departamento de taquigrafia, revisÃo e redaÇÃo … · o convite para participar desta audiência...
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CÂMARA DOS DEPUTADOS
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
COMISSÃO ESPECIAL - PL 3638/00 - ESTATUTO DO PORTADOR DE NECESSIDADESESPECIAIS
EVENTO: Audiência Pública N°: 0325/05 DATA: 7/4/2005INÍCIO: 10h35min TÉRMINO: 12h59min DURAÇÃO: 02h24minTEMPO DE GRAVAÇÃO: 02h24min PÁGINAS: 44 QUARTOS: 29
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO
RONICE MÜLLER DE QUADROS - Professora-Adjunta do Departamento de EstudosEspecializados em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina — UFSC.ROSANA GLAT - Diretora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio deJaneiro — UERJ e membro do Conselho Municipal de Educação da Prefeitura do Rio deJaneiro.CLÁUDIA PEREIRA DUTRA - Secretária de Educação Especial do Ministério da Educação.
SUMÁRIO: Debate sobre propostas de inclusão social do portador de necessidades especiais.
OBSERVAÇÕES
Há orador não identificado.Houve exibição de imagens.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - PL 3638/00 - Estatuto do Portador de
Necessidades EspeciaisComissão Especial PL 3638/00 - Estatuto do PortadoNúmero: 0325/05 Data: 7/4/2005
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Leonardo Mattos) - Bom dia.
Declaro aberta a 10ª reunião de audiência pública da Comissão Especial
destinada a proferir parecer ao PL nº 3.638/00, que institui o Estatuto do Portador de
Necessidades Especiais e dá outras providências.
Encontram-se sobre as bancadas cópias da ata da 9ª reunião.
Pergunto aos Srs. Parlamentares se há necessidade de sua leitura.
(Não identificado) - Sr. Presidente, solicito a dispensa da leitura da ata.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Leonardo Mattos) - Está dispensada a leitura
da ata.
Não havendo quem queira discuti-la, coloco-a em votação.
Os Deputados que a aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
APROVADA.
Correspondência recebida.
Ofício nº 40-P/2005, do Deputado Julio Lopes, Presidente da Comissão de
Desenvolvimento Urbano: “Convida o Deputado Leonardo Mattos para participar de
reunião sobre a ‘Criação do Dia da Adaptabilidade’”.
Ordem do Dia: reunião de audiência pública.
Tema: Inclusão Social da Pessoa Portadora de Deficiência.
Grupo Temático: Educação.
Sub-Relatora: Deputada Almerinda de Carvalho
Convido para tomar assento à Mesa as Sras. Ronice Müller de Quadros,
professora da Universidade Federal de Santa Catarina, Rosana Glat, professora da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e Cláudia Pereira Dutra, Secretária de
Educação Especial do Ministério da Educação. (Pausa.)
Peço a atenção de todos para as normas do Regimento Interno desta Casa.
O tempo concedido às palestrantes será de 20 minutos, não podendo ser
aparteadas. Os Deputados interessados em interpelar as palestrantes deverão
inscrever-se previamente juntamente à Secretaria. As perguntas deverão restringir-
se ao assunto da exposição e deverão ser formuladas no prazo de 3 minutos,
dispondo as palestrantes de igual tempo para respondê-las. Aos Deputados serão
facultadas a réplica e a tréplica, pelo mesmo prazo.
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Necessidades EspeciaisComissão Especial PL 3638/00 - Estatuto do PortadoNúmero: 0325/05 Data: 7/4/2005
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Por fim, sugiro que as interpelações sejam feitas por blocos de 3
Parlamentares, a fim de dar celeridade aos nossos trabalhos.
Registro a ilustre presença nesta reunião dos Deputados Ricardo Izar,
Eduardo Barbosa e Vadinho Baião.
Esta audiência pública visa à complementação dos debates do Grupo
Temático sobre Educação. Na semana retrasada promovemos a primeira audiência
pública sobre educação, que está merecendo cuidado maior por parte dos
Deputados que compõem esta Comissão. Mas, antes de começarmos o debate,
acho importante explicar a sistemática da Comissão.
O Deputado Celso Russomanno, Relator da matéria, acaba de ligar para
informar que está com muita dificuldade para chegar a esta Casa por conta da
realização de convenção do Partido Progressista, do qual faz parte. Mas diz que, na
medida do possível, tudo fará para participar desta reunião.
A proposta do Relator foi de subdividir a Relatoria em Sub-Relatorias,
cuidando cada uma delas de um tema ou de um capítulo do Estatuto do Portador de
Necessidades Especiais. Ao Deputado Eduardo Barbosa, que aqui está, incumbe
analisar as entidades de atendimento; o Deputado Ricardo Izar analisa a área do
trabalho; a Deputada Luci Choinacki, mãe de portador de necessidade especial, é
Sub-Relatora da área da saúde; à Deputada Maria do Rosário incumbe a área de
cultura; a questão da acessibilidade está sob os cuidados da Deputada Marinha
Raupp; turismo e lazer serão relatados pelo Deputado Pastor Reinaldo; desporto
ficará sob os cuidados dos Deputados Coronel Alves e Deley; a área da Justiça fica
com o Deputado Ildeu Araújo; e a área do orçamento está a cargo da Deputada
Laura Carneiro.
A idéia é pedir a V.Sas. que analisem esse capítulo do ponto de vista de suas
experiências e nos ajudem, sobretudo ao Sub-Relator e ao Relator, enviando
proposições e críticas ao projeto do então Deputado Paulo Paim, hoje Senador, que
apresentou um outro formato de Estatuto no Senado. Mas fizemos um acordo com
S.Exa. para que aguarde a chegada deste projeto àquela Casa. Acredito que até
agosto ou setembro, no mais tardar, apresentaremos à sociedade brasileira, por
meio da votação no plenário, o Estatuto do Portador de Necessidades Especiais.
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Concedo a palavra à Profª. Rosana Glat, Doutora em Psicologia da Cultura
pela Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro, Mestra em Psicologia, área de
especialização em Análise Aplicada do Comportamento para Portadores de
Deficiência, pela Northeastern University, Boston, USA, Professora da área de
Educação Especial e Educação Inclusiva do curso de Pedagogia e do Programa de
Pós-Graduação em Educação, Mestrado e Doutorado em Educação, Coordenadora
do Núcleo de Educação Inclusiva — NEI, da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, e autora do livro Questões Atuais em Educação Especial.
V.Sa. dispõe de até 20 minutos.
A SRA. ROSANA GLAT - Exmo. Sr. Presidente, Exmos. Srs. Deputados, Sra.
Secretária de Educação Especial, demais presentes, antes de mais nada, agradeço
o convite para participar desta audiência pública sobre o Estatuto do Portador de
Necessidades Especiais.
Não é preciso ressaltar a importância que assume o Estatuto, ao consolidar
diversas legislações e propostas sobre a matéria. Sem dúvida, acredito que a sua
transformação em lei trará garantia legal às pessoas com deficiências e sua família
de reivindicar e ter atendidos os seus direitos, em todas as esferas sociais: saúde,
educação, trabalho, lazer.
Conforme proposto, deter-me-ei no capítulo da educação, já que esta é a
minha área de competência e de atuação profissional.
Posso afirmar que, de modo geral, em termos de conteúdo, esse capítulo do
projeto é bastante adequado, estando em conformidade com normas e diretrizes
internacionais, a exemplo da Declaração de Salamanca e outros documentos, além
de consolidar outras peças da legislação brasileira sobre a matéria, das quais
V.Exas. já têm conhecimento.
Além do mais, as propostas dele constantes vêm ao encontro dos
pressupostos e paradigmas predominantemente aceitos na comunidade
educacional, bem como dos desdobramentos das mais importantes discussões e
pesquisas da área de educação especial realizadas na última década.
Pode-se argumentar, no entanto, que alguns pontos carecem de maior
especificação ou que a terminologia precisar ser redefinida para evitar futuros
empecilhos. Se o texto for ambíguo, poderá abrir margem para interpretações
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distintas das intencionadas originalmente pelo projeto do Estatuto, dificultando a sua
implementação.
Destaquei para esta discussão alguns aspectos que considero mais
relevantes, mas gostaria de deixar claro que a minha intervenção tem como único
intuito o de contribuir para o aprimoramento técnico do texto, uma vez que, conforme
mencionei, concordo plenamente com o conteúdo proposto.
Começo citando o inciso I do art. 21 do projeto:
“Art. 21 .................................................................
I - a matrícula compulsória em cursos regulares de
estabelecimentos públicos ou particulares de pessoa
portadora de deficiência capazes de se integrar na rede
regular de ensino”.
Sugiro, antes de mais nada, que numa revisão final o termo “ou” seja
substituído por “e”, porque de outra forma permitiria a interpretação de que, se
houver uma instituição pública, então a particular não precisa aceitar o aluno ou
vice-versa.
Também a expressão “pessoa portadora de deficiência” poderia ser
substituída por “pessoas portadoras”, para haver concordância com “capazes” —
isso poderá ser corrigido pelo redator final —, ou por “pessoas com deficiência”, o
que é preferido pelos próprios deficientes. O argumento usado é de que a pessoa
tem uma deficiência e não carrega uma deficiência, o que sugere o termo “portar”.
Isso, na minha opinião, não é fundamental. São detalhes semânticos. Mais
preocupante nesse parágrafo é a frase “capazes de se integrar na rede regular de
ensino”. Essa expressão é dúbia, permite múltiplas interpretações. Como se
configura e determina a capacidade de integração? Certamente, a capacidade de
um aluno de se integrar ou de ser incluído na rede regular de ensino depende,
muitas vezes, menos das suas condições intrínsecas e mais das condições que se
ofereçam na escola para recebê-lo.
A LDB, por exemplo, foi criticada nessa mesma direção, ao estabelecer que a
inclusão do aluno com necessidades especiais se dará preferencialmente na rede
regular de ensino. O argumento, no caso, é de que, a partir do momento em que a
lei contém a expressão “preferencialmente” e não “obrigatoriamente”, há margem
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para a exclusão do aluno com deficiência do sistema regular de ensino. Esse
aspecto, no projeto do Estatuto, já está garantido no inciso que fala da matrícula
compulsória, o que representa avanço em relação à LDB, embora precisemos ter
sempre claro que a matrícula, que o acesso de um aluno a um estabelecimento
regular de ensino, não significa necessariamente a sua permanência com
aproveitamento acadêmico. Aliás, não é o caso somente de alunos com
necessidades especiais, haja vista os índices de evasão escolar.
Também acho importante discutir a terminologia “educação especial”,
utilizada várias vezes, que aparece, por exemplo, nos incisos II, IV, V, e talvez em
outros, do mesmo art. 21. Pode ser argumentado que o Estatuto está orientado para
uma concepção de educação especial segregada, que seria antagônica ao
paradigma da educação inclusiva.
A LDB, em vez de educação especial, usa a expressão “atendimento
especializado” — e outros documentos também —, preferencialmente na rede
regular de ensino. Mesmo assim, por conta do termo “preferencialmente” e do
tratamento especial, alguns educadores têm defendido que haveria o entendimento
de que os alunos com deficiências necessitam de processo educacional
qualitativamente diferente dos demais, o que seria contrário aos princípios da
educação inclusiva.
Quero ressaltar a V.Exas. que essa não é a minha posição. Eu estou apenas
chamando a atenção para itens do projeto do Estatuto passíveis de críticas. Entendo
o sentido em que a expressão “educação especial” é utilizada neste contexto. Não
como uma modalidade segregada, mas, sim, como um sistema de suportes
oferecidos à escola regular para atender ao alunos com necessidades especiais.
No § 1º do art. 21 isso é explicado:
“Art. 21. ....................................................................
......................................................................
§ 1º Entende-se por educação especial, para os
efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar
oferecida preferencialmente na rede regular de ensino
para educando com necessidades educacionais
especiais”.
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Talvez se pudesse inverter a ordem deste parágrafo ou substituir o termo
“educação especial”. Independentemente da nomenclatura a ser utilizada na versão
final do texto, acho muito importante que seja estabelecida a garantia desses
serviços especializados na rede de ensino.
O art. 22, por exemplo, diz o seguinte:
“Art. 22. Os serviços de educação especial serão
ofertados nas instituições de ensino público ou privado” —
eu trocaria o termo “ou” por “e” — “do sistema de
educação geral, de forma transitória ou permanente,
mediante programas de apoio ao aluno que está integrado
no sistema regular de ensino”.
Esse dispositivo garante que a inclusão na rede regular de ensino não
implicará, como infelizmente ocorre em muitos Municípios do nosso País, falta de
atenção às necessidades especiais do aluno, o que, aliás, é a grande preocupação
dos pais, porque muitas vezes ele é matriculado na escola regular, mas não dispõe
dos recursos necessários e nada aprende.
Eu gostaria de assinalar também que vem sendo criada falsa dicotomia entre
educação especial e educação inclusiva, como se o advento de uma significasse a
descontinuidade da outra. Na realidade, ocorre justamente o contrário: num sistema
educacional inclusivo é fundamental a especificidade da experiência em processos
diferenciais de aprendizagem de que a educação especial dispõe. Para garantir o
aprendizado de alunos com necessidades especiais, sobretudo aqueles com déficit
ou dificuldades cognitivas, psicomotoras e/ou sensoriais graves, a escola, seja no
Brasil, seja na Suécia, vai precisar de recursos e profissionais especializados para
complementar as suas ações educativas regulares.
Nesse sentido, o Estatuto está de acordo com as Diretrizes Nacionais para a
Educação Especial na Educação Básica, da Secretaria de Educação Especial do
Ministério da Educação, e com outros documentos. Esse texto diz claramente:
“Inclusão, portanto, não significa simplesmente
matricular os educandos com necessidades educacionais
especiais na classe comum, ignorando suas
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necessidades específicas, mas significa dar ao professor
e à escola o suporte necessário a sua ação pedagógica”.
Retornando ao texto, ainda sobre o art. 21, acredito que talvez fosse
importante especificar melhor o inciso III, segundo o qual se garante o seguinte:
“Art. 21.......................................................................
III - a inserção, no sistema educacional, das
escolas ou instituições especializadas públicas e
privadas;”
Não ficou muito claro o que se pretende aqui. As escolas públicas especiais já
estão inseridas no sistema regular de ensino, ou pelo menos deveriam estar. No
Município do Rio de Janeiro, que conheço mais por fazer parte, no momento, do
Conselho Municipal de Educação, existem todas as modalidades de educação
especializada e de atendimento a alunos com necessidades especiais, inclusive
algumas escolas especiais para alunos com deficiências severas. Mas estas fazem
parte da rede, têm as mesmas obrigações, e os professores não são profissionais da
educação especial, mas da escola.
Creio que o texto está um pouco ambíguo, principalmente no que diz respeito
às instituições filantrópicas ou às escolas particulares. Significa que elas serão
regulamentadas pelas respectivas Secretarias e Conselhos Estaduais de Educação?
Eu entendo que o sentido pretendido no texto é este: que a educação especial não
seja um sistema à parte, sem qualquer ingerência das Secretarias. Concordo com
essa posição, apenas acho que precisava ser mais bem explicitada para evitar
futuros problemas na operacionalização da lei.
Outro ponto que na minha opinião necessita de mais definição está no § 2º do
art. 24, que trata da educação profissional:
“Art. 24 .......................................................
§ 2º As instituições públicas e privadas que
ministram educação profissional deverão,
obrigatoriamente, oferecer cursos profissionais de nível
básico à pessoa portadora de necessidades especiais,
condicionando a matrícula à sua capacidade de
aproveitamento e não a seu nível de escolaridade”.
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Acho isso complicado. Pode significar que o aluno com necessidades
especiais pode ingressar, por exemplo, num curso técnico de nível médio sem
diploma ou equivalente de ensino fundamental, o que colide com a regulamentação
escolar e pode inclusive abrir precedentes perigosos. Não se pode prever a
existência de 2 critérios distintos de ingresso em cursos profissionais ou em
quaisquer outros.
Em algumas situações, como por exemplo no vestibular ou em concursos de
seleção para programas de doutorado e mestrado, a exigência acadêmica é
exatamente a mesma, a prova é a mesma. O que muda é a forma de realização e o
tempo da prova. A Universidade do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, já
oferece vagas para pessoas com deficiência na sua política de cotas, mas o
candidato precisa ser antes aprovado, como todos os demais.
Além do mais, isso não é produtivo sob o aspecto pedagógico, já que
significaria dar entrada no curso a um aluno que não tem pré-requisitos e
conhecimentos para avançar nos estudos. Isso por um lado. Por outro lado, como
poderia ser avaliada a capacidade de aproveitamento de um futuro aluno? É
necessária a especificação, para não dar margem a que escola faça avaliação
subjetiva do candidato, o que tanto lhe poderá abrir as portas, como é o sentido do
texto, quanto fechar. A direção da escola pode simplesmente alegar que tal aluno
não tem capacidade de aprendizagem.
No caso das pessoas com deficiência mental, por exemplo, isso poderá levar
ao retorno do uso de avaliações psicológicas por meio de testes psicométricos
tradicionais de Q.I., que colocam limites artificiais ao potencial de inteligência da
pessoa. Como se sabe hoje, ele não pode ser objetivamente medido, por depender
sobretudo do tipo de oportunidades educacionais e vivenciais da pessoa ao longo de
sua trajetória escolar.
Vejo problemas também no art. 25, onde se lê:
“Art. 25. As escolas e instituições de educação
profissional oferecerão, se necessário, serviços de apoio
especializado para atender às peculiaridades da pessoa
portadora de necessidades especiais (...)”.
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Talvez fosse melhor elaborar redação mais precisa, ou seja: “as escolas terão
disponíveis para a pessoa com necessidades especiais suporte para facilitação de
sua aprendizagem”, ou algo semelhante. Caso contrário, novamente a escola
poderá dizer que não é necessário, ou a pessoa poderá sentir-se constrangida de
dizer que precisa de recurso especial e de não ter disponível.
Outro aspecto para o qual gostaria de chamar a atenção consta do art. 26.
“Art. 26. Serão criados programas:
I - de incentivo familiar(...);
II - destinados ao desenvolvimento e divulgação de
pesquisas (...);
III - de formação específica (...);
IV - de capacitação de familiares (...)”.
Acho isso muito bom. Mas os programas serão criados onde e por quem? É
preciso especificar as instâncias responsáveis pela criação e pela implementação
dos programas, sobretudo as fontes de recursos.
O inciso II do art. 22, por exemplo, que a mim interessa particularmente, é
relativo a programas destinados ao desenvolvimento e divulgação de pesquisas e
desenvolvimento de métodos de educação especial. Isso é importantíssimo porque
há carência de estudos e pesquisas, sobretudo daquelas que mostrem o cotidiano
da escola.
Conhecemos os problemas da educação especial, mas, para que a medida
tenha efeito real, é importante indicar na lei como os programas serão financiados.
Por exemplo: através de incentivo financeiro, de linhas de crédito prioritárias de
órgãos de órgãos como CNPq, CAPES, Fundações de Amparo à Pesquisa.
Essa mesma especificação talvez devesse estar contida no art. 27:
“Art. 27. Deverão ser instaladas em todos os
municípios pelo menos uma escola equipada para o
atendimento à educação especial”.
Eu considero muito importante esse dispositivo porque, segundo pesquisa
realizada pela Secretaria de Educação Especial do MEC, em 2001, cerca de 40%
dos Municípios brasileiros — 20% da Região Sul e 26% da Região Nordeste — não
tinham registro de matrícula de alunos com necessidades especiais.
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A lei estabelecerá um prazo para que esses e outros dispositivos sejam
cumpridos? E preverá a origem e as condições orçamentárias para que os
Municípios possam prover a população desses serviços? Refiro-me principalmente
àqueles mais pobres e carentes.
Voltamos aqui a discutir a concepção de educação especial. Trata-se de
escola especializada ou de escola regular adaptada? Novamente pergunto: essa
escola atenderá a todos os tipos de deficiência? De que forma os Municípios se
organizarão? E se já existir uma instituição filantrópica?
As APAEs, por exemplo, atendem crianças com deficiência mental. E as
outras deficiências? Significa que o Município, então, exime-se da responsabilidade
de prover outro tipo de educação especial porque já dispõe de uma instituição
filantrópica?
Eu acho que o grande desafio é justamente definir como integrar os recursos
disponíveis para assegurar o cumprimento desse dispositivo.
A minha intenção não era analisar ponto por ponto, porque eu acho isso
maçante e também porque outros especialistas vão abranger o assunto. Eu deixei
para o fim o que considero mais substancial e sobre o que tenho mais a acrescentar
em relação ao projeto, de acordo com a minha própria experiência e inserção
profissional prioritária. Trata-se justamente da capacitação e da formação dos
recursos profissionais referidos em vários pontos do projeto, não só no capítulo da
educação.
Sabem V.Exas. que inúmeras barreiras impedem que a educação inclusiva se
torne realidade no cotidiano das nossas escolas. Algumas são bastante concretas, a
exemplo do número excessivo de alunos nas salas de aula, da falta de professores,
da acessibilidade precária ou inexistente às escolas, da falta de recursos didáticos
adaptados. Certamente, para sanar esses problemas, é necessária dotação
orçamentária e apoio dos Governos Federal e Estaduais aos Municípios menores,
principalmente.
No entanto, a barreira mais determinante — e sobre isso não há qualquer
dúvida por parte dos especialistas, até porque já foi alvo de inúmeras pesquisas — é
a inadequada formação e capacitação dos professores do ensino regular para
trabalhar com alunos com significativos déficits cognitivos, psicomotores e/ou
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sensoriais na complexidade cotidiana de uma sala regular, seja ela de educação
infantil, seja de educação básica, seja de ensino médio, seja de nível superior.
Além disso, nós precisamos ter em conta que há enorme carência de oferta.
Por conta da educação inclusiva, tem até diminuído, na minha própria universidade,
o número de cursos universitários destinados à formação de professores
especialistas tanto para o atendimento às necessidades específicas de alunos com
deficiências quanto para o oferecimento do suporte exigido no sistema regular para
que esse aluno seja incluído.
Se V.Exas. me permitirem a informalidade, posso dizer que se trata daquele
velho dilema de reformar o avião em pleno vôo. Os profissionais em exercício não
receberam, na sua formação inicial, as condições necessárias para lidar com
pessoas ditas especiais, que estão chegando cada vez mais aos espaços públicos.
A família se conscientiza de que elas têm direitos e começa a reivindicá-los.
Essa situação se acelerará ainda mais a partir da aprovação e da
transformação em lei desse projeto de Estatuto. E não me refiro apenas aos
professores, mas também a médicos, demais profissionais de saúde, arquitetos e
outros. Para darem conta do cumprimento dos dispositivos deste e dos demais
capítulos do Estatuto, esses profissionais precisarão de preparação adequada, o
que não ocorre hoje.
A Secretaria de Educação Especial tem dado continuidade à promoção de
cursos de capacitação em diversas áreas em todos os Municípios do País. A
Secretária, aqui presente, poderá falar disso melhor do que eu.
No Município do Rio de Janeiro têm sido disponibilizados recursos financeiros
e humanos para a capacitação dos professores da rede regular de ensino. No
entanto, esse esforço não é reproduzido na mesma medida nas instituições de
ensino superior e de formação profissional.
O Ministério da Educação editou a Portaria nº 1.793, de 27 de dezembro de
1994, apontando para a importância da incorporação de conteúdos e disciplinas
sobre portadores de necessidades especiais nos cursos de graduação, sobretudo
das áreas de educação e saúde. No entanto, essas diretrizes ainda não são
seguidas na maioria dos cursos das nossas universidades, sejam públicas, sejam
privadas.
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Na área da saúde, por exemplo, esse tema é estudado, quando muito, ainda
com aquela ênfase no diagnóstico das patologias. E a formação recebida por futuros
médicos, enfermeiros, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, psicólogos e outros
especialistas não abarca informações ou vivências que capacitem o atendimento a
essa clientela, nem a orientação à família nem o tipo de atendimento mais
adequado.
Fala-se muito da acessibilidade. Pedi a meus alunos que fizessem uma
pesquisa na Internet sobre o tema, e eles verificaram que apenas 2 ou 3 cursos de
Arquitetura têm uma cadeira que discute a questão. O curso de Desenho Industrial,
área que no exterior é muito desenvolvida, até em termos de mercado de trabalho,
abrange as adaptações. E os arquitetos que desconhecem os princípios da
acessibilidade não vão poder fazer reformas em escolas ou, como muitas vezes
ocorre, farão adaptação inadequada. Isso porque os docentes dos cursos de
Arquitetura não têm essa capacitação.
Na educação, infelizmente, ocorre o mesmo. Ainda são poucos os cursos de
Pedagogia e outras licenciaturas que ofereçam habilitação ou disciplinas voltadas
para o processo de ensino/aprendizagem de alunos com necessidades educativas
especiais. E muitos dos que oferecem seguem ainda aquele modelo tradicional
clínico, com a orientação sobre educação especial difundida nos anos 70.
O Dr. José Geraldo Bueno, da PUC de São Paulo, sempre aponta para o
seguinte problema: os professores da rede regular não estão capacitados, mas os
professores especializados têm uma visão de educação especial, o que é diferente
de lidar com 1 aluno numa turma de 40.
Na Faculdade de Educação da UERJ fizemos uma reforma curricular e
incluímos duas disciplinas obrigatórias a todos os professores de educação especial,
de 60 horas: Questões Atuais em Educação Especial e Educação Inclusiva e
Cotidiano Escolar. Mas, em compensação, perdemos Habilitação em Educação
Especial.
É uma situação preocupante porque o processo de inclusão escolar de
maneira mais ou menos articulada, dependendo do Município, está sendo
implementado em todo o País. A sociedade civil às vezes é mais rápida do que nós.
A composição do alunado das escolas se torna cada vez mais diversificada. Eu pude
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escolher o trabalho com as pessoas com deficiência. Meus alunos já não poderão
escolher. A formação de professores não contempla essa realidade. Quanto aos
futuros docentes, daqui a 10 anos ainda vamos dizer que não estão preparados.
Eu fiquei muito satisfeita ao verificar essa demanda priorizada em 2 artigos do
Estatuto: no § 2º do art. 23 e no art. 28:
“Art. 23.....................................................................
§ 2º O Poder Executivo expedirá instruções” — o
que é diferente de recomendações — “para que os
programas de educação superior incluam nos seus
currículos conteúdos, itens ou disciplinas relacionados à
pessoa portadora de necessidades especiais.
Art. 28. O currículo dos cursos de pedagogia no
nível superior e seu correlato no nível técnico deverão
obrigatoriamente conter disciplina” — eu prefiro
“disciplinas” — “que capacite o profissional para o
atendimento (...)”.
Acredito que a aprovação desses 2 dispositivos auxiliará o MEC e a SESU a
orientar a reformulação dos atuais cursos superiores e o credenciamento dos novos.
Desculpando-me por ter-me estendido além do tempo previsto para a minha
exposição, gostaria de ressaltar que concordo inteiramente com a avaliação da
Relatora do projeto, Sra. Deputada Celcita Pinheiro, de que o reconhecimento do
direito à educação depende menos da edição de novas leis e mais da
implementação de políticas públicas específicas e da consignação de dotações
orçamentárias expressivas, sem o que qualquer lei não passa de letra morta.
De fato, a legislação brasileira sobre educação e outras áreas — meio
ambiente, direitos da criança e do adolescente, Código Brasileiro do Consumidor —
pode ser considerada bastante avançada para os padrões internacionais. A
aprovação deste Estatuto será, sem dúvida, marco jurídico muito importante. Mas,
infelizmente, a promulgação de leis e diretrizes políticas não garante
necessariamente as condições para o seu devido cumprimento.
Entretanto, creio que uma lei que, durante a sua gestação, teve amplos
debates e consultas públicas, como esta, certamente tenderá a mobilizar a
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sociedade civil no sentido de apoiar os Poderes Legislativo e Executivo a abraçar o
dever de assistir objetiva e concretamente as pessoas com necessidades especiais.
Agradeço o convite. É uma honra estar aqui. Estou à disposição de V.Exas.
para qualquer esclarecimento.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Leonardo Mattos) - Os membros desta
Comissão se sentem muito gratos e honrados com a vinda de V.Sa. a esta audiência
pública. Tenho certeza de que a sua exposição será de grande valia para a Relatora,
Deputada Almerinda de Carvalho.
Passo a palavra à Profª. Ronice Müller de Quadros, graduada em Pedagogia
pela Universidade de Caxias do Sul e Mestra em Letras, com ênfase em Lingüística,
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Dentre muitas
publicações, é autora dos livros Língua de Sinais Brasileira: Estudos Lingüísticos e
Educação de Surdos: A Aquisição da Linguagem .
V.Sa. dispõe de 20 minutos, que poderão se transformar em 30 minutos
também.
A SRA. RONICE MÜLLER DE QUADROS - Antes de mais nada, gostaria de
agradecer o convite para participar desta audiência, não apenas na condição de
especialista da área de surdez, mas também de efetiva participante dos movimentos
sociais surdos que participam da elaboração do Estatuto do Portador de
Necessidades Especiais.
Trago, portanto, o resultado das pesquisas que realizamos ou do processo de
formação de profissionais da área, na universidade, mas também refletindo os
anseios dos movimentos sociais surdos.
Falo enquanto ouvinte também. Talvez, num momento oportuno, a colega
Gladis Perlin, que é surda, possa dar o seu depoimento.
Vou apresentar um parecer geral sobre o Estatuto do Portador de
Necessidades Especiais, ou das pessoas com deficiência, concordando com a
colega que me antecedeu sobre o termo “portadores”. A meu ver, seu uso não é
interessante, conforme defendem os próprios deficientes.
Gostaria de esclarecer que, na minha opinião, todos os capítulos do projeto
apresentam objetivos relevantes, pois falam de acesso, ingresso e permanência,
não somente no que se refere à educação, mas também à sociedade como um todo.
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De um modo geral, o projeto é relevante e, sendo aprovado, vai causar impacto real
na sociedade enquanto lei. Ainda que isso se dê somente no aspecto legal, na
medida em que forem cumpridos seus dispositivos, vai gerar transformação. Temos
observado isso com outras leis. Por exemplo: no Estado de Santa Catarina, são
várias as ações judiciais impetradas ao Ministério Público relativas à área de
educação, exigindo garantia de percentual de vagas para deficientes. O
cumprimento dessa regra foi determinado ao Colégio de Aplicação da UFSC.
A lei dá respaldo a iniciativas como esta e garante a inclusão de pessoas com
necessidades especiais na rede de ensino. Antes, naquele colégio, não havia
deficientes. Hoje, crianças paraplégicas, surdas, com síndrome de Down e outras
deficiências freqüentam o estabelecimento.
Precisamos lidar melhor com a realidade. Isso vai movimentar a escola como
um todo a pensar num projeto de inclusão. No momento em que os direitos
começam a ser garantidos por lei, desestabiliza-se o processo e há transformação.
A questão legal é importantíssima. Aprovado o Estatuto, o impacto será real, e a
longo prazo, provavelmente, vai causar transformações.
Portanto, os objetivos são relevantes e extremamente pertinentes. Tratam da
vida, da saúde, da educação, do trabalho, dos direitos da pessoa humana e não se
referem a um único aspecto. Por exemplo: a Secretaria de Educação Especial tem
legislação específica para o setor. É interessante notar que o projeto contempla o
anseio de todas as classes sociais. Trata-se da garantia da cidadania e da atuação
do Estado.
Nós especialistas que trabalhamos com os resultados de pesquisas e com o
anseio dos movimentos sociais surdos, conforme mencionou a Profª. Rosana Glat,
poderíamos citar uma série de aspectos que seria interessante incluir no projeto,
mas trata-se de lei e, como tal, precisa ser enxuta. Eu acredito que a garantia de
aspectos fundamentais leva à garantia de outros, os quais acho que não seria
adequado detalhar num projeto como esse.
Na qualidade de especialista da área de surdez, vou falar da inclusão do
surdo na sociedade, focando, é claro, a educação. Mas não só isso, porque o ser, o
cidadão, acaba refletindo-se em todo o documento, o que faz com que esse surdo
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esteja socialmente inserido, tenha acesso à sociedade, com condições de
permanência.
Vou falar da inclusão do surdo na sociedade abordando aspectos essenciais
que precisam ser garantidos em qualquer documento que se refira à surdez: língua
de sinais, experiências visuais, intérprete da língua de sinais, sistema de avaliação e
avaliação como um todo, na escola inclusive.
A avaliação é contemplada no documento quando se colocam adaptações no
art. 25 em relação à avaliação, ao espaço físico e ao tipo de serviços prestados.
Essas adaptações incluem o intérprete da língua de sinais e a questão da língua,
que vai precisar ser contemplada. Inapropriadamente, no documento está expresso
o termo “linguagem de sinais”. O correto é “língua de sinais”.
A Lei nº 10.436, assinada em 2002 pelo Presidente Fernando Henrique e que
até este momento está em aberto, teve o prazo para consulta pública na Casa Civil
encerrado no dia 3 de abril. Refiro-me à Lei de LIBRAS — Língua Brasileira de
Sinais. Esse é o termo que tem de ser colocado no art. 26, que fala da formação
específica dos profissionais da educação para a Língua Brasileira de Sinais.
O item seguinte é o da capacitação de familiares e pessoas que convivam
com portadores de necessidades especiais para utilização da “linguagem labial” e
“língua de sinais”. O correto é “Língua Brasileira de Sinais”, já remetendo à
legislação existente e todo o movimento dos próprios surdos e pesquisas realizadas
em relação à língua de sinais brasileira.
Quero também mostrar o sinal de inclusão: uma mão sobre a outra. Esse é o
sinal de inclusão. Por que esse sinal dá a sensação de que se está oprimindo
alguém, se sobrepondo a alguém, submetendo alguém a alguma coisa? Devido a
toda uma história que os surdos tiveram dentro da sociedade de repressão
relativamente a sua língua dentro do espaço escolar, ou seja, de obrigação da
utilização da fala em detrimento da língua de sinais. Eles podem ser “oralizados”,
aprender a falar, mas não em detrimento da sua própria língua, a língua de sinais.
Provavelmente o sinal reflete essa condição histórica em relação a todo esse
processo de repressão. E o sinal é feito com movimento.
O próximo sinal, inventado por mim, não é um sinal da língua. Também é uma
mão e mostra o cidadão que está sendo incluído no processo, mas de forma isolada.
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Isso não se aplica só aos surdos de modo geral, mas, nesse contexto em que se
está fazendo essa “inclusão” — entre aspas —, acaba-se segregando, porque ele
fica muito sozinho naquele espaço.
Quanto à proposta, o próximo sinal, estamos pensando em um processo
assim, coletivo. A inclusão tem de ser pensada coletivamente, refletindo o desejo de
um coletivo maior.
Em relação aos surdos, a língua exige no mínimo um par de surdos, porque é
usada com outros que falam a mesma língua. Nos espaços escolares, devido à
especificidade dos estudos, exige-se uma área específica para surdos, que pode ser
dentro do ensino regular. Não há problema. Mas é preciso pensar em criar formas
alternativas, para que ele tenha escuta em sinais, não só do professor, do intérprete
de línguas de sinais, mas também de outros surdos.
Nessa perspectiva, o surdo se vê diferente. Isso é importante. Ultrapassado o
estigma da deficiência, ele se vê diferente, afinal, é aquele que usa uma língua
diferente — a Língua Brasileira de Sinais —, é aquele que tem uma experiência e
usa uma língua diferente, visual. As experiências são visuais.
Eu sou ouvinte em relação ao surdo. Então, há uma especificidade em
relação aos surdos. Da minha parte é ser ouvinte, da deles é se reconhecer como
alguém cuja experiência é visual. Nessa concepção, a língua de sinais se torna
fundamental, e ela é uma das questões mais essenciais da cultura surda, a
identidade cultural de um grupo de surdos é a expressão da experiência visual. Uma
cultura que reflete e envolve experiências visuais que dão valor especial à questão
do ver, do olhar, da direção do olhar, até para estabelecer relações gramaticais. O
jeito de se pensar as coisas parte do visual, do ver. Todos os encontros, festas,
histórias, expressões culturais são visuais.
Neste quadro temos o intérprete da língua de sinais, sobre o qual vou falar.
Esse ator, que mereceria ser mencionado no documento como aquele que vai ser
fundamental no processo de educação do surdo, é o intérprete de língua de sinais. É
ele quem vai intermediar a comunicação entre os surdos e as pessoas ouvintes em
diferentes contextos. Ele poderá auxiliar no esclarecimento de forma escrita,
produzida, como tradutor e intérprete, porque será um ator, para garantir que a
língua de instrução, na rede regular, seja a língua de sinais. Também é aquele que,
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de repente, vai participar de um processo de tradução do escrito produzido pelo
surdo com suas especificidades para a língua portuguesa. É um processo de
adaptação que depende do profissional.
Nesse sentido, de certa forma, é possível estabelecer uma relação com o
sistema braile: tem de existir alguém para fazer a adaptação. Então, em alguns
momentos, ele faz a tradução do texto escrito para a língua de sinais, noutros, a
tradução do texto escrito do aluno surdo, porque o português tem suas
especificidades — quem sabe, um dia, no Brasil, haverá a escrita da língua de sinais
mesmo, num outro nível com que ainda não nos deparamos? Se houver esse
profissional, porém, já se está garantido inclusão. Claro, estou pensando em
intérprete de língua de sinais a partir de 5ª série em diante, porque, antes disso, ter
uma pessoa mediando a relação professor/aluno é complicado para a criança. O
ideal seria o professor bilingüe. Aí, entraríamos no art. 26, que também trata da
capacitação do professor em relação à língua de sinais para atuar como professor
ou intérprete de língua de sinais. Basicamente seriam as duas questões.
Este quadro mostra um congresso realizado com a participação de surdos da
platéia, por intermédio de um intérprete da língua de sinais.
Ainda em relação ao art. 25, são interessantes os esclarecimentos
necessários à sociedade e a orientação aos pais quanto à importância do acesso à
língua de sinais a partir do diagnóstico da surdez. É preciso haver relação com a
saúde. Retoma-se aí a questão da formação, de os profissionais terem noção da
língua de sinais. Na regulamentação da Lei de LIBRAS está previsto o oferecimento
de língua de sinais para todos os cursos de licenciatura e talvez a extensão para
outros cursos da área de saúde, para que a pessoa tenha, pelo menos, noção do
que é ser surdo e da importância de orientar o familiar, porque disso a criança
depende para ter uma vida saudável, no âmbito psicológico e lingüistico.
Falamos de orientação à sociedade sobre as diferenças implicadas na
condição de ser surdo, de professores envolvidos com exploração das experiência
visuais, de questões de ordem lingüistica, da necessidade de o professor que
trabalha com surdos conhecer a língua de sinais muito bem, assim como as
implicações do ensino de português para o surdo — e terá de haver todo um
processo de adaptação em relação à língua portuguesa.
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Em relação ao processo de avaliação, é preciso orientar os professores a
realizá-lo. O professor deve pensar em adequar a correção das provas dos alunos
surdos, que, muitas vezes, devem ser diferentes. O foco deverá ser na verificação
da apropriação conceitual pelo aluno surdo e não na forma escrita. E a correção do
português precisa ser realizada por profissionais. Isso se aplica também aos
concursos públicos de modo geral e ao próprio vestibular, no que diz respeito à
correção da redação.
Essas são algumas possibilidades para se pensar em uma sociedade que
garanta inclusão de pessoas surdas. Obviamente, o processo exige reflexão do
grupo, que deve fazer considerações sobre as experiências implementadas, e todos
devem ter em mente que a língua é fundamental nesse processo.
O Prof. Pablo Gentili alerta para a importância de não se pensar em inclusão
segregando — e muito me vem essa imagem, quando se fala em segregar incluindo.
Nessa perspectiva, precisamos pensar legislação que garanta questões
pontuais em relação às especificidades do estatuto. Os movimentos sociais surdos
expressam o desejo de garantir a Língua Brasileira de Sinais, mediante legislação,
nos espaços educacionais e públicos. Trata-se de reivindicação dos movimentos
surdos a presença de intérprete de língua de sinais nos espaços públicos, o direito à
legenda, com closed caption, não só em alguns, mas em todos os programas da
televisão — esse é um anseio dos surdos — e, talvez, alguns programas com
intérprete de língua de sinais.
Basicamente, são esses os pontos a serem considerados.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Leonardo Mattos) - Muito obrigado, Profª.
Ronice Müller.
Ouviremos agora a contribuição da Profª. Cláudia Pereira Dutra, Secretária de
Educação Especial do MEC, graduada em História pela Universidade Federal de
Santa Maria e Mestre em História da Sociedades Ibero-Americanas pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. V.Sa. também dispõe de 20 minutos.
A SRA. CLÁUDIA PEREIRA DUTRA - Agradeço à Comissão o convite para
participar desta reunião de audiência pública e cumprimento o Presidente, Deputado
Leonardo Mattos, os demais Deputados e Deputadas e todas as pessoas aqui
presentes. Em nome do Ministério da Educação e da Secretaria de Educação
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Especial, também parabenizo esta Comissão Especial por estar realizando a
importante tarefa de analisar o Estatuto ora em debate.
Acreditamos que a tarefa é bastante complexa, porque a organização da lei
que institui o Estatuto do Portador de Necessidades Especiais deve ser feita à luz de
todo marco legal, como a Constituição Federal, as diretrizes nacionais e curriculares,
no caso da educação, o Decreto de Acessibilidade, a Lei de LIBRAS, enfim, todo
esse marco conceitual que coexiste com um processo de mudanças na concepção
da educação especial e nos paradigmas relativos à compreensão da inclusão das
pessoas com necessidades educacionais especiais, sobretudo aquelas vinculadas à
deficiência.
Portanto, nas duas últimas décadas, vivemos mudanças de paradigmas em
todas as áreas da saúde, da educação, do trabalho, do transporte, enfim de todos os
assuntos que estão relacionados com esse nosso debate.
Na verdade, vivemos essa complexidade de divisões de como o Poder
Público deve estabelecer políticas que atendam às necessidades educacionais
especiais, assim como as necessidades especiais das pessoas.
Em relação à educação, tema que devo abordar na condição de Secretária
Nacional da Educação Especial, o Ministério da Educação segue o princípio da
educação inclusiva, que é fundamentada por nós em dois aspectos principais:
primeiro, o direito de todos à educação; e, segundo, a atenção à diversidade.
Então, conceituando a educação inclusiva a partir desses pressupostos, a
organização das políticas educacionais é fundamentada e organizada.
A educação especial é uma modalidade compreendida nas nossas diretrizes
e aplicada pela Secretaria de Educação Especial como modalidade transversal.
Portanto, ela permeia todos os níveis, etapas e modalidades. Ela é, inclusive, uma
modalidade inserida entre as demais.
E, como proposta pedagógica que prevê a organização do atendimento
educacional especializado, partindo do princípio de que todos têm direito à
educação, compreendemos que o acesso à educação se dá no sistema regular de
ensino. Portanto, a educação especial é organizada de modo a ofertar o
atendimento educacional especializado que serve de apoio e suporte para o
processo de escolarização das pessoas com necessidades educacionais especiais.
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Compreendemos que ela não substitui o direito à escolarização. Temos,
então, a partir desses pressupostos, organizado e orientado os sistemas de ensino
para organização da educação inclusiva. A construção das escolas inclusivas parte
da idéia de que todos devem aprender juntos, de que as escolas devem ser
acolhedoras, planejadas e organizadas numa pedagogia centrada na criança,
segundo os pressupostos já citados aqui pela Profª. Rosana Glat, que são os
pressupostos da Conferência Mundial das Necessidades Educacionais Especiais, e
devem organizar o atendimento educacional especializado. A legislação brasileira
nos orienta para a oferta da matrícula, para o acesso à educação e também para o
direito a atendimento educacional especializado.
Muitas vezes, o paradoxo que se coloca é o acesso sem o cumprimento do
direito ao atendimento educacional especializado ou o contrário: a oferta do
atendimento educacional especializado sem acesso à escolarização. Do ponto de
vista da educação, essa é uma situação que vivenciamos. Foi dito aqui que alguns
Municípios não ofertam a matrícula e que muitos não ofertam atendimento
educacional especializado. Portanto, está correto ressaltar a necessidade de
informar — e o Estatuto cumpre esse papel — o direito de todos à educação. Vinte e
três por cento dos Municípios brasileiros não têm registro de matrícula na educação
especial.
Quero esclarecer que, para o censo escolar, a matrícula na educação
especial compreende alunos em escolas especiais, em classes especiais e também
em classes comuns do ensino regular. Então, os educandos com necessidades
educacionais especiais podem estar nas classes especiais, nas escolas especiais e
nas classes comuns do ensino regular. Mesmo considerando esses 3 espaços onde
o aluno pode estar sendo escolarizado, 23% dos Municípios brasileiros não
apresentam nenhuma matrícula. Isso nos faz perceber que a tarefa, em se tratando
de educação, é bastante ampla, ou seja, não diz respeito à questão do acesso, mas
à organização dos atendimentos educacionais especializados que contemplam uma
perspectiva de educação de qualidade para todos.
Muitas vezes, no âmbito da educação especial, é apresentada a questão da
qualidade como contraditória com a nossa proposta de educação inclusiva.
Entendemos que uma educação de qualidade coincide perfeitamente com os
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princípios de uma educação inclusiva. Quando a educação inclusiva diz respeito à
diversidade, atenção às características individuais dos sujeitos, compreensão e
elaboração de metodologias adequadas à capacidade, desenvolvimento das
potencialidades, olhar sobre as possibilidade do sujeito muito mais do que sobre as
limitações ou deficiências, esses princípios são perfeitamente cabíveis dentro de
uma proposta de educação de qualidade.
Hoje, o Ministério da Educação centra a sua discussão na qualidade da
educação, porque o Brasil atingiu melhores níveis a partir da década de 90, com as
propostas de educação para todos; buscou a meta da universalização do acesso à
educação e está alcançando essa meta. Porém, quando tratamos de educação
especial, não temos a universalização do acesso. Se fizermos um recorte, vamos
perceber, pelos dados do censo demográfico, que existem milhares de pessoas,
crianças e adolescentes, na faixa etária de 7 a 14 anos, a faixa etária obrigatória,
fora da escola em razão da deficiência. Portanto, a educação especial tem de tratar
do aspecto da universalização do acesso.
E a qualidade, que é o debate atual da educação, não é contraditória com a
inclusão, porque a proposta de uma escola inclusiva visa justamente à
transformação da escola, à reavaliação nas metodologias, nos paradigmas de
ensinar e aprender; uma escola acessível arquitetonicamente, uma escola com
acessibilidade nas comunicações, uma escola aberta às diferenças. Portanto, uma
escola que percorra um caminho na busca da construção de um projeto
político-pedagógico que atenda às diferenças será uma escola boa para todos os
alunos, uma escola de qualidade para as pessoas sem deficiência e para as
pessoas com deficiência.
Não vemos contradição no debate acerca da qualidade da educação e do
ingresso de pessoas com necessidades educacionais especiais nas escolas
regulares. Acreditamos que eles se complementam. Atingir a meta de uma escola de
qualidade significa avanço substancial para conseguirmos alcançar a inclusão dos
alunos com necessidades educacionais especiais nas escolas e classes comuns do
ensino regular.
A partir dessa concepção, que nos orienta na busca da organização dos
sistemas educacionais para que se transforme em sistemas educacionais inclusivos,
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temos como desafio o trabalho do Ministério da Educação junto com os sistemas de
ensino, organizado em 3 eixos.
O primeiro é a formação de professores. O desafio de organizar o trabalho de
formação continuada e também tratar da formação inicial, como ressaltado pelas
professoras.
O segundo é a acessibilidade física. Esse é um desafio importante na
elaboração de uma proposta de sistema educacional inclusivo.
O terceiro é a organização do atendimento educacional especializado.
Logo, em relação à formação dos professores, no âmbito da formação inicial,
cito a Resolução nº 01, de 2002, da Câmara Plena do Conselho Nacional de
Educação, que orienta a formação de professores e determina que todos os cursos
de formação de professores devem incluir componentes curriculares que tratem da
atenção à adversidade e formar professores para o atendimento das necessidades
educacionais especiais dos alunos. Essa Resolução do Conselho Nacional de
Educação indica o que estava sendo abordado no concernente à necessidade de
todos os professores estarem preparados para, quando chegarem ao sistema de
ensino, não estranharem ao receber um aluno com necessidades educacionais
especiais, mas que isso faça parte da sua perspectiva na condição de profissional
da educação. Essa é a perspectiva da formação inicial que começa a ser
implementada por muitas instituições de ensino superior que, a partir de 2002,
passaram a reorganizar os seus currículos contemplando essa resolução do
Conselho Nacional de Educação, outras já o faziam anteriormente.
Também importante é o decreto que regulamenta a Lei de LIBRAS, citado há
pouco pela Profª. Ronice Müller. A proposta da regulamentação da Lei de LIBRAS
foi encaminhada pelo Ministério da Educação, e foram concluídos os 90 dias de
consulta pública.
Consta na regulamentação da Lei de LIBRAS aspecto importantíssimo em
relação à formação de professores. O seu art. 4º, que trata dos cursos de formação
de professores, determina a inclusão no currículo da Língua Brasileira de Sinais e
estabelece um prazo de 10 anos para que as instituições que formam professores
organizem seus currículos contemplando os cursos de formação de professores e de
Fonoaudiologia, podendo, por opção, os demais cursos adotarem tal legislação.
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O componente curricular da LIBRAS na formação inicial de professores não
vai dar apenas condições para que o professor tenha compreensão básica, porque a
fluência em LIBRAS se dará num processo mais amplo, para além dessa disciplina
ou desse componente curricular. Além de o professor ter compreensão básica sobre
a Língua Brasileira de Sinais e sobre as questões da área da surdez, a inclusão
desse componente curricular no âmbito da formação inicial dos professores vai
transformar a cultura da formação de professores. Nenhum professor, nenhum
aluno, nenhuma pessoa em formação acadêmica passa por um curso de Língua
Brasileira de Sinais sem fazer uma reflexão sobre a questão das diferenças, sem
refletir sobre a questão da acessibilidade, sem refletir sobre a atuação do
profissional que não vai trabalhar numa escola com concepção homogênea de
aprendizagem.
Portanto, é mais um aspecto que leva para essa nova compreensão da
formação de professores. Mas nós temos 2,5 milhões de professores inseridos no
sistema educacional. A educação básica do nosso País já tem inserido um conjunto
bastante amplo de profissionais que não tiveram na sua formação inicial a
oportunidade de conviver com esses paradigmas transformadores da inclusão
educacional das pessoas com necessidades educacionais especiais.
Portanto, a formação continuada é um aspecto primordial para aqueles que
trabalham com a idéia de transformar a educação brasileira numa educação de
qualidade para todos.
Queremos que os cursos de formação continuados de professores, que
passaram a ser e estão sendo orientados pelo Ministério de Educação, contemplem
a atenção às necessidades educacionais especiais, e não apenas para os
professores especialistas da educação especial. Esses, no nosso entendimento, já
têm a formação adequada para o tratamento da diversidade, especialmente para a
atenção às pessoas com necessidades educacionais especiais. E, nesse caso,
destacam-se as pessoas com deficiência, que sofrem as barreiras colocadas no
sistema de ensino com relação a seu ingresso, à sua permanência e às suas
condições de avanço na escolarização, direitos previstos na Constituição Federal.
Portanto, a formação continuada de professores está orientada para que não
seja organizada apenas para especialistas em educação, mas, principalmente, para
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os professores que atuam nas classes comuns do ensino regular, uma formação de
professores aberta a todos os profissionais de educação. E que essa formação se
estenda a partir de projetos educacionais para as famílias e as comunidades,
elementos primordiais num processo de escolarização que contemple a atenção às
diferenças.
O terceiro aspecto trata da organização do atendimento educacional
especializado. Vejam bem: no início, disse que trabalhamos com direito a acesso e
direito a atendimento educacional especializado. Compreendemos que a legislação
orienta nesse sentido, indica o direito ao acesso, à escolarização regular e ao
atendimento educacional especializado, quando dele o aluno necessitar.
Portanto, a orientação aos sistemas de ensino é no sentido de que organizem
esses atendimentos educacionais especializados. De que forma? Primeiro,
preferencialmente, como é estabelecido na nossa legislação, na própria escola
regular, por meio de salas de recursos, da disponibilização de profissionais da
educação especial, de pessoas habilitadas para trabalhar com as especificidades e
também da organização de centros de atendimento educacional especializados que
muitos Municípios já têm organizados. E, de forma alguma, esses centros
contradizem a política de educação inclusiva. Os centros de atendimento
educacional especializados apóiam o processo de escolarização e, no sentido
inverso da escolarização, podem e devem ser freqüentados pelos alunos que dos
seus serviços necessitarem.
Então, há os centros especializados de apoio à escolarização, as salas de
recursos e os professores itinerantes, que fazem um trabalho não só de atendimento
aos alunos, como também podem e devem apoiar a formação dos professores das
classes comuns do ensino regular. Esses professores apóiam toda a gestão escolar
no sentido da aplicação e da organização dos conceitos da educação inclusiva.
Para nós, essas duas situações têm de ser levadas ao mesmo tempo. Não
entendemos que devemos orientar para a busca da organização desses recursos e,
ao mesmo tempo, divulgar e sensibilizar a comunidade educacional e a sociedade
como um todo para a informação do direito de todos à educação. Organizar os
sistemas, ofertar as condições e, ao mesmo tempo, informar, divulgar e sensibilizar
para a questão da matrícula de todos é tarefa conjunta.
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A organização dos sistemas de ensino, portanto, faz-se nesse processo.
Nenhuma escola vai estar preparada se dela não for demandada uma mudança de
postura. Se os alunos e as famílias não procurarem o sistema de ensino, solicitando
seu direito constitucional de oferta de matrícula, os sistemas de ensino não vão
buscar a organização de recursos financeiros e educacionais, enfim, todos os
recursos necessários, para ofertar essa matrícula com qualidade. A escola faz parte
da sociedade. Portanto, as transformações na escola se dão no conjunto das
transformações sociais. Não esperamos que a escola vá transformar a sociedade,
mas a escola não está paralisada mediante as transformações sociais. Como
instituição que faz parte das mudanças, a escola se transforma em conjunto e
também transforma.
A partir dessas orientações, temos buscado organizar políticas públicas
relativas à educação especial, porque falar de inclusão é falar de organização de
políticas públicas. Inclusão é a percepção de sua fundamentação filosófica, mas
também é a percepção de sua orientação política, que se faz por meio de políticas
públicas.
Portanto, em nome do Ministério da Educação e na condição de gestora de
políticas públicas, cabe a mim falar sobre de que forma estão sendo traduzidos
esses conceitos por meio de políticas públicas organizadas para apoiar o processo
de transformação dos sistemas educacionais.
O Ministério da Educação presta apoio subsidiário aos sistemas de ensino na
educação básica. A educação básica é implementada e financiada pelos Estados e
Municípios, com o apoio suplementar do Ministério da Educação. Nossos programas
são organizados para prestar esse apoio suplementar e apoiar os Municípios na
formulação de suas próprias políticas públicas. Muitas vezes, um programa do
Ministério da Educação tem muito mais o caráter formulador do que financiador de
políticas.
Alguns programas são pilotos e sua dimensão não se estende a todas as
Secretarias Municipais e Estaduais de Educação; outros se estendem a Municípios
pólos ou a determinada região do País em função de alguma especificidade; mas
todos eles auxiliam a criar o conceito de educação inclusiva. São experiências que
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se expandem posteriormente por meio dos recursos próprios dos sistemas estaduais
e municipais de educação.
O Ministério da Educação tem hoje um programa estruturado em âmbito
nacional. Refiro-me ao programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade. O
objetivo desse programa é a transformação dos sistemas educacionais em sistemas
educacionais inclusivos, com o foco na formação de gestores e educadores, para a
transformação das escolas em escolas inclusivas. O programa contempla seminários
nacionais com gestores estaduais e municipais. Todos os Estados participam por
meio da representação dos dirigentes estaduais da educação especial. O Distrito
Federal participa desse programa, assim como 106 Municípios pólos de todo o País.
Os educadores desses Municípios participam de programas de formação nacional,
organizados pelo Ministério da Educação e recebem recursos para organizar no
Município cursos de formação para a sua área de abrangência.
Portanto, cada um desses Municípios trabalha com mais outros 20
Municípios, na multiplicação desse conceitos e debates sobre educação inclusiva.
Nestes dois primeiros anos de Governo, 1.869 municípios brasileiros participaram
desses programas de formação na área da educação especial. Em 2004, com uma
formação de 20 horas e, em 2005, com uma formação de 40 horas, já abordando
temas específicos na atenção às necessidades educacionais especiais.
A formação inicial contemplava princípios, concepção filosófica, abordagem
de paradigmas, legislação, Plano Municipal de Educação e Plano Nacional de
Educação. Em 2005, já vamos abordar temas específicos, como o atendimento
educacional especializado para deficiência mental, o atendimento e a educação para
alunos com surdez, o atendimento educacional especializado para alunos com
deficiência visual. Vamos trabalhar também, já nesse segundo ano de formação,
temas como o autismo, altas habilidades, superdotação e cegueira. Esses são
alguns temas que já começam a ser colocados na formação.
Foram 23 mil os professores que participaram desse programa no ano de
2004 e seguem participando dessa formação no ano de 2005.
Esse programa busca ampliar a relação do Governo Federal e da Secretaria
de Educação Especial para além das Secretarias Estaduais. O trabalho com as
Secretarias Estaduais continua organizado numa relação de parceria que é
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fundamental dentro da concepção de educação que se compreende inclusiva, a
relação de parceria entre as esferas do Poder Público e as instituições privadas,
principalmente aquelas organizações, no caso da educação especial e instituições
privadas sem fins lucrativos, que trabalharam e trabalham exclusivamente e
especificamente na área da educação especial. Então, todas essas parcerias são
chamadas no momento da formulação desse programa. Ele, inclusive, é um dos
princípios, e um dos indicadores desse programa é o estabelecimento de parcerias
com as instituições federais de ensino, com as instituições formadoras de
professores. Um dos indicadores do programa é a organização dessas formações e
dessa rede de educação inclusiva que passa por todos esses agentes.
Esse já é um programa constituído e enraizado em dois anos de organização,
com esses 106 Municípios pólos, com a participação de todos os Estados e de 23
mil professores, e com perspectiva de ampliação desse programa para novos
Municípios pólos e outros Municípios. Até 2006, estima-se que sejam contemplados
85% dos Municípios brasileiros com o programa.
Além disso, outros programas importantes passam a ser desenvolvidos em
parceria com essa rede formada com Municípios pólos, como o Programa de
Informática na Educação Especial — PROINESP. O Ministério da Educação já
conseguiu dobrar a ação desse programa, além de organizar a formação dos
professores que atuam na área da informática dirigida aos portadores de
necessidades educacionais especiais, para escolas que receberam esse programa
nos anos de 2002 e 2003. E já, em 2005, está organizando a formação na área de
informática com cursos de educação a distância para escolas que receberam os
laboratórios de informática em 2004 e 2005.
Então, a formação é acompanhada de um programa que não é só de
implementação e disponibilização de equipamentos e recursos, mas também de
formação. Quanto ao Programa Informática na Educação Especial, a formação está
em fase de implementação; 310 professores estão, nestes dias, sendo formados no
Curso de Educação a Distância, que contempla todos os Estados brasileiros.
Além do Programa Informática na Educação Especial, chamo a atenção para
o PROESP, que já é uma parceria da Secretaria de Educação Especial com o
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CAPS. O CAPS financia bolsas, projetos de pesquisas na área da educação
especial.
Então, o PROESP está atualmente com 10 instituições federais de ensino,
com bolsas em educação especial, com cursos de especialização, mestrado e
doutorado, desenvolvendo pesquisas na área, entre outras que existem em outros
programas. Mas esse programa tem o foco específico na área da educação
especial.
O PROESP já tem uma proposta. Um edital está sendo organizado para
ingresso de novas instituições num plano que contemplará, a partir de 2005, a cada
ano, mais 10 instituições de ensino superior, no curso de pós-graduação.
Então, há um movimento no sentido de que todos os programas de governo
estejam, de fato, atentos para as necessidades educacionais especiais, para a
questão da sensibilidade e da garantia do acesso de todos à educação.
Não posso citar aqui todos os outros programas. Temos, por exemplo, o
Interiorizando Libras, o Interiorizando o Braile, o programa de educação tecnológica,
voltado para as escolas federais tecnológicas, para que também estejam se
preparando e formando o seu corpo docente. O objetivo é adequar esses centros
com cursos abertos para ingresso de todas as pessoas, inclusive daquelas que têm
necessidades educacionais especiais, garantindo-lhes condições de acessibilidade.
Gostaria de mencionar todos esses programas. Falo muito mais dos
programas gerais do Ministério da Educação do que dos programas que a Secretaria
de Educação Especial organiza, porque esses já são totalmente voltados para a
promoção do acesso de todos à educação.
Destaco o Programa Nacional do Livro Didático — PNLD. É o segundo maior
programa do Governo Federal de apoio suplementar aos sistemas de ensino. O
primeiro é o Programa da Merenda Escolar.
O PNLD não era disponibilizado para alunos com necessidades educacionais
especiais. Os alunos da educação especial não recebiam livros didáticos. Houve a
reorganização desse programa a partir da compreensão de que todos podem
aprender e de que o acesso das pessoas com necessidades educacionais especiais
nos sistemas de ensino não se contradiz com a visão acadêmica do processo
escolar, sobre a convivência, a formação de valores e a construção de
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conhecimentos acadêmicos. As pessoas enfrentam dificuldades na matrícula e
também, ao chegar à escola, no acesso ao currículo. Os alunos sem necessidades
educacionais especiais ou sem deficiência têm como apoio ao seu processo de
escolarização o material e o recurso didático. A mudança é não só orçamentária,
disponibilizando-se recursos para esses alunos, mas também de compreensão e
concepção acerca da aprendizagem e do que é a oferta da educação para pessoas
com necessidades educacionais especiais.
Essa mudança é muito mais significativa em termos de compreensão do que,
dentro de um programa como esse, de movimentação orçamentária para
disponibilizar esses livros.
Portanto, essas barreiras vão sendo eliminadas. Constroem-se outras
formulações quanto àqueles que são gestores de programas educacionais.
O Programa Nacional do Livro Didático trata da acessibilidade ao livro. Não
podemos mais ter a compreensão de que são livros em tinta, que chegam às
escolas. Eles são também acessíveis para alunos surdos. Temos de buscar esse
tipo de acessibilidade nos programas, livros acessíveis para pessoas cegas e um
conjunto de adequações que precisam ser feitas em todos os programas de
governo, que passam por uma movimentação de organização das políticas públicas
nas esferas federal, estaduais e municipais.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Leonardo Mattos) - Agradecemos à Profª.
Cláudia.
Quero registrar a minha preocupação com a ausência da TV Câmara, tendo
em vista a qualidade das contribuições que vieram à tela. Poderíamos, inclusive,
estar interagindo com a sociedade brasileira, por meio da rede de televisão da
Câmara dos Deputados. Vou tomar algumas providências nesse sentido.
Principalmente numa quinta-feira como esta, quase morta, deve haver uma
dezena de câmeras disponíveis. Quero pedir à Secretaria da Comissão que tome as
devidas providências para que, nas próximas discussões, não sintamos a falta desse
importante e democrático meio de comunicação de que dispomos. Não podemos
vê-lo fora da discussão acerca do estatuto das pessoas com deficiências, que
representam 14%, 15% da sociedade brasileira. Tenho certeza de que esses
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equipamentos estão, neste momento, voltados para questões muito menos
relevantes. Precisamos reagir para que Casa não seja indutora da discriminação.
Vou pedir ao Deputado Eduardo Barbosa que assuma a Presidência por
alguns minutos. Antes, porém, gostaria de fazer uma pergunta. Eu não ouvi nenhum
dos palestrantes — nem nesta quinta-feira nem na última — tocar na questão das
cotas. Gostaria de saber se esse instrumento deverá estar contido no estatuto ou se
este poderá propor alteração na legislação vigente, no tocante às cotas para as
universidades.
De antemão, agradeço-lhes imensamente. Fiquei surpreso com a contribuição
de V.Sas. e com a inteligência acumulada no trabalho tanto do Ministério quanto das
faculdades. Estamos entrando num caminho mais promissor, num debate mais
produtivo. O nosso segmento seguramente vai usufruir, no futuro, de melhores
condições para incluir-se em nossa sociedade.
Peço, então, ao Deputado Eduardo Barbosa que assuma a Presidência.
(Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Barbosa) - O Deputado quer ouvir a
resposta antes de se ausentar, antes de passarmos para as outras perguntas.
A SRA. ROSANE GLAT - Já comentamos informalmente essa questão. Não
fiz referência a ela porque a minha proposta era comentar o que estava no estatuto.
A Universidade do Estado do Rio de Janeiro e a UENFE, outra universidade
do Estado do Rio de Janeiro, já tiveram nos 2 últimos anos, no vestibular, 5% das
cotas para pessoas com deficiências e índios. Ninguém soube me explicar o porquê
de índios juntamente com pessoas com deficiência. No projeto da Câmara estava
escrito “minorias étnicas”, e a universidade decidiu dessa forma.
A discussão é sobre cota em geral. Agora, na medida em que haja cotas, as
pessoas com deficiências têm de ser incluídas nelas. Eu não estou acompanhando a
reforma universitária muito de perto. Não sei como está a legislação federal, mas o
problema da cota para as pessoas com deficiência é o mesmo daquele da cota para
alunos das escolas públicas. Temos de criar condições de permanência. Estou
querendo que apareça um aluno surdo na minha universidade. Nós temos alguns,
mas eles fazem leitura labial e conseguem se entender de maneira precária —
alguns melhor do que outros. No dia em que entrar um aluno surdo, não sei como
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vai ser, pois a universidade não tem intérprete. É importante falar sobre isso. Até
porque, ao se criar a cota, criam-se as condições.
Na minha opinião, as pessoas têm de entrar com o mesmo nível de vestibular.
Não se pode cair no que foi dito aqui, em relação ao ensino profissionalizante. As
pessoas acessam o vestibular. Isso deveria ser generalizado. Sei que a FAETEC,
Fundação de Apoio à Escola Técnica, do Rio de Janeiro, já está agindo dessa
forma. A partir do momento em que começam a entrar deficientes, eles —
desculpem-me o termo — correm atrás para capacitar os professores. Foi um
vestibular separado. Eu, pessoalmente, sou contra. Penso que deve ser o mesmo
processo. Só que aqueles que são aprovados... Como nos serviços públicos.
A SRA. RONICE MÜLLER DE QUADROS - Na verdade, neste momento
histórico, eu sou favorável à questão das cotas. Temos a realidade no Colégio
Aplicação, não ainda na universidade. O Colégio Aplicação, que é da rede federal,
tem alunos de 1º e 2º graus. A determinação judicial de 5% das vagas determinou a
inclusão de pessoas com necessidades especiais. Isso faz com que haja toda uma
movimentação dentro da instituição para garantir a inclusão. Independentemente da
cota, o sistema do Colégio Aplicação, só para exemplificar, é de vagas por sorteio.
Entre os candidatos das vagas por sorteio, pode estar algum deficiente. Mas, além
das vagas por sorteio, há 5% delas determinadas judicialmente. É na verdade uma
política de afirmação que garante o início. Depois, isso provavelmente vai deixar de
ser necessário. Mas neste momento é uma válvula que vai dar impulso para todo o
processo. Então, parece-me interessante.
As leis se movimentam. Apesar de envolverem um processo moroso, até
haver uma transformação legal, elas têm de refletir as necessidades impostas pela
sociedade.
A título de exemplo, quanto às condições, penso que o vestibular não tem de
ser necessariamente o mesmo. A questão tem de ser discutida. O que é o
vestibular?
Conseguimos, com o PROESP, fazer uma seleção diferenciada para
Mestrado e Doutorado em Educação. No Mestrado em Lingüística, incluímos a
opção de realização da prova em língua de sinais. É um exemplo de como se pode
ajustar o conteúdo. É inquestionável o aspecto do conteúdo, mas é preciso
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adequar... E talvez tenha de ser feito o vestibular separadamente. Não estou
discutindo a questão do conteúdo, mas as condições para que as pessoas tenham...
Com essas condições dadas, com os conteúdos sendo exatamente os mesmos...
No Mestrado em Lingüística — neste semestre houve a seleção pela primeira
vez —, o grupo de professores avaliou o aluno com a presença de um intérprete de
língua de sinais. Os próprios professores avaliaram o aluno, e ele ingressou no
curso.
Então, um aluno está fazendo Mestrado em Lingüística na Universidade
Federal. Temos 3 alunos surdos fazendo Mestrado em Educação e 2 fazendo
Doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina. São ações que viabilizam a
inserção da pessoa com necessidade especial.
A SRA. CLÁUDIA PEREIRA DUTRA - Sou plenamente favorável à política
de cotas. Assim como foi dito pelas professoras que me antecederam, é uma política
de ação afirmativa. Em primeiro lugar, é colocada como política transitória e tem o
sentido de corrigir distorções históricas, processos históricos de discriminação.
Foram identificados outros grupos de pessoas historicamente marginalizadas
nos processos educacionais. Se sabemos o que é e para que serve uma política de
cotas, o caso das pessoas com deficiência, principalmente, se enquadra
perfeitamente na compreensão do que seja uma política de cotas, para quem serve
e por que é organizada.
Portanto, penso que devem ser propostas políticas de cotas em vários
aspectos, não só no âmbito da educação. É preciso chamar a atenção da sociedade.
Refiro-me principalmente às pessoas com deficiência nos ambientes sociais como
um todo — não só os educacionais — e à transformação, que causa nesses
ambientes uma perspectiva de inclusão. Então, a transformação dos ambientes para
a participação de todos é fundamental. Essa política de cotas contribui para isso,
sim.
A educação gera todo um movimento, por exemplo, no âmbito do ensino
superior, como foi dito aqui. Vamos tratar da criação do cargo de tradutor e
intérprete, porque ele não existe. Nós, da Secretaria de Educação Especial, já
encaminhamos o pedido ao Ministro, que já o enviou ao Ministério do Planejamento.
Deve haver concurso público para ocupação desse cargo, com a colocação desses
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profissionais nas instituições de ensino superior. Gera-se todo um movimento, a
partir da nossa compreensão de acesso de todos à educação e das condições para
essa acessibilidade.
Este foi um dos aspectos que abordei: mais acessibilidade ao vestibular,
acessibilidade arquitetônica e um conjunto de outras adequações necessárias,
principalmente, para o acesso às instituições de ensino superior.
A Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação constituiu um
grupo de trabalho para tratar do assunto “acessibilidade das pessoas com
deficiência ao ensino superior”. Não sei se uma das duas professoras participa
desse grupo de trabalho. Outras professoras estão participando dele. A Secretaria
de Educação Especial tem representação nele, assim como a CORDE e o CONAD.
Esse grupo de trabalho está se encarregando de fazer um plano, para ser
entregue ao Ministro, sobre a acessibilidade das pessoas com deficiência ao ensino
superior. Certamente, nós, da Secretaria de Educação Especial, vamos ter o papel
fundamental de propor a forma de execução desse plano.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Barbosa) - O Relator, Deputado
Celso Russomanno, tem prioridade em relação aos outros Deputados. Já foi
justificada a ausência de S.Exa. a esta reunião.
Passo a palavra ao Deputado Celso. Pergunto à Deputada Suely Campos se
deseja fazer uso da palavra também, para que eu me organize. (Pausa.) Se o
Relator permitir, já encaminharemos, depois da fala de S.Exa., as minhas perguntas,
as do Deputado Vadinho Baião e as da Deputada Suely Campos — se S.Exa. quiser
fazer uso da palavra —, para depois a Mesa fechar o seu raciocínio.
O SR. DEPUTADO CELSO RUSSOMANNO - Sr. Presidente, com certeza
podemos encaminhar as perguntas.
Em primeiro lugar, quero dizer que não tenho prioridade nenhuma. Nós
dividimos esta Comissão em várias Sub-Relatorias, e o trabalho está sendo feito por
todos nós. O mais importante é a união de todos, para que consigamos o melhor.
Essa é a nossa intenção.
Quero justificar a minha falta durante toda a audiência. Estou participando de
uma convenção nacional do partido. Nós, que somos Deputados, sabemos o quanto
isso é importante na vida partidária. Não temos como escapar. Nesta Casa há várias
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atividades ao mesmo tempo. Precisamos ter o poder da ubiqüidade — estar em 2
lugares ao mesmo tempo —, o que Deus ainda não nos deu.
De uma forma ou de outra, depois vou ouvir as gravações e ler as notas
taquigráficas para tomar conhecimento de tudo o que ocorreu, apesar de cada
Sub-Relator ter sua Sub-Relatoria específica e de a reunião estar sendo bem
coordenada pela Sub-Relatoria que fez o pedido de realização desta audiência
pública.
Nós nos embrenhamos cada vez mais na questão da deficiência e vemos por
que, Deputado Eduardo Barbosa, no relatório final, temos de apenar duramente
aquele que não cumpre as leis em relação aos deficientes.
Estava comentando com o Deputado Eduardo Barbosa sobre o caso de uma
criança de 5 anos de idade que tem uma série de complicações, porque lhe faltou
oxigênio durante o parto. Há 5 anos essa criança nasceu, na cidade de Santo André,
na Grande São Paulo, local onde há condição, e não tem acesso a nenhum
tratamento. Inclusive, fui obrigado a pedir à APAE de lá, que já não tem mais onde
colocar uma criança, que a aceitasse. Nós vamos fazer uma emenda no Orçamento
da União para destinar recursos para lá. A APAE está fazendo o favor de aceitar
mais uma criança sem recursos.
Isso mostra que o Poder Público não está presente na vida do cidadão.
Imaginem na vida do cidadão deficiente! Por isso, temos de apenar inclusive os
Prefeitos. Precisamos ser duros com eles no relatório e no nosso estatuto, para que
exista responsabilidade, por parte do administrador público, no cuidado com os
deficientes em nosso País.
Parabenizo-os pela audiência e peço-lhes licença para me retirar, porque
preciso resolver algumas questões. Há um problema sério com um cidadão
chamado Paulo Maluf, que não pode mais permanecer no partido. E o Brasil sabe
por quê.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Barbosa) - Obrigado, Deputado
Celso Russomanno.
A SRA. DEPUTADA SUELY CAMPOS - Sr. Presidente, eu também quero
desculpar-me com os participantes desta tão importante audiência, com a presença
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de pessoas de várias áreas da deficiência, mas também estou na convenção.
Agradeceria se deixassem algum material.
Estamos sempre atentos à questão da deficiência. Temos de tentar incutir na
cabeça da sociedade que o deficiente não tem de ser rejeitado. Deficiência não é
defeito. São pessoas iguais a nós. É preciso que haja uma forma mais eficiente de
se chegar à sociedade — por meio de campanha, diretamente da escola e de tudo o
que for possível — para que as pessoas deficientes não sejam rejeitadas. Na escola
fundamental, principalmente, as crianças fazem chacotas com os deficientes. É
muito profunda essa rejeição. Nós temos de lutar para que ela diminua cada vez
mais.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Barbosa) - Obrigado, Deputada.
Estou de acordo com a opinião do Deputado Leonardo Mattos de que tivemos
uma Mesa altamente produtiva. Acredito que conseguimos subtrair sugestões e
informações importantes. Vejo que, felizmente, existe uma confluência de
pensamentos de todos os que atuam na área, em relação a esse novo modelo que
devemos construir.
A Secretária foi muito feliz. É um desafio muito grande para nós tentar
formular uma legislação que possa atender aos preceitos da nossa sociedade, da
nossa geração, rumo à inclusão, e, ao mesmo tempo, conseguir traduzir com
palavras, numa lei, uma forma de fazer e de apontar como fazer sem traumas e com
a facilidade de entendimento da sociedade e do Poder Público nas diversas esferas.
Essas audiências públicas são importantes, porque nos mostram o caminho para a
redação final de uma proposição.
Estamos aqui com nossas consultoras, para quem isso tem grande
significado. Elas é que têm a responsabilidade, inclusive, de oferecer uma proposta
de redação aos Deputados.
É lógico que o debate é político, em cima da proposta do texto. É muito difícil
para os consultores, num assunto tão complexo, redigir de forma que possam
imprimir uma média que a sociedade brasileira pensa em relação aos diversos
temas. Então, a Mesa contribuiu muito.
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Há 2 aspectos que gostaria de discutir e que não foram mencionados
explicitamente. Um deles diz respeito à concepção de escola regular. Gostaria de
saber qual é essa concepção no entendimento de V.Sas. A escola comum, voltada
para o aluno que não tem nenhuma deficiência, é irregular? Como é isso? Qual é o
papel da escola especial dentro da organização do sistema educacional? Isso é
muito importante para a proposição. Gostaria que tecessem comentários mais claros
sobre essas duas questões.
Passo a palavra ao Deputado Vadinho Baião, encerrando a participação dos
Deputados. Depois a Mesa vai ter condição não só de responder as formulações,
como também de fazer as suas considerações finais, para podermos encerrar esta
reunião dentro de 15 minutos, mais ou menos.
O SR. DEPUTADO VADINHO BAIÃO - Obrigado, Sr. Presidente.
Gostaria de agradecer as presenças e as contribuições da Profª. Cláudia
Dutra, da Profª. Rosane Glat e da Profª. Ronice Müller.
Sou pai de uma criança especial. Estou na vida política e, por questão de
princípios, pensava que nunca estaria na Câmara dos Deputados ou no Congresso
Nacional legislando em causa própria. Mas acho que essa causa é mais do que
justa, e estamos aqui para debater um problema que as famílias conseguem
entender e ter a dimensão da sensibilidade.
Quando vejo pessoas que não têm familiares envolvidos abraçando a causa,
percebo que essa sensibilidade é maior ainda.
Aproveito para agradecer a todas as pessoas que estão contribuindo com
essa causa, sem que tenham, entres seus familiares, alguém com necessidades
especiais.
Ouvi algumas questões sobre a falta de capacidade dos professores para
trabalhar, sobre a falta de capacidade até curricular dos arquitetos, que não recebem
as informações e os conhecimentos necessários.
A Profª. Ronice mencionou os intérpretes de sinais, que são também algo
novo. Há 50 anos não tínhamos os engenheiros de segurança, os engenheiros de
meio ambiente. São profissões mais recentes. Acredito que os intérpretes de sinais
estejam dentro desse contexto, assim como a melhor capacitação dos professores,
dos arquitetos, dos engenheiros.
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Preparava-me para fazer uma pergunta à Profª. Cláudia, mas ela já falou
sobre o que o Ministério está fazendo para poder capacitar.
Pergunto: isso está sendo feito pelo Ministério só dentro da área educacional,
ou também tem sido expandido para faculdades, universidades, Cursos de
Arquitetura?
Vou dar um exemplo: recentemente, uma praça na minha cidade, no interior
de Minas, foi recuperada. Dois, 3 dias antes da inauguração, procurei o engenheiro
responsável, alertando-o para o fato de que não tinha ali uma rampa de acesso. Ele
teve de quebrar os meios-fios e fazer 4 rampas de acesso. Ou seja, as Prefeituras
não têm nenhuma informação a respeito do assunto. Constróem um prédio público,
uma obra nova e não se preocupam com o problema. Elas mesmas, que tinham a
obrigação de cumprir a legislação, não o fazem. Então, é muito grave.
Gostaria de saber da Profª. Cláudia como estão essas informações também
para outras profissões, que têm fundamental importância nesse processo.
Profª. Ronice, coincidentemente, na semana passada, eu conversava com um
médico que trabalha há muitos anos numa APAE. Ele me disse que deveríamos
procurar algumas informações.
Como existe o Teste do Pezinho — desculpe a minha ignorância —, existe o
Teste da Orelhinha. Ele vai detectar muitos problemas de surdez, que podem ser
solucionados se forem descobertos mais cedo.
Qual é a avaliação da professora a respeito desse teste? Quanto custa
implantá-lo? A rede pública poderia implantá-lo nos hospitais públicos do País?
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Barbosa) - Quem quer começar? Fiquem à
vontade.
Com a palavra a Secretária Cláudia.
A SRA. CLÁUDIA PEREIRA DUTRA - Eu estava anotando as perguntas para
tentar ser mais sintética, porque tenho o hábito de me estender muito.
Respondo primeiramente a pergunta do Deputado Eduardo Barbosa, em
relação às escolas especiais. Vou explicitar mais claramente a nossa posição sobre
o assunto.
Dentro de uma proposta de educação inclusiva, a partir de determinada
mudança de paradigma, como já disse antes, compreendemos que não é o aluno
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que deve adaptar-se aos espaços sociais. Eles é que devem estar adaptados para
recebê-los.
Esse é um dos princípios da concepção educacional que trabalhamos na
Secretaria de Educação Especial. Portanto, não trabalhamos mais com aquele
conceito de pessoas que são adaptáveis ou que são escolarizáveis. Não
trabalhamos mais com essa idéia, mas sim com a de que o sistema está se
qualificando, se transformando, se adequando para receber todas as pessoas; que
isso é possível e que aprendizagens em grupo, com pessoas com e sem deficiência,
são um fator de qualidade para a educação. Portanto, não acreditamos que
ambientes educacionais só para deficientes sejam melhores do que aqueles em que
todas as pessoas, dentro do contexto da diversidade, estejam trabalhando e
aprendendo conjuntamente.
Partimos dessa compreensão, que é partilhada com um grupo, dentro de uma
concepção acadêmica. Existe toda uma elaboração no sentido de que essa é a
forma mais correta de tratarmos a educação. Claro que isso vem de uma visão que
foi ultrapassando outros modelos.
Não queremos dizer, com isso, que todas as escolas especiais são ruins ou
que o trabalho feito dentro de uma escola especial não é de qualidade. Acredito que,
como ocorre na educação em geral, haja escolas de educação especial que
desempenham melhor trabalho e outras que não têm um trabalho de qualidade. A
qualidade não está, nesse caso, na questão escola especial versus escola regular
comum. Existem problemas nas duas, e experiências positivas também.
Nós nos posicionamos no sentido de que todas as escolas devem receber
alunos com e sem deficiência. Esse é um reflexo da comunidade. A pessoa deve ir
para a escola da sua comunidade, preferencialmente. Sabemos que há muitos
Municípios que começam organizando uma escola, depois outra. A idéia é fazer com
que todas as escolas tenham essa compreensão e essa estrutura para receber a
sua comunidade, em um contexto que contemple a diversidade.
Acreditamos que as escolas especiais devam fazer o atendimento
educacional especializado. Quando elas se organizam como centro especializado
nas escolas especiais, efetivam-se procedimentos de educação especializada. Nelas
estão organizados recursos de apoio ao processo de escolarização na rede comum
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de ensino. Essa é a compreensão a que se chega, a partir da concepção de que a
escola acolhe a todos.
Isso deve ocorrer em relação às classes especiais também. As classes
especiais devem ser transformadas em salas de recurso, onde o professor
especialista recebe o aluno em turno diferenciado. Vai atendê-lo, naquele momento
que é só dele, para tratar de uma especificidade que, durante a escolarização
regular comum, não é possível contemplar. Se o aluno tiver de aprender o sistema
braile, por exemplo, irá àquela sala de recurso. Vai aprender o sistema braile ou
aprofundar-se em uma especificidade que só ele usa dentro da sala, e assim por
diante.
Portanto, temos uma proposta no sentido de apoiar a implementação de salas
de recurso em todos os Estados, com indicação de salas feitas pelos Municípios
pólos, de escolas feitas pelas Secretarias Estaduais. Nosso objetivo é formular o
conceito de que as salas de recurso podem, de fato, apoiar o processo de
escolarização.
Esse é o nosso posicionamento acerca da transformação de uma estrutura
que estava organizada como sistema de educação especial e sistema de ensino
regular, com a convergência desses recursos, dentro de uma proposta de educação
inclusiva.
A segunda pergunta diz respeito à formação dos professores da educação
básica — e também, agora, com formação inicial. O currículo contempla uma
diversidade de temas. São os temas transversais. Inclusive, quando falamos sobre
sistemas de ensino, defendemos que esses aspectos devem ser incluídos no
currículo. É preciso discutir o problema da valorização da diferença, do atendimento
às necessidades das pessoas. Um professor com formação, como estávamos
discutindo aqui, deve trabalhar com educação global, humanista, de formação de
valores. Dessa maneira, a escola exerce a sua plenitude, enquanto educação. Se a
pessoa atua dessa forma, dissemina dentro da escola uma formação adequada para
quem vai ser, por exemplo, engenheiro ou médico. Isso também contribui para o
progresso desses futuros profissionais.
Concretamente, o decreto de acessibilidade orienta para a questão
exemplificada aqui. Esse decreto, que é de 2004, regulamenta a Lei nº 10.048. Ele
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contempla a questão da acessibilidade urbanística, dos transportes, das
comunicações, da educação, dos meios de comunicação de massa. Como é
bastante novo, o decreto tem de ser divulgado para que seja cumprido pelos
Municípios.
Falou-se sobre a questão da cobrança. A escola tem de seguir a legislação.
Nenhum prédio escolar pode ser construído fora das normas de acessibilidade,
assim como os Municípios seguem normas para a construção de praças. As normas
de acessibilidade estão dispostas para a questão urbanística como um todo, assim
como para os meios de comunicação, de radiodifusão.
Além da necessidade de divulgação, é preciso que os órgãos competentes
cobrem os preceitos previstos no decreto da acessibilidade.
Obrigada.
A SRA. RONICE MÜLLER DE QUADROS - Falei sobre a questão da escola
especial versus escola regular. Não vejo essa dicotomia entre educação especial e
educação regular.
A educação inclusiva, na verdade, é um processo em termos de sistema,
conforme foi dito pela Secretária, e também individual.
A escola de qualidade é aquela que é melhor para o aluno. A educação
especial está mudando a sua maneira de ser, não apenas no atendimento direto ao
educando, mas também no apoio ao sistema regular.
Na minha opinião, as escolas especiais não devem desaparecer. Sou contra o
fechamento de escola especial e de classe especial. Mas essas escolas têm de
mudar a sua maneira de ser. Elas não podem ser um fim em si mesmas. O aluno
entra para a classe especial e um dia, quando tiver condições, vai se adaptar.
Se a escola regular está equipada e preparada para receber todos os alunos,
vai receber os alunos oriundos da escola especial, que deve se tornar, sim,
conforme foi dito pela professora, um centro de referência, de apoio mais
especializado, de formação de professores, um caminho para a inclusão.
Existem pessoas que realmente têm déficits cognitivos ou psicomotores
sensoriais muito sérios. Talvez elas aprendam melhor em um ambiente menor, mais
especializado, inclusive mais protegido. Mas a meta deve ser sempre promover o
máximo possível a inclusão.
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As salas de recursos não são a melhor forma de apoio para essa política de
educação inclusiva. Até porque é difícil conseguir professores itinerantes para
atender a todos os alunos com necessidades educativas especiais. As salas de
recursos não podem substituir a professora regular.
A grande questão da educação inclusiva, mais do que qualquer coisa, é trazer
para o sistema escolar a responsabilidade daquele aluno. Posso até, dentro de uma
situação específica, optar por uma escola especial que vá atender melhor aquele
educando naquele momento, mas tenho de estar com as portas do sistema regular
abertas.
Grandes instituições são economicamente inviáveis, não se justificam.
Algumas escolas especiais começaram o processo de inclusão ao contrário, abrindo
suas portas para alunos da comunidade. Depende também do tipo de deficiência:
uma pessoa cega não pode ir para a sala regular, se não tiver a leitura escrita, se
não tiver acesso ao sistema braile etc. Se um aluno surdo não tiver um professor de
sinais, não vai aprender. Pessoas com deficiência mental mais grave vão precisar de
compreensão. Até quando vão poder acompanhar a classe regular, com todos os
recursos, até pela questão da defasagem de série? Então, não podemos fechar as
portas, mas sim apresentar um processo inclusivo. Aliás, o termo da lei é “incluir” o
sistema especial dentro do sistema regular.
A escola especial não pode funcionar por conta própria, seja ela particular, da
APAE ou do Município. Ela tem de ter currículo, sistema de avaliação, mesmo que
diferenciado; tem de prestar contas à Secretaria de Educação; tem de ser
credenciada pelo Conselho Municipal ou Estadual de Educação. Não pode existir
para fazer caridade: “Coloquei meu filho lá; pronto, ele está atendido”. Ela tem
responsabilidade, mesmo que, naquele momento, seja para aquele aluno,
pedagogicamente, o mais adequado. Mas tem de ser uma escola. Muitas escolas
especiais são mais clínicas do que escolas.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Barbosa) - Com a palavra a Profª.
Ronice Müller
A SRA. RONICE MÜLLER DE QUADROS - Aproveito a última frase da
Profª. Ronice. O problema da escola especial é essa perspectiva clínica que está
associada a ela. Também não o vejo como uma dicotomia, porque há escolas
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regulares de ensino em que há surdos. Exemplo disso é a Escola Municipal Hellen
Keller, de Caxias do Sul; a Escola Lília Mazeron, que é estadual, em Porto Alegre; e
outra escola em Esteio, Rio Grande do Sul. São várias escolas regulares de ensino.
Os professores passam por todo o processo de capacitação do Município, do
Estado. Participam, inclusive, do processo de definição de políticas públicas, do
projeto político-pedagógico do Município e do Estado. São escolas regulares de
ensino para surdos e que não podem proibir a matrícula de nenhum outro aluno.
Então, se um aluno que ouve quiser matricular-se nessa escola, eles vão ter de
matriculá-lo. É uma opção da família. Por exemplo: eu sou filha de pais surdos.
Meus pais poderiam ter optado por me colocar na Escola Municipal Hellen Keller, em
outra época. Eu passaria para o ensino regular em Língua Brasileira de Sinais. Essa
é uma escola regular. Não a vejo como uma escola especial.
Então, é interessante pensar em escola regular de ensino para garantir o
acesso e a permanência do aluno, atendendo realmente a um grupo específico. E é
um desejo dos surdos de modo geral. Mas, pensando no todo, concordo plenamente
com a Cláudia em relação à política pública de que toda escola deve ter estrutura
para atender os alunos. É óbvio. Essa é uma luta que garante os princípios de
inclusão. Isso não exclui outras possibilidades de trabalho, que podem estar
inseridas e ser entendidas, inclusive, como processos inclusivos.
Nunca podemos perder de vista para quem é a inclusão, a quem ela serve.
Por exemplo, em vários processo de inclusão, na nossa realidade... Eu supervisiono
os estágios na USC. Então, acompanho, em toda a rede regular de ensino, a
inclusão de vários meninos e meninas. Em alguns momentos, pergunto, junto com
minhas estagiárias, para quem está sendo a inclusão daquela criança, porque o
processo de transformação é doloroso. A escola ainda não está preparada. Temos
de fazer tudo para prepará-la. A política é essa mesmo. Ao mesmo tempo, não
podemos perder de vista esse estado atual, que na verdade está favorecendo a
maioria. Para as crianças de modo geral, é fantástico começar a aprender língua de
sinais com surdo e conviver com cadeirante. Mas, e para ele, como está sendo? É
um processo doloroso, sofrido, porque não há estrutura, não há rampa. O processo
em que estamos, neste momento, é complicado, exige maior atenção.
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Na verdade, temos de fazer proposições pensando a longo prazo, numa
estrutura já constituída. Ao mesmo tempo, temos de perceber que estamos, muitas
vezes, tapando o sol com a peneira. Não podemos ignorar esse ponto intermediário
que está diante de nós.
Não sou a melhor pessoa para dar informações sobre o Teste da Orelhinha.
Ele existe, sim. Penso que tem de fazer parte dos programas de prevenção para
identificar a surdez. É fundamental identificá-la o quanto antes, inclusive por causa
do processo de aquisição da linguagem. Depois de identificado o problema, a
criança vai ter contato com a língua de sinais. Não vai ter problemas em relação ao
período crítico de aquisição nem perdas cognitivas e lingüísticas. Agora, quanto ao
custo, a pergunta tem de ser feita às pessoas certas. Não tenho como informar.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Eduardo Barbosa) - O assunto não se
esgotou. Quando entramos em algumas esferas, teremos de continuar a discutir a
questão. Mas o objetivo da Comissão não é estender o debate. Ele vai continuar em
outras ocasiões. As expositoras contribuíram para a elaboração do estatuto. Houve
algumas questões que inclusive foram complementares à Mesa de 15 dias atrás,
com visões um pouco divergentes, em alguns pontos. Então, deu para construirmos
uma média interessante.
Desde já, em nome da Comissão, agradecemos às nossas convidadas a
presença. Esperamos tê-las conosco em outras oportunidades.
Antes de encerrar os trabalhos, convocamos os Srs. Deputados para a
reunião de audiência pública do grupo temático sobre saúde, a realizar-se às 10h do
dia 14 de abril.
Está encerrada esta reunião.