depressão

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Mal do século já atinge uma em cada quatro pessoas, mas o Evangelho apresenta solução

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A v e r d A d e c o m c o n t e ú d o e v A n g é l i c o

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Junho / Julho 2009A n o 2 , n ú m e r o 1 1

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14 A violência às portas da igreja P o r M a u r i c i o Z á g a r i | Crimes vitimando crentes são cada

vez mais comuns, trazendo perplexidade à comunidade evangélica

18 Pastores que oprimem P o r J o a n n a B r a n d ã o | Jornalista lança livro em que aborda

a questão do abuso espiritual praticada por líderes contra seus fiéis

22 Um povo crente P o r Va l t e r G o n ç a l v e s J r | Embora alardeado, número das

pessoas sem religião na sociedade brasileira é mínimo – e até elas acreditam em Deus

34 Parece, mas não é P o r S u l a m i t a R i c a r d o | Igrejas e congregações

independentes adotam indevidamente nomes de grandes denominações com as quais não mantêm qualquer vínculo

38 Mal do século P o r D a n G . B l a z e r | Depressão atinge pelo menos uma em

quatro pessoas ao longo da vida, mas fé em Cristo pode ajudar suas vítimas

48 Calvino vive P o r Yu r i N i k o l a i | No quinto centenário de nascimento do

reformador francês, sua doutrina experimenta novo avanço

56 Combustão espontânea P o r C a r l o s Fe r n a n d e s | Autodenominado militante pró-

família, Julio Severo ataca o movimento gay e defende ideias com pouco eco até mesmo dentro da Igreja

60 Uma igreja do tamanho do Brasil P o r C a r l o s Fe r n a n d e s | Assembleia de Deus faz das

comemorações do centenário mais um desafio missionário

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F o t o D e c A p A : H e r m A n H o o y s c H u u r

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6 Primeiras palavras7 Cartas e mensagens8 CH Informa

P&R: Rick WarrenMENTE E CORAÇÃO: John Piper

28 Reflexão | R i c a r d o A g r e s t e

Entre turistas e peregrinos

30 Perspectiva | E d R e n é K i v i t z

O Livro e os livros

44 Especial | A l i s t e r M c G r a t h

A origem das espécies segundo Agostinho

50 Mulher | E s t h e r C a r r e n h o

Falando de inveja

52 CH Cultura Livros | J a q u e l i n e R o d r i g u e s

Vídeos | N a t a n i e l G o m e s

Música | N e l s o n B o m i l c a r

62 Os outros seis dias | C a r l o C a r r e n h o

Quem não gosta de samba, bom cristão não é

64 Últimas palavras | C a r l o s Q u e i r o z

O coroinha e o office-boy

N O T Í C I A S , S E Ç Õ E S E C O L U N A S

Junho / Julho 2009

10 A senadora evangélica Marina Silva: prêmio

12 Mar da Galileia

pode secar

9 Continuam investigações

sobre tragédia da Renascer

INTERNACIONALComo controlar a próxima PandemiaOs cristãos têm, na melhor das hipóteses, uma resposta curiosa

IGREJAO surgimento do PentecostalismoFatos notáveis e pouco conhecidos sobre os primeiros anos do Pentecostalismo

ARTIGOSPhilip Yancey Vivendo como parte do mundo e abrindo nossas cortinas para o milagre da criação

SOLIDARIEDADEElizabeth Taylor doa 100 mil dólares para instituição cristã A atriz judia foi inspirada pelo apelo de Barack Obama para que as pessoas quebrem barreiras ideológicas e políticas

Bono Vox em ação socialEm mensagem aos cristãos Bono pede aos evangélicos para tomarem a frente na luta contra a Aids e a pobreza

ENTREVISTACiência e féFrancis Collins, diretor e fundador do Projeto Genoma Humano mostra a compatibilidade entre a fé e a ciência.

ApologéticaLee Strobel acha que os métodos tradicionais dos apologetas não funcionam mais

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6 C R I S T I A N I S M O H O J E | j u n h o / j u l h o 2 0 0 9

Revista Cristianismo HojeA verdade com conteúdo evangélico

www.cristianismohoje.com.br

Quem somosCristianismo Hoje é uma publicação evangélica, nacional e independente, que tem como objetivo informar, encorajar,

unir e edificar a Igreja brasileira, comunicando com verdade, isenção e profundidade os fatos ligados ao segmento cristão, bem como o poder transformador do Evangelho a todos os

seus leitores

A revista tem uma parceria com o grupo Christianity Today International, um dos mais importantes grupos de mídia cristã

do mundo, com 8 revistas e mais de 30 sites de conteúdo

Conselho EditorialCarlo Carrenho • Carlos Buczynski • Eleny Vassão Eude Martins da Silva • Marcelo Augusto Souto

Mário Ikeda • Mark Carpenter • Nelson Bomilcar Richard Werner • Ronaldo Lidório • Volney Faustini

William Douglas • Ziel Machado

EditorMarcos Simas

Diretor de redação e jornalista responsável Carlos Fernandes – MTb 17336

Jornalistas desta edição Dan G. Blazer • Derek R. Keefe • Yuri Teixeira

Joanna Brandão • Maurício Zágari • Sarah Pulliam Sulamita Ricardo • Valter Gonçalves Jr

ColunistasCarlo Carrenho • Carlos Queiroz • Ed René Kivitz

Esther Carrenho • Nataniel Gomes Nelson Bomilcar • Ricardo Agreste • Rubinho Pirola

RevisoraAlzeli Simas

Colaboradores desta ediçãoAlister McGrath • Carlos Buczynski

Jacqueline Rodrigues • Paulo Pancote

ArteOliverartelucas

[email protected]

Assinaturas0800 644 4010

[email protected]

Informações e permissões para republicação de artigos

[email protected]

DistribuiçãoMR Werner Distribuidora de livros Ltda.

CNPJ 06.013.240/0001-07 – IE 07.450.716/001-45Caixa postal 2351 Brasília, DF

CEP 70842-970

Impressão Gráfica Ediouro

Tiragem – 20.000 exemplares

Cristianismo Hoje é uma publicação bimestral daMsimas Editora Ltda.

ISSN 1982-3614

Carlos Fernandes Diretor de Redação

Primeiras Palavras

Dizem que ela é o mal do século. É verdade – afinal, essa tal de-pressão é uma daquelas coisas das quais pode-se dizer que, se você ainda não teve, possivelmente vai ter um dia. Conjunto de sintomas neurológicos e psiquiátricos que, em casos extremos, pode levar à

completa incapacidade do indivíduo, a depressão tem afetado cada vez mais pes-soas. E ao contrário de tantas outras enfermidades, que vitimam preferencial-mente determinados segmentos da sociedade, ela afeta tanto ricos como pobres, jovens e idosos, mulheres e homens – enfim, é uma doença global. E entre os que padecem com seus efeitos, há incrédulos e crentes. Sim, a fé em Jesus não é garantia contra a depressão. A novidade é que esta realidade já não é tão escanda-losa: novos estudos e pesquisas mostram que as causas das síndromes depressivas são muito mais orgânicas que espirituais.

Na reportagem de capa desta edição de CRISTIANISMO HOJE, a depressão é tratada com a seriedade e a isenção que o assunto recomenda. É preciso ter bom senso e honestidade para admitir que sofrer de depressão não é sinal de pecado ou falta de fé – mas a boa notícia é que o Evangelho também tem solução para este problema. Da mesma forma, outra chaga de nosso tempo, a violência, faz cada vez mais vítimas dentro das igrejas. O caso da jovem Karla Leal dos Reis, assassinada na frente dos pais quando a família voltava da igreja, chocou o país. Nesta edição, pastores e especialistas discutem o problema que, lamentavelmente, afeta a todos – mas os que confiam no Senhor sabem que a sua graça é melhor que a vida.

Provocar reflexão e levar informação acerca do multifacetado segmento cristão é a proposta de CRISTIANISMO HOJE. Nem sempre o que encontramos expressa nossa opinião ou postura teológica; todavia, conhecer o que se tem feito em nome do Evangelho é fundamental para que possamos compreender melhor o que é exatamente o Reino de Deus.

Lágrimas, dores e graça

““

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Por necessidade de clareza e em função do espaço dis-ponível, CRISTIANISMO HOJE reserva-se o direito de editar as cartas que recebe, adaptando sua linguagem ou suprimindo texto. Todas as mensagens foram recebidas via portal www.cristianismohoje.com.br

Cartas e mensagens

Infelizmente, vemos como o Evangelho tem sido barateado por profissionais da fé

[sobre reportagem Mais do mesmo, edição nº 10]. Na mídia, pouco ou quase nada se ouve sobre pecado, arrependimento, vida nova. O que era tema das pregações no Novo Testamento não é falado mais; mudam-se as verdades em benefício próprio. Oremos e voltemos nossos olhos para o que Deus quer, e digamos não ao falso Evangelho. Maurício Pereira do Carmo

Eu sou de uma igreja evangélica histórica e nunca vi o que tenho visto na Igreja

Mundial do Poder de Deus. Lá, tenho experimentado o que acontecia nos tempos de Jesus. Meu marido foi curado de várias enfermidades depois que estivemos no templo do Brás [em São Paulo]. Ele tomava 14 remédios por dia e agora não toma nenhum! Muitas são as críticas – e elas são válidas –, mas

é preciso ir lá. Quem vai não quer sair mais; é simplesmente maravilhoso. Ali, oferta quem quer; ninguém é obrigado a ofertar se não quiser. O apóstolo Valdemiro é simplesmente um instrumento usado por Deus. Rachel Alvarenga Rosa Franco

Esse messianismo alucinado traz consigo um enfraquecimento da

Palavra de Deus. Tudo gira em torno do líder, considerado um porta-voz do alto, e a Palavra de Deus é sacrificada em nome de um sentimentalismo superficial. Vendem os benefícios da cruz sem a cruz. Pregam uma graça barata, que nada e a ninguém transforma. Cada vez mais a Igreja Evangélica brasileira perde sua vez e voz.Luiz Fernando Ramos de Souza

O que mais me irrita nessas igrejas, além da deturpação que fazem da Bíblia, é o

sectarismo e a mania de perseguição. Ouse questionar a teologia da prosperidade ou a liderança da Igreja Universal, por exemplo, com um de seus membros... Eles consideram qualquer crítico como invejoso ou alguém que foi manipulado pelas reportagens da chamada “mídia secular”. E ainda vão despejar um monte de passagens bíblicas sobre a perseguição contra a “igreja de Cristo”. É gente que não pensa – seus bispos é que pensam por eles. São como papagaios doutrinados, repetindo tudo o que ouvem de seus líderes na igreja, que consideram como homens santos de Deus, que nunca erram. Isso deve justificar a dificuldade que têm em aceitar opiniões contrárias aos erros de sua liderança.Felipe Magalhães

Sempre que leio ou fico sabendo de movimentos como esse, recordo-me

da passagem de Jeremias 5.30-31: “Coisa espantosa e horrenda se anda fazendo na terra: os profetas profetizam falsamente, e

os sacerdotes dominam de mãos dadas com eles; e é o que deseja o meu povo. Porém, que fareis quando estas coisas chegarem ao fim?Fernando Frasso

A Bíblia diz que, quando os justos de calam, os maus governam. Sobre o

acordo do governo brasileiro com a Igreja Católica “na calada da noite” [reportagem Por baixo dos panos, edição nº 10], sabemos que esse é o intento de alguns governistas há tempos. Seria interessante levantar um abaixo-assinado repudiando tal acordo.Maurício Pereira do Carmo

A campanha 40 Dias de jejum e oração pelo Brasil [reportagm da edição nº

10] é uma boa iniciativa, porque une em propósito comum comunidades que na prática são divididas. Mas como ouvirão se não há quem pregue? Jejuns e orações são fundamentais, mas onde estão a pregação, o amor, o socorro, o discipulado? Igrejas não vão tornar o mundo absolutamente reto, visto que existe uma coisa no ser humano que se chama livre arbítrio, e alguns optam pela força do pecado. Um dos objetivos dos 40 dias precisa ser a visão cristã para a contemporaneidade, livre de moralismos e maniqueísmos, na busca de uma fé que verdadeiramente redescubra a Cristo. Angelo Davi

CONTATO COM CHREDAçãO DA [email protected] Inclua seu nome e endereço completos

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Jejuns e orações são fundamentais,

mas onde estão a pregação, o

amor, o socorro, o discipulado?

Pa r a n o t c i a s d i á r i a s , v e j a e m w w w. c r i s t i a n i s m o h o j e . c o m . b r

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CH InformaLeia Também

[ M i N i s T é R i O ]

Contas aprovadasInvestigação do Senado americano não encontra irregularidades no Ministério Joyce Meyer

Depois de dois anos sob inspeção do Comitê de Finanças do Senado dos Estados Unidos por conta de supostas irregularidades na arrecadação e aplicação de seus recursos, o Ministério Joyce Meyer ( JMM) deu um grande passo para manter sua credibilidade intacta. O Conselho Evangélico para Contabilidade Financeira (ECFA, na sigla em inglês) anunciou a aprovação das contas da organização. A decisão é baseada nos chamados “sete padrões de responsabilidade financeira”, incluindo contabilidade, transparência, administração das diretorias e ética no levantamentos de fundos.

O Comitê parlamentar, liderado pelo senador de Iowa Chuck Grassley,

investigou não apenas o grupo ligado à palestrante e escritora Joyce Meyer, mas também outras seis organizações cristãs: o Ministério Paula White, liderado por Randy e Paula White; Ministério Kenneth Copeland; Igreja Batista Novo Nascimento, dirigida pelo

bispo Eddie Long; World Healing Center Church; Igreja Internacional World Changers, do pastor Creflo Dollar; e a Healing Center Church World, de Benny Hinn. Na mira, o suposto enriquecimento ilícito de seus dirigentes e um possível aproveitamento ilegal do status de entidades sem fins lucrativos concedido a esses seis ministérios. Até uma cômoda comprada por Joyce Meyer, que segundo informações teria custado US$ 23 mil, entrou na berlinda. Já Hinn teve que explicar a origem dos 3 milhões de dólares usados na compra de uma mansão na Califórnia. O assunto foi tema de reportagem na edição nº 3

de CRISTIANISMO HOJE. Grassley elogiou a cooperação do

JMM com as investigações. O grupo disponibilizou relatórios de como as contribuições são aplicadas. “O Ministério Joyce Meyer proveu respostas extensas a todas as perguntas”, confirmou o senador, que é membro da Igreja Batista. Segundo o parlamentar, a entidade tem promovido um diálogo “aberto e honesto” com o Comitê. O relatório anual diz que 83% dos gastos do ministério foram feitos com programas de evangelismo (televisão, livros, conferências etc) e com serviços de ajuda humanitária. O grupo cita, ainda, que todos os lucros das vendas de material midiático são usados nos projetos da entidade, assim como todos os fundos levantados nas conferências.

SBI faz 200 anosEntidade também comemora 15 anos no Brasil e sucesso da Nova Versão Internacional

Fundada em 1809 em Nova Iorque (EUA) com o objetivo de disseminar a Palavra de Deus entre seus habitantes e os imigrantes, a Sociedade Bíblica Internacional (SBI) chega ao seu bicentenário como uma instituição globalizada. Com Bíblias publicadas em mais de 375 línguas, a instituição também está completando 15 anos de atividades no Brasil e comemora o sucesso de seu mais amplo empreendimento, a Nova Versão Internacional (NVI) da Bíblia. Muito bem aceita pelos crentes brasileiros, a NVI tem sido adotada como versão padrão por diversas denominações, graças à sua clareza e contemporaneidade – sem abrir mão da fidedignidade aos textos originais em hebraico, aramaico e grego, garantida pelo trabalho de uma comissão permanente de revisão.

“Estamos vivendo em todo o mundo um período de crise que abre uma grande oportunidade para a pregação da esperança que há em Cristo”, destaca o diretor-executivo da SBI no Brasil, Mario Barbosa. Em abril, a instituição elegeu sua nova diretoria, conduzindo o pastor Key Yuasa à presidência. “Com a direção deste grupo, estaremos cada vez mais aptos a realizar o trabalho necessário para que a entidade cresça e com ela a distribuição da Palavra de Deus em nosso país”, anuncia Barbosa.

[ M í d i A ]

Louvor disputadoPrograma Levitas, apresentado pela cantora Cassiane, vai selecionar artistas gospel

Desde maio, quem sintoniza a rede CNT nas noites de sábado encontra uma atração bem ao estilo dos reallity shows que viraram coqueluche da televisão mundial. Mas o

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Jó na tela da Globo 9Marina Silva premiada 10Mar da Galileia pode secar 12Batistas fazem 400 anos 13

A palestrante e escritora Joyce Meyer: contas aprovadas pelo Comitê do Senado

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programa tem cara de crente, linguagem de crente e o objetivo maior, pelo menos segundo os idealizadores, é o louvor ao Senhor. É o Levitas, versão gospel do Ídolos, que vai ao ar pelo SBT. Apresentado pela cantora Cassiane, uma das maiores vendedoras de CDs do showbiz evangélico, Levitas é uma produção de sua gravadora, a Reuel Music, e teve um período de três meses de seleção de candidatos, que enviaram vídeos de todo o Brasil. Participam do júri, entre outros, o produtor musical Jairinho Manhães, marido da apresentadora. Os 32 pré-selecionados passarão por sucessivas eliminatórias até chegar ao vencedor, que será conhecido em 15 de agosto, por votação popular. Ele – ou ela – vai ganhar um contrato com a Reuel para gravar um CD.

Jó na tela da GloboPróxima novela das seis da emissora será baseada na vida do personagem b´blico

A próxima novela global das seis será inspirada na vida de Jó, o personagem bíblico

que é considerado exemplo de resistência ao sofrimento. O protagonista, Gustavo (provavelmente, o ator Carmo Della Vecchia), será um homem que perde todas as riquezas e, a partir daí, descobre um novo sentido para a vida. Com o título provisório de Pelo avesso, o folhetim substituirá a novela Paraíso e está sendo escrito por Thelma Guedes e Duca Rachid, sob supervisão de João Emanuel Carneiro. A direção será de Ricardo Waddington. “Gustavo foi uma criança pobre, mas enriqueceu a qualquer custo”, antecipa Thelma. “Seu amigo, Alcino, articula para que ele perca tudo, representando Deus na história de Jó”. A dupla de autoras também assinou a trama O Profeta, exibida pela Globo em 2006 e que também tratou de temática religiosa.

[ C O M P O R T A M E N T O ]

Kama Sutra católicoPadre polonês lança guia prático de sexualidade para casais

Um padre polonês escreveu um guia prático e teológico sugerindo como

casais casados podem melhorar sua vida sexual. A obra, intitulada Sexo como você não conhece – Um guia para casais casados que amam a Deus, já está sendo chamado de “Kama Sutra católico”, numa comparação com o célebre livro hindu da sexualidade. O objetivo do padre Ksawery Knotz ao escrever o livro foi, segundo o próprio, acabar com as “atitudes excessivamente conservadoras” de muitos fiéis. O religioso franciscano parece bem entusiasmado com o conteúdo de seu livro: “Sexo no casamento não deveria ser enfadonho, e sim apimentado, surpreendente e cheio de fantasia. Cada ato, carícia ou posição sexual com objetivo de agradar ao cônjuge é permitido e agrada a Deus”. A quem estranha que tais sugestões partam de um monge celibatário, Knotz explica que sua experiência advém de muitos anos de aconselhamento a casais. O guia, lançado pela editora Pawel, tem o apoio da Igreja Católica da Polônia e já vai para a segunda edição, depois de vender cinco mil cópias nas primeiras semanas de comercialização.

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P+rBatismo às avessasCristãos já podem renunciar à própria fé através de documento

A National Secular Society (Sociedade Nacional do Secularismo, em tradução livre), entidade britânica que promove a já famosa campanha publicitária do ateísmo nos ônibus de Londres, inventou mais uma. É o “certificado de desbatismo”, documento através do qual qualquer cristão arrependido pode refutar seus votos e compromissos religiosos. O diploma pode ser baixado e preenchido pela internet ou adquirido, na forma de papel, pelo equivalente a uns R$ 10. Segundo a organização ateia, mais de 100 mil pessoas já requisitaram a novidade. No certificado, está escrito que o detentor está liberado “do pecado original que nunca teve”.

[ J u s T i Ç A ]

Ainda sem soluçãoQuase seis meses depois de desabamento do templo, causas da tragédia da Renascer começam a aparecer

Quase seis meses depois do desabamento do templo-sede da Igreja Apostólica Renascer em Cristo, em São Paulo, as causas da tragédia começam a aparecer. De acordo com exame elaborado por técnicos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), a falta de reforço metálico na estrutura que sustentava o telhado do templo foi o fator decisivo para a queda do teto, que causou nove mortes e deixou mais de 100 feridos no dia 18 de janeiro, um domingo. Das 14 tesouras de madeira que sustentavam a cobertura, apenas uma, a que ficava em

cima do púlpito, não havia recebido reforço durante a reforma executada há dez anos. Foi justamente esta que se partiu, fazendo com que tudo ruísse sobre os fiéis que aguardavam o culto das 19h.

Os eventuais indiciamentos por responsabilidade no acidente vão depender do resultado do laudo do Instituto de Criminalística, com previsão para sair em junho. Mesmo assim, já há ações contra a igreja correndo na Justiça. Uma delas é movida pela família da adolescente Gabriela Nascimento Britto, de 15 anos, que morreu no desabamento. A advogada Gleice Mendoza disse que as indenizações pedidas por danos morais e materiais chegam a 1,7 milhão de reais. A Renascer não comenta a ação.

[ C O T i d i A N O ]

Igreja vendidaPastor de Duque de Caxias (RJ) precisou se desfazer do templo para quitar d´vidas com energia elétrica

Um pastor de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, pôs sua igreja à venda porque não conseguiu pagar a conta de luz. Mário Rodrigues Lopes, de 68 anos, dirige a Assembleia de Deus Nova Canaã e disse, durante audiência pública na Câmara de Vereadores daquele município, que a dívida da congregação, que já chega a R$ 7 mil, cresceu muito depois que a concessionária Ampla mudou o sistema de aferição do consumo. “Depois da implantação do novo chip, o valor da conta pulou para mais de 600 reais mensais”, queixou-se o religioso. Muitos moradores do município também estão reclamando de aumento abusivo das tarifas. “A única alternativa foi vender o prédio. Recebi um adiantamento, com o qual quitei as contas atrasadas”, disse Lopes. Agora, a congregação, de cerca de 40 pessoas, está à procura de um novo local para suas reuniões.

[ G E N T E ]

Marina Silva premiadaSenadora evangélica recebe prêmio por sua militância ambiental

A senadora Marina Silva (PT-AC) foi escolhida para receber o Prêmio Sofia 2009, comenda internacional que reconhece os esforços de pessoas do mundo inteiro

Dirigente de uma das maiores igrejas evangélicas dos Estados Unidos, a Comunidade Saddleback, na Califórnia, o pastor Rick Warren é considerado uma das personalidades mais influente de seu pa´s. Neste panorama de crise econômica mundial, ele conversou com CRISTIANISMO HOJE acerca dos efeitos da recessão sobre seu ministério:

CRisTiANisMO HOJE – sua igreja tem sido afetada pela crise? RICK WARREN – Bem, nós fomos afetados, mas não

pela queda nas doações. Recessões vêm e vão – estou há trinta anos em Saddleback, e nós já passamos por três ou quatro declínios diferentes. Mas eu cancelei todos os meus compromissos fora do país, e fiz isso porque senti que esse é um tempo que eu preciso ficar em casa.

O último batismo em sua igreja levou às águas cerca de 2,4 mil pessoas. A recessão faz com que as pessoas busquem a fé?Reavivamentos geralmente acontecem fora de recessões, fora de tempos difíceis. Três coisas crescem nas recessões: a frequência às igrejas, a frequência aos bares e a frequência aos cinemas. Isso acontece porque essas três coisas representam o que as pessoas estão procurando: sentido, conexão e satisfação. Através dos nossos grupos de conexão com propósitos, nós estamos tentando ajudar nosso povo a encontrar soluções para questões a administração do dinheiro nesses tempos de dificuldade.

O senhor acaba de lançar a revista trimestral Purpose-driven Connection (Conexão com propósitos), pela Reader’s digest. Não é uma cartada arriscada no meio de uma crise? Nenhuma revista está indo muito bem nesse momento. Esse é um tempo difícil para se publicar uma revista. A razão pela qual nós escolhemos a Reader’s Digest é porque ela nos escolheu. Tim Collins, o maior acionista e investidor do grupo, leu meu livro Uma vida com propósitos e se tornou meu amigo. Ele me convidou para lançar a publicação por lá.

As pessoas procuram sentido

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Investigações sobre tragédia da Renascer ainda não terminaram, mas v´timas já procuram Justiça

CH Informa

12 C R I S T I A N I S M O H O J E | j u n h o / j u l h o 2 0 0 9

palestra ou uma entrevista. O evento acontece entre os dias primeiro e cinco de julho, na cidade histórica de Paraty, região sul do Estado do Rio de Janeiro.

O avião de Terra NovaL´der do G12 se diz constrangido, mas admite que aquisição de aeronave é sonho que Deus lhe deu

“Estou constrangido, mas me submeto, porque o Senhor colocou este sonho em meu coração”. Foi com estas palavras que René Terra Nova, apóstolo do Ministério Internacional da Restauração (MIR), reagiu à sugestão do pastor americano Mike Murdock, que pediu doações para que ele adquirisse um avião. Após uma ministração, Murdock disse que Deus levantaria 120 pessoas que doariam cada uma dez mil reais com aquele objetivo. Em pouco tempo, centenas de líderes subiram ao altar para se comprometer a entregar a oferta. Segundo Murdock, o ato é uma prova de que, mesmo em tempos de crise, “os filhos de Deus prosperarão”.

Um dos maiores disseminadores no Brasil do G12, movimento surgido na Colômbia baseado no crescimento da igreja através de pequenos grupos, Terra Nova ganhou notoriedade por sua pregação da prosperidade. Sobre a compra do avião, o religioso diz que foi Deus que colocou este sonho em seu coração. “O Senhor é testemunha que este avião não é para vaidade, mas para estimular que outros ministérios também tenham aviões e, juntos, possamos voar para as nações, pregando o Evangelho de Jesus. Assim, está estabelecido.”

[MEiO AMbiENTE]

Mar da Galileia pode secarEstudiosos alertam para risco de tragédia ambiental em Israel

O Lago Kinneret, no norte de Israel – conhecido na Bíblia como Mar da Galileia, embora tenha água doce –, pode estar com os dias contados. Ambientalistas israelenses estão apreensivos com seu progressivo esvaziamento, acarretado por secas e pelo uso excessivo de suas águas. Segundo eles, caso o nível desça mais dois metros, pode-se chegar a um ponto sem retorno. “A tragédia é que neste momento não é preciso ser Jesus Cristo para poder caminhar sobre o Mar da Galileia”, diz Gidon Bromberg, da organização ambiental Friends of the Earth Middle East. Em alguns lugares, o nível está tão baixo que já é possível andar sobre o espelho d’água.

A extinção do lago seria uma catástrofe de consequências imprevisíveis para a região, pobre em recursos hídricos e que já depende bastante da dessalinização das águas do Mediterrâneo. Além de abrigar dezenas de espécies animais e vegetais, o sistema do Kinneret é fundamental para manter o fluxo do Rio Jordão, que também vem minguando ano a ano – ameaçando, por sua vez, a sobrevivência do Mar Morto, ao sul do país, onde fica sua foz. O governo já considera o caso emergencial e lançou uma campanha intitulada “Temos que salvar o Mar da Galileia”, cuja garota-propaganda é a supermodelo israelense Bar Rafaeli.

[MERCAdO]

Sucesso de batinaPadres Fábio de Mello e Marcelo Rossi lideram vendas da indústria fonográfica

A crise da indústria fonográfica parece não atingir os padres cantores. Um relatório da Associação Brasileira dos Produtores de Discos mostra que os astros de batina foram os artistas que mais venderam CDs no ano passado, superando ídolos populares como Ivete Sangalo, Roberto Carlos e Zezé di Camargo e Luciano. Na primeira posição dos 20 álbuns mais vendidos,

aparece Vida, do padre Fábio de Mello, lançado pela Som Livre. Em segundo,

em prol da preservação ambiental. A parlamentar brasileira, que é evangélica e já ocupou a pasta do Meio Ambiente no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, receberá US$ 100 mil (cerca de 200 mil reais). O prêmio foi criado em 1997 pelo escritor norueguês Jostein Gaarder, autor de O mundo de sofia.

“Foi uma surpresa muito agradável”, comemorou a senadora. “No dia em que o pessoal da fundação me ligou, eu estava no auge da dengue, com muita dor de cabeça e febre”, brincou. Marina, ambientalista respeitada internacionalmente, é membro da Assembleia de Deus em Rio Branco (AC). Em Brasília, ela frequenta os cultos da Assembleia de Deus da L2 Sul.

Flip trará autor ateuFesta Literária de Paraty terá participação de Richard Dawkins em 2009

Os organizadores da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, confirmaram que o polêmico escritor e biólogo britânico Richard Dawkins participará do evento. Dawkins, autor do livro Deus, um delírio, lançado em 2005, criou muita polêmica ao travar debates acalorados com líderes religiosos. Além disso, ele se notabilizou pelo envolvimento em campanhas favoráveis ao ateísmo, destacando supostos efeitos negativos da religião na história da humanidade.

Segundo os promotores da Flip, Dawkins não terá interlocutores em sua participação. A dúvida está em qual será o formato da fala do escritor, se uma

Cenário de diversos episódios do Novo Testamento, o Mar da Galileia está ameaçado de extinção

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Respeitada internacionalmente, a senadora Marina Silva vai receber prêmio ambiental

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j u n h o / j u l h o 2 0 0 9 | C R I S T I A N I S M O H O J E 13

Mentee coração

John Piper pastoreia a Igreja Batista

Bethlehem, em Minneapolis (EUA) desde 1980. É graduado em filosofia e literatura, bacharel

em divindade e doutor em teologia. De seus livros, doze já foram publicados no Brasil. Piper é conhecido pelo tema da alegria, uma constante em seus escritos. Veja o que ele disse:

“A melhor coisa que Jesus tem para nos dar

é a sua alegria”Um homem chamado Jesus Cristo

“A vida é desperdiçada se não captamos a glória da

cruz, se não a valorizamos pelo tesouro que é e se não nos apegamos a ela como o preço mais alto de cada prazer e o consolo mais profundo em cada dor”

Não jogue sua vida fora

“Não é incoerência dizer que o amor é o transbordar

da alegria em deus, que atende com satisfação às necessidades dos outros,

e que o amor é ter sua própria alegria na alegria

do outro”Teologia da alegria

“O Evangelho é o instrumento de deus para

libertar pessoas de se gloriarem em si mesmas

para se gloriarem em Cristo”

Deus é o Evangelho

“deus é mais exaltado em nossas vidas quanto mais

nos satisfazemos nele” Plena satisfação em Deus

aparece o já veterano Marcelo Rossi, com o primeiro volume de Paz Sim, Violência Não (Sony Music).

O fenômeno dos sacerdotes cantores começou nos anos 1980, com o Padre Zezinho. Festejado cantor e compositor do segmento católico carismático, ele abiu as portas para Rossi, que estourou nas paradas em 1998 e fez de suas missas no Santuário do Terço Bizantino, em São Paulo, verdadeiros eventos pop. Seus nove CDs venderam mais de 9 milhões de cópias. Marcelo Rossi também garantiu a primeira posição da relação de DVDs mais vendidos em 2008.

[iGREJA]

Quatro séculos de fé e tradiçãoAliança Batista Mundial organiza celebrações pelos 400 anos de um dos mais importantes movimentos cristãos da história

Os 37 milhões de crentes batistas estão em festa. Este ano, a denominação, uma das mais tradicionais confissões cristãs do mundo, completa seu quarto centenário. A data será comemorada pela Aliança Batista Mundial (BWA, sigla em inglês) com uma grande celebração por ocasião do seu Conselho Geral, de 27 de julho a 1º de agosto, em Ede, nos arredores da capital holandesa, Amsterdã. No Brasil, onde a denominação possui cerca de 1,3 milhões de fiéis – sem contar os mais de 1 milhão ligados a igrejas batistas independentes ou vinculadas a outras convenções –, a Convenção Batista Brasileira (CBB) também promoverá eventos festivos.

Apesar das celebrações, permanecem controversas, tanto no Brasil quanto no mundo, os verdadeiros marcos do surgimento da crença batista. Algumas correntes sugerem que os batistas começaram de fato às margens do Rio Jordão, próximo a Jerusalém, onde João, o batizador, imergia nas águas as pessoas que se arrependessem de seus pecados e cressem no Senhor. Já o segmento majoritário situa a data certa em 1609, quando o pastor britânico John Smith e seus seguidores foram expulsos da Inglaterra e estabeleceram-se em Amsterdã, na Holanda, em busca de liberdade civil e religiosa. No Brasil, há

polêmica em estabelecer se a denominação surgiu quando da inauguração da Primeira Igreja Batista do Brasil, em Salvador (BA), no ano de 1882, ou se em 1871, em Santa Bárbara do Oeste, interior de São Paulo.

Para o pastor, professor e historiador batista Israel Belo de Azevedo, a controvérsia tem pouca relevância diante da grandeza da denominação. “É uma questão apenas historiográfica”, opina. “O lugar dos batistas na história não precisa ser avaliado por sua antiguidade, e sim, por sua fidelidade às Escrituras.”

[ARTE]

“E agora, velhinho?”Quadro com Pernalonga no lugar de Jesus deixa americanos indignados

Uma paródia do famoso quadro A Última Ceia, do mestre Leonardo da Vinci, causou polêmica nos Estados Unidos. A obra, intitulada A Reunião, foi elaborada pelo artista plástico Glen Tarnowski e traz os personagens da série Looney Tunes – conhecida no Brasil como Turma do Pernalonga – no lugar de Jesus e seus discípulos à volta da mesa. Exposta na vitrine da Galeria Chuck Jones, em San Diego (Califórnia), A Reunião não atraiu apenas curiosidade. A casa recebeu muitos telefonemas e mensagens de pessoas indignadas com a pintura, que consideram desrespeitosa, ainda mais porque Cristo foi substituído pelo próprio Pernalonga. No desenho, o personagem, cujo bordão é “E agora, velhinho?”, é um coelho encrenqueiro e que não hesita em passar a perna nos outros para levar vantagem. Mike Dicken, diretor de vendas da galeria, diz que duas propostas de compra já foram recusadas.

A obra de Tarnowski traz o irreverente Pernalonga no lugar de Cristo

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S e l e ç ã o d e C a r l o S B u C z y n S k i

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Crimes vitimando crentes são cada vez mais comuns, trazendo perplexidade à comunidade evangélica

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Maurício zágari

Sociedade

O crime, ocorrido no fim de março, ganhou as páginas dos jornais de todo o país. A estudante Karla Leal dos Reis, de 25 anos, voltava para casa, na região central do Rio de Janeiro, na companhia do pai, o porteiro Carlos Antônio dos Reis, e da mãe, a vendedora Iolete Fátima Leal dos Reis, após participar de um culto na Igreja Assembleia de Deus da Penha, subúr-bio da cidade. A família foi abordada por três assaltantes, por volta das 20h de um domingo, após des-cer do ônibus. Depois de entregar tudo o que lhe foi exi-gido, Karla pediu a um dos bandidos que lhe devolvesse o crachá da empresa onde trabalhava como estagiária de administração e sua Bíblia. O criminoso a atendeu, mas, momentos depois, sem nenhuma explicação, disparou na estudante pelas costas, atingindo sua nuca. Karla mor-reu com o livro nas mãos. No momento do sepultamento, sua mãe ergueu um clamor a Deus: “Senhor, minha filha está descansando em teus braços, mas me dá um consolo. Acalma esta cidade e o rapaz que fez isso, para que ele venha à tua casa. Conforta o coração af lito da mãe dele e de todas as mães que sofrem como eu”.

Ocorrências policiais vitimando evangélicos têm se multiplicado pelo país, fazendo com que os crentes en-grossem as pavorosas estatísticas que dão conta de 40 mil mortes violentas por ano no país. Em Uberaba (MG), um evangélico é fuzilado e tomba com a Bíblia na mão. Em São Sebastião (DF), um homem é alvejado com um tiro

nas costas em plena Semana Santa, dentro do templo da Assembleia de Deus. Em Vila Kennedy, subúrbio do Rio, um jovem evangélico confessa que matou a ex-namorada por envenenamento, após adicionar chumbinho – fórmula usada para eliminar ratos – em sua comida. Na região me-

tropolitana do Recife (PE), um adolescente de 15 anos foi assassinado em frente ao templo de uma igreja. Na mesma cidade, um evangélico

de 47 anos é alvejado por dois motociclistas quando volta-va da igreja para sua casa. Em Matriz de Camaragibe (AL), dois homens invadiram uma igreja no centro da cidade e assassinaram a golpes de pei-xeira um trabalhador rural. E um evangélico de 48 anos foi abatido com um tiro no peito ao lado de sua mulher, logo após ter saído de um culto em Piabetá, no Grande Rio. A polícia suspeita que outro fre-quentador de sua igreja seja o assassino.

a violência às portas da igreja

Pais e amigos de Karla Santos choram em seu enterro: ato de violência gratuita contra jovem evangélica chocou o pa´s

O bispo McAlister: “O crente não está blindado”

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APor amor a Cristo

Mártires cristãos no Coliseu, obra de Konstantin Flavitsky: brutalidade contra cristãos acompanha a história

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A violência contra os cristãos não é nenhuma novidade na história da Igreja. Desde a gênese do cristianismo, inúmeros seguidores de Jesus têm sido mortos de forma violenta – a diferença é que, noutros tempos, a fé era o principal moti-vo. Do ano 64 até 313, quando o Edito de Milão proibiu a perseguição aos cristãos, a Igreja enfrentou ciclos de inten-sa matança e tortura encarniçada, num total de 129 anos. Entre os suplícios enfrentados estavam prisões em cárceres imundos, trabalhos forçados em minas insalubres, torturas de todo tipo e a morte por crucificação, decapitação, feras selvagens e outras práticas cruéis. Naquela época, os cris-tãos consideravam uma honra e um privilégio morrer por amor ao seu Salvador. São conhecidos relatos como, por exemplo, o do patriarca Policarpo, que, segundo a tradição, ao ser martirizado, no ano 156, fez uma oração que deixa transparecer o espírito da época: “Ó Pai, eu te bendigo por me teres considerado digno de receber o meu prêmio entre os mártires”.

A diferença da violência daquele período para a dos dias de hoje é que os seguidores de Jesus entregavam suas vidas para não negá-lo. Na atualidade, a quantidade de cristãos que morre de forma violenta como consequência de sua fé não é menor do que nos primeiros séculos. Um levantamen-to da Missão Portas Abertas, que se dedica a monitorar e denunciar a perseguição religiosa por todo o planeta, mos-

tra centenas de relatos de pessoas em diferentes países que são obrigadas a enfrentar os mais diversos tipos de violência devido à sua ligação com o cristianismo. Na Coréia do Norte, por exemplo – nação onde há menor liberdade re-ligiosa em todo mundo contemporâneo –, cerca de 25% dos cristãos estão presos por causa da fé, detidos em prisões e campos militares mantidos pelo regime comunista. Já na China, no período de um ano mais de 600 pastores e líderes cristãos foram encarcerados.

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Essa lista chocante de crimes recentes tem em co-mum o fato de todos envolverem cristãos que morre-ram de forma violenta em diferentes cidades do Brasil, alguns deles dentro de suas igrejas ou logo após terem participado de momentos de culto a Deus. E a sensação de insegurança, que já afeta a sociedade como um todo, tem entrado com força nas igrejas evangélicas, deixan-do perplexos muitos crentes acostumados a acreditar no cuidado divino diante das tragédias da vida. Repleta de promessas de proteção – como o Salmo 91, que diz que aquele que habita no abrigo do Altíssimo será livrado do laço do caçador, do veneno mortal e da f lecha –, a Bíblia oferece consolo ao que sofre, mas se por um lado a ora-ção da mãe enlutada mostra um profundo entendimento da realidade – muitas vezes dura –, por outro não são poucos os irmãos que se afundam em questionamentos ao tomar conhecimento de crimes como o perpetrado contra Karla.

Para compreender de que modo eventos como esses se coadunam com as Escrituras, antes de mais nada é preciso conhecer o contexto em que é feita cada afirmação sobre a proteção divina. “Quando lemos a Palavra de Deus, temos de examinar todas as passagens que falam sobre determi-nado tema. Não podemos ler apenas um trecho, como a poesia escrita por um guerreiro num contexto de batalha, e tomá-lo como regra”, pondera o bispo Walter McAlis-ter, primaz da Aliança das Igrejas Cristãs de Nova Vida. Ele explica que, na época do rei Davi, os povos entendiam que, numa guerra, saía vitorioso aquele cujo deus era mais forte. Esse seria o contexto no qual foi escrito o Salmo 91 – bem diferente da realidade brasileira do século 21. “O crente não está blindado por sua devoção a Cristo”, con-tinua McAlister. “O próprio Jesus afirmou que no mundo teríamos af lições. Afinal, aprouve a Deus que seu próprio Filho fosse moído por nossas transgressões. Quanto mais nós”. O bispo aponta um princípio bíblico básico: “Em nos-

a violência às portas da igreja

TQuestionamento sem fim

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Triste ironia. O pai da jovem Karla dos Reis, o porteiro Car-los Antônio, conseguiu deixar o alcoolismo graças às ora-ções da filha e ao projeto Esperança na Praça, trabalho que ajuda a recuperar moradores de rua, pessoas envolvidas na criminalidade e dependentes de drogas e álcool na capital fluminense. E o próprio assassino da estudante, o traficante de crack Augusto César de Souza, preso dias depois do crime, também vinha sendo atendido pelo mesmo ministé-rio. “Imagine a dor que estou sentindo”, desabafa o pastor Fábio Borges de Moura, coordenador do projeto.

A tristeza de Fábio só não se equipara à dos pais de Karla, que, imersos em dor, depressão e questionamentos acerca da própria fé, têm sido acompanhados por ele des-de o crime, ocorrido em 29 de março. Evidentemente, uma pergunta não quer calar: “Eles questionam por que Deus dei-xou isso acontecer?”, conta o religioso. “Mas a pergunta que

todos deveríamos estar nos fazendo é sobre o que estamos fazendo para que coisas assim não aconteçam”, emenda.

Ele tem dado assistência constante a Carlos e à sua mu-lher, Ioleti. “Eu procuro respeitar sua dor, mas também mos-trar o caminho da esperança.” Pastor Fábio acredita que a morte de Karla e outros irmãos em Cristo seja um alerta para a Igreja contra o pensamento que diz que Deus só está com o cristão enquanto está tudo bem – “Se esta for nossa teologia, teremos constantes crises de fé”, avisa. O convívio com o submundo do crack leva Fábio à conclusão de que a droga sintética, de efeito devastador – cujo consumo só tem aumentado em cidades como o Rio e São Paulo –, está por trás de crimes brutais como o que vitimou Karla, morta quando voltava da igreja. “A Bíblia antigamente impunha res-peito; os bandidos respeitavam o crente. Mas o crack aca-bou com isso. Ele faz o usuário perder a noção de tudo.”

O pastor metodista Marco Oliveira lembra os apóstolos Pedro e Paulo: “O sofrimento não nos afasta daquilo que o Senhor preparou para nós”

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so mundo, coisas boas e ruins acontecem para nós e nossos vizinhos. O livro de Jó deixa isso claro.”

“Ingenuidade” – Aquilo que a letra mostra é comprovado no dia-a-dia. A assistente social e pedagoga Rejane Ro-mero trabalha diariamente com a violência. Pós-graduada em psicologia dos distúrbios de comportamento, ela atua no Conselho de Defesa dos Direitos da Mulher de Bel-ford Roxo, município com alto índice de criminalidade da Baixada Fluminense. Rejane diz que não existem esta-tísticas conhecidas no país que apontem especificamente quantas vítimas de assassinatos e outros tipos de violência são evangélicas, mas sua experiência mostra que a religião não é fator determinante na hora de se verificar quem so-freu qualquer espécie de ato violento: “Não há uma regra. Os índices de violência independem da tradição religio-sa da vítima. Todo tipo de pessoa está sujeito a se tor-nar mais uma, mas vemos a intervenção divina em mui-tos casos”, observa. Ela cita como exemplo mulheres que

sobrevivem a estupros. “Em metade das ocorrências que registramos, os estupradores deixam suas vítimas vivas por acreditar que estavam mortas e não desmaiadas, ou quando apenas fingiam. Vejo isso como um livramento de Deus”, conclui.

“A violência urbana é um fato social e atinge a todos. Entender que ser evangélico nos manteria livres dessa de-sarmonia social seria ingenuidade de nossa parte”, afirma o sociólogo Valdemar Figueiredo Filho, pastor da Igreja Batista Central em Niterói (RJ). Ele aponta uma contra-dição curiosa: apesar do número de evangélicos crescer cada vez mais no Brasil, a sociedade se deteriora mais e mais. A explicação estaria no fato de que a Igreja tem se voltado muito para dentro de si mesma: “Deveríamos ter uma ação voltada para a realidade, mas nos fechamos nos templos. Sem querer, somos excludentes. Precisamos estar menos apegados às estruturas e mais às pessoas. As igrejas precisam estar mais presentes nas suas comuni-dades.”

Professor de antropologia, sociologia e ciência polí-tica, o pastor Valdemar lembra que a discussão sobre o tema não é nova, pois tanto no Antigo quanto no Novo Testamento diversos personagens bíblicos questionaram a prosperidade dos ímpios e o próprio sofrimento. “É im-portante lembrar que pertencer a Cristo pode trazer pre-juízos sociais”, ratifica. “Mas, apesar disso, os cristãos são chamados para proclamar esperança, salvação e liberta-ção a todo tempo. Não podemos é ficar encastelados em nossas igrejas, apontando para a Bíblia e esquecendo da realidade.”

Em artigo publicado em seu website, Ilana Casoy, inte-grante do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo e membro consul-tivo da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da

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NCristãos na mira

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Nos Estados Unidos, país onde a comercialização e o porte de armas têm es-tímulos legais, ocorrências policiais vitimando cristãos também não são nenhuma novidade. Uma das mais recentes, e que repercutiu no mundo todo, foi a exe-cução de um pastor em pleno sermão. O reverendo Fred Winters, dirigente da Primeira Igreja Batista de Marysville (Illinois), pre ga va para 150 fiéis quando foi al-vejado por um homem que entrara repentinamente no templo. O agressor ainda feriu a faca dois outros crentes antes de ser sub-jugado pelos membros da igreja e entregue polícia. O assassinato do pastor Win-ters, de 45 anos, casado e com duas filhas, foi con-siderado pelos colegas de ministério como um “ataque das forças do inferno”.

Tristemente comuns nos EUA, os crimes praticados por serial killers também contabilizam vítimas evangélicas, como os dois voluntários da agência missionária Jovens com uma Missão (Jocum) mortos pelo pistoleiro Matthew Murray em dezembro de 2007 em pleno centro de treina-mento da entidade, no subúrbio de Denver, no estado do Colorado. Murray havia sido expulso da missão três anos antes. Doze horas depois, ele matou duas irmãs e feriu o pai delas no estacionamento da The New Life Church, em Colorado Springs. Ao entrar na igreja, onde provavelmente faria novas vítimas, foi executado por uma guarda de se-gurança.

Pior foi o crime que aconteceu um ano antes, quando o entregador de leite Charles Roberts invadiu uma escola de uma comunidade rural amish – grupo fechado que pratica um protestantismo de linha ortodoxa – na Pensilvânia e ma-tou cinco meninas entre 6 e 14 anos e se suicidou após ser cercado pela polícia. O assassino pedófilo queria estuprar as crianças e contou a um policial com quem negociava es-tar traumatizado com a perda, nove anos antes, de um bebê prematuro – o rapaz queria “vingar-se de Deus”. O líder da comunidade, Sam Fisher, sugeriu que Roberts pode não ter sido totalmente responsável pelo crime. “O diabo o contro-lou”, disse na ocasião.

Especialista em psiquiatria forense, Ilana Casoy lamenta a impunidade: “Matar, neste pa´s, sai barato”

O pastor Fred Winters, em foto ao lado da

fam´lia: morto a tiros dentro do templo

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Ordem dos Advogados do Brasil, apresenta um panorama duro: “Matar, neste país, é bem barato. Com uma rapi-dez absurda o assassino está nas ruas, isso quando cumpre algum tempo de cadeia”, protesta. A especialista advoga a busca por soluções científicas, e não mais tentativas in-frutíferas que confundem e atrasam a tomada de medidas adequadas e eficientes.

Proteção divina – Há dez anos dedicando-se ao estudo de crimes violentos e assassinatos em série, Ilana dá sua recei-ta: “Todo trabalho de prevenção ou diminuição de crimi-nalidade se inicia com pesquisas relacionadas à infância e família, berço da violência e crime.” Quem sabe, então, os cristãos deveriam devotar menos atenção a certas promes-sas infundadas e passar a viver mais passagens como Pro-vérbios 22.6: “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele”. Uma aposta – bíblica – num futuro mais seguro e menos violento.

“Deus nos proteja, já que a Justiça não o faz”. Dentro dessa perspectiva sombria, o pastor Marco Antonio de Oli-veira, da Catedral Metodista do Rio de Janeiro, acredita que existe um equívoco quando os cristãos se imaginam acima da realidade. “Não estamos imunes à violência. Não existe uma promessa bíblica de que Deus nos protegerá de todos os males”, sentencia. A proteção divina precisaria, assim, ser entendida como uma afirmação de que a alma do cristão nunca estará perdida, mas sempre com Deus. “Ou seja, as promessas da Bíblia apontam, antes de tudo, para a vida eterna.” Oliveira, que é doutor em teologia, lembra do sofrimento dos apóstolos Pedro e Paulo e de seus colabora-dores registrado no livro de Atos dos Apóstolos como um exemplo claro. “Mesmo sofrendo, entendemos que nossa angústia não nos afasta daquilo que está preparado para nós”, sentencia.

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Pastores que

Jornalista lança livro em que aborda a questão do abuso espiritual praticada por líderes contra seus fiéis

Comportamento

nha vida”, desabafa. Este e outros relatos, verídicos apesar da omissão dos nomes verdadeiros, constam do livro Feri-dos em nome de Deus (Mundo Cristão), da jornalista evan-gélica Marília Camargo César. A partir do depoimento de gente que se considera vítima de líderes religiosos au-toritários, a autora realiza um estudo sério sobre essa re-alidade, analisando as diferentes situações envolvidas no círculo de abuso com sensibilidade e propriedade. A obra descreve as diferentes formas que o abuso religioso pode

assumir – pastores que dominam suas ovelhas sob o ponto de vista emocional, financeiro e psicológico, quase sempre com consequências ruins. “O líder impõe sua visão de mundo so-bre a ovelha, e esta a aceita como uma ordem

divina que precisa ser obedecida, sob pena de punição”, diz Marília (ver quadro).

“O abuso espiritual poderia ser definido como o encon-tro entre uma pessoa fraca e uma forte, em que a segunda usa o nome de Deus para influenciar a outra e levá-la a tomar decisões que acabam por diminuí-la física, material ou emocionalmente”, define Marília. O problema acontece mais comumente em igrejas pentecostais, onde geralmente o líder tem maior autonomia e pode apelar para elementos empíricos, como supostas profecias ou revelações para le-gitimar seu domínio sobre a vida dos fiéis. Estabelece-se então uma relação que vai muito além do saudável discipu-lado bíblico e pode envolver áreas pessoais da vida do cren-te. “A obediência ao líder não pode ser cega. Todo ensino

Joanna Brandão

Adriano era um profissional com futuro promissor. Ad-vogado formado pela prestigiada Universidade de São Paulo, a USP, ele ainda ocupava a função de obreiro na igreja que frequentava. Aspirava ao pastorado – o que, conforme a própria Bíblia, é uma excelente opção para o crente. Fiel ao seu líder espiritual, Adriano costumava se-guir seus conselhos e determinações à risca, entendendo que desta forma estava agradando a Deus. Chegou a fazer um voto público de lealdade ao dirigente. “Ele fazia uma espécie de mantra em torno do versículo que diz que quem honra o profeta recebe galar-dão de profeta”, lembra. Gradativamente, o jovem obreiro passou a negligenciar suas res-ponsabilidades fora da igreja, como o traba-lho e o cuidado com a família, tudo em prol daquele seu voto. Submetia-se a condições duras, enquanto o pastor não se furtava a luxos como mesas fartas e carros impor-tados. A mulher e os dois filhos de Adriano acabaram abandonando-o, não suportando o controle exercido pelo pastor sobre sua vida. Frustrado, o advogado fraquejou na fé, envolveu-se com outras mulheres e acabou engravi-dando uma delas.

A vida do rapaz virou do avesso. Hoje, Adriano aguarda o nascimento do bebê inesperado e preocupa-se com o bai-xo orçamento e a impossibilidade de rever constantemente os filhos, que vivem com sua ex-mulher. “É uma loucura o dano que meus filhos sofreram por causa disso tudo. Não há indenização que pague o que esse pastor causou em mi-

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Pastores quedeve ser confrontado com as verdades bíblicas, para evitar desvios de rota”, adverte o pastor Paulo Romeiro, autor dos livros Supercrentes e Decepcionados com a graça, lança-dos pela mesma editora, em que abor-da, entre outros assuntos, a questão do controle exagerado do rebanho pelos pastores. Para o estudioso, no entanto, um erro não pode justificar outro: “A Epístola aos Hebreus que ordena expli-citamente: ‘Obedeçam aos seus líderes e submetam-se à autoridade deles. Eles cuidam de vocês como quem deve pres-tar contas. Obedeçam-lhes, para que o trabalho deles seja uma alegria e não um peso, pois isso não seria proveitoso para vocês’”, recita.

“Porta-voz divino” – Quando o círcu-lo do abuso religioso é analisado mais de perto, nota-se que ambas as partes, abusado e abusador, sofrem no proces-so. A base dessa semelhança está no fato de que, em um dado momento, as duas pontas perderam o controle, sua identidade e a própria dignidade. “Quem exagera no autoritarismo também foi ou está sendo vítima de abuso”, aponta o pastor batista Ed René Kivitz. Ele explica que a figura de um pastor único não tem res-

paldo do Novo Testamento. “A única vez em que a palavra ‘pastor’ é usada no singular é para se referir a Jesus. Em todas as demais, é usada no plural, para indicar um gru-

po de anciãos, ou presbíteros, que zela pelo bem-estar de toda a comunidade.” Nesse caso, a autoridade fica dividida entre um colegiado, o que dificulta a possibilidade de haver exageros no con-trole da obra de Deus e força os líderes a prestarem contas uns aos outros.

Fato é que muito sofrimento poderia ser evitado nas igrejas se os fiéis esti-vessem mais preparados para reconhe-cer os abusadores ou o ambiente pro-pício para formá-los. O pastor Ricardo Gondim, dirigente da Igreja Betesda em São Paulo, realizou um estudo ex-pondo algumas características comuns aos pastores abusadores. Entre estas, encontra-se a postura incontestável do líder, o qual passa a ter a palavra fi-nal para todas as questões, tornando-se dono da verdade, uma espécie de “porta-voz divino”. “O medo na relação entre o fiel e seu pastor pode ser um si-

nal de problemas, pois essa relação deve ser permeada de amizade sincera, doação, afeto e solidariedade”, comenta Gondim.

Ricardo Gondim: “O pastor não pode ser visto como porta-voz divino”

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Autoritarismo, manipulação e desrespeito

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Autora do livro Feridos em nome de Deus, a jornalista Ma-rília Camargo César falou sobre as dimensões que o abuso espiritual pode ter na vida de fiéis submetidos a lideranças eclesiásticas autoritárias. “Mas é possível identificar o pro-blema e lidar com suas consequências”, diz, nesta entrevis-ta a CRISTIANISMO HOJE:

CRIstIAnIsmo HoJE – A senhora diz que a motivação para escrever o livro foi um caso de abuso espiritual que presenciou. Fale sobre essa experiência. MARÍLIA CAMARGO CÉSAR – Não fui, particularmente, ma-chucada por pastores, porque não andava rotineiramente muito próxima deles, embora convivêssemos bem. Mas testemunhei, na vida de amigos próximos, o estrago que o convívio com nossas antigas lideranças produziu. Muitas his-tórias de abuso começaram a aparecer depois que um dos pastores de nossa antiga comunidade afastou-se por motivo de saúde. Pessoas que caminhavam bem perto daquele lí-der começaram a contar histórias tenebrosas de abuso de poder, manipulação psicológica e tirania explícita. As vítimas de abuso eram pessoas adultas e com uma boa formação socioeconômica, por isso eu não conseguia entender como haviam se deixado manipular daquele jeito, só tendo cora-gem de denunciar o que havia depois que ele se afastou.

Qual foi o caso mais grave de abuso que a senhora conheceu enquanto escrevia o livro? Foi o caso de uma jovem que sofria de uma doença dege-nerativa rara – miastenia gravis – e que foi simplesmente massacrada por sua congregação porque não alcançou ple-namente a cura. Além desse problema, ela foi levada a crer, pelo pastor, que deveria orar e investir num relacionamento afetivo com um rapaz da igreja, situação que acabou lhe causando enorme constrangimento quando ele apareceu na igreja com uma nova namorada. De certa forma, foi bom para ela, porque o embaraço serviu-lhe para mostrar o nível de adoecimento daquela comunidade, o nível de fundamen-talismo que praticavam, e isso acabou por abrir os seus olhos. Ela saiu da igreja e, até onde eu sei, não fez parte de nenhuma outra congregação desde então.

Em sua opinião, quais são os principais tipos de abuso espiritual e suas características?O livro fala de abuso de poder, de abuso financeiro, mas mostra as nuances do abuso que julgo mais sutil e difícil de identificar, mas bastante devastador da mesma forma, que é o abuso de ordem psicológica ou emocional. O líder impõe sua visão de mundo sobre a ovelha, e esta a aceita como uma ordem divina que precisa ser obedecida, sob pena de punição. O pastor diz, por exemplo, que o discípulo deve casar-se com determina-da pessoa, porque teve uma “visão” de que esta era a vontade de Deus

para a sua vida. Não importa que não haja, a princípio, nada em comum que possa unir aquele casal. E o fiel obedece. O pastor fala para uma mulher que apanha sistematicamente de seu marido que ela deve fidelidade a ele, porque isso é bíblico. Ou então fala para uma pessoa com uma doença grave que ela ainda não foi curada porque está fraquejando na fé. Todos esses são exemplos reais de pessoas que só se recuperaram emocionalmente após muitas horas de psi-coterapia. E, claro, após deixarem essas igrejas.

E por que as pessoas deixam a situação chegar a tal ponto? Depois de escrever o livro, compreendi que, quando acredi-tamos estar sofrendo alguma coisa por amor a Deus, aguen-tamos as piores humilhações. Aquelas pessoas acredita-vam, sinceramente, que estavam sendo disciplinados por profetas do Senhor para o seu próprio bem e crescimento espiritual, quando na verdade estavam sendo é espezinha-dos emocionalmente.

Como os abusos podem ser evitados?Maturidade espiritual não é alguma coisa trivial, que se al-cance da noite para o dia. É preciso uma longa caminhada, tolerância e paciência; o fiel precisa estar bem acompa-nhado – e aí se incluem lideranças maduras, com uma boa formação, saudáveis física, psicológica e teologicamente, que possam ensinar um cristianismo autêntico, vivo e não-fundamentalista. É preciso também cercar-se de amigos ver-dadeiros, que nos apoiem e não fiquem nos julgando quando falamos aquilo que estamos sentindo, por mais horrível que isso possa ser.

A jornalista Mar´lia Camargo César se diz espantada com

os casos que analisou

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Qum povo crente

embora alardeado, número das pessoas sem religião na sociedade brasileira é mínimo – e até elas acreditam em deus

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Religião

Valter Gonçalves JrColaboração de Treici Schwengber

Quem tem passado os olhos sobre os jor-nais e revistas dos últimos meses não terá muitas dúvidas em afirmar: não há lugar para o cristianismo no chamado espaço público do Ocidente neste século 21. Esse espaço pertence a agnósticos, a ateus ou aos genericamente chamados de “sem reli-gião” – gente que não se sente identificada por nenhum sistema de fé ou instituição religiosa e que, por isso, estaria mais apta a lidar adequadamente com o pluralismo da sociedade pós-moderna. Esse é o tom do mundo político, do meio acadêmico e

da grande imprensa ocidentais. Num con-texto como este, aumenta a preocupação com números. E pesquisas relacionadas à confissão religiosa são acompanhadas com interesse em todo planeta.

Em abril deste ano, a revista Newswe-ek, nos Estados Unidos, colo-cou na capa matéria com o tí-tulo “O declínio e a queda da América cristã”, que aposta no fim da hegemonia do cristianismo na cultura norte-americana, apressando esse diagnóstico por conta da retração, ao lon-

go das últimas duas décadas, de 10% no número de pessoas que se auto-identificam como cristãs. Isso, a despeito de a religião agora vista pela publi-cação como decadente ainda contar com nada menos do que a adesão de 76% da população do país, de acordo com os da-dos divulgados pela pesquisa American Religious Identifica-tion Survey.

Por aqui, em uma série de artigos publicados recentemen-te pela revista Ultimato, Paul Freston, doutor em sociologia pela Universidade de Campi-nas (Unicamp), debate o futu-

ro da Igreja Evangélica no Brasil em ter-mos de força numérica e também cultural. Ele lembra que o país atualmente pode ser considerado a “capital mundial do pente-costalismo”, mas que isso não garante que a voz dos evangélicos será a hegemônica.

Freston afirma, em seus arti-gos, que para alguns estudio-sos o crescimento pentecostal no Brasil vai dar lugar à secu-

larização: a trajetória das pessoas iria en-tão do catolicismo para o pentecostalismo e depois para o grupo dos “sem religião”. Ele vê um crescimento dos “sem religião” – designação que agrega agnósticos, ateus e místicos sem uma filiação religiosa defi-nida – no mesmo ritmo dos pentecostais e justamente nas “mesmas periferias e fron-teiras” das grandes cidades, entre jovens e não-brancos.

Se as tendências atuais persistirem, continua Freston em sua série de três ar-tigos, nunca haverá maioria evangélica no Brasil. Ele aposta, assim, que a deca-dência católica se estabilizaria, parando no patamar em torno de 40% da popu-lação. Os evangélicos chegariam a 35% e os “sem religião” formariam um terceiro grande grupo, com cerca de vinte e cin-co por cento dos brasileiros. O sociólogo sublinha, no entanto, que há uma dife-

Multidão no centro de São Paulo, a maior cidade brasileira: ao contrário do que

se supunha, pós-modernidade não tem freado religiosidade do pa´s

O sociólogo Paul Freston aposta numa estabilização do segmento católico, que sofreu forte queda nos anos 1990

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um povo crente

rença importante entre os pentecostais e os chamados sem religião – estes são, sobretudo, homens, e os pentecostais, majoritariamente, do gênero feminino. “Talvez, então, ‘sem religião’ seja o subs-tituto do pentecostalismo para rapazes subempregados e ainda sem responsabi-lidades familiares”, pondera o especialis-ta. Algo temporário, portanto.

À revista CRISTIANISMO HOJE, Freston afirmou ter baseado seu cálculo em relação ao futuro da religião no país, a par-tir do destino que tem sido traçado pelos brasileiros que abandonam o catolicismo: “Apenas um em cada dois ex-católicos vira evangélico”, declara. Para ele, não adianta tentar definir quem seriam os “sem reli-gião”, e sim, entender a variedade que aca-ba caindo nessa categoria censitária. “Uns poucos cristãos, por alguma razão, talvez aceitem ser contados nesse grupo”, admite.

“Componente místico” – Já Agnaldo Cuoco Portugal, doutor em filosofia da

religião e professor da Universidade de Brasília (UnB), lembra que os números dos últimos censos do Instituto Brasi-leiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam para uma situação totalmen-te oposta. “Os últimos dados, de 2005, comparados com os de 2000, mostram na verdade uma diminuição do núme-ro das pessoas que se declaram sem re-ligião, ainda que dentro da margem de erro”, aponta. Portugal ressalta que os acadêmicos têm dificuldade de explicar o grande crescimento da religião ao redor do mundo, em que pesem todas as pre-visões contrárias. E o cristianismo está nessa equação.

De fato, o estudo Economia das Religi-ões, divulgado no ano passado pela Fun-dação Getúlio Vargas (FGV), com base em dados do IBGE entre 2000 e 2003, mostra o crescimentos dos evangélicos, tanto tradicionais quanto pentecostais. E aponta a queda – não vertiginosa como acontecia nos anos 90, é verdade – do

número de católicos e também dos “sem religião”. Em 2000, o percentual de bra-sileiros que declaravam não professar qualquer crença era de 9,02%. Três anos depois, esse número caiu para pouco mais de cinco por cento. O professor observa que, entre os que dizem não pertencer a uma religião, há os ateus modernos, que militam contra a fé, e os agnósticos, que simplesmente não encontraram resposta na religião. E há também aqueles que têm algum tipo de religiosidade ou de espiritualidade, mas não se identificam com nenhuma das religiões instituciona-lizadas. “O que é muito curioso”, avalia o professor. “São ‘sem religião’, mas no sentido institucional da palavra. Eles não são mediados por nenhuma instituição ou participam de grupos muito pouco institucionalizados. O que é uma ten-dência, até”, diz Portugal.

“As ciências sociais têm explicações e discussões muito antigas, datando do sé-culo 18, que vaticinaram o fim da religião

Pedro Ivo de Souza Batista, 47 anos, voltou a ter fé há pouco tempo. Foi uma longa trajetória, que envolveu também suas es-colhas políticas e intelectuais. “Deus usou a ciência. Na brecha que a gente dá, ele vem”, conta. Cearense, criado no catolicis-mo, no início da década de 80, sob influência da teologia da liber-tação, ele participou de movimentos políticos de contestação. Aos poucos, foi se bandeando até tornar-se um ateu convicto, aos 22 anos. “Não tinha sentido imaginar que Deus existia e que Je-sus era seu Filho”, confessa.

Com anos e anos de um ateísmo já arrai-gado, algo começou a deixar o militante de esquerda inquieto. Primeiramente atraído pela causa da ecologia, passou a ver um sentido novo para as coisas. “Comecei a discutir o universo, a criação, a formação da Terra, os elementos que compõem a vida. O processo evolutivo é tão sutil, tão delicado, que passei a pensar na existência de algo transcendental, acima da gente – algum arquiteto disso tudo”, lembra Pedro Ivo, que coordenou a Agenda 21 Brasil, no Ministério do Meio Ambiente, e é assessor parlamentar da sena-dora Marina Silva (PT-AC), ex-titular da Pasta. “Passei a ler sobre os cientistas e descobri que muitos viam na ciência um caminho para Deus.”

Pois o caminho de Pedro Ivo não parou por aí. Ele parecia tomar um rumo mais esotérico, com interesse no budismo. A militância política, porém, o chamava para algo que unisse a idéia

de transcendência com uma espiritualidade mais concreta. Incen-tivado pelos cristãos do gabinete de Marina Silva, ele resolveu ler a Bíblia e a aprender sobre Jesus Cristo. “Vi a forma como ele se relacionava com as pessoas, a natureza, a transcendência, todo o exemplo dele me tocou muito. A beleza do universo só seria possível com alguém muito amoroso e compassivo com

todos. Cheguei à conclusão de que Jesus estava nesse processo todo”, afirma. “Vol-tei a Deus de uma forma muito racional. Não houve nada fantástico, não fui curado de nada. Mas na busca da esperança, en-contrei esse amor incondicional”.

Pela formação de esquerda – o que é “contraditório, mas não excludente”, diz –, Pedro Ivo ficou mais próximo ao protestan-tismo. Interessou-se pela Reforma de Lu-tero e pela forma democrática de ser dos evangélicos. “Há muito preconceito contra os crentes, muitas tentativas de colocá-los num padrão”, diz Pedro Ivo, que hoje congrega na Igreja Anglicana, em Brasília; “Meus amigos todos, comunistas, revolu-

cionários, socialistas, não compreenderam minha nova posição. Acharam que eu estava perdendo o rumo, que abdicaria de mi-nhas opções políticas e sociais, com as características do que sou”, revela. “Depois que a gente encontra fé, as coisas vão se revelando. Coisas muito bonitas, o Reino de Deus, a possibilidade de uma vida nova, a importância da oração”, conta. “Estou muito feliz, mais humano, mais filho de Deus”, resume, convicto.

O assessor parlamentar Pedro Ivo: transição entre o ate´smo militante

e uma fé consciente

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“Encontrei novo sentido”

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O professor Agnaldo Portugal: “Muita gente tem fé, mas não se identifica com nenhuma crença institucionalizada”

como elemento constitutivo da sociedade”, diz, por sua vez, Ale-xandre Brasil Fonseca, doutor em sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele lembra que esse entendimento veio relacio-nado ao estabelecimento dos re-gimes republicanos no Ocidente e aos processos de secularização e advento do Estado laico. Fon-seca sublinha, porém, que hoje os teóricos encontram um quadro diferente: a religião ganha força em todo o mundo. “O ponto em que há mais problemas na teoria sociológica con-temporânea é entender o inverso”, susten-ta. “Compreender processos como a forte presença do pentecostalismo na Améri-ca Latina, a ampliação do islamismo na Europa, a forte presença de evangélicos conservadores – tanto nas classes baixas quanto altas nos Estados Unidos –, o cres-cimento das religiões de matriz africana na Argentina e no Uruguai ou o aumen-to de jovens que optam por ser padres na esteira da renovação carismática católica”, enumera.

O sociólogo ressalta que a sociedade brasileira é “eivada de um forte apelo re-ligioso”, o que até dificulta a definição do que configuraria o grupo dos que de-claram não pertencer a religião alguma. “Parece impensável, para o brasileiro, le-var uma vida que não tenha um compo-nente místico ou transcendental em seu cotidiano”, diz ele. “Definir-se como ‘sem religião’ é dizer que não se segue uma ‘religião-de-igreja’, nos termos de [Peter Ludwig] Berger”, explica Fon-seca, referindo-se ao sociólogo e teólogo austríaco que analisou os fenômenos da secularização e da dessecularização, assim como o da individualização da experiência religiosa. “No caso brasileiro, pelo número baixo de ateus e pela pouca expressão de grupos militantes e organizados neste campo, parece que temos aí uma massa de pessoas que optou por moldar uma religio-sidade particular”, explica. Essa postura seria, continua o pes-quisador, fruto da reunião de diferentes credos e experiências. “Por outro lado, reforça a idéia de que os ‘sem religião’ se cansaram da religiosi-

dade tradicional e buscam respostas não coletivas, mas individuais”, ressalva.

Deus impessoal – Para ele, ainda há muito o que estudar quando se fala des-se grupo de pessoas. O estudo Economia das Religiões, da FGV, mostrou que a faixa da população brasileira mais aves-sa à religião é justamente a mais pobre, da classe E, que ganha até dois salários mínimos. “Entender porque pessoas com nível superior, com alto ingresso de re-cursos, do sexo masculino e brancas não possuem uma religião é algo de explica-ção praticamente automática”, diz. “O interesse sociológico reside no outro ex-tremo, o de, por exemplo, mulheres ne-gras que residem em favelas, vivem com salário mínimo ou menos do que isso e provavelmente dependem de programas sociais para complementar sua renda. Por que neste grupo existe um percentual tão

alto de pessoas que afirmam não ter religião?”, indaga Fon-seca, sublinhando que a socio-logia brasileira tem começado a se debruçar sobre o tema, ana-lisando os dados nos últimos cinco anos.

O fato é que, enquanto atrai uns, a religião pode provocar calafrios em outros. O advo-gado baiano Felipe Lordelo, de 24 anos, é tão incomodado com o tema que no ano passado criou um site, o www.semreli-giao.com.br. Segundo ele, tudo

começou por causa de uma ex-namorada evangélica. “Ela vivia um certo radica-lismo que começou a provocar em mim questionamentos a respeito da inter-ferência religiosa na vida das pessoas”, conta ele, que chegou a debater o assunto em um programa de TV, acompanhado do roqueiro Lobão. Lordelo afirma ter a colaboração, no site, de ateus, agnósticos, deístas e até católicos. “Nosso grupo tem uma vertente deísta, ou seja, aqueles que acreditam em Deus, mas entendem ser desnecessária a intermediação da religião para compreendermos a vontade dele”, aponta. “Poderíamos assim definir ‘sem religião’ como um gênero e suas espécies como variações relacionadas às crenças”, explica.

O próprio Lordelo se declara um de-ísta, e à sua maneira define Deus como sendo o próprio Design Inteligente, sem poder de influenciar ou decidir o desti-no dos homens. Lordelo acredita que há um crescimento deste segmento entre os que saem das fileiras evangélicas. “O que

acontece é que muitas pessoas dizem ser de uma religião por imposição social ou por terem sido apenas batizadas nela”, assegura, classificando as ins-tituições religiosas como meros suportes psicológicos, prejudi-ciais até às famílias. Aprecia-dor de debates, o jovem diz que muitos cristãos participam do site com argumentos e críti-cas. “Alguns, porém, são mais agressivos”, reclama. Pergun-tado se ele mesmo não estaria estabelecendo um sistema de crenças que poderia ser taxado por alguém como uma nova re-

ligião, Lordelo responde enfático. “Com certeza que não!”

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Fiéis em cruzada pentecostal: movimento evangélico segue crescendo

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Não são poucos os que esperam que o cristianismo saia de cena de vez. Qualquer discurso que, entre suas argumenta-ções, tangencie uma justificativa cristã, é repelido com vee-mência em artigos e editoriais na grande mídia. Quando o então Procurador-Geral da República Cláudio Fonteles, ca-tólico praticante, provocou, há dois anos, o Supremo Tribu-nal Federal a se manifestar sobre a legalidade ou não do uso de células-tronco embrionárias para pesquisa científica – ten-do como argumento o direito à vida dos embriões congelados –, os principais articulistas do país o criticaram asperamente pela ousadia de tirar sua religião do foro íntimo para o debate no espaço público, no âmbito do Estado. Praticamente uma heresia.

Ao que parece, os evangélicos, em especial, estão fadados a ficar confinados em uma espécie de córner de extrema direita, acuados e taxados de intolerantes e responsabilizados por guerras e preconceitos. A grande mídia norte-americana não teve pudor em bater duro no então recém-eleito presidente Barack Obama pelo simples fato de ele ter convidado o pastor Rick Warren – tido como conservador, ou, pecado maior, “fundamentalista” – para ser um dos religiosos a fazer a oração da posse, em janeiro.

Fé sob ataque Propaganda ateísta assume ares de batalha cultural

STF tem decidido questões com forte apelo religioso, como as pesquisas com células-tronco e até o uso de s´mbolos cristãos em órgãos públicos, como o crucifixo que ornamenta o plenário

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Mensagem cristã em ônibus londrino: disputa entre ateus e cristãos ganha ares de batalha cultural

A crítica se baseava no fato de Warren sim-plesmente continuar pregando a salvação em Jesus e não concordar com casamento entre homossexuais.

O clima nas universidades, na mídia e na política é de uma autêntica batalha cultural. “Minha experiência mostra que as universidades ocidentais não se preo-cupam com conhecimento e aprendizado, mas com ideologia”, disse no ano passado o teológo Rikk Watts, no seminário Cris-tianismo: Benção ou maldição?, promovido em Brasília (DF) pelo Centro Cristão de Estudos. “Se vamos salvar essas universi-dades, nós, cristãos, teremos que aprender a falar a verdade e conhecer a nossa histó-ria”, observou Watts, que é professor do seminário do Regent College, no Canadá, além de PhD em teologia em Cambridge e especialista em filosofia, história da arte e sociologia. “O problema é que a maior parte dos cristãos não sabe explicar dife-rentemente do que pregam pessoas como o cientista britânico Richard Dawkins, para quem todos os males do mundo vêm do cristianismo”, declarou. “Mas eu cheguei à conclusão, e não sou só eu, que não há nada que tenha feito tão bem ao mundo quanto o cristianismo”, ousa dizer o teólogo, que deve voltar ao Brasil em agosto, para novas conferências.

Recuo paradoxal – Na Inglaterra, a bata-lha em torno da fé chegou ao complica-do trânsito londrino. Propaganda ateísta toma algumas dezenas daqueles tradicio-nais ônibus vermelhos, de dois andares, com a frase “Provavelmente não há Deus; agora pare de se preocupar e curta a vida”. O que pouco se noticiou é que o grupo que paga a propaganda, ligado a Da-wkins, um pregador do ateísmo, resolveu

agir para responder à criativa forma de evangelização encontrada pelo grupo in-terdenominacional Lamb of God (Cordei-ro de Deus). Os crentes seguem colocan-do versículos bíblicos na lateral de vários ônibus londrinos. “Quando vier o Filho do homem, encontrará, porventura, fé na Terra?”, pergunta um dos anúncios, com o texto do Evangelho de Lucas (18.8).

Em recente palestra proferida na mi-lenar catedral de Saint Paul, em Lon-dres, o arcebispo da Igreja Anglicana, Rowan Williams, defendeu a relevância cultural da fé cristã numa Europa plura-lista e multiétnica. Ele refutava a tese de que o cristianismo não cabe em ambiente democrático. Para chegar lá, o arcebis-po precisou refrescar a memória com 20 séculos de história, argumentando que a religião se disseminou como força civili-zatória e democratizante. Do outro lado do Atlântico, debates intensos cercam o uso de símbolos cristãos em prédios públicos norte-americanos, tidos como desrespeitosos aos que não professam a fé cristã – ainda que nada menos três em cada quatro cidadãos do país se declarem adeptos da crença, entre protestantes, ca-

tólicos e evangélicos. A posição de recuo do cris-

tianismo, continuamente sob ataque, guarda pelo menos um paradoxo. Tida como página virada, a fé cristã ainda é pro-fessada pela maioria da popula-ção ocidental. Apesar de sofrer grandes revezes e estar sendo banido do espaço público – sen-do desconsiderado como voz legítima no meio acadêmico, na mídia e na política –, a verdade

é que as pesquisas sobre religião demons-tram o enorme poder de influência do cristianismo. Na secularizada Europa, o número de pessoas que buscam a religião tem aumentado. Em 2005, pesquisa do Eurobarometter Poll mostrou, para sur-presa de muitos, que 52% dos europeus afirmaram crer em um Deus pessoal, à maneira cristã, e outros 27% disseram acreditar que uma força espiritual e so-brenatural governa o universo.

Estado laico - No Brasil, o tom anti-religioso da mídia e dos meios acadêmi-cos também não deixa dúvidas de que o cristianismo, por aqui, já não parece ter a mesma força política e cultural. A ONG Brasil para Todos, que combate manifes-tações religiosas no âmbito do Estado, pediu ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que se pronunciasse sobre o uso de crucifixos em tribunais de todo o país. O grupo, que agrega de ateus e agnósticos a adeptos de várias religiões minoritárias (inclusive protestantes), defende o caráter laico do Estado brasileiro, consagrado pela Constituição – a mesma cujo pre-âmbulo evoca o nome de Deus. Eles di-zem não haver espaço nos tribunais para o uso de crucifixos ou qualquer menção à fé cristã, atualmente confessada por qua-se 90% da população do país.

O CNJ, surpreendentemente, preferiu não mexer no vespeiro e manteve a tradi-ção do uso desses símbolos nos espaços judiciários. O jurista Ives Gandra Mar-tins tem ressaltado, em resposta a quem combate a influência cristã – especial-mente católica – no âmbito da Justiça, que o laicismo não deve ser confundido com ateísmo oficial. “Estado laico, que reconhece o fator religioso como compo-nente constitutivo das sociedades huma-nas, não se confunde com Estado ateu, que rejeita toda manifestação religiosa”, afirma.

O jurista Ives Gandra: “O Estado laico

deve reconhecer o fator religioso como

componente constitutivo das sociedades humanas”

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riCardo agresteteólogo e escritor

Entre turistas e peregrinos

O que muitos cristãos não se dão conta é da completa inviabilidade de uma espiritualidade sadia nessa cultura gerada

por demandas de turistas

Todos estes viveram pela fé, e morreram sem receber o que tinha sido prometido; viram-no de longe e de

longe o saudaram, reconhecendo que eram estrangeiros e peregrinos na terra” (Hebreus 11.13).

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman usa a imagem do turista para representar um comportamento bastante comum nos dias de hoje. Turista é aquele indivíduo que visita muitos lugares, mas não pertence a nenhum deles. Às vezes, fica extasiado com aquilo que vê; em outras oca-siões, o desdenha por ter em sua mente um grande quadro comparativo de lugares e situações. Seja qual for seu senti-mento, não pretende se comprometer com nada à sua volta. Afinal, está apenas de passagem. Sua maior motivação está vinculada à descoberta de novos lugares, à vivência de no-vas experiências.

Por outro lado, Bauman apresenta a imagem do pere-grino. O peregrino é uma espécie em extinção em nos-sa cultura contemporânea. Dife-rentemente do turista, ele não está envolvido numa aventura de entre-tenimento, mas numa jornada que tem um início, um meio e um fim. Algo o moveu a iniciar a jornada, e ele percebe que, ao longo dela, exis-te uma missão a ser vivenciada – e a realidade última se encontra no fim da caminhada. Tudo o que presen-cia ao longo do caminho são pontos de referência de grande importância e, portanto, tratados com grande re-verência por parte do peregrino.

Interessante que não poucas vezes na história da espiritualidade cristã os discípulos de Cristo são compa-rados aos peregrinos. Existe uma es-treita relação entre a jornada de um cristão e a experiência de um peregrino. Ambas possuem alguns elementos em comum: a consciência de que a realidade última está ainda por vir; a sensibilidade de que o caminho que trilham per-tence ao processo da descoberta e do preparo de si mesmo para esta realidade final; e, por fim, o senso de missão para com os lugares por onde passam e as pessoas que encon-tram em direção do lugar almejado.

As metáforas de Bauman remetem-nos às maiores bar-reiras impostas pela nossa cultura ao desenvolvimento de uma espiritualidade biblicamente consistente e sadia. Em nossas igrejas, não é difícil constatar a presença massiva de pessoas mais parecidas com turistas do que com peregri-nos. Elas estão ali para usufruir do espaço, degustar das informações transmitidas do púlpito e, principalmente,

experimentar o clima. Tão logo se sintam saciados com o que é oferecido e com a forma como as coisas acontecem, são tomados pelo tédio; logo serão impulsionados na di-reção de um novo lugar, onde encontrarão novas informa-ções e terão novas experiências. Como consequência disso, é triste constatar que algumas de nossas igrejas se tornaram “centro turísticos”, com diferentes elementos de fascinação. Em algumas delas, a atração principal é o famoso pregador com seu poder de ref lexão; em outras, é a música de adora-ção, com seu poder de arrebatamento coletivo. Há também denominações onde o clímax é o momento de oração, com seu alardeado poder de convencer Deus a agir e, até mes-mo, de coagi-lo a mudar de ideia diante de determinadas situações.

O que muitos cristãos não se dão conta é da completa in-viabilidade de uma espiritualidade sadia nessa cultura gera-da por demandas de turistas. Enquanto turistas estão com-

prometidos apenas com o próprio prazer e seu insaciável desejo por en-tretenimento, peregrinos estão com-prometidos com uma jornada na qual possuem uma vocação a ser exercida ao longo do caminho. Enquanto tu-ristas consomem lugares e atrações como fins em si mesmos, peregrinos estabelecem relacionamentos, cami-nhando com reverência e integran-do as experiências – e as pessoas que encontra – na construção da própria maturidade. Turistas estabelecem re-lacionamentos frágeis e descartáveis; peregrinos descobrem, especialmente na vivência com aqueles com quem caminham lado a lado na jornada, uma grande fonte de consolo, con-

fronto, encorajamento e sabedoria.Turistas, de forma geral, não possuem qualquer compro-

misso para com o mundo à sua volta. Afinal, pensam, estão apenas de passagem, e importa apenas aproveitar o mo-mento, antes de seguir viagem. Já peregrinos estão numa jornada que os faz o próximo daquele que está à beira do caminho, tal como o samaritano da parábola. Eles querem ser luz e sal, sentem o chamado para influenciar os outros com sua ação e testemunho.

Como cristãos, temos tido uma postura de turista ou de peregrino diante da nossa comunidade e para com o mundo no qual estamos inseridos? Qual seria o ref lexo em nossas vidas, comunidades e sociedades se, na contramão da cul-tura do superficial e do transitório, aceitássemos o desafio de viver como peregrinos, e não turistas?

Existe estreita relação entre a jornada de um cristão e a experiência de um peregrino

reFlexão

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teólogo e escritor

A exegese b´blica é tarefa comunitária, isto é, deve ser feita

não apenas na comunhão dos pares como também

sob a iluminação da comunidade

histórica da fé

O Livro e os livrosA fé protestante propagou-se paralelamente à difusão do saber e à busca do conhecimento

ed rené Kivitz

PersPeCtiva

A história se passa num mosteiro beneditino na Itália no ano de 1327, onde se guardava a sete chaves o maior acervo literário cristão da épo-ca. A extraordinária narrativa foi utilizada para

debater a livre circulação do conhecimento face ao dogma-tismo religioso de então, que considerava temerária toda disseminação do saber – e, mais ainda, qualquer espírito in-quiridor e questionador das doutrinas da Igreja. Submeter a afirmação religiosa ao escrutínio da razão era demasiado perigoso e devia ser evitado a qualquer custo, o que justifica a trama de um monge. Ele se vale de um expediente crimi-noso para impedir aos copistas do mosteiro o acesso a um suposto livro de Aristóteles, O Riso, considerado um ataque à fé. A biblioteca de O Nome da Rosa é símbolo de uma postura religiosa que pretende se impor às custas da igno-rância por ela mesma patrocinada. Em contraponto a esta postura, a Reforma Protestante se notabili-zou pelo acesso de todos à Bíblia. O protestantismo é, desde a sua gênese, um movimento deflagra-do pela redescoberta e revalori-zação das Escrituras Sagradas. A liturgia protestante tinha na exposição da Palavra de Deus seu ponto central. Os reformadores incentivaram seu estudo pesso-al – por esta razão, se dedicaram sem medir esforços à educação e à tradução da Bíblia para a lín-gua do povo. Com justo mérito, o protestantismo foi chamado de “a religião do livro”.

A fé protestante propagou-se paralelamente à difusão do saber e ao incentivo à busca do conhecimento. Ela sempre foi favorável à investigação racional da Palavra de Deus, valendo-se das categorias iluministas para o labor teológico e a interpretação dos seus textos básicos, para bem e para mal. A maior evidência dessa postura é a defesa intransigente do livre exame das Escrituras e da competência do indivíduo diante de Deus. Isso explica a diversidade fragmentária do protestantismo. É bem ex-plorada a distinção entre as tradições católica romana, cuja ênfase é a unidade, e a protestante, fundamentada na verdade. Enquanto o catolicismo romano se articula na tentativa de preservar a unidade na diversidade – todos sob uma mesma e una hierarquia –, o protestantismo se expande através de cisões baseadas em visões particula-res de lideranças carismáticas que dão origem a igrejas e denominações diferentes, num desenrolar sem fim de dissidências.

O fenômeno protestante se explica, pelo menos par-cialmente, pela infeliz confusão entre livre exame e livre interpretação das Escrituras. A afirmação de que todos têm iguais direitos de acesso e liberdade inalienável para o exame dos textos sagrados não equivale à afirmação de que cada um é livre para interpretar os textos sagrados à luz exclusiva de sua própria compreensão e consciência. De quando em vez encontro pessoas advogando a devolução da Bíblia ao povo, como se em algum momento da tradi-ção protestante esse acesso lhe tivesse sido negado. Imagino que o apelo a que se devolva as Escrituras ao povo pode ser compreendido de duas maneiras. A primeira seria colocar a Bíblia na mão de alguém e dizer: “Aí está, ouça apenas e tão somente a voz do Espírito Santo e interprete livremente con-forme lhe parecer bem ao coração”. A outra, bem diferente,

seria entregar a Palavra de Deus ao indivíduo, abrir a porta da bi-blioteca e dizer: “Aí está a Bíblia e o acervo da comunidade da fé, a coletânea das visões e interpreta-ções de todos os que ao longo da história têm buscado ouvir a voz de Deus; investigue, estude, com-pare as diferentes interpretações dos diferentes mestres e tradições, e faça a opção que melhor lhe pa-recer ao coração e à consciência sob a direção do Espírito Santo que guia à toda a verdade”. Esta segunda postura colocaria cada pessoa com a Bíblia na mão sob a responsabilidade de fundamen-tar suas crenças e afirmações para

além das simples opiniões ou preferências.“A liberdade de expressão implica dois postulados, não

apenas um. Ela começa por permitir que os indivíduos expressem as suas ideias sem a coerção de terceiros”, diz João Pereira Coutinho. “Mas existe um segundo postula-do usualmente esquecido: o fato de alguém ter liberdade de expressão não implica, logicamente, que os outros têm de prestar atenção ao que ele diz”, conclui. Isso pode ser aplicado ao conceito de livre exame das Escrituras: a liber-dade de qualquer um examinar as Escrituras não implica, necessariamente, que somos obrigados a dar atenção à sua interpretação. A exegese bíblica é tarefa comunitária, isto é, deve ser feita não apenas na comunhão dos pares como também sob a iluminação da comunidade histórica da fé. É certo que todos têm pleno direito ao livre exame. Mas não é fato que devemos levar a sério aqueles que se limitam às opiniões particulares sem quaisquer preocupações com a fundamentação de suas afirmações.

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Parece, mas não é

Igreja

Sulamita ricardo

igrejas e congregações independentes adotam indevidamente nomes de grandes denominações com as quais não mantêm qualquer vínculo

Um fenômeno decorrente do crescimen-to do segmento evangélico está cha-mando a atenção de algumas das mais tradicionais denominações do país. É a clonagem de nomes de igrejas, utiliza-ção indevida de marcas tradicionais no meio protestante por instituições sem qualquer ligação com as grandes con-venções, cujos nomes utilizam numa tentativa de atrair fiéis e de tirar uma casquinha na credibilidade alheia. Em meio a um crescimento com ares desor-denados – só em São Paulo, a cada ano são criadas cerca de 220 novas igrejas evangélicas, algumas das quais não pas-sam de salinhas alugadas nas periferias –, parece cada vez mais difícil norma-tizar o setor. E o pior é que, além de gente bem intencio-nada que quer apenas anun-ciar o Evangelho da salvação, aventureiros pegam carona na tradição de grandes organizações religiosas, pre-judicando sua imagem perante o públi-co. No meio das mais de 300 mil igrejas evangélicas que funcionam no Brasil, muitas parecem uma coisa e são outra.

Denominações como a Batista, a As-sembleia de Deus e a Presbiteriana são as maiores vítimas da clonagem eclesi-ástica. Organizadas em convenções na-cionais, essas três gigantes, que juntas reúnem milhões de fiéis, estão capila-

rizadas por todo o território nacional, com uma trajetória cuja origem remonta à segunda metade do século 19 e início dos anos 1900. Mas a placa na entrada não é garantia de legitimidade. Muitas comunidades autônomas, sem qualquer ligação administrativa ou doutrinária com as denominações cujos nomes uti-lizam, funcionam livremente. Na zona norte do Rio de Janeiro, por exemplo, é possível encontrar a Assembleia de Deus Ministério Renovo e a Igreja Ba-tista Templo de Milagres, que apesar dos nomes não são subordinadas às en-tidades cujas nomenclaturas adotam.

A clonagem eclesiástica preocupa lí-deres evangélicos. “Nós estamos acom-

panhando isso com muita per-plexidade, porque essas igrejas estão nos causando grande prejuízo”, diz o pastor José

Wellington Bezerra da Costa, presiden-te da Convenção Geral das Assembleias de Deus do Brasil (CGADB). Reeleito no mês de abril para mais um mandato à frente da maior denominação evangé-lica nacional, Wellington diz que a As-sembleia de Deus é uma das mais afeta-das pelo problema, pois acaba tendo seu nome respingado por qualquer atitude errada de religiosos free-lancers. “Muitas vezes, os pastores dessas igrejas não têm boa formação eclesiástica, espiritual,

moral e até cultural para o exercício do ministério. Por isso, causam desordem doutrinária em seus púlpitos”, observa.

Um dos principais prejuízos acontece na área financeira. Segundo Wellington, eventuais desmandos ou calotes perpe-trados por dirigentes de congregações clonadas sujam o nome da denominação. “Quando precisamos fazer alguma tran-sação ou giro bancário, temos de provar por A mais B que não somos esse tipo de gente”, reclama. O presidente diz que está nos planos da denominação forta-lecer seu Corpo Jurídico para acionar a

O pastor José Wellington, dirigente da CGADB, estuda medidas legais:

“Perplexidade”

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Fachada da Assembleia de Deus do Azeite Quente: uso

não-autorizado do nome de grandes denominações é comum por

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Parece, mas não éJustiça em alguns casos. “Claro que pri-meiro tentaremos a via diplomática, soli-citando a troca do nome”, adianta.

Fragilização – Para José Carlos da Sil-va, presidente da Convenção Batista Nacional (CBN) e pastor da Primeira Igreja Batista de Brasília, o que está em jogo é a soberania das denominações. “O uso indevido do nome ‘batista’ por igre-jas desvinculadas das entidades que nos representam causa muitos problemas”, aponta. Os crentes batistas brasileiros estão ligados a dois grandes grupos: a CBN, reunindo as igrejas de orientação pentecostal, que surgiu na década de 1960, e a centenária Convenção Batista Brasileira (CBB), de linha tradicional, cada uma delas com mais de um milhão de fiéis. Há ainda entidades menores, como a Igreja Batista Regular e a Igre-ja Batista Independente. Em comum, explica Silva, todas essas organizações seguem estatutos denominacionais e administrativos, com representatividade através das assembleias gerais, que nor-matizam o processo de eleição dos líde-res. “Ou seja, há prestação de contas.”

No entender do pastor, o processo de abertura indiscriminada de congregações reflete o processo de fragilização da Igre-ja Evangélica brasileira, “multifacetada e carente de orientação”. Basta uma passe-ada pelas maiores cidades brasileiras, e até mesmo no interior, para constatar que o mercado da expansão evangélica está a todo vapor. A cada dia, novas comuni-dades abrem suas portas – e os nomes, por vezes, são curiosos e até esdrúxulos, como Igreja Bailarinas da Valsa Divina ou Assembleia de Deus da Fonte Santa (ver quadro). Para José Carlos da Sil-va, tanta originalidade, digamos assim, é uma característica cultural do povo brasileiro. “Normalmente, essas nomen-claturas são escolhidas a partir de expe-riências místicas, atribuídas a revelações ou sonhos. Expressam tanto ignorância como mau gosto, mas o amor tudo su-porta”, resigna-se o presidente da CBN.

Roberto Brasileiro, pastor-presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbi-teriana do Brasil, também expressa pre-ocupação com essa pulverização e pelo uso indevido do nome de sua denomi-

nação por grupos desconhecidos. “Esse fenômeno causa prejuízos para o Evan-gelho em geral, e traz descrédito e crí-ticas para as igrejas. Mas nós não temos responsabilidade sobre isso”, comenta. O problema é que nomes como os usados pelas grandes denominações já são de domínio público – ou seja, quem os uti-liza não comete nenhuma irregularidade do ponto de vista legal. É o que explica o advogado e mestre em direito Gilberto

Garcia, especialista na legislação ligada ao funcionamento das instituições reli-giosas. Ele lançou o livro O Novo Código Civil e as Igrejas em 2003, época em que a mudança na lei causou alvoroço entre os pastores. Ele diz que um título como “metodista” pode ser utilizados por qual-quer igreja, já que no Brasil é muito fácil abrir uma instituição religiosa. “Nomes como Assembleia de Deus, Igreja Batista ou Igreja Presbiteriana são exemplos de

O advogado Gilberto Garcia, especializado em direito civil e na legislação que rege as entidades religiosas, respon-deu a algumas perguntas de CRISTIANISMO HOJE sobre o processo de abertura de igrejas:

CRIstIAnIsmo HoJE – o que é preciso para se abrir uma igreja no brasil? GILBERTO GARCIA – A or-ganização religiosa é uma entidade associativa, uma pessoa jurídica de direito privado. Para funcionar, ela precisa averbar seu Estatuto Associativo no Cartório do Registro Civil de Pessoas Jurídicas. Em seguida, os responsáveis devem providen-ciar o registro na Receita Federal, obtendo assim o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ). É preciso, ainda, obter o certificado de vistoria do Corpo de Bom-beiros para o templo, e em alguns casos, alvará, fornecido pela prefeitura local.

Existe algum tipo de controle ou exi-gência sobre quem será o titular da nova igreja?Compete exclusivamente à igreja local, convenção, denominação ou grupo reli-gioso estabelecer os critérios para que uma pessoa se torne um pastor – ou evangelista, presbítero, diácono, bispo, apóstolo... Não há qualquer controle pú-blico sobre isso, em função da liberdade religiosa consagrada pela Constituição

Federal. Entretanto, se o dirigente vai assumir a pre-sidência de uma organiza-ção religiosa – seja qual for sua confissão de fé – jun-tamente com a posição de líder religioso, ele precisa, de acordo com o Código Civil, ser civilmente capaz, e ainda, não ter qualquer pendência fiscal com a Receita. Também precisa comprovar que não foi con-denada em processo crimi-nal, através de certidões oficiais.

As entidades denomi-nacionais não podem

exercer um controle efetivo sobre a abertura de novas igrejas, sobretudo aquelas que utilizarão indevidamen-te nomenclaturas já consagradas? As denominações históricas não têm qualquer controle sobre a abertura de igrejas com seus nomes, pois nomencla-turas como Assembleia de Deus, Batista ou Presbiteriana são consideradas de domínio público, não havendo qualquer ilegalidade em sua utilização de modo genérico. O que não se pode é utilizar o nome de uma igreja local que tenha sido registrada, por exemplo, como Assem-bléia de Deus em Goiás ou Igreja Batista em São Paulo. No caso das igrejas lo-cais, seus membros podem adotar me-didas legais cabíveis para impedir, inclu-sive judicialmente, a utilização do nome especifico, sob as penas da lei.

Entre o público e o privado

Especialista na legislação que rege funcionamento das igrejas, Gilberto Garcia explica que muitas nomenclaturas já são de dom´nio público

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O teólogo Lourenço Rega prefere ver o fenômeno como fruto do crescimento evangélico: “Essas igrejas oferecem mensagem que atende às demandas do povo”

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como Primeira Igreja Batista em São Pau-lo ou Igreja Presbiteriana Central de Bra-sília, por exemplo. “Cada igreja legalizada tem propriedade sobre seu nome específi-co, que é protegido contra plágios.”

“Mão torta” – Ainda segundo Gilberto Garcia, o Judiciário não pode fazer mui-to para frear esse processo. “No prisma legal, a denominação que uma igreja es-colhe não traz qualquer embaraço, e o Cartório do Registro Civil das Pessoas Jurídicas não pode, a princípio, impedir o registro do Estatuto Associativo em função da nomenclatura”, explica. A Justiça só pode intervir, e assim mesmo se for provocada, quando o nome ferir o bom senso, os bons costumes e a per-cepção da sua atuação como instituição espiritual. Ou seja, a questão está sujeita a uma avaliação para lá de subjetiva.

“As igrejas aparecem, se multiplicam e ficam cheias porque oferecem uma mensagem simbólica que atende às de-mandas das pessoas”, opina o pastor e teólogo Lourenço Stélio Rega, diretor da Faculdade Teológica Batista de São Paulo. Referência evangélica na área da ética cristã – é autor de Dando um jeito no jeitinho: Como ser ético sem deixar de ser brasileiro, lançado em 2000 pela Editora Mundo Cristão –, ele frisa que o cresci-

mento de movimentos evangélicos não o incomoda. “A Bíblia diz que a porta do Reino dos Céus é estreita. A mensa-gem pura do Evangelho encontra-se na Palavra de Deus.” Para Rega, a maneira certa de diminuir o apelo de igrejas de fachada é o Corpo de Cristo cumprir sua missão com mais seriedade e dar mais ênfase no testemunho pessoal do crente. “Temos que pregar a mensagem pura e simples do Evangelho e ter, como Igreja do Senhor, influência positiva no ambiente em que estivermos implanta-dos”, conclui o teólogo.

Na mesma linha vai o doutor em sociologia Ricardo Mariano. Autor de Neopentecostais – Sociologia do neopente-costalismo, ele é um dos maiores especia-listas brasileiros no fenômeno evangélico e acredita que as igrejas-clone são mui-to pequenas para prejudicar seriamente denominações de grande porte. “Isso não vai atrapalhar um movimento re-ligioso ascendente, que já envolve mais de 40 milhões de brasileiros”, acredita. José Wellington aposta na semeadura do Evangelho: “Ainda que muitas vezes pre-gada por pessoas despreparadas, os brasi-leiros estão sendo apresentados à Palavra de Deus. O agente pode ter mão torta, mas se a semente cair, ela vai brotar. Na hora de passar a peneira, Deus passa.”

O que um visitante desavisado diria ao ser convidado para assistir a um culto na Igreja Bailarinas da Valsa Divina? Ou que impacto pode ter sobre a vida de um crente carnal o ministério da Igreja Evangélica Pen-tecostal Jesus Vem, Se não Vigiar Você Fica Fora? Igrejas com nomes curiosos ou bizarros são cada vez mais comuns no Brasil. A jornalista Luciana Maz-zarelli, de São Paulo, está preparando um livro sobre o assunto. Ela se diz surpresa com a criatividade dos pastores. “Em alguns casos, eles conseguem unir no mesmo nome palavras antagônicas, como Igre-ja Evangélica Muçulmana Javé É Pai”, diverte-se. No entanto, o objetivo de sua pesquisa – feita na maio-ria das vezes in loco, palmilhando ruas de periferias e bairros populares – não é ridicularizar ninguém, e sim, mostrar a diversidade de interpretações bíblicas e liturgias: “O fenômeno tem um lado positivo, pois assim o propósito de levar o Evangelho a todos os lugares está sendo cumprido”, ex-plica Luciana. “Hoje em dia ninguém deixa de ir à igreja por falta de opção. Temos igrejas para cada tribo: surfistas, motociclistas, artistas... enfim, é igreja para todos os gostos”. Conheça algumas dessas congregações cuja originalidade já começa pelo nome:

Assembleia de Deus do Azeite Quente•Igreja da Bênção Mundial Fogo de Poder•Igreja Batista Templo de Milagres•Igreja Chave do Éden•Igreja do Amor Maior que Outra Força•Cruzada Evangélica do Ministério de Jeová, •Deus do Fogo Igreja Bailarinas da Valsa Divina•Igreja das Sete Trombetas do Apocalipse•Igreja de Deus da Profecia (no Brasil e •América do Sul)Igreja Cenáculo de Oração Jesus Está •VoltandoIgreja Pentecostal Subimos com Jesus•Igreja Evangélica Pentecostal Jesus Vem, •Se Não Vigiar Você Fica Fora (IEPJVSNVVFF)

Igreja Evangélica Arca de Noé •Rancho dos Profetas •Igreja Asas de Águia – Visão Além do Alcance •Igreja Evangélica Pentecostal Quero Te Ver na Glória •Igreja do Cavaleiro do Cavalo Branco do Apocalipse 6.2•Igreja da Ressurreição dos Mortos•

Para todos os gostos

A jornalista Luciana Mazzarelli prepara livro sobre igrejas com nomes curiosos

‘nomes genéricos’, chamados assim por não terem sido registrados em órgãos oficiais na época oportuna.”

Segundo Garcia, depois de devida-mente regulamentadas, as igrejas têm di-reito de personalidade sobre o seu nome, uma novidade implantada pelo novo Código Civil. “Tal direito antes só era reservado aos cidadãos”, acrescenta. “Daí ser praticamente inviável a adoção de pro-vidência legal para impedir que alguém adote essas nomenclaturas”. A proteção é assegurada, ressalva o advogado, apenas ao nome específico de uma igreja local,

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JJá virou lugar-comum dizer que a depressão é o mal do sécu-lo. Aliás, ela já o foi no século passado, e adentrou no terceiro milênio com força total, alavancada por uma série de fatores típicos da modernidade, como o estresse da vida moderna, a falência dos relacionamentos interpessoais e, mais recentemen-te, o agravamento da crise econômica global. A Organização Mundial da Saúde considera a depressão como a segunda maior causa de deficiência no mundo, depois apenas das doenças car-diovasculares, e a expectativa é que se torne a número um nos próximos dez anos. Nos Estados Unidos, de cinco a 10% dos adultos experimentam os sintomas da depressão. Mais de 25% das pessoas enfrentarão a depressão em algum momento de suas vidas, e quinze por cento dos adultos americanos fazem uso constante de medicamentos antidepressivos.

Como explicar esses números? Em parte, eles são resultado de uma dupla mudança nas atitudes culturais sobre depressão. Grupos como a Aliança Nacional em Doenças Mentais e com-panhias farmacêuticas têm agressivamente promovido a idéia de que ela não é uma falha característica, mas um problema biológico – doença, mesmo – e precisa de uma solução bioló-gica, ou seja, terapia medicamentosa. E, de tão disseminada, já não é algo a ser escondido. Consequentemente, a depressão saiu do armário. Alguns críticos argumentam que, junto com a epidemia de depressão, vem um baixo diagnóstico limiar. Os professores Allan Horwitz e Jerome Wakefield, autores de A perda da tristeza, alertam que os psiquiatras deixaram de forne-cer espaço para as agruras emocionais de seus clientes ou aque-les altos e baixos usuais da vida, rotulando até f lutuações de humor como sintoma depressivo.

Críticos como Horwitz e Wakefield estão certos em parte. É verdade que profissionais e instituições de saúde mental te-nham baixado o limiar para o reconhecimento da enfermidade, o que faz com que outros sintomas, muitos deles passageiros e circunstanciais, sejam diagnosticados como depressão. Por ou-tro lado, ainda que se trace o quadro da depressão nos Estados

depressão atinge pelo menos uma em quatro pessoas ao longo da vida, mas a fé em Cristo pode ajudar suas vítimas

dan G.Blazer

MINHA VIDA COM OS ANTIDEPRESSIVOS ©

“Comecei a tomar antidepressivos há oito anos. Eu era soltei-ro e bastante envolvido com a vida religiosa e PhD em Teologia. A combinação do estresse da academia, o estilo de vida solitário e um ambiente espiritualmente tóxico me enviou para uma severa de-pressão. Felizmente, havia ganhado bastante experiência no assunto com outras crises ao longo da vida, já que o problema também era hereditário, e reconheci o que estava acontecendo em tempo de buscar ajuda profissional. Dentro de poucas sessões, meu terapeuta cristão me recomendou antidepressivos. Eu nunca os tinha tomado antes e tive resistência inicialmente, mas minha depressão era tão intensa que eu logo concordei em tentar.

“Os resultados não foram rápidos ou miraculosos. Dentro de se-manas, minha depressão piorou. Eu já não me sentia sobrecarrega-do ou que Deus estava longe de ser encontrado. Eu estava isento de confusão e paralisia mental para tomar decisões importantes em minha vida que levaram, entre outras coisas, ao casamento e família que hoje eu tenho. Os remédios, combinados com aconselhamento, melhoraram sensivelmente a minha vida. Meu terapeuta recomendou que eu continuasse os tomando – definitivamente, se necessário –, o que fiz pelos seis anos seguintes. Mas, lentamente, percebi que a medicação estava me afetando de uma maneira que não me agrada-va. Comecei a ficar realista e impaciente, insensível e espiritualmente complacente. Os antidepressivos faziam com que me sentisse bem mesmo quando eu não deveria. Parecia que eu flutuava sobre as cir-cunstâncias da vida, envolvido numa esfera farmacêutica de impene-trabilidade emocional.

“E então, pouco menos de dois anos atrás, eu parei de tomar me-dicamentos para depressão. Sou grato a Deus pelo modo como eles me ajudaram quando eu estava em crise e os recomendaria a outras pessoas em situação semelhante. Mas estou desconfiado do modo com que os antidepressivos podem nos acostumar a sentimentos como compaixão, aflição, culpa e arrependimento – emoções que são essenciais para a maturidade espiritual. E o pior é que a socie-dade vê essas drogas como uma espécie de saída mágica. Antide-pressivos são uma vantagem para quem verdadeiramente precisa deles, mas não são uma panacéia para a condição humana.”

Joel Scandrett é sacerdote anglicano e instrutor-adjunto de teologia na Faculdade de Wheaton

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First published in Christianity Today, copyright © 2009. Used by permission, Christianity Today International

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Unidos ao longo dos últimos 20 anos usando um critério fixo, será notado um crescimento significativo na ocorrência de no-vos casos. Então, apesar de os números poderem estar infla-dos, esse solavanco inquestionavelmente serve para as margens de lucro das empresas farmacêuticas, que têm um substancial e documentado crescimento para tentar explicar.

Sofrimento emocional – Depressão é geralmente diag-nosticada quando o paciente exibe um ou ambos dos dois sintomas principais – humor depressivo e falta de interesse nas atividades do dia a dia, junto com quatro ou mais sintomas como sentimentos de inutilidade ou culpa inapropriada, dimi-nuição da habilidade de se concentrar ou tomar decisões, fadi-ga além do normal ou do razoável em face da pró-pria rotina e agitação psicomotora (caracterizada quando a pessoa não consegue se aquietar), insônia ou excesso de sono. Pode haver também queda ou aumento significativo de peso ou apetite, além de, nos casos mais extremos, pensamentos recorrentes de morte ou suicídio.

A definição clínica é estéril, entretanto, é falha em capturar a principal característica da pessoa que sofre severamente de depressão: o sofrimento emo-cional. Não se trata simplesmente de um estado da mente ou um modo negativo de ver a vida, mas de algo que afeta o corpo físico também. Sinais de um episódio significativo de depressão incluem avalia-ções negativas e sem razão de amigos, da família e de si mesmos, dor emocional e problemas físicos. A nossa sociedade colheu benefícios consideráveis da fusão como ampla rede e assumindo que tudo que é adquirido é uma doença.

Agora, doentes e seus familiares estão mais sin-tonizados com a carga emocional do sofrimento da depressão, e contam com medicações que comba-tem esses fatores. É um ganho significativo. Por outro lado, a definição ampla como uma doença também traz consequências desfavoráveis. Esse modelo reconhece certamente o aspecto biológico da natureza humana e a possibilidade de que seja inteiramente desordenado; porém, falha em con-siderar outras dimensões no jogo. Por exemplo, o modelo da doença ignora ambientes sociais como possíveis contribuintes para o desencadeamento do processo depressivo, visualizando as pessoas de-primidas como indivíduos isolados com uma for-te fronteira entre o limite de seu corpo e tudo do lado de fora. Pessoas depressivas são reduzidas a corpos quebrados e cérebros que precisam de con-serto. Ainda que o aspecto biológico da depressão seja mais complexo que um simples desequilíbrio químico, a enfermidade é associada, não obstan-te, como regulação insignificante dos mensageiros químicos do cérebro, como a serotonina.

Hospital de Deus – A igreja é o hospital de Deus. Sempre foi cheia de pessoas “no conserto”, já que o próprio Cristo enfatizou que não veio para os que

se consideram sãos, mas para os doentes. Não deve ser surpre-sa, então, que os depressivos estejam não somente nos hospi-tais e clínicas, mas nas igrejas também. Contudo, a depressão permanece tanto familiar quanto misteriosa para pastores e líderes, para não mencionar aqueles que dividem o banco de

igreja com pessoas depressivas – quando não são os próprios a experimentá-la. É claro que todo mundo já experimentou um dia “para baixo”, frequentemente por nenhuma razão clara. Mas a profundidade de uma de-

pressão severa permanece um mistério – e já atormentava gente como Davi, que no Salmo 31 traça acerca de si mesmo uma descrição típica de um deprimido: “Seja misericordioso comi-go, ó Senhor, pois estou em aflição; meus olhos se consomem

“Eu tenho uma doença crônica mental, uma desordem cerebral que costumava ser chamada de depressão maníaca, mas agora é denominada, menos ofensivamen-te, de desvio bipolar. Comecei mi-nha jornada no mundo da doença mental com uma depressão pós-parto depois do nascimento do meu segundo filho. Procurei ajuda de psiquiatras, assis-tentes sociais e profissionais de saúde mental. Submeti-me a terapia ativa com sucessivos profissionais por muitos anos e recebi prescrições de muitos medicamentos psiquiátricos, que pouco aliviaram meus sintomas. Cheguei a ser hospi-talizada e recebi até tratamentos terapêuticos eletrocon-vulsivos. Tudo isso ajudou, eu devo dizer, apesar da minha repugnância a remédios e hospitais. Esse processo todo ajudou-me a reconstruir algo de mim mesma, e pude conti-nuar a ser a mãe, sacerdotisa e escritora que acredito que Deus quer que eu seja.

“O problema era que, durante esse período de doença, eu me perguntava frequentemente o porquê de tudo aqui-lo, ou seja, como uma cristã de fé poderia ser submetida àquela tortura da alma? E como eu poderia dizer que aquilo não tinha nada a ver com Deus, que é o pressuposto dos psiquiatras em geral, para quem a fé é geralmente encarada como uma muleta, ou, pior ainda, sintoma de doença? E ainda como eu poderia confessar minha fé nesse Senhor que era “socorro bem presente na tribulação”? E se minha depressão tivesse alguma coisa a ver com pecado, punição ou castigo divino? E se eu fosse, para usar uma frase de Jonathan Edwards, simplesmente um “pecador nas mãos de um Deus irado”?

“Mas depressão não é só tristeza ou aflição. Depressão não é somente pensamento negativo, ou simplesmente ‘es-tar para baixo’, como se diz. Depressão é como estar andan-do descalço no vidro quebrado, sentindo o peso do corpo

moer ainda mais os fragmentos que nos ferem. Quando eu estou depressiva, todo pensamento, toda respiração, todo momento consciente machuca. E, com o meu problema de bipolaridade, muitas vezes acontece o oposto – sinto-me cintilante, tanto para mim mesma, e em minha imaginação, como para o mundo todo. Mas mania é mais que velocidade mental, euforia ou gênio criativo no trabalho. Algumas vezes, quando aponta para uma psicose desabrochada, pode ser aterrador. A doença mental não nos permite simplesmente tirar o corpo fora: não há como se salvar pelos próprios esforços.

“No meu caso, a fé oferece um mundo de esperança real, encontrada no Cristo crucificado. Nos meus cantos de doença mental, o entendimento da esperança cristã me dá conforto e encorajamento, mesmo se não houver alívio dos sintomas. A ressurreição de Cristo mata até o poder da morte, e promete que Deus irá tirar toda lágrima no último dia. O sofrimento não é eliminado pela ressurreição, mas transformado por ela – mas nós ainda temos lágrimas no presente. Nós ainda morremos. Mas toda a Criação será redimida da dor e da aflição. A aflição e tristeza não existirão mais. As lágrimas acabarão. Até cérebros doentes como o meu serão restaurados.”

Kathryn Greene-McCreight é pastora da Igreja Episcopal de São João, em New Haven,

Connecticut, e autora do livro A escuridão é minha única companheira: A responsabilidade cristã para a

doença mental (Brazos Press, 2006)

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de tristeza, e minha alma e meu corpo, de desgosto. Minha vida é consumida pela angústia e meus anos pelos gemidos. Minha força falha por causa da minha af lição, e meus os-sos estão fracos.”

Depressão severa é frequentemente um mal além de qualquer descrição. E quando tais profundos e dolorosos sentimentos não podem ser explanados, eles cortam o cora-ção de um ser espiritual. Se as igrejas querem efetivamente ministrar a pessoas nesta condição, elas devem contar com toda a complexidade do ser humano. Estudos de grupos religiosos – de judeus ortodoxos a cristãos evangélicos – re-velam evidências de que a fé não os imuniza contra seus sintomas, embora muitos pensem o contrário. Em uma tí-

pica congregação de 200 adultos, 50 vão experimentar de-pressão em algum momento de suas vidas, e no mínimo trinta fazem uso de algum antidepressivo.

O problema é que, além das causas tipicamente biológi-cas, pensamentos distorcidos contribuem para o desenca-deamento da depressão. Aqueles que são depressivos não se avaliam rigorosamente – ou seja, tendem a pensar sim-plesmente que não são tão bons quanto os outros –, e cons-tantemente depreciam o próprio valor. Aaron Beck, o pai da mais popular psicoterapia de hoje, a Terapia Cognitiva Comportamental (TCC), propõe que a depressão deriva em grande parte dessas distorções cognitivas. Quando usa-dos sensatamente, antidepressivos e terapia comportamen-

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Jtal cognitiva podem restaurar a estabilidade nos indivíduos de negociar melhor os desafios do dia-a-dia.

Para aqueles que estão no auge da depressão paralisan-te, os efeitos dos remédios e da TCC podem levar à gra-tidão pela graça comum. Eles deveriam agradecer. Essas aproximações nem providenciam muita ajuda em enten-der o mais fundamental e intratável problema do qual a epidemia da depressão é um sintoma. Essa aproximação provê alívio necessário, mas não respostas ou prevenção. Os modelos médicos fizeram sucesso rápido porque eles podem somente ir tão longe quanto sua compreensão do tema do problema irá levá-los. E tratam do mesmo assun-to: o ser humano.

As instituições culturais e autoridades podem até algu-mas vezes tratar o ser humano como se fossem apenas cé-rebros em corpos, mas isso não faz com que pessoas de fato limitem-se a esta equação. Para aqueles com olhos para ver, a epidemia da depressão é uma testemunha da complexa natureza humana. Em particular, ela nos lembra que somos criaturas sociais e espirituais, assim como físicas, e que as af lições da sociedade caída estão frequentemente gravadas nos corpos dos seus membros. Na verdade, algumas vezes um episódio que parece com quadro depressivo não indica que o corpo humano esteja funcionado mal – a dor emocio-nal pode ser uma resposta apropriada para o sofrimento em um mundo errado.

Chorar com os que choram – O autor do livro bíblico das Lamentações pode ter sentido dor quando contemplou a destruição de Jerusalém, por volta do ano 588 a.C. “ Já se consumiram os meus olhos com lágrimas; turbada está a minha alma; o meu coração se derramou pela terra por causa do quebrantamento da filha do meu povo, pois des-falecem os meninos e as crianças de peito pelas ruas da ci-dade.”

Os cristãos são chamados para chorar com os que cho-ram e receber sua dor emocional como resultado da empa-tia. Se a Igreja crescer adormecida para a dor e sofrimento que a cerca, perderá sua humanidade. O ensinamento de cristão sobre o pecado e seus efeitos liberta a Igreja da surpresa sobre o estado desordenado do assunto huma-no. Ela pode reconhecer os efeitos do pecado tanto dentro quanto fora e apontar para Deus, que ressuscitou o único que entrou completamente na condição humana e foi ca-paz de quebrar o poder do pecado, da morte e do inferno.

Aqueles que suportam as marcas da perda da esperan-ça em seus corpos precisam de uma comunidade que lhes aponte o caminho. Eles precisam de comunidades que exercitem a esperança novamente e se deliciar nas pro-messas de Deus para o mundo vindouro. Eles precisam ver que essa grande promessa, assegurada pela ressurrei-ção de Cristo, compele o ser humano a trabalhar no meio dos destroços na esperança. E fazendo isso, a Igreja provê aos seus membros depressivos uma esperança plausível e lembrança tangível da mensagem que eles mais precisam ouvir: Esse pecado, cravado na realidade, não tem a últi-ma palavra. Cristo, consagrado na sua Igreja, é a solução final.

Jonh Ortberg é um escritor e pregador muito conhecido. O que muitos não sabem é que, além de mestre em divindade, ele também é Ph.D em psicologia pelo Seminário Teológico Fuller e escreveu dois livros sobre depres-são. Ortberg é o pastor mais antigo da Igreja Presbiteriana de Menlo Park, na Califórnia. Com larga experiência teórica e prática em gabinetes, o religioso conhece bem o drama de crentes que sofrem de depressão e, muitas vezes, sentem-se fracos na fé devido à doença.

CRIstIAnIsmo HoJE – Como as igrejas podem ajudar as pessoas a entender melhor a depressão?JOHN ORTBERG – Nós vivemos um tempo em que as pessoas tendem a usar a linguagem psicológica para questões espiri-tuais. Mas existem linhas divisórias, não muito claras, entre o que é fisiológico, o que é psicológico e o que é espiritual. É importante para as igrejas admitir essa complexidade. O que influencia nosso comportamento, e o que determina nosso ní-vel de responsabilidade, são questões muito complexas. Sim-plificando as coisas nós não ajudamos em nada as pessoas.

Como o ministério da menlo Park ajuda pessoas depres-sivas na congregação?Um dos ministérios mais apreciados na nossa igreja é o HELP [“socorro” em inglês e sigla formada pelas iniciais de esperan-ça, encorajamento, amor e oração), voltado para quem está sofrendo problemas de saúde mentais e emocionais. É um grupo de suporte para essas pessoas e suas famílias. Para quem sofre de depressão, a coisa mais importante é fazer parte de uma comunidade onde outras pessoas dividem as mesmas lutas, falam a mesma linguagem e são capazes de suportar as cargas uns dos outros. Temos também um minis-tério de diáconos que providenciam vários níveis de cuidado, com conselheiros profissionais. Periodicamente, alguém que faz parte do HELP conta seu testemunho em nossa igreja.

Qual o benefício desse tipo de exposição?Quando você ouve a história de alguém com problemas nes-sa área, vendo seu rosto, a depressão deixa de ser artigo de revista para se tornar algo real, que pode acontecer a qualquer um. Isso abre o coração das pessoas. Nomear a condição humana e a realidade do sofrimento tem um efeito iluminador para cada pessoa que ouve isso, mesmo que ela não possa fazer as coisas da mesma forma.

Que medidas preventivas a igreja pode tomar a fim de combater a depressão?A maior contribuição que uma igreja pode dar é formar co-munidades autênticas, onde uma conexão íntima entre os membros é fomentada.

m A l D o s é C u l o

“A igreja deve formar comunidades autênticas”

NEspecial

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a origem das espécies segundo agostinhoPara o bispo de Hipona, o relato bíblico da Criação expressa a potencialidade dinâmica da obra divina

alister McGrath

First published in Christianity Today, copyright © 2009. Used by permission, Christianity Today International

No ano que marca o bicentenário do nascimento de Charles Darwin e os 150 anos da publicação de seu célebre livro A origem das espécies, muitos debates acerca da obra do naturalista britâni-co têm ganhado corpo. Para inúmeros estudiosos, o darwinismo, baseado na concepção da aleatoriedade do surgi-mento da vida e em sua capacidade de evoluir, eleva-se da categoria de simples teoria científica para uma verdadeira vi-são de mundo, forma de ver a realida-de que exclui Deus permanentemente. Já outros reagem fortemente contra os apologistas do secularismo. O ateísmo, eles argumentam, tem usado teorias científicas como armas em sua guerra contra a religião. Eles também temem que as interpretações bíblicas estejam se adaptando às teorias científicas moder-nas. Certamente, dizem, a Criação nar-rada em Gênesis deve ser interpretada literalmente, como um relato histórico do que realmente aconteceu. Por outro

lado, muitos evangélicos de hoje temem que os modernistas abandonem a lon-ga tradição de uma exegese bíblica fiel. Eles dizem que a Igreja sempre tratou o relato da Criação como uma história clara do surgimento das coisas. Entre os dois extremos, a autoridade das Escri-turas parece estar em jogo.

O aniversário de Darwin é um con-vite a olhar o assunto em perspectiva. Afinal de contas, desde que ele formulou suas teses após a épica viagem a bordo do navio Beagle, muita coisa mudou – no entanto, o evolucionismo continua sendo a tese mais universalmente acei-ta para explicar o surgimento da vida no planeta. E o relato bíblico da Cria-ção, que durante séculos a fio embasou qualquer estudo acerca do tema, tem sido constantemente posto em xeque não apenas pela modernidade, mas por muitos estudiosos cristãos, que enxer-gam ali muito mais um compêndio re-

ligioso do que uma narrativa confiável. Na história da Igreja, o assunto sempre suscitou controvérsia, e a mera aceitação da literalidade bíblica em relação às ori-gens sempre foi questionada. O teólogo, professor e bispo Agostinho de Hipona (354-430), embora tenha interpretado a Escritura mil anos antes da Revolução Científica, não tinha problemas em re-lação às controvérsias sobre as origens.

O mais marcante em sua traje-tória é que ele não comprome-teu a interpretação bíblica para acomodá-la às teorias vigentes

em seu tempo. Para Agostinho, o mais importante era deixar a Bíblia falar por si mesma.

Há pelo menos quatro pontos nos seus escritos em que tenta desenvolver um relato sistemático de como aquela passagem deve ser entendida – e cada um é sutilmente diferente um do outro. Em O significado literal de Gênesis, co-mentário escrito durante quatorze anos

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No entender do bispo de Hipona, os relatos sobre a Criação revelam que deus criou o mundo em um momento

espec´fico, mas previu que as diferentes espécies de vida iriam

se desenvolver gradualmente durante os tempos

A posição de Agostinho nos

obriga a refletir sobre essas

questões, mesmo que achemos que ele estava errado

– e a´ está um dos motivos da relevância de

seu legado

no início do século 5, Agostinho dei-xa clara sua crença de que Deus trou-xe todas as coisas à existência em um só momento, ainda que a ordem criada não seja estática. Ou seja, o Criador teria dota-do as criaturas com capacidade de de-senvolvimento, como uma semente, cuja vida está contida em si, mas só se desen-volve e cresce no mo-mento certo. Usando uma linguagem mais técnica, Agostinho incita seus leitores a pensar sobre a ordem criada como algo que contém casualidades divinas ocultas que só emergirão futuramente. É que até aquele momento o bispo não tinha no-

ção de acaso ou de mudanças arbitrárias na obra divina. O desenvolvimento da Criação está sempre sujeito à soberana providência de Deus, que não apenas cria a semente, como direciona o tempo e o lugar do seu crescimento.

Agostinho argumenta que o primei-ro relato sobre a Criação não pode ser interpretado isoladamente, mas deve ser entendido ao longo da segunda parte, descrita em Gênesis 2.4-25, e também por qualquer outra narração sobre o tema nas Escrituras. Por exemplo, ele sugere que o Salmo 33.6-9 – cujo re-sumo é “Pois ele falou, e tudo se fez” – menciona a origem instantânea do mun-do através da palavra criadora de Deus, enquanto o texto de João 5.17 (onde Je-sus diz “meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também”) aponta que o Senhor ainda está agindo na Criação. Além dis-so, ele enfatiza que uma leitura detalha-da dos primeiros textos bíblicos aponta que os seis dias da Criação não são pe-ríodos cronológicos delimitados, e sim, uma forma de categorizar o trabalho

criador de Deus. Em síntese, Agostinho cria que o Senhor criou o mundo em um instante a partir de sua vontade, mas continua a moldá-lo, mesmo hoje em dia.

O bispo de Hipo-na estava preocupado de que os intérpretes estivessem fechados às novidades cienti-ficas quando liam a Bíblia, fato que ge-rou conflitos mais de dez séculos depois, quando Copérnico desafiou a crença

tradicional de que o Sol é que girava em torno da Terra, e não o contrário. O de-talhe é que, em pleno século 16, a Igreja

interpretou a teoria heliocêntrica como um desafio para a autoridade da Bíblia. Não era, com certeza, e constituiu-se em mais um desafio para que se interpre-tasse a Palavra de Deus de maneira mais ampla – uma interpretação com urgente e constante necessidade de revisão. Já no seu tempo, Agostinho preconizava que algumas passagens bíblicas estão aber-tas para diversas interpretações e não devem se casar com as predominantes teorias científicas. Por outro lado, a Bí-blia se torna prisioneira do que um dia foi considerado uma verdade cientifica: em assuntos tão obscuros e distantes da nossa visão, nós encontramos nas Sagra-das Escrituras passagens que podem ter várias interpretações sem que a fé que um dia recebemos seja prejudicada.

Essa aproximação de Agostinho fez com que teólogos não caíssem numa visão pré-científica do mundo, e o aju-dou a não se comprometer em face das pressões culturais, que eram enormes. Por exemplo, muitos pensadores con-temporâneos consideraram incoerente a visão cristã sobre a criação ex nihilo (do nada). Cláudio Galeno, médico do en-tão imperador romano Marco Aurélio, por exemplo, rejeitou isso como uma lógica e metafísica absurda. Agostinho argumenta também que o tempo faz parte da ordem criada. Ou seja, no seu entender Deus criou espaço e tempo juntos, e este último só existe dentro do universo criado. Para alguns, porém, a ideia de que o tempo tenha sido criado parece ridícula.

Novamente aqui, Agostinho se opõe à ideia de que a narrativa bíblica não pode ter interpretações alternativas. Assim, o tempo deve ser visto como uma das criaturas e servos de Deus; por outro lado, a infinidade é uma caracte-rística essencial da eternidade. Mas a esta altura surge uma dúvida essencial: então, o que Deus estava fazendo antes da criação do universo? Para o teólogo,

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o Senhor não trouxe a criação à exis-tência num momento especifico, pois o tempo não existia antes da Criação. Interessante, pois é exatamente esse o estado da existência, o chamado Caos, que muitos cientistas defendem ter ha-vido antes do hipotético Big Bang, a gigantesca explosão que, há mais de 13 bilhões de anos, teria dado origem ao universo.

Agostinho poderia até estar errado ao afirmar quer a Escritura ensina cla-ramente que a Criação foi instantânea. Os evangélicos creem, apesar de tudo, na infalibilidade da Escritura, não na infalibilidade das interpretações. Como alguns nos lembram, o próprio Agostinho não era constante nas suas convicções acerca das origens. Outras posições certamente existem – por exemplo, a ideia de que os seis dias de Criação, mencionados no Gênesis, foram seis períodos de 24 horas, ou a tese de que eles representam, na ver-dade, seis extensos pe-ríodos, cada um deles com seus milhões de anos. Todavia, a posi-ção de Agostinho nos obriga a ref letir sobre essas questões, mes-mo que achemos que ele estava errado – e aí está um dos motivos da relevância de seu legado.

Afinal de contas, quais são as implicações dessa antiga interpretação bíblica sobre as afirma-ções de Darwin? Primeiro, Agostinho não limita os atos de criação à Criação inicial. Deus ainda está, ele insiste, trabalhando com o mundo, direcio-nando seu continuo desenvolvimento e expandindo seu potencial. Para ele, há dois “momentos” na Criação: aquele primordial e um contínuo processo de direcionamento. Logo, a Criação não é um instante circunscrito ao passado remoto. O Senhor continua traba-lhando no presente, ele escreve, sus-tentando e direcionando o sucessivo desabrochar das gerações. Esse duplo foco sobre a Criação permite ler Gêne-sis de uma forma que afirma que Deus criou todas as coisas do nada. Porém,

As passagens das sagradas

Escrituras podem ter várias interpretações

sem que a fé que um dia

recebemos seja prejudicada

isso também nos permite afirmar que o universo foi criado com a capacidade de evoluir, sob a soberana direção de Deus – dessa forma, o primeiro está-gio da Criação não corresponde ao que vemos agora.

Para Agostinho, o Senhor criou um universo deliberadamente designado para se desenvolver e evoluir. E o pla-no para essa evolução não é arbitrário, mas programado na estrutura de tudo quanto foi criado. Os primeiros escri-tores cristãos tomaram nota de como o primeiro relato do Gênesis falava sobre a terra e a água dando origem à vida. Eles diziam que isso mostra como Deus dotou a ordem natural com a capacidade de gerar criaturas. Agostinho foi ain-da mais longe: ele sustentava que Deus criou o mundo com uma série de pode-res adormecidos, que são consumados

em um certo momento, de acordo com a divina providência. Uma das evidências disso seria o texto de Gênesis 1.12, que sugere que a terra recebeu o poder de pro-duzir vida por si mesma. A imagem da semente, ali mencionada, sugere que a Criação original contém em si mesma o potencial de fazer emer-gir todos os subsequentes tipos de vida. Isso não significa que Deus criou o mundo incompleto e imperfeito, como preten-

dia Darwin ao enfatizar a necessidade da evolução; esse processo de desenvol-vimento, Agostinho declara, é governa-do por leis fundamentais, que revelam a vontade do Criador: “Deus estabeleceu leis fixas que governam a produção das espécies de seres, e os tira do esconderijo para serem vistos completamente”, diz em seu comentário.

Por outro lado, enquanto alguns podem entender a Criação como Deus inserindo novos tipos de plantas e ani-mais num mundo já existente, Agosti-nho considera isso uma incoerência com o resto das Escrituras. Antes, o Senhor deve ser visto como o criador, naquele primeiro momento, da potencialidade de todas as coisas vivas que iriam sur-gir depois, incluindo a humanidade.

Isso significa que o primeiro relato das Sagradas Escrituras descreve o instan-tâneo surgimento da matéria primitiva, incluindo os recursos para o desenvol-vimento futuro. O segundo relato ex-plora como essas possibilidades casuais surgiram e se desenvolveram na terra. Na visão agostiniana, esses dois relatos sobre a Criação revelam que Deus criou o mundo instantaneamente, enquanto imaginava que as outras espécies de vida iriam aparecer gradualmente durante os tempos.

Em posição diametralmente oposta à de Charles Darwin, Agostinho rejei-taria qualquer idéia do desenvolvimento do Universo como um processo aleatório e desprovido de leis. Por isso, ele teria se oposto à visão darwinista de varia-ção casual, insistindo que a providência de Deus está profundamente envolvida no desenvolvimento da vida. O proces-so pode ser imprevisível; casual, nunca. Previsivelmente, Agostinho aproxima o texto da pressuposição cultural prevalen-te da fixação das espécies, e não viu nisso algo que desafiasse seu pensamento so-bre esse assunto – apesar de a maneira com a qual ele critica as autoridades con-temporâneas e de sua própria experiência sugerir que, pelo menos nesse assunto, ele estaria aberto a correções mediante a luz de descobertas cientificas.

O significado literal de Gênesis real-mente nos ajuda a lidar com as questões levantadas por Darwin? Vamos deixar claro que a obra de Agostinho não res-ponde esses questionamentos; todavia, nos ajuda a ver que o real problema não é a autoridade bíblica, mas sua interpre-tação. Além disso, ele oferece uma ma-neira clássica de pensamento que ilumi-na muitos debates ainda hoje, quase 1,6 mil anos após sua morte. Nesse assunto, Agostinho nem é liberal nem acomo-dado; mas totalmente bíblico, tanto no sentido quanto na intenção. Nós pre-cisamos de paciência, generosidade e graça para ref letir sobre essas grandes questões. E Agostinho pode nos ajudar a começar.

O ex-ateu Alister McGrath é professor de teologia histórica da Universidade de

Oxford e pesquisador sênior do Harris Manchester College, no Reino Unido.

Possui doutorados em biofísica molecular e em teologia pela Universidade de Oxford.

A o R I g E m D A s E s P é C I E s s E g u n D o A g o s t I n H o

yuri nikolai

O reformador Calvino: cinco séculos depois, doutrinas baseadas na graça e na soberania de Deus ganham novo alento

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História

Calvino viveno quinto centenário de nascimento do reformador francês, sua doutrina experimenta novo avanço

uinhentos anos depois do nascimento do reformador João Calvino, suas ideias estão ganhando nova força. Combati-do e contestado dentro e fora do seg-mento cristão ao longo de sua história, o calvinismo firmou-se como corrente

doutrinária e chega ao século 21 re-vigorado, influenciando milhões de pessoas, grandes grupos religiosos e

até mesmo o mundo corporativo. Recentemente, a revista americana Time listou em sua edição eletrônica as dez ideias que mais estão mudando o mundo neste exato momento. E o calvinismo está lá, em terceiro lugar, apontado pela revista como uma “base segura” para a vida devido à crença irrestri-ta na soberania de Deus sobre todas as coisas. A concepção segundo a qual o Todo-poderoso está interessado e atuante nos mínimos detalhes da existência humana pode parecer uma revolução na sociedade pós-moderna, mas o moderno calvinismo surge como resposta a anseios não supridos por anos e anos de liberalismo.

Líderes contemporâneos como John Piper, Paul Washer e Mark Driscoll, e seus respectivos ministérios, são exemplos desse movimento, conservador em suas doutrinas mas impactante em seus efeitos. Com uma roupagem mo-derna, a corrente vem conquistando cada vez mais adeptos, especialmente entre os jovens, e sobretudo nos Estados Uni-dos. “O novo calvinismo citado pela Time é um movimen-to que demonstra abertura para novas formas litúrgicas, ao mesmo tempo em que mantém o formalismo das doutrinas historicamente reformadas”, diz o pastor Leandro Antonio de Lima, da Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, em São Paulo, e professor de teologia sistemática. “É basicamente um resgate da mensagem do reformador João Calvino.”

As igrejas que se autodenominam calvinistas geralmente possuem características bem tradicionais: liturgia formal, um

forte apelo intelectual em seus ensinamentos e, em muitos casos, pelo menos no Brasil, muito espaço nos bancos. Um dos problemas desse aspecto tradicionalista que a corrente teológica sempre apresentou é a falta de uma linguagem po-pular. O calvinismo já foi acusado diversas vezes de ser uma espécie de Evangelho de pessoas cultas, embora muitas dou-trinas que se atribuem a Calvino não sejam de sua autoria (ver quadro). Isso e suas doutrinas polêmicas – sobretudo a de predestinação, calcanhar-de-aquiles que provoca cons-tante cizânia entre os evangélicos e segundo a qual Deus já resolveu quem seria ou não salvo, independentemente de qualquer ação humana – geraram um sectarismo em torno do movimento, que parece estar sendo superado agora. Os novos ministros calvinistas estão mais atentos às necessida-des do povo cristão, o que os torna populares. “A teologia de Piper pode ser resumida como um ‘hedonismo cristão’, que é a teoria de que o ser humano é mais feliz quanto mais prazer

ele sentir em Deus”, sintetiza Leandro. No quesito popularidade, ninguém ganha do

“brigão”, como se referiu a Time, Mark Driscoll. “Um amigo assistiu uma pregação dele e ficou

muito entusiasmado com o que ouviu”, afirma o professor de teologia Franklin Ferreira, autor dos livros Agostinho de A a Z e Gigantes da fé, lançados pela Editora Vida. Driscoll pode subir ao púlpito vestindo uma blusa de malha com a es-tampa do Mickey Mouse e usar palavras arrogantes em suas mensagens, mas sua doutrina é bíblica, séria e reformada. “Driscoll define sua igreja como teologicamente conserva-dora – ou seja, calvinista – e culturalmente aberta”, continua Franklin. Tal estilo pode assustar um pouco os calvinistas tradicionais, mas é essa abordagem que vem arrebanhan-do multidões para Cristo. Franklin sai em defesa de Mark Driscoll, dirigente da Mars Hill Church, em Seattle. “De-vemos levar em conta que ele plantou uma congregação forte numa localidade conhecida como cemitério de igrejas. Até

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CMitos e meias-verdades

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a mídia local está espantada com ele. Convém lembrar que ele é muito respeitado por gente importante da comunidade reformada americana, como Piper.”

“Porto seguro” – O francês João Calvino nasceu em 10 de julho de 1609 em Noyon. Contemporâneo de Martinho Lutero e influenciado por suas ideias, em 1533 Calvino rompe com a Igreja e adere de vez à Reforma. Expulso da França após apresentar sua obra As institutas da religião cris-tã, sua vontade era viver uma vida pacata como um literato reformado. Todavia, o que considerou o chamado de Deus em sua vida veio em Genebra, cidade suíça onde o teólogo se radicou e de onde o movimento calvinista acabaria se espalhando pelo mundo. Genebra teve seu caminho prepa-rado por Zwinglio, que já havia disseminado as doutrinas luteranas na Suíça, e contou com a colaboração Guilherme Farel, seu grande companheiro em Genebra.

O rastilho de pólvora da nova doutrina fundamenta-da na soberania absoluta de Deus e na salvação pela graça divina não demoraria a se alastrar pelas nações da época. Teólogos desenvolveram movimentos reformistas na Fran-ça, nas Ilhas Britânicas, na Holanda e em outras partes do mundo. John Knox, por exemplo, teve um papel funda-mental na implantação do calvinismo na Escócia, após ter sido discípulo do reformador francês enquanto esteve em Genebra. Assim, com os ensinamentos de Calvino e a atu-ação de outros religiosos, desenvolveu-se o que logo passou a ser chamado de calvinismo. É importante ressaltar que o próprio teólogo dizia que tais pensamentos não eram seus, propriamente ditos. Eles teriam vindo de longe, muito lon-ge – primeiro de Agostinho, que por sua vez dizia que sua doutrina provinha de Paulo.

A doutrina calvinista sempre provocou polêmicas ao longo da sua história. Paradoxalmente, suas afirmações não atingem apenas os dogmas católicos, como foi em seu início, mas também muitas supostas verdades construídas

pelo próprio protestantismo, e casos de conflitos com ou-tros grupos cristãos não são raros. Como movimento, o calvinismo não está atrelado a apenas uma denominação, nas espalhado por várias confissões diferentes, sobretudo as igrejas reformadas nacionais surgidas ao longo do sécu-lo 17. Mas seu principal expoente é, sem dúvida, a Igreja Presbiteriana, que possui seu modelo de administração se-melhante ao que Calvino implantou em Genebra: a des-centralização do poder, onde a direção não se concentra nas mãos do pastor, mas de um colegiado de presbíteros.

A diferença desse novo calvinismo parece estar mais fo-cada no âmbito litúrgico do que doutrinário. Apesar de os novos ícones calvinistas não utilizarem os meios de comu-nicação de forma tão intensa quanto outros famosos pasto-res do evangelicalismo americano, os cultos, a linguagem e o relacionamento dos atuais calvinistas com outros cristãos mudaram. “O velho calvinismo era temeroso e desconfiado dos outros cristãos, queimando pontes. Essa nova corrente faz o contrário”, afirma Mark Driscoll em seu blog. Ou-tra questão que surgiu com esse fortalecimento da doutrina de Calvino é a da contemporaneidade dos dons espirituais. Muitas igrejas calvinistas de hoje acreditam na legitimida-de da manifestação desses dons nos dias atuais, o que pare-ceria heresia para as gerações anteriores.

“Não deveria ser surpresa para nós que o calvinismo tem potencial para transformar o mundo”, insiste o pastor Lean-dro. “Muito antes da Time chegar a essa conclusão, o teólogo e estadista holandês Abraham Kuyper já havia previsto isso.” Kuyper, que foi primeiro-ministro de seu país no início do século 20, defendeu que o calvinismo tinha uma agenda para o futuro. “Ele disse que a doutrina poderia ser a solução para os dilemas da modernidade.” No entender do pastor, a cos-movisão reformada é um porto seguro para os “barquinhos” que navegam nas águas tempestuosas desse mundo. Coisa que Calvino, que enfrentou as agruras da Contra-Reforma mas manteve sua fé até morrer, em 1564, sabia muito bem.

Com o passar dos anos, a figura histórica de João Calvino foi prejudicada por conta de suas supostas posições teológicas. Contu-do, o professor Franklin Ferreira diz que muito do que se atribui ao reformador francês é meia-verdade ou simples mito. Confira:

mIto FAtoCalvino inventou a doutrina da predestinação

Agostinho, Aquino, Lutero e Zwinglio ensinaram e escreveram sobre a doutrina da predestinação antes de Calvino, enfatizando a livre graça de Deus que triunfa sobre a miséria e escravidão ao pecado

Calvino é o pai do capitalismo

Calvino de fato valorizou o trabalho, a economia, a disciplina, o senso de vocação. Mas forças que moldaram o capitalismo contemporâneo já estavam presentes na cultura ocidental quase 100 anos antes da Reforma

Calvino era o ditador de Genebra

Ele tinha pouca influência sobre as decisões acerca do ordenamento civil da cidade e nem tinha direito de voto em decisões políticas ou eclesiásticas no conselho municipal. Sua influência era persuasiva, por meio de seus sermões e escritos

Calvino não tinha interesse em missões

Os primeiros mártires da fé evangélica nas Américas foram enviados ao Brasil, em 1555, pelo próprio reformador francês

Os ensinos de Calvino são social e politicamente alienantes

Pode-se ver a influência do pensamento de Calvino na revolução puritana de 1641 e na primeira deposição e execução de um rei tirano em 1649, na Inglaterra; no surgimento do governo republicano (com a divisão e alternância do poder, além de ênfase no pacto social); na revolução americana de 1776; na libertação dos escravos e na defesa da liberdade de imprensa

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teóloga e psicóloga clínica

Falando de inveja

esther Carrenho

O lado bom da história é que podemos tirar

proveito quando detectamos os

sentimentos de inveja no nosso coração

mulher

Sempre é possível resgatar quem de verdade se é

A inveja é um dos sentimentos mais difíceis de serem identificados e reconhecidos. Ignoramos que não há ninguém que respire que seja tão bem resolvido na vida a ponto de nunca desejar, pelo

menos um pouco, daquilo que se admira no outro. O sen-timento da inveja é filho da admiração – o que não signi-fica que não exista admiração sem inveja. Mas onde existir a inveja, com certeza, houve a admiração antes. A inveja, enquanto sentimento, não é boa nem má. É apenas o de-sejo de possuir ou ser o que o outro tem ou é. O que pode ser mau ou bom é o comportamento que adotarmos diante desse sentimento. Traçado o limite entre a admiração e a inveja, o que importa é cada um identificar no próprio co-ração qual é a reação que af lora e que poderá determinar seu comportamento.

Podemos reagir de três formas quando identificamos e aceitamos em nós mesmos o sentimento de inveja. A pri-meira forma é reconhecer que se quer o que o outro é ou tem, avaliando as possibilidades re-ais de ser ou possuir o que admira-mos no próximo. Posso desejar ter um carro de luxo caro, mas quando faço as contas descubro que, com o salário que ganho, é impossível ad-quirir um. Diante disso, há quem abra mão de outras coisas, esforça-se mais e se sacrifique para conquistar aquele objetivo. Neste caso, o sen-timento de inveja foi positivo: um estímulo para o uso dos próprios re-cursos no empenho de conseguir o que se deseja.

A segunda reação é quando admiramos e desejamos o que outro tem, mas diante da impossibilidade de tê-lo pas-samos a desvalorizar e criticar aquilo que não temos condi-ções de adquirir. No caso do carro, o invejoso diria: “Este carro não presta. Consome muito combustível, sua manu-tenção é caríssima e ocupa muito espaço.” Às vezes, esse tipo de comportamento até começa com um elogio, mas logo em seguida vem a crítica, o menosprezo. E a tercei-ra maneira de reagir diante da inveja é quando, diante da impossibilidade de conseguir o que desejamos, adotamos um comportamento destrutivo em relação à pessoa e ou aos bens que são alvo dos nossos desejos. É o caso da pessoa, que muitas vezes, até sem perceber, assume uma postura de: “Já que não posso ter, você também não terá.”

O lado bom da história é que podemos tirar provei-to quando detectamos os sentimentos de inveja no nosso coração. Eles apontam para uma deficiência na capacida-de de reconhecer o nosso próprio valor, o nosso potencial, e desenvolvê-lo de tal forma que se tornem uma fonte de contentamento e realização. Enquanto simplesmente inve-jamos o próximo, tiramos o foco do que somos e temos, e

gastamos inutilmente uma energia que poderia ser canali-zada para o desenvolvimento das nossas habilidades e ta-lentos. Tentamos a todo custo ter a vida do outro. E nessa tentativa perdemos a oportunidade de sermos nós mesmos.

Um dos provérbios do rei Salomão já nos adverte que a inveja é a podridão dos ossos. A Bíblia tem também um bom exemplo disso. Quando o filho pródigo da parábola – aquele que saiu de casa à revelia do pai e consumiu toda sua herança – voltou para casa, ganhou um banquete de re-cepção. Seu irmão mais velho, que sempre ficou ao lado do pai, sentiu-se injustiçado – afinal, embora tivesse perma-necido sempre em casa, seguindo fielmente as ordens pa-ternas, nunca tivera uma festa daquelas. A resposta do pai esclarece que o filho mais velho é que não sabia desfrutar do que tinha: “Meu filho, tudo que é meu é seu”.

O que na realidade aconteceu foi que o irmão mais velho não conseguiu tomar posse do que tinha conquistado por direito. E este é o pior castigo para quem é dominado pelo

sentimento de inveja – ele não usa e nem desfruta do que tem por direi-to, e também não consegue festejar e se alegrar com o que o outro tem. E ainda coloca a culpa em terceiros. Não sabemos qual foi a resposta deste jovem para o pai. Seria muito bom se ele tivesse reconhecido que tinha inveja do presente dado ao irmão e dificuldade em usufruir o que já lhe pertencia. É claro que o pai desta parábola contada por Je-

sus representa Deus, que sempre nos acolhe e nos restaura diante de nosso arrependimento.

Não há duas pessoas iguais no mundo. Cada um tem per-sonalidade e habilidades que são únicas, mas que esperam ser reconhecidas e desenvolvidas. O ideal seria que o jeito de ser de cada um, bem como suas habilidades, recebessem um olhar de aprovação desde o nascimento. É assim que apren-demos desde cedo a nos alegrar com o que somos. Mas nem sempre é isso que acontece. No desejo de agradar, deixamos de lado o que naturalmente somos e nos esforçamos para sermos iguais àqueles que são apontados como modelos, seja pelo que são ou pelo que têm. A solução, depois do estrago feito, é cada um se reencontrar no próprio espaço, onde pos-sa ser ele mesmo, com todas suas características e talentos – tanto os natos como os aprendidos.

Sempre é possível resgatar quem de verdade se é. E esta é uma busca que o indivíduo deve fazer para dentro de si mesmo, para, a partir daí, se doar e ser um caminho de bondade e amor para com aqueles que vivem à sua volta. Assim, faremos para nós mesmos nossas próprias festas e teremos recursos para nos alegrarmos e celebrarmos a ale-gria dos outros.

Resgate do fundamentalE S T A N T E

lANçAMENTO DA SHEDD PuBliCAçÕES ENFATiZA O VAlOR iNSuPERÁVEl DA PAlAVRA PREGADA

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l i v r o s | m ú s i c a | v í d e o

CH Culturaprofessora de Português-literatura

A arte e o of´cio da pregação b´blicaHaddon Robinson e Craig Larson (organizadores)888 páginasShedd Publicações

A pregação bíblica é par-te fundamental e in-

dispensável da prática cristã; afinal, a Bíblia já adverte que os incrédulos não pode-rão crer se não há quem pre-gue. Por isso, A arte e o ofício

da pregação bíblica traz renovo e esperança para a Igreja brasilei-ra nesse momento em que a grande maioria dos pregadores op-tam por sermões temáticos, onde cada um defende seu ponto de vista utilizando as Escrituras – muitas vezes, fora de contexto e apenas para apoiar suas idéias, doutrinas e teologias. Organiza-do por Haddon Robinson e Brian Larson, a obra é na verdade um compêndio dos melhores artigos já publicados no site Prea-chingToday.com, ligado ao grupo Christianity Today, ampliado com novos artigos escritos especificamente para este lançamen-to. Entre os colaboradores, nomes de expressão internacional como Richard Foster, Timothy Keller, Bill Hybels, John Piper, John Stott, Charles Swindoll, Dallas Willard e muitos outros.

O leitor brasileiro tem agora acesso a uma rica e frutífera fonte de apoio e suporte para o pregador da atualidade. A arte e o ofício da pregação bíblica é abrangente, cobrindo quase todos os aspectos da homilética, e proporciona não somente informação, mas também diferentes perspectivas. Entre os temas abordados na obra, estão o chamado da pregação, a vida espiritual do pre-gador, o foco no ouvinte, interpretação e aplicação, estrutura de um bom e eficiente sermão – tudo de maneira muito didática sem, contudo, abrir mão da profundidade, de modo que tanto os novatos como os veteranos do púlpito, terão no livro uma grande ajuda para seu ministério.

GENTE DA BÍBliATodos os personagens da B´blia de A a ZRichard R.Losch640 páginasTemplus

Quem já não teve curiosidade de saber mais sobre os personagens bíblicos do que aquilo que é mencionado nas Escrituras? Pois To-dos os personagens da Bíblias de A a Z é uma obra que vem suprir essa lacuna com folga. Fundamentado não apenas nas Sagradas Escrituras, mas em fontes extrabíblicas e registros históricos e arqueológicos, Todos os personagens é escrito de forma detalhada e clara, tornando fácil o entendimento sobre a personalidade, a trajetória e a importância de cada um no contexto em que é citado na Palavra de Deus – inclusive ilustres desconhecidos (ou quase) como Azricão e Medade. Richard R.Losch, ministro jubilado da Igreja Episcopal St James em Livingston, Alabama (EUA), não deixou de lado em sua pesquisa o aspecto da tradição dos povos e suas origens, oferecendo uma magnífica ajuda àqueles que querem conhecer e prosseguir em conhecer a Palavra de Deus

PENSAMENTO DO REFORMADORSalmos – Vol. 4 | Série Comentários B´blicos – Comentários dos Salmos do 107 ao finalJoão Calvino602 páginasEditora Fiel

Finalmente chega às livrarias o tão esperado quarto e último vo-lume do comentário bíblico dos Salmos escrito pelo célebre re-formador francês. E o lançamento da Editora Fiel chega em hora certa, quando se comemora o quinto centenário de nascimento de João Calvino (ver reportagem nesta edição). A abordagem clássica, ortodoxa e objetiva foge aos padrões adotados em grande parte das obras contemporâneas, caracterizadas por enfoques exagerada-mente acadêmicos, mais semelhantes a análises literárias do que a comentários das Escrituras Sagradas (Carlos Buczynski).

ARTE E iNSPiRAçãOMensagens cristãsJenise Torres 136 páginasAdelfo Editora

Mensagens cristãs é um livro ref lexivo, com pensamentos escritos por Jenise Torres e também textos bíblicos comentados por ela. Se você ainda não a conhece, é bom prestar atenção a esse nome. Professora graduada em letras e música e pós-graduada em tec-nologia educacional pela Universidade do Estado Rio de Janeiro, Jenise escreveu um livro baseado em sua visão muito particular e própria a respeito de diversos temas. Na parte final da obra, o leitor encontra uma coletânea de 16 poesias, sendo onze de sua autoria. Todos os poemas foram musicados e gravados em um CD na forma de canções em estilo sacro, que acompanha o livro como parte integrante do projeto (Paulo Pancote)

[Livros – Jaqueline Rodrigues]

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[Música – Nelson Bomilcar]P R A T E L E I R A

Márcio Valladão: talento e brasilidade

A música do autor, compositor e poeta cristão Mário Valla-dão se distingue por trazer referências do Evangelho e de

obras de autores da literatura nacional, como Machado de Assis e Gonçalves Dias.

As composições revelam sua caminhada na arte contempo-rânea, com suas inquietações e observações da vida cotidiana e indagações da alma humana – mais que necessárias, já que a Igreja brasileira infelizmente continua ignorando nossa cultu-ra. A amizade é celebrada também com inúmeras participações: sua esposa Viviane Valladão, com quem divide os arranjos, Da-niel Maia na produção musical e de músicos e compositores conhecidos como Jorge Rehder, Arlindo Lima, Cláudio Rocha e Gilson Oliveira, além do virtuoso acordeonista Toninho Fer-ragutti. Ao brasileiro é um CD que promove a arte e a vida em todas as suas dimensões. Contatos: [email protected] e (11) 3129-8387.

AO BRASilEiRO, DE MÁRCiO VAllADãO, FuNDE MúSiCA, lOuVOR E REFERÊNCiAS À CulTuRA BRASilEiRA

CAROl GuAlBERTODas coisas boas da vida

Com sua voz de contralto, a cantora e dançarina Carol Gualberto traz ao ouvinte a musicalidade e a sonoridade

de Minas Gerais. Com composições suas, de Carlinhos Veiga e Stênio Marcius, bem como do músico Telo Borges (Clube da Es-quina) e Vander Lee – um dos autores mais gravados na música brasileira hoje –, ela nos surpreende com esta excelente produção, gravada no Estúdio Ícone, de Belo Horizonte. Das coisas boas da vida tem arranjos do tecladista Christiano Caldas e o destaque é para a faixa Rotina, que Carol divide com sua mãe Vânia Sathler Lage (Quarteto Vida). Para entrar de vez no clima, ouça sabore-ando um delicioso pão de queijo – e louvando ao Pai. (www.carolgualberto.com.br)

ÍNDiO MESQuiTAUma voz & um violão

Com uma grande bagagem na música evangélica brasi-leira, Índio Mesquita é integrante do conhecido grupo

do centro-oeste brasileiro Expresso Luz. Com muito tempo de estrada e no Evangelho, Índio faz de Uma voz & Um violão uma produção tão simples e despretensiosa quanto bonita e compe-tente. Todas as composições são assinadas por ele, que divide os violões com Dimar Viana, co-produtor musical do trabalho. Além da qualidade musical, destaque também para detalhes como capa, fotografia e ilustração de Romero Fonseca. (indiomesquita.blogspot.com)

FlÁViO RÉGiS E JADER GuDiNDe lá pra cá – piano e voz (CD)

Boas lembranças! Este CD é uma produção cuidadosa de Luz Para o Caminho (LPC-Campinas) para a preser-

vação de nossa hinódia. Hinos consagrados da tradição cristã, com Santo, santo, santo, Comunhão preciosa, Fortalece a tua Igreja e Doxologia são interpretados por Flávio Régis (VPC) ao piano e Jader Gudin (Grupo Tauató) na voz. O trabalho foi gravado e mixado nos estúdios LPC Comunicações e VMP, com produ-ção executiva de Celsino Gama. (www.delapraca.com)

SOM DO CÉu (VÁRiOS ARTiSTAS)Comemorativo 25 anos

Este CD é o registro de 25 anos do histórico encontro de música cristã conhecido como Som do Céu, realizado por

Mocidade para Cristo no seu acampamento em São Sebastião das Águas Claras (MG). Diversos artistas, como Cezar Elbert, Cíntia e Silvia, Marcus Américo (Céu na Boca), Marivone Lobo, Sérgio Pereira e Jorge Camargo deixaram seus registros em mú-sicas feitas para este encontro, que encorajou e deu visibilidade a tantos músicos, ministérios e artistas no Brasil. Comemorativo 25 anos inclui um trabalho gráfico maravilhoso de Romero Fonseca e Rick Szuecs, e lindos textos de Rubão, Cláudia Barbosa, Reny Cruvinel e Marcelo Gualberto, entre outros. (www.mpc.org.br)

Evangelho e cultura nacional

www.nelsonbomilcar.com.br

compositor e escritor

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[V deos – Nataniel Gomes]

Mais uma vez, o simbologista (sabe-se lá o que é isso?) Robert Langdon precisa descobrir o início do Ca-

minho da Iluminação, uma rota secreta em Roma que leva ao local de encontro da antiga sociedade secreta conhecida como Illuminati. Só assim poderá impedir o assassinato de cardeais que participam da sucessão papal e a explosão de uma bomba antimatéria no Vaticano. Na literatura, Anjos e demônios deu origem ao personagem sem sal de Langdon, mas no cinema virou uma continuação. Os motivos são ób-vios: o maior sucesso de Dan Brown foi com O Código Da Vinci, centro de uma intensa polêmica há alguns anos. As-sim como a primeira obra, Anjos chegou à telona tendo Tom Hanks no papel principal. E a celeuma continua: já há notí-cias de protestos da Igreja Católica, teorias conspiratórias e a expectativa de revelações que dinamitariam o cristianismo. Ou seja, mais do mesmo.

Anjos e demônios, em cartaz em grande circuito, é um fil-me de ação crescente e absurdamente exagerada. São mais de duas horas de música subindo, corre-corre e tensão. Não há um clímax, mas seis, e seguidos – um para cada carde-al, mais a bomba e a perseguição final. O resultado é uma canseira exagerada. Chama atenção como um diretor como Ron Howard, que fez Apollo 13 (1995), Uma mente brilhan-te (2001) e A luta pela esperança (2005) conseguiu reunir tantos clichês em um longa só. Certa vez, um crítico disse que, se nosso comentário sobre um filme for apenas sobre a sua fotografia, significa que esse filme não tem muito a acrescentar. Pois é, Anjos e demônios tem cenário e edição das mais competentes, e só. O Vaticano, que propôs ao pú-blico um boicote ao filme, está enxergando demônios onde eles não existem.

(Angels & Demons, EUA, 2009. Direção: Ron Howard. Elenco: Tom Hanks, Ewan McGregor. Duração: 140 min)

Barulho para nadaP E L Í C U L A S

ANJOS E DEMÔNiOS, CONTiNuAçãO DE O CÓDiGO DA ViNCi, EXAGERA NOS CliCHÊS E REPETE AS MESMAS FÓRMulAS, MAS MESMO ASSiM ATORMENTOu O VATiCANO

Boa parte dos conflitos humanos – para não dizer todos – co-meçam dentro de casa. Seja nas brigas entre irmãos ou nas desa-venças por conflitos de interesses, muitas vezes a fraternidade é deixada de lado por quem vive sob o mesmo teto, com resultados que vão do trágico ao hilário. No cinema e na TV, muitas obras trazem os resultados dessa convivência muito próxima:

DESASTRE EM FAMÍliAAndrew Hanson (vivido por Philip Seymour Hoffman) é um executivo viciado em drogas cuja carreira está em deca-dência. Para tentar se livrar de uma auditoria, ele convence o

irmão Hank (Ethan Hawke), que deve três meses de pensão para a filha, a assaltar a joalheria dos pais deles. O plano é aparentemen-te simples, já que a dupla conhece o funcionamento e estrutura do lugar, mas dá errado: confundida com uma funcionária, a mãe dos irmãos é gravemente ferida. Seu marido – e pai dos protagonistas –, Charles, jura vingança, sem saber que está à caça dos próprios filhos. Agora os dois irmãos terão de lidar com as consequências do trágico plano. O filme, intitulado Antes que o diabo saiba que você está morto, faz lembrar a máxima bíblica de que “um abismo chama outro abismo” e é para quem tem nervos de aço. (Before the devil knows you’re dead, EUA, 2007, 117 min. Europa Filmes)

COMO CãO E GATONão resta dúvida de que os filmes da franquia X-Men co-meçaram bem. Bryan Singer, diretor dos dois primeiros longas, conseguiu dar-lhes a verossimilhança necessária,

gerando um dos gêneros mais lucrativos do cinema. O terceiro filme, X-Men origens: Wolverine, é apenas quebra-pau sem sen-tido do início ao fim, seguindo um dos piores vícios dos quadri-nhos. O filme narra a origem dos irmãos Wolverine e Dentes de Sabre, suas desavenças e a tão esperada reconciliação, exatamen-te como ocorreu com os irmãos Esaú e Jacó da história bíblica. (X-Men Origins: Wolverine, EUA, 2009, 107 min. Fox)

DE TuDO uM POuCOQuem curte seriados já deve ter visto The Big Bang Theory (“A Teoria do Big Bang”), pautado no cotidiano de três doutores em física – o esquisitão Sheldon Cooper, Leonard Hofstadter

e Rajesh Koothrappali, indiano que somente sob efeito do álcool consegue se aproximar de mulheres. Há ainda o engenheiro judeu – um galanteador – Howard Wolowitz. Esses sujeitos são capazes de descrever com maestria coisas que vão do universo ao átomo, mas não conseguem se relacionar com pessoas, digamos, comuns. As discussões vão da busca pelo Prêmio Nobel, passando pela persona-lidade difícil de cada um e os engraçadíssimos tiques e as manias de Sheldon – que, apesar de ser um físico respeitado e praticante da ci-ência moderna, não perde suas referências cristãs, mesmo depois de ter saído da casa dos pais. As marcas da Criação aparecem sempre que ele precisa resolver uma questão de ordem moral, pendendo sua decisão final sempre para algo que “não desagrade a Jesus”, o que o deixa apavorado. A primeira temporada de The Big Bang Theory foi lançada em DVD no fim do ano passado.

(The Big Bang Theory – Season 1, EUA, 2007-2008. Direção: Vários. Elenco: Johnny Galecki, Jim Parsons, Kaley Cuoco, Si-mon Helberg, Kunal Nayyar. Duração: 357 min)

professor e editor

D

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Carlos Fernandes

Entrevista

Combustão espontâneaautodenominado militante pró-família, Julio Severo ataca o movimento

gay e defende ideias com pouco eco até mesmo dentro da igreja

Desde 1998, quando seu livro O movimento homossexual foi lan-çado pela Editora Betânia, Julio Severo começou a chamar a atenção. Ele se posiciona como um crítico ferrenho do compor-tamento gay, que combate com argumentos religiosos, socioló-gicos e políticos. Diferentemente de outros cristãos, que fazem da própria trajetória a motivação para sua militância, Severo, de 43 anos, garante que nunca teve qualquer envolvimento com a homossexualidade – é casado e pai de três filhos – e se diz um ativista pró-família, chamado para salvar o Brasil de uma “di-tadura homossexual”. Segundo o próprio, a atividade tem lhe causado muitas dores de cabeça: “Sou alvo de todo tipo de ata-que. Ameaças, xingamentos”. O blog que mantém, e que é o principal veículo de divulgação de suas ideias, já chegou a ser tirado do ar a partir de denúncias de entidades de defesa dos direitos da comunidade gay, que o acusam de homofóbico. Severo diz que a pressão foi tanta que ele teve que deixar o Brasil no fim de março. Ele não revela o lugar onde está de jeito nenhum. “Seria perigoso para mim e para minha família”, justifica. Lá, afirma que tem frequentado uma igreja “muito humilde” e se mantido graças à ajuda que re-cebe de colaboradores e instituições que o apoiam.

Severo é daqueles crentes quixotescos, disposto a lutar contra moinhos que talvez só ele consiga enxergar. Nas suas palavras, até mesmo o governo brasileiro teria interesse em pedir sua depor-tação por conta das críticas que faz a Luiz Inácio Lula da Silva. “O presidente faz defesa intransigente do homossexualismo e do aborto. Quanto ainda falta para considerarmos Lula e seu gover-no como possessos? Ele está acabando com a moralidade e a ho-nestidade da sociedade”, dispara. O tom histriônico dá ao perfil de Julio Severo um contorno incendiário que ele faz questão de alimentar, e não apenas quando fala da homossexualidade. Ele defende, por exemplo, o direito de os pais crentes educarem seus filhos em casa (prática proibida pela legislação brasileira) como forma de mantê-los a salvo de supostas influências perniciosas da escola. Além disso, diz que o casamento é a solução contra a promiscuidade sexual entre os jovens evangélicos. “Querem sexo? Então, que se casem”, prega Severo, para quem as famílias não deveriam estimular seus filhos a postergar o matrimônio em bus-ca de qualificação educacional e profissional, e sim, fazer justa-mente o contrário. É provável que poucos crentes concordem com ele, mas Severo avisa: “Quando meu livro foi publicado, muitos o acharam exagerado. Quem leu, hoje me chama de profeta.”

CRISTIANISMO HOJE – Que tipo de ameaças o senhor rece-beu por conta de sua militância contra a homossexualidade e que o obrigaram a deixar o pa´s?JULIO SEVERO – Precisei sair do país depois que procuradores federais, numa atitude abusiva, intimaram um amigo meu a re-

velar minha localização. A alegação deles é que havia uma quei-xa de homofobia registrada contra mim em 2006 [N.da Redação: Procedimento Administrativo Cível nº 1.34.001.006020/2006-44, aberto a pedido da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais, a ABGLT ]. Sou alvo de outros tipos de ataques. Ameaças, xingamentos. Em julho de 2007, meu blog foi fecha-do pelo Google depois de uma longa campanha de denúncias de ativistas homossexuais. Graças à intervenção de advogados evangélicos e de um procurador, o Google liberou meu blog, en-tendendo que meu direito de livre expressão estava sendo viola-do. Tempos atrás, interceptei uma mensagem do líder máximo

do movimento homossexual brasileiro, Luiz Mott, direcionada a outros dirigentes gays, onde havia o pedido para que se levantasse a meu respeito infor-mações pessoais, como nome completo, endereço, fo-

tos, histórico etc. Regularmente, aparecem páginas na web com conteúdo de pornografia homossexual contendo meu nome, como se eu estivesse ligado a tais obscenidades. Um conhecido site esquerdista chegou a publicar uma entrevista forjada, onde um falso “Julio Severo” se confessa um homossexual promíscuo.

se a maioria religiosa não tem o direito de impor sobre a sociedade seus valores, que direito tem então a minoria gay de fazê-lo?

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O conceito de namoro é uma invenção moderna sem nenhum apoio na

b´blia. O que deve haver é compromisso. Não quer casar? Não namore. Quer

sexo? Case-se

Quando o senhor saiu do Brasil? Saí no fim de março deste ano.

Onde o senhor está atualmente? Não posso revelar o lugar por motivo de segurança para mim e minha família.

Qual tem sido sua atividade e o que o senhor está fazendo para se manter?Minha atividade aqui é exatamente a mesma que desenvolvia no Brasil: alertar, informar e conscientizar a sociedade através do meu blog. Não vou abandonar minhas responsabilidades para com o Brasil. Meu sustento atual está vindo da colaboração vo-luntária dos leitores e admiradores do meu trabalho.

Com base em qual instrumento legal o senhor tem sido de-nunciado?Na base da pura truculência estatal. A Visão Nacional para a Consciência Cristã (Vinacc) teve seu direito de livre expressão totalmente violado numa campanha de defesa da família, pois sob pressão de ativistas gays e do governo federal, uma juíza aco-lheu uma queixa de homofobia contra a entidade. A Vinacc foi obrigada a remover seus outdoors, com mensagens como “Ho-mossexualismo: E Deus os criou ho-mem e mulher e viu que isso era bom”. Essa simples declaração foi considera-da criminosa e homofóbica.

E como está a ação movida pela ABGLT? Não sei. Pelo tempo que já passou, considero essa ameaça sem efeito. Foi o que fiz também em 2006, quando recebi um e-mail da Associação da Parada do Orgulho Gay de São Paulo, dizendo que estavam entrando com queixa contra mim no Ministério Público Federal [MPF]. Não dei atenção, pois recebo muitas ameaças. Em maio de 2008, Luiz Mott declarou publicamente que entraria com queixas contra mim no MPF e outros órgãos. Depois da nossa saída do Brasil, sei que o MPF do Rio Grande do Sul pediu o arquiva-mento do caso, o que será decidido pela Procuradoria Federal paulista, de onde a ação é originária.

Por que o senhor começou sua militância nesta área? Já teve algum envolvimento homossexual?Eu nunca fui homossexual. No começo de 1995, senti clara-mente Deus me dirigindo a escrever um livro sobre a ameaça do movimento homossexual. Durante algumas semanas, hesitei, pois o tema era um tabu enorme. Não havia paradas gays, nem a obsessão homossexual que vemos hoje na mídia, nas escolas e em outros segmentos. Depois de algum tempo, venci meus te-

mores e aceitei o chamado do Espírito Santo, começando a pesquisar sobre o movimento homossexual. Quando, em

meados de 1995, ocorreu no Brasil a primeira conferên-cia internacional da ILGA [International Lesbian and Gay Association] no Hemisfério Sul, entendi a intenção divina de me chamar para o combate, pois depois da-quele evento os grupos gays brasileiros ganharam um

impulso extraordinário. Foi assim que nasceu meu livro O movi-mento homossexual.

Muitos de seus detratores o chamam de radical. O senhor se considera um fundamentalista?Sou apenas um servo de Deus, radicalmente apaixonado por Je-sus. Muitas igrejas do Brasil, tanto evangélicas quanto católicas, estão comprometidas com a esquerda, e é natural que queiram tachar de radical quem ouse pensar diferente da ideologia pre-dominante na sociedade e nas igrejas. Quanto às designações, no final vai valer somente o que Deus disser. Por isso, minha meta é agradar a Deus.

Embora desagrade à Igreja, a regulamentação da união civil entre homossexuais ganha força em todo o pa´s, já que os tribunais têm não apenas reconhecido os direitos decorren-tes das uniões homoafetivas, como também concedido aos parceiros gays o direito à adoção de filhos na condição de “dois pais” ou “duas mães”. Em um Estado democrático de Direito, o segmento religioso tem legitimidade para interferir na vida em sociedade?Em um legítimo Estado democrático de Direito, a família natu-ral e seus interesses são respeitados e protegidos acima de todo e

qualquer interesse de outros grupos. O que a falsa democracia brasileira quer impor é a descaracterização da famí-lia e sua importância, colocando como prioridade um comportamento sexual antinatural que nenhuma função tem para a preservação da espécie humana ou para a estabilidade da família. Do ponto de vista natural, a homossexu-alidade é uma das maiores aberrações e ameaças à família natural. Ora, a so-ciedade é dividida em diferentes seg-mentos ideológicos. Há o segmento

que tem ideologias religiosas e o segmento que tem a ideologia homossexual. Se a maioria religiosa não tem o direito de impor sobre a sociedade seus valores, que direito tem então a minoria homossexual de fazê-lo? Do ponto de vista da democracia tra-dicional, é ditatorial submeter a vontade da maioria à de uma minoria. Só uma democracia deturpada permitiria tal medida.

O aborto é outro tema importante na atual agenda pol´tica brasileira. Setores do governo, do Poder Legislativo e da so-ciedade defendem a ampliação de sua legalidade, hoje restri-ta aos casos em que a gravidez ameaça a vida da mãe ou é originada de estupro. O que o senhor pensa a respeito? Acho o aborto um problema muitíssimo importante, pois envol-ve o sacrifício de inocentes. A legalização do aborto faz parte de um projeto das trevas para expandir a atividade demoníaca na sociedade, com suas consequentes devastações. As igrejas evan-gélicas, de forma geral, estão em cima do muro. Igrejas como a Universal, que apoiam o aborto, se descaracterizam comple-tamente como entidades cristãs. Uma cultura que desvaloriza crianças – e temos de reconhecer que a atual cultura é funda-mentalmente contraceptiva – fatalmente valoriza o aborto. Ao invés de confrontar essa cultura, tudo o que as igrejas têm con-seguido fazer é se adaptar. É uma apostasia que começou na área

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A doutrinação homossexual da m´dia é notória e descarada.

Homossexuais são falsamente retratados como anjos inocentes

e os não-homossexuais como desequilibrados e

desajustados

C o m b u s t ã o E s P o n t â n E A

sexual, afetou o casamento e a família e agora atinge em cheio os púlpitos, tornando as igrejas cristãs e suas mensagens quase que socialmente insignificantes.

Falta conscientização pol´tica e social aos pastores brasilei-ros?Muitos pastores desconhecem os embates culturais e preferem não se envolver na política, por causa da corrupção presente até mesmo entre políticos evangélicos. A esquerda evangélica hoje detém quase que exclusivamente o monopólio da tal “conscien-tização política e social”. Daí, quando se fala em ação política ou social evangélica, a primeira imagem que vem à mente do público cristão é a imagem de igrejas e grupos religiosos atu-ando como se fossem meros braços assistencialistas do Estado socialista. Essa visão deformada é praticamente a única que os evangélicos do Brasil têm de “ação social”. Falta uma visão ge-nuína de Reino de Deus para a atuação dos evangélicos na polí-tica brasileira.

O combate ao sexo pré-conjugal é uma de suas bandeiras, assim como da maioria das igrejas evangélicas. Como con-vencer o jovem cristão a manter a castidade num mundo que enfatiza o prazer e o descompromisso das rela-ções?O tipo de castidade que as igrejas evangélicas hoje defendem é impossí-vel, pois requer dos jovens abstinência sexual, mas não propõem casamento quando seus impulsos exigem satisfa-ção a todo custo. O adolescente evan-gélico vai à escola, onde recebe doutri-nação estatal para fazer sexo de todas as formas possíveis; vê seus amigos namorando e fazendo sexo; o que ele acaba fazendo? Para piorar, as igrejas e as famílias dizem ao adolescente e ao jovem que reprima suas tentações e não pense em casamento até acabar os estudos. O resultado é que acontece hoje entre os jovens evangélicos exatamente o que está acontecendo entre os jovens não-cristãos: sexo promíscuo. Num tempo de suas vidas em que a prioridade de seus sentimentos está voltada ao sexo, as pressões principais sobre os jovens — vinda dos pais, dos amigos e das igrejas — colocam o casamento em último plano. Falta muita valorização do casamento e famí-lia para os jovens.

O senhor não acha mais sensato orientar os jovens a priorizar o preparo intelectual e profissional visando ao seu futuro? A Bíblia nos instrui: é melhor casar do que abrasar-se. O jo-vem vive muitas vezes abrasado, pois está cercado de lascívia e prostituição. Por isso, quando o jovem não consegue mais se controlar, é fundamental não pressioná-lo a sacrificar possibi-lidades de casamento por causa de metas educacionais. De que adianta, do ponto de vista do Reino de Deus, um evangélico ter diploma universitário e um rastro de prostituição ao longo de sua caminhada? Ele terá grandes perdas espirituais e problemas pelo resto da vida, inclusive conjugais, pois sacrificou todos os seus valores em prol da educação. Portanto, se o jovem sente que

é hora de casar, em vez de pressioná-lo ao contrário, as famí-lias evangélicas envolvidas deveriam apoiar e ajudar o moço e a moça a começarem sua vida juntos. Eles precisam se casar.

Não é arriscado apostar num casamento tão prematuro?O que pude constatar em várias igrejas é que a maioria dos jo-vens que namoram já está fazendo sexo. Filhos de pastores estão engravidando moças fora do casamento. Filhas de pastores estão tendo bebês sem casar – isso quando não os matam através do aborto. Tudo é sacrificado: bebês, casamento, moral, espirituali-dade, comunhão com Deus. Tudo – menos as idolatradas metas educacionais. O caminho certo é encaminhar rapidamente esses jovens ao casamento. Por isso, quando as famílias evangélicas sentem que o rapaz e a moça já estão num namoro, é recomen-dável ajudar num casamento sem demora. Aliás, o conceito de namoro é uma invenção moderna sem nenhum apoio na Bíblia. Na área sexual e em outras áreas importantes, o que deve ha-ver é compromisso. Não quer casar? Não namore. Quer sexo? Case-se. A cultura do namoro leva menos ao casamento do que ao sexo promíscuo. Só os rapazes e moças que não estão namo-rando ou não tendo nenhum tipo de relacionamento abrasante

é que podem prosseguir com suas me-tas educacionais. Os outros, para o seu próprio bem-estar físico, moral, espiri-tual, psicológico e conjugal, precisam se casar o mais cedo possível.

Em seu blog, o senhor fez uma rela-ção de l´deres evangélicos que apoia-ram ou apoiam o governo Lula, aos quais não poupa cr´ticas. Por quê? É triste constatar que famosos pasto-res e outros líderes com forte presença política conhecem os graves problemas do Brasil, mas não assumem uma pos-tura profética de ação e denúncia por-que querem aproveitar suas ligações e alianças políticas para avançar em suas

ambições pessoais, ministeriais ou denominacionais. A grande tragédia é que, assim como eles usaram Lula, Lula também os usou. Como eles conseguirão denunciar profeticamente a pro-moção do aborto e do homossexualismo na sociedade brasileira, sabendo que o principal responsável por tal promoção é o “ungi-do” que eles escolheram para a presidência do Brasil? A maioria dos líderes evangélicos deste país tem grande responsabilidade por tudo o que está acontecendo na sociedade brasileira e um dia darão contas a Deus por terem trocado a fidelidade ao Senhor por ambições e dinheiro. O apoio deles a Lula foi público, de modo que minha exposição do nome deles no meu blog nada mais faz do que tornar público o que já o é. É para que nin-guém se esqueça e possa orar por eles – além de perceber que, em questões políticas, os conselhos que dão são inconfiáveis.

O senhor costuma associar o avanço da militância homosse-xual à ideologia esquerdista e denuncia uma suposta simpa-tia do governo Lula à causa da homossexualidade. Qual seria a intenção do governo em favorecer os gays? Quem diz que apoia a agenda gay é o próprio presidente Lula, que declarou recentemente que “setores atrasados” e “hipócritas”

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têm criticado seu governo por apoiar iniciativas que criminali-zam palavras e atos ofensivos à homossexualidade. No início de seu primeiro mandato, em 2003, a equipe diplomática de Lula apresentou na Organização das Nações Unidas e na Organiza-ção dos Estados Americanos resolução pioneira, classificando o homossexualismo como direito humano inalienável. No Bra-sil, há o programa federal Brasil Sem Homofobia, para impor a doutrinação homossexual à sociedade, pois conforme divulgou instituição de pesquisa ligada ao PT [partido do presidente], 99% da população do Brasil não aceita o homossexualismo. E quem é que pode esquecer que Lula declarou que a oposição ao homos-sexualismo é uma “doença perversa”, convertendo assim a vasta maioria dos brasileiros em “doentes”? Quando um povo não vê a doença moral do seu próprio presidente, o doente é que acabará acusando os sãos de serem doentes! O que faz Lula apoiar tanto o homossexualismo? O mesmo que fazia o rei Acabe do anti-go Israel apoiar o homossexualismo inerente ao culto de Baal. Quanto ainda falta para classificarmos Lula e seu governo como possessos? Décadas atrás, quando o Brasil era muito mais cató-lico e conservador do que hoje, Lula seria muito merecidamen-te enxotado aos pontapés da presidência do Brasil. Hoje, é ele quem está enxotando aos pontapés a moralidade e a honestidade do governo e da sociedade.

Qual o papel da m´dia neste processo? A doutrinação homossexual da mídia é notória e descarada. Ho-mossexuais são falsamente retratados como anjos inocentes e os não-homossexuais como desequilibrados e desajustados. Nas no-

velas, os parceiros gays são os grandes exemplos de paz e harmo-nia, enquanto que o casamento normal é apresentado como palco de conflitos, ódio, inveja, traição etc. Quem não se lembra da no-vela Duas Caras, da Rede Globo, escrita pelo homossexual Agui-naldo Silva, militante de esquerda? Sua obra literalmente pintou os evangélicos como loucos e violentos, enquanto personagens ho-mossexuais promíscuos foram retratados como símbolos de genti-leza, educação e comportamento politicamente correto.

O Projeto de Lei 122/2006, que entre outros pontos crimina-liza a prática da homofobia no Brasil, tem sido combatido de maneira intensa pelos evangélicos, que identificam no seu conteúdo uma ameaça à liberdade religiosa no pa´s. Contu-do, o Artigo 5º da Constituição Federal assegura ampla liber-dade de crença e direitos individuais de opinião, inclusive na forma de cláusulas pétreas. Não tem havido muitos exageros nesta questão?A perseguição aos cristãos alcançou a Alemanha e a Rússia no passado porque os cristãos não souberam reconhecer que, por trás das mentiras e da fachada, o nazismo e o comunismo eram ideologias destrutivas. É sempre assim: o sistema de perseguição entra na sociedade em roupagem elegante, como eram elegantes o nazismo e o comunismo. Depois da lua-de-mel, vem o poço do abismo. O PL 122 é um projeto que mal consegue disfarçar suas más intenções. Quando meu livro foi publicado, muitos o acharam exagerado e disseram que suas previsões nunca ocor-reriam. Infelizmente, acabaram ocorrendo. E quem leu hoje me chama de profeta.

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Àuma igreja do tamanho do Brasil

assembleia de deus faz das comemorações do centenário mais um desafio missionário

Às portas do seu centenário, a Assembleia de Deus está em festa. Maior denominação evangélica e segunda ins-tituição religiosa do país em número de fiéis – atrás, ape-nas, da Igreja Católica Romana –, a Assembleia de Deus (AD) comemora em 2011 um século de existência, traje-tória marcada pelo fogo pen tecostal e pelo ardor missio-nário. Mais popular das confissões protestantes em ter-ritório nacional, a AD é uma igreja com a cara do Brasil. Presente das grandes cidades aos vilarejos do interior, ela congrega gente de todo tipo, origem e classes sociais; ao mesmo tempo, mantém a ortodoxia doutrinária e a fide-lidade às Escrituras que se tornaram sua marca desde que os fundadores, os missionários suecos Gunnar Vingren e Daniel Berg, aportaram em Belém (PA). Daqueles tem-pos de pioneirismo e perseguição, ficou na alma dos as-sembleianos a urgência de anunciar o Reino de Deus. Há

Carlos Fernandes

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Pastores assembleianos reunidos na última Convenção Geral da denominação: centenário é motivação para crescimento

Membros da Assembleia de Deus reunidos em evento: igreja

de multidões marca presença em todo o território nacional

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Ministério

quase 100 anos, os crentes da de-nominação só têm colocado mais e mais pedrinhas em sua coroa – é assim que eles, carinhosamente, chamam as almas ganhas para Je-sus.

A ocasião festiva já está sendo comemorada em diversos eventos e a agenda vai ficar cheia até 2011. A coordenação do programa do centenário está a cargo da Con-venção Geral das Assembléias de Deus do Brasil (CGADB), entidade que congrega mais de 100 mil igrejas e 35 mil pastores. O número exato de fiéis é impossível de mensurar. “Segundo o Censo de 1991, os assembleianos eram 2,4 milhões; já em 2000, 8,1 milhões de pessoas se declararam membros da AD”, lem-bra o pastor Silas Daniel, diretor de Jornalismo da Casa Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD). “Nove anos depois do último Censo, com base não apenas em projeções, mas em dados de cresci-mento que nos chegam de alguns ministérios regionais, chega-se a um número estimado de 15 milhões.”

“Sal e luz” – A verdadeira dimensão numérica da AD é menos importante do que seu legado. Ao longo do século 20, a denominação exerceu papel fundamental na evan-gelização do país. “Há décadas as Assembleias de Deus têm feito a diferença em uma sociedade que diariamente perde os referenciais de ética, integridade, vida espiritu-al e moral”, destaca o pastor José Wellington Bezerra da Costa, presidente da CGADB. Em abril, ele foi reeleito para seu décimo mandato à frente da entidade numa par-

Os pioneiros Daniel Berg (esquerda) e Gunnar Vingren: chama missionária da AD permanece acesa

ticipação recorde, tendo mais de 13 mil ministros eleitores, derrotando o pastor Samuel Câmara. A pri-meira vice-presidência ficou com o pastor e conferencista Silas Ma-lafaia. “Deus nos chamou para ser sal e luz, e temos obedecido a esse chamado com poder e autoridade. O trabalho dos pioneiros continua em nossos dias, e o Senhor nos proporcionou os meios para fazê-lo da melhor forma possível.”

Sobre as comemorações, Wellington lembra que a his-tória da AD é caracterizada pelo mover divino. “Cem anos não são cem dias. Contamos tempos trabalhosos, de perse-guição, de incompreensão contra a nossa fé, e hoje podemos colher os frutos de um evangelismo pacífico e respeitoso em nossa nação. Deus se fez presente conosco, confirmando sua Palavra e acrescentando à igreja os que vão sendo salvos”.

A programação começou oficialmente durante a Assembleia Extraordinária da CGADB em Por-to Alegre (RS), ano passado. O marco inaugural foi um cerimonial no Hotel Sheraton, na capital gaúcha, com a presença de líderes de quase to-

das as convenções regionais e de órgãos ligados à igreja. Ali, toda a programação de 2008 a 2011 foi exibida em vídeo. Na ocasião, foi apresentada também a marca do centenário, que representa o número “100” estilizado com uma chama – lembrando o pentecostalismo – e duas alianças entrelaçadas.

Um dos destaques das comemorações é a série de con-ferências pentecostais que serão promovidas até 2011, uma em cada região do país. “Serão grandes eventos evangelís-ticos e de renovação espiritual”, descreve José Wellington. Mas o que está motivando os assembleianos do Brasil é mesmo comemorar os cem anos bem ao seu estilo – ou seja, pregando a Palavra a toda criatura. Uma das metas até 2011 é que cada membro leve ao menos uma pessoa à conversão ao Evangelho. Outro desafio é abrir uma congregação da AD em cada município do país. “Queremos que todas as cidades tenham uma igreja da Assembleia de Deus pregan-do a salvação em Jesus Cristo”, anuncia o dirigente.

A primeira conferência foi realizada no Centro-Oeste, em outubro de 2008, no Grande Templo da AD em Cuia-bá (MT). A segunda será na Região Sul, em Curitiba, ain-da este ano. Em seguida, será a vez do Nordeste, na cida-de de Recife (PE), em junho de 2010; depois, será a vez da Região Norte, com o evento em Belém do Pará, já em junho de 2011, na semana de aniversário de cem anos da denominação no Brasil. Finalmente, em outubro de 2011, será realizada a última conferência, desta vez no Sudeste, na cidade de São Paulo, ocasião em que será inaugurado o novo templo-central da Assembleia de Deus do Belenzi-nho (SP).

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Carlo Carrenho

os outros seis dias

Quem não gosta de samba, bom cristão não é

Assim como a igreja é muito mais do que seus erros do presente e do

passado, o samba é muito maior do que alguns aspectos do carnaval que essa

igreja condena

O samba é uma grande festa. O cristianismo também

No último dia 14 de maio, tive a reunião mais inesperada para um editor de livros cristãos. No fim da tarde, tomei um táxi no bairro carioca de Bonsucesso com direção à Cidade do Samba.

Para quem não sabe, esse espaço é um complexo de gal-pões perto do centro do Rio que abriga os ateliês das esco-las de samba do grupo especial, como Portela, Salgueiro, Mocidade Independente... Ou seja, as melhores do Brasil e do mundo. Chegando lá, como bom paulista sem samba no pé que sou, fiquei fascinado com o tamanho do local, que só parece pequeno diante dos carros alegóricos gigan-tes usados no carnaval deste ano e que ainda se espremem no local, pois só serão desmontados a partir de junho. Mas por que eu fui até lá? Resposta simples e direta: para me reunir com a diretoria da tradicionalíssima Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira da Mangueira e negociar um evento com o escritor cristão Max Lucado na quadra da escola. É isso mesmo – um pastor evangélico americano vai falar na quadra de uma escola de samba!

Quando surgiu essa possibilidade, parecia coisa de maluco. Simplesmen-te, começamos a brincar com a ideia de levar um autor evangélico com mais de 65 milhões de livros vendidos para aquele templo do samba. Quan-do paramos de rir, ficou a pergunta no ar: e por que não? Pensamos um pouco sobre o assunto, consultamos Lucado e ele topou. Organizamos a agenda e o único dia que encaixava era o 26 de julho – um domingo! Mais uma vez: e por que não?

Depois de um contato prévio com a diretoria da Man-gueira, lá estava eu conhecendo o recém-eleito presidente da escola, Ivo Meirelles, e o diretor de Eventos, Roberto Benevides. Eles foram presenteados com livros com capas nas cores verde e rosa, em uma explícita homenagem à oc-togenária Mangueira, que se eternizou no samba ostentan-do aquelas duas cores em seu estandarte.

Os sambistas, é claro, adoraram a homenagem e se inte-ressaram pelo evento inusitado. A reunião f luiu, acertamos vários detalhes, e tudo indica que, quando esta edição de CRISTIANISMO HOJE estiver nas mãos dos leitores, tudo já estará mais que confirmado. Ou seja, no último domingo de julho, Max Lucado não estará em nenhum templo cristão, mas na quadra da Mangueira – e tenho

certeza de que Deus e sua igreja também estarão presentes por lá. Na programação, além da palavra do famoso pas-tor evangélico, que trará uma mensagem de esperança e fé aos sambistas, visitantes e crentes presentes, haverá uma programação musical. A bateria da Mangueira e um coral evangélico farão parte do espetáculo, tocando juntos hinos cristãos. É, os bumbos, repiniques, cuícas e tamborins da Estação Primeira serão usados para glorificar o nome do Senhor. E por que não?

A ocasião festiva leva também a algumas ref lexões. Pri-meiro, porque mensagem cristã de esperança e redenção será levada à quadra da Mangueira, lá dentro da comuni-

dade. Segundo, porque cristãos das mais diversas denominações terão, muitos pela primeira vez, contato com o samba, uma tradição tão bra-sileira e tão bela. Os mais críticos poderão lembrar do lado promíscuo e pagão do carnaval, que muitos con-sideram uma folia profana, mas a verdade é que o samba é muito mais do que isso. Ele é o ritmo mais bra-sileiro, o que mais exalta nossa alma de raízes negra, branca e indígena. O fato de muitas vezes aparecer atre-lado a mulheres seminuas e bailes libertinos não quer dizer que esse rico gênero musical se limite apenas a isso. Há sambas com letras maravi-lhosas e, assim como qualquer outro ritmo, não existe nada contraditório

em sua associação com o cristianismo. Na verdade, assim como a Igreja é muito mais do que seus erros do presente e do passado, o samba é muito maior do que alguns aspectos do carnaval que essa Igreja condena.

O samba é uma grande festa. O cristianismo, também. Que tal, então, festejarmos todos juntos e proclamar nossa bela tradição musical e também a mensagem redentora do Evangelho? É uma ocasião única para um grande testemu-nho de fé, quando os crentes em Jesus mostrarão aos seus irmãos do samba como Deus os ama. E olha, é provável que muitos evangélicos até arrisquem uns passinhos – afi-nal, quem não gosta de samba, bom cristão não é. Mais uma vez, a pergunta: e por que não?

Quem sabe um dia desses o pessoal da Mangueira, com direito a bateria, mestre-sala, porta-bandeira, baianas, ve-lha guarda e tudo o mais, aparece para visitar uma de nos-sas igrejas? E por que não?

editor de livros

Últimas Palavras

O coroinha e o office-boyA essência da liderança é o cuidado especial para com as pessoas

O l ´der precisa ser inspirado por seus

valores, fortalecido pelo prazer de servir

e motivado pela capacidade de se

sacrificar

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Quando se afirma que uma determinada pessoa é líder, isso não significa necessariamente um acréscimo de qualidade positiva àquela pessoa. Denominam-se de líderes, por exemplo, desde

os governantes aos chefes de gangues; dos gestores de em-presa aos sacerdotes de uma religião. Enfim, seja para o bem ou para o mal, os líderes existem. Se estiver correto o conceito de que liderança é basicamente influenciar pes-soas, a história registra líderes que assassinaram milhões de pessoas, como o soviético Joseph Stálin, e líderes que conduziram suas nações ao progresso social, como o pastor americano Martin Luther King Jr. Portanto, não basta ser um líder. Importa que o líder seja um ser humano dota-do da capacidade de inspirar, apoiar e mobilizar pessoas a cumprir uma missão.

O mérito da liderança não é exercê-la como um fim em si mesmo, mas a capacidade de usá-la para servir. Há outros fun-damentos básicos da liderança, como caráter e integridade – e essas são características que po-dem ser desenvolvidas por qual-quer pessoa. O servo que lidera é marcado pela singularidade do bom caráter, que nada mais é que a manifestação pública do seu es-tado de ser. Conheço mais servos que são líderes do que líderes que são servos. E há muito mais gente escrevendo para os líderes do que para os servos. Depois que li O monge e o executivo, de James Hunter, que anima os líderes a serem servidores, fiquei pensando em escre-ver um livro intitulado “O coroinha e o office-boy”. Não seria uma réplica – apenas uma forma de falar de serviço a partir do público que serve e tem um potencial extraor-dinário para liderar.

O detalhe é que nem sempre o pastor titular é o gran-de líder de uma igreja. Nem sempre o artilheiro é o líder do time de futebol, assim como há gerentes que exercem muito mais liderança numa empresa do que o presidente da corporação. Muitas vezes, os líderes não têm qualquer posição oficial no grupo a que pertencem, mas se desta-cam por sua integridade, carisma, caráter, capacidade de inf luenciar as pessoas para o bem comum. A essência mais básica da liderança é o cuidado especial para servir as pessoas. O líder, neste contexto, se realiza em cum-prir o seu papel peculiar de tornar os seres humanos mais humanos. O ser humano é a matéria-prima do servo que lidera. E, se a matéria-prima dos líderes é o ser humano, o

produto final que realiza esses líderes é o desenvolvimen-to máximo das pessoas que lideram. Em geral, os servos que lideram agem assim e nunca souberam consciente-mente o bem realizado.

Ora, se liderança é influenciar pessoas pelo exemplo e pelo caráter, qual outro líder na história da humanidade conseguiu influenciar pessoas tão positivamente e por tan-tos séculos senão Jesus de Nazaré? Seu propósito não era liderar, era servir. Todos nós temos sérias suspeitas sobre o cristianismo e sobre a incoerência das instituições cristãs; mas, nem mesmo os opositores da religião cristã têm qual-quer suspeita sobre a capacidade extraordinária do serviço de Jesus Cristo prestado à humanidade. Nessa tentativa de propor uma liderança marcada pela integridade, bom ca-

ráter, compromisso com a plenitu-de de vida para todas as pessoas, e, naturalmente relacionados ao exemplo de Jesus Cristo, o perfil proposto nesta ref lexão estará sem-pre denunciando inadequações, equívocos e atitudes que podem ser melhoradas na liderança. O propósito não é provocar uma sen-sação de culpa, muito menos suge-rir que alguém pode ser melhor do que outras pessoas. A intenção é fortalecer uma necessidade básica para toda e qualquer liderança – a necessidade fundamental de ser-vir, em aprendizado e crescimento

contínuos. Aprender sempre, mas nunca para ser melhor do que os outros; basta ser e fazer, a fim de se tornar o dia de hoje melhor do que o de ontem.

A partir deste raciocínio, fica evidente que a primeira tarefa do líder é cuidar de si mesmo. Há um consenso mui-to evidente entre todos os estudiosos sobre liderança: o de que ninguém consegue liderar outras pessoas se não gastar tempo, muito trabalho e sabedoria em liderar a si mesmo. Se a tarefa primária da liderança é amar, servir e influen-ciar os outros, o próprio líder é a primeira pessoa a desfrutar dessa tarefa. O líder precisa ser inspirado por seus valores, fortalecido pelo prazer de servir e motivado pela capacida-de de se sacrificar. Se os monges e executivos precisam ser lembrados sobre suas potencialidades em servir, os servos – tanto os coroinhas como os office-boys da vida – precisam ser desafiados a exercer suas capacidades para que possam liderar. Não há como pensar de forma diferente: a tarefa de liderar requer de quem a exerce muita disciplina pessoal, investimento em conhecimentos diversos e, acima de tudo, conhecimento e domínio sobre si mesmo.

Carlos Queirozprofessor e escritor