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CÂMARA DOS DEPUTADOS DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO NÚCLEO DE REVISÃO DE COMISSÕES TEXTO COM REDAÇÃO FINAL COMISSÃO EXTERNA - CONFERÊNCIA MUNDIAL ÁFRICA DO SUL EVENTO: Audiência Pública N°: 001295/00 DATA: 12/12/00 INÍCIO: 16:00 TÉRMINO: 17:12 DURAÇÃO: 1:12:00 TEMPO DE GRAVAÇÃO: 1:34:00 PÁGINAS: 33 QUARTOS: 19 REVISÃO: ANTONIO MORGADO, ELIANA SUPERVISÃO: GRAÇA, MÁRCIA CONCATENAÇÃO: LÍVIA COSTA DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO GILBERTO SABÓIA – Secretário de Estado de Direitos Humanos JONATAS NUNES BARRETO – Presidente-Substituto da Fundação Cultural Palmares HENRIQUE CUNHA – Assessor CARMELINA DOS SANTOS ROSA – Assessor ALEXANDRE LÚCIO DE MELLO FILHO - Diretor - SUMÁRIO: Informações a respeito dos trabalhos preparatórios para a 1ª Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas. OBSERVAÇÕES

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CÂMARA DOS DEPUTADOS

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO

NÚCLEO DE REVISÃO DE COMISSÕES

TEXTO COM REDAÇÃO FINAL

COMISSÃO EXTERNA - CONFERÊNCIA MUNDIAL ÁFRICA DO SULEVENTO: Audiência Pública N°: 001295/00 DATA: 12/12/00INÍCIO: 16:00 TÉRMINO: 17:12 DURAÇÃO: 1:12:00TEMPO DE GRAVAÇÃO: 1:34:00 PÁGINAS: 33 QUARTOS: 19REVISÃO: ANTONIO MORGADO, ELIANASUPERVISÃO: GRAÇA, MÁRCIACONCATENAÇÃO: LÍVIA COSTA

DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃOGILBERTO SABÓIA – Secretário de Estado de Direitos HumanosJONATAS NUNES BARRETO – Presidente-Substituto da Fundação Cultural PalmaresHENRIQUE CUNHA – AssessorCARMELINA DOS SANTOS ROSA – AssessorALEXANDRE LÚCIO DE MELLO FILHO - Diretor -

SUMÁRIO: Informações a respeito dos trabalhos preparatórios para a 1ª Conferência Mundialde Combate ao Racismo, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas.

OBSERVAÇÕES

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Externa - Conferência Mundial África do SulNúmero: 001295/00 Data: 12/12/00

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O SR. PRESIDENTE (Deputado Pinheiro Landim) – Havendo número

regimental, declaro abertos os trabalhos da presente reunião.

Informo aos Srs. Parlamentares que foi distribuída cópia da ata da 2ª reunião

ordinária realizada no último dia 29 de novembro. Dessa forma, indago ao Plenário

se há necessidade de leitura da mesma.

O SR. DEPUTADO GILMAR MACHADO - Sr. Presidente, peço dispensa da

leitura da ata.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pinheiro Landim) – Atendendo ao pedido do

Deputado Gilmar Machado, está dispensada a leitura da ata da última reunião.

Em discussão.

Não havendo quem queira discutir, em votação.

Os Deputados que a aprovam permaneçam como se acham. (Pausa.)

Aprovada.

A presente reunião de audiência pública foi convocada com o objetivo de

ouvir o Sr. Secretário de Estado de Direitos Humanos, Gilberto Sabóia, bem como o

Presidente-Substituto da Fundação Cultural Palmares, Dr. Jonatas Nunes Barreto,

para que possam nos subsidiar com informações a respeito dos preparativos para a

realização da 1ª Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Xenofobia e

Intolerâncias Correlatas a realizar-se em agosto de 2001 na África do Sul.

Convido, para compor a Mesa, o Sr. Secretário de Estado de Direitos

Humanos, Gilberto Sabóia, bem como o Dr. Jonatas Barreto, Presidente-Substituto

da Fundação Cultural Palmares.

Esclareço que os convidados terão o prazo de vinte minutos para fazer suas

exposições. Após as exposições, iniciaremos os debates. Os Deputados

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interessados em interpelar os expositores deverão inscrever-se preliminarmente

junto à secretaria.

Concedo a palavra ao Sr. Gilberto Sabóia.

O SR. GILBERTO SABÓIA – Muito obrigado, Sr. Presidente, Srs. Membros

da Comissão, por esta iniciativa de nos ouvir, a mim e ao Presidente da Fundação

Cultural Palmares, a respeito dos trabalhos preparatórios da Conferência Mundial de

Combate ao Racismo, Xenofobia e Intolerâncias correlatas.

Essa Conferência foi convocada pelas Nações Unidas com objetivo de dar

continuidade aos trabalhos da própria ONU e da Comunidade Internacional, não só

para eliminar a discriminação racial como também para encarar e discutir as novas

formas que essa negação dos direitos humanos, essenciais à igualdade e liberdade

entre os seres humanos, vinha tomando nas últimas décadas. Como os V.Exas.

sabem, houve várias reuniões e assembléias gerais da ONU dedicadas a esse tema,

inclusive houve décadas mundiais contra o apartheid e a discriminação racial;

efetivamente, na década de 90, caiu na África do Sul a forma mais virulenta de

racismo, com a vitória da liberdade e da igualdade, culminando com a libertação e

posterior eleição, pela primeira vez, de Mandela. Ou seja, foi eleito um presidente

com base no voto igualitário de todos os membros daquela sociedade, com a

substituição da Constituição sul-africana, enfim, todas as vitórias que isso comporta

em termos de erradicação desse tipo de discriminação racial.

No entanto, é forçoso reconhecer que o racismo e a discriminação racial não

se limitavam a manifestações desse tipo, persistindo em diferentes formas nas mais

variadas regiões do mundo, inclusive com o renascimento, de certa maneira, do

xenofobismo e da intolerância, como os atentados anti-semitas, de manifestações

violentas contra imigrantes em países desenvolvidos com conotações racistas. Deu-

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se início então ao processo de elaboração e convocação dessa Conferência, que

finalmente foi decidida com uma agenda bastante abrangente, uma vez que ela vai

tratar das origens, causas e vítimas do racismo, assim como das suas modalidades

de superação, eventualmente das formas de compensação, além da cooperação e

do papel dos Estados e da Comunidade Internacional na luta contra o racismo,

xenofobia e tolerância correlata. Como V.Exas. podem ver, é uma agenda bastante

ampla, permitindo o exame dessa questão sob os mais variados ângulos.

Do ponto de vista brasileiro, essa Conferência permite o aprofundamento de

uma análise e reflexão sobre a questão racial no Brasil. Esse é um aspecto

importante, porque se por um lado o Brasil é reconhecidamente uma sociedade

multiétnica, multicultural, com variadas contribuições a nossa formação, por outro

lado, há vários fatores, na nossa história, principalmente na nossa forma de

colonização e o fato de haver prevalecido, durante mais de três séculos, a

escravidão, como forma de exploração do ser humano e utilização da mão-de-obra,

que deixaram profundas cicatrizes na sociedade brasileira. Não houve — e isso é

um fato reconhecido, hoje, também — nem com a abolição da escravidão esforço

adequado, ou esforço algum para ser sincero, de incorporação eficaz dessa

população à sociedade. Essa gente, que vinha sofrendo há várias gerações,

continuou a sentir, da forma mais violenta, a negação da sua personalidade humana.

Por outro lado, no que diz respeito aos povos indígenas, manteve-se durante

muitas décadas ainda — mesmo após a Proclamação da República, mesmo com a

atuação do Marechal Rondon, que soube compreender a necessidade de proteger

os indígenas, além de alguns dos seus antecessores que encararam a questão

indígena como um fator importante da identidade brasileira — a idéia de que o

indígena era apenas um dado da natureza e que poderia ser atraído, utilizado ou

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afastado, ou mesmo misturado. Com isso, tivemos uma sociedade que, apesar da

sua efetiva pluralidade, não se distinguia por uma participação minimamente

eqüitativa e, geração após geração, os níveis de desigualdade foram-se

perpetuando.

Portanto, essa Conferência vem num momento oportuno. Vale ressaltar que o

Governo brasileiro já vinha dando passos importantes. O próprio Presidente da

República declarou várias vezes, no sentido de desmitificar um pouco, que éramos

uma democracia racial, que não havia distinções, que havia somente um problema

social. Então, foram dados passos importantes sob o ponto de vista conceitual para

permitir a avaliação desse problema no seio da sociedade brasileira. É claro que um

problema com essa dimensão não se resolve num tempo relativamente curto, mas

foram dados os primeiros passos.

Quando ocupei a minha atual função, encontrei o processo de preparação da

Conferência em relação ao Brasil num estágio inicial. A Dra. Dulce Pereira, como

Presidente da Fundação Palmares, havia sido indicada, pelo Presidente da

República, coordenadora dessa preparação, levando a efeito reuniões, de que

participou, junto com delegações representativas da sociedade. Mas estávamos

ainda num estágio em que não se havia concretizado a criação de um comitê

nacional preparatório da Conferência, o que havia ocorrido na preparação de outras

conferências importantes, como, por exemplo, a Conferência de Beijing sobre a

mulher. Então, nas conversas que mantive com diferentes autoridades, e com a

própria Dra. Dulce Pereira, no Itamaraty e no Ministério da Justiça, levou-se adiante

a idéia de proceder da mesma forma, constituindo um comitê nacional, que,

composto por representantes de Governo, da sociedade civil, do Parlamento e do

Ministério Público, pudesse de uma forma democrática e transparente dar início a

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essa preparação. Essa preparação consiste no intercâmbio de informações sobre o

que será a Conferência, qual a forma de participação e também uma discussão

sobre a nossa visão a respeito dos temas propostos na Conferência. A principal

tarefa do comitê será a preparação de um relatório nacional a ser enviado à

Conferência da África do Sul. Esse relatório, cujas linhas gerais já foram aprovadas,

deverá ser apresentado para discussão ao comitê. Ela vai procurar fazer um retrato

da sociedade brasileira em relação aos principais temas da Conferência. Posso

adiantar que a Conferência não irá discutir relatórios. Esses relatórios serão

contribuições. A Conferência discutirá a elaboração de uma declaração e um plano

de ação. E nós faremos o nosso relatório.

Ao início desses trabalhos preliminares, o comitê nacional não se havia

reunido formalmente. Mas a Secretaria de Estado, em cooperação com institutos de

pesquisas em relações internacionais e com o Conselho Nacional de Pesquisas,

elaborou um programa de seminários para discutir uma série de temas relacionados

com questões raciais e diferentes aspectos da sociedade brasileira, como educação,

trabalho, emprego, renda, enfim, justiça. Foram convidados especialistas, que

redigiram monografias que serão publicadas. Trouxe quatro coleções de disquetes

sobre os debates realizados nos seminários que se sucederam em novembro, nas

cidades de São Paulo, Belém e Salvador. Isso se transformará também num livro a

ser publicado em dois idiomas, português e inglês, sendo uma contribuição brasileira

a esse esforço de reflexão que será ampliado na Conferência Mundial.

Tivemos também que acelerar a nossa participação na conferência

preparatória, a regional americana, realizada nos primeiros dias de dezembro em

Santiago. Posso informar-lhes, com satisfação, o sucesso dessa conferência. A

delegação oficial brasileira foi integrada por um grupo representativo tanto do

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Governo quanto da sociedade civil, que participou com amplo acesso de todas as

fases da conferência. Tanto no comitê plenário quanto no de redação, o Brasil

contribuiu muito e enriqueceu substantivamente o texto que resultou da conferência

de Santiago, em particular no que diz respeito aos afro-descendentes. Chegamos a

Santiago com um texto reconhecidamente pobre nesse capítulo. O país anfitrião

pediu a nossa colaboração, e nós apresentamos uma série de sugestões, que, na

grande maioria, foram incorporadas à declaração e ao plano de ação. Mantivemos

com a delegação brasileira das organizações não-governamentais — a maior da

conferência, composta de 176 pessoas — vários diálogos que resultaram em idéias

bastante interessantes. Essa reunião de Santiago foi uma contribuição importante.

Para dar-lhes uma idéia, foram superados alguns tabus complicados, como, por

exemplo, a utilização da expressão “povos indígenas”, a qual o Brasil se apresentou

favorável.

No final, houve consenso — inclusive dos Estados Unidos, que resistiam um

pouco a essa idéia — em relação a algumas qualificações sobre o alcance dessa

expressão em matéria de Direito Internacional. Mas como era desejo dos indígenas

brasileiros e para o Governo brasileiro não haveria nenhuma violação à soberania

brasileira, a aceitação dessa expressão na conferência de Santiago foi uma vitória.

Outro ponto importante foi o das reparações. Houve um parágrafo especial,

discutido até os últimos momentos da Conferência, que trata de reparações e cria

algumas condições e perspectivas do ponto de vista de como elas poderiam ser

encaminhadas. Enfim, não há dúvida nenhuma quanto à reparação de vítimas

presentes e futuras de racismo, porque a lei é bastante clara a esse respeito. A

grande questão era o que fazer com o passado, evidentemente uma questão muito

complexa e difícil de equacionar. Mas há algumas luzes, embora a delegação dos

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Estados Unidos tenha precisado fazer uma reserva sobre esse capítulo, juntamente

com a do Canadá.

Eram essas as primeiras informações que tinha a prestar. Disponho de vários

documentos com a composição do Comitê Nacional, seu mandato e algumas das

informações, as atas das primeiras sessões, além do temário dos seminários. Vou

passar esses documentos para V.Exas. E como já disse, Sr. Presidente, são esses

os disquetes que contêm as informações.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pinheiro Landim) - V.Sa. poderia deixá-los à

disposição desta Comissão?

O SR. GILBERTO SABÓIA - Perfeitamente.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pinheiro Landim) - Muito obrigado.

Acabamos de ouvir o Dr. Gilberto Sabóia.

Passo a palavra ao Dr. Jonatas Nunes Barreto.

O SR. JONATAS NUNES BARRETO - Boa tarde, Sr. Presidente da Mesa,

Deputado Pinheiro Landim, Sr. Secretário dos Direitos Humanos, Gilberto Sabóia,

Sr. Relator, Deputado Reginaldo Germano, vou falar sobre o papel da Fundação

Palmares nas conferências preparatórias nacionais.

Nós, da Fundação Palmares, encabeçamos um processo interno de

realização de pré-conferências, baseado na cultura do desenvolvimento, através de

parcerias com 25 entidades políticas de todo o Brasil — inclusive esta Casa, que é

nossa parceira, através da Comissão de Cultura e Educação, na pessoa do

Deputado Gilmar Machado, que muito nos tem auxiliado desde o início —, que se

deu a partir de uma conferência com especialistas nacionais em oito áreas

diferentes. Já foram realizadas oito pré-conferências, de agosto a dezembro, cujo

material vou passar a mão de V.Exas.

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Esses são os relatórios das oito conferências, com um CD e um relatório

impresso.

Sobre o processo da conferência, com a permissão do Presidente da Mesa,

passo a palavra ao relator-geral da Conferência, Prof. Henrique Cunha, que fará

uma exposição mais detalhada do processo.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pinheiro Landim) - Com a palavra o Sr.

Henrique Cunha.

O SR. HENRIQUE CUNHA – Boa tarde, Srs. Membros da Mesa.

O processo realizado através da Fundação Palmares é, sem sombra de

dúvida, um dos maiores já realizados no País no campo da etnia. Conseguimos

reunir um número grande de especialistas. Apenas num congresso de

pesquisadores negros, por exemplo, reunimos 320 pesquisadores nas diversas

áreas do conhecimento.

No conjunto das conferências realizadas, a média de participantes inscritos

variou de 100 a 150 pessoas, tendo todas elas uma temática específica, mas

correlata.

Dentro do conjunto desse esforço, também houve deslocamentos por

diversos pontos do território nacional. Tivemos a preocupação de aprofundar a

participação em áreas do interior dos Estados brasileiros, que normalmente ficam

descobertos no caso da consulta pública dos acontecimentos.

Então, temos a certeza de que trabalhamos com o universo de pelo menos

1.200 pessoas em todo o País e nas diversas temáticas que incluem a conferência

prevista para 2001.

Desta maneira, podemos assegurar que o papel exercido pela Fundação

Palmares, de acordo com essa conferência, é ímpar na história nacional.

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Várias conclusões são importantes a ressaltar. Uma delas é sobre a questão

da definição do racismo no Brasil. Temos evidências empíricas e teóricas de que

existe um processo de dominação que se associa aos de classe, de gênero e de

região, que mostra a persistência de uma defasagem entre a população branca e a

negra em todas as classes e setores de atividade durante todo o século no País.

Chamo a atenção para o fato de que a persistência é durante todo o século, e em

alguns setores de trabalho a situação da população negra relativa hoje é pior do que

no início do século. Esse é um dado importante que saiu de um conjunto de

informações retiradas. Só temos uma explicação para essa defasagem, e aí está a

persistência do racismo. Caracterizamos esse racismo como um racismo à brasileira

e passamos, no relatório, a dar explicações de como ele se comporta.

Das conclusões tiradas do nosso conjunto de conferências, algumas que

merecem destaque. Uma delas é relativa ao que chamamos de área de incidência

de populações negras. Territórios negros nos meios urbanos. Esses territórios

negros estão na completa ausência de políticas públicas. E há um dado importante:

as populações aí perderam a confiança nos Estados, nos partidos políticos e nas

instituições democráticas. Outro dado também importante: que negro pobre ganha

menos — um terço a menos — do que o branco pobre; que a aderência às políticas

públicas é menor por parte da população negra; e que os benefícios assimilados

pela população negra são menores. Daí podemos concluir que as formas genéricas

têm atingido de forma diferenciada negros e brancos neste País. Podemos concluir

também sobre a necessidade de políticas específicas em alguns campos que

passamos a destacar.

Foi muito comentado no conjunto das conferências, tanto pela população,

como por especialistas, a necessidade de ações no campo da educação.

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Nesse campo de educação, destacamos dois: as populações negras do meio

rural, as populações de quilombos; e a outra, no meio urbano, em áreas de maior

risco e incidência da população negra. Aí também a educação tem sido perversa

para a população negra como meio de ascensão social.

Outro relatório bastante complexo e que indica grande tempo de

especificidade é o que trata da saúde da população brasileira, especificamente da

população negra. Esse relatório contém dados relativos às políticas de incidências

de doenças pertinentes na sua maior parte à população negra, mas também outras

políticas no campo da psicologia e psiquiatria, que atingem seriamente as

populações negras, diferente do que ocorre com as populações brancas. Uma outra

área é a da urbanização ligada ao lazer e à moradia, outro foco de incidência, de

correlações com o racismo.

Mais um campo importante, na nossa dedução, são as políticas culturais e de

comunicações no País. Essas políticas carecem de uma revisão. Elas têm instruído

mais o racismo e a diferenciação do que em combate a eles. Então, precisa-se

trabalhar o novo campo de representação do negro dentro da cultura oficial, dentro

das culturas que vão instruir até a imagem que temos no mercado de trabalho e a de

respeito social para transformações.

Sobre a produção da história brasileira também deposita-se uma grande

preocupação. Ela não tem cumprido o seu devido papel, não tem instruído a

população brasileira no respeito mútuo.

Também para produção de história estão descobertos os locais materiais e

simbólicos de importância para produção de uma história que dignifique a

comunidade negra.

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Sobre a estrutura do Estado. Mostrou-se bastante necessária uma revisão e

inclusão dos interesses da população negra no planejamento do Estado, na

alocação de recursos e na especificidade dos autores que vão dirigir essas políticas.

No campo da produção do conhecimento. Aquele que é revisado tanto pelas

universidades como pelos institutos de pesquisa, temos uma total ausência de

pesquisas, ou quase total ausência, nos temas de interesse da população negra.

Temos também uma deficiência enorme na formação de pesquisadores negros, o

que seria muito bom para democratização das visões sobre a nossa sociedade.

Quanto às políticas afirmativas, uma das conferências trouxe dados

importantes. Mostrou, primeiro, que ela é uma parte constituinte na nossa

concepção. Por isso, ela pode ser realizada. Mostrou outra coisa: que historicamente

outras políticas afirmativas já foram feitas para outras comunidades, a exemplo da

política que instalou a população emigrante no País, e que nunca foram realizadas

políticas que levassem a alguma afirmação da população negra. Então, faz-se

fortemente necessário pensar as políticas de ações afirmativas da população negra.

No conjunto do relatório que estamos entregando a V.Exas., essas medidas

estão explicitadas por áreas de conhecimento e de afirmação. Não trazemos apenas

um diagnóstico, mas também um encaminhamento das possibilidades de solução.

Então, o que nos foi posto, que era preparar um instrumento para instruir as ações

relativas à Conferência Mundial de Combate ao Racismo, está sendo cumprido na

sua totalidade. Até extrapolamos, uma vez que tivemos a preocupação não somente

com o documento para a Conferência, como também um documento que possa

instruir a ação do Estado brasileiro nos planejamentos dos próximos cinco anos.

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Desta forma, encerro a minha fala, reforçando ainda a idéia de que esse

esforço realizado pela Fundação Palmares, que estamos entregando, é único na

história do País no campo das etnias.

O SR. JONATAS NUNES BARRETO - Só fechando a explanação sobre a

Fundação Palmares e reforçando o que o Prof. Henrique Cunha disse, na verdade,

nossa preocupação, como órgão de governo, realmente é balizar as políticas

públicas para a população negra nos próximos cinco anos. Estamos trabalhando no

horizonte de 2001 mais cinco. Seriam as políticas públicas a serem implementadas.

Acreditamos que o Brasil, na Conferência Mundial de 2001, não pode chegar apenas

com propostas. Seria louvável se chegasse lá com elas implementadas.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pinheiro Landim) - Passo a palavra ao

Relator da matéria, Deputado Reginaldo Germano.

O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO – Sr. Presidente, Deputado

Pinheiro Landim, Sr. Secretário de Estado de Direitos Humanos, Embaixador

Gilberto Sabóia, Sr. Presidente da Fundação Cultural Palmares, companheiro

Jonatas Nunes Barreto, Sras. e Srs. Deputados, senhoras e senhores, o que nos

vem incomodando muito é o motivo de essa pré-conferência não ter sido realizada

no nosso País, já que verdadeiramente enfrentamos o pior de todos os racismos ou

a pior de todas as discriminações raciais. Quando temos um inimigo declarado,

temos uma maneira de agir. E o inimigo a que estou me referindo não são pessoas,

mas as formas como nós, negros, temos sido atingidos. Então, o nosso inimigo não

é declarado. Diz-se que no Brasil não há racismo. Tenho alguns amigos que dizem

que aqui não há negros, raça negra, e sim uma raça brasileira. Eles querem dizer

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com isso que não existe esse tipo de discriminação no nosso País. Mas foi citado

aqui que um terço da população negra — creio que foi esse o termo usado...

O SR. HENRIQUE CUNHA - O negro pobre ganha um terço a menos que o

branco pobre.

O SR. DEPUTADO REGINALDO GERMANO - Vamos dizer o negro. O negro

ganha um terço daquilo que ganha o branco. Temos 2% a 3% de negros nas

universidades. Nos programas de televisão — e vamos começar onde o mal maior é

causado, a mente das crianças — não há uma igualdade de apresentadores e

apresentadoras de brancos e de negros. Há apenas apresentadores e

apresentadoras que sugestionam que o Brasil é um país branco. Nas telenovelas, os

negros nunca ocupam os cargos de atores principais, são sempre subalternos.

Então, está declarado verdadeiramente que este País é racista. Isso é de fato de

conhecimento de todos. Se um negro chega a uma empresa com o mesmo grau de

instrução e capacidade profissional da de um branco, ele jamais é levado a um

cargo de chefia ou de qualquer outra coisa que seja. Portanto, verdadeiramente, há

discriminação racial. Talvez o Brasil seja o país que mais discrimina, porque o faz de

uma maneira sutil.

Não entendi por que essa pré-conferência não pôde ser realizada no Brasil.

Esse era o momento que precisávamos para mostrar ao mundo inteiro o que se faz

aqui. Todo o mundo iria saber a respeito do que se pratica aqui em relação à

discriminação racial através dessa pré-conferência. Não a realizando no Brasil, mas

sim no Chile, apenas mascaramos. No Chile quase que não se discute a

discriminação racial. Lá, a forma de discriminação é contra o índio. Quer dizer, o

tema que praticamente delineou a pré-conferência no Chile foi a questão indígena.

Quase não se discutiu a discriminação do negro, que é nossa. Então, eu fiquei até

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hoje sem entender. O embaixador disse que, quando ele chegou, a Dra. Dulce

Pereira já coordenava a preparação dessa pré-conferência. Não entendi por que ela,

sendo Presidenta de um organismo como a Fundação Palmares, que tem a

responsabilidade de levantar as causas do negro neste País — acho que o papel da

Fundação Palmares é levantar essas causas, discuti-las e ir fundo nessa questão —,

levou esse evento para o Chile. Há alguma coisa que não entendo. Não sei por que

o Brasil não quis discutir isso, não quis apresentar para o mundo esse problema.

Por exemplo, neste País, a maioria dos criminosos são negros. É claro que

tem de ser assim, porque a maioria de pais desempregados são negros. O maior

número de favelados é de negros. Mas tem de ser assim, porque o maior número de

desempregados é de negros. Eles vão morar onde? Só pode ser na favela. Em tudo

encontramos essa discriminação no País.

Por isso, é muito estranho que tenha acontecido dessa maneira. Até hoje,

quando falo do assunto, chega a doer meu coração. Poderíamos ter sido o fórum

dessa discussão e — quem sabe? — o mundo inteiro iria ter uma outra visão do que

acontece no Brasil. Na África do Sul acontecia, e todo mundo sabia. Ou seja, o

inimigo era declarado. Lá havia o apartheid, não é isso? Lá, a coisa era declarada.

Agora, aqui, é sutil. Estamos sendo sempre levados, sutilmente, a continuar na

condição subalterna. Não queremos fazer racismo ao contrário, não queremos tirar a

posição de ninguém, não queremos ocupar o espaço de ninguém. Nós queremos,

sim, ocupar o espaço que temos condição de ocupar. Não queremos pegar uma

pessoa que não tenha condições e colocá-la para dirigir uma empresa somente pela

causa racial. Não! Queremos que uma pessoa, tendo condições, chegue a ocupar

esses cargos.

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Repito: é estranho que não se quisesse discutir essa questão neste País. Fui

um crítico ferrenho, e vou continuar sendo. Vou criticar a Dra. Dulce, por causa

disso. Não vou fazer comentário de comentários, porque não gosto de fazer isso,

mas vou criticar a Dra. Dulce, por ela não se ter empenhado ao máximo, ter feito o

impossível para que essa pré-conferência fosse realizada no Brasil, porque, na

América do Sul, somos o país que mais discrimina. Não entendi por que desviar a

discussão do assunto para o Chile.

Talvez seja falha da minha parte, até porque ainda não peguei todo o relatório

que lá se fez, mas pelas comissões por onde passei, no Chile, também não vi ser

discutida uma causa muito importante: a educação, principalmente em relação ao

Brasil. Por que temos um percentual tão pequeno de negros que se desenvolve em

educação? Não vi isso ser discutido. Não vi uma discussão sobre como mudar essa

didática, para devolver a auto-estima ao negro brasileiro. Essas coisas não foram

discutidas. Não vimos serem discutidas. Aqui seria o fórum para isso. Aqui, iríamos

gritar que, nos livros escolares, não há pessoas a serem apresentadas, não há

ídolos, a fim de ser devolvida a auto-estima às nossas crianças. Vamos ter de rever

tudo isso.

É por essa razão que o Deputado Gilmar Machado e eu estamos envolvidos

em que haja uma conferência nacional, em que iremos, claro, discutir todas as

formas de discriminação, mas atacar sobretudo a que muito nos tem machucado: a

discriminação contra o negro. Essa é a principal. É a causa negra que tem de estar

com grande destaque nessa discussão. Não adianta mesclá-la com várias outras,

levantarmos uma porção de assuntos e, no final da história, ficar tudo como está há

trezentos anos, ou seja, sem definição. Desde a morte de Zumbi dos Palmares

discutimos isso e não se chega a lugar nenhum.

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Portanto, é chegada a hora de nós — a Casa, os Srs. Deputados que fazem

parte do grupo de Palmares, todos — tomarmos uma posição. Pacífica, é claro, mas

temos de tomar posição em relação à mudança dessas idéias. Para isso, acredito

que uma conferência nacional, seja onde for, trará oportunidade maior de

discutirmos o assunto verdadeiramente, até chegarmos a um caminho melhor do

que o que temos tido até hoje.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pinheiro Landim) – Passo a palavra ao

Deputado Gilmar Machado.

O SR. DEPUTADO GILMAR MACHADO – Sr. Presidente, só um

encaminhamento. Seria interessante fazermos blocos de três debatedores, se todos

concordassem, para facilitar para nós e para os expositores, porque daqui a pouco

vamos ser chamados ao plenário. Assim, todos poderiam perguntar e depois ouvir

as respostas.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pinheiro Landim) – A Presidência concorda

com V.Exa.

O SR. DEPUTADO GILMAR MACHADO – Obrigado, Sr. Presidente. Tentarei

ser breve.

Gostaria de saber do Secretário, Dr. Gilberto Sabóia, qual foi o critério para

montagem da composição do comitê nacional brasileiro.

Objetivamente, há interesse — porque V.Sa. agora é o responsável por

coordenar o comitê — em realizar a conferência brasileira?

A mesma pergunta eu faço ao representante da Fundação Palmares, na

medida em que ela tinha uma proposta sobre as pré-conferências e já realizou

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algumas, outras não, em virtude da não-liberação de recursos, o que foi inclusive

votado aqui. Então, gostaria de saber se realmente há essa disposição.

As pré-conferências que estavam agendadas e tiveram de ser suspensas

serão realizadas? Houve liberação dos recursos? Como está o remanejamento das

atividades que a Fundação tem desenvolvido?

Um fato que me chamou a atenção no debate realizado no Chile foi

exatamente a situação dos migrantes. Outro dia, li matéria sobre a migração de

bolivianos e peruanos, problema que também temos no Brasil. Como o Governo

brasileiro tem trabalhado, no sentido de mapear a migração provocada pela

globalização?

Sou de Minas Gerais. Lá, a cidade de Governador Valadares é chamada de

“valadólares”, em virtude do grande fluxo de pessoas que de lá saem para os

Estados Unidos. Mas também estamos recebendo muita gente. Em Uberlândia, por

exemplo, já há grandes grupos de peruanos e bolivianos, em razão da crise que eles

também estão vivendo. Agora, com a Operação Colômbia, também está havendo

fluxo na fronteira. Como o Governo está trabalhando isso? Estamos vendo que eles

continuam recebendo menos, sendo explorados, sem carteira, sem jornada definida.

Como o Governo vai enfrentar esse problema?

O que tem sido feito pelo comitê para tentar popularizar o debate desse

tema?

Dirijo a pergunta tanto ao representante da Fundação Palmares quanto ao Dr.

Gilberto Sabóia: o que o Governo tem feito para tentar levar esse debate para

escolas, universidades etc., a fim de que a discussão não fique apenas entre

especialistas, pessoas e organizações interessadas e se torne, de fato, tema

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nacional? Do contrário, mandaremos à África do Sul uma delegação bonita, como a

do Chile, mas o debate não chegará ao conhecimento da população.

São as questões que gostaria de apresentar, preliminarmente.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pinheiro Landim) – Com a palavra o segundo

debatedor inscrito, o Deputado Fernando Gabeira.

O SR. DEPUTADO FERNANDO GABEIRA – Sr. Presidente, tentarei ser

breve, como o foi o Deputado Gilmar Machado.

Inicialmente, agradeço aos Drs. Gilberto Sabóia e Jonatas Nunes Barreto a

presença.

Na verdade, ainda não vou formular uma crítica; trata-se de uma reserva.

Observo, pelo que nos foi descrito, que houve intensa discussão sobre o racismo no

âmbito nacional. Nem sei se foi intensa, mas aqui ouviu-se sobre o racismo contra a

população negra. Não foi ainda trabalhado por nós o racismo contra as populações

indígenas e outros tipos de racismo que existem.

Suponhamos que o Brasil tenha um conhecimento adequado sobre o racismo

que há em nosso País e levemos para a África do Sul, de um lado, a experiência do

que é o racismo no Brasil e, de outro, o conjunto de medidas que estamos tomando

para superá-lo. Suponhamos que todos os outros países façam o mesmo, a respeito

de suas situações. Teríamos, na verdade, uma soma dos problemas e experiências

nacionais. A minha tese é a de que o racismo não é apenas um fenômeno nacional,

mas transnacional. No meu entender, o Governo brasileiro deveria fazer uma análise

da situação do racismo existente hoje no mundo e um conjunto de observações

sobre políticas destinadas a abordar o tema.

Por que não fazemos isso? O senhor me desculpe, pois esta não é uma

crítica dirigida a V.Sa., mas à maneira como vemos a questão no Brasil. Por quê?

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Porque instituímos uma Secretaria de Estado de Direitos Humanos que procura

levantar os problemas de direitos humanos no Brasil — que não são poucos —, dar

resposta a esses problemas e estabelecer uma interlocução com as críticas

internacionais. É isso que fazemos. Na verdade, nossa atitude em relação aos

direitos humanos é essencialmente defensiva. Não criticamos uma série de

transgressões internacionais, porque o Brasil muitas vezes adota posição tímida

nesse ponto.

Então, a minha indagação, não só a V.Sa., mas ao conjunto do Governo

Fernando Henrique, é: qual a visão que o Governo tem do racismo no estágio em

que a humanidade está vivendo e quais as propostas planetárias que ele apresenta?

Não senti que isso tenha sido discutido.

Recentemente, houve um genocídio de dimensão muito maior que o da 2ª

Guerra Mundial, o dos tutsis, em Ruanda. Passou completamente despercebido. Há

cerca de vinte dias, houve o assassinato de um jornalista, Carlos Cardoso, em

Moçambique, assim como uma série de massacres. Procurei o Itamaraty para saber

o que o Brasil ia dizer a respeito. O Brasil não disse nada. Os massacres se

sucedem, ora do governo contra a oposição, ora da oposição contra o governo. Mas

são verdadeiros massacres. Na província de Cabo Delgado, setenta pessoas foram

mortas. Entraram na cadeia, mataram os prisioneiros e foram embora. O Governo

brasileiro, pelo menos publicamente, não disse nada. Então, não seria interessante

perguntarmos ao Governo como ele está vendo essa questão, sobretudo sob o

aspecto da globalização, aqui mencionada, em que a contradição maior é entre a

liberdade de capitais e mercadorias e reservas permanentes sobre o trânsito das

pessoas? Cada vez mais as pessoas podem circular menos livremente; cada vez

mais capital e mercadorias podem circular mais livremente. O capitalismo sequer

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pode cumprir sua promessa em relação ao feudalismo, porque o capitalismo libertou

a força de trabalho para buscar o trabalho onde julgasse necessário. Hoje, a pessoa

sequer pode fazer isso, porque as trocas estão cada vez mais concentradas nas

fronteiras. Acho que o Brasil deve fazer uma análise dessa situação e propor, como

conseqüência desse encontro que vai haver na África do Sul, uma conferência

internacional sobre imigração, uma vez que já avançamos nesse debate e não

temos ainda uma reflexão internacional a respeito.

Portanto, gostaria de que o País tivesse uma visão sobre a situação do

racismo no mundo.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pinheiro Landim) – Com a palavra o nobre

Deputado Agnelo Queiroz, último inscrito para o debate.

O SR. DEPUTADO AGNELO QUEIROZ – Sr. Presidente, Srs. Convidados,

colegas, estou satisfeito com a pergunta feita pelo Deputado Gilmar Machado.

Basicamente, quero reforçar que deve haver democratização maior no debate sobre

a nossa conferência, para dar-lhe a característica de envolvimento maior da

sociedade como um todo, ao tratar de todos os temas ligados à discriminação,

objeto da Conferência Mundial. Acredito que uma conferência a ser realizada no

Brasil pode nos trazer grande experiência, pelos debates e propostas a serem feitos,

se for organizada dessa forma. A expectativa maior é em torno desse

encaminhamento. Acho que poderemos discutir mais o mérito, mas esse é um ponto

importante. Do contrário, o problema ficará sempre sendo discutido pela área oficial.

Talvez, por isso não houve possibilidade de a conferência sul-americana ter sido

realizada aqui, ou a possibilidade de o Brasil sediar a conferência mundial. Enfim,

isso já passou, mas mostra que houve falta de articulação maior com a sociedade,

para que temas dessa importância sejam debatidos democraticamente. Parece-me

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que a discussão ainda está mais na área oficial, mas ainda há tempo de haver

interação mais ampla com a sociedade, até para darmos uma colaboração maior

sobre o tema.

O Brasil é um país marcado por essas características. E esperamos dar um

passo no sentido de resolver essa questão e contribuir com o debate na Conferência

Mundial.

As perguntas feitas são essenciais. Estou satisfeito com elas.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pinheiro Landim) – Com a palavra o Dr.

Gilberto Sabóia, para suas respostas, inclusive sobre o que foi dirigido

posteriormente ao Dr. Jonatas Barreto.

O SR. GILBERTO SABÓIA –Vou começar pela ordem das perguntas. Em

primeiro lugar, o critério utilizado pelo comitê nacional foi o de utilizar o exemplo de

conferências anteriores, preparadas por comitê de composição plural. Por meio de

consultas em diferentes setores, criamos um comitê composto, segundo creio, por

quatorze representantes governamentais — naturalmente, a seleção foi feita pela

relevância em relação ao tema em questão — e quatorze representantes da

sociedade civil com maior peso para a comunidade negra.

Foram escolhidos vários representantes, buscando o equilíbrio no número de

homens e mulheres e na representação de diferentes tendências. Buscou-se a

presença indígena e também a judaica, na pessoa do Rabino Sobel. Portanto, o

critério foi a pluralidade e a igualdade. O comitê é paritário. Convidamos também os

Presidentes da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e da

Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, além de

representantes do Ministério Público Federal. A idéia, portanto, foi a de dar essa

composição plural.

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O SR. DEPUTADO FERNANDO GABEIRA – (Fora do microfone) ...de

Minorias?

O SR. GILBERTO SABÓIA – O Deputado Ben-Hur Ferreira, mas ele não

pôde comparecer. Devo dizer, aliás, que tampouco o representante da Comissão de

Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, infelizmente, esteve presente às duas

sessões que realizamos. Compreendo que as agendas de todos são muito

concorridas. Gostaríamos muito de contar com a representação do Legislativo, mas

isso não se converteu em realidade. Naturalmente foram feitas consultas junto à

Direção do Legislativo, porque não podemos indicar nenhum Parlamentar antes de

fazer esse tipo de consulta.

Com relação à conferência, minha opinião é a de que uma conferência

nacional seria benéfica. Ainda não está equacionado como essa conferência se

realizaria e qual seria o seu formato organizacional e temático. Defendo a idéia de

uma conferência mobilizadora, para dar caráter realmente amplo e participativo aos

temas. Ela, talvez, não pudesse ter caráter mais técnico do que tem o comitê, pois

este terá uma equipe redatora.

Não temos, devo dizer, recursos para fazer uma grande conferência. Esse,

aliás, é problema complicado porque, quando essa incumbência me foi passada,

não havia orçamento previsto, nem para este nem para o ano que vem, para a

realização da conferência mundial.

Houve tentativa no sentido de incluir uma partida no orçamento do Ministério

da Justiça para o próximo ano, para permitir a nossa participação e o funcionamento

do comitê com um pouco mais de largueza. Essa sugestão, porém, não chegou a

ser trazida ao Legislativo. Segundo entendo, ela foi filtrada na área do Planejamento.

Temos funcionado com recursos bastante limitados. Estamos contando com certo

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auxílio do programa das Nações Unidas para o desenvolvimento e, por isso, temos

perspectiva um pouco limitada para 2001.

A pergunta seguinte foi mais dirigida à Fundação Palmares. Eu não sei se deveria

passar a palavra agora ou se o senhor prefere que eu responda a todas as

perguntas primeiramente.

O SR. DEPUTADO AGNELO QUEIROZ – Sim, prefiro.

O SR. GILBERTO SABÓIA – Com relação ao fenômeno da migração, creio

que ele pode ser visto de vários aspectos. Nós, hoje em dia, somos um País tanto

de emigrantes, quanto de imigrantes. Isso significa que hoje nós há brasileiros em

grande número, em quantidade apreciável no exterior, o que é um fenômeno

recente. São brasileiros que contribuem com remessas de renda para o Brasil e,

portanto, sua contribuição não é desprezível. E temos de zelar pela proteção desses

brasileiros no exterior sob o ponto de vista dos direitos humanos. Temos de lhes dar

proteção consular, assegurar que, mesmo quando estejam indocumentados ou em

situação ilegal, sejam tratados de maneira humana, tenham acesso à defesa e não

sejam discriminados nem maltratados. Isso é tarefa incluída no Programa Nacional

de Direitos Humanos. O Itamaraty vem dando prioridade crescente a essa situação,

por meio do equipamento dos consulados, inclusive com a criação de consulados

itinerantes. Aliás, um dos temas do seminário aborda justamente os problemas de

brasileiros no exterior, para os quais devemos estar alerta, porque pode haver

discriminação, o que, na realidade, já acontece em alguns casos.

Outro ponto importante é relativo aos problemas dos que vêm para cá em

busca de trabalho, o que verdadeiramente há. Nesses casos, temos ta6mbém de

aplicar a legislação brasileira com relação ao controle da presença de estrangeiros.

Temos de ver se eles estão enquadrados na legislação no que diz respeito a

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contrato de trabalho ou se estão em situação ilegal. Não podemos advogar

tratamento arbitrário, porque não vamos pregar no Brasil o que queremos evitar lá

fora. Que sejam tratados de acordo com a lei, mas que também tenham

consideração nessa situação, fragilizada em alguns casos. Essa é a minha opinião.

Tem sido preocupação da Secretaria e minha pessoalmente falar tanto quanto

possível sobre o tema. Sempre que vou a algum lugar, falo sobre ele. Às vezes,

torno-me até um pouco inconveniente, porque se vou, por exemplo, a uma reunião

referente aos direitos das mulheres, sempre digo da importância de não se esquecer

do racismo, da discriminação racial. Digo isso permanentemente, mas acredito que

ainda não permeou na compreensão de muitos a idéia de que o tema direitos

humanos é uma coisa só e interessa a todo mundo igualmente.

Não se pode o defensor dos direitos humanos dos negros, por exemplo, se

esquecer dos direitos humanos dos indígenas ou dos portadores de deficiência ou

das crianças, porque isso é uma contradição. A violência e a denegação de direitos

é um mal que atinge a todos. Então, digo isso em toda parte.

Fiquei bastante aborrecido porque a Conferência de Santiago não mereceu

uma palavra da imprensa brasileira, apesar de ter tido grande importância. Eu não

sou técnico em comunicação, não sou treinado nisso, mas acredito que foi uma

falha. Já disse isso a vários jornalistas.

O Deputado Fernando Gabeira mencionou questões internacionais e, de certa

maneira, disse que somos pouco locais e mais defensivos no tratamento das

questões internacionais em direitos humanos. É possível. Temos muitos problemas

e também não temos grande tendência a apontar o dedo acusatório. Tampouco

estamos nesse ponto de timidez que não tenhamos apoiado nos últimos anos o

funcionamento dos mecanismos temáticos das Nações Unidas que tratam da tortura

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e de diferentes assuntos. Temos apoiado Relatores na Comissão de Direitos

Humanos e na Assembléia-Geral e temos votado a favor de resoluções na ONU que

falam de maneira bastante firme sobre países onde se cometem violações a direitos

humanos. Por isso, acredito que temos respeitável posição de defensores da

prática dos direitos humanos também no plano internacional.

Anoto, enfim, embora não seja atualmente a minha função, a questão da

necessidade de uma conferência internacional sobre migração. Isso é realmente

necessário para dar mais equilíbrio à questão. Existem, pelo que sei, algumas áreas

da Organização Mundial do Comércio que, timidamente, tratam do trânsito e da

participação dessas pessoas, mas tratam mais de técnicos e da aceitação de

diplomas no nosso País. Essa, porém, é uma prática ainda incipiente e poderia ser

ampliada.

Estou inteiramente de acordo que as questões não podem ser separadas e

que, quando falamos de economia, de comércio e de questões financeiras, não

podemos esquecer as pessoas. Acredito que essa realidade está começando a ser

vista por quem estão à frente de diferentes organismos.

O Deputado Agnelo Queiroz abordou também a democratização do debate e

da realização da conferência. Do meu ponto de vista, a conferência é um fato

positivo. Estou disposto a colaborar com ela. Não sei que tipo de conferência deveria

ser, se deveria ser conferência governamental com participação de ONGs ou se

deveria ser um palco, onde todos pudessem falar em igualdade de condições, para

que chegássemos a algumas posições que seriam levadas à África do Sul como

contribuição.

Muito obrigado.

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O SR. DEPUTADO FERNANDO GABEIRA – Pergunto ao Presidente se

posso fazer uma réplica de um minuto.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pinheiro Landim) – Pois não.

O SR. DEPUTADO FERNANDO GABEIRA – Eu quero agradecer a V.Sa. a

resposta e dizer que, já que V.Sa. se mostrou aberto a algumas sugestões, preciso

fazer mais duas rapidamente, para aproveitarmos a oportunidade. A primeira delas é

relativa à questão do racismo e, no meu entender, é dinâmica. Progressivamente,

surgem novos fatos nessa área, e daríamos uma contribuição à conferência na

África do Sul se introduzíssemos também as questões racismo e genética e racismo

e biotecnologia, uma vez que esses temas têm suscitado grandes debates, e o

Brasil poderia — quem sabe? — até sugerir a condenação da clonagem humana

nessa conferência na África do Sul. É apenas uma sugestão a mais que faço nesse

campo. Se pudéssemos apresentar esse novo tema seria interessante.

Finalmente, considerando que possivelmente o novo Presidente dos Estados

Unidos seja um campeão em pena de morte, pois só este ano foram executadas

várias pessoas no Estado do Texas, o drama continua. Por isso, como disse a V.Sa.,

estou voltando à minha intervenção inicial: devemos levar uma posição internacional

pela abolição. Eu sou abolicionista no Brasil, mas aqui não temos legalmente a pena

de morte6. Ela existe na China, no Irã, nos Estados Unidos. E precisamos levar essa

posição junto com a França, que, possivelmente, a acataria. Então, é preciso que

um dia sentemos para discutir essas ocorrências no mundo e ver que tipo de

interferência podemos fazer.

O SR. GILBERTO SABÓIA – Fiquei muito satisfeito com o fato de o

Deputado ter feito essas duas perguntas, porque posso dizer alguma coisa a

respeito dos temas levantados.

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Em matéria de genética, graças à presença de uma brasileira na delegação

das ONGs, a Dra. Fátima Rodrigues, introduzimos emenda na qual incluímos a

genética entre as questões passíveis de serem objeto de discriminação racial. E já

temos equacionada uma possível posição para a África do Sul quanto à privacidade

genética. Fiquei muito impressionado porque este era um assunto que eu

desconhecia. E disse que conseguiríamos convencer os participantes, mas aí a

coisa pegou.

Com relação à pena de morte, tive a satisfação de, quando ainda estava em

Genebra como delegado, participar diretamente com a delegação da Itália na

apresentação de resoluções contra a pena de morte. E o Brasil foi co-patrocinador

dessas resoluções. Aliás, assim tem sido todos os anos e acredito que não vai

deixar de ser. É um pouco arriscado o que eu vou dizer, mas há um protocolo

adicional ao pacto sobre direitos civis e políticos que fala da pena de morte. Se não

o ratificamos ainda, podíamos fazê-lo.

O SR. DEPUTADO FERNANDO GABEIRA – Há uma pesquisa sobre todos

os Estados Unidos, mostrando como a incidência da pena de morte tem atingido a

população negra. Não há dúvida.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pinheiro Landim) – Com a palavra o Dr.

Jonatas Barreto para suas respostas.

O SR. JONATAS NUNES BARRETO – Respondendo à pergunta do

Deputado Gilmar Machado sobre a conferência nacional, quero fazer um histórico.

Em Genebra, a Dra. Dulce Pereira, Presidenta da Fundação Palmares, representava

o Governo brasileiro juntamente com uma comissão de diplomatas. Quando o

Governo brasileiro decidiu retirar a candidatura do Brasil para sediar a conferência,

coube a ela o árduo papel de fazer essa comunicação. E, quando o fez, disse aos

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presentes que poderíamos reverter esse quadro, fazendo no Brasil uma conferência

nacional forte, com a presença de especialistas internacionais. A Fundação

Palmares trabalhou e trabalha ainda com essa hipótese.

Já disse ao Embaixador Sabóia da disponibilidade que tem a Fundação

Palmares de contribuir para que essa conferência seja realmente realizada, em

função da experiência que obtivemos ao longo de todo o processo que construímos.

Isso seria muito importante.

Em relação à pergunta do Deputado Gilmar Machado, na verdade, os

recursos foram aprovados pela Câmara dos Deputados, mas encontram-se

contingenciados. Não saíram até hoje, 12 de dezembro. Tivemos de fazer cortes em

outras despesas para executar esse processo, que só foi possível graças às

parcerias. V.Exas. podem ver que há 25 entidades na capa. Conseguimos fazer com

que mais de 600 pessoas participassem, com um custo de menos de 300 reais por

pessoa, com o qual a Fundação Palmares arcou. Conseguimos fazer isso. A

Fundação tem utilizado esse método, porque seus recursos são pequenos. Temos

trabalhado em parceria, mas ainda temos esperança de que esses recursos sejam

liberados. Ainda temos até o dia 18, que seria o prazo para dilatar a nossa margem

de empenho.

Na verdade, o que nos falta são os recursos que estão no Ministério do

Planejamento. A partir do momento em que eles forem liberados, continuaremos

com o nosso objetivo de realizar duas pré-conferências: Religiosidade e Imaginário

Social, em São Luiz, de 8 a 10 de janeiro, e Cultura do Desenvolvimento, Racismo e

Eqüidade, em Porto Alegre, de 10 a 12 de janeiro, além de uma pré-conferência

nacional interna da Fundação Palmares, destinada a discutir esse documento antes

da conferência nacional, na qual teremos participações internacionais. Em todas as

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nossas conferências tivemos 10% de participação internacional e contamos com a

presença da Sra. Anie Tell, Secretária da ONU, que já participou de várias.

Esse processo tem de ser popularizado, e acreditamos que essa conferência

tem de ser aberta. Não vemos outra maneira de fazê-la. Tem de ser um processo

aberto para que todos possam discutir. A partir do momento em que se deseja

discutir e que várias pré-conferências são realizadas com a presença de tanta gente,

está claro que estamos dispostos a nos expor, a defender nossas idéias. Portanto,

as críticas são normais.

Em relação à popularização, isso está no planejamento apresentado à

Comissão. Esses recursos foram liberados para a Fundação Palmares com o

compromisso de prestar contas. Já fizemos a primeira prestação de contas do

projeto, não fizemos a segunda porque o dinheiro não saiu. Incluído nesse grande

projeto, que foi entregue aos Líderes, há recursos para fazer uma grande campanha

publicitária no Brasil. Nunca se vê o negro na televisão, afro-brasileiros em

campanhas publicitárias popularizadas. Se fizermos uma grande campanha,

convidarmos pessoas para discutir o assunto, se realizarmos uma conferência

nacional aberta, esse processo poderá gerar um documento que mostrará várias

facetas do problema. É o que entendemos, mas dependemos dos recursos, do

contrário, não conseguiremos realizar nada.

O SR. HENRIQUE CUNHA – Na condição de planejador de equipe, quando

cheguei à Fundação Palmares para ajudar a realizar esse processo, uma

recomendação foi bastante explicita: há centralidade na problemática das

populações negras, e a Fundação está empenhada nesse sentido, mas há de se

compartilhar com todos os grupos sociais brasileiros os diversos sofrimentos e

penúrias. Temos de esclarecer que houve uma preocupação no processo — e quem

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ler o relatório verá — com a participação de pessoas ligadas aos meios de

informação das populações indígenas, de outras populações e de religiões diversas.

Em relação à visão internacional — e o Dr. Jonatas abordou a questão de

forma amena —, gostaria de ser um pouco mais preciso. A visão internacional foi

constante preocupação no processo, tanto que em todas as conferências havia

palestrantes internacionais que traziam ao quadro temáticas específicas no campo

internacional.

Além disso — só não foi à frente porque não houve orçamento —,

encomendamos relatórios sobre panoramas das relações internacionais, sob a ótica

dos pesquisadores negros, o que pode mudar, em certo sentido, o resultado final.

Outro ponto que precisa ser destacado e que está para ser apurado é a

preocupação com as migrações nacionais. É uma das temáticas a serem

trabalhadas na conferência que será realizada no Rio Grande do Sul.

O SR. DEPUTADO GILMAR MACHADO – Sr. Presidente, a Câmara dos

Deputados tem uma Comissão Externa para participar de todos os eventos. A

Câmara dos Deputados mandou representantes ao Chile e mandará também à

África do Sul, então, eu gostaria de saber se é possível que, pelo menos, uma das

vagas seja ocupada por representante desta Comissão.

Dessa forma, a Comissão terá representante em todos os eventos. E

queremos participar para poder dar nossa contribuição. Ressalto que um dos nossos

parceiros da Comissão de Educação, Cultura e Desporto esteve nas atividades

preparatórias que a Fundação Palmares realizou, o que foi extremamente

importante. A Comissão de Educação, a partir dos debates de uma das pré-

conferências acontecidas em São Paulo, está realizando movimento nacional para

tentar derrubar o veto presidencial à utilização de recursos do FUNDEF para jovens

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e adultos. Hoje, mais de 60% da população de jovens e adultos fora da escola e que

podem ser atendidos pelo FUNDEF é negra. Isso foi fruto de trabalho de uma das

pré-conferências junto com a Fundação Palmares.

Na condição de membro da Comissão de Educação, gostaria de dizer que foi

extremamente importante para nós esse trabalho e essa parceria, por isso

parabenizo o Dr. Jonatas Barreto, pedindo que leve à Dra. Dulce essa

consideração.

O SR. GILBERTO SABÓIA – Gostaria de responder brevemente ao

Deputado, dizendo que considero plenamente possível fazer essa tentativa de

substituição. Teríamos apenas de verificar a maneira formal de fazê-la e se é

necessário mudar o decreto, mas não antevejo nenhum obstáculo de imediato.

O Dr. Jonatas disse que ainda há possibilidade de liberação de recursos até o

dia 18. No caso da Fundação, esses recursos poderiam ser mantidos para serem

utilizados em 2001? Pergunto porque, nós, enquanto órgão governamental,

teríamos dificuldade com esse tipo de liberação de última hora, por causa do

encerramento do exercício.

O SR. JONATAS NUNES BARRETO – Nós temos o mesmo problema. Num

primeiro momento, tínhamos previsto essa conferência para janeiro, porque temos

até o dia 30 de janeiro para realizar os pagamentos relativos a tudo o que tivermos

feito no empenho de 2000. Era essa a prerrogativa que tínhamos para trabalhar.

O SR. GILBERTO SABÓIA – Pedirei à Dra. Carmelina, minha assessora para

projetos internacionais, para precisar o assunto, porque creio que vale a pena refletir

sobre ele no momento, uma vez que se trata da diferença entre ter e não ter recurso.

A SRA. CARMELINA DOS SANTOS ROSA - No nosso caso, por exemplo,

não havendo a figura dos restos a pagar é difícil fazer despesas, a não ser que se

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compre todas as passagens ainda em 2000. No Ministério, não temos dispositivo

que permita fazer pagamentos até 30 de janeiro, a não ser que o recurso tenha sido

passado dentro do exercício para os projetos internacionais, porque, neste caso, não

há a figura do exercício financeiro. É o que estamos fazendo com os recursos que

conseguimos para as reuniões do comitê.

O SR. JONATAS NUNES BARRETO – Juridicamente, pode haver alguma

diferença na Fundação Palmares, por sermos órgão vinculado a um Ministério e não

pertencer a ele. Geralmente, se temos uma agência licitada para fazer nossos

serviços, podemos prever o que se vai gastar e fazer o repasse ou pelo menos o

empenho. Uma coisa é pagar, outra é empenhar. Faz-se um empenho para liquidar

aquilo naquele ano e se tem até o dia 30 de janeiro para executar.

O SR. DEPUTADO GILMAR MACHADO – Fui Relator na Comissão de

Orçamento de matéria relativa a essa liberação. Foi feito um crédito suplementar

para o Ministério, prevendo exatamente a realização de eventos, inclusive, o do ano

que vem. Isso saiu do Congresso carimbado dessa forma.

O SR. ALEXANDRE LÚCIO DE MELLO FILHO – Sr. Presidente, gostaria de

informar que o Ministro da Cultura está empenhado nessa luta pela liberação do

dinheiro, preocupado com a questão da execução, e, em conjunto com Dr. Jonatas,

irá concluir fórmulas para realizar a Conferência Nacional. Queremos realizá-la e o

Ministro da Cultura está empenhado em solucionar esse impasse. O dinheiro precisa

sair, para darmos continuidade.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pinheiro Landim) – A Presidência, levando

em consideração a visita do Presidente da República da África do Sul ao Estado da

Bahia, designará o Sr. Relator, Deputado Reginaldo Germano, para representar a

Comissão durante a visita de S.Exa.

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O SR. DEPUTADO GILMAR MACHADO – Sr. Presidente, gostaria de pedir

ao Deputado Reginaldo que se organize antes para, na Bahia, não receber nenhum

ovo e para que o processo ocorra tranqüilamente. (Risos.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Pinheiro Landim) – Antes de encerrar os

trabalhos da presente reunião, agradeço aos Srs. Convidados a presença.

Por falta de definição sobre a convocação extraordinária no mês de janeiro,

deixo de marcar nossa próxima reunião. Se houver a convocação, faremos uma

reunião no mês de janeiro, se não, marcaremos nova data para fevereiro.

Está encerrada a presente reunião.