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ESTUDO DA PROPAGAÇÃO DE ONDAS DE TENSÃO NUM FÉMUR CADAVÉRICO COM PROTESE CHARNLEY-MULLER Simões, 1. A.’, Cirne, J. M., Meio, f. Q.3, Vaz, M. A.3, Marques, A. T.3 1 Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Aveiro 2Depamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Coimbra Departamento de Engenharia Mecânica e Gestão Industrial da Universidade do Porto O principal objectivo deste trabalho consistiu no estudo da influência da artroplastia cimentada na propagação de ondas de tensão provenientes de forças de impacto na construção fémur- prótese. As forças de impacto, em situação real, podem resultar de uma queda acidental ou de outros eventos traumáticos, e as suas consequências podem ser reflectidas, com maior ou menor efeito, na inteiface do osso-implante. Depois de uma breve referência a diversos métodos de análise experimental de tensões para o estudo de problemas da biomecânica humana, é apresentada a análise efectuada sobre o efeito do cimento da construção osso-prótese na propagação das ondas de tensão com um procedimento experimental. INTRODUÇÃO É estimado que cerca de 400 000 ancas naturais são substituídas por artificiais em todo o mundo, naturalmente com maior incidência na Europa e nos Estados Unidos da América. Este valor por si significa que a actual artroplastia da anca é um tratamento cirúrgico de elevado sucesso. Na figura 1 é ilustrada uma radiografia de uma artroplastia não cimentada. E sabido que prótese da anca tem uma durabilidade limitada e, atendendo ao número de substituições da anca que actualmente são efectuadas, a possibilidade de um maior número de pacientes serem re-operadados é também maior. Os principais motivos que fazem com que um cirurgião ortopedista opte pela substituição total, ou parcial da articulação da anca, são vulgarmente a osteoartrite, artrite reumatóide, fractura do colo do fémur, e menos frequente, a necrose da cabeça femoral e deformações congénitas. O tratamento permite aliviar a dor e restaurar a mobilidade do paciente. Os bons resultados obtidos com este tratamento tem encorajado ortopedistas a aplicá-lo a grupos de pacientes mais jovens e/ou mais pesados, embora alguns resultados clínicos obtidos com estes tenham sido menos auspiciosos. Segundo Salvati (1988), cerca de um terço dos pacientes, com média de idade de 30 anos que se sujeitaram à substituição total da anca, necessitarão de uma re-operação. Esta percentagem dependerá obviamente das características físicas do paciente e do tipo de prótese. O melhoramento do projecto da prótese e das técnicas cirúrgicas permitirá certamente reduzir o número de re-operações no futuro, o que é desejável em termos económicos para o Serviço Nacional de Saúde. Existem dois tipos de próteses da anca: cimentadas e não cimentadas. A grande diferença entre estas reside no método de fixação. A fixação das próteses cimentadas é conseguida através de uma camada de cimento, o poli (metacrilato de metilo) (PMMA), entre o osso e a prótese. RESUMO 25

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Page 1: Departamento 1 Q.3, É -  · de análise experimental de tensões para o estudo de problemas da biomecânica humana, é apresentada a análise efectuada sobre o efeito do cimento

ESTUDO DA PROPAGAÇÃO DE ONDAS DE TENSÃO NUM FÉMURCADAVÉRICO COM PROTESE CHARNLEY-MULLER

Simões, 1. A.’, Cirne, J. M., Meio, f. Q.3, Vaz, M. A.3, Marques, A. T.31 Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Aveiro

2Depamento de Engenharia Mecânica da Universidade de CoimbraDepartamento de Engenharia Mecânica e Gestão Industrial da Universidade do Porto

O principal objectivo deste trabalho consistiu no estudo da influência da artroplastia cimentadana propagação de ondas de tensão provenientes de forças de impacto na construção fémur-prótese. As forças de impacto, em situação real, podem resultar de uma queda acidental ou deoutros eventos traumáticos, e as suas consequências podem ser reflectidas, com maior oumenor efeito, na inteiface do osso-implante. Depois de uma breve referência a diversos métodosde análise experimental de tensões para o estudo de problemas da biomecânica humana, éapresentada a análise efectuada sobre o efeito do cimento da construção osso-prótese napropagação das ondas de tensão com um procedimento experimental.

INTRODUÇÃO

É estimado que cerca de 400 000 ancasnaturais são substituídas por artificiais emtodo o mundo, naturalmente com maiorincidência na Europa e nos Estados Unidosda América. Este valor só por si significaque a actual artroplastia da anca é umtratamento cirúrgico de elevado sucesso. Nafigura 1 é ilustrada uma radiografia de umaartroplastia não cimentada. E sabido queprótese da anca tem uma durabilidadelimitada e, atendendo ao número desubstituições da anca que actualmente sãoefectuadas, a possibilidade de um maiornúmero de pacientes serem re-operadados étambém maior. Os principais motivos quefazem com que um cirurgião ortopedista optepela substituição total, ou parcial daarticulação da anca, são vulgarmente aosteoartrite, artrite reumatóide, fractura docolo do fémur, e menos frequente, a necroseda cabeça femoral e deformações congénitas.O tratamento permite aliviar a dor e restaurara mobilidade do paciente.

Os bons resultados obtidos com estetratamento tem encorajado ortopedistas aaplicá-lo a grupos de pacientes mais jovense/ou mais pesados, embora algunsresultados clínicos obtidos com estes tenhamsido menos auspiciosos. Segundo Salvati(1988), cerca de um terço dos pacientes,com média de idade de 30 anos que sesujeitaram à substituição total da anca,necessitarão de uma re-operação. Estapercentagem dependerá obviamente dascaracterísticas físicas do paciente e do tipo deprótese. O melhoramento do projecto daprótese e das técnicas cirúrgicas permitirácertamente reduzir o número de re-operaçõesno futuro, o que é desejável em termoseconómicos para o Serviço Nacional deSaúde.

Existem dois tipos de próteses da anca:cimentadas e não cimentadas. A grandediferença entre estas reside no método defixação. A fixação das próteses cimentadas éconseguida através de uma camada decimento, o poli (metacrilato de metilo)(PMMA), entre o osso e a prótese.

RESUMO

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O sucesso da artroplastia cimentadadepende não só do tipo de cimento, mastambém da geometria da prótese, uma vezque esta pode influenciar o comportamento àfadiga do cimento. A fixação com prótesesnão cimentadas depende das condições deligação “oferecidas” pela prótese nainterface. Tem sido precisamente o problemada fixação das próteses não cimentadas quetem estimulado o desenvolvimento derevestimentos bio-activos para a superfícieda prótese, de modo a obter a desejadafixação. São as tensões produzidas namterface que implicam o sucesso, ou não, daartroplastia da anca.

Desde que Chamley introduziu no mundoda cirurgia ortopédica, em 1958, o PMMA,é a artroplastia cimentada a mais realizadanas últimas três décadas (Park et ai., 1991).Não se pode duvidar do enorme sucessoobtido com a artroplastia de Charnley, nãosó devido à utilização do PMMA comoagente de ligação entre o osso e a prótese,mas também, devido à artroplastia de baixoatrito introduzida por Charnley (1974). Oresultado destas duas inovações é bemconhecida e pode ser confirmado pordiversos estudos efectuados (Herberts et ai.,1989; Malchau et ai., 1993), em que severifica que 10 anos após a realização daartroplastia de baixo atrito de Charnley por

cirurgiões da mesma nação, 93%continuavam em excelente funcionamento.

Não é bem definido o momento em quese pode considerar que a substituição total daanca tenha “fracassado”. Do ponto de vistaclínico, o excesso de dores e a deficientemobilidade do paciente são indicações para anecessária re-operação, estando-se,portanto, perante o “insucesso” daartroplastia da anca (Huiskes, 1993). Sinaisobtidos em radiografias de desselamento daprótese ou afundamento da mesma dentro doosso definem o insucesso, mesmo que opaciente se sinta “feliz” com a sua prótese(Huiskes, 1993). Desselamento é o termotécnico dado quando a prótese se solta doosso a que estava ligada. As razões para oinsucesso de uma artroplastia sãobasicamente o desselamento e fractura dacomponente femoral da prótese (haste),deslocamento da cabeça da haste do soquete,e desselamento do soquete (acetabulumartificial) (Balderstone, 1988). Os motivosde insucesso podem em parte ser devido àacumulação de dano, reacção a corposestranhos, rotura da ligação, efeito de stressshieiding e stress bypass, e por desgaste nocontacto tribológico entre a cabeça da haste eo soquete (Huiskes, 1993). Naturalmenteque cargas de impacto podem aumentar aprobabilidade de rotura da construção osso-prótese na interface.

Imensos estudos, numéricos eexperimentais sobre a biomecânica da ancaforam, e são, realizados, nomeadamentepara determinar o comportamento mecânicodo fémur intacto e implantado, em condiçõesestáticas e dinâmicas. Nos estudosexperimentais, diversas técnicas sãoutilizadas. Basicamente, as metodologiasaplicadas têm como objectivo a medição dedeslocamentos, deformações à superfície dofémur e análise de tensões. Parte destastécnicas têm sido aplicadas usandodispositivos de medição de deslocamentos,como por exemplo o L VD T, e aextensometria para a análise do campo dasdeformações. Os estudos numéricosefectuados aplicando o método doselementos finitos visam determinar ainfluência de diversos parâmetrosmecânicos, como a rigidez e existência, ounão, de colar na prótese, das diferentesformas de fixação da prótese ao osso, noprocesso de reconstituição adaptativa dotecido ósseo e na forma de transmissão dacarga na articulação à diáfise do fémur. Nafigura 2 é ilustrada uma malha de elementosfinitos tridimensionais típica de um fémur

figura 1: Radiografia de uma artroplastía nãocimentada (por cortesia do $r. Armando Campos).

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proximal utilizada em simulação numérica relativa facilidade provocar a rotura da(Dias, 1994). ligação entre a prótese e o osso, ou aumentar

a probabilidade de rotura na interface doosso-prótese pelo sucessivo acumular dedano.

Algum trabalho foi no entanto realizadosobre a influência de ondas de choque nainterface osso-prótese (Karpman et ai.,1987; May et ai., 198$; Park et ai., 1991).

Existem alguns estudos realizados comfotoelasticidade bidimensional etndimensional (Williams e Svensson, 1971;Simões et ai., 1994; Bedzinski, 1994).Simões et ai. (1994) realizaram um estudosobre o efeito dos músculos abdutores nadistribuição do campo das tensões de corteno fémur, utilizando a fotoelasticidadetndimensional. Na figura 3 são ilustradas asfranjas obtidas num modelo fotoelástico deum fémur proximal, solicitado com cargavertical aplicada na cabeça (Simões et ai.,1994). Métodos ópticos na análise deproblemas da biomecânica têm sidoaplicados, entre os quais, o ESPI (ElectronicSpeckte Pattern lnteiferometry). Esta técnicapermite verificar qual da rigidez da prótesena distribuição do campo dos deslocamentosà superfície do fémur, exemplo ilustrado nafigura 4.

Grande parte dos estudos sâo realizadosem condições estáticas, e não se verifica naliteratura da especialidade estudos realizadossobre a influência do tipo de artroplastia napropagação de ondas de tensão produzidaspor impacto. Estas cargas podem com

Figura 2: Modelo femoral de elementos finitos(Dias, 1994).

Fïgura 3: Franjas num modelo fotoelástico de umfémur proximal sujeito a uma força vertical nacabeça (Simões et ai., 1994).

Figura 4: Distribuíço do campo dosdeslocamentos através de ESPI num fémurcadavérico.

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INTERFACE OSSO-CIMENTOfyda et ai. (1991) utilizaram ondas dechoque para soltar implantes de superfícieporosa implantados em fémures de coelhos.Maharaj e Jamison (1993) estudaram o efeitodas forças de impacto do martelo cirúrgicoatravés de uma simulação laboratorial compróteses de material compósito.

Neste estudo, após uma breve referênciaa factores mecânicos que podem influenciara resistência das interfaces da artroplastiacimentada, é analisada a influência docimento na propagação das ondas de tensão(velocidade e intensidade) num fémur intactoe com prótese Chamley-Müller.

INTERFACE DA ARTROPLASTIACIMENTADA

A artroplastia com a utilização de cimentopara obter a fixação da prótese ao osso éilustrada esquematicamente na figura 5. Sãoduas as interfaces da artroplastia cimentada:a cimento-prótese e a osso-cimento. Ocimento tem relativa baixa resistência,portanto, é um dos elementos da ligaçãomais susceptível de rotura por fadiga. Arotura da interface cimentada pode emgrande parte ser atribuída ao processo defadiga do cimento, desempenhando as forçasde impacto neste processo um papelimportante. O facto de existirem vazios nainterface osso-cimento faz com que haja aconcentração de elevadas tensões, podendoprovocar a rotura do osso circundante ou docimento na interface.

1

cuti,

e--— Lateral Medial—

Vários factores, independentes entre si,podem afectar o processo de desselamentoda prótese. No início dos anos setenta, osmotivos de desselamento eram atribuídos ànecrose do osso proveniente do efeitotóxico, exotérmico e da contracção docimento. A elevação de temperatura docimento, na fase da cura, provoca o aumentoda temperatura no osso adjacente, que podeser suficiente para provocar a necrose domesmo. Contudo, estudos analíticos eexperimentais mostram que estapossibilidade é diminuta (Jefferiss et ai.,1975). Nos finais dos anos setenta, aatenção dos investigadores foi concentradana possibilidade da toxicidade do cimentoser determinante no desselamento da prótese(Morrey, 1991). Estudos à posterion vieramdemonstrar que o trauma químico e acontracção do cimento não eram osparâmetros mais importantes no mecanismodo desselamento (Morrey, 1991). Todavia,para evitar este mecanismo, vários métodosforam explorados para melhorar a resistênciada interface osso-cimento, como porexemplo, a limpeza da superfície óssea parapermitir um melhor contacto entre o osso e ocimento (Krause et ai., 1982). Outrosmétodos para melhorar a intrusão docimento no osso esponjoso foramdesenvolvidos, como por exemplo, ainjecção de cimento de baixa viscosidade.

INTERFACE CIMENTO-PRÓTESE

Embora o desselamento na interfacecimento-prótese seja provocada pela roturado cimento, não foi dada grande importânciaa esta interface até aos princípios dos anosoitenta. Na observação de radiografias pode-se verificar a existência de sinais nainterface, que até há pouco tempo eramatribuídas ao aluimento da prótese dentro docimento. O aluimento desta, só é possível,se entretanto tiver ocorrido a rotura dainterface ou fractura do cimento. Aresistência mecânica desta interface dependeda textura da superfície da prótese, do tipode cimento e do ar que é introduzido nainterface no momento da implantação daprótese (Morrey, 1991). A forma demelhorar a ligação mecânica pode ser obtidautilizando próteses com determinado tipo derevestimentos (Welsh et ai., 1971).

Outro tipo de estudos foram realizados,nomeadamente sobre o efeito de aditivos, domeio ambiente, e da porosidade na

Soquete

Acetabulum

Osso coffical

LI

Osso esponjosoCimentoPolietilenoPrótese metálica

fémur

Figura 5: Artroplastia cimentada (adaptado deDavidson e Georgette, 1986).

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resistência estática e fadiga do cimento.Relativamente aos aditivos, como o sulfatode bário e os antibióticos, os poucos estudosefectuados levam a concluir que, emboradesejáveis do ponto de vista clínico, podemdiminuir a resistência à fadiga de algunscimentos. Verificou-se ainda que o sulfatode bário provoca o decréscimo do tempo devida útil do cimento Zimmer solicitado àfadiga, mas não afecta a do cimento Simptex(Morrey, 1991). A adição de antibióticosparece não afectar o comportamento à fadigade cimentos misturados e preparadosmanualmente (Morrey, 1991).

Entretanto, outros investig adoresenfatizaram a importância da redução daporosidade para obter melhores propriedadesmecânicas do cimento (Morrey, 1991). Aredução de porosidade por centrifugaçãoprolonga fortemente a vida à fadiga docimento (Morrey, 1991). A percentagem, emtermos de aumento da resistência à tracçãodo cimento após centrifugação, relativamenteao convencional misturado manualmente,pode ser de 10 a 40% (Morrey, 1991).Usando parcialmente vácuo, verifica-se queo tempo médio de vida à fadiga é cerca desete vezes maior que o misturadomanualmente, e normalmente maior que ocentrifugado (Morrey, 1991). Teoncamente,a misturação por vácuo permite apossibilidade de reduzir a porosidade docimento melhorando as propriedadesmecânicas, mas não é claro no que dizrespeito à tenacidade.

MÉTODOS E MATERIAIS

Instrumentou-se um fémur cadavéricocom seis extensómetros do tipo CEA-06-125UN-350 da Micro-MeasurementsDivison, Measurements Group, mc. Trêsextensómetros foram colados no aspectomedial (Mi, M2 e M3) e outros três no lateral(Li, L2 e L3) como na figura 6. Na figura 7é ilustrada esquematicamente a localizaçãodos extensómetros e respectiva integração naponte de Wheatstone para o estudo dapropagação das ondas de tensão. Osextensómetros foram colocados de modoque as grelhas dos mesmos ficassemalinhadas segundo eixo do fémur. Adistância entre extensómetros é de 62.5mm,sendo o comprimento do fémur deaproximadamente 350mm.

Na figura 8, são indicados os resultadosdas ondas de tensão medidos nosextensómetros Mi, M2 e M3, portanto noaspecto medial da diáfise do fémur. Estes

resultados referem-se ao fémur intacto,portanto sem qualquer prótese implantada.Neste gráfico, é interessante verificar aestabilidade do atraso da onda entreextensómetros consecutivos, o que nospermitiu determinar a velocidade depropagação da onda de tensão. O valorestimado para a velocidade da onda detensão foi de 3100 m/s, cerca de 9% inferiorao valor de 3500 m/s medidos por Pelker eSaha (1991). A discrepância entre estesvalores pode ser atribuída a variações dehumidade e composição química nos ossosestudados, que como se sabe são variáveisde pessoa para pessoa. A forma como os

respectivos ossos foram armazenados e otempo que mediou desde a sua extracção atéao ensaio experimental são também factoresimportantes que podem afectar o valormedido.

Verificou-se que no aspecto lateral éproduzida uma onda de tensão de flexãodevida naturalmente à excentricidade dacarga em relação à diáfise do fémur. A ondade flexão foi verificada de forma notória nopar de extensómetros Li/Mi. Devido àrelativa baixa velocidade de propagação daonda de flexão, comparada com a onda detensão longitudinal, o sinal desta não foi tão

Figura 6: Fémur ínstrumentado para a anáiíse dapropagação das ondas de tensão.

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evidente nos pares de extensómetros L21M2e L3/M3.

Figura 7: Montagem experimental utilizada noestudo da propagação das ondas de tensão.

De referir que a carga de impacto eraexercida na cabeça da prótese/osso numadirecção paralela ao eixo do fémur, uma vezque se notava uma dependência acentuada daorientação da carga nos resultadosverificados no osciloscópio.

Após a análise dos resultados com ofémur intacto, este foi ressecado eintroduziu-se uma prótese Chamley-Müller,figura 9. A prótese foi implantada comcimento da marca Palacos R®, e analisou-sea propagação da onda de tensão para a novasituação.

A força de impacto na cabeça da prótesefoi efectuada da mesma forma que a dofémur intacto, com a mesma intensidade eorientação. Na figura 10 são apresentados osresultados obtidos no aspecto medial dofémur. Convém salientar que a distância

entre o ponto de aplicação da força e o eixoda diálise do fémur neste caso é menor.

Estes últimos resultados indicam que nãoexiste praticamente qualquer variação dapropagação da onda de tensão relativamenteà do fémur intacto. Houve uma diminuiçãoda intensidade da onda de tensão, que podeser explicada pela presença das duasinterfaces na trajectória da onda, prótese-cimento e cimento-osso. As interfaces entreestes meios provocam reflexões comacentuada atenuação da onda de tensão.Outro factor a ter em consideração pode estarna menor excentricidade entre a carga e ofémur, que contribui para a redução dacomponente de flexão da onda verificada nopar de extensómetros Li/Mi.

;EZft;I;

SEEEETN±f 4±

-----E E.

Figura 10: Resultados experimentais da onda detensão nos extensómetros Ml, M2 e M3 (fémur comprótese Charnley-Müller).

Força de impacto

Ponte de WlceatstoneLi

L2Fonte dc tensão

Amplificador dc sinal

Figura 9: Pormenor do fémur com próteseCharnley-Müller.

figura 8: Resultados experimentais da onda detensão no extensómetro Ml, M2 e M3 (fémurintacto).

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CONCLUSÕES EDESENVOLVIMENTOS

FUTUROS

Com o presente estudo, foi possíveldeterminar a velocidade da onda de tensãonum fémur cadavérico intacto e com próteseCharnley-Müller implantada. A velocidadeda onda de tensão obtida para ambos oscasos foi de 3100 mis, cerca de 9% inferiorao resultado publicado por Pelker e Saha(1991), não havendo praticamente diferençasentre as duas situações. Foi tambémverificado que a intensidade da onda detensão no fémur implantado é inferior de,vidoà presença da camada de cimento. E dereferir que não existe qualquer relação entrea carga de impacto aplicada neste estudo comas que eventualmente possam surgir emsituação real.

A técnica experimental empregue nesteestudo revelou-se eficiente, sendo possível adeterminação do valor da velocidade eintensidade de propagação da onda de tensãoao longo da diáfise do fémur, utilizando aextensometria que é um método experimentalpouco oneroso. O valor calculado davelocidade de propagação da onda de tensãonão parece ter sido influenciado pelapresença do cimento, o mesmo nãoacontecendo com a sua intensidade.

Futuramente, estudos idênticos serãorealizados com ossos frescos, de modo apossibilitar a determinação de resultados“idênticos” aos in vivo. O estudo a serrealizado incluirá a influência da rigidez e daexistência, ou não, do colar da prótese naeventual atenuação das ondas de tensão.Somos da opinião de que este trabalhopreliminar vai de encontro a importantesaplicações, não só na ortopedia, mastambém na biomecânica desportiva.

AGRADECIMENTOS

Os autores desejam agradecer ao DoutorManuel Leão, ortopedista do Hospital daUniversidade de Coimbra, pelo seuspréstimos na artroplastia realizada e nosconselhos dados sobre os cimentos para arápida fixação da prótese ao osso. Tambémgostaríamos de exprimir o nossoagradecimento ao Doutor Gilberto Costa,ortopedista do Hospital de São João daUniversidade do Porto, pelos seusconselhos na realização do estudo dinâmicoaqui apresentado.

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