denúncia espontânea na compensação tributária · consequência a extinção de débito e...

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Denúncia espontânea na compensação tributária O Código Tributário Nacional (CTN) previu, no seu artigo 138, o instituto da denúncia espontânea, assegurando aos contribuintes o direito de confessar a prática de determinada infração tributária e, com isso, obter a exclusão da penalidade. Como referida norma decorre do princípio da boa-fé, que norteia a relação entre Fisco e contribuinte, a exclusão da multa apenas se dá se a confissão for realizada antes do início de qualquer procedimento administrativo de fiscalização relacionado à infração em si. Ainda, para que o contribuinte faça jus à denúncia espontânea, não basta a confissão do débito, devendo haver também o pagamento do tributo devido (Súmula 360/STJ). Nesse ponto, a seguinte questão é intensamente debatida nos tribunais administrativos e judiciais: a denúncia espontânea restringe-se ao pagamento em dinheiro ou aplica-se também nos casos de compensação tributária? O artigo 156, I e II, do CTN estabelece como modalidades de extinção do crédito tributário, respectivamente, o pagamento e a compensação. Embora previstas em incisos distintos de um mesmo artigo, não há dúvidas que tais modalidades não se distinguem. Com efeito, a compensação pressupõe credor e devedor recíprocos e, portanto, assim como no pagamento, o encontro de contas em que o devedor paga/compensa o débito tem por consequência a extinção de débito e crédito. A compensação não difere do pagamento, pois ambos têm credores e devedores recíprocos. No âmbito tributário, a disciplina legal da compensação, por ora, restringe-se aos tributos federais. No início, tal modalidade de extinção da obrigação tributária foi prevista na Lei nº 8.383/91, sendo hoje disciplinada na Lei nº9.430/96 (e posteriores alterações) e regulamentada por diversos diplomas normativos editados pela Receita Federal. Inúmeros comandos legais dão à compensação a finalidade de pagamento de tributos. O artigo 7º do Decreto-lei nº 2.287/86, com a redação da Lei nº 11.196/05, prevê a compensação de ofício (de iniciativa do próprio Fisco federal), definindo que o valor a ser restituído ao contribuinte ou que ele teria direito à compensação pode ser usado para o pagamento de tributo devido. Várias passagens do Decreto nº 2.138/97, que regulamenta de forma geral a compensação na esfera federal, assim como o artigo 74, parágrafo 2º, da Lei nº 9.430/96, estatuem que a compensação implica a extinção do crédito tributário. Disso decorre uma constatação inequívoca: o crédito do contribuinte objeto da compensação é usado como verdadeira "moeda de troca" com o Fisco. É como se o contribuinte, ao pagar um tributo, ao invés de usar o dinheiro em espécie, use como moeda um crédito seu. Assim, inegável a conclusão de que todo o sistema jurídico aponta para a equiparação entre a compensação e o pagamento, o que deve ser aplicado para todos os fins. Nada obstante, a Receita Federal, por meio da Solução de Consulta COSIT nº 384, de 26 de dezembro de 2014, evidenciou a sua posição sobre o tema, sustentando que somente o pagamento permitiria o uso da denúncia espontânea, vez que a compensação não teria sido contemplada pelo artigo 138 do CTN. Tal posição teve reflexo direto no julgamento do tema nos tribunais administrativos e judiciais, os quais, até os dias de hoje, não uniformizaram a jurisprudência. Aliás, é possível notar, em ambas as esferas, que os julgamentos tendem a ser desfavoráveis aos contribuintes. Em 2 de junho deste ano, contudo, o Superior Tribunal de Justiça (S TJ), ao analisar o conceito de pagamento em matéria tributária no Resp 1.122.131/SC, consignou que a compensação é modalidade de pagamento. Conforme bem ficou registrado, a compensação não difere do pagamento, pois ambos têm credores e devedores recíprocos, de cujo encontro de contas resulta o mesmo efeito jurídico: a extinção da obrigação tributária.

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Page 1: Denúncia espontânea na compensação tributária · consequência a extinção de débito e crédito. A compensação não difere do pagamento, pois ambos têm credores e devedores

Denúncia espontânea na compensação tributária O Código Tributário Nacional (CTN) previu, no seu artigo 138, o instituto da denúncia espontânea, assegurando aos contribuintes o direito de confessar a prática de determinada infração tributária e, com isso, obter a exclusão da penalidade. Como referida norma decorre do princípio da boa-fé, que norteia a relação entre Fisco e contribuinte, a exclusão da multa apenas se dá se a confissão for realizada antes do início de qualquer procedimento administrativo de fiscalização relacionado à infração em si. Ainda, para que o contribuinte faça jus à denúncia espontânea, não basta a confissão do débito, devendo haver também o pagamento do tributo devido (Súmula 360/STJ). Nesse ponto, a seguinte questão é intensamente debatida nos tribunais administrativos e judiciais: a denúncia espontânea restringe-se ao pagamento em dinheiro ou aplica-se também nos casos de compensação tributária? O artigo 156, I e II, do CTN estabelece como modalidades de extinção do crédito tributário, respectivamente, o pagamento e a compensação. Embora previstas em incisos distintos de um mesmo artigo, não há dúvidas que tais modalidades não se distinguem. Com efeito, a compensação pressupõe credor e devedor recíprocos e, portanto, assim como no pagamento, o encontro de contas em que o devedor paga/compensa o débito tem por consequência a extinção de débito e crédito. A compensação não difere do pagamento, pois ambos têm credores e devedores recíprocos. No âmbito tributário, a disciplina legal da compensação, por ora, restringe-se aos tributos federais. No início, tal modalidade de extinção da obrigação tributária foi prevista na Lei nº 8.383/91, sendo hoje disciplinada na Lei nº9.430/96 (e posteriores alterações) e regulamentada por diversos diplomas normativos editados pela Receita Federal. Inúmeros comandos legais dão à compensação a finalidade de pagamento de tributos. O artigo 7º do Decreto-lei nº 2.287/86, com a redação da Lei nº 11.196/05, prevê a compensação de ofício (de iniciativa do próprio Fisco federal), definindo que o valor a ser restituído ao contribuinte ou que ele teria direito à compensação pode ser usado para o pagamento de tributo devido. Várias passagens do Decreto nº 2.138/97, que regulamenta de forma geral a compensação na esfera federal, assim como o artigo 74, parágrafo 2º, da Lei nº 9.430/96, estatuem que a compensação implica a extinção do crédito tributário. Disso decorre uma constatação inequívoca: o crédito do contribuinte objeto da compensação é usado como verdadeira "moeda de troca" com o Fisco. É como se o contribuinte, ao pagar um tributo, ao invés de usar o dinheiro em espécie, use como moeda um crédito seu. Assim, inegável a conclusão de que todo o sistema jurídico aponta para a equiparação entre a compensação e o pagamento, o que deve ser aplicado para todos os fins. Nada obstante, a Receita Federal, por meio da Solução de Consulta COSIT nº 384, de 26 de dezembro de 2014, evidenciou a sua posição sobre o tema, sustentando que somente o pagamento permitiria o uso da denúncia espontânea, vez que a compensação não teria sido contemplada pelo artigo 138 do CTN. Tal posição teve reflexo direto no julgamento do tema nos tribunais administrativos e judiciais, os quais, até os dias de hoje, não uniformizaram a jurisprudência. Aliás, é possível notar, em ambas as esferas, que os julgamentos tendem a ser desfavoráveis aos contribuintes. Em 2 de junho deste ano, contudo, o Superior Tribunal de Justiça (S TJ), ao analisar o conceito de pagamento em matéria tributária no Resp 1.122.131/SC, consignou que a compensação é modalidade de pagamento. Conforme bem ficou registrado, a compensação não difere do pagamento, pois ambos têm credores e devedores recíprocos, de cujo encontro de contas resulta o mesmo efeito jurídico: a extinção da obrigação tributária.

Page 2: Denúncia espontânea na compensação tributária · consequência a extinção de débito e crédito. A compensação não difere do pagamento, pois ambos têm credores e devedores

Essa decisão representa importante precedente para os contribuintes que possuem discussões em torno da denúncia espontânea em casos de compensação ou mesmo para aqueles que querem resguardar o seu direito à espontaneidade. O STJ fez questão de lembrar que a interpretação das normas tributárias não deve conduzir a um raciocínio jurídico ilógico, que defenda preponderância do interesse do Fisco na arrecadação de tributos, devendo haver harmonização das relações entre o poder tributante e os contribuintes. Ora, sobretudo no caso da denúncia espontânea, cujo objetivo essencial é o de regularização dos débitos dos contribuintes, e não o incremento dos cofres públicos, não se deve permitir que o Fisco se apoie em uma interpretação literal nitidamente arrecadatória, em detrimento da necessária interpretação sistemática das normas. Eis o que fez o STJ no REsp 1.122.131/SC, fazendo-nos crer, portanto, que tende a prevalecer na jurisprudência a decisão proferida pelo mesmo STJ no ano de 2010, quando, ao se deparar com a discussão aqui colocada, decidiu que a denúncia espontânea se aplica tanto nos casos de pagamento clássico quanto nas compensações, sendo o único requisito para tanto que o Fisco não tenha prévio conhecimento da infração antes da confissão do contribuinte (AgR-Resp. 1.136.372/RS). Portanto, os contribuintes que se sentirem lesados pelo não aproveitamento da denúncia espontânea em casos de compensação devem pleitear o afastamento da exigência da multa. Por Marcelo Annunziata e Rômulo C. Coutinho da Silva Artigo publicado no Valor (http://www.valor.com.br/legislacao/4713641/denuncia-espontanea-na-

compensacao-tributaria )