a de

tantos outros que já passaram por aquele local:

Sem dúvida o ato de caminhar e de viajar suprem saídas, idas e vindas, garantidos

outrora por um legendário que agora falta aos lugares. A circulação física tem a função

itinerante das ‘superstições’ de ontem ou de hoje. A viagem (como a caminhada)

substitui as legendas que abriam o espaço para o outro. Num corolário, pode-se medir

a importância dessas práticas significantes (contar lendas) como práticas inventoras

de espaços. (CERTEAU, 1994, v. 1, p. 187).

Caminhar é uma, entre muitas outras formas, de atribuir significado ao espaço.

Foi também o ato utilizado por muitos movimentos artísticos para manifestar

suas idéias com relação à sociedade e à própria arte. Em 14 de abril de 1921,

durante as apresentações que abriam a Grand Saison Dada, aconteceu a

primeira excursão dadaísta, de muitas que haviam sido planejadas. A excursão

consistia em uma visita ao pátio da igreja de Saint-Julien-le-Pauvre, no centro

de Paris, um lugar, aparentemente banal, comum, composto por um pequeno

jardim que poderia ter sido encontrado em qualquer outro ponto da cidade. O

objetivo era realmente esse, demonstrar que a arte podia se encontrar nos

elementos mais banais.

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A importância desse evento está justamente no fato de transformar a maneira

de representar o espaço e o movimento – sendo este um dos temas mais

presentes nas produções da época – passando de uma forma tradicional, como

uma pintura, por exemplo, para uma ação efetiva no espaço urbano, o próprio

ato de andar, de se movimentar pela cidade torna-se a obra. É também um

exemplo de como a arte pode ajudar a construir uma imagem diferenciada dos

lugares. Um jardim aparentemente sem significado, de repente, torna-se parte

da produção dadaísta, marcado por uma idéia.

Infelizmente esta foi a primeira e a única excursão realizada pelos dadaístas,

mas ela influenciaria outros movimentos artísticos posteriores. Três anos

depois, André Breton e os integrantes do Surrealismo – alguns deles, como o

próprio Breton, remanescentes do Dadaísmo e, assim, herdeiros daquela

primeira excursão – promoveriam uma nova caminhada. O itinerário, escolhido

ao acaso, consistia em sair de Paris e seguir de trem até Blois, uma pequena

cidade do interior, prosseguindo a pé até Romorantin, conversando e

caminhando durante vários dias seguidos.

Influenciados pelas teorias de Zigmund Freud, os surrealistas buscavam

descobrir nessa “deambulação” o inconsciente do espaço, agir de forma

automática e aleatória, deixando o pensamento fluir livremente, como uma

espécie de escritura no espaço real, uma construção narrativa regida apenas

pelos fluxos de idéias e pautada no percurso errático pelo espaço.

Mas foi o movimento Internacional Situacionista que mais profundamente se

dedicou à prática do perambular como forma de interagir com o espaço, além

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de, ferramenta de expressão artística e política. A psicogeografia era a idéia

principal do movimento, cujo objetivo era mapear o comportamento afetivo dos

indivíduos em determinados espaços, sendo a deriva – o ato de andar sem

rumo, buscando os “espaços vazios” da cidade, ou seja, aqueles espaços que,

em termos arquitetônicos e urbanísticos, não possuíam utilidade, mas que,

para os situacionistas podiam conter muitos significados. A deriva era uma

prática que ia contra as regras da arte e do consumo, uma ação que não

deixava pistas, não se preocupava com a representação e nem com sua

conservação no tempo.

O fio que liga os três movimentos está na apreensão do espaço como forma

artística e, por outro lado, no uso da arte como ferramenta de ressignificação

do espaço, não apenas produzindo representações, mas fazendo do ato de

caminhar, do ambiente visitado um objeto, extraindo dele os sentidos que lhe

são inerentes.

No contexto contemporâneo, a mobilidade é um dos pilares da vida cotidiana,

aparelhos os mais variados são fabricados para permitir que cada vez mais os

seres possam realizar suas tarefas em trânsito. Estar em mais de um local ao

mesmo tempo tornou-se uma prática comum, além de percorrer longas

distâncias em minutos; de carregar para onde quiser diversas informações,

como dados pessoais, arquivos de trabalho, músicas, vídeos, fotos; em muitas

ocasiões, inclusive, visitar pessoas e locais sem sair do lugar. Entre os

aparelhos que permitem essa mobilidade estão os celulares, a internet, os

computadores portáteis, as web cams etc. São os novos nômades.

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Essa profusão de equipamentos capacita os seres a fazerem leituras cada vez

mais fragmentárias, relacionando textos, imagens e sons, e os obriga a

desenvolver uma atitude mais seletiva frente à grande quantidade de

informações a que estão expostos. Por outro lado, incita os seres a terem um

comportamento mais descentrado; a manter relações mais efêmeras, sem se

fixar aos locais e às pessoas, a interpretar os espaços, mesmo o urbano, como

um grande hipertexto. Esse comportamento ganhou até um nome: zapping,

sendo seu praticante o zapeador.

Nesse espaço que prima pela mobilidade e a velocidade, pelo desenvolvimento

de ambientes que possibilitem essa circulação de fluxos, surgem obras que

irão hibridizar os espaços concretos das cidades com imagens virtuais, em

computadores, GPS, celulares etc. Estas obras utilizam-se desse espaço

informacional, das ferramentas tecnológicas nele disponíveis, para promover a

interação com a cidade e buscar atribuir novos sentidos ela.

E a cidade, pelo olhar dessas obras, se converte numa rede de textos, sons e

imagens. Cada ponto do espaço urbano, suas ruas, edifícios, terrenos baldios

ou semiconstruídos, transforma-se em uma fonte de informação. Caminhar

pela cidade, descobrindo esses pontos assemelha-se a navegar por um

hipertexto, ou seja, realizar uma leitura multilinear, pautada no percurso e não

no plano. A obra, assim como nas produções artísticas dadaístas, surrealistas

e situacionistas, é o próprio ato de percorrer o espaço ou relatar as

experiências nele vividas, constituindo uma manifestação que produz textos

literários disponibilizados na internet, relatórios, imagens, vídeos, constituindo-

se numa produção coletiva, sem autor; assim como a própria cidade, um

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conjunto de elementos arquitetônicos de diversas épocas, símbolo do ideal de

urbanistas diversos.

Os três capítulos que compõem este estudo são dedicados a realizar um

recorte acerca relação entre a arte, os meios de comunicação e o espaço

urbano, sendo o objetivo demonstrar como a artemídia, ao utilizar-se das

ferramentas comunicacionais e informacionais atualiza as práticas de

apreensão do espaço realizadas pelos artistas dadaístas, surrealistas e

situacionistas, entre outros, ou cria novas formas de interagir com o urbano.

O primeiro capítulo dedica-se a realizar um resgate das principais produções

que precederam as obras atuais, como as vanguardas já citadas e outras,

assim como, as manifestações landartistas, as de grupos como o Fluxus e o

Archigram.

O segundo capítulo tem como objetivo constituir um panorama do espaço

urbano contemporâneo, das modificações nele operadas pelo desenvolvimento

dos meios de comunicação e informação e pela arquitetura dedicada à

mobilidade. Nesse capítulo encontra-se também uma descrição dos efeitos

dessas alterações sobre os seres, suas formas de interagirem com o ambiente

e entre si.

Por fim, o terceiro e último capítulo, dedica-se à descrição e análise de

obras mais recentes que tem o espaço como objeto, meio de produção ou

tema. As obras estão divididas em quatro itens que relacionam-se com suas

estruturas de elaboração: Relatos urbanos – refere-se ao conjunto de

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narrativas e histórias, reais ou imaginárias, que têm as cidades como tema.

São sites que incitam a participação do público na busca de constituir uma

historiografia não-oficial da cidade, coletiva, formada pelas memórias de seus

colaboradores. Fazem parte também deste tópico, produções que enfatizam a

representação da vida cotidiana dos habitantes de grandes cidades, no intuito

de formar pequenas narrativas, cujos personagens são seres que estão

geralmente em trânsito, como em metrôs, aeroportos e trens; Derivas

informacionais: neste tópico estão reunidas obras que fazem uso de aparelhos

móveis, como laptops, palms, GPS, celulares, para mapear a cidade, tomando-

a como um grande texto e, por fim, o Ciberespaços urbanos: uma investigação

acerca da construção de espaços urbanos virtuais e imersivos.

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1DERIVAS, DEAMBULAÇÕES E ARTE

Ter uma vida significa criá-la e recriá-la sem parar. O homem não pode ter uma vida senão a criou por si mesmo. Quando a luta pela existência for apenas uma lembrança, elepoderá, pela primeira vez na história, dispor livremente de toda a duração de sua vida.Conseguirá, com plena liberdade, moldar na sua existência a forma de seus desejos. Emvez de ficar passivo diante de um mundo que não o satisfaz, ele vai criar um outro, ondepoderá ser livre. Para poder criar a sua vida, precisará criar esse mundo. E essa criação,como a outra, é parte de uma mesma sucessão ininterrupta de recriações. Nova Babilôniasó poderá ser obra dos seus habitantes, unicamente o produto de sua cultura. Para nós,ela só é um modelo de reflexão e jogo.

Constant Nieuwenhuys, Nova Babilônia

Los Angeles – Equipado de um aparelho GPS (Global Positioning System), um

laptop e fones de ouvido, um indivíduo caminha pela cidade. Enquanto anda e

observa os locais, guiado pelo aparelho de posicionamento, o interagente

constrói um mapa do seu percurso. Ao mesmo tempo, pelos fones e na tela do

laptop, ele recebe informações dos lugares por onde passa: histórias,

mitologias e lendas, poemas, referências a outras obras artísticas, imagens e

uma série de outros dados que contextualizam o trajeto percorrido, como se o

indivíduo interagisse com o espaço, transitando pelo tempo: o presente, que

ocorre no momento em que caminha e o passado, referente aos textos que

ouve, lê ou observa nos aparelhos que carrega. Esses conhecimentos, aliados

às percepções do indivíduo, formam uma espécie de patchwork, uma colcha de

retalhos (de textos, sons e imagens) sobre a cidade.

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Paris – Um artista caminha pela cidade aleatoriamente, carrega uma câmera

fotográfica e, enquanto anda, registra imagens de edifícios, pessoas, terrenos

baldios, becos etc.; também recolhe folhetos de publicidade, cartões postais,

cartazes e mais uma série de papéis, aparentemente sem sentido. Ao chegar

em casa, toma um mapa da cidade e o recorta, selecionando apenas os pontos

do espaço urbano considerados (pelas autoridades, construtores e até por

arquitetos) menos importantes, ou seja, deixa de fora os pontos turísticos ou

mais tradicionais. Cola, aleatoriamente, em uma folha de papel, esses pedaços

desconexos da cidade, reservando alguns espaços vazios entre as partes do

mapa, nos quais, cola logotipos, pedaços de fotos, trechos de informes

publicitários etc. Sua obra torna-se um mapa psicogeográfico da cidade,

composto apenas dos pontos com os quais o artista se identifica, que lhe

causam um sentimento.

Comparando os dois projetos, pode-se afirmar que eles são bastante

semelhantes. Ambos trabalham com o cenário urbano e o percebem de uma

forma parecida, isto é, como um grande texto a ser lido por meio do caminhar,

em cada local um campo informacional a se abrir para o leitor. Não um texto

com um significado já determinado, mas sim uma infinidade de frases –

representadas por cada ponto da cidade: as ruas, os prédios, as casas, as

praças, as galerias, as casas mais humildes e as mais abastadas etc. – que

são combinadas de acordo com a interpretação de cada pedestre.

Ao mesmo tempo, apesar das semelhanças, estes dois projetos possuem uma

diferença fundamental, qual seja o fato de estarem separados no tempo por

cerca de cinqüenta anos. O primeiro ocorreu realmente em um antigo distrito

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industrial de Los Angeles, por volta de 2003. Refere-se, na verdade, a um

projeto de experimentação narrativa com mídias híbridas (GPS, Internet,

gravações de áudio e vídeo etc.) chamado 34north118west2, concebido por

Jeff Knowlton, Naomi Spellman e Jeremy Hight (LEÃO, 2004). Já o segundo é

uma simulação da forma de produção do movimento Internacional

Situacionista, que atuou do início de 1950 até meados de 1970.

Como demonstra esta comparação, as ferramentas mudaram, e muito. Da

colagem no papel para as telas de computadores portáteis. Da caminhada

aleatória, perdendo-se pelos espaços, para o sistema de localização via

satélite. Mas os objetivos dos artistas, ao realizarem estas caminhadas pela

cidade, de certa forma, ainda se assemelham. Nos dois casos, o que se

pretende é ressignificar o espaço urbano, escapar dos lugares-comuns, como

os pontos turísticos, já tão saturados de significados. Eles pretendem descobrir

a cidade, mas uma cidade real, com suas diferenças, opressões, suas ruas,

seu trânsito.

Mas, antes de entrar na análise mais profunda de obras como 34north118west

– objetivo proposto nesta pesquisa – como demonstrou a descrição acima,

acerca da obra situacionista, é relevante realizar um panorama da relação da

arte com o espaço urbano, investigando esses antecedentes artísticos que,

pode-se afirmar, são como os antepassados das derivas ou errâncias atuais.

2 Para maiores informações sobre o projeto 34north118west basta acessar o sitehttp://www.34n118w.net/

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O primeiro movimento é o Dadaísmo, visto que a primeira (e única!) excursão

dadaísta foi, em alguns aspectos, a inspiração ou o ponto de oposição para as

derivas surrealistas e para as teorias de (re)construção do espaço operadas

pelos situacionistas e, de certa forma, antecedem as obras realizadas na Land

art. O fato de o Dadaísmo influenciar os movimentos posteriores, condiciona

uma descrição cronológica, o que não significa, é sempre importante frisar, que

um movimento tenha anulado o outro quando de seu surgimento, muito pelo

contrário, estas manifestações artísticas, muitas vezes, aconteceram

simultaneamente.

1.1 A cidade banal

Durante os primeiros anos do século XX, o tema do movimento foi um dos objetivos

principais das investigações das vanguardas. O movimento e a velocidade haviam se

consolidado como uma nova presença urbana que podia ser observada tanto nos

quadros dos pintores como nos versos dos poetas. No princípio, realizaram-se

tentativas de fixação do movimento através dos meios tradicionais de representação.

Contudo, depois da experiência dadaísta se passou da representação do movimento à

sua prática no espaço real. A partir das excursões dadaístas e das posteriores

deambulações dos surrealistas, o ato de percorrer o espaço seria utilizado como forma

estética capaz de substituir a representação e, por conseguinte, todo o sistema da

arte. (CARERI, 2002, p. 70)

“O que é Dada?”, essa foi a pergunta feita aos leitores da revista Der Dada,

publicada em Berlim em dezembro de 1919. No mesmo texto, uma série de

dados tentava sugerir uma resposta, que poderia variar desde um brinquedo

infantil até um seguro contra incêndio (ELGER, 2005, p.6), o que levaria à

conclusão de que dada significava nada e, ao mesmo tempo, tudo. A

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contradição expressa nesse artigo era, na verdade, a marca registrada do

movimento.

A ingenuidade do termo e, ao mesmo tempo, a liberdade de interpretação que

proporcionava, combinava com a negação das convenções burguesas, das

tradições da arte e da literatura e das estruturas formais da sociedade.

Estabelecidos em cidades como a já citada Zurique e, também, em Berlim,

Hanôver, Colônia, Nova Iorque, Paris, entre outras, os dadaístas contaram com

um amplo apoio internacional. Em cada local, um tipo diferente de

manifestação: em Zurique apresentavam produções literárias no palco; em

Berlim, configurava-se em protesto político; em Colônia, dedicavam-se ao

aperfeiçoamento da criação de imagens e assim por diante.

Seus trabalhos eram a expressão de uma oposição às convulsões sociais e

políticas da época, exposta em obras artísticas visuais anárquicas, irracionais,

contraditórias e sem sentido. Suas ações primavam pelo aspecto prático, ativo,

com o objetivo de fazê-las surtir efeito em seu próprio tempo. Escândalo,

choque e surpresa eram as reações mais constantes nas apresentações

dadaístas, que geralmente acabavam em tumulto e distúrbios. O que levava as

autoridades a perseguir o movimento, proibindo o funcionamento de revistas,

prendendo ativistas, fechando exposições ou confiscando obras. Era a tática de

rejeição às regras e ruptura de todas as barreiras, assim como descreve Hugo

Ball:

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A nossa tentativa para entreter o público com coisas artísticas impele-nos, de maneira

instrutiva, assim como estimulante, para o ininterruptamente vivo, novo e ingênuo. É

uma corrida com as expectativas do público, que exige todos os nossos poderes de

invenção e argumento. (ELGER, 2005, p. 10).

Ao contrário dos futuristas e dos expressionistas, eles não viam na guerra

nenhum ato coletivo heróico para a juventude européia. Jovens idealistas como

eles, nomes que integravam movimentos críticos e artísticos, como Umberto

Boccioni, August Macke, August Stramm e Franz Marc, foram abatidos em

guerra. Todo esse clima de horror indignava os dadaístas, que reclamavam

uma atitude dos habitantes das nações em guerra contra essa condição

insustentável. Hans Arp diz que os dadaístas queriam “destruir as fraudes da

razão e descobrir uma ordem irracional” (ELGER, 2005, p.8).

Esse contexto de guerra e violência marcou muito a arte dadaísta. Em suas

produções podia-se encontrar poemas sonoros fonéticos sem sentido,

nomeados de poemas simultâneos porque eram lidos ao mesmo tempo por

diversos intérpretes posicionados no palco, uma referência ao som das

trincheiras e da dinâmica da vida urbana moderna. Nesses poemas sonoros, a

ordem tradicional, o som e o significado eram abolidos, sendo as palavras

esquadrinhadas, dissecadas em sílabas individuais, levando ao esvaziamento

de sentido da linguagem, como forma de devolver-lhe a “sua imaculada

inocência e pureza” perdidas com o jornalismo. (ELGER, 2005, p. 12).

Praticavam também a colagem, uma inspiração no Cubismo de Pablo Picasso

e Georges Braque, e a fotomontagem. Os objetivos propostos nos poemas

sonoros simultâneos, combinados às colagens, também estavam presentes

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nos poemas aleatórios, construídos por meio do recorte de trechos de

diferentes textos, escolhidos e dispostos ao acaso.

As performances dadaístas eram um dos pontos altos de suas produções. Em

uma dessas apresentações, organizada por André Breton, na Salle Gaveau, os

integrantes aparecem vestidos com revólveres amarrados à cabeça, roupa de

bailarina clássica, avental ou apenas com as mangas da camisa. Assim um

crítico da época descreve essa apresentação:

Com o mau gosto que os caracteriza, desta vez os dadaístas se utilizaram de táticas

oriundas do terrorismo. A cena aconteceu num sótão, com todas as luzes apagadas.

De uma tampa aberta, se escutavam gemidos. Algum engraçadinho, escondido atrás

de um armário, xingava o público. Os dadaístas, de avental branco, iam e vinham no

palco: Breton mastigando fósforos, Ribemont-Dessaignes gritando a todo instante –

‘chove sobre a caveira’, Aragon estava engaiolado, Soupault brincava de ‘esconde-

esconde’ com Tzara, enquanto Benjamin Péret e Serge Charchoun brincavam de se

estapear as mãos (...).(GLUSBERG, 1987, p. 19).

Das performances dadaístas, uma das mais significativas aconteceu em 14 de

abril de 1921. A apresentação abria a Grand Saison Dada e tinha como

objetivo renovar os propósitos do grupo que, nessa época, estava em um

período de diferenças e polêmicas internas. Ela inauguraria, também, o que

seria uma série de excursões aos lugares mais banais da cidade, mas que,

infelizmente, se reduziu apenas a esta, uma visita de dez dadaístas à Igreja de

Saint-Julien-le-Pauvre, no centro de Paris:

(...) O grupo convida ‘seus amigos e seus adversários’ para este evento que prometia

reproduzir um típico passeio de turistas ou colegiais. É lógico que a verdadeira

finalidade era a mesma de sempre, a de desmitificar atitudes. (...) Umas cinqüenta

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pessoas se juntam para a visita, que transcorreu sob uma forte chuva. Breton e Tzara

ficam provocando o público com discursos, Ribemont-Dessaignes se faz de guia –

diante de cada coluna ou estátua ele lê um trecho, escolhido ao acaso, do Dicionário

Larousse. Depois de uma hora e meia os espectadores começam a se dispersar.

Recebem então pacotes contendo retratos, ingressos, pedaços de quadros, figuras

obscenas e até notas de cinco francos com símbolos eróticos. (GLUSBERG, 1987, p.

20).

Hans Richter descreve esta primeira excursão como um grande fracasso:

The first excursion was to be on 14th April, to Saint-Julien-le-Pauvre. This was a

deserted, almost unknown church in totally uninteresting, positively doleful

surroundings. More excursions were due to take place later. The guides were to be

Gabrielle Buffet (Picabia’s first wife), Aragon, Breton, Eluard, Fraenkel, Huszar (of De

Stijl), Péret, Picabia, Ribemont-Dessaignes, Rigaut, Soupault and Tzara. Picabia

backed out at last moment, as he usually did on public occasions. (...) This first

excursion, manned by the whole Dada group, was a complete failure. It rained, and no

one came. This idea of further similar enterprises was abandoned. (RICHTER, 2004,

183-184).

Mas, essa passagem, como diz Breton, “das salas de espetáculo para o ar

livre” (CARERI, 2002, p. 69) é tido como o primeiro passo de uma grande série

de excursões, deambulações e derivas que atravessarão todo o século.

A inovação da ação dadaísta está em passar de uma representação tradicional,

uma pintura, por exemplo, para uma ação efetiva no espaço urbano. O próprio

ato de andar, de se movimentar pela cidade torna-se a obra.

Os futuristas também tinham o espaço urbano como objeto, a cidade futurista

era uma cidade atravessada por fluxos de energia e por torvelinhos de massas

humanas, uma cidade que havia perdido qualquer possibilidade de uma visão

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estática, e que se punha em marcha com os automóveis a toda a velocidade,

com as luzes, com os ruídos, com a multiplicação dos pontos de vista

prospectivos, e com a metamorfose constante do espaço. Mas essa

performance dadaísta pelo espaço urbano torna-se muito mais significativa por

incorporar o elemento de interferência efetiva no ambiente.

Os dadaístas se declaravam “contra o futuro” por considerar que ele já estava

sendo vivido no presente, onde eles poderiam encontrar todas as classes de

universos possíveis. A cidade dadaísta era marcada pela banalidade, onde as

utopias hipertecnológicas dos futuristas foram abandonadas, pois, seu objetivo

era a dessacralização da arte e uma das maneiras de alcançá-la era por meio

destas visitas aos lugares insignificantes da cidade, uma união da arte com a

vida, de estar no meio do público, misturar-se a ele, ao invés de esperá-lo nas

casas de espetáculo.

Trata-se do mesmo cenário – a Paris do século XX – por onde o flâneur,

eternizado na obra de Walter Benjamin, operava suas errâncias, seus passeios

vagarosos de contemplação da cidade e da vida cotidiana, opostos à

velocidade da modernidade. Os dadaístas elevam essa ação ao nível de

atitude estética. Apesar de se constituir em uma atitude apenas simbólica – o

ato de andar – ao realizarem esta apresentação, os dadaístas se aproximam

dos arquitetos e urbanistas, se inserem em uma tradição intervencionista que

estava reservada apenas a eles.

Para o arquiteto Francesco Careri, essa primeira ação dos dadaístas tem um

grande valor artístico:

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(...) o readymade urbano realizado em Saint-Julien-le-Pauvre representa a primeira

operação simbólica que atribui um valor estético a um espaço em vez de a um objeto.

O Dadaísmo passa da tradução de um objeto banal ao espaço da arte e a tradução da

arte – através da pessoa e dos corpos dos artistas – a um lugar banal da cidade.

(CARERI, 2002, p. 76).

Nesta operação, eles não deixaram marcas, não construíram nenhuma

escultura ou pintura, o que se produziu foram relatórios da visita, fotografias

que a documentaram e, posteriormente, os artistas desenvolveram poemas e

textos dedicados ao acontecido, mas a verdadeira produção estava realmente

no fato de terem concebido a ação e de estarem naquele pequeno jardim em

frente à igreja, um jardim como tantos outros, um jardim quase doméstico,

banal, sem o glamour dos locais turísticos, insignificante se comparado à

catedral de Notre Dame, por exemplo, mas que, durante a performance adquire

um significado novo, artístico.

Para Francesco Careri, talvez esse seja o motivo de não terem mais havido

outras excursões, o fato de a ter realizado naquele local equivalia a ter

realizado o mesmo evento por toda a cidade.

Apesar de ainda experimentarem, em Paris, um certo entusiasmo após a

reunião de muitos integrantes da primeira fase do movimento em Zurique, os

novos manifestos e publicações não foram suficientes para renovar o

movimento, uma vez que, com o fim da guerra, não tinham mais um objetivo

comum que os unia. Como observava André Breton: “São acima de tudo as

nossas diferenças que nos unem”, mas tais diferenças foram se tornando cada

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vez maiores, levando a um desentendimento entre Tzara e Breton em 1921,

uma cisão que abalaria definitivamente o movimento.

Após conhecer as teorias de Freud, André Breton intensificou em suas

produções o caráter automático e aleatório, deixando de lado as contribuições

dadaístas agressivas, provocadoras e satíricas, substituindo-as por uma

literatura sem controle racional, baseada no subconsciente. Suas descobertas

foram publicadas no Primeiro Manifesto Surrealista, em 1924, sendo bastante

aceito por diversos artistas e escritores que buscavam técnicas renovadas de

construção artística, principalmente no momento em que o Dadaísmo perdia

sua influência e razão de ser. Paul Eluard, Philippe Soupaullt, Francis Picabia,

Hans Arp, Man Ray e Max Ernst entusiasmaram-se com a idéia de Breton e a

ele se juntaram para formar o movimento Surrealista, ao qual, em 1929, Tristan

Tzara também iria se unir.

Ao fundar o Surrealismo, André Breton levou consigo a idéia de buscar um

inconsciente da cidade. É também a ela que voltaram os situacionistas e suas

percepções do ambiente urbano. E, como observado no início desse texto, com

a descrição do projeto 34north118west, tal ação tem estreita relação com

muitos projetos artísticos realizados atualmente.

1.2 A cidade inconsciente

A desconfiança frente à sociedade após o fim da Primeira Guerra, numa atitude

de negação da posição burguesa de onipotência e superficialidade, baseada

na confiança nos feitos tecnológicos e científicos, tinha como resposta uma

nova produção anti-arte. O Dadaísmo já não conseguia manter o mesmo

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interesse do público, até porque suas atitudes quase sempre chocantes e

irônicas já não produziam o mesmo efeito. Foi nesse contexto que André

Breton formulou as bases do Surrealismo, movimento que, segundo ele, iria

causar uma mudança efetiva, tanto no aspecto social da existência humana,

quanto psicológica.

David Harvey, ao descrever este período, lembra da necessidade de se

construir novas bases sócio-culturais nas quais se pudesse basear, novos

mitos em quem ou no que se inspirar:

O trauma da guerra mundial e de suas respostas políticas e intelectuais abriu caminho

para uma consideração daquilo que poderia constituir as qualidades essenciais e

eternas da modernidade relacionadas na parte inferior da formulação de Baudelaire.

Na ausência de certezas iluministas quanto à perfectibilidade do homem, a busca de

um mito apropriado à modernidade tornou-se crucial. O escritor surrealista Louis

Aragon, por exemplo, sugeriu que seu objetivo central em Paris passant (escrito nos

anos 20) era elaborar um romance ‘que se apresentasse como mitologia’,

acrescentando: ‘naturalmente, uma mitologia do moderno’. (HARVEY, 2006, p. 38).

Entusiasmado com as obras de Freud, Breton imaginava ter chegado

finalmente o momento em que a arte poderia se libertar da razão, lutar contra a

cultura repressora, deixando aflorar o subconsciente e a imaginação, como ele

mesmo narra:

(...) Totalmente ocupado como ainda estava com Freud naquela altura, e familiarizado

como estava com os seus métodos de investigação que eu tive a breve ocasião de

usar em alguns pacientes durante a guerra, resolvi obter de mim mesmo o que

estávamos a tentar obter deles, nomeadamente um monólogo falado tão rapidamente

quanto possível sem qualquer intervenção por parte das faculdades críticas, um

monólogo conseqüentemente não obstruído pela mais ligeira inibição, e que era, tão

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rigorosamente quanto possível, parecido com o pensamento falado. (KLINGSOHR-

LEROY, 2004, p. 8).

A investigação a que Breton se refere no texto, na verdade, refere-se à técnica

da “associação livre”, que ele e Phillipe Soupault trabalharam durante muito

tempo e cujos resultados foram reunidos na publicação Les champs

magnétiques (Campos magnéticos), considerada a primeira manifestação da

“escritura automática”, que seria uma das marcas do movimento. Ela

representa, para o escritor, “a necessidade de permitir que a criatividade se

alimente dos níveis mais profundos do inconsciente, dos sonhos e alucinações

e que, ao mesmo tempo, exclua o mais possível o pensamento racional.”

(KLINGSOHR-LEROY, 2004, p. 8).

A visão de uma máquina de costura e um guarda-chuva sobre uma mesa de

operações desencadeava as mais diversas divagações poéticas. Quanto mais

non-sense, mais arbitrária a combinação de elementos, melhores eram os

resultados.

O conceito da abertura do subconsciente tornou possível pensar de forma

diferente e permitiu analisar e arruinar a “civilização avançada” em relação à

qual os surrealistas eram tão críticos. Neste sentido, o que o Surrealismo, e em

particular a pintura surrealista, alcançou tinha menos a ver com a inovação

técnica do que com um novo entendimento da arte. O que era importante para

os surrealistas não era a obra de arte perfeita e autônoma, mas sim o processo

através do qual era criada e as idéias que transmitia. (ERNEST apud

KLINGSOHR-LEROY, 2004, p. 25).

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Há um artigo de Walter Benjamin dedicado ao movimento surrealista, em que

ele esboça alguns de seus pontos marcantes e se entusiasma com as técnicas

de produção artística baseadas no inconsciente, que, para o autor, significava

uma espécie de nova vida:

(...) Naquela oportunidade, quando irrompeu na forma de uma onda onírica engolfando

seus próprios criadores, parecia o que havia de mais integral, mais definitivo e mais

absoluto. Integrou em seu bojo tudo aquilo que tocava. A vida parecia digna de ser

vivida, apenas na medida em que a soleira a separar dormir e acordar era destruída

como por passos de inúmeras imagens a flutuarem desordenadamente, em que a

linguagem parecia autônoma, na qual som e imagem, imagem e som, se ligavam com

exatidão automática de maneira tão perfeita que não restava lugar algum para o

‘sentido’. (BENJAMIN, 1985b, p. 84).

Ao analisar a obra Nadja, de André Breton, Benjamin também destaca uma

aptidão especial nas percepções surrealistas com relação ao ambiente, em

especial, à miséria, aos aspectos que até então pareciam velados à arte e que

são expostos pelos artistas; o que, segundo ele seria um diferencial desse

movimento:

Antes desses videntes e augures ninguém percebeu até que ponto a miséria, e não

apenas a miséria social, mas da mesma forma a arquitetônica, a miséria dos

interiores, as coisas escravizadas e escravizantes são capazes de se transformar em

niilismo revolucionário. (...) Breton e Nadja é o casal de amantes que transforma em

experiência revolucionária, senão em ação, tudo aquilo que percebemos no curso de

tristes viagens na estrada de ferro (e os trens começam a envelhecer), em

acabrunhantes tardes domingueiras nos bairros proletários das grandes cidades, pela

olhadela através da janela coberta de chuva de uma residência nova. Eles conseguem

fazer explodir forças poderosas do ‘ambiente’, ocultas em todos esses objetos.

(BENJAMIN, 1985b, p. 86).

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Para Benjamin, essa aptidão para perceber os espaços e transforma-los em

objetos artísticos tem seu ponto mais marcante na cidade:

(...) No centro desse universo coisificado situa-se o mais sonhado dos seus objetos, a

própria cidade de Paris. Mas só a revolta consegue fazer aparecer na sua totalidade o

seu rosto surrealista. (Ruas absolutamente vazias, nas quais apitos e tiros ditam a

decisão.) E não há rosto algum que apresente a fisionomia tão surrealista quanto o

verdadeiro rosto da cidade. (BENJAMIN, 1985b, p. 87).

Passados três anos do evento na igreja Saint-Julien-le-Pauvre, alguns

integrantes do dadaísmo, agora reunidos sob o nome de surrealistas investem

em uma nova ação de deriva, mas, desta vez, por uma área muito maior e com

objetivos diferentes dos do Dadaísmo; a tese que os guia não é a de que a

sociedade precisa ser acordada para os horrores da guerra, mas a de que

deve-se buscar o inconsciente, agir de forma automática, aleatória, deixando

aflorar a origem do pensamento.

O itinerário foi escolhido ao acaso em um mapa, sair de Paris e seguir de trem

até Blois, uma pequena cidade do interior, prosseguindo a pé até Romorantin –

uma’deambulação’ – “conversando e caminhando durante vários dias

seguidos, como uma ‘exploração até os limites entre a vida consciente e a vida

sonhada,’” (BRETON, apud CARERI, 2002, p. 80-81). Na volta da viagem,

André Breton escreveria a introdução de Poisson soluble, que mais tarde se

converteria no Primeiro Manifesto do Surrealismo, e no qual aparecerá a

primeira definição de Surrealismo, tal a importância desse evento para o

movimento que nascia:

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(...) ‘um automatismo psíquico puro mediante o qual se propõe expressar verbalmente,

por escrito ou de qualquer outro modo, o funcionamento real do pensamento’.

(BRETON, apud CARERI, 2002, p. 81-82).

De certa forma, a viagem que aparentemente se mostrava sem finalidade ou

objetivo se converteu em uma escritura não automática no espaço real, uma

forma de errância literária impressa na forma de uma cartografia do sistema

mental.

Francesco Careri chama a atenção para o caráter onírico dessa viagem

surrealista, como um desejo de encontrar-se nos espaços distantes, quase

desertos, bucólicos, que representariam os limites do espaço real, como se o

momento da ação se situasse fora do tempo:

O percurso surrealista se situa fora do tempo, atravessa a infância do mundo e toma

as formas arquétipas da errância nos territórios empáticos do universo primitivo. O

espaço aparece como um sujeito ativo e vibrante, um produtor autônomo de afetos e

de relações. É um organismo vivo com caráter próprio, um interlocutor que sofre

alterações de humor e que pode freqüentar-se com o fim de estabelecer um

intercâmbio recíproco. O percurso se desenvolve entre armadilhas e perigos que

provocam em quem caminha um forte estado de apreensão, no duplo sentido de

‘sentir medo’ e ‘apreender’. Este território empático penetra na mente até seus estratos

mais profundos, evoca imagens de outros mundos onde a realidade e o pesadelo

convivem juntos, transporta o ser a um estado de inconsciência no qual o Eu ainda

não está determinado. (CARERI, 2002, p. 82-83).

O próprio significado da palavra “deambulação”, nome empregado ao ato de

caminhar surrealista, carrega em si o sentido de desorientação e abandono ao

acaso, alcançar com o ato de caminhar um estado de hipnose, buscando o

inconsciente do território. Foi esse intuito que levou os surrealistas a continuar

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suas deambulações, não mais pelos espaços campestres, mas pelos espaços

urbanos, as zonas marginais de Paris, mais uma vez palco de ações artísticas.

O livro de Louis Aragon, Le paysan de Paris aparece como um retrato dessa

nova atuação surrealista. Ao invés de quatro habitantes da cidade (Louis

Aragon, André Breton, Max Morise e Roger Vitrac) visitarem o campo, é um

camponês, o personagem ao qual se refere o título da obra, que se perde pela

cidade, é o ponto de vista daquele que observa a vertiginosidade do moderno

provocada pelo nascimento da metrópole. Uma descrição de lugares que estão

longe de fazerem parte dos itinerários turísticos, que pertencem a uma outra

cidade, menos monumental, mas mais real, mais perto do cotidiano dos

habitantes dos subúrbios.

De certa forma, superando o caráter negativo do Dadaísmo e a sua busca pelo

banal e o ridículo, os surrealistas partiram na apreensão positiva dos espaços,

depois dos territórios da banalidade se encontram os do inconsciente. O mapa

dessa cidade surrealista era produzido a partir das percepções que se tinha

dos locais enquanto se caminhava por eles, tornando a cidade um ambiente

mais maleável, onde cada passo poderia levar a uma surpresa, a um novo

afeto. Breton propõe que os locais que despertam sentimentos de bem-estar

sejam desenhados em branco, aqueles que se deseja evitar em preto e o

restante em cinza, como zonas de atração e repulsão. A cidade comporta uma

realidade invisível que pode revelar-se por um dos atos mais comuns do

comportamento humano: andar.

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Ao largo de uma deambulacão noturna, o parque de Buttes-Chaumont se descreve

como um lugar onde ‘se instala o inconsciente da cidade’, um território de experiências

no qual é possível encontrar surpresas e revelações extraordinárias. (CARERI, 2002,

p. 85-86).

(...) A investigação surrealista é uma espécie de investigação psicológica de nossa

relação com a realidade urbana, uma operação já praticada com êxito, mediante a

escritura automática e os sonhos hipnóticos, e que pode ser novamente proposta,

inclusive atravessando a cidade. (CARERI, 2002, p. 88).

O desenvolvimento do Surrealismo foi interrompido pela Segunda Guerra

Mundial que levou ao exílio boa parte dos artistas e intelectuais; dispersos, eles

não conseguiram dar continuidade aos projetos coletivos do movimento.

Enquanto os surrealistas buscavam o inconsciente da cidade por meio de

deambulações ao acaso, surgia, em resposta, uma outra forma de interação

com o espaço urbano: o movimento Internacional Situacionista, que teria à

frente de seus integrantes Guy Debord. Os situacionistas viam na forma

surrealista de perceber o espaço uma maneira de situar-se fora da arte e os

acusavam de não compreender as potencialidades das excursões dadaístas;

retomando-as, os situacionistas formularam suas próprias teses em relação ao

espaço.

1.3 A cidade nômade

Tendo vivenciado o período de efervescência de movimentos como o

Dadaísmo e o Surrealismo, Guy-Ernest Debord, em 1951 – ainda um jovem (e

como tal) – buscava integrar-se a algum movimento no qual pudesse colocar

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em prática suas idéias políticas. Nesse ano, durante o festival de cinema de

Cannes, encontrou um grupo que parecia possuir influências e interesses

semelhantes aos seus, os letristas de Isidore Isou.

Mas a amizade não durou muito, no primeiro filme que produziram juntos,

Hurlements en faveur de Sade, os artistas entraram em conflito, levando

Debord a fundar seu próprio grupo intelectual, a Internacional Letrista (IL). O

grupo publicou, durante 1952 e 1957, dois periódicos – Internacionale Lettriste

e Potlatch – com textos que seriam a base para as práticas de apreensão do

espaço difundidas durante as décadas de 50 e 60.

Já no primeiro número de Potlach, em junho de 1954, no texto Lê jeu

psychogéographique de la semaine, aparece uma proposta de psicogeografia,

prática que será a base de todo o movimento e que consiste em mapear o

comportamento afetivo dos indivíduos em determinados espaços. Na descrição

abaixo, de como preparar um local “satisfatório” pode-se observar, em alguns

aspectos, uma semelhança com a forma de construção de poemas dadaísta,

principalmente no tom instrutivo do discurso; mas, neste caso, a colagem, no

Dadaísmo, de trechos de textos, será substituída, aqui, por espaços e

sentimentos:

(...) Em função do que você procura, escolha uma região, uma cidade de razoável

densidade demográfica, uma rua com certa animação. Construa uma casa. Arrume a

mobília. Capriche na decoração e em tudo que a completa. Escolha a estação e a

hora. Reúna pessoas mais aptas, os discos e a bebida convenientes. A iluminação e a

conversa devem ser apropriadas, assim como o que está em torno ou suas

recordações. Se não houver falhas no que você preparou, o resultado será satisfatório.

(JACQUES, 2003, p. 16).

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O grupo Internacional Letrista compartilhava com os dadaístas o desejo de

assumir uma posição anti-arte, na qual a deriva era uma de suas principais

formas de expressão. A deriva era uma prática que ia contra as regras da arte

e do consumo, uma ação que não deixava pistas, não se preocupava com a

representação e nem com sua conservação no tempo.

As derivas iniciaram-se como uma errância juvenil pelas ruas de Paris, durante

a noite, mas, com o tempo foram assumindo um caráter de teoria. Em Résumé

1954, Debord e Fillon assinam um texto que explica o seu significado:

(...) As grandes cidades são favoráveis à distração que chamamos de deriva. A deriva

é uma técnica do andar sem rumo. Ela se mistura à influência do cenário. Todas as

casas são belas. A arquitetura deve se tornar apaixonante. Nós não saberíamos

considerar tipos de construção menores. O novo urbanismo é inseparável das

transformações econômicas e sociais felizmente inevitáveis. É possível pensar que as

reivindicações revolucionárias de uma época correspondem à idéia que essa época

tem da felicidade. A valorização dos lazeres não é uma brincadeira. Nós sentimos em

que é preciso inventar novos jogos. (JACQUES, 2003, p. 17).

Para estes artistas, o fracasso das deambulações surrealistas se deu por

causa da grande importância que colocaram no inconsciente e no acaso,

categorias que também poderiam ser encontradas nas derivas letristas, mas

que eram trabalhadas por estes de uma forma diferente, a ênfase estava na

realidade, o campo de ação era a vida, o cotidiano e a cidade real; o espaço

urbano era um terreno passional objetivo, não somente subjetivo e

inconsciente.

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Ou seja, para eles, era impossível separar a vida entre uma existência real

alienante e uma existência imaginária maravilhosa; assim como os dadaístas

enxergavam no presente o que os futuristas esperavam encontrar no futuro, os

situacionistas enxergavam na vida real os aspectos maravilhosos que os

surrealistas encontravam nos sonhos e no inconsciente. Suas práticas de

construção de situações baseavam-se no controle dos meios e dos

comportamentos que poderiam experimentar. Ao invés de sonhar, os

situacionistas buscavam atuar.

Assim, aquelas descrições do inconsciente da cidade, freqüentes nas

produções surrealistas, vão dar lugar a um novo gênero literário configurado

sob a forma de guias de viagem, “manuais” de como utilizar a cidade, com

ênfase em locais exóticos, onde se poderia encontrar variados grupos étnicos,

pelos quais se deveria andar a pé, a partir do local considerado o quartel-

general letrista, a Place Contrescarpe.

De certa forma, prevendo algo que viria a acontecer nas grandes metrópoles

mundiais, em 1953, contando apenas dezenove anos, Ivan Chtcheglov,

conhecido como Gilles Ivain, escreve Formulário para um novo urbanismo, no

qual, utilizando-se pela primeira vez da palavra “deriva”, ele expressa sua

preocupação em repensar a arquitetura frente à cidade que se erguia, “mutante

e modificada constantemente por seus habitantes, na qual sua principal

atividade será uma deriva contínua.” (CARERI, 2002, p. 100). Texto que será

seguido por Introdução a uma crítica da geografia urbana e de Teoria da

deriva, de Guy Debord, nos quais ele expõe alguns métodos de

experimentação e observação das ruas.

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Apesar de os métodos utilizados pelos letristas também comportarem o acaso,

não é nele que a deriva irá se basear, visto que tem objetivos e métodos

definidos, como fixar antecipadamente, com base nas cartografias

psicogeográficas, as direções de penetração na unidade ambiental a ser

analisada; calcular a extensão do espaço a observar, que pode variar de um

grupo de casas até um bairro, ou o conjunto de uma grande cidade, com suas

periferias; a deriva deve ser realizada em grupos de dois a três pessoas

reunidas por um mesmo estado de consciência, visto que as impressões dos

distintos grupos deve permitir que se chegue a conclusões objetivas; sua

duração deve fixar-se em um dia, mas pode estender-se por semanas ou até

meses, em função das variações climáticas e da possibilidade de haver

pausas.

Guy Debord relaciona ainda outras formas de praticar a deriva, como:

(...) a ‘deriva estática consiste em não sair durante todo um dia da Gare Saint-Lazare

(...), a “cita posible” (...) e inclui também certas brincadeiras consideradas equívocas,

que têm sido sempre censuradas em nosso entorno, como, por exemplo, introduzir-se

de noite nas casas em demolição, percorrer sem parar Paris de carona durante uma

greve de transportes para agravar a confusão, ou errar pelos subterrâneos das

catacumbas proibidas ao público’. (CARERI, 2002, p. 102).

No ano de 1954, a Galerie du Passage transforma-se em extensão dos

espaços letristas, com a exposição 66 metágraphies influentielles, na qual são

apresentados alguns trabalhos de colagens, como as realizadas por Gil J.

Wolman, produzidos a partir de recortes de jornais, logotipos e outros “retalhos”

de imagens que compunham a cidade para os letristas. A mesma técnica é

utilizada por Gilles Ivain para compor um mapa de Paris sobre o qual se

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encontravam colados recortes de ilhas, arquipélagos e penínsulas retirados de

um mapa-múndi.

Pode-se afirmar que estas observações e práticas realizadas na cidade tinham

como objetivo redescobrir os lugares diferenciais do espaço urbano, o exótico

estava ao alcance da mão, bastava perder-se e explorar os locais.

Em 1957, após um encontro entre vários grupos que compartilhavam ideais

como os do grupo Internacional Letrista, de consolidação de uma nova

apreensão do espaço, da participação ativa no cotidiano da cidade e do

desenvolvimento de técnicas de construção de uma arquitetura, mais

libertadora, Guy Debord e seus companheiros fundaram a Internacional

Situacionista.

As principais questões de oposição dos situacionistas eram a cultura do

espetáculo, a alienação, a não-participação, a passividade da sociedade.

Contra todos esses aspectos, eles ofereciam como “vacina” a participação ativa

dos indivíduos em todos os setores sociais. Assim, o espaço urbano se

configurava como o terreno ideal para a ação, a produção de novas formas de

luta, de intervenção, de reação contra a monotonia da vida moderna.

Primeiramente concentraram-se em propostas de construção de cidades reais,

para, à medida que desenvolviam suas investigações, passarem a uma crítica

feroz contra o urbanismo e o planejamento, defendendo a edificação coletiva

do espaço urbano, inclusive (e principalmente) com a participação de seus

habitantes; ao invés de acreditar que o urbanismo poderia mudar a sociedade,

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como acreditavam os modernos, os situacionistas propunham que a sociedade

deveria transformar a arquitetura e o urbanismo, por isso, deveria-se operar

uma revolução da vida cotidiana, despertando os seres para a ação. A fala de

Debord confirma esta idéia:

(...) Sabe-se que no princípio os situacionistas pretendiam, no mínimo, construir

cidades, o ambiente apropriado para o despertar ilimitado de novas paixões. Porém,

como isso evidentemente não era tão fácil, vimo-nos forçados a fazer muito mais.

(JACQUES, 2003, p. 18).

Apesar de suas idéias revolucionárias, Paola Berenstein frisa que nunca houve

efetivamente uma teoria urbanista situacionista, ou seja, os projetos não

visavam a aplicação efetiva nos espaços, como a construção de um edifício,

por exemplo, mas sim uma proposta de apropriação e apreensão do espaço

urbano:

(...) não existiu de fato um modelo de espaço urbano situacionista, apesar da tentativa

renegada de Constant com a Nova Babilônia: o que existiu foi um uso, ou apropriação,

situacionista do espaço urbano. Assim como não existiu uma forma situacionista

material da cidade mas sim uma forma situacionista de viver, ou de experimentar a

cidade. Quando os habitantes passassem de simples expectadores a construtores,

transformadores e ‘vivenciadores’ de seus próprios espaços, isso sim impediria

qualquer tipo de espetacularização urbana. (JACQUES, 2003, p. 20).

Dessas investigações pela cidade resultaram diversas produções, como

relatórios, fotografias e até filmes. Mas o tipo de obra mais marcante do

movimento situacionista foram os mapas elaborados por meio da técnica de

colagem, reunião de recortes, bilhetes de trem, logotipos, enfim, uma infinidade

de textos que caracterizavam os aspectos sensoriais da cidade.

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Em 1957, Guy Debord lançou Guia psicogeográfico de Paris, um mapa

dobrável para ser distribuído entre os turistas, mas cujo principal objetivo ainda

era difundir a prática do perder-se pela cidade, da deriva. O mapa mostra uma

Paris rasgada em pedaços, sem unidade, na qual os únicos locais

reconhecíveis são alguns pontos do centro da cidade “flutuando em um espaço

vazio”. O que liga esses espaços são flechas que devem ser seguidas pelo

turista, baseando-se, assim, em relevos psicogeográficos, uma forma de

experimentar a cidade de uma maneira subjetiva. O turista deve observar seus

sentimentos, as sensações despertadas por determinados lugares.

No mesmo ano, Debord lança The naked city: ilustração da hipótese das placas

giratórias na psicogeografia, uma representação da deriva, da psicogeografia e

do urbanismo unitário, realizada por meio da reunião de recortes do mapa da

cidade de Paris em preto e branco, ligados por setas vermelhas; os recortes

simbolizam os locais mais carregados de sentidos, sentimentos, enquanto as

setas funcionam como as ligações entre esses locais, as derivas. O título da

obra, The naked city, remete a um film noir que teria sido inspirado em um

relatório policial, e também à questão de desvendar, desnudar a cidade,

explorá-la para além dos caminhos já percorridos e conhecidos. Já o subtítulo,

ilustração da hipótese das placas giratórias na psicogeografia, faz referência às

placas giratórias e às manivelas ferroviárias responsáveis pela mudança de

direção dos trens, uma representação das mudanças de direção efetuadas

durante as derivas. Na obra, a cidade se despe completamente e suas partes

agora flutuam desorientadas, com os locais dispostos de forma dispersa,

descontextualizados, como continentes à deriva dentro de um espaço líquido:

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(...) Entre os bairros flutuantes se encontra o território vazio das amnésias urbanas. A

unidade da cidade só pode ser o resultado da conexão de evocações fragmentárias. A

cidade forma uma paisagem psíquica construída mediante vãos: há partes inteiras que

são esquecidas, ou deliberadamente eliminadas, com o fim de construir no vazio

infinitas cidades possíveis. É como se a deriva começasse a criar na cidade vórtices

afetivos, como se a geração constante de paixões permitisse que os continentes

assumissem uma autonomia magnética própria, e que empreendessem sua própria

deriva através de um espaço líquido. (CARERI, 2002, p. 106).

Aliás, a referência ao mar, com ilhas, arquipélagos, correntes, continentes,

percorrerá toda a obra desses artistas, como se a cidade flutuasse em um

imenso oceano, pelo qual seus habitantes estariam quase sempre “à deriva”, a

mercê do clima, das ondas. Deriva também faz referência a um outro elemento

náutico que compõem as embarcações, a parte alargada da quilha que permite

enfrentar as correntes, aproveitando sua energia e fixando uma direção. É

como se quisessem dizer que a errância pode ser uma forma de redescobrir os

espaços, criando novos territórios, novos locais para habitar, novos rotas para

percorrer.

O espaço para os situacionistas deveria ser experimentado como um jogo, no

qual se poderia inventar novas regras, libertando, assim, a atividade criativa

das imagens sócio-culturais, arquitetando formas estéticas e revolucionárias de

sobrepujar o controle social.

Na base dessas transformações estava a questão do uso do tempo e o

conceito de trabalho. Com a automatização e a modificação dos sistemas de

produção havia mais tempo livre que, dentro do sistema de poder, era

preenchido pelo consumo, por meio da indução de necessidades. Desta forma,

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os trabalhadores eram levados a produzir, inclusive em seu tempo livre,

consumindo dentro do sistema seus próprios rendimentos.

Nessa condição, para os situacionistas, o tempo livre deveria ser dedicado ao

jogo, tinha de ser um tempo não útil, lúdico. Era necessário buscar no cotidiano

dos seres seus desejos latentes e despertá-los, provocá-los e substituí-los,

fazendo, desse modo, com que o tempo e o espaço escapassem às regras

impostas pela cultura dominante, culminando na construção de espaços de

liberdade, como incitava o slogan situacionista: “habitar é estar em casa em

todas as partes”.

A construção de situações era a melhor forma, a mais direta, de libertar os

espaços. Quanto à ela Guy Debord afirma:

(...) Nossa idéia é a construção de situações, isto é, a construção concreta de

ambiências momentâneas da vida, e sua transformação em uma qualidade passional

superior. Devemos elaborar uma intervenção ordenada sobre os fatores complexos

dos dois grandes componentes que interagem continuamente: o cenário material da

vida e os comportamentos que ele provoca e que o alteram. (JACQUES, 2003, p. 21).

Desta forma, a deriva psicogeográfica era como um jogo, uma forma de

desvendar a cidade, transformando o tempo útil em um tempo lúdico-

construtivo, reapropriando-se do território, experimentando novos

comportamentos e novas formas de viver a coletividade.

Por outro lado, com o fim da Segunda Guerra, as cidades necessitavam com

urgência de uma reestruturação, principalmente no aspecto habitacional. Os

projetos de Le Cobusier e a construção de seus conjuntos habitacionais, ainda

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dominavam a pauta dos congressos e estudos arquitetônicos, principalmente

como crítica a um modelo dito massificado e anti-humanizante.

Em busca de inserir o homem no contexto da arquitetura urbana e de dotar as

cidades de aspectos mais afetivos, surgiram grupos como os situacionistas e o

Team X. Havia um intercâmbio intenso de idéias entre os dois grupos. Aldo

Van Eyck, um dos integrantes do Team X, e Constant, situacionista, eram

grandes amigos, chegando a redigir um manifesto juntos. Ao lado de Van Eyck,

Jacob Bakema foi responsável pela edição da revista Fórum, que publicava

textos situacionistas e ajudou na difusão das maquetes e imagens da obra de

Constant, Nova Babilônia , é um dos projetos mais significativos desse período,

assim definido pelo próprio artista:

Nova Babilônia não é um projeto de urbanismo. Também não é uma obra de arte no

sentido tradicional do termo, nem um exemplo de estrutura arquitetônica. Pode-se

apreendê-la na forma atual, como uma proposta, uma tentativa de materializar a teoria

do urbanismo unitário, para se obter um jogo criativo com um ambiente imaginário,

que está aí para substituir o ambiente insuficiente, pouco satisfatório, da vida atual. A

cidade está morta, vítima da utilidade. Nova Babilônia é um projeto de cidade onde se

pode viver. E viver quer dizer criar. (JACQUES, 2003, p. 29).

Em 1956, em Alba, Asger Jorn e Pinot Gallizio instalaram o Laboratório

Experimental para uma Bauhaus Imaginista, onde o nomadismo era praticado

como um rompimento com as regras da sociedade. Depois de uma visita a um

desses acampamentos nômades em um terreno de Pinot Gallizio, Constant

descobre um aparato conceitual que pretendia colocar em crise os

fundamentos sedentários da arquitetura funcionalista. Seu primeiro trabalho

nesse sentido é um projeto para o acampamento cigano de Alba, mas logo

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passa a imaginar toda a cidade projetada para permitir uma nova sociedade

nômade que se estenderia por todo o planeta; seus trabalhos até meados anos

setenta refletirá esse desejo.

Nesse projeto está o cerne do urbanismo unitário que, assim como a proposta

dadaísta de superação da arte, tinha como objetivo a superação da arquitetura,

confluindo um conjunto de artes na construção do espaço do homem, que

voltaria a assumir a atitude primordial da autodeterminação do próprio

ambiente e da recuperação do instinto da construção da própria morada e,

desta forma, da própria vida. A função do arquiteto deveria ser a de construtor

de ambientes totais, cenários de um sonho diurno, considerando o espaço

urbano como um terreno relacional de um jogo de participação.

Em um texto coletivo de dezembro de 1959, publicado na Internacional

Situacionista, há uma definição de Urbanismo unitário:

(...) [O urbanismo unitário] opõe-se ao espetáculo passivo, típico de nossa cultura. (...)

Enquanto hoje as próprias cidades se oferecem como um lamentável espetáculo, um

anexo de museu para turistas que passeiam em ônibus envidraçados, o urbanismo

unitário vê o meio urbano como terreno de um jogo do qual se participa. O urbanismo

unitário não está idealmente separado do atual terreno das cidades. É formado a partir

da experiência desse terreno e a partir das construções existentes. Deve tanto

explorar os cenários atuais, pela afirmação de um espaço urbano lúdico tal como a

deriva o reconhece, quanto construir outros, totalmente inéditos. Essa interpretação

(uso da cidade atual, construção da cidade futura) implica o manejo do desvio

arquitetônico. O urbanismo unitário não aceita a fixação das cidades no tempo.

(JACQUES, 2003, p. 15).

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Baseado nesses conceitos e com o objetivo de superar a anti-arte dos

dadaístas e o próprio conceito de nomadismo, Constant tenta conceber uma

arquitetura megaestrutural e labiríntica, materializada no ato de andar. É uma

nova cidade situacionista. Diferente dos mapas de Debord, nos mapas de

Constant, os pedaços da cidade voltam a se unir para formar uma nova cidade,

na qual os elementos – bairros, percursos, ruas, trajetos de derivas – formam

uma unidade.

(...) ‘Nova Babilônia não termina em parte alguma (uma vez que a Terra é redonda);

não conhece fronteiras (uma vez que não existem economias nacionais) nem

coletividades (uma vez que a humanidade é flutuante). Todos os lugares são

acessíveis, desde o primeiro até o último. Toda a Terra se converte em uma única

morada para seus habitantes. A vida é uma viagem através de um mundo que muda

tão rapidamente que cada momento parece distinto’. (CARERI, 2002, p. 118).

O projeto de Constant era utópico, dedicado à reflexão e à crítica do presente

por meio de uma visão do futuro, baseado na idéia da construção de uma nova

sociedade formada pelo homo ludens que substituiria o homo faber, mais uma

vez a alusão ao jogo, ao caráter lúdico da interação com o espaço: “Até agora

a principal atividade do homem foi a exploração do meio natural. O homo

ludens vai transformar, recriar esse meio, segundo novas necessidades.”

(CONSTANT apud JACQUES, 2003, p. 29). Afirmação que é reiterada no

artigo Ariane au chômage:

Enquanto na sociedade utilitária se persegue a otimização do espaço, garantia de

eficácia e economia de tempo, em Nova Babilônia se privilegia a desorientação que

promove a aventura, o jogo, a mudança criadora. O espaço de Nova Babilônia tem

todas as características de um espaço labiríntico onde os movimentos podem ocorrer

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sem impedimentos de ordem espacial ou temporal. (CONSTANT apud JACQUES,

2003, p. 29).

Mas justamente este projeto levaria Constant a se desligar do grupo

situacionista. Nova Babilônia foi projetada para ser uma cidade nômade

mundial, ou melhor, “uma cidade móvel para uma população nômade sem

fronteiras”, construída coletivamente por aqueles que a habitam, no decorrer de

suas derivas. Era a materialização do pensamento situacionista. Mas foi

interpretado por Debord como uma forma de congelar e restringir a mobilidade.

Essa contradição levou a uma discussão entre os dois e o desligamento de

Constant.

É indiscutível a influência das propostas dos situacionistas, assim como do

Team X nos grupos que atuaram nos anos 1960 debatendo novas estruturas

urbanas, como o GEAM, o grupo inglês Archigram e Cédric Price, o grupo

francês Utopie e entre outros – Metabolistas japoneses, Achozoora e

Superstudio italianos.

Suas idéias, logo de início, conquistaram novos adeptos em diversas cidades,

principalmente da França, da Itália, da Inglaterra, Alemanha, Bélgica, Holanda,

Dinamarca e Argélia. As questões discutidas por esses grupos tinham como

base a arte e o urbanismo, mas, com o tempo, deslocaram seus interesses

para os temas políticos, reacionários, o que levaria o movimento situacionista a

ter um papel de destaque nos eventos estudantis de Maio de 1968 em Paris,

sendo um dos pilares a célebre obra de Guy Debord A sociedade do

espetáculo.

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Mas esta expansão do movimento acabou por tornar a organização mais

complexa e difícil de ser controlada, com riscos de perder sua identidade, o que

levou à sua dissolução em 1972, mas, para Debord, este fim seria seu

verdadeiro começo:

(...) O movimento das ocupações (Maio de 1968) foi o início da revolução situacionista,

mas foi só o começo, como prática da revolução e como consciência situacionista da

história. Só agora toda a geração, internacionalmente, começou a ser situacionista.

(JACQUES, 2003, p. 18).

1.4 O Espaço entrópico

Depois da excursão à igreja de Saint-Julien-le-Pauvre pelos dadaístas, da

viagem realizada pelos surrealistas pelo interior da França em uma

deambulação em busca do inconsciente e dos primeiros escritos situacionistas,

o passeio de Tony Smith por uma rodovia em construção na periferia de Nova

York é um dos eventos mais marcantes do final da década de sessenta, no que

tange à relação dos seres com o espaço por meio da caminhada, da deriva,

tido por Gilles Tiberghien como a origem da Land art e da série de apreensões

do espaço que seriam realizadas nos anos seguintes. Francesco Careri assim

narra este evento:

Uma noite, junto a alguns estudantes da Cooper Union, Smith decide entrar sem

permissão nas obras da rodovia, e recorrer de carro a faixa de asfalto negro que a

atravessava, como se fosse uma cesura vazia, os espaços marginais da periferia

americana. Durante sua viagem, Smith experimenta uma espécie de êxtase inefável

que define como ‘o fim da arte’, e reflete: ‘O asfalto ocupa grande parte da paisagem

artificial, mas não é possível considerá-lo como uma obra de arte’. (CARERI, 2002, p.

120).

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E tratando esta experiência como um fato estético, Smith questiona:

‘A calçada é uma obra de arte ou não é? E se é, como? Como grande objeto

readymade? Como signo abstrato que cruza a paisagem? Como objeto ou como

experiência? Como espaço em si mesmo ou travessia? Que papel desempenha a

paisagem que há ao seu redor?’ (CARERI, 2002, p. 120).

Após esta experiência Tony Smith formulou muitas vias de pensamento, sendo

a rua vista de duas formas distintas, que seriam a base da arte minimalista e da

Land art: A primeira é a percepção da rua como signo e objeto no qual se

realiza a travessia; a segunda é a própria travessia como experiência, como

atitude que se converte em forma.

Na verdade, não se tratava de decretar literalmente o fim da arte, mas de tomar

consciência de que ela não necessitava estar dentro de uma galeria para ser

considerada arte, ou seja, trata-se de uma nova forma de entender e de fazer

arte, de reconquistar a experiência do espaço vivido e das grandes dimensões

da paisagem.

Com Carl Andre e Richard Long, as dúvidas suscitadas pela experiência de

Smith podem ser respondidas de duas formas diferentes: para Carl Andre a rua

não é somente arte, é a própria escultura ideal; já para Richard Long a arte

reside no próprio ato de andar, no fato de viver essa experiência, passando,

assim, do objeto à ausência de objeto.

“Um dos trabalhos mais originais da arte ocidental do século XX” (CARERI,

2002, p. 146), é assim que o artista inglês Hamish Fulton considera a primeira

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obra de Richard Long, A line made by walking. De fato, um ano após a

experiência na rodovia de Tony Smith, esta é uma das obras mais significativas

e um marco na arte contemporânea. Apesar de tantos elogios, a obra não tem

pretensões grandiosas, ao contrário, é muito simples: apenas uma linha reta

desenhada em um terreno coberto de grama, cujo traçado foi realizado com o

ato de pisar e amassar a grama. A obra, registrada em fotografias, demonstra

extrema fragilidade e ausência de durabilidade; uma chuva, o crescimento da

grama e outros fenômenos naturais a fariam desaparecer. Com esta obra,

Richard Long realiza duas atividades: a escultura (a linha) e o andar (a ação),

evitando de converter-se em um objeto, como no pensamento de Tony Smith

quando rodava pela rodovia.

(...) A line made by walking produz uma sensação de infinito. É um largo segmento

que se detém nas árvores que encerram o campo visual, mas que poderia seguir

percorrendo todo o planeta. A imagem da grama pisada contém em si mesma a

presença de uma ausência: a ausência da ação, a ausência do corpo, a ausência do

objeto. Por outro lado, trata-se sem dúvida do resultado da ação de um corpo e de um

objeto, algo insinuado no meio caminho entre a escultura, a performance e a

arquitetura da paisagem. (CARERI, 2002, p. 146 -148).

A obra de Long é uma forma de medir o ambiente, no sentido de individualizar

pontos de percepção, assinalá-los. E a medida utilizada por Long para realizar

este reconhecimento do ambiente é o próprio corpo, seus passos são um

registro da mudança dos ventos, da temperatura e dos sons. É uma

intervenção sem suportes tecnológicos, a única ferramenta utilizada é o próprio

corpo, o movimento e a força dos membros.

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A maior pedra que se utiliza é aquela que se pode deslocar com as próprias forças e o

próprio corpo durante certo período de tempo. O corpo é um instrumento para medir o

espaço e o tempo. (CARERI, 2002, p. 150).

Os espaços escolhidos para a realização dessas operações, como na obra A

line made by walking, são lugares geralmente desprovidos de arquitetura ou de

sinais da presença humana, espaços onde é possível realizar uma obra que

assume um caráter atemporal, uma travessia que não tem necessidade de

deixar pistas, pegadas permanentes, mas que atua sobre o mundo

superficialmente, apenas transforma o ambiente por um tempo determinado.

A experiência do caminhar se converte assim em uma escritura ou uma pintura.

O plano onde se desenha a obra não é uma tela ou uma folha de papel, mas o

próprio ambiente torna-se uma imensa tela, cuja apreensão total, ou seja, para

que se enxergue a obra em seu todo, é necessária uma visão, talvez um

sobrevôo. Enquanto anda, o corpo do artista vai “tomando nota” das variações

do terreno, dos sentimentos que lhe despertam, das paisagens que observa.

Nesse ponto, todas as manifestações artísticas aqui descritas se aproximam e

remontam ao início da história do homem, quando a única forma de atravessar

o espaço era caminhando e as distâncias eram medidas pelo número de

passos que teria de dar para chegar a algum lugar.

Sobre esta volta às origens, de certa forma, operada pela Land Art, Francesco

Careri comenta:

A Terra dos landartistas se esculpe, se desenha, se recorta, se escava, se revolve, se

envolve, se vive e se recorre de novo por meio dos signos arquétipos do pensamento

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humano. Com a land art assistimos a um deliberado retorno ao neolítico. Largas

fileiras de pedras cravadas no solo, recintos de folhas ou de ramos, espirais de terra,

linhas e cercos desenhados no território, grandes monumentos de terra, de cimento e

de ferro, ou encaixes de materiais industriais, tudo isso se utiliza como meio para

apropriar-se do espaço, como ação primária para alcançar uma natureza arcaica,

como entropização de uma paisagem primitiva. (CARERI, 2002, p. 142).

Em outubro de 1967, mesmo ano que Richard Long produz A line made by

walking, um artigo na revista Artforum, coloca em evidência um jovem

americano chamado Robert Smithson. Neste artigo, ele defende Tony Smith

das acusações a ele feitas por Michael Fried em um número anterior da revista.

Em junho, ele já havia publicado um outro artigo, no qual abordava lugares

remotos como os Pine Barrens, em Nova Jersey, as planícies geladas do Pólo

Norte e do Pólo Sul, discorrendo sobre as formas de utilizar o espaço real

como meio, objeto e ferramenta. A rodovia de Tony Smith é para ele uma

estrutura composta por elementos de sentido, como uma frase, sendo o espaço

um território de leitura e escrita assim como o texto. Enquanto Carl André e

Richard Long colocam a ênfase no objeto ou na ausência do objeto,

respectivamente, Robert Smithson se dedicará ao lugar onde a experiência

ocorre e nas qualidades que lhes são inerentes, numa tentativa de praticar a

descoberta de novas paisagens. É com essa idéia que ele realiza a obra

Negative map showing region of monuments along the Paissac River,

composta por 24 fotografias em branco e preto que retratam os monumentos

de Paissac, locais assolados pelo crescimento urbano, pela industrialização e

em estado de reabsorção pela natureza. As fotografias não eram puras

representações, mas sim como uma chamada para uma experiência, elas

contavam a história dos lugares, como se o público viajasse junto com o artista.

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Quem visitava a exposição de fotografias na galeria de Virginia Dwan, em Nova

Iorque, não encontrava nenhuma obra – pelo menos não no sentido de

construção e demonstração de um objeto concreto, idéia que já vinha sendo há

muito superada. Quem visitava os locais mostrados nas fotos também lá

encontrava apenas uma paisagem como ela é, sem ser transformada pelo

artista. A obra consistia no feito de ter realizado a experiência; de ter convidado

as pessoas a percorrer o Paissac River, ou seja, descobrir o local; o objeto

estético podia tanto estar nas fotografias exibidas na exposição quanto na

combinação de uma série de elementos como o espaço percorrido pelo artista,

os mapas que ele recortava e descontextualizava, desenhos, as informações

geológicas, geográficas, topográficas etc. e por aqueles que posteriormente o

foram observar, o convite a uma visita, as fotografias, os mapas do local etc.

Nelson Brissac, ao comentar o trabalho de Robert Smithson, afirma que a

reunião dessas amostras dos locais, colocados em uma exposição,

configuravam-se como o não-sítio do sítio, ou do local visitado:

O dispositivo dos não-sítios serve para estabelecer uma estratégia para abordar

situações tão complexas e desfiguradas que não há como focar em algum aspecto,

como retratar de modo articulado. O não-sítio opera como dispositivo de

enquadramento, como parâmetro, enquanto o sítio fica à margem, onde se perde o

sentido das distâncias e dos limites. (...) A relação sítio/não-sítio serve para orientar o

observador para uma situação altamente complexa, que não pode ser equacionada

pelos registros. Ele acumula informações e níveis de significado até o ponto em que

emerjam possíveis sentidos. (...) Os sítios visitados são tomados mais pelo que têm de

disfunção e pulverização, pela sua descontinuidade em relação ao entorno, do que

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como paisagem. O observador de fato nunca vê o sítio, a percepção é tornada

esquemática e abstrata3.

O conjunto da pesquisa empreendida pelo artista formava uma espécie de

narrativa, como um relato de viagem, durante o qual se registra as paisagens

vistas; anota-se o nome dos lugares, das comidas, das pessoas; guarda-se um

cartão postal, um pedaço de papel recolhido de uma mesa de restaurante, a

folha de uma árvore. Assim também é o trabalho de Robert Smithson.

Caminhar pelos locais, recolhendo amostras da vegetação, da terra, de pedras,

era uma forma de conhecer o lugar, de cartografá-lo.

Entre 1966 e 1967, Robert Smithson começa a promover ao lado de outros

artistas diversas expedições para reconhecer lugares, que ele denominava de

“não-sítios”; consistiam geralmente de locais esquecidos pelos seres ou ainda

desconhecidos, desde zonas industriais até regiões desérticas, com o intuito de

selecioná-los para possíveis pesquisas – mais do que uma obra artística, as

produções de Robert Smith eram investigações, pesquisas que se

comparavam ao trabalho de geógrafos.

(...) As viagens representam para Smithson uma necessidade instintiva de busca e de

experimentação com a realidade do espaço que o rodeia; viagens mentais a

hipotéticos continentes desaparecidos; viagens por mapas que Smithson dobra,

recorta e superpõe formando infinitas composições tridimensionais; viagens realizadas

com Nancy Holt e outros artistas pelos grandes desertos americanos; pelos despojos

urbanos; pelos canteiros abandonados; pelos territórios transformados pela indústria.

(CARERI, 2002, p. 164).

3 BRISSAC, Nelson. Mapeamento de situações urbanas (2).www.pucsp.br/artecidade/novo/urbanismo04.htm

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Apesar de suas obras revelarem realidades de destruição da natureza, da

degradação dos ambientes urbanos, o objetivo de Smithson não era denunciar

ou tomar uma posição de apoio a movimentos ambientalistas. Quando as

retrata, na verdade, quer mostrar uma realidade tal como ela se apresenta, os

monumentos são parte integrante dessa nova paisagem.

Tudo tende ao desgaste, o que está hoje pronto, acabado, amanhã pode estar

deteriorado. Quanto mais energia um elemento utiliza, mais tende a produzir

entropia. A paisagem se altera sem interferência, se auto-regenera, mas

também é constantemente modificada pelo homem, sofrendo, desta forma uma

dupla transição de estado da matéria. Os lugares investigados por Robert

Smithson carregavam estas características, espaços que haviam sofrido toda a

sorte de modificações, tanto pelo homem como pela própria natureza, que

demonstravam de forma evidente os efeitos da entropia. A predileção por estes

locais era justamente porque pareciam escapar ao controle humano, sendo

reabsorvidos pela natureza, como se recuperassem seu estado selvagem. “Os

monumentos não são admoestações, senão elementos naturais que formam

parte integrante desta nova paisagem, presenças que vivem imersas no

território entrópico: eles o criam, eles o transformam e eles o desfazem.”

(CARERI, 2002, p. 171). O tema da entropia foi tão marcante para o artista

que ele chegou a dedicar-lhe um estudo, intitulado Entropy and the new

monuments.

Roberth Smithson, Richard Long e tantos outros artistas desse período

ajudaram a redefinir os parâmetros da arte, ou antes, contribuíram para o

processo de redefinição da arte que vinha sendo operado há muito tempo. A

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contribuição desses artistas, ao utilizar a própria paisagem como objeto

artístico ou ao enfatizar a ausência de objeto, foi uma renovação em diversos

campos da arte, uma escultura, por exemplo, só poderia ser entendida

levando-se em conta o ambiente no qual se inseria, o seu “entorno”, o seu

lugar, assim como, locais tidos como apenas restos da intervenção do homem,

como construções abandonadas, passaram a ser percebidas como ambientes

onde atuava uma força estética, ambientes que se abriam ao olhar juntamente

por sua condição de oposição à imagem de controle, de ordem.

Estes artistas abriram o caminho para muitas outras manifestações que são

produzidas hoje, consideradas ainda inovadoras, objetos de diversos estudos.

John Beardsley comenta a importância de Smithson, não apenas para sua

geração, mas para toda a manifestação artística posterior.

Bearing marks of erosion and sedimentation along with signs of seemingly random

human interventions, the landscape was perceived by Smithson as a place in constant

metamorphosis, revealing entropy – the law of thermodynamics that measures the

gradual, steady disintegration in a system. Smithson presented a particulary

contemporary vision of the environment, one in which nature is altered and often

debased by human action. Although he did not speak for all the artists of his

generation, he articulated ideas that would become increasingly important in the late

twentieth century. He recognized that we are physically and culturally bound to the

earth and that the classic metaphor of nature as a primordial garden was obsolete for a

landscape that bore so many sacars of disruption. Implicit in Smthson’s writing and in

his sculpture was a challenge to devolop a more realistic and empathic relationship

with transmuted nature. (BEARDSLEY, 1998, p. 7).

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1.5 A busca de um lugar na cidade

Apesar de ainda existirem grupos, como o Fluxus, que empreendiam

caminhadas por locais inusitados da cidade, com o passar dos anos, durante e

após o movimento da Land art, os temas relacionados à cidade começaram a

tender mais a destacar os personagens “esquecidos” ou ignorados pela

arquitetura e o urbanismo, como os moradores de rua, a arquitetura das

favelas, o consumismo etc. Alguns desses trabalhos, inclusive, patrocinados

por instituições do governo ou de organizações do terceiro setor como forma de

promover determinados pontos da cidade ou denunciar uma situação

específica de um lugar.

Nessa perspectiva, situam-se artistas como Krzysztof Wodiczko, cujo trabalho

mais marcante é Homeless Vehicle, desenvolvido para a cidade de Nova

Iorque. Trata-se da concepção de um carrinho para que os moradores de rua

possam carregar seus pertences e, ao mesmo, se abrigar. Um dispositivo faz

com que o carrinho fique do tamanho de um carrinho de supermercado e possa

ser empurrado de forma semelhante, mas que, a qualquer hora, possa ser

“aberto”, ou seja, suas partes podem ser estendidas, transformando-se em uma

cama coberta, um casulo.

Quando se aborda o nomadismo urbano, os moradores de rua são os

principais personagens, como aquele que encarna, ao mesmo tempo, a

privação – de casa, de alimento, de companhia, de higiene, de tudo aquilo que

a sociedade valoriza e não consegue sobreviver sem possuir – e, por outro

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lado, a liberdade – de não pertencer a um lugar, de poder escolher para onde

quer ir, de compromisso.

Apesar de as duas visões apresentarem extremos de uma situação, cujo

aprofundamento não é o objeto nesse momento, elas demonstram uma

tendência de percepção da cidade, de interpretá-la como uma aventura, a qual

é necessário sobreviver, a cada dia.

É o tema da adaptação à cidade que está em discussão, como sobreviver à

sua arquitetura, à sua poluição, à intensificação da oposição entre público e

privado; à rua como espaço de experimentação e liberdade e a rua como

espaço do Outro, da insegurança; à massificação dos espaços; ao aumento da

criminalidade e da miséria e tantas outras questões que fazem parte do

cotidiano de qualquer habitante da cidade. Um panorama do espaço urbano

contemporâneo será o objetivo do próximo capítulo.

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2ESPAÇO URBANO E MOBILIDADE

__________________________________________________

Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos

povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia, mas porque

nos une, nivela e agremia o amor da rua. É este mesmo o sentimento imperturbável e

indissolúvel, o único que, como a própria vida, resiste às idades e às épocas. Tudo se

transforma, tudo varia — o amor, o ódio, o egoísmo. Hoje é mais amargo o riso, mais

dolorosa a ironia, Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis e os

acontecimentos notáveis. Só persiste e fica, legado das gerações cada vez maior, o amor

da rua.

João do Rio, A alma encantadora das ruas.

O ato de experimentar um panorama – dispositivo circular que projetava uma

paisagem em 360º graus, objetivando fazer o observador imergir na imagem

sentindo-se transportado para dentro dela – é a metáfora utilizada por Walter

Benjamin (1985) para descrever a prática literária – fisiologia – praticada por

alguns autores no século XIX:

Uma vez na feira, o escritor olhava à sua volta como em um panorama. Um gênero

literário específico faz suas primeiras tentativas de se orientar. É uma literatura

panorâmica. O livro dos cento e um, Os franceses pintados por si mesmos, O diabo

em Paris, A grande cidade gozavam, simultaneamente com os panoramas, e não por

acaso, as graças da capital. Esses livros consistem em esboços que, por assim dizer,

imitam, com seu estilo anedótico, o primeiro plano plástico e, com seu fundo

informativo, o segundo plano largo e extenso dos panoramas. (BENJAMIN, 1994, p.

33).

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O tipo social que mais combina com este retrato panorâmico da sociedade é o

flâneur, o caminhante que passa o tempo a percorrer galerias e ruas de

comércio, observando as vitrines, os outros transeuntes, a velocidade da vida

moderna, da multidão que passa apressada: “A calma dessas descrições

combina com o jeito do flâneur, a fazer botânica no asfalto” (BENJAMIN, 1994,

p. 35).

Neste capítulo, se pretende também fazer uma espécie de panorama, neste

caso, do espaço urbano contemporâneo, buscando definir suas principais

características, como o aspecto informacional, comunicacional que permeia

todos os setores da sociedade que por ele transita – o espaço de fluxos.

Espaços onde o ser tem de estar todo o momento preparado para interpretar

mensagens e discursos de toda ordem.

O correlato do flâneur nesse espaço informacional é o zapeador que, treinado

na relação de imagens variadas da televisão, que alterna saltando com o

controle remoto, é aquele que interage com os espaços de forma descentrada

e efêmera. Assim como o turista, definido por Bauman (1998), que está sempre

em movimento, sem ater-se a lugar algum nem a ninguém.

O retrato da cidade contemporânea aqui realizado serve também como uma

introdução para a apresentação de algumas produções mais recentes de

interação com o espaço urbano que serão apresentadas no próximo capítulo.

Nelas, os mapas confeccionados com as colagens dos dadaístas, surrealistas

e situacionistas se converterão em uma reunião de textos, imagens e sons na

tela do computador; os relatos e imagens das derivas e deambulações serão

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transpostos para aparelhos GPS ou para os visores de celulares incitando à

mobilidade, ações que condizem com a sociedade em que estão inseridas.

2.1 A vida no espaço informacional

Manuel Castells, em sua obra A sociedade em rede, se dedica a investigar as

modificações operadas nos diversos setores sociais pelo desenvolvimento das

tecnologias de informação e comunicação. Uma de suas principais afirmações

é a de que o espaço na atualidade seria permeado por fluxos dos mais

variados tipos:

(...) nossa sociedade está construída em torno de fluxos: de capital, fluxos de

informação, fluxos de tecnologia, fluxos de interação organizacional, fluxos de

imagens, sons e símbolos. Fluxos não representam apenas um elemento da

organização social: são a expressão que dominam nossa vida econômica, política e

simbólica. Nesse caso, o suporte material dos processos dominantes em nossa

sociedade será o conjunto de elementos que sustentam esses fluxos e propiciam a

possibilidade material de sua articulação em tempo simultâneo. [Assim] por fluxos,

entendo as seqüências intencionais, repetitivas e programáveis de intercâmbio e

interação entre posições fisicamente desarticuladas, mantidas por atores sociais nas

estruturas econômica, política e simbólica da sociedade. Práticas sociais dominantes

são aquelas que estão embutidas nas estruturas sociais dominantes. Por estruturas

sociais dominantes, entendo aqueles procedimentos de organizações e instituições

cuja lógica interna desempenha papel estratégico na formulação das práticas sociais e

da consciência social para a sociedade em geral. (CASTELLS, 1999, v. 1, p. 501).

Para permitir a passagem desses fluxos, surgiria uma nova forma de

arquitetura urbana, a que Castells nomeia de megacidades, aglomerados

urbanos superpopulosos, geralmente com mais de 10 milhões de pessoas.

Algumas destas cidades já são figuras tradicionais do contexto econômico

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mundial, outras não tão notórias. A maioria integra a lista da ONU das cidades

mais populosas do mundo e, mais do que isso, são chamadas de megacidades

pelo seu alto potencial econômico, social e informacional, que estimulam a

proliferação dessas características por sua rede de comunicação, ou seja, por

toda a região onde se localiza.

Entre estas cidades estão: Tóquio, São Paulo, Nova Iorque, Cidade do México,

Xangai, Bombaim, Los Angeles, Buenos Aires, Seul, Pequim, Rio de Janeiro,

Calcutá, Osaka, Moscou, Jacarta, Cairo, Nova Delhi, Londres, Paris, Lagos,

Dacca, Karachi e Tianjin. Mas Castells lembra que

(...) as megacidades não podem ser vistas apenas em termos de tamanho, mas como

uma função de seu poder gravitacional em direção às principais regiões do mundo.

Dessa forma, Hong Kong não é apenas seus seis milhões de habitantes, e Guangzhou

não é só seus 6,5 milhões de habitantes: o que está surgindo é uma megacidade com

quarenta a cinqüenta milhões de pessoas, unindo Hong Kong, Shenzhen, Gungzhou,

Zhuhai, Macau e pequenas cidades em Pearl River Delta. (Castells, 1999, v. 1, p.

493).

Mas, apesar de serem centros econômicos potentes, de se conectarem com

redes de alto poder – financeiro e tecnológico – estas cidades não são utopias

realizadas. Castells lembra que elas concentram também um grande número

de pessoas que vivem as necessidades de um local onde é difícil encontrar

lugar – para trabalhar, para habitar, para se encontrar – com grande número de

pessoas privadas de itens básicos como alimentação, moradia, educação,

segurança, além de, em conseqüência, possuírem altos índices de

criminalidade.

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Mas, para Castells, é justamente essa contradição entre o avanço tecnológico

e, por outro lado, o aumento da população carente, a ligação direta com as

redes globais, mas o desligamento do local, que torna essas cidades tão

características da nova configuração urbana:

(...) É esta característica distinta de estarem física e socialmente conectadas com o

globo e desconectadas do local que torna as megacidades numa nova forma urbana.

Uma forma caracterizada pelas conexões funcionais por ela estabelecidas em vastas

extensões de territórios, mas com muita descontinuidade em padrões de uso da terra.

As hierarquias sociais e funcionais das megacidades são indistintas e misturadas em

termos de espaço, organizadas em acampamentos reduzidos e improvisadas de forma

irregular por focos inesperados de usos indesejáveis. As megacidades são

constelações descontínuas de fragmentos espaciais, peças funcionais e segmentos

sociais. (Castells, 1999, v. 1, p. 495).

Ao se deparar pela primeira vez com esta definição de megacidades, pode ser

que se tenha a impressão de que ela esteja, de certa forma, distante da

realidade dos seres, que eles não vivenciem essa cidade todo o tempo; o

próprio Castells reconhece que, apesar da existência do espaço de fluxos, os

seres ainda habitariam espaços mais pessoais, marcados por suas percepções

cotidianas, que seriam os espaços de lugares. Mas é fato que houve uma

mudança na estrutura espacial urbana com o advento de novas tecnologias de

transmissão e transporte de alta velocidade, tanto de dados quanto de

pessoas.

Mesmo que os seres não se percebam inseridos o tempo todo nesse espaço

informacional, isso não significa que não o estejam e que muitos pontos de sua

vida cotidiana já não tenham sido alterados por ele. Canais de notícias que

funcionam ininterruptamente, por exemplo, como é o caso da CNN, fazem da

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residência de cada telespectador uma central de imprensa, abolem as

distâncias e tornam as reportagens apenas uma série de eventos encadeados,

notícias de guerras podem ser seguidas pela cobertura de festas populares,

por exemplo. Mesmo quem não é assinante, pode saber como o canal

funciona, pois sua estrutura, seus modelos são seguidos por outros canais,

mesmo de televisão aberta, no mundo todo.

Ao comentar esse fato, Paul Virilio defende que um canal de notícias como o

da CNN, não é apenas uma transmissão de imagens, mas uma janela para

uma série de eventos simultâneos ou não, que ocorrem em locais próximos ou

distantes dos telespectadores, mas que, de alguma forma, os transportam para

o mundo que retratam:

(...) Quando Ted Turner decide, em 1980, criar em Atlanta a Cable News Network,

uma cadeia de televisão destinada a assegurar a transmissão de notícias ao vivo 24

horas por dia, ele transforma o apartamento de seus assinantes em uma espécie de

‘central dos acontecimentos mundiais’. (...) Graças aos satélites, a janela catódica traz

a cada um dos assinantes, com a luz de um outro dia, a presença dos antípodas. Se o

espaço é aquilo que impede que tudo esteja no mesmo lugar, este confinamento

brusco faz com que tudo, absolutamente tudo, retorne a este ‘lugar’, a esta localização

sem localização... o esgotamento do relevo natural e das distâncias de tempo achata

toda localização e posição. Assim como os acontecimentos retransmitidos ao vivo, os

locais tornam-se intercambiáveis à vontade. (VIRILIO, 1993, p. 13).

David Harvey também destaca o papel dos meios de comunicação para uma

alteração nos espaços. Assim como Virilio, ele afirma, por exemplo, que a

associação da televisão com a comunicação por satélite, teria provocado um

encolhimento do espaço. A enorme quantidade de imagens provenientes de

diversas partes do mundo reunidas na tela da televisão e assistidas por

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milhares de pessoas simultaneamente aproxima os lugares e as pessoas

tornando esta experiência espacial bastante efêmera:

(...) O mundo inteiro pode assistir aos Jogos Olímpicos, á Copa do Mundo, à queda de

um ditador, a uma reunião de cúpula política, a uma tragédia mortal... enquanto o

turismo de massa, filmes feitos em locações espetaculares tornam uma ampla gama

de experiências simuladas ou vicárias daquilo que o mundo contém acessível a muitas

pessoas. A imagem de lugares e espaços se torna tão aberta à produção e ao uso

efêmero quanto qualquer outra. (HARVEY, 2006, p. 264).

As principais questões que marcam o espaço na sociedade atual, em especial

o urbano, mas estendendo também seus efeitos para áreas rurais, referem-se

à abolição de oposições que sempre permearam as investigações sócio-

culturais, como a oposição entre espaço privado e espaço público, identidade e

alteridade; local e global; próximo e distante; dentro e fora, entre outras tantas

observações.

Para Paul Virilio essas questões, assim como defende Manuel Castells,

levariam a uma reconfiguração do espaço urbano, sendo a abolição dos limites

entre a cidade e o campo e o centro e a periferia suas principais

características:

(...) Se a metrópole possui ainda uma localização, uma posição geográfica, esta não

se confunde mais com a antiga ruptura cidade/campo e tampouco com a oposição

centro/periferia. A localização e a axialidade do dispositivo urbano já perderam há

muito sua evidência. Não somente o subúrbio operou a dissolução que conhecemos,

mas a oposição ‘intramuros’, ‘extramuros’ dissipou-se com a revolução dos transportes

e o desenvolvimento dos meios de comunicação e telecomunicação. (VIRILIO, 1993,

p. 9).

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Torna-se cada vez mais difícil tomar as paredes que cercam a residência como

limites entre o dentro e o fora, muralhas que separam a rua – local do Outro –

da casa – local da individualidade e da segurança. O que antes ficava do “lado

de fora”, elementos que Suely Rolnik4, em A vida na berlinda, chama de

“subjetividades-lixo” – “guerra, favela, tráfico, seqüestro, fila de hospital,

crianças desnutridas, gente sem teto, sem terra, sem camisa, sem papel, boat

people vagando no limbo sem lugar onde ancorar” – agora invadem os

cômodos da casa, não apenas compondo a paisagem que se tem da janela,

mas, mais do que isso, chegando às casas pelas “janelas eletrônicas”, ou seja,

a tela de computadores e televisores, além de presentes também nas capas de

revistas e estampadas nas primeiras-páginas de jornais.

E os seres já não conseguem discernir o que é realidade do que é especulação

nessas notícias, tomando toda rua por um local propenso a um assalto e todo

ser que se assemelhe com a descrição de um procurado exposto no telejornal

do dia anterior um suspeito.

Em A modernidade líquida (2001), Zygmunt Bauman aborda essa questão

acerca da relação dos seres com o espaço e a busca pela segurança. Ele

comenta que a questão do medo já faz parte da cultura, sentir-se ameaçado,

perseguido, ter como assaltante um ser que passa em frente à casa, que senta

ao lado no ônibus, tudo isso tornou-se trivial. Ele chama a atenção para o fato

de que esse comportamento não tem sua origem na pós-modernidade, mas é

um fato inerente ao ser, principalmente na vida das metrópoles, podendo ser

encontrado em outras ocasiões do passado, na forma de duendes, bruxas e

4 Disponível em http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/1338,1.shl

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maus espíritos. Mas a novidade na atualidade seria que os assaltantes seriam

agora representados por vagabundos, desocupados e toda sorte de pessoas

que parecem estranhas ao lugar por onde se movem. Para balizar suas

ponderações ele toma de empréstimo uma pesquisa realizada na Austrália,

onde cresce o número de pessoas que fazem denúncias falsas à polícia,

dizendo-se perseguidas ou ameaçadas por criminosos, sobre a qual ele

comenta:

Se as ‘falsas vítimas’ podem ‘gastar a credibilidade pública’ é porque ‘assaltante’ já se

tornou um nome comum e popular para o medo ambiente que assola nossos

contemporâneos; e assim a presença ubíqua dos assaltantes tornou-se crível e o

termo de ser assaltado, amplamente compartilhado. E, se pessoas falsamente

obcecadas pela ameaça de serem assaltadas podem ‘gastar o dinheiro público’, é

porque o dinheiro público já foi destinado de antemão, em quantidades que crescem a

cada ano, para o propósito de identificar e caçar assaltantes, vagabundos e outras

versões atualizadas daquele terror moderno, o móbile vulgus – os tipos inferiores de

pessoas em movimento, surgindo e se espalhando em lugares onde só deveriam estar

as pessoas certas (BAUMAN, 2001, P. 110).

Para Bauman o efeito imediato dessa cultura do medo é o enclausuramento do

ser, configurando uma opressiva dimensão da vida urbana, onde a nova noção

de comunidade aplicada na sociedade atual tem como representação o

condomínio fechado, local onde o controle é exercido por seguranças

particulares e, também, pela vigilância que as pessoas exercem umas sobre as

outras:

A comunidade definida por suas fronteiras vigiadas de perto e não mais por seu

conteúdo; a ‘defesa da comunidade’ traduzida como o emprego de guardiões armados

para controlar a entrada; assaltante e vagabundo promovidos à posição de inimigo

número um; compartimentação das áreas públicas em enclaves ‘defensáveis’ com

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acesso seletivo; separação no lugar da vida em comum – essas são as principais

dimensões da evolução corrente da vida urbana. (BAUMAN, 2001, P. 111).

A dificuldade de lidar com a alteridade pode ser encontrada também em um

trecho do texto O flanêur, no qual Walter Benjamin descreve o sentimento

partilhado pelos seres na multidão do século XIX, desenvolvendo, como efeito,

um comportamento observador, uma conseqüência da vida nas cidades que

começavam a crescer de forma vertiginosa, assustando, por vezes, seus

habitantes. Situações como o caminhar ao lado de pessoas estranhas, de

quem não se sabia as intenções, o que faziam, como pensavam, inquietavam

os seres:

Essa visão do próximo se distanciava tanto da experiência que devia ter causas

incomumente sérias. Provinha de uma inquietação de origem peculiar. As pessoas

tinham de se acomodar a uma circunstância nova e bastante estranha, característica

da cidade grande. Simmel fixou essa questão acertadamente: ‘Quem vê sem ouvir fica

muito mais inquieto do que quem ouve sem ver. Eis algo característico da sociologia

da cidade grande. As relações recíprocas dos seres humanos nas cidades se

distinguem por uma notória preponderância da atividade visual sobre a auditiva. Suas

causas principais são os meios públicos de transporte. Antes do desenvolvimento dos

ônibus, dos trens, dos bondes no século XIX, as pessoas não conheciam a situação

de terem de se olhar reciprocamente por minutos, ou mesmo por horas a fio, sem

dirigir a palavra umas às outras’. (BENJAMIN, 1994, p. 36).

Na atualidade, com a abolição dos limites entre o espaço público e privado,

dentro e fora, seguro e inseguro, a rua e a casa, e com a massificação de

informações, os seres passam então a buscar formas de preservar lugares

onde possam se sentir seguros, construir espaços seus, um local para suas

preferências, suas lembranças, seus desejos, assim como afirma David

Harvey:

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(...) A identidade de lugar se torna uma questão importante nessa colagem de imagens

espaciais superpostas que implodem em nós, porque cada um ocupa um espaço de

individuação (um corpo, um quarto, uma casa, uma comunidade plasmadora, uma

nação) e porque o modo como nos individuamos molda a identidade. Além disso, se

ninguém ‘conhece o seu lugar’ nesse mutante mundo-colagem, como é possível

elaborar e sustentar uma ordem social segura? (HARVEY, 2006, p. 272).

Mas, a par dessa necessidade, os sistemas de produção se apropriam da

imagem de segurança dos locais, da valorização da memória, da busca por

uma identidade e a distribuem na forma de simulacros a serem comprados. Em

um círculo vicioso – a busca por lugares seguros, fora do sistema, e a

transformação desses mesmos locais em mercadorias – gera nos seres uma

espécie de esquizofrenia, uma corrida incessante por encontrar seu lugar, por

modelos de comportamento, de beleza, de felicidade, por isso, também a

proliferação de materiais que se vendem como manuais: “Como ser feliz”;

“Como vencer os obstáculos na carreira”, “Como perder peso sem academia ou

cirurgia plástica” etc.

Nessa proliferação da mercantilização de tudo, inclusive da identidade, o

espaço urbano também torna-se um produto. Nesse ponto, há um paradoxo,

enquanto as imagens expostas pelos canais de informação retratam a cidade

como um caos, um sistema constantemente fora de controle, onde em cada

esquina o indivíduo pode ser surpreendido por um perigo diferente; por outro

lado, as autoridades esforçam-se por difundir retratos atraentes da cidade, de

forma a transmitirem uma imagem positiva, provocando a visita de pessoas que

possam investir nesses locais. É assim que se dá a competição entre as

cidades para oferecer os aspectos mais diferenciais, mais atrativos, como

assinala David Harvey:

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E é nesse contexto que podemos melhor situar o esforço das cidades para forjar uma

imagem distintiva e criar uma atmosfera de lugar e de tradição que aja como um

atrativo tanto para o capital como para pessoas ‘do tipo certo’ (isto é, abastadas e

influentes). O aumento da competição entre lugares deveria levar à produção de

espaços os mais variados no âmbito da crescente homogeneidade da troca

internacional. No entanto, na medida em que essa competição abre as cidades a

sistemas de acumulação, acaba sendo produzida uma monotonia ‘serial’ e ‘recursiva’,

‘gerando a partir de padrões e moldes já conhecidos lugares quase idênticos em

termos de ambiente em diferentes cidades. (HARVEY, 2006, p. 266).

À esta descrição de David Harvey é possível associar a definição de espaço

operada por Marc Augé. Para ele, a supermodernidade seria caracterizada pela

produção de não-lugares, espaços que, ao contrário dos lugares, não são

marcados por identidade, história, caracterizando-se espaços padronizados,

gerais, por onde os seres passam ou se fixam por um tempo determinado,

como: supermerdados, shoppings, aeroportos, redes de lanchonetes etc. Quem

entra em um desses locais não precisa entrar em outros do mesmo gênero

para saber o que encontrará, uma vez que, são todos arquitetonicamente

arranjados da mesma forma, para que o ser sinta-se sempre no mesmo lugar,

ou antes, em lugar nenhum.

Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não

pode se definir como identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um

não-lugar. (...) Um mundo onde se nasce numa clínica e se morre num hospital, onde

se multiplicam, em modalidades luxuosas ou desumanas, os pontos de trânsito e as

ocupações provisórias (as cadeias de hotéis e os terrenos invadidos, os clubes de

férias, os acampamentos de refugiados, as favelas destinadas aos desempregados ou

à perenidade que apodrece), onde se desenvolve uma rede cerrada de meios de

transporte que são também espaços habitados, onde o freqüentador das grades

superfícies, das máquinas automáticas e dos cartões de crédito renovado com os

gestos do comércio ‘em surdina’, um mundo assim prometido à individualidade

solitária, à passagem, ao provisório e ao efêmero, propõe ao antropólogo, como aos

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outros, um objeto novo cujas dimensões inéditas convém calcular antes de se

perguntar a que olhar ele está sujeito. (AUGÉ, 1994, p. 74).

Mesmo padronizados e massificados, como acontece com as imagens

difundidas pela televisão, é nesses espaços que os seres experimentam algo

que se poderia chamar de identidade; não uma identidade fixa e verdadeira, se

que é possível ainda se falar nesses temos, mas uma sensação de

pertencimento a um local, a uma posição, a um contexto que lhe é familiar. Se

viaja para um outro país sozinho e sente-se deslocado em meio a lugares que

não conhece, com um idioma diferente do seu, basta que o indivíduo visualize

um logotipo de uma multinacional, que se depare com a franquia internacional

de uma lanchonete, para que se sinta novamente em casa.

(...) Por um lado, essas imagens tendem a constituir um sistema; elas esboçam um

mundo de consumo que todo indivíduo pode fazer seu porque é nele incessantemente

interpelado. A tentação do narcisismo é, aqui, ainda mais fascinante, porque parece

expressar a lei comum: fazer como os outros para ser você mesmo. Por outro lado,

como todas as cosmologias, a nova cosmologia produz efeitos de reconhecimento.

Paradoxo do não-lugar: o estrangeiro perdido num país que não conhece (o

estrangeiro “de passagem”) só consegue se encontrar no anonimato das auto-

estradas, dos postos de gasolina, das lojas de departamento ou das cadeias de hotéis.

O outdoor de uma marca de gasolina constitui para ele um sinal tranqüilizador, e ele

encontra com alívio nas gôndolas do supermercado os produtos de limpeza,

domésticos ou alimentares consagrados pelas firmas multinacionais. (AUGÉ, 1994, p.

98).

Bauman também vê nesses não-lugares uma forma de o ser sentir-se seguro

em um local, que no anonimato de um shopping, que ele chama de ‘templo do

consumo’ é possível ao ser experimentar a identidade, ao menos como

consumidor o ser sente-se parte de um contexto social. Assim ele o descreve:

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Um dia no templo do consumo é uma questão inteiramente diferente. Entrar nessa

viagem, mais do que testemunhar a transubstanciação do mundo familiar, é como ser

transportado a um outro mundo. O templo do consumo (claramente distinto da ‘loja da

esquina’ de outrora) pode estar na cidade (se não construído simbolicamente, fora dos

limites da cidade, à beira de uma auto-estrada), mas não faz parte dela; não é o

mundo comum temporariamente transformado, mas um mundo ‘completamente outro’.

O que o faz ‘outro’ não é a reversão, negação ou suspensão das regras que governam

o cotidiano, como no caso do carnaval, mas a exibição do modo de ser que o cotidiano

impede ou tenta em vão alcançar – e que poucas pessoas imaginam experimentar nos

lugares que habitam normalmente. (BAUMAN, 2001, P. 115).

É como se o shopping suprisse a necessidade dos seres de fazer parte de uma

comunidade, onde não existe a diferença, pois, neste espaço, todos têm a

certeza de que aqueles com quem cruzará nos corredores ali estão pelos

mesmos objetivos, porque foram seduzidos pelos mesmos eventos

Pelos poucos minutos ou horas que dura nosso ‘passeio’, podemos encostar nos

ombros de ‘outros como nós’, fiéis do mesmo templo; outros cuja alteridade pode ser,

pelo menos neste lugar, aqui e agora, deixada longe da vista, da mente e da

consideração. (BAUMAN, 2001, P. 118).

O “templo do consumo” descrito por Bauman tem como correlato a galeria

descrita por Walter Benjamin, um refúgio para o flâneur, que buscava uma

interação com o espaço urbano pautada na caminhada de observação, na

contemplação da paisagem:

(...) Nesse mundo o flâneur está em casa; é graças a ele ‘essa paragem predileta dos

passeadores e dos fumantes, esse picadeiro de todas as pequenas ocupações

imagináveis encontra seu cronista e seu filósofo’. E para si mesmo obtém o remédio

infalível contra o tédio que facilmente prospera sob o olhar de basilisco de um regime

reacionário saturado. (...) As galerias são um meio-termo entre a rua e o interior da

casa. (...) A rua se torna moradia para o flâneur que, entre as fachadas dos prédios,

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sente-se em casa tanto quanto o burguês entre suas quatro paredes. Para ele, os

letreiros esmaltados e brilhantes das firmas são um adorno de parede tão bom ou

melhor que a pintura a óleo no salão do burguês; muros são a escravaninha onde

apóia o bloco de apontamentos; bancas de jornais são suas bibliotecas, e os terraços

dos cafés, as sacadas de onde, após o trabalho, observa o ambiente. (BENJAMIN,

1994, p. 35).

Nessa atitude estava também um aspecto de consumo, o flâneur, quando

buscava os espaços das galerias acabava também por se transformar em

mercadoria:

(...) A multidão não é apenas o mais novo refúgio do proscrito; é também o mais novo

entorpecente do abandonado. O flâneur é um abandonado na multidão. Com isso,

partilha a situação da mercadoria. Não está consciente dessa situação particular, mas

nem por isso ela age menos sobre ele. Penetra-o como um narcótico que o indeniza

por muitas humilhações. A ebriedade a que se entrega o flâneur é a da mercadoria em

torno da qual brame a corrente dos fregueses. (BENJAMIN, 1994, p. 52).

Mas, ao mesmo tempo em que existem os não-lugares como os descritos por

Marc Augé e retomados por Harvey e Bauman, onde são construídos espaços

que abolem a alteridade, adotando a padronização como forma de tornar o

ambiente mais “confortável” a seus usuários, geralmente consumidores,

existem, por outro lado, lugares que são ignorados pelos construtores e, muitas

vezes, pelos próprios habitantes das cidades: os espaços vazios, temo

cunhado por Jerzy Kociatkiewcz e Monika Kostera.

Os espaços vazios são, antes de mais nada, vazios de significado. Não que sejam

sem significado porque são vazios: é porque não têm significado, nem se acredita que

possam tê-lo, que são vistos como vazios (melhor seria dizer não-vistos). Nesses

lugares que resistem ao significado, a questão de negociar diferentes nunca surge:

não há com quem negociá-la. O modo como os espaços vazios lidam com a diferença

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é radical numa medida que outros tipos de lugares projetados para repelir ou atenuar o

impacto de estranhos não podem acompanhar. (BAUMAN, 2001, P. 120).

Espaços vazios podem ser tanto os restos de construções, locais que os

projetistas não se interessaram em construir e que tornam-se lugares sem

definição, sem utilidade. Podem também ser aqueles locais da cidade por onde

se evita passar e, de tanto se acostumar a ter de encontrar caminhos

alternativos para desviar-se desses locais indesejados, torna-os lugares

invisíveis, que não existem para o ser na cidade. É o caso das periferias, dos

bairros com maiores índices de criminalidade, que de tanto serem evitados

acabam por não fazer parte do mapa mental que o ser tem da cidade. Cada

habitante teria um mapa particular do espaço urbano, com os locais que

considera mais importantes, os que visita raramente, os que nunca visitou, mas

pelo qual nutre certa curiosidade, e os espaços vazios. Bauman afirma que os

mapas que orientam os movimentos dos habitantes “não se superpõem, mas,

para que qualquer mapa ‘faça sentido’, algumas áreas da cidade devem

permanecer sem sentido. Excluir tais lugares permite que o resto brilhe e se

encha de significado.”

O vazio do lugar está no olho de quem vê e nas pernas ou rodas de quem anda.

Vazios são os lugares em que não se entra e onde sentiria perdido e vulnerável,

surpreendido e um tanto atemorizado pela presença de humanos. (BAUMAN, 2001, P.

121-122).

Essa tendência de fugir à alteridade tem muitos reflexos que vão além da

convivência entre os seres, mas atinge também a forma como eles lidam com o

corpo e com o ambiente em que vivem, esforçando-se em manter à distância

ou livrar-se de qualquer vestígio do Outro, daquele ser estranho e diferente, o

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estrangeiro, seja ele representado pelo imigrante, pela poluição, pelas

substâncias que ingere, que penetram o corpo.

2.2 Apologia da mobilidade: turistas e zapeadores

(...) ‘o número de pessoas que se deslocam através dos continentes nos períodos de

férias, hoje em dia, é superior ao número total de homens que se puseram a caminho

no momento das grandes invasões’ (...). A aceleração das comunicações é

contemporânea de um enorme crescimento da mobilidade física. (...) O turismo é hoje

a primeira indústria mundial em volume de negócios. O peso econômico das

atividades que sustentam e mantêm a função de locomoção física (veículos,

infraestruturas, carburantes) é infinitamente superior ao que era nos séculos

passados. (LÉVY, 1996, p. 23).

Em uma sociedade que prima pela velocidade, que deseja a qualquer custo

ganhar tempo, ser móvel é um símbolo de poder. Em A modernidade líquida

(2001), Zygmunt Bauman afirma que a velocidade não teria essa carga de

significado que tem hoje se a locomoção dependesse apenas das capacidades

físicas do homem ou, no máximo, de um animal; quando o homem tinha

apenas suas pernas para se locomover, percorrer um espaço em um

determinado tempo era uma tarefa igual, ou com poucas variações, para todos.

Quando surgem os aparelhos artificiais de locomoção, todos os limites de

velocidade podem ser transgredidos, e aquele que possui mais meios de

transporte chega mais rápido, tem mais possibilidades de exercer domínio e,

assim, conquista mais oportunidades

Com a aceleração e a proliferação de vias de trânsito, o poder pode

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(...) se mover com a velocidade do sinal eletrônico – e assim o tempo requerido para o

movimento de seus ingredientes essenciais se reduziu à instantaneidade. Em termos

práticos, o poder se tornou verdadeiramente extraterritorial, não mais limitado, nem

mesmo desacelerado, pela resistência do espaço (o advento do telefone celular serve

bem como ‘golpe de misericórdia’ simbólico na dependência em relação ao espaço: o

próprio acesso a um ponto telefônico não é mais necessário para que uma ordem seja

dada e cumprida. Não importa mais onde está quem dá a ordem – a diferença entre o

‘próximo’ e o ‘distante’, ou entre o espaço selvagem e o civilizado e ordenado, está a

ponto de desaparecer). Isso dá aos detentores do poder uma oportunidade

verdadeiramente sem precedentes: eles podem se livrar dos aspectos irritantes e

atrasados da técnica de poder do Panóptico. (BAUMAN, 2001, P. 18).

Para Bauman essa apologia da mobilidade estaria transformando os nômades

em detentores de poder na sociedade atual. Se, como já citado anteriormente,

a sociedade informacional é permeada por fluxos – de capital, de dados, de

informação, de pessoas – e se a velocidade de transmissão é o que importa,

então aqueles que podem se deslocar livremente e com rapidez é que têm o

poder. Até porque, quando decidem voltar a ser sedentários, encontram

sempre um local que consideram bem seguro, cercado e distante, ao menos

fisicamente, da subjetividade-lixo (ROLNIK, 2007):

Ao longo do estágio sólido da era moderna, os hábitos nômades foram mal vistos. A

cidadania andava de mãos dadas com o assentamento, e a falta de ‘endereço fixo’ e

de ‘estado de origem’ significava exclusão da comunidade obediente e protegida pelas

leis, freqüentemente tornando os nômades vítimas de discriminação legal, quando não

de perseguição ativa. Embora isso ainda se aplique à ‘subclasse’ andarilha e ‘sem-

teto’ (...) a era da superioridade incondicional do sedentarismo sobre o nomadismo e

da dominação dos assentados sobre os nômades está chegando ao fim. Estamos

testemunhando a vingança do nomadismo contra o princípio da territorialidade e do

assentamento. No estágio fluido da modernidade, a maioria assentada é dominada

pela elite nômade e extraterritorial. (BAUMAN, 2001, P. 20).

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Essa idéia está presente também em outra obra do autor. Em O mal-estar da

pós-modernidade (1998), ele nomeia os nômades de turistas e expõe como

metáfora da vida pós-moderna a sua oposição aos vagabundos. Os turistas

seriam aqueles que se consideram livres para fazer suas escolhas, mudar de

posição quando o desejarem, errarem pelos setores sociais ao seu bel-prazer,

enquanto os vagabundos seriam aqueles que são obrigados a migrar porque a

sua condição de desprovidos e necessitados os obriga ou porque sua presença

não é desejada, sem escolha ou quase nenhuma.

Para explicar essa oposição, primeiro ele investiga a necessidade de

movimento e de não-fixação que caracteriza a sociedade atual e, para tanto,

retoma o comportamento dos seres na modernidade. Bauman afirma que a

diferença entre os modernos e os pós-modernos seria que os primeiros tinham

uma noção de tempo-espaço muito mais estruturada do que a dos segundos.

Eles podiam perderem-se, mas também acharem-se, porque tinham uma

noção mais exata de direção, de para onde deveriam ir. Era fácil traçar um

trajeto e segui-lo, bastava ter conhecimento e determinação.

E, assim, os homens e mulheres modernos viveram num tempo-espaço com estrutura,

um tempo-espaço rijo, sólido, durável – exatamente a correta referência de nível para

traçar e controlar o caráter caprichoso e volátil da vontade humana – mas também um

duro recipiente em que os atos humanos podiam achar-se sensíveis e seguros. Nesse

mundo estruturado, uma pessoa podia perder-se, mas também podia achar seu

caminho e chegar exatamente aonde pretendia estar. A diferença entre se perder e

chegar era feita de conhecimento e determinação: o conhecimento da estrutura do

tempo-espaço e a determinação de seguir, fosse qual fosse, o itinerário escolhido. Sob

tais circunstâncias, a liberdade era de fato a necessidade conhecida – mais a decisão

de agir com esse conhecimento. (BAUMAN, 1998, p. 110)

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Já os pós-modernos, observando essa experiência moderna, têm a noção

daquilo que lhes falta, “o que pensamos que o passado tinha é o que sabemos

que não temos”, que para Bauman é “a facilidade de retirar a estrutura do

mundo da ação dos seres humanos; a solidez firme, de pedra, do mundo

exterior à flexibilidade da vontade humana”. Para o autor, o mundo em que se

vive na pós-modernidade lembra muito um jogo, no qual cada jogador deve

concentrar-se em cada lance, sem uma visão futura, tentando tirar o máximo

possível de cada oportunidade, com as cartas que se possui. Assim, o autor

afirma que não foi o ser que passou a ter atitudes mais frágeis e erráticas, mas

sim o mundo, entenda-se as relações sociais, que passaram a exigir dele tais

ações:

Como pode alguém viver a sua vida como peregrinação se os relicários e santuários

são mudados de um lado para o outro, são profanados, tornados sacrossantos e

depois novamente ímpios num período de tempo mais curto do que levaria a jornada

para alcança-los? Como pode alguém investir numa realização de vida inteira, se hoje

valores são obrigados a se desvalorizar e, amanhã, a se dilatar? Como pode alguém

se preparar para a vocação da vida, se habilidades laboriosamente adquiridas se

tornam dívidas um dia depois de se tornarem bens? Quando profissões e empregos

desaparecem sem deixar notícia e as especialidades de ontem são os antolhos de

hoje? E como se pode fixar e separar um lugar no mundo se todos os direitos

adquiridos não o são senão até segunda ordem, quando a cláusula da retirada à

vontade está inscrita em todo contrato de parceria, quando – como Anthony Giddens

adequadamente o expressou – todo relacionamento não é senão um ‘simples’

relacionamento, isto é, um relacionamento sem compromisso e com nenhuma

obrigação contraída, e não é senão amor ‘confluente’, para durar não mais do que a

satisfação derivada? (BAUMAN, 1998, p. 112).

Ele chama a atenção, então, para o aspecto da identidade, frisando que, nesse

contexto de rápida substituição de valores, é quase impossível adotar uma

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identidade fixa. Por um lado, a desvantagem seria a de nunca estar atualizado,

ter de reciclar-se e adotar uma postura nova a cada dia, mas, por outro,

evidencia também um desprendimento, que liberta o ser de se comprometer

com o que quer que seja – pessoas, lugares, trabalhos, cursos, amores – sem

responsabilidade pelo passado e sem planos para o futuro. Uma forma de

sempre deixar portas abertas por onde se possa movimentar e de viver um dia

de cada vez, “de retratar a vida diária como uma sucessão de emergências

menores”. (BAUMAN, 1998, p. 113).

Dessa forma, a nova ordem é não se comprometer com nada que carregue a

expressão “a longo prazo”; não se fixar a nada e nem a ninguém, não

permanecendo no mesmo lugar por muito tempo, por mais agradável que

possa parecer; buscar diversas capacidades ao invés de se dedicar a apenas

uma vocação; abolindo “o tempo em qualquer outra forma que não a de um

ajuntamento solto, ou uma seqüência arbitrária, de momentos presentes:

aplanar o fluxo do tempo num presente contínuo.” (BAUMAN, 1998, p. 113).

Uma vez disfarçado e não mais um vetor, não uma seta com um indicador, ou um

fluxo com uma direção, o tempo já não estrutura o espaço. Conseqüentemente, já não

há ‘para frente’ ou ‘para trás’; o que conta é exatamente a habilidade de se mover e

não ficar parado. Adequação – a capacidade de se mover rapidamente onde a ação se

acha e estar pronto a assimilar experiências quando elas chegam – tem precedência

sobre a saúde, essa idéia do padrão de normalidade e de conservar tal padrão

estável, incólume. Toda demora, também a ‘demora de satisfação’, perde seu

significado: não há nenhum tempo como seta legado para medi-la. (BAUMAN, 1998, p.

113).

Bauman afirma que, nesse contexto, a dificuldade talvez não seja construir (ou

mesmo comprar) uma identidade, mas fazer com que ela não se torne firme o

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bastante para fixar-se rápido demais ao corpo: “o eixo da estratégia de vida

pós-moderna não é fazer a identidade deter-se – mas evitar que ela se fixe”. E

a figura que melhor encarna esse comportamento pós-moderno, que serve

como uma metáfora para ele, é o turista:

(...) Antes e acima de tudo, eles realizam a façanha de não de não pertencer ao lugar

que podem estar visitando: é deles o milagre de estar dentro e fora do lugar ao mesmo

tempo. O turista guarda sua distância, e veda a distância de se reduzir à proximidade.

É como se cada um deles estivesse trancado numa bolha de osmose firmemente

controlada; só coisas tais como as que o ocupante da bolha aceita podem verter para

dentro, só coisas tais como as que ele ou ela permitem sair podem vazar. Dentro da

bolha o turista pode sentir-se seguro: seja qual for o poder de atração do lado de fora,

por mais aderente ou voraz que possa ser o mundo exterior, o turista está protegido.

O turista é aquele ser que viaja despreocupadamente, possuindo os pertences

necessários à sua sobrevivência no local para qual viaja. Sua atitude de

desprendimento quanto aos ambientes lhe dão a liberdade de ficar quanto

tempo quiser e, ao mesmo tempo, mudar de planos e interromper sua estada

sem se comprometer com um plano fixo; geralmente o faz sempre que sente

que o lugar em que está já não lhe interessa mais, quando sente que ele está

perdendo o controle, ou ainda, quando outras aventuras, em outros lugares,

parecem lhe parecem mais atraentes.

O nome do jogo é mobilidade: a pessoa deve poder mudar quando as necessidades

impelem, ou os sonhos o solicitam. A essa aptidão os turistas dão o nome de

liberdade, autonomia ou independência, e prezam isso mais do que qualquer outra

coisa, uma vez que é a conditio sine qua non de tudo o mais que seus corações

desejam. Este é também o significado de sua exigência mais freqüentemente ouvida:

‘Preciso de mais espaço’. Ou seja, a ninguém será permitido discutir o meu direito de

sair do espaço em que atualmente estou trancado. (BAUMAN, 1998, p. 114).

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O movimento é a principal característica desse turista que faz questão de não

possuir planos de viagens e se restringir a estar em um local e não a chegar a

algum lugar. Os pontos por onde passa não são locais planejados, mas

incidentes em seu trajeto. A lógica de seu trajeto não é antecipada e nem

visualizada no presente, só é dada, depois, quando, observando o itinerário

pelo qual passou, nota que eles se encaixavam e que, juntos, tinham certa

coerência.

Quando ainda em movimento, nenhuma imagem da situação futura se acha à mão

para encher a experiência presente com um significado; cada presente que se sucede,

como as obras de arte contemporâneas, deve explicar-se em função de si próprio e

fornecer sua própria chave para lhe interpretar o sentido. (BAUMAN, 1998, p. 115).

Assim como não se fixa aos lugares, também não se fixa às pessoas, fazendo

de cada relacionamento, de cada encontro, algo temporário, uma presença que

logo se tornará ausência, uma vez que elas foram encontradas por ele ao

acaso, como um evento a ser somada à sua trajetória.

A principal recompensa dessa espécie de desligamento do mundo por parte do

turista, no sentido não exatamente de uma passividade, mas de um

desprendimento em relação aos lugares e às pessoas, é sentir-se seguro, de

‘estar sob controle’: “(...) Este não é senão o que se pode chamar o ‘controle

situacional’ – a aptidão para escolher onde e com que partes do mundo

‘interfacear’, e quando desligar a conexão.” (BAUMAN, 1998, p. 115-116).

Nessa atitude inconseqüente, ele não deixa marcas por onde passa e também

não se responsabiliza pelo efeito de sua passagem.

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Mas, apesar dessa facilidade de desprendimento, o turista tem um ponto de

sustentação, um lugar para onde poderia voltar se quisesse. Como não tem a

necessidade de mover-se e sim o desejo, é o fato de achar que tem o poder de

escolher continuar vagando que faz de sua errância uma prática prazerosa. A

casa do turista, aquela onde exercia sua prática sedentária, é uma lembrança

que o conforta e o estimula, porque nela ele não poderia vivenciar as

experiências permitidas pela viagem, mas sabe que ela está à sua espera.

O ‘lar’, enquanto na ‘nostalgia’, não é nenhuma das verdadeiras edificações de tijolo e

argamassa, madeira ou pedra. O momento em que a porta é trancada do lado de fora,

o lar se torna um sonho. O momento em que a porta é trancada do lado de dentro, ele

se converte em prisão. O turista adquiriu o gosto pelos espaços mais vastos e, acima

de tudo, completamente abertos. (BAUMAN, 1998, p. 117).

Na definição de Bauman, enquanto os turistas abandonam o lar por escolha,

por prazer, os vagabundos o fazem por necessidade:

(...) Muitos talvez se recusassem a se aventurar numa vida de perambulação se

fossem solicitados a isso, mas eles não foram impelidos por trás – tendo sido,

primeiramente, desenraizados por uma força demasiadamente poderosa, e muitas

vezes demasiadamente misteriosa, para que se lhe resista. Vêem sua situação como

qualquer coisa que não a manifestação da liberdade. Liberdade, autonomia,

independência – se elas de algum modo aparecem no seu vocabulário –

invariavelmente vêm no tempo futuro. Para eles, estar livre significa não ter de viajar

de um lado para outro. Ter um lar e ser permitido ficar dentro dele. (...) Os vagabundos

são os restos do mundo que se dedicaram aos serviços dos turistas. (BAUMAN, 1998,

p. 117).

Mesmo que a ação do turista se configure em necessidade, visto que o mundo

exige uma atitude mais flexível, a sua liberdade de escolha é o seu trunfo, sem

ela seu trajeto perde poeticidade e ele deixa de se sentir seguro. Já os

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vagabundos não escolha, se ficam por mais tempo em um local, são logo

enjeitados, colocados para fora, porque sua presença perturba, causa repulsa.

Em lugar algum são bem-vindos. A estrada, para o turista, é uma aventura, a

oportunidade de encontrar um local atraente na próxima parada; para os

vagabundos, a estrada é uma necessidade, o único lugar onde podem

permanecer por determinado tempo. Estar sempre vagando é uma estratégia

de sobrevivência; “(...) se os turistas se movem porque acham o mundo

irresistivelmente atrativo, os vagabundos se movem porque acham o mundo

insuportavelmente inóspito.” (BAUMAN, 1998, p. 118).

O movimento é a marca da sociedade pós-moderna, como turistas ou

vagabundos, os seres têm de estar sempre saltando de um ponto a outro dos

espaços em busca de um local onde possa apoiar o pé enquanto prepara o

novo passo, porque não há certeza de nada, é bom sempre estar preparado

para mudar de direção. Essa é o único aspecto, segundo Bauman, que liga

vagabundos e turistas. Fora esta semelhança, os dois representam extremos

da sociedade:

Sugiro-lhes que a oposição entre os turistas e os vagabundos é a maior, a principal

divisão da sociedade pós-moderna. Estamos todos traçados num contínuo estendido

entre os pólos do ‘turista perfeito’ e o ‘vagabundo incurável’ – e os nossos respectivos

lugares entre os pólos traçados segundo o grau de liberdade que possuímos para

escolher nossos itinerários de vida. A liberdade de escolha, eu lhes digo, é de longe,

na sociedade pós-moderna, o mais essencial entre os fatores de estratificação.

Quanto mais liberdade de escolha se tem, mais alta a posição alcançada na hierarquia

social pós-moderna. (BAUMAN, 1998, p. 119).

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Mas, de certa maneira, turistas e vagabundos mantêm uma relação estreita de

interdependência, de forma que um não possa ficar sem o outro, sendo o

turista um modelo de oposição para o vagabundo que, por outro lado, é a prova

para o turista de que não há outra alternativa senão continuar vagando, o

motivo que os leva a agradecer sua condição de turistas:

Os vagabundos, as vítimas do mundo que transformou os turistas em seus heróis,

têm, afinal, suas utilidades. Como os sociólogos gostam de dizer, eles são ‘funcionais’.

É difícil viver em suas imediações, mas é inconcebível viver sem eles. São suas

privações gritantes demais que reduzem as preocupações com as inconveniências

marginais. É a sua evidente infelicidade que inspira outros a agradecerem a Deus,

diariamente, por tê-los feito turistas. (BAUMAN, 1998, p. 120).

Essa incursão pelo movimento realizada por Bauman tem como objetivo

construir a caracterização do ser pós-moderno, sempre em movimento, seja

por necessidade ou por prazer, descomprometido com o tempo e as pessoas,

tomando o espaço como elemento a ser desvendado, oportunidade para

experimentar aventuras, mas, ao mesmo tempo, tendo-o como condição

temporária, de onde não demorará em partir.

Essas afirmações se encaixam com a caracterização do zapeador, ser que não

se fixa em nada, sempre mudando os “canais” de forma a aproveitar todas as

oportunidades, todos os lances do jogo espacial, seja o televisivo, o urbano ou

o ciberespacial. Como uma das identidades do turista definido por Bauman, o

zapeador é o resultado de um outro tipo de mobilidade que se soma à descrita

por Pierre Levy no início do texto, quando se refere à gama de possibilidades

de veículos de deslocamento e de lugares a visitar que estão disponíveis para

os seres. A mobilidade do zapeador está mais relacionada aos aparelhos

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tecnológicos, que capacitam os seres a estarem em mais de um lugar ao

mesmo tempo; de percorrer longas distâncias em minutos; de carregar para

onde se quiser diversas informações, como dados pessoais, arquivos de

trabalho, músicas, vídeos, fotos; em muitas ocasiões, inclusive, visitar pessoas

e locais sem sair do lugar. Entre os aparelhos que permitem essa mobilidade

estão os celulares, a internet, os computadores portáteis, as web cams etc.

A velocidade de circulação e o uso intenso desses aparelhos tecnológicos

desenvolvem nos seres a capacidade de percorrem os espaços de uma forma

mais fragmentária e fluida, vivenciando temporalidades variadas em um mesmo

intervalo de tempo, como quando caminham e falam ao celular

simultaneamente.

A mesma prática utilizada nos meios técnicos, como navegar na internet, por

exemplo, é transportada para sua vida cotidiana, na forma como lida com o

ambiente e com os outros seres, circulando pelos locais sem se fixar a um

lugar ou a uma pessoa, apenas apreendendo aquilo que lhe interessa naquele

dado momento, operando “leituras” multilineares de seus relacionamentos, da

cidade, dos discursos.

Essa característica descentrada e efêmera do comportamento dos seres vem

sendo associada, em muitos estudos, ao ato de zapar ou de praticar o zapping.

Segundo explica Arlindo Machado (1993), o “zapping é a mania que tem o

telespectador de mudar de canal a qualquer pretexto, na menor queda de ritmo

ou interesse do programa e, sobretudo, quando entram os comerciais”. Além

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do zapping há um outro termo que também está relacionado com o ato de

saltar trechos de um programa televisivo: o zipping “é o hábito de fazer correr

velozmente a fita de vídeo durante os comerciais em programas gravados em

videocassetes”. Com a proliferação do controle remoto, práticas como o zapar

e zipar tornaram-se correntes, mais intensamente o zapar, uma vez que o uso

do DVD e sua estrutura capitulada tornou praticamente desnecessário correr o

programa para encontrar um ponto específico; uma determinada cena de um

filme, por exemplo, pode ser facilmente acessada pelo menu da mídia. Desta

forma, enquanto zipar perdeu um pouco de sua utilidade, zapar tornou-se ainda

mais comum:

(...) Zapa-se agora indiscriminadamente tanto em spots publicitários como em programas de estúdio,

filmes ou transmissões esportivas. Zapa-se a pretexto de tudo e de qualquer coisa. O

espectador de televisão não mais assiste a programas inteiros, nem acompanha mais

histórias completas. Ele salta continuamente, fazendo ‘amarrar’, de forma

desconcertante as imagens da repressão na África do Sul, com a cena de alcova

numa telenovela ou o anúncio sobre as virtudes de um creme dental (procedimento

conhecido como flipping). Às vezes, ele assiste a dois ou três canais ao mesmo tempo

(grazing), saltando para lá e para cá, num jogo de comutação que nem precisa mais

de uma justificativa baseada no interesse ou na sedução, mas tende a ser cada mais

aleatório, busca frenética e sempre insaciável da surpresa ou da diferença. E quanto

mais aumentam as opções (cabo, satélite, subscrição etc.), mais aumentam as

chances de zapar e de ampliar o leque de fragmentos. (MACHADO, 1993, p. 143-144).

Arlindo Machado atribui essa prática ao excesso de informação disponível e,

muitas vezes, imposta ao usuário das mais variadas mídias, do jornal impresso

aos sites na internet, de livros a programas televisivos, que levam o indivíduo a

selecionar mais o que deseja ver, ouvir e ler, apreendendo apenas os

fragmentos daquilo que lhe interessa. Mas, apesar da aparente imagem

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depreciativa dessa prática, o zapar é uma forma de leitura particular, uma

maneira de interpretar os signos, que exige talvez até mais do leitor do que um

texto linear:

O zapper é um navegante da noosfera, o reino dos signos: sua unidade de controle

remoto lhe permite atravessar espaços e tempos distintos e níveis diferentes de

realidade, alinhavando as faixas de onda, embaralhando gêneros e formatos,

redefinindo, enfim, as categorias do conhecimento. Essa atividade demanda,

evidentemente, reflexos rápidos, intuição para a seletividade e capacidade de

estabelecer conexões, mesmo que absurdas, nas redes de trânsito de informação.

(MACHADO, 1993, p. 144).

É dessa forma também que Beatriz Sarlo, em um estudo sobre a cultura

Argentina, interpreta a atividade de zapar:

Imagens demais e um dispositivo relativamente simples, o controle remoto, tornaram

possível o grande avanço interativo das últimas décadas que não foi resultado de um

desenvolvimento tecnológico da parte das grandes corporações, e sim dos usuários

comuns e correntes. Trata-se é claro, do Zapping [...] o Zapping nos permite ler como

se todas as imagens/frases estivessem unidas por um “e”, um “ou”, ou um “nem”, ou

simplesmente separadas por pontos. (SARLO, apud GARBIN, 2003).

Arlindo Machado chama a atenção também para o fato de que o zapping surgiu

como uma forma de protesto contra a banalidade e a mesmice dos canais

televisivos, uma forma de escapar aos efeitos anestesiantes dessa mídia.

William Burroughs é citado por Arlindo Machado como um dos pioneiros da

contracultura televisiva, incitando, no manifesto Electronic Revolution, a

população a

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(...) ‘desprogramar’ a televisão, seccionando os seus formatos, embaralhando os seus

canais, desmontando enfim a produtividade tirânica da ‘linguagem da administração’, a

fim de que fossem liberadas as obsessões pessoais, as energias sexuais, as viagens

interiores de todos e de qualquer um. (MACHADO, 1993, p. 145).

Mas, na realidade, com a quantidade de opções de canais disponíveis, muitas

vezes, com uma programação semelhante, o efeito de tal prática poderia ser a

colagem de diversos fragmentos de imagens com o mesmo tema. Além disso,

o caráter de contracultura perde intensidade ao ser incorporado à própria

estrutura da televisão, na montagem de programas, na produção de

videoclipes, em aberturas e uma série de outras formas de reciclagem de

imagens.

O mesmo princípio foi incorporado também por outras mídias, como a internet.

O efeito zapping pode ser observado também por quem tecla ou move seu

mouse por sites, muitas vezes, interagindo com vários deles ao mesmo tempo,

como uma loja virtual, um chat, um e-mail, o site de buscas etc. É um

comportamento inerente àquele que toma contato com o meio virtual, mas

presente, principalmente, na parcela mais jovem de interatores que vem sendo

chamada de geração zapping. É uma geração que cresceu em frente à

televisão, acostumada à videocliopes e narrativas seriadas, à tela do

computador, experimentando uma série de estímulos que levaram a um

desenvolvimento cognitivo diferenciado do das gerações anteriores e uma

capacidade de conexão textual mais apurada, com uma grande facilidade para

relacionar fragmentos de escrita, sons e imagens, assim como argumenta

Elisabete Garbin:

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(...) há uma juventude que convive, desde a infância, com a televisão, e que não

consegue imaginar o mundo sem ela, sem computador, sem Internet, sem chats, sem

sites, sem celulares etc. É uma camada juvenil que tecla num chat ao mesmo tempo

em que troca e-mails, navega em sites, assiste televisão [com o controle remoto à

mão], ouve música num walkman ou num aparelho de som e comenta o que assiste e

ouve no chat em que tecla, troca de canais a todo instante em busca de novas

imagens, de novos sons, dos mais diferentes lugares e com os mais diferentes

personagens, com uma velocidade ímpar, inventando, com isso, novas cenas – no

caso da televisão – compondo assim uma espécie de fast-food de imagens acionadas

por um controle remoto ou por um teclado. (GARBIN, 2003, p. 127).

Apesar de ter sua origem nas mídias, em especial, a televisão, como

demonstra o texto de Arlindo Machado, a prática de zapar não está restrita

apenas ao ato de saltar entre canais televisivos, estações de rádio, sites,

páginas de livros, tornou-se um comportamento dos seres diante dos mais

variados contextos, como o urbano, por exemplo.

Tarcyanie Santos, em uma investigação acerca do comportamento dos

internautas, principalmente em relação à procura por sites de relacionamentos,

chama a atenção para uma mudança nas características dos nômades

urbanos:

Aqui, aquela perambulação que é experimentada no vagar, sem pressa do flâneur é

substituída pela montagem do zapeador. Diferentemente daquele que faz da rua a sua

casa, procurando lembranças; este passa pela cidade com a mesma lógica de quem

muda seus canais de televisão com o controle remoto. Figura que não precisa

carregar a pressão familiar para encontrar na rua o seu espaço de liberdade, o

zapeador seleciona as partes da cidade que lhe interessam. A lógica que guia este

tipo urbano em passeio pela cidade material é a mesma de quem faz uma incursão na

cidade virtual. (SANTOS, 2004).

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O zapeador, o turista, as megacidades, as redes de comunicação via satélite,

os lugares e os não-lugares, representantes das principais questões que se

colocam para a sociedade informacional, como produto dela e seu ponto de

sustentação, fazem parte também das obras de arte contemporâneas, seja

como tema ou como objeto. Muitas dessas questões estão presentes nas obras

apresentadas neste estudo, como pode ser observado no próximo capítulo.

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3HIPERTEXTOS URBANOS

__________________________________________________

Na Atenas contemporânea, os transportes coletivos se chamam metaphorai. Para ir para otrabalho ou voltar para casa, toma-se uma ‘metáfora’ – um ônibus ou um trem. Os relatospoderiam igualmente ter esse belo nome: todo dia, eles atravessam e organizam lugares;eles os selecionam e os reúnem num só conjunto; deles fazem frases e itinerários. Sãopercursos de espaços.

Michel de Certeau, A invenção do cotidiano.

A deriva é uma forma de atribuir significado aos espaços. Ela se desenvolveu

num período de grandes mudanças sociais. Uma incursão pelo ato de

caminhar, a deriva, enquanto manifestação artística só poderia começar por um

movimento de vanguarda, no contexto do desenvolvimento das grandes

metrópoles, do nascimento da multidão e da velocidade enquanto condição

prioritária para se conseguir alcançar as mudanças sociais, econômicas,

tecnológicas e culturais que se multiplicavam em ritmo vertiginoso. Período que

assistiu a guerras, ao nascimento e morte de grupos político-ideológicos e que

fundou as bases para o desenvolvimento da pós-modernidade.

Apesar de, no contexto atual, outras questões se colocarem para os indivíduos,

a deriva ainda pode ser considerada uma forma de descobrir espaços,

desvendar os sentidos que lhe são inerentes, mas agora elas são de uma outra

ordem.

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As obras a seguir relatadas estão diretamente ligadas com esta primeira

deriva do Dadaísmo, assim como com a busca do inconsciente da cidade

do Surrealismo ou de lugares afetivos, como na psicogeografia dos

situacionistas, os responsáveis pela popularização do termo deriva;

mantém também relação com as obras landartistas e sua transformação

de espaços entrópicos em arte. Todos estes aspectos, de alguma forma,

fazem parte de obras que, apesar do uso de aparatos tecnológicos de

ponta, ainda continuam tendo o mesmo propósito dos primeiros

dadaístas, qual seja: descobrir espaços e, mais do que isso, encontrar o

sentido que lhe é inerente.

Afirmação que está relacionada com as idéias de Michel de Certeau

(1994), para quem todos os “modos de fazer” praticados pelos seres resultam

em produção, criação. Assim, “por exemplo, a análise das imagens difundidas

pela televisão (representações) e dos tempos passados diante do aparelho

(comportamento) deve ser completada pelo estudo daquilo que o consumidor

cultural ‘fabrica’ durante essas horas e com essas imagens.” (CERTEAU, 1994,

v.1: p. 39). Assim é o ato de cozinhar, o ato de conversar, de ler um jornal e,

em especial, o de andar. Caminhar é, para o autor, comparado ao ato de ler,

uma forma de apropriar-se da produção do outro, atribuindo sentido,

construindo uma nova obra.

E é, para ele, no chão que reside o verdadeiro ato de vivenciar a cidade,

sendo os pedestres escritores de um texto urbano, do qual fazem uma leitura

incipiente, visto que não têm uma visão integral do ambiente pelo qual

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caminham, apreendendo dele apenas algumas partes, trechos que compõem

seu mapa mental da cidade, mas que também fazem parte dos diversos mapas

mentais dos outros habitantes que também já foram escritores daquele mesmo

espaço.

As redes dessas escrituras avançando e entrecruzando-se compõem uma história

múltipla, sem autor nem espectador, formada de fragmentos de trajetórias e em

alterações de espaços: com relação às representações, ela permanece

cotidianamente, indefinidamente, outra. (CERTEAU, 1994, v. 1, p. 171).

Mas as obras descritas a seguir vão mais longe do que apenas percorrer

espaços, elas têm como característica principal o uso do próprio espaço

informacional, das ferramentas tecnológicas nele disponíveis, para promover a

interação com o espaço urbano, em especial os vazios, os lugares periféricos e

entrópicos, que, muitas vezes são evitados pelos próprios habitantes, mas que

podem conter, como mostram estas obras, grande carga de significados.

No espaço urbano vivenciado na atualidade, a intenção dos artistas não é tanto

reorganizar a cidade, mas sim, desenvolver formas de se movimentar pelos

espaços, inserir-se nos fluxos que passam pelas ruas, pelos cabos, pelas

antenas, pelos painéis, pela diversidade de aparelhos que os transeuntes

carregam. O objetivo é saltar de um ponto a outro das redes de relações entre

os seres ou entre os pontos de dados. E quando se aproximam de uma

metáfora textual, ela se assemelha mais a um hipertexto5, com links que

5 A grande quantidade de textos que se dissertam sobre o hipertexto faz com que sua definiçãose torne repetitiva e, muitas vezes, de acordo com o público a que se destina um fala,desnecessária. Apesar disso, é relevante frisar a definição de hipertexto aqui utilizada baseia-se na formulada por Teodor Nelson e Vannevar Bush e publicada por Pierre Levy (1993) naobra As tecnologias da inteligência – o futuro do pensamento na era digital, qual seja:

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permitem unir informações díspares, interagir com palavras, imagens e sons ao

mesmo tempo, sem se preocupar com a linearidade e a coerência, mas

primando pela mobilidade – elemento-chave da sociedade informacional.

3.1 Relatos urbanos

“In ciberspace, people became places”

É esta frase que pontua a obra 253 – a novel for the internet about London

Underground in seven cars and a crash6, de Geoff Ryman. Em um metrô de

Londres, constituído por sete vagões, somando um total de 253 pessoas, 252

passageiros mais o motorista, pessoas estranhas umas às outras se

encontram, são forçadas a uma convivência juntas, ao menos pelo tempo que

dure o trajeto. Cada passageiro permanece em seu estado individualizado

absorto em seus pensamentos enquanto o metrô segue percorrendo as

estações.

Esse é o cenário onde se desenrolam as histórias que compõem esta obra de

ficção, acessível por um site na internet. Hoje constitui-se uma obra acabada,

ou seja, não é mais modificada, permanecendo na rede apenas como forma de

registro de uma experiência realizada, mas durante um certo período, ela se

“[hipertexto é] um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras,páginas, imagens, gráficos, ou partes de gráficos, seqüências sonoras, documentoscomplexos que podem eles mesmos ser hipertextos. Os itens de informação não sãoligados linearmente, como em uma corda com nós, mas cada um deles ou a maioria,estende suas conexões em estrela, de modo reticular. Navegar em um hipertexto significaportanto desenhar um percurso em uma rede que pode ser tão complicada quanto possível,porque cada nó pode, por sua vez, conter uma rede inteira”. (p.33)

6 253 - a novel for the internet about London Underground in seven cars and a crash, de GeoffRyman. Disponível: http://www.ryman-novel.com/

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constituía em uma produção narrativa7 coletiva, ou seja, um formato de

construção de histórias que conta com a participação do público, enviando

trechos de textos e comentários.

A obra é formada por blocos de texto, cada um deles correspondente a um

personagem que se encontra num dos vagões. O interagente pode escolher no

mapa do trajeto do metrô por onde começar sua interação, qualquer um dos

vagões está acessível e todos estão interligados por links. Uma tabela

simboliza o vagão com a posição de cada passageiro, que é identificado por

um número, por seu nome e aspectos que o caracterizem; por exemplo, entre

os passageiros do vagão 1, estão: “1. TAHSIN CILECKBILECKLI: driver”; “2.

VALERIE TUCK, badges and identity”; “37. RICHARD TOMLINSON, love and

death”; “3. DEBORAH PAYNE, brains and beauty”; “36. JASON LOVERIDGE,

brains and beauty”; “4. DONALD VARDA, an American werewolf”; “35. MARIE

BREATNACH, brains and beauty” e assim por diante.

Ao clicar no nome de um personagem, o interagente é direcionado para a sua

página, a qual consta de uma descrição do indivíduo sob três aspectos: 1) sua

aparência física, 2) sua aparência interior ou poderia-se nomear de particular,

privada, as características do ser que poucas pessoas de seu convívio têm

acesso e 3) uma descrição do que está fazendo ou pensando naquele

momento. Nessas descrições há duas presenças ainda: a do narrador e a do

7 A narrativa abordada neste estudo é de um tipo especial, realizada por meio de ferramentas e em suportes eletrônicos, que acabam por

condicionar seu formato e seu conteúdo. Estas narrativas carregam muito de um formato literário – o relato de viagens – que foi bastante

apreciado durante os séculos XVIII e XIX e para o qual nomes célebres da literatura contribuíram, como o alemão Goethe. Assim, aconcepção de narrativa aqui utilizada é a de um encadeamento de fatos e eventos – reais ouimaginários – relatados por meio da escrita, de uma seqüência de imagens ou até da produçãodo mapa de um percurso realizado.

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interagente, sendo que o segundo tem acesso aos personagens pela fala do

primeiro.

Abaixo, um exemplo de uma dessas páginas de descrição:

Entre os textos, estão links que remetem a outras personagens ou a textos

informativos, o leitor pode percorrê-los ao seu gosto. Como se pudesse realizar

o antigo desejo humano de saber quem são as pessoas que o circundam, o

que fazem, o que pensam. Atitude essa que tem semelhança com o retrato

esboçado por Walter Benjamin (1985) quando fala das fisiologias, obras

16Mrs Minerva Nicholas

Outward appearanceAn older woman, face creased by continual despair. She is too short for the seats --

the tips of her thick soft blue shoes only just reach the floor. She is an oddcombination of the academic and the prosperous. A Silver eagle broach is pinned toher cloth coat, a Hermes scarf splashes pink and black across the collar. She looks

as if she were hypnotized, concentric circles of flesh around her eyes.

Inside informationLives in Marlow. Husband is a Head Teacher in High Wycombe. He takes the car;

she has the commute, getting up at 6.00 every morning. The cushioned shoes helpwith the walk to the station. Works for a mental health charity in Lower Marsh.

What she is doing or thinkingShe is remembering a dream from this morning. She dreamt that her house was inBosnia. She was serving supper, carrying in a dish of Brussels sprouts, her husband

sitting at the table.Something was thrown through the window. In her dream she knew it was a bombfull of ball bearings. She flung herself back into the kitchen, there was a crackling of

fireworks.She can still hear the noises her husband made -- like cricket balls dropped intocustard, and a horrible dog like yelp that rose to a squeal. The sudden silence

afterwards told her that her unattractive but decent husband was dead.That is what Bosnia is like. It is real. And now someone has threatened to knife theman sitting next to her. She feels delicate, shivery and wants to get off the train.

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literárias que restringiam-se ao trivial ou banal na descrição da sociedade, dos

tipos mais variados que visitavam as feiras, freqüentavam óperas, andavam

pelas ruas. Elas simbolizavam uma forma de apresentar às pessoas uma

aparência pacífica dos outros seres com quem tinha, de agora em diante nessa

sociedade massificada com o surgimento das metrópoles, de conviver lado a

lado em bondes, nas calçadas, nas galerias etc.

A obra de Geoff Ryman é também um retrato da alteridade na sociedade pós-

moderna, na qual cada pessoa é identificada por sua aparência, que, muitas

vezes, não condiz com sua “vida real”, um lado de sua identidade – como suas

preferências, suas atitudes privadas, seus desejos íntimos – que fica invisível

aos outros, que tem de ser encoberta para não mostrar quem se realmente é.

O narrador é o único a poder entrar nesse mundo, também aberto ao

interagente.

Dentro da temática urbana, os locais de trânsito, como aeroportos, metrôs,

trens etc., são bastante freqüentes. Talvez porque evidenciem duas das

características da vida pós-moderna e que já foram comentadas no capítulo 2,

qual seja a mobilidade e a atitude nômade, tanto do turista quanto do

vagabundo, definidos por Bauman (1998) como aqueles que estão sempre em

movimento, seja por necessidade ou por prazer e cujos comportamentos

refletem os aspectos extremos encontrados nos seres da pós-modernidade.

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Uma outra obra que tem como temática a mobilidade dos meios de transporte é

Stop Motion Studies8, de David Crawford. Apesar da temática semelhante de

253 – a novel for the internet about London Underground in seven cars and a

crash, a obra de David Crawford aproxima-se mais das ferramentas do cinema

do que da literatura. No lugar dos blocos de textos, o interagente encontra

pequenos vídeos de pessoas, aparentemente reais e comuns, em suas

atividades cotidianas no metrô. Os vídeos são geralmente pequenos, com

gravações de gestos apenas, mas que, ao serem repetidos ininterruptamente

parecem formar uma seqüência mais longa.

No site do artista, o interagente encontra uma infinidade de vídeos, gravados

em cidades como Tókio, Paris, Londres, Boston, entre outras. Elas são

reunidas por temas, como “mulher mexendo a cabeça”, “criança sorrindo”,

“homem observando”, “jovem esperando”. Um dos efeitos mais interessantes

permitidos pelo site é poder abrir na tela, simultaneamente, quatro quadros

com seqüências de cidades diferentes, podendo escolher as cenas que se

deseja ver. Ao colocar lado a lado pessoas efetuando os mesmos gestos, em

locais distantes no espaço, como as cidades citadas, assim como no tempo,

pois cada tomada foi realizada em uma data diferente, a impressão que se tem

é que os seres estão num mesmo espaço, como se estivessem no mesmo

vagão do trem ou do metrô, assim como, parece que pertencem ao mesmo

contexto sócio-cultural. As distâncias não são apagadas apenas em seus

aspectos espaciais e temporais, mas também em seu caráter diferencial com

relação à paisagem que demarca cada lugar, no não-lugar do metrô, por

8 Stop Motion Studies, de David Crawford. Disponível: http://www.stopmotionstudies.net/sms/

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exemplo, o mundo todo é apenas um, em cujo local o tempo também é sempre

o mesmo: o presente.

253 – a novel for the internet about London Underground in seven cars and a

crash e Stop Motion Studies são dois exemplos entre muitos outros de obras

que se constituem como relatos da vida urbana, tanto da vida cotidiana de seus

personagens como das histórias que encerram cada local.

A idéia de reunir relatos de experiências em apenas um lugar é o que pode ser

entrado também em The city stories project9, na verdade, um portal composto

por links para diversos sites de cidades. Toda e qualquer pessoa pode abrir um

site para uma cidade, aplicar-lhe um visual diferenciado e postar experiências

reais (e/ou imaginárias) que façam parte de seu cotidiano ou do de outras

pessoas que habitam este espaço, como explica Derek Powazek, um de seus

organizadores:

What's the big idea here?

I have this idea. There is a thing that I call city-based storytelling. It's somewhere in

between a personal journal and a city guide. It's a series of personal stories where the

city itself becomes a character in your story. SF Stories is basically my long love letter

to San Francisco. What city do you love?

What is The City Stories Project?

It's a network of city-based storytelling sites, tying real people in real cities all over the

world together with a thread of personal stories.

9 The city stories project. Disponível: http://citystories.com/

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What is city-based storytelling?

It's halfway between a personal journal and a travel book. It's when you tell the stories

of your life, and the city itself becomes a key character. It's a long, winding love story to

the city you live in. It's personal, true stories about what it's like to be who you are, and

live where you live10.

É como se cada cidade tivesse um perfil próprio, como um perfil do site de

relacionamentos orkut ou MySpace. Para visitar Istambul, por exemplo, basta

clicar no link específico e adentrar suas particularidades e a vivência dos seres.

Os textos se aproximam de um relato jornalístico, mas com características

literárias, como os textos encontrados em blogs, por exemplo; o que se

observa no trecho abaixo, do site dedicado à cidade de San Diego:

10 Op. Cit.

June 16, 2005

the burning of san diego

I awoke at 10:30 am to near darkness. Dim light spilled into my studio through

the slits in the blinds. Confused, I got out of bed, a little hung over from the night

before. The throbbing headache was the payback for breaking my vow not to ever

drink ‘like that’ again. From my bathroom, I noticed the red-tinge to the light

coming through the window. Had there been a solar eclipse? Usually they

announce that stuff in advance. I decided to take look outside. Pulling open my

door, I stuck my head out and looked up, seeing for the first time a cloud of smoke

so enormous that my mouth opened and caught a few bits of ash that were raining

down out of the sky. The only words I could utter were “Holy Shit.”

It was a surreal scene. The smoke cloud cut a wide swath in the sky, completely

dividing the city into light and dark. From my porch, I saw Downtown, which was

still enjoying a nice, sunny morning. A little over a mile north, the rest of the city,

starting from Middletown, as far up to La Jolla, was blanketed in a heavy red

darkness. Ash was neatly piling up in the gutter next to my porch. The odd thing

was that there was no smell of smoke. I knew something was burning, and from

the looks of it was big. I called my folks to find out if there was a fire in Mission

Hills. My mother had been watching the news, and told me that the fire had been

burning since last night, up near Ramona, but had rapidly spread down to

Lakeside and Santee. (...)

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O interessante desse projeto é o caráter coletivo. A memória dessas cidades

vai sendo produzida pela atuação de diversas pessoas, cada uma delas com

uma percepção diferente desse espaço, construindo uma história não-oficial,

que não consta de livros didáticos e de manuais de urbanismo, mas que faz

tanto sentido para quem as habita quanto estas.

E o fato de pessoas, em diversas partes do mundo, colaborarem, construindo

páginas para suas cidades, relatando o cotidiano em cada uma delas, dá a

impressão de que o mundo pode caber em um portal na internet. As etnias, as

diferenças de raça, de religião não são apagadas mas mescladas.

3.2 Derivas informacionais

Como demonstra o exemplo do The city stories project, pode-se afirmar que

todos os espaços são marcados por memórias, lendas, fatos históricos,

curiosidades que constituem o significado desses lugares, como se fosse sua

identidade.

Mas, num espaço cada vez mais dirigido à velocidade, à fluidez e à

efemeridade, onde, em muitos casos, as diferenças sócio-econômicas fazem

aflorar a criminalidade que tanto causa medo em seus habitantes, despertando

o medo da convivência e a necessidade de construir espaços que

proporcionem segurança, como espaços cercados e vigiados, perceber os

significados dos espaços se torna cada vez mais difícil. Abandonados ou

esquecidos, muitos espaços se tornam vazios – de sentido, de significado, de

memórias.

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Como forma de resgatar a percepção desses espaços, alguns projetos

passaram a utilizar-se de aparelhos sofisticados, como laptops, GPS, palms e

mais todo um aparato técnico para promover caminhadas pelo espaço,

buscando mapear os lugares que possuam para elas algum sentido. Esses

projetos, dentre os descritos neste estudo, são os que mais se assemelham às

excursões dadaístas, às deambulações surrealistas e, principalmente, às

derivas psicogeográficas situacionistas.

Um deles, é o já citado projeto 34north118west11, no qual os interagentes são

convidados a percorrer um determinado espaço, um distrito de Los Angeles,

por exemplo, equipados com aparelhos de comunicação e posicionamento,

como um de um aparelho GPS (Global Positioning System), um laptop e fones

de ouvido. Durante a caminhada, guiado pelo aparelho de posicionamento,

interagente vai construindo um mapa de seu percurso, enquanto recebe na tela

do laptop e nos fones de ouvido, sons, imagens e textos que dialogam com o

espaço observado, como a trajetória histórica de determinado edifício, uma

lenda que faça parte do local, uma música que foi composta para ele, a

imagem registrada por um outro interagente que por ali passou, enfim, uma

variedade de tipos de memória que são próprias a esse lugar.

É uma forma de flanar, como definiria Walter Benjamin (1985) esse ato de

caminhar observando os locais, como se os investigasse. E cada caminhante,

ao percorrer estes trajetos, constrói sua própria história, uma narrativa

particular que se mescla a uma grande narrativa coletiva composta pelo

11 34north118west. Disponível: http://www.34n118w.net/

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conjunto de obras produzidas por todos os interagentes, assim como na

descrição da obra presente no site do projeto:

(...) A fictional narrative is an agitated space. A story world is constructed with

attention to selection of detail and level of its description (setting and its establishment

of tone, subtext and above all, physical place). The traditional role of the author has

been to carefully use these tools to create the other world. The city is also an agitated

space. A city is a collection of data and sub-text to be read in the context of

ethnography, history, semiotics, architectural patterns and forms, physical form and

rhythm, juxtaposition, city planning, land usage shifts and other ways of interpretation

and analysis. (...) The project ‘34 North 118 West’ utilizes technology and the physical

navigation of a city simultaneously to forge a new construct. The narrative is

embedded in the city itself as well as the city is read. The story world becomes one of

juxtaposition, of overlap, of layers appearing and falling away. Place becomes a multi-

tiered and malleable concept beyond that of setting and detail to establish a fictive

place, a narrative world12.

Na verdade, retomando o que já foi dito, o que os responsáveis pelo

projeto 34north118west realizam é a materialização de algo que é comum a

todos os seres e que também estava presente no The city stories project: o fato

de cada habitante de um local, seja urbano ou não, ter uma história para

contar, experiências vividas ou tomadas de relatos de antepassados, de livros,

ou até mesmo inventadas. A reunião de todos estes relatos, da visão que cada

indivíduo faz do lugar onde habita, constrói a narrativa do local.

Essa idéia aproxima-se também de uma outra afirmação de Michel de Certeau

em relação ao espaço que é a de que as narrativas, os relatos de caminhadas

e viagens podem funcionar como meio de transporte que conduz os seres

pelos espaços, isto é, o relato é uma prática do espaço:

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E todo relato é um relato de viagem – uma prática do espaço. A este título, tem a ver

com as táticas cotidianas, faz parte delas, desde o abecedário da indicação espacial

(‘dobre à direita’, ‘siga à esquerda’), esboço de um relato cuja seqüência é escrita

pelos passos, até ao ‘noticiário’ de cada dia (‘Adivinhe quem eu encontrei na

padaria?’), ao ‘jornal’ televisionado (‘Teherã: Khomeiny sempre mais isolado...’), aos

contos lendários (as Gatas Borralheiras nas choupanas) e às histórias contadas

(lembranças e romances de países estrangeiros ou de passados mais ou menos

remotos). Essas aventuras narradas, que ao mesmo tempo produzem geografias de

ações e derivam para os lugares comuns de uma ordem, não constituem somente um

‘suplemento’ aos enunciados pedestres e às retóricas caminhatórias. Não se

contentam em deslocá-los e transpô-los para o campo da linguagem. De fato,

organizam as caminhadas. Fazem a viagem, antes ou enquanto os pés a executam.

(CERTEAU, 1994, v. 1, p. 200).

E, balizando o que havia sido afirmado, Michel de Certeau diz que o corpo

desses relatos é retirado, na verdade, da memória que se encerra em cada

local, ou antes da percepção que cada indivíduo tem desse lugar, constituindo-

se uma espécie de antimuseu:

A dispersão dos relatos indica já a do memorável. De fato, a memória é o antimuseu:

ela não é localizável. Dela saem clarões nas lendas. Os objetos também, e as

palavras, são ocos. Aí dorme um passado, como nos gestos cotidianos de caminhar,

comer, deitar-se, onde dormitam revoluções antigas. A lembrança é somente um

príncipe encantado de passagem, que desperta, um momento, a Bela-Adormecida-no-

Bosque de nossas histórias sem palavras. ‘Aqui, aqui era uma padaria’; ‘ali morava a

mere Dupuis’. (...) Os demonstrativos dizem do visível suas invisíveis identidades:

constitui a própria definição do lugar, com efeito, ser esta série de deslocamentos e de

efeitos entre os estratos partilhados que o compõem e jogar com essas espessuras

em movimento. (CERTEAU, 1994, v. 1, p. 189).

E continua:

12 Op. Cit.

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Os lugares são histórias fragmentárias e isoladas em si, dos passados roubados à

legibilidade por outro, tempos empilhados que podem se desdobrar mas que estão ali

antes como histórias à espera e permanecem no estado de quebra-cabeças, enigmas,

enfim simbolizações enquistadas na dor ou no prazer do corpo. ‘Gosto muito de estar

aqui!’ é uma prática do espaço este bem-estar tranqüilo sobre a linguagem onde se

traça, um instante, como um clarão. (CERTEAU, 1994, v. 1, p. 190).

“Histórias à espera” de serem redescobertas pelo caminhar mais detido e

observador desse tipo de pedestre. O interessante do projeto é que cada novo

interagente pode somar seus relatos e imagens aos produtos das caminhadas

de outros interagentes, como numa narrativa coletiva.

Mas há duas formas de vivenciar esta experiência: de forma passiva ou ativa e

linear ou não-linear. Há o interagente que caminha guiando-se pelo mapa e

seguindo cada ponto indicado dentro de um trajeto já pronto e planejado, com

começo, meio e fim, esta seria uma experiência passiva e linear. Há outros

interagentes que preferem saltar pontos e determinar o trajeto de acordo com

sua curiosidade diante dos locais, buscando por sua própria vontade nos

aparelhos informações sobre os locais por onde deseja passar, constituindo-se

uma experiência mais ativa e fragmentária, ou seja, não-linear. São os mesmos

termos que são comumente aplicados à leitura, como acontece ao leitor de um

livro como O jogo da amarelinha, de Júlio Cortázar, por exemplo, tanto fazer

um leitura linear, seguindo a ordem seqüencial das páginas , quanto não-linear,

saltando de uma página a outra de acordo com a numeração indicada no final

dos capítulos ou, ainda, escolher qual texto deseja ler, aleatoriamente.

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São termos também utilizados pela idealizadora de um projeto bem semelhante

ao 34north118 west, chamado Annotate Space DUMBO13. Foi elaborado por

Andrea Moed e tem esse nome por causa do seu local de aplicação, uma

região antiga do Brooklyn de frente para a vizinhança de DUMBO (Down Under

the Manhattan Bridge Overpass). Ao contrário de 34north118 west, Andrea

trabalha apenas com palm, computador portátil que, apesar da tela reduzida,

pode comportar muitas informações e permitir leituras razoáveis.

Depois de um longo tempo promovendo pesquisas pelo local e entrevistando

seus habitantes, além de ter promovido uma incursão pelas histórias e relatos

de pessoas que vivenciaram experiências instigantes em diversos locais do

mundo, a artista elaborou o que para ela é a continuação de uma prática

milenar de contar histórias, comparando-se inclusive a Marco Pólo:

I believe that beyond this task-oriented set of options, the potential remains formore engaging, enlightening digitally mediated interactions with the urbanenvironment, using technology that is now widely available. While some

technologists see this promise in augmented vision and other sensory-immersive

strategies, I am more interested in the perspective-altering potential of narrative.

Annotate Space is inspired by centuries of great place-based storytelling by writers,

artists and documentarians, from Marco Polo to Rick Burns. Philosophically, it

draws upon the work of the historic preservation movement, which for over a

century has responded to the accelerated rate of change in the built environment

by encouraging people to appreciate the aesthetic, educational and spiritual

qualities of places, so that great places may be recognized, valued and maintained.

Finally, I am influenced by digital artists from the hypertext novelists onward, who

design computer-mediated experiences that build in the act of reflection14

13 Annotate space - Dumbo. Disponível: http://www. panix.com/~andrea/annotate/index14 Op. Cit.

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Mas é fato que tanto um projeto quanto o outro mantém, mesmo que sem

querer, um diálogo com as obras situacionistas; percorrer esses locais

marcados numa tela de um aparelho de posicionamento não deixa de ser uma

forma de desvendar os sentimentos que esses locais despertam nos seres, ou

seja, essa experiência torna-se uma deriva psicogeográfica. A proximidade

entre esses locais e os “lugares afetivos” dos situacionistas é bem pequena.

3.3 A imersão como deriva

Ao mesmo tempo em que utilizam as caminhadas auxiliadas por equipamentos

portáteis como forma de descobrir os espaços, outros artistas, especializados

na construção de ambientes imersivos, possibilitados pelo uso de ferramentas

de Realidade Virtual, constroem espaços virtuais pelos quais se pode

“caminhar”, descobrindo novos locais, como uma cidade toda feita de textos ou

redescobrindo a própria cidade em um passeio pelo presente e o passado

simultaneamente, a um simples giro de um equipamento eletrônico.

O primeiro exemplo, de uma cidade composta por textos é uma idealização já

antiga do artista Jeffrey Shaw, nomeada sugestivamente de The legible city15.

A instalação da obra consistia em uma bicicleta instalada em frente a um painel

onde eram projetadas imagens. Ao pedalar com a bicicleta, os lugares dessa

cidade, uma Nova Iorque transformada em texto, cujos prédios são palavras,

iam desfilando na tela como se o interagente estivesse realmente pedalando no

espaço da cidade-texto. Com a mudança de direção operada pelo manejo da

bicicleta podia-se mudar de direção também no trajeto percorrido na tela.

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Enquanto interagia, o indivíduo podia montar frases ou viajar por texto de

personagens célebres da cidade representada, como se ela fosse um grande

hipertexto

Um outro projeto de Jeffrey Shaw também se utiliza da imersão em uma

imagem para levar os interagentes a descobrirem o espaço. Trata-se da

recriação do panorama, uma instalação com uma grande tela circular, em cujo

centro ficava o observador. Em contato com estas imagens, aquele que

vivenciava a experiência tinha a sensação de estar dentro da imagem. Em

Place-Ruhr16, o interagente pode experimentar a sensação de estar em

Panorama do século XVIII, mas com paisagens e ferramentas tecnológicas do

século XXI. Para melhor entender o funcionamento dessa instalação, nada

melhor do que recorrer à explicação do próprio artista:

The work presents a virtual landscape containing eleven cylinders that show particular

sites in the Ruhr17 area. The viewer can navigate this 3D space and enter these

panoramic cylinders, inside each of which a surrounding cinematic sequence fills the

projection screen and presents a 360 degree pre-recorded situation and acted event.

The ground surface of the overall landscape is inscribed with a diagram of the

Sephirothic 'Tree of Life' in figurative relation to which the eleven Ruhr site cylinders

are situated. This diagram is coupled to a map of existing underground mining tunnels

in the Dortmund area. The identity of each of the eleven sites is defined by its

environmental scenography (both actual and composited) conjoined with the time

based events that have been staged there.

On the platform there is a column with an underwater video camera. This device is the

interactive user interface, its buttons and handling allow the viewer to control his

15 The legible city. Disponível: www.jeffrey-shaw.net16 Op. Cit.

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movement through the virtual scene as well as cause the rotation of the platform and of

the projected image around the circular screen. A small monitor within this housing also

shows the ground plan of the virtual environment with reference to the user's location

there.

A microphone on top of this interface camera picks up any sound that the viewer

makes, and this causes the release of continuously moving three dimensional words

and sentences within the projected scene. Originating in the center of the screen, the

physical arrangment of these texts in the virtual environment is determined by the path

of the viewer movements while they are being generated. These texts have a temporal

five-minute life span; becoming more and more transparent until they disappear they

constitute traces of the viewer's presence there18.

Uma experiência parecida e bem interessante – o Visorama19 – foi

desenvolvida por André Parente, em parceria com a Universidade Federal do

Rio de Janeiro e o Instituto de Matemática Pura e Aplicada do CNPq. Também

tendo se inspirado no panorama, ele construiu um dispositivo que permite ao

interagente visualizar a paisagem do Corcovado, no Rio de Janeiro, como se lá

estivesse, com o diferencial que ele pode, a todo momento, mudar seu ângulo

de visão, tanto em termos espaciais, como passar do Corcovado para o Pão-

de-Açúcar, quanto temporais, como visualizar a aparência do espaço naquele

exato ponto da cidade no passado.

Eu venho trabalhando nesses últimos cinco anos na criação e no desenvolvimento de

um sistema de realidade virtual chamado Visorama. Trata-se de um sistema de

visualização com aplicação na representação e na simulação dos espaços urbanos.

Uma de suas aplicações poderia ser na área do turismo histórico. A partir de um lugar

turístico como o Corcovado ou o Pão de Açúcar, você pode ver a paisagem do Rio em

vários momentos do tempo, ver como ela evoluiu, contar a história desta paisagem. É

17 O título do trabalho Place-Ruhr faz menção a um rio da Alemanha.18 Op. Cit.19 Visorama. Disponível: http://www.eco.ufrj.br/visorama

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um sistema totalmente original, tanto para o hardware, como para o software

(PARENTE, 2004).

E acrescenta em um outro trecho:

É, é um sistema ao mesmo tempo imersivo e interativo. É também um sistema

hipertextual, porque trabalha com links no espaço que permitem o espectador saltar de

um ponto a outro: estou de fato no Corcovado, vendo a paisagem circundante, mas

posso pular para o Pão de Açúcar e ver a paisagem ao entorno, como se eu estivesse

lá mesmo. O sistema simula um dispositivo óptico, um telescópio, um binóculo: a idéia

é fazer o espectador ter a impressão que ele está olhando através da ocular, embora o

que ele esteja vendo é uma imagem gerada pelo computador. Você cria uma estrutura

de navegação que, por exemplo, permite ao espectador se deslocar no espaço (do

Corcovado ao Pão de Açúcar) e no tempo (como a paisagem vista de um mesmo

ponto mudou ao longo do tempo). (PARENTE, 2004).

Com toda certeza é uma nova forma de flânerie, mas é também uma outra

forma de perceber a cidade, como se sobreposta à imagem da cidade atual

houvesse a imagem de um passado, sem prédios altos, ruas congestionadas

pelo trânsito, poluição etc., talvez até sem a interferência do homem, como no

caso da paisagem pré-histórica do Rio de Janeiro, incluída em uma das

versões do projeto. É uma oportunidade vivenciar uma cidade que já não existe

mais, mas que a insatisfação com esses aspectos da cidade faz surgir, a todo

momento, como uma forma de refúgio na nostalgia.

É também uma experiência informativa, pois, assim como nos projetos

34north118west e Annotate space, aqui também os locais são marcados por

memórias, fatos históricos, informações que constituem a essência da cidade e

faz parte da imagem que seus habitantes têm dela.

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Como o próprio André Parente argumenta, Visorama se insere em uma

linguagem tecnológica de sistemas imersivos de visualização de imagens, cujo

primeiro dispositivo, pode-se dizer, de comunicação de massa a possibilitar aos

seres essa experiência teria sido o panorama. Tal dispositivo foi patenteado por

Robert Barker em 1787, mas bastante difundido e apreciado durante o século

XIX. Os espectadores tinham uma visão monumental da paisagem e bastante

surpreendente para os indivíduos nessa época, possibilitada por uma

construção gigantesca, “construída em rotundas equivalentes a dois ou três

andares20.”

Com o sucesso dessas experiências, surgiram outras diversas versões do

panorama, como o Alporama, Europorama, Cosmorama, Georama, Neorama,

Pleorama, Pandorama, Diorama, Mareorama, Moving Panorama, Photorama,

Cineorama, Cinerama. Em cada versão, um aprimoramento, como a

construção de cenários para aumentar ainda mais o aspecto imersivo, cenários

que simulavam vagões de trem, bondes, navios e os mais diversos tipos de

meios de transporte, um dos temas de maior interesse nessa época, as

pessoas nunca haviam experimentado o desenvolvimento de tantas formas de

deslocamento no espaço como nesse período. E as janelas dos trens eram a

metáfora para a própria vivência, sentar-se confortavelmente e apreciar uma

paisagem que passa diante dos olhos. Mas a popularidade dos panoramas tem

relação também com a forma como as pessoas percebem o ambiente, como se

estivessem sempre no centro.

20 PARENTE, André. O olhar do observador. Disponível:www.pucrs.br/famecos/pos/revfamecos/11/parente.pdf

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E por que remontar a um dispositivo do século XVIII para vivenciar o espaço na

atualidade? Talvez porque hoje, mais do que naquele tempo, as pessoas

desejam penetrar na paisagem. Enquanto os espectadores do panorama se

encantavam com o movimento, principalmente com a velocidade, os

interagentes da atualidade se esforçam por vivenciar experiências em que

possa desligar-se da realidade circundante, experimentar estar em outros

locais, muitas vezes até imaginários, mas sem terem de se fixar a este local,

podendo, a qualquer momento desligar o aparelho e voltar a sua vida cotidiana.

É nesse sentido que proliferam os ambientes artificiais, onde os seres podem

encontrar tudo que possuem no ambiente físico, mas com possibilidades que a

fisicalidade não permite, como construir uma outra identidade, ser outra

pessoa, como é o caso do Second Life, mas poder, se não gostar da versão de

si mesmo, alterá-la ou até mesmo deletá-la a qualquer momento. Um

comportamento que está no cerne do turista descrito por Bauman, aquele ser

que não se fixa a lugar algum, mas está sempre pronto para dedicar-se a uma

nova aventura.

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ЏCONCLUSÃO____________________________________________________

(...) se é verdade que existe uma ordem espacial que organiza um conjunto depossibilidades (por exemplo, por um local onde é permitido circular) e proibições (porexemplo, por um muro que impede prosseguir), o caminhante atualiza algumas delas.Deste modo, ele tanto as faz ser como aparecer. Mas também as desloca e inventa outras,pois as idas e vindas, as variações ou as improvisações das caminhadas privilegiam,mudam ou deixam de lado elementos espaciais. (...) E se, de um lado, ele torna efetivasalgumas somente das possibilidades fixadas pela ordem construída (vai somente por aqui,mas não por lá), do outro aumenta o número dos possíveis (por exemplo, criando atalhosou desvios) e o dos interditos (por exemplo, ele se proíbe de ir por caminhos consideradoslícitos ou obrigatórios). (...) Cria assim algo descontínuo, seja efetuando triagens nossignificantes da ‘língua’ espacial, seja descolando-os pelo uso que faz deles. Vota certoslugares à inércia ou ao desaparecimento e, com outros, compõe ‘torneios’ espaciais‘raros’, ’acidentais’ ou ilegítimos.

Michel de Certeau, A invenção do cotidiano.

O espaço para Michel de Certeau (1994) é um elemento heterogêneo sob o

qual atuam forças de poder, mas que também permite o desvio, a prática de

escapar ao controle, ao menos, por meio de sua apreensão. Em resposta à

tendência de enxergar os espaços apenas pelo viés da opressão e das forças

dominantes, Certeau toma o caminho contrário, tentando investigar essas

formas encontradas pelos seres para construir o desvio, abrir brechas no

espaço de poder:

Ao invés de permanecer no terreno de um discurso que mantém o seu privilégio

invertendo o seu conteúdo (que fala de catástrofe e não mais de progresso), pode-se

enveredar por outro caminho: analisar as práticas microbianas, singulares e plurais,

que um sistema urbanístico deveria administrar ou suprimir e que sobrevivem a seu

perecimento; seguir o pulular desses procedimentos que (...) se reforçam em uma

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proliferação ilegitimada, desenvolvidos e insinuados nas redes da vigilância,

combinados segundo táticas legíveis mas estáveis a tal ponto que constituem

regulações cotidianas e criatividades sub-reptícias que se ocultam somente graças

aos dispositivos e aos discursos, hoje atravancados, da organização observadora.

(CERTEAU, 1994, v. 1, p. 175).

Foi uma abordagem semelhante a esta que se tentou realizar com este estudo.

Investigar algumas manifestações que se constituem uma espécie de tática

praticada pelos seres para escapar às opressões que lhe são impostas nos

mais diversos setores sociais, mas em especial no ambiente das grandes

cidades.

No espaço urbano, os seres sempre sentiram mais intensamente os efeitos das

alterações sociais. Quando de uma guerra, um dos primeiros alvos é sempre a

cidade, local de concentração de instituições de poder, ponto de sustentação

das estruturas econômicas e políticas do Estado. É a cidade, por outro lado,

que experimenta as primeiras inovações em termos de comportamento, de

ideologia e, principalmente, no campo do desenvolvimento de ferramentas de

transporte e comunicação.

Os seres que vivem nesses espaços urbanos são o reflexo desse contexto,

geralmente marcados por uma vida cinza, entre a paisagem de concreto; como

já dizia o título de uma das obras de Richard Sennet, a cidade é feita de “carne

e pedra”, sendo a parte da “carne” os corpos que por ela transitam.

Mas, como se quis mostrar, os habitantes da cidade são mais do que corpos

para a cidade, são eles que a fazem crescer, que a transformam, que moldam

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a sua aparência e sua essência. Apesar de muitas vezes se sentirem oprimidos

no ambiente urbano, os seres apreciam a vida nas cidades, porque elas os

desafia a cada momento a encontrar uma nova forma de sobrevivência. E são

estas táticas que interessam a este estudo.

Habitar, alimentar-se, sentir-se saudável são necessidades básicas que se

colocam a qualquer ser humano; são elas que constituem os aspectos

principais da sobrevivência. Atribuir significado ao espaço também é uma

necessidade; sem uma noção de espaço ao qual pertence, mesmo que seja

temporariamente, o ser sente que lhe falta estrutura, base. No âmbito das

táticas praticadas pelos seres em sua jornada diária de sobrevivência, quais

são aplicadas para atribuir significados ao espaço?

Nesse ponto, a arte tem um papel preponderante, como demonstrado nas

várias manifestações artísticas aqui descritas. Quando os dadaístas escolhem

um jardim em frente a uma igreja no centro de Paris como um lugar banal – ao

invés de buscar um campo, uma pastagem – é porque eles sabem que um

jardim em uma cidade não é algo tão banal assim, sabem que o fato de

realizarem sua performance nesse espaço aparentemente sem utilidade,

chamará mais a atenção do que em uma ambiente fora da cidade. Um jardim

no meio do campo praticamente desaparece, já um jardim no meio da cidade é

como uma ilha. Mesmo assim, aquele pedaço de terra gramado não é visto

pelos seres que todos os dias passam por ele, muitas vezes o pisam, mas não

o percebem. Provavelmente, depois que os dadaístas se foram, naquele 14 de

abril de 1921, aquele pequeno território em frente à igreja deixou de ser, ao

menos por alguns dias, não mais um jardim, mas o jardim.

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Casos semelhantes foram aqui apresentados, como a rodovia por onde Tony

Smith fez um passeio de carro. Antes de sua visita, ela era uma rodovia em

construção; depois, tornou-se um novo modo apreender a arte, que daria

origem aos movimentos minimalista e landartista. Uma rodovia se torna um

objeto artístico e, depois dela, um terreno devastado, uma linha extensa

pisada na grama que atravessa a paisagem, uma série de círculos cuja

presença se torna marcante em diversos ambientes por onde passou Robert

Smithson, ambientes que nem os artistas atribuíam importância antes dele.

Todas estas são formas de atribuir significado aos espaços operadas pela arte.

Dando prosseguimento a esta idéia, os artistas contemporâneos continuam

(re)inventando maneiras de interagir com o espaço e de atribuir-lhes novos

significados. Apropriando-se das mais diversas ferramentas dos meios de

comunicação e informação, hoje os seres transformam os mapas-colagem

realizados por situacionistas em cartografias de trajeto no pequeno painel de

um palm ou de um aparelho GPS; suas obras circulam em painéis eletrônicos

espalhados pela cidade ou em celulares.

Mas não é apenas a implementação de ferramentas tecnológicas que

caracteriza estas obras, o seu diferencial está na participação ativa do público.

O jardim dos dadaístas foi pisado por eles, teve seus postes marcados por

cartazes e sua imagem representada numa fotografia onde aparecem todos os

artistas reunidos, mas o público apenas assistiu à performance de forma

passiva, esboçando até alguns sentimentos de divertimento ou desaprovação,

mas a obra foi praticada apenas pelos artistas. Em um projeto como muitos

aqui apresentados, nos quais o público é chamado a colaborar, o significado do

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espaço onde se exerce a manifestação artística se expande e deixa uma marca

mais profunda.

E tem acontecido, cada vez com mais freqüência, de os próprios habitantes,

fora do campo artístico, se unirem com o intuito de promover um espaço.

Muitas vezes, essa união acaba se transformando em uma comunidade, com

integrantes em todo mundo, cada um deles inventando formas diferentes de

transformar seu ambiente, como é o caso do The city stories project.

Orgulhosos com suas intervenções, os indivíduos postam imagens e textos em

portais relatando suas experiências, construindo uma narrativa coletiva

mundial, como se fosse um relato de viagem que se tivesse realizado por

diversos lugares do planeta.

Este estudo configurou-se apenas num recorte sobre a relação dos seres e, em

especial, dos artistas com o espaço urbano, tendo, é necessário reconhecer,

deixado de abordar aspectos que ajudariam a construir um mapa mais coeso

das formas de atuação e intervenção. Mas constitui o início, a base para novas

investigações – ou talvez, partindo delas, realizar análises mais profundas. E

se tem de haver uma conclusão, algo que se quis provar ou, ao menos, afirmar,

é que quanto mais os seres se sentirem controlados e limitados em seu

espaço, mais eles desenvolveram formas de escapar, principalmente, em

termos artísticos.

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